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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 80

ANO DE 1951 8 DE MARÇO

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 80 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 7 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 79.
O Sr. Deputado Daniel Barbosa agradeceu a posição da Assembleia acerca da sua intervenção no debate da Lei de Meios.
O Sr. Deputado Bartolomeu Gromicho tratou da situação dos funcionários dos museus e da falta de instalações condignas para a Biblioteca Nacional, Torre do Tombo e Museu de História Natural da Faculdade de Ciências.
O Sr. Deputado Pinto Barriga ocupou-se do «mercado negro» e da actividade dos especuladores e açambarcadores.
O Sr. Deputado Miguel Bastos requereu informações sobre a construção do ramal ferroviário do Montijo a Alcochete.
Foram recebidos na Mesa, para os efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Decretos-Leis n.ºs 38:189, 38:191, 38:192 e 38:193.

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate acerca do aviso prévio do Sr. Deputado Mendes do Amaral relativo à execução da Lei n.º 1:914.
Usou da palavra o Sr. Deputado Araújo Correia.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 42 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
António de Sousa da Câmara.
Artur Proença Duarte.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Délio Nobre Santos.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.

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Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel França Vigon.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 73 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 79.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer qualquer reclamação, considero-o aprovado.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Daniel Barbosa.

O Sr. Daniel Barbosa:-Sr. Presidente: muito propositadamente e por motivos que esta digna Assembleia bem compreende, serei hoje excepcionalmente breve; quero apenas apresentar a V. Ex.ª, aos meus ilustres colegas e muito particