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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 77
ANO DE 1951 2 DE MARÇO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 77 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 1 DE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mo Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
Elísio de Oliveira Alves Pimenta
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 9 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 75 e 76 do Diário das Sessões, tendo o primeiro sofrido uma emenda, proposta pelo Sr. Deputado Pinto Barriga.
Deu-se conta do expediente.
Usou da palavra, o Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu, que fez considerações sobre a lei de imprensa.
Ordem do dia. - Continuou a discussão do aviso prévio do Sr. Deputado Mendes do Amaral sobre a execução da Lei de Reconstituição Económica.
Usou da palavra o Sr. Deputado Dinis da Fonseca.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 35 minutos.
Textos da Comissão de Legislação e Redacção. - Decretos da Assembleia Nacional sob a forma do resolução: autorizando o Governo da Rodésia do Sul a adquirir um talhão na cidade da Beira para instalação dos serviços do seu consulado; o Governo de Sua Majestade Britânica a adquirir uma casa na cidade de Lourenço Marques para residência oficial do cônsul-geral; o Governo dos Estados Unidos da América a adquirir na cidade de Lourenço Marques duas propriedades destinadas a residência dos seus funcionários consulares.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 59 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam, os seguintes Srs. Deputados:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Finto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
António de Sousa da Câmara.
Artur Proença Duarte.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
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Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Luís da Silva Dias.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Vasco de Campos.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 80 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 9 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Esta em reclamação o Diário das Sessões n.ºs 75 e 76.
O Sr. Pinto Barriga: - Peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: pedi a palavra sobre o Diário das Sessões n.º 75, porque no aviso prévio que fiz e que dele consta aparecem alguns lapsos de tipografia, que desejo rectificar.
Assim, a p. 421, col. 1.ª, l. 32, onde se lê: «sugestão», deve ler-se: «gestão»; na mesma coluna, a l. 66, onde se lê: «investimentos e a correlativa perturbação», deve ler-se: «investimentos embora com a correlativa perturbação»; na mesma página col. 2.ª, l. 5 e 6, onde se lê: «forma actuaria», deve ler-se: «fórmula actuarial de carácter prospectivo»; e a l. 7 da mesma coluna, onde se lê: «da repartição», deve ler-se: «da repartição dos encargos anuais ou previsíveis a curto prazo».
O Sr. Presidente: - Continuam em reclamação.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer qualquer outra reclamação, considero os referidos números do Diário aprovados com as rectificações apresentadas.
Vai ler-se o
Expediente
Telegrama
Do Grémio da Lavoura e da Junta de Lacticínios do Funchal cumprimentando a Assembleia pela publicação do decreto-lei que dá execução ao plano de repovoamento florestal do arquipélago da Madeira.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos solicitados pelo Sr. Deputado Melo Machado à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, em requerimento apresentado na sessão de 6 de Dezembro. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: li algures que determinado jornalista ou escritor de mérito, ao regressar há pouco ao seu país, dissera ou escrevera: «Em Portugal há todas as liberdades, menos a de imprensa».
Achei impressionante e expressiva esta opinião autorizada, sem embargo da excepção que estabelece. Na primeira parte ela confirma, afinal, a impressão de todos os estrangeiros de nomeada e de boa fé que aqui se acolhem ou que por aqui transitam, na ida para ou na volta de países convencionalmente denominados «democracias», que, não querendo deixar os seus créditos por mãos alheias ou receando que só os acreditem à força de o afirmarem, se julgam detentores dos papiros das liberdades puras - das liberdades ilimitadas a que tantas vezes imolam as essenciais à vida e ao pensamento humano.
Já o sabemos, e... já o experimentámos os que vivemos esta era de 900 no seu primeiro quartel, que seria útil comemorar também agora, em análise e exposição documentária retrospectivas, como expressão de uma época e para exemplo aos novos... e recordação dos velhos, nesta emergência em que jubilosamente e com razão se consagram os cinco lustros do Estado Novo.
É bem certo: quanto mais nos comparamos aos outros mais nos admiramos a nós e mais alto erguemos as graças e louvores pelo muito que Deus nos deu, pelo muito que a Deus devemos!
E é o raro dom que desfrutamos, é esta regalia de certas liberdades essenciais que, por si própria, nos possibilita vivermos a nossa vida - mesmo sem carecermos de, seguindo o exemplo das «democracias», declarar fora da lei e expurgar de todos os direitos de cidadania os que negam a Pátria, os inimigos da organização social do
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mundo civilizado e cristão, e até nos possibilitou, há pouco, amnistiá-los amplamente em tudo o que não revelasse crime comum grave ou de lesa-pátria, e pouco mais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A realidade é esta; mas, porque o é, e como realidade são os grandes factos que a determinam, o Estado não tem de recear, o Estado não pode recear, o Estado não deve recear ir mais além em tolerância para os que dela se mostrem dignos; tolerância que, ao fim e ao cabo, vai ser outro testemunho da consciência da sua razão, da certeza da sua força.
Compreendia-se que, seguindo o exemplo da primeira República, o Estado Novo, na sua fase embrionária, e por isso mesmo necessariamente incerta e instável, sem norte nem rumo definido, e porque o inimigo não desarmou, usasse do direito de legítima defesa e se precatasse com medidas legislativas ou meramente policiais destinadas a conter os ímpetos do adversário e a manter a ordem pública, não assegurada desde logo, como se revelou nalgumas tentativas goradas.
Mas o Estado Novo, o Estado Novo a que os mais optimistas só vaticinavam meses de vida, atingiu há muito tempo a sua maioridade, entrou na idade adulta, adquiriu prestígio e adquiriu força - a força da razão, que suplanta a das próprias armas -, e criou no seu activo uma obra inigualável e imorredoura, que nada e ninguém podem destruir, encobrir ou depreciar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E para isto, quanta vigília, quanto trabalho, quanto sacrifício e sofrimento e quanta resignação de tantos e tantos que, exaustos, já ficaram pelo caminho, e dos que vivem, mas, queimando a vida, continuam sempre e sempre esforçando-se por conduzir a Nação a melhores destinos, tendo à sua frente o estímulo e a acção de um homem que, pelo exemplo de suas virtudes e pela obra nunca igualada de um Governo de mais de vinte anos (quase um quarto de século!) conquistou o respeito e a admiração de todo o mundo civilizado. Conquistou, para os portugueses, Portugal e, para si, a gratidão dos portugueses!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A obra impõe-se em quantidade e qualidade suficientes para resistir a todas as investidas demolidoras, a todas as críticas dos que, acima da Pátria, coloquem as paixões, os ódios acerados pela impotência, os interesses, as vaidades feridas.
«Quem não deve não teme» é a expressão comum adequada, e «a Constituição considera a opinião pública elemento fundamental da política e administração do País» - disse o Governo no relatório do Decreto n.º 26:590, de 14 de Maio de 1936.
Eis as razões porque imagino poder-se tornar possível, ao aludido hóspede ilustre, se um dia aqui voltar, modificar o seu juízo sobre a excepção que formulou.
E, mesmo agora, ele, para ser justo, devia fazer o confronto com a realidade noutros países ou com o passado do nosso, também baptizado de «democracia»; com esse passado tenebroso, em que as liberdades eram tantas que, atropelando-se, se esvaiam em sangue ou se convertiam em reacções de despotismo e tirania, de que foi imagem flagrante a «acção directa», que teve precisamente a imprensa por melhor testemunha e maior vítima.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Há quatro anos, na sessão de 11 de Fevereiro de 1947, ao realizar um aviso prévio sobre as importantes reformas de justiça, apontei a conveniência da revisão da lei de imprensa, cujo diploma fundamental data de 29 de Julho de 1926, e, portanto, de há cerca do vinte e cinco anos; revisão que aliás, se não estou em erro, havia sido anunciada.
Fazia-se mister actualizá-la, enquadrá-la numa nova ética, em novos princípios, ir ao encontro de justas aspirações, sem que todavia estas deixassem de ser condicionadas por aquele conceito de que «a imprensa é um enorme poder para o bem e deve evitar ser um poder para o mal»; conceito que ela tem e, na generalidade, nobremente respeita.
E aquela necessidade mais se acentuou depois de ter sido modificada estruturalmente, nas grandes reformas de 1945, a orgânica objectiva dos processos penais e a competência e funcionamento dos tribunais respectivos.
Mas, como fiz então - e sem que isto enfraqueça o império daquela necessidade -, não deixo de acentuar que a legislação anterior àquele decreto ditatorial do limiar do Estado Novo, completado, quanto à censura prévia, especialmente pelo n.º 22:469, de 11 de Abril de 1933, representou, apesar de tudo e sob determinados aspectos, um passo de valor em beneficio da liberdade de imprensa.
Sim, meus senhores!
Basta salientar que a legislação do Estado Novo não só aboliu, mas expressamente proíbe e pune, no artigo 9.º daquele primeiro decreto, a apreensão dos jornais e demais publicações, que na primeira República, antes, durante e depois da grande guerra, podia ser ordenada (Decreto de 28 de Outubro de 1910, § único do artigo 2.º; Lei de 12 de Julho de 1912, artigo 3.º; Decreto n.º 2:270, de 12 de Março de 1916, artigo 1.º; e Lei n.º 495, de 28 de Março de 1916, artigo 4.º).
E esta violentíssima, ampla e arbitrária faculdade das autoridades administrativas e policiais, sem regra nem limite, ainda não contivera a tal «justiça popular» na sua longa teoria de assaltos, empastelamentos e roubos, só possível nos países de liberdades sem controle, melhor dizendo, de «licença» sem limite, e, é claro, visaram a imprensa desafecta ao despotismo dominante. E, como é óbvio, aquela ampla atribuição do foro policial era a mais violenta e mais prejudicial que podia haver para os jornais, revistas, livros e mais publicações, pois inutilizava completamente o trabalho feito e o enorme dispêndio consumado em composição, impressão, papel, etc., sem possível resgate.
Não. Do nenhum modo podem servir-nos de apoio a legislação, a atitude e os exemplos de um passado de triste recordação. O que conta é, sim, o reconhecimento directo da existência de normas que hoje são rigorosas, excessivas, que, como disse, o dealbar do regime actual justificava, mas a normalidade e a segurança presentes dispensam e tornam irrevelantes, o mesmo contraproducentes. E mesmo contraproducentes, insisto, porque a «censura» origina o «segredo da abelha»; e uma excessiva restrição à divulgação e crítica na imprensa facilita a divulgação clandestina deturpada a calúnia, o boato tendencioso, a criticazinha por vezes traiçoeira, malévola e dissolvente do café ou do soalheiro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Em geral, pior do que aquilo que possa dizer-se ou publicar-se é o proibir que se diga e publique.
E quantas, quantas vezes se quebram nas mãos dos que as empunham as armas apontadas contra os outros!
Todos se recordam daquela fase de panegírico, retrato e entrevista nos períodos eleitorais de 1945 e 1946.
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Salvo casos excepcionais, foi como se uma barragem se abrisse ou extravasasse, espraiando pela terra ondas de veneno, que na verdade perturbaram a normalidade na vida e na Administração, encorajaram o inimigo e alarmaram os tímidos e certos acomodados, que, para manterem posições, até à aliança do diabo tinham de ajeitar-se.
Efectivamente, chegou a haver em certas classes um esboço de perplexidade e de incerteza. Mas isto não proveio, principalmente, do que se disse ou escreveu, mas precisamente do estado de melindre e de susceptibilidade que o exagero de restrições anteriores originara na opinião pública - frágil e volúvel como pluma ao vento.
Por isso, produziu então nela mais escândalo que faltassem ainda duas camas num hospital, um caminho no sertão ou uma escola em lugarejo de três fogos do que, há cerca de trinta anos, ter um Deputado democrático, mais tarde Presidente do Ministério, revelado no Parlamento que o País estava a saque.
Pois bem!
Apesar de tudo, que resultou de o Governo ter mandado abrir por completo em 1945 e largamente em 1949 a válvula de segurança? O resultado foi a retirada - que só quero denominar estratégica - do inimigo, o completo desmoronamento das suas campanhas alicerçadas em argila; e em 1949 a confusão, os conflitos e as desordens foram tais, naquela barafunda de homens e de ideias denominada por Botelho Moniz torre de Babel, que a polícia foi chamada a intervir para salvar os mitos, aqueles mitos que Tito Arantes lapidarmente flagelou! E o portador deles, cuja boa fé fora iludida, encontrou na nobreza e generosidade do Governo a garantia da sua integridade ameaçada.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Numa palavra, os resultados das liberdades concedidas à imprensa foram: a ineficácia da campanha, totalmente aniquilada pelas realidades postas perante os olhos, mesmo dos que não querem ver, e pela réplica devida, feliz e brilhante que lhe deram os homens da Situação; a autoliquidação dos inimigos; o Estado Novo e o seu Governo vitoriosos e fortalecidos, e - verdade se diga - advertidos de algumas verdades, o que também não foi mau. E por fim, como revelação desta última verdade consoladora, o arquivamento puro e simples da lista ou cadastro pessoal dos amigos da «democracia» ... e mais de «eleições livres»!
Sr. Presidente: a actual lei (Julho de 1926) começa por declarar licito a todos manifestar livremente o seu pensamento por meio da imprensa, independentemente de caução ou censura e sem necessidade de autorização ou habilitação prévia. E, é certo, em grande parte limita-se a reproduzir e adaptar à imprensa a classificação dos delitos de direito comum e as penas já definidas e classificadas no Código Penal (injúria, difamação, calúnia, ultraje à moral pública e provocação ao crime). Neste aspecto não é legítimo opor objecção, porque se trata de normas de direito penal mais ou menos comuns em toda a parte e respeitam à vida e dignidade humanas.
Deve, na verdade, à maior liberdade opor-se a maior responsabilidade.
E não pode dizer-se que são graves as penas aplicáveis entre nós, se em alguns casos verificarmos o que sucede noutros países.
Um exemplo basta:
Relatou A Voz há pouco que, por um jornal de Santiago do Chile ter noticiado que se haviam demitido oficiais aviadores dos Estados Unidos escolhidos por sorteio para combater na Coreia, o director foi condenado em quinhentos e quarenta e um dias (ano e meio) de prisão o 10:000 pesos de multa e o editor em três anos e um dia de prisão e em multa igual.
Mas o decreto considera também abusos de liberdade de imprensa todos os crimes previstos na legislação de 1910 (Decreto de 28 de Dezembro), de 1912 (9 e 12 de Julho) e 1916 (12 de Março) e particularmente a exposição e venda de publicações da qualidade e da natureza e com o conteúdo que enumera. Quer dizer: foi buscar à tal «democracia individualista» o necessário e o demasiado.
Ora afigura-se-me que, além da actualização de toda a parte objectiva e formal, é especialmente nos defeitos e exageros transportados da legislação de tempos idos que deve incidir a revisão do problema.
Apoiados.
Contemplemos, porém, o ponto crucial.
A atenção deve incidir também, e especialmente, sobre o principal diploma regulador do exercício da «censura prévia» ou seja o mencionado Decreto de 1933, que, apesar de (como a Constituição e o Decreto de 1926) garantir a expressão do pensamento, ultrapassa o justo limite nas restrições que origina, embora, porventura, menos no texto do que na interpretação. Vai além do que é necessário e mesmo além do que é conveniente.
Estabelece que a «censura» terá somente por fim impedir a perversão da opinião pública na sua função de força social e deverá ser exercida por forma a defendê-la de todos os factores que a desorientem contra a verdade, a justiça, a moral, a boa administração e o bem comum, e a evitar que sejam atacados os princípios fundamentais da organização da sociedade.
A primeira conclusão a tirar do texto é que ele é impreciso e, portanto, naturalmente, irremediavelmente, presta-se às mais variadas interpretações, conforme a opinião, o critério dos que desempenham a função, por melhores que sejam (e têm sido) a dignidade, o escrúpulo, a boa vontade dos que se empreguem na ingrata e delicada função.
O mal é, pois, de origem e só pode remediar-se com a revisão do problema, limitando-se e sistematizando-se com a possível concretização os casos cuja publicidade seja defesa. Devem ser as comissões de censura as primeiras a desejá-lo.
E a meu ver esses casos deveriam limitar-se a noticias falsas ou tendenciosas que possam alarmar subitamente a opinião pública ou induzi-la em erro grave, revelação de segredos de Estado ou noticias e comentários sobre assuntos de ordem internacional que possam afectar a soberania ou o prestígio da Nação, e ainda todas as propagandas subversivas contra ela, contra a sociedade constituída ou contra a autoridade ou seus agentes. São razões específicas todas graves e para além das quais não me parece dever-se ir, porque o resto a contemplar pode cair sob a alçada do direito comum.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para se evitarem os inconvenientes que resultam do sacrifício do social ao individual ou a absorção do individual pelo social,
importa não destacar da unidade verificadora em que se aglutinam a liberdade e a autoridade. A liberdade não é a faculdade de dirigir em todos os sentidos, sem topar com obstáculos, os efeitos da própria vontade; uma tal concepção traz em si o germe da própria destruição. A autoridade, por sua vez, não consiste em subordinar a personalidade, como elemento sem vida, à «omnipotência» do «todo»
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social. Por uma e outra forma se destroi o conceito que se pretende exaltar e se alcança como resultado a desorganização social,
disse o Sr. Ministro da Justiça numa sessão de propaganda eleitoral realizada em 4 de Novembro de 1945.
Enquadrada neste conceito, pode haver liberdade de crítica e mesmo permitir-se em cada jornal, talvez, uma tribuna livre com o direito de réplica assegurado, e a que apenas se oponham as restrições que indiquei.
Espécie de terra de ninguém, onde caberiam todas as opiniões honestas sobre as linhas mestras da organização política e social da Nação, sobre todos os mais problemas de interesse nacional e construtivamente se apreciasse a acção e a política dos Governos. Preconizou-o com argumentos ponderáveis, num interessante comentário sobre a «censura prévia», o ilustre homem de letras e antigo jornalista Alberto de Monsaraz, embora chamando-lhe «tribuna da oposição»; salientou a vantagem e a justiça de a réplica surgir no mesmo periódico e, portanto, com igual divulgação.
Trata-se de uma sugestão digna de ser contemplada.
Segue-se muito a propósito referir-me ao caso especialíssimo da «censura prévia» sobre o relato das sessões parlamentares.
A posição dos Deputados está suficientemente esclarecida e regulada na Constituição.
Os membros da Assembleia Nacional são invioláveis pelas opiniões e votos que emitirem no exercício do mandato; mas esta inviolabilidade não os isenta da responsabilidade civil e criminal por difamação, calúnia, injúria, ultraje à moral pública e provocação pública ao crime; e pode ser retirado o mandato aos que emitirem opiniões contrárias à existência de Portugal como estado independente ou por qualquer forma incitem à subversão violenta da ordem política e social (§§ 1.º e 2.º do artigo 89.º).
A inviolabilidade das opiniões e dos votos são opostas aqui, afinal, restrições que alguns passos do próprio Código Penal (artigos 407.º e seguintes e 483.º) e da lei de imprensa (artigos 10.º e seguintes) opõem genericamente à liberdade de expressão do pensamento, assegurada na Constituição, bem como naquela lei de 1926 e na da censura prévia.
Não é suficiente?
Isto de censura prévia nos relatos parlamentares, nomeadamente na parte que seja reprodução textual das palavras dos oradores, é um problema transcendente, incomportável na brevidade destes apontamentos, forçosamente breves.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - É uma «censura prévia» digna de um «aviso prévio».
Mas, felizmente, não se justificam receios com relação à Assembleia Nacional, não obstante, contra o que malévolamente se propala no País e no estrangeiro, todos os Deputados terem gozado sempre de plena liberdade de crítica e de voto, como está documentado no Diário das Sessões e nomeadamente nos resultados de numerosas votações insubmissas aos desejos ou às intenções do Governo, e não revelando uniformidade por sectores ou facções ou partidos, como antigamente.
O Sr. Pinto Barriga: - V. Ex.ª dá-me licença?
Folgo prestar a minha sincera homenagem à coragem com que marcou toda a parte construtiva da liberdade de imprensa nesta sua bela exposição.
Permitam-me VV. Exas. que eu exteriorize toda a minha consideração pelo Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu, que, tanto nesta Assembleia como na antiga Câmara dos Deputados, defendeu sempre com arreganho e nobre altivez a sua opinião e os seus ideais.
Repermitam-me que acentue a inteira liberdade de opinião de que tenho gozado nesta Câmara e que nem sequer é uma excepção para um Deputado independente - é a mesma de que gozam todos os meus ilustres colegas desta Câmara. Essa liberdade foi-me sempre assegurada sem qualquer esforço, resulta naturalmente do ambiente de extrema correcção em que decorrem os trabalhos parlamentares sob tão inteligente direcção do Sr. Presidente, que defende, como sempre, o prestígio e a dignidade deste órgão de soberania.
As interrupções que às vezes animam os meus discursos nesta Casa são destinadas, pela sua maior parte, a elucidar o debate e não, como por vezes me sucedia no passado, a perturbar a boa marcha da exposição.
Não renego a camaradagem dos homens de então, mas reconheço que neste aspecto gozo de uma mais perfeita e serena liberdade de expressão.
Termino agradecendo a V. Ex.ª o obséquio de ter permitido interrompê-lo e, ao mesmo tempo, a grata satisfação de prestar a V. Ex.ª uma justíssima e calorosa homenagem e ainda fazer a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e aos meus ilustres colegas inteira justiça.
O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª as suas generosas palavras. Seja qual for a posição que se tome no problema, convém, para prestigio da instituição, evitar-se a repetição de factos que, nem por serem praticados de boa fé e resultarem de erros de interpretação ou diversidade de critérios sobre disposições imprecisas da lei deixam de ser lamentáveis.
Haja em vista o que já tem sucedido.
Como consta do Diário das Sessões, na sessão de 21 de Março de 1950 o ilustre Deputado Daniel Barbosa revelou que no relato da imprensa haviam sido suprimidos períodos inteiros e truncadas determinadas frases de um discurso seu, transcritas do original que a imprensa lhe solicitara. A seriação de razões, factos e números que articulara para justificar as suas conclusões resultou incompleta e sem continuidade, podendo inclusivamente levar a supor que a argumentação era destituída de apoio, e tendo resultado também nalguns passos a alteração do verdadeiro sentido das frases ou da sua expressão.
Terminou declarando-se profundamente magoado e convencido de que o incidente não voltaria a repetir-se, pois, de contrário, ver-se-ia forçado a reagir.
Logo o Sr. Dr. Mário de Figueiredo nobremente sublinhou, em aparte, a declaração do orador de que nem V. Ex.ª, Sr. Presidente, nem o Governo tiveram intervenção directa ou indirecta no assunto; e V. Ex.ª, naquelas palavras sóbrias, discretas e oportunas que são seu timbre e as próprias da sua nobre e alevantada função, confirmou - sem que, aliás, necessário fosse - aquela afirmação e lamentou o acontecimento, acentuando que lhe é sempre grato que a imprensa de todo o relevo aos trabalhos parlamentares, para prestigio da instituição e no interesse do País, mas sempre com sujeição à verdade essencial dos factos, como é seu hábito.
Escusado será acrescentar que o Sr. Engenheiro Daniel Barbosa usara do seu direito de cidadão e de parlamentar, e comentara apenas erros de administração praticados numa empresa particular.
Mas o facto repetiu-se recentemente com o mesmo Deputado.
A reportagem do brilhante discurso que o Sr. Deputado Daniel Barbosa pronunciou em 14 de Dezembro último no debate sobre a proposta da Lei de Meios para 1951 e que nós interessadamente ouvimos ou lemos foi sacrificado em vários passos por cortes de frases impor-
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tantes, algumas das quais eram transcrição do original, que no orador fora solicitado.
Ora, todos os que ouvimos este discurso e os que o leram no Didrio daát SemaeR podemos assegurar que só algum equívoco ou a erro de interpretação pode atribuir-se este facto. Efectivamente nenhuma das passagens do discurso do orador podia ser considerada abrangida pelas disposições legais que regulamentam a actuação da censura. Apoiados.
Não pode deixar de reconhecê-lo mesmo quem discorda dos pontos de vista que o Sr. Engenheiro Daniel Barbosa expõem, com o seu habitual desassombro, mas com aprumo e elevação, e não esquecendo [...] responsabilidades da sua missão e do seu nome o é que lhe impõe o patriotismo, que não esquece e, entes, o inspira. Não pode deixar de reconhecê-lo mesmo quem entenda que o problema da censura pode ser encarado de modo diverso daquele que perfilho.
Sei - o é já do dominio público, sem que ela o divulgasse - que o Sr. Engenheiro Daniel Barbosa, embora tenha - como tem, como todos temos- a certeza de que nem a V. Ex.ª nem ao Governo cabe responsabilidade neste novo incidente, está profundamente magoado a comunicação a V. Ex.ª
Compreende-se. A sua mágoa é legitima e eu por mim preste-lhe a solidariedade que espontaneamente resolvi trazer-lhe, nesta oportunidade que o seu caso me ofereceu para voltar a ocupar-me da liberdade de imprensa e da censura prévia.
O Sr. Melo Machado: - A solidariedade não é só de V. Ex.ª; suponho que é de todos nós.
O Sr. Presidente: - No discurso que acaba de proferir o Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu há uma referência a que eu não posso deixar de responder. É aquela em que se diz que o Sr. Deputado Daniel Barbosa manifestara ao Presidente desta Assembleia a sua mágoa por uma nova intromissão da censura no seu discurso sobra a Lei de Maios.
Efectivamente o Digno Deputado Daniel Barbosa manifestem por escrito a sua mágoa por uma nova e grave intromissão ás censura no relato da imprensa sobro a sua [...], parlamentar na discussão da Lei de Meios.
Não dei do facto conhecimento à Câmara por reputar mais conveniente o possível solucionar o incidente por [...], utilizando a confiança com que o ilustre
Deputado mo tem honrado o [...] que « o tempo o concurso das amizades que nesta Casa o têm rodeado reacendessem, no seu espirito - a saudade e o entusiasmo
pelas [...] parlamentares que até hoje não consegui reduzir inteiramente os melindres justificados do Sr. Deputado Daniel Barbosa, conto desde agora com isso.
Certamente a Câmara sentiria deveras o desinteresse de S. Ex.ª, por [...] [...] útil ao País e tão elevada, para cujo exercício a Nação lhe conferia com justiça o mandato.
Vozes: - Muito bem!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Carlos Moreira: - Os apoiados da Assembleia, foram bastantes; chegaram para demonstrar que essa solidariedade é igual em todos.
O Orador: - São cerimoniosas as minhas relações pessoais com o Sr. Deputado Daniel Barbosa, e ligações políticas tenho com o ilustre homem público e antigo Ministro as que há entre todos nós os que trabalhamos a bem da Nação.
Mas é nosso colega. e bastava simplesmente esta circunstância para eu, com as homenagem que lhe presto, manifestar o desejo - aliado à esperança - do que
obtenham êxito os bons ofícios de V. Ex.ª para que o Sr. Deputado Daniel Barbosa possa continuar a conceder à Assembleia a sua valiosa colaboração. Valiosa e necessária, [...] porque todos não somos demais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sim, Sr. Presidente: todos não somos demais; e, pelo nome dado, como representantes da Nação o no exercício de um poder independente, devemos [...] pela sua autonomia e reagir contra- tudo o que possa [...] sua função e o seu prestigio. E Governo, autoridades ou quaisquer serviços do Estado devem colaborar connosco neste sentido, para que se quebrem os dentes da calúnia, divulgada mesmo lá por fora através de comentários falsos e tendenciosos dos que, ao [...] o nosso Parlamento, se baseiam no que ele faz, e viram narrado nalguma espécie de Almanaque de Gotho, anterior a 1926, que ainda aproveita aos espíritos que discorrem com, retardidor.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Por mim ser-me-ia muito agradável que não se produzissem facto, desta natureza, aos [...], penso, o Governo tem sido estranho.
Quero, todavia, que fique bem claro que a censura-se exerceu sobro os relatos parlamentares da imprensa, o não sobre o texto dos discursos.
0 texto dos discursos parlamentares, esse tem a plena garantia da sua íntegra publicação no Diário das Sessões, a Câmara sem outra fiscalização que não seja a da [...] aquela que a penhorante confiança de V. Ex.ª me permite exercer sobre questões de mera forma.
A Câmara compreende na sua, verdadeira medida as gravíssimas responsabilidades de quem governa, de quem tem de defender a opinião pública de desvios [...].
A Câmara compreende o avalia a delicadeza das funções da censura, que tem de evitar, de um lado a asfixia da crítica, salutar, indispensável, do outro a excitação demagógica das paixões populares.
Mas a Câmara tem consciência viva da necessidade de me a voz ponderada, da Assembleia, Nacional chegue ao [...] e no Governo na sua integridade e na sua verdade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio apresentado pelo Sr. Deputado Mendes do Amaral sobre a execução da Lei de Reconstituição Económica.
Tem a palavra o Sr. Deputado, Dinis da Fonseca.
O Sr. Dinis da Fonseca: - Sr. Presidente: quando fez dez anos abandonei estes trabalhos, ocupava V. Ex.ª, um lugar de merecido relevo nesta Assembleia. Quis ela depois confiar-lhe o honroso encargo da sua presidência.
A essa justíssima homenagem me teria associado com o meu voto de Deputado se porventura tivesse estado entre presente, e esse voto exprimiria, ainda a minha consideração de velho camarada de luta e [...] uma sincera estima pessoal.
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É tudo isto que querem significar as saudações que dirijo a V. Ex.ª ao tomar de novo contacto directo com esta Assembleia, e digo contacto directo, porque o contacto espiritual nunca o perdi.
Nunca deixei de ser Deputado e de acompanhar os trabalhos da Assembleia, através da leitura atenta do seu Diário.
Dos velhos e queridos companheiros que aqui deixei, eu não os lia apenas, ouvia a sua voz, que me era familiar, ao perpassar os olhos pelos seus discursos, e, quanto aos novos Deputados, ia aprendendo a conhecê-los e a admirá-los no contacto espiritual com os seus estudos e trabalhos.
Permita-me V. Ex.ª que a todos torne extensivas, nesta hora, as minhas mais sinceras e amigas saudações.
Na altura em que me é dado intervir neste debate não desejaria cansar a Assembleia, já suficientemente elucidada pelos brilhantes discursos proferidos nesta tribuna por pessoas cuja competência não me seria nunca dado igualar.
Quero felicitar, de uma maneira geral, o ilustre relator deste aviso prévio, porque, se bem que nem sempre pudesse estar de acordo com S. Ex.ª - e no decorrer s minhas considerações aflorarei um ou dois desses pontos -, no entanto, as pequenas divergências não diminuem a minha consideração pelo seu brilhante trabalho, cheio de análise penetrante, de competência e saber.
Se eu bem compreendi, a intenção de S. Ex.ª ao trazer este aviso prévio e o objectivo que consta expressamente do relatório de S. Ex.ª o Presidente do Conselho que está em discussão não é fazer deste debate uma discussão parcelar de contas públicas, mas antes poder tirar da análise da Lei n.º 1:914, da sua experiência económica, dos seus resultados, novas directrizes para habilitarem o Governo a formular nova proposta de lei que permita continuar a obra de reconstituição económica ou de reconstituição nacional iniciada pela Lei n.º 1:914.
O simples enunciado deste objectivo divide o assunto em duas partes: a análise da Lei n.º 1:914 e as possíveis directivas da nova proposta de lei.
Cada uma destas partes poderia e pode desenvolver-se sob vários aspectos, alguns deles, como disse, já aqui brilhantemente tratados.
Permiti-me, por isso, contribuir para a elucidação desta Assembleia com alguns aspectos financeiros do problema. Pareceu-me que a escolha deste aspecto era para mim dever de oficio, ou, melhor dizendo, consequência das responsabilidades assumidas como modesto colaborador (não apoiados) do ilustre titular que foi da pasta das Finanças, o Dr. Costa Leite, com quem trabalhei durante seis anos.
Repito, Sr. Presidente, modesto colaborador, porque em matéria de finanças fiquei apenas compreendendo melhor o valor de determinados princípios, ao vê-los funcionar em face das realidades e da grandeza dos terríveis problemas que passam por esse sector da administração pública, porventura um dos mais ingratos, e ingrato porque todos acham muito quando se paga, e todos acham muito pouco quando se recebe.
Nenhuma glória me cabe, Sr. Presidente, na inteligente e competentíssima administração do Sr. Dr. Costa Leite, mas, neste lugar ou em qualquer outro, não tenho dúvida em assumir as responsabilidades que a essa administração se pedir.
O ilustre relator deste aviso prévio principiou por fazer algumas alusões históricas ao ambiente em que foi votada a Lei n.º 1:914, e eu reputo tão valiosos os ensinamentos que se podem tirar desse ambiente histórico que me permito, com licença de S. Exa., glosar algumas das suas considerações sobre este aspecto.
Não sei qual o ambiente que reinava no Governo do tempo ao ser redigida e apresentada a proposta. Sobre isso poderiam dar-nos valiosa elucidação os dois ilustres membros desta Assembleia que nessa altura dele faziam parte, Srs. Deputados Linhares de Lima e Engenheiro Sebastião Ramires, que ocupava a pasta do Comércio e Indústria, naturalmente ligada ao desenvolvimento da proposta da Lei n.º 1:914.
Mas o que eu sei, Sr. Presidente, é que essa proposta foi recebida na Câmara Corporativa e nesta Assembleia num ambiente da maior incompreensão e da maior desconfiança.
O parecer da Câmara Corporativa confessa lealmente que foram tão pouco compreendidos os objectivos da Lei n.º 1:914 que o ilustre redactor desse parecer, aliás um homem público experimentado e duma honestidade inconcussa, só se habilitou a redigir o seu parecer depois de ter consultado directamente o Sr. Presidente do Conselho e de ouvir da sua boca os objectivos dessa lei. E é explicável essa incompreensão. Vivia-se nesse momento num ambiente internacional de planismo; começavam a desenvolver-se nessa altura os 500 códigos da acção dirigista rooseveltiana, na América, com os quais se procurava atenuar as consequências do crack de 1929, em que o «fordismo» se afundara, e atenuar por um dirigismo apertado a situação de crise em que se encontrava a economia americana.
O planismo na Itália, onde Mussolini fizera o grande plano da Bonifica, preparando a euforia social para a aventura da Etiópia, planismo que na Rússia apresentava os seus famosos planos quinquenais, que viriam denunciar o erro colossal do gigantismo económico aplicado a um único sector sem ser correspondido pela acção desenvolvida noutros. Suponha-se pois que a Lei n.º 1:914 não passava de um mimetismo legislativo, indo na corrente do planismo internacional.
A verdade é que a Lei n.º 1:914 tinha alguma coisa de novo sobre todos os aspectos. Era uma fórmula antecipada e precursora daquilo que deveriam ser mais tarde os chamados orçamentos económicos apresentados pelos Ministros das Finanças dos grandes países, em correspondência com os orçamentos financeiros anuais.
Outros supunham que a Lei n.º 1:914 não passava de um simples plano de obras públicas, e os próprios juristas não chegavam a compreender que fórmula de lei nova era esta cuja acção coactiva funcionava apenas para determinado prazo e cujo sujeito de obrigação se não achava bem definido.
Todas estas incompreensões eram explicáveis, visto que se tratava de uma fórmula nova, em que o génio de Salazar era, não imitador, mas precursor nesta matéria, como tem sido em tantas outras.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A característica verdadeira da Lei n.º 1:914 era, pois, a de uma lei orçamental ou, diremos melhor, superorçamental, que condicionaria durante quinze anos a própria acção governativa e, sobretudo, as despesas extraordinárias dos orçamentos anuais durante o seu prazo de vigência.
Era esta a sua verdadeira característica.
Quem era o sujeito das obrigações que ela impunha coactivamente?
Não eram os cidadãos, eram os próprios elementos do Poder Executivo - os órgãos da administração pública. A esta se dirigia a sua acção coactiva.
Era o Governo que ficava preso a determinadas linhas gerais.
Creio, Sr. Presidente, que «a simples característica especial desta lei me leva a discordar e a não compreender a posição tomada nesse momento por aqueles que supunham que para executar a Lei n.º 1:914 se podia criar uma junta económica, como aqueles que
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ainda hoje supõem que uma lei desta natureza poderia ser executada por um organismo independente do Governo.
Seria preciso que esse organismo fosse supergovernamental; de outra forma, se a lei na sua acção coactiva se dirigiu aos organismos superiores da Administração, não se compreende como seria possível a formação de um organismo que estivesse acima da própria acção governativa.
Não estou fazendo uma construção jurídica de ocasião ou para efeitos parlamentares.
Quem reler o relatório da Lei n.º 1:914, ou quem ler mais detidamente o próprio relatório do Sr. Presidente do Conselho mandado a esta Assembleia, encontrará confirmada esta característica da Lei n.º 1:914.
Eu, abusando da paciência desta Assembleia, vou ler as passagens da Lei n.º 1:914, de 1930, que abonam esta maneira de ver, e chamarei a atenção da Assembleia para ia passagem do relatório do Sr. Presidente do Conselho que confirma esta maneira de ver.
No relatório lêem-se estas palavras:
Fixada a orientação oral, será mais fácil a preparação dos trabalhos para serem efectuados em harmonia, com as necessidades da acção governativa...
Relativamente aos recursos, dizia também o relatório da Lei n.º 1:914:
O emprego de recursos obedecerá em qualquer caso à preocupação de evitar a inflação do crédito ou dos meios de pagamento e de não alterar o equilíbrio da economia nacional em relação ao exterior.
É evidente que nenhum organismo exterior do Governo poderia influir na acção governativa ou intervir no conhecimento dos recursos disponíveis do Tesouro.
Mas claramente confirmativas desta maneira de ver são as palavras do relatório que está em discussão que passo a ler:
A Lei de Reconstituição Económica não pode considerar-se como tendo aprovado um plano de quinze anos nem pode catalogar-se entre as do mesmo tipo de leis que noutras partes estabeleceram planos quinquenais ou decenais.
Para se apreciar devidamente a sua execução importa definir-lhe o carácter, e este consiste sobretudo, em ter partido do cálculo das possibilidades financeiras presumíveis nos anos mais próximos pura prescrever uma linha geral de aplicação ao desenvolvimento da economia do País e da capacidade defensiva da Nação. Saneadas as finanças públicas, equilibradas solidamente as contas, provida com abundância a tesouraria, entrevista a possibilidade de operações financeiras no mercado interno em condições aceitáveis, sentida a necessidade de actuar com amplitude nos grandes factores da riqueza nacional, o Governo entendeu que era conveniente evitar a dispersão de esforços e de meios e propor se fixassem ao trabalho da administração pública grandes linhas de orientação.
Esta era de facto a finalidade e a característica especial da Lei n.º 1:914.
E, porque estas características eram novas e especiais, não admira, é perfeitamente explicável, a incompreensão com que foi recebida e algumas críticas inconsideradas que nesse momento lhe foram feitas.
Não se pode dizer mesmo que o Governo não criasse os organismos indispensáveis para a boa execução da lei.
Recordam-se VV. Exas. que foi posteriormente que se criou o Ministério da Economia, como organismo de coordenação. Depois disso criou-se o Conselho de Ministros para o Comércio Externo, órgão de coordenação dentro da acção governativa. Depois disso criou-se o Conselho Técnico Corporativo. Depois disso criou-se o Centro de Estudos, a que fez aqui há dias elogiosa referência o Sr. Dr. Mendes Correia.
Concentrou-se ainda no Ministério das Obras Públicas toda a execução destas. E não sei se, ao analisar detidamente a execução da lei, não temos de queixarmos antes de um excesso de concentração do que propriamente da falta de órgãos executores!
Politicamente, suponho que nós temos a ideia de que os organismos que porventura funcionam mal, porque à frente deles se não encontram os homens que nós supomos mais competentes, poderiam facilmente ser substituídos por outros, melhorados em competência.
Infelizmente não é fácil encontrar os homens ideais; e por isso a ideia da criação de organismos novos parte de um equívoco ou ilusão: a de que são sempre mais competentes os homens postos à frente dos organismos criados de novo, o que nem sempre acontece.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas, se o ambiente em que foi votada a Lei n.º 1:914 era de incompreensão, foi também de desconfiança. Como diz o parecer da Câmara Corporativa, vivia-se nessa altura, em 1935, num ambiente de crise económica, de desordem monetária - tinham acabado de afundar-se as duas grandes moedas-padrão, o dólar e a libra - e de perturbação social. Isto ajudava o ambiente de desconfiança com que foram recebidas as previsões dessa lei.
Como VV. Exas. recordam e tem aqui sido já largamente explicado, a proposta previa possibilidades financeiras num volume dos 6.500:000 contos, que viriam das seguintes fontes: dos caldos já amealhados (essa verba não oferecia dificuldades, pois estavam já amealhados 717:000 contos de saldos); mais valias, que se calculavam em 3.000:000 de contos; saldos anuais, 50:000 contos, ou seja nos quinze anos, 750:000 contos, e empréstimos, até ao valor de 2.000:000 de contos.
Pois bem, se o Ministro das Finanças, que conseguira equilibrar o orçamento, tinha já nesse momento a sua reputação feita na Europa, todavia muitas pessoas em Portugal não acreditavam que fosse possível manter um ritmo de vida equilibrada no nosso país, e por isso muitos desconfiavam da solidez das fontes donde deviam provir as possibilidades financeiras para a execução da lei.
Era precisamente nessa altura, recordam-se VV. Exas., que se dizia, e o próprio parecer da Câmara Corporativa faz alusão a isso, que era preciso desagravar os impostos, que a política dos saldos era perigosa e incomportável. O slogan era este: o Tesouro está rico e o País está pobre. Portanto, desconfiança justificada em relação às mais valias e aos próprios saldos anuais.
Dizia-se, por outro lado, que a ditadura do Ministério das Finanças conseguia saldos à custa das fracas ou insuficientes dotações dos serviços, e, por isso, era preciso fazê-los reverter para os serviços. Logo, desconfiança da possibilidade dos nossos saldos.
Quanto a empréstimos, o próprio parecer da Câmara Corporativa dizia claramente não poder pensar-se em empréstimos no mercado interno, quanto mais para se atingir a soma, que se considerava nesse momento impossível, de 2.000:000 de contos. Portanto, desconfiança em relação às possibilidades financeiras.
Os Estados Unidos da América do Norte haviam declarado que não fariam empréstimos aos países que não tivessem pago as dívidas de guerra, entre os quais se
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encontrava o nosso. Portanto, nenhuma confiança nos saldos nem nos empréstimos.
Supunha-se, assim, que a lei não tinha execução viável.
A primeira crítica ou o primeiro corolário dos resultados da lei é este: foram bem feitas as previsões relativas às possibilidades financeiras. Pela análise já nesta tribuna feita pelos ilustres Deputados que me antecederam, sabem VV. Exas. que os números globais das receitas gastas na execução da Lei n.º 1:914 excederam não só as suas previsões, mas todas as expectativas que em 1935 se poderiam imaginar.
Vozes : - Muito bem!
O Orador: - Mesmo com as reduções resultantes da desvalorização da moeda, o montante de 17.000:000 de contos excede, num conceito verdadeiramente optimista, tudo quanto se poderia imaginar em 1935.
Podemos dizer que os resultados da Lei n.º 1:914 sob este aspecto foram completos. Sem sairmos dos globais, vamos ver o que se apura em relação à satisfação das necessidades.
Esses globais podemos dividi-los, para uma análise sucinta, em três verbas.
Defesa nacional: como VV. Exas. sabem, temos de um lado 4.500:000 contos para rearmamento e, por outro lado, 3.000:000 de contos de despesas excepcionais de guerra.
Obras públicas: à roda de 6.500:000 contos.
Investimentos e resgates: 1.800:000 contos.
Algumas palavras sobre cada uma destas três verbas.
Defesa nacional: é indiscutível que foi grande o peso com as chamarias despesas excepcionais de guerra - 3.000:000 de contos - para um país de pequena economia como o nosso.
Não nos podem acusar de termos levado uma vida de tranquilidade egoísta durante a guerra. Como previa o Sr. Presidente do Ministério, a neutralidade que mantínhamos teria de ser difícil e não ficaria barata. Mas poderá haver alguém que suponha pesados em demasia os sacrifícios que puderam impedir o nosso país de ser encharcado em ondas de sangue?
Pelo que respeita às despesas com o rearmamento, temos de considerar o que se- diz num relatório do Ministério da Guerra: partimos do zero!
Já agora não se poderá dizer, como se disse, com verdade, no parecer da Câmara Corporativa, acerca da Lei n.º 1:914, que as nossas instituições militares estavam economicamente desorganizadas. Temos um exército que não nos envergonha e que podemos pôr a par de países com as nossas possibilidades.
É certo que essas despesas, a que a guerra deu um carácter de urgência e de intensidade, prejudicaram, na parte económica, a execução da Lei n.º 1:914, mas, como se diz no relatório, em vez de se realizar a melhor utilidade, tornou-se indispensável evitar o pior.
A guerra não foi para nós negócio, mas antes sacrifício. Podíamos ter feito negócio, mas não quisemos, por coerência com os princípios de honestidade que sempre defendemos. Por isso pudemos conquistar um lugar de povo digno no conceito internacional. Defendemos princípios de humanidade, convertendo este país num oásis de paz e sacrificando muitos dos nossos interesses para dar asilo a pessoas e valores.
Podemos, por isso, apresentarmo-nos de cabeça bem erguida perante o Mundo, na certeza de que correspondemos àquilo que se esperava de uma nação que queria resgatar-se e apresentar-se ao Mundo coerente com a doutrina que defendia. Esta foi a paga do sacrifício que a guerra nos impunha, inclusivamente pelo desequilíbrio económico e desnivelamento monetário a que nos forçava.
O reconhecimento da legitimidade deste sacrifício não nos impede de reconhecer também que a paz armada não pode ser entendida nem praticada no sentido do esgotamento da nossa economia, porque a economia, das nações e o seu rearmamento, digamos assim, faz parte da estratégia, pois não é só a transgressão armada que temos de recear, mas também a indisciplina social comandada de fora, e na base de toda a disciplina social está a disciplina económica.
Devemos, finalmente, manter o ideal dos princípios contra as aberrações humanas que nesta hora impõem a paz armada ou a perturbadora ameaça duma guerra agressiva; o nosso ideal, o ideal em que devemos depositar esperança para a paz da humanidade, é o da arbitragem para solução dos conflitos entre as nações, advogada pela nossa Constituição, e o possível desarmamento, como única esperança de tranquilidade e de alívio económico para os povos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Passarei, em duas palavras, a referir-me às verbas para obras públicas, e não me deterei muito neste ponto, já tão brilhantemente abordado aqui por outros ilustres Deputados.
A verba de 6.500:000 contos para despesas com obras públicas já mereceu nesta tribuna largos comentários.
Direi apenas que o volume das despesas feitas correspondeu e excedeu em muito as previsões da lei, apesar das dificuldades e impedimentos trazidos pela guerra.
Admito perfeitamente que nem tudo foi bem gasto; que talvez tivéssemos pago caro o preço da aprendizagem dos nossos técnicos, que se contrapõem, como disse com inteira verdade o Sr. Deputado Magalhães Ramalho, aos «gaioleiros» de 1920. Mas não devemos perder de vista que esses 6.500:000 contos foram gastos, na sua maioria, mobilizando os recursos do País, dando trabalho, valorizando as pequenas economias, enquanto que outros países mantinham milhões de desempregados com subsídio orçamental.
Este resultado da Lei n.º 1:914, sob o seu aspecto social, tem uma grandeza que não pode deixar de ser salientada.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Passarei agora à terceira verba: investimentos financeiros do Estado.
O ilustre relator do aviso prévio discordou dos investimentos financeiros...
O Sr. Mendes do Amaral: - Discordei apenas de alguns.
O Orador: - Não desejo atraiçoar nem o pensamento nem a intenção de V. Ex.ª, mas do Diário das Sessões consta o seguinte:
Discordei da orientação que nos últimos anos se adoptou com o investimento de dinheiros públicos em empreendimentos que, por sua natureza e fins, deveriam ficar exclusivamente a cargo da iniciativa particular.
Além de terem absorvido enormes somas que tanta falta fazem ao fomento directo da riqueza fundiária colectiva da Nação, essas participações financeiras do Estado em alguns casos assumiram aspectos de favor impensados...
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É desta acusação grave que eu me permito discordar, por me parecer injustificada, e desejaria que o ilustre Deputado a justificasse, apresentando as suas razões fundamentarias.
O Sr. Mendes do Amaral: - V. Ex.ª dá-me licença?
Apenas me referi a aspectos; não quero dizer que isso tivesse sido feito.
Para o público, às vezes, alguns desses investimentos poderiam dar a impressão de um favor financeiro. Mas repito: não quero dizer que isso tivesse sido feito.
O Orador: - Dada a gravidade da acusação, desçamos ao pormenor, embora com um bocadinho de cansaço da Assembleia.
Vozes: - Não apoiado!
O Orador: - V. Ex.ª diz que se despenderam 1.810:000 contos, dos quais 620:000 se destinaram a investimentos financeiros.
Confesso a V. Ex.ª que, quanto a esta verba, apenas pude descobrir 614:000 contos. Mas admito realmente que o erro seja meu.
O Sr. Mendes do Amaral: - V. Ex.ª dá-me licença? Isso é para crédito colonial; é o que consta, mais ou menos, do relatório do Sr. Ministro das Colónias.
O Orador: - Como me parece que não é a esta verba que se quis referir o ilustre Deputado, passemos à de 1.191:790 contos, que se pode decompor nas seguintes parcelas:
Caminho de Ferro da Beira, 402:000 contos.
Foi um resgate patriótico de alto alcance.
Parto da hipótese de que não é esta que V. Ex.ª considera como representando favoritismo...
Se houve resgates que honram o Ministro das Finanças, este foi um deles.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Com a renovação da marinha mercante gastaram-se 415:000 contos. Esta aplicação foi feita em harmonia com os artigos 11.º, 14.º e 17.º do Decreto n.º 35:876.
Se não estou em erro, foi V. Ex.ª, quando foi do aviso prévio do Sr. Henrique Galvão, um dos ilustres Deputados que reclamaram aqui a intervenção financeira do Estado a favor da marinha mercante.
Suponho, pois, que a aplicação desta verba mão terá merecido a discordância de V. Ex.ª
Investimentos hidroeléctricos, 249:626 contos.
O Governo cumpriu apenas a base IV da Lei n.º 2:002, de Dezembro de 1940. Não sei se será nesta verba que V. Ex.ª encontrará investimentos que se possam considerar de favor...
Banco de Angola, 55:555 contos.
Trata-se de um banco emissor e o aumento do capital destinava-se a fomento em Angola.
Não sei se o ilustre Deputado achará que o Ministro das Finanças podia deixar de honrar esse compromisso ou se porventura fez política de favor.
Participações noutras empresas, 69:609 contos.
Chegamos à última parcela e vemos, pelo menos por exclusão de partes, que só a esta verba poderá aplicar-se a crítica.
Vamos a ver se realmente haverá razão.
Os 69:000 contos distribuem-se da seguinte maneira:
Ambaca, ou seja hoje Sociedade Algodoeira, 15:974 contos.
Com certeza que o ilustre Deputado sabe que existia, de longa data, grave, questão em Londres e que havia interesses do Estado nesta companhia, interesses que ele não podia de outra maneira defender senão comparticipando na empresa com aquilo que devia receber a seu crédito, para o salvar.
Devia o Ministro das Finanças abandoná-lo?
Aguas de Lisboa, 10:000 contos. Cumprimento do § 2.º da cláusula 3.º do contrato com a companhia que abastece Lisboa.
Poderá considerar-se ou terá o ilustre Deputado razões que nos convençam de que realmente se praticou uma política de favor investindo os 10:000 pontos na Companhia das Aguas de Lisboa?
Sacor, 7:710 contos.
É certo que nenhuma cláusula do contrato obrigava directamente a investir dinheiro nesta companhia. Mas quem ler a base XII, n.º 5.º, que atribui ao Estado o direito de preferência no caso de transmissão, e considerar o valor nacional desta empresa e a necessidade ou vantagem política de ter posição nela responderá se se pode condenar o Ministro das Finanças porque, tomou essa posição em defesa dos interesses superiores do Estado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pesquisas de petróleo, 19:925 contos. Base VIII da Lei n.º 1:947, votada pela Assembleia. Poderá condenar-se o cumprimento de uma cláusula da lei?
Celulose, 16:000 contos. Base III da Lei n.º 2:005, votada pela Assembleia, que manda o Estado comparticipar no capital das empresas em determinadas condições.
Se VV. Exas. consultarem o Diário das Sessões de 1944, a pp. 484 a 487, verão que as indústrias de celulose foram das declaradas como necessitando da comparticipação do Estado.
Poderá, pois, o Ministro das Finanças ser acusado de ter feito política de favor?
E é tudo, Sr. Presidente. Não encontro nesta soma de 1.191:000 contos de investimentos do Estado, a que se referiu o ilustre Deputado, matéria digna de censura.
Não estou no segredo dos deuses, mas desconfio que, se alguma empresa ou se algum grande capitalista, invejoso das posições do Estado, as quiser tomar, pagando o seu justo valor, o Estado não terá dúvida em lhas entregar.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Isso corresponde à declaração, mais de uma vez feita pelo Sr. Presidente do Conselho, de que o Governo tomava posições por não terem acorrido os capitais privados e estava sempre disposto a ceder a sua posição, desde que lhe fosse tomada.
Claro que há que distinguir; quando se trata de ceder posições económicas há que vendê-las por um valor nominal ou por um valor diferente do nominal, porque acontece frequentemente que essas posições representam realmente valores muito mais elevados do que o valor nominal.
O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª a sua informação.
Passarei resumidamente à segunda parte, ou seja às possíveis directrizes da nova Lei de Reconstituição Económica.
Creio que todos estamos de acordo em que, terminado o mandato jurídico da Lei n.º 1:914, é indispensável prosseguir nas suas finalidades fundamentais: defesa nacional, reconstituição e aumento da riqueza socialmente útil da Nação.
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Quanto à primeira, nem a sua extensão nem a sua intensidade dependem exclusivamente de nós.
Nesta hora a defesa nacional não deixará de ser defesa da Nação, visto que a mesma existência das nações é posta em causa, mas também, ao mesmo tempo, defesa supranacional, ou seja defesa de uma civilização em que somos solidários e cooperantes com outras nações.
Também não é fácil dizer ou prever até onde as exigências desta defesa poderão influir no plano a traçar em prosseguimento da nossa reconstituição económica.
Esta atmosfera de incerteza levou o Sr. Presidente do Conselho a sugerir no seu discurso de 12 de Dezembro de 1950 e no relatório enviado a esta Assembleia sobre a Lei n.º 1:914 as seguintes directrizes:
1.ª Mais do que uma lei ambiciosa, devemos conceber um plano modesto de fomento a executar em meia dúzia de anos e ordenado para satisfação de algumas das maiores e mais prementes necessidades do povo português;
2.ª Como não podemos querer tudo ao mesmo tempo, é a altura de definir critérios de preferência, dos quais o fundamental será o seguinte:
Sem desatender alguns grandes empreendimentos de carácter vincadamente reprodutivo - como a energia hidroeléctrica, a irrigação, o povoamento florestal -, há necessidades essenciais para a vida da Nação, como o desenvolvimento das comunicações e a melhoria das instalações de ensino, que não podem ser postergadas por outras, por mais sedutora que se afigure a sua reprodutividade imediata.
E quanto aos meios ou recursos?
Quanto aos meios, o Sr. Presidente do Conselho sugere as mesmas fontes que serviram de base financeira à Lei n.º 1:914, ou sejam as seguintes:
a) As possíveis mais valias e os saldos das receitas ordinárias obtidos pela severidade nos gastos:
Severos nos gastos, moderados nas ambições (discurso de 12 de Dezembro de 1950), abstraindo mesmo das necessidades relacionadas com a perturbação dos tempos, amanhã, como ontem, a regra tem de ser a maior severidade nos gastos e na vida.
b) Além dos saldos, o recurso moderado ao crédito, de preferência nacional:
É salutar que, sempre que possível, o País conte sobretudo consigo, sem que isto signifique menor interesse ou simpatia pela cooperação do capital particular estrangeiro no desenvolvimento de algumas das nossas riquezas...
Mas não se pode esquecer que a plena independência em relação a bolsas estrangeiras nos permitiu nas últimas décadas apreciável liberdade de movimentos...
Com este critério concordaram as directrizes da Lei de Meios apresentada pelo actual titular da pasta das Finanças, a quem me apraz dirigir as minhas saudações deste lugar.
Resta-nos, pois, ver a ambiência política, e as atitudes em face destas novas directrizes. Não podemos desconhecer, Sr. Presidente, que em alguns dos sectores da vida portuguesa se mantém o ambiente de incompreensão que cercou a Lei n.º 1:914 e que ao ambiente de desconfiança sucedeu o de uma audácia nas despesas, de euforia nas realizações materiais imediatas: audácia nas despesas a que já ouvimos chamar a revolução do fomento, mas a que se me afigura caber antes o qualificativo de demagogia económica.
Pedir mais funcionários, maiores vencimentos, mais créditos, mais subvenções é a política fácil que há-de reunir certamente muitíssimos votos.
Mas quem paga?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Os contribuintes? Respondem que estes não podem pagar mais; dizem, como em 1935, que é preciso desagravar os impostos, desagravar as pautas aduaneiras, em suma, todas as fontes de onde pode vir receita, para se poder fazer esta maravilha: menos receitas e mais despesas.
Então de onde virão os recursos? Não ousam dizê-lo, mas principiam já a suscitar-se dúvidas sobre o valor do princípio do equilíbrio orçamental; descobrem até uns professores vagos que entendem ser melhor o déficit do que o equilíbrio; que não vale a pena equilibrar os orçamentos porque o desequilíbrio, é, afinal, o grande eureka para a Europa futura e para os seus orçamentos.
Entretanto, estão ainda na dúvida, mas vão atacando sem dúvidas o critério e a directriz da severidade dos gastos; não podem admitir a rigidez da contabilidade e as suas disciplinas severas...
Não sabem eles que esses números frios traduzem tanta vez o suor e as lágrimas de um povo que se sacrificou para manter a ordem e o equilíbrio durante vinte e cinco anos!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ousam atacar a hegemonia perigosa do critério da contabilidade orçamental: reclamam um espirito novo, mais desempoeirado na elaboração dos orçamentos...
Prometer despesas e gastos sem indicar a cobertura possível foi, em todos os tempos, demagogia económica, e atrás dela esteve sempre a demagogia política.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Uma revolução de fomento que advoga despesas sem conta e sem medida pode regressar ao déficit, mas ao fomento nunca.
Como dizia a Câmara Corporativa no seu parecer sobre a Lei n.º 1:914, o déficit crónico, a miséria financeira, tornavam inúteis os queixumes do povo e platónicas as promessas do Tesouro. Gastava-se à larga, mas não em proveito do País: em proveito, sim, dos parasitários que viviam largamente à custa do desgoverno da Nação.
Supúnhamos - eu pelo menos supunha, Sr. Presidente -, que vinte e cinco anos de ordem financeira tinham extirpado para sempre, neste país, o cancro do déficit, que nos tinha levado ao descrédito e à vergonha. Mas quando, há dias, sentado na minha poltrona de Deputado, ouvi nesta tribuna duvidar do valor do equilíbrio orçamental, passou pela minha imaginação a cena a que assisti nesta mesma sala em 1924-1925.
Um Presidente do Conselho - não quero discutir aqui o seu valor, mas era homem sério e digno sob o ponto de vista de honestidade -, acusado por um Deputado da oposição de que tinha mandado passar uma portaria surda para uma emissão de notas, levantou-se, tirou o sobretudo e respondeu:
«É verdade! Mas eu tinha de mandar pagar no dia seguinte os vencimentos e não havia um escudo em caixa. O que queriam os senhores que eu fizesse?».
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Toda a política de demagogia económica, mais tarde ou mais cedo, chega a esta porta: a das notas falsas!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Noutros sectores não se vai tão longe e continua a afirmar-se a necessidade dos bons princípios de equilíbrio, mantidos através de tudo. Há princípios que entraram dentro da consciência de todos os homens que servem honesta e dedicadamente a causa pública nesta hora.
Mas discordam igualmente da severidade nos gastos, de um plano ordenado sem grandes ambições. O que é preciso - dizem eles - é um grande plano com possibilidades financeiras de 15 ou 20 milhões, com soluções integrais de todos os problemas do País, uma grande junta capaz de planear e resolver e executar a curto prazo, e tudo o que não seja isto é solução mesquinha, inferior, porque se está a deixar gerar a miséria neste pais, a deixar perder as possibilidades que nos pode dar o futuro...
Eu não duvido - seria injustiça duvidar - das boas intenções desta corrente. Faço-lhes a justiça de acreditar nas suas boas intenções e no seu patriotismo, mas direi que ela é a revivescência do romantismo económico do fontismo e da política de Regeneração.
Quando em 1935 eu defendia aqui a possibilidade do empréstimo dos 2 milhões, um ilustre Deputado dizia-me: «Mas o senhor lembre-se de que, em face do artigo 65.º da Constituição, consentir empréstimos é o mesmo que votar impostos...»
Quando recordamos hoje esta doutrina prudente de não abusar do crédito, de não pensar em possibilidades de 15 e 20 milhões, respondem-nos que a reprodução está assegurada, que há a certeza de que os lucros cobrirão largamente amortizações e juros.
Assim falavam, Sr. Presidente, os homens de 1854, os homens do romantismo económico da Regeneração, mas VV. Exas. sabem onde esse romantismo nos conduziu. Em Londres, em 1890, já nos consideravam falidos; apesar disso, o abuso do crédito manteve-se enquanto foi possível fazer empréstimos forçados, invertendo em inscrições os bens dos órfãos e das viúvas, das confrarias e das juntas de freguesia. Depois, em 1891, negámos aos credores, internos parte do que lhes era devido; e os credores externos foram-se entretendo com novos empréstimos até chegarmos à suprema vergonha de 1902, em que tivemos de hipotecar os rendimentos alfandegários.
É preciso lembrar aos românticos de hoje que foi a política de equilíbrio e de severidade nos gastos que nos permitiu, em 1933, resgatar essa vergonha nacional, pela conversão que reduziu a verba insignificante a dívida externa que fora garantida com a hipoteca.
Será para circunstâncias semelhantes que deseja conduzir-nos a revolução do fomento?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Recordarei ainda, Sr. Presidente, aquilo a que eu chamo a proposta do último romântico da geração ou do político da Regeneração. Essa proposta é de 24 de Abril de 1903.
Este homem público trouxe ao Parlamento uma proposta no sentido de se duplicar a rede ferroviária, que tinha já então 2:413 quilómetros. Esse homem queria fazer - a um ano do convénio - novos empréstimos para financiar um grande plano.
Eu permito-me ler dois ou três períodos e VV. Exaa. verão que se, onde se lê «estradas», «caminhos de ferro», «telégrafos», pusermos «barragens», «irrigação», «siderurgia», a linguagem pode aplicar-se inteiramente aos grandes projectos do nosso tempo. A proposta abria assim:
Empreender melhoramentos dispendiosos que tragam pesados encargos ao Tesouro seria criminosa loucura no momento em que, mais do que nunca, se torna indispensável, na administração dos dinheiros públicos, severa economia, que mantenha rigorosamente as despesas nos limites impostos pelos recursos da Nação.
Essa regra imperiosa só admite excepção justificada perante a segura previsão de rendimentos criados de novo e sobejamente compensadores do dispêndio que lhes deu origem.
Importa não esquecer que para regenerar o País e aumentar a sua prosperidade não basta a indeclinável reorganização das suas finanças. Forçoso é acompanhá-la da iniciativa inteligente, enérgica e tenaz, pronta em aproveitar todos os recursos e ensejos favoráveis, tão audaz na concepção dos planos como prudente e acomodatícia na sua execução, com o fim de continuar a obra de fomento da riqueza pública pelos melhoramentos materiais.
Aos 2:413 quilómetros de caminhos de ferro em leito próprio, que hoje são explorados no continente do reino, seria preciso acrescentar outro tanto para bem servir os principais centros de população e facilitar as mais importantes relações regionais.
Não é preciso, para isso, pedir um ceitil sequer ao contribuinte; pelo contrário; a sua benéfica repercussão na economia do País determinará, pelo desenvolvimento da riqueza, aumento da matéria colectável e o consequente acréscimo das receitas gerais do Tesouro.
A proposta não mereceu aceitação e por isso não tivemos necessidade ou não tivemos a possibilidade de verificar o que daria também o empréstimo que se pedia para tal fim. Mas, pelo que sucedeu aos empréstimos que se tinham feito até aí e pelo que VV. Exas. podem verificar quanto aos resultados financeiros das empresas de caminhos de ferro, facilmente se pode ajuizar dos resultados.
É interessante saber que já nessa altura havia quem visse bem o alcance que certas medidas podiam acarretar ao País. Em 1907 Anselmo de Andrade, que foi alguém como financeiro neste país e que condenava o recurso ao abuso do crédito, fazia a conta do montante dos empréstimos e dívidas feitos desde 1890 a 1907, encontrando a soma de 114:120 contos.
Com parte dessa soma haviam-se construído de facto estradas, caminhos de ferro e telégrafos, mas o seu valor real não excedia 12:790 contos; com mais 3:000 gastos em marinha de guerra e 5:900 no resgate do caminho de ferro de Lourenço Marques perfazia 21:700 contos de activo.
E os restantes 92:300 contos? Engoliu-os o déficit - respondia Anselmo de Andrade. O deficit de apetite insaciável. Todos os anos se atira para dentro de formidável ventre com milhares de contos e tudo é sofregamente devorado.
Será para situações semelhantes que desejam conduzir-nos nesta hora?
VV. Exaa. sabem o que a demagogia económica fez depois. Não vale a pena descer a pormenores desse período desgraçado, até que os peritos de Genebra voltaram a dizer que estávamos falidos, que precisávamos de um empréstimo - mas... com tutela!
Há ainda um outro ponto a que desejo fazer referência, e faço-o em defesa das intenções do Sr. Relator deste
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aviso prévio. Há no discurso de S. Ex.ª uma passagem que poderia traduzir intenções que suponho honestamente não serem as de S. Exa.: é quando nos diz que precisamos dar largas às entidades particulares, através das sociedades anónimas, criando relações mais favoráveis entre elas e o fisco.
Podia entender-se que S. Ex.ª queria defender um regime de porta aberta, permitindo larga invasão de capitais estrangeiros, que seriam porventura mais perigosos para a nossa independência do que uma agressão armada.
Há hoje estranhas teorias que dizem que os capitais não têm pátria, que devem empregar-se nos países que se consideram atrasados, mas com isenção de impostos e liberdade de movimentos!
Não tenho pelas sociedades anónimas aquela consideração que o ilustre Deputado parece ter. É um instituto que, afinal, precisa de larga reforma, exige que sejam acautelados os interesses dos pequenos accionistas e sobretudo. Sr. Presidente, os interesses dos consumidores, tantas vezes vergonhosamente explorados, sem encontrarem quem devidamente os defenda.
Acredito piamente que não fosse intenção do ilustre Deputado defender esta política de porta aberta, mas é preciso acentuar aqui que é necessário todo o cuidado contra essa invasão, que por formas estranhas também põe em perigo a liberdade e a independência das pequenas nações.
E vou terminar, Sr: Presidente; já por demais abusei da paciência desta Assembleia.
Não apoiados.
Mais uma vez faço justiça àqueles cujas ideias acabo de criticar, às suas boas intenções, mas a verdade é que os erros, como os bons princípios, têm a sua lógica implacável e a virtude está em saber escolher entre uns e outros.
No dia em que nesta Assembleia fraquejar a reacção em defesa dos bons princípios já experimentados estaremos de novo à beira duma nova subversão.
Sr. Presidente: é preciso, é indispensável, prosseguir a reconstituição económica do nosso pais, mas longe de qualquer demagogia económica, longe de qualquer romantismo económico e em obediência a um salutar realismo nacional que, atendendo aos valores materiais, não esqueça o capital humano e os seus valores morais.
Considero falso o conceito da civilização que mede a grandeza das nações apenas pela capacidade de gastar riquezas supérfluas; falso o nível material que faz da riqueza um fim, e não simplesmente um meio para fortalecer valores mais altos.
O verdadeiro padrão da grandeza de um povo não está no volume dos gastos, mas no destino que por esse povo é dado à riqueza.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O próprio conceito do homem desapareceria no momento em que o quisessem transformar numa simples máquina de produzir ou, melhor, numa simples máquina de gastar!
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A ordem do dia da sessão de amanhã será a continuação do debate do aviso prévio relativo à execução da Lei de Reconstituição Económica.
Amanhã serão também apresentados à reclamação da Assembleia os textos das últimas redacções dos pareceres da Comissão de Legislação e Redacção sobre os pedidos formulados: pelo Governo dos Estados Unidos da América, para aquisição de duas propriedades em Lourenço Marques para a instalação de funcionários daquele país; pelo Governo de Sua Majestade Britânica, para adquirir em Lourenço Marques uma casa destinada à instalação da residência oficial do cônsul-geral daquele país naquela cidade, e pelo Governo da Rodésia do Sul, para aquisição na cidade da Beira duma propriedade destinada à instalação dos serviços do seu consulado naquela cidade.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 35 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António Calheiros Lopes.
Délio Nobre Santos.
Jorge Botelho Moniz.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amorim.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel França Vigon.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
Textos aprovados pela Comissão de Legislação e Redacção
Decretos da Assembleia Nacional sob a forma de resolução
Nos termos do artigo 8.º do Acto Colonial, resolve a Assembleia Nacional conceder a autorização solicitada pelo Governo da Rodésia do Sul para adquirir na cidade da Beira o talhão n.º 491, propriedade da Beira Works, Lda., destinado à instalação dos serviços do seu Consulado naquela cidade.
Sala das Sessões da Comissão de Legislação e Redacção, 26 de Fevereiro de 1901.
Mário de Figueiredo.
António Abrantes Tomares.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Luis Maria Lopes da Fonseca.
Manuel França Vigon.
Manuel Lopes de Almeida.
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Nos termos do artigo 8.º do Acto Colonial, resolve a Assembleia Nacional conceder a autorização solicitada pelo Governo de Sua Majestade Britânica para adquirir em Lourenço Marques uma casa destinada à instalação da residência oficial do cônsul-geral naquela cidade.
Sala das Sessões da Comissão de Legislação e Redacção, 26 de Fevereiro de 1951.
Mário de Figueiredo.
António Abrantes Tavares.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel França Vigon.
Manuel Lopes de Almeida.
Nos termos do artigo 8.º do Acto Colonial, resolve a Assembleia Nacional conceder a autorização solicitada pelo Governo dos Estados Unidos da América para adquirir em Lourenço Marques duas propriedades destinadas a residências dos seus funcionários consulares naquela cidade.
Sala das Sessões da Comissão de Legislação e Redacção, 26 de Fevereiro de 1951.
Mário de Figueiredo.
António Abrantes Tavares.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel França Vigon.
Manuel Lopes de Almeida.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA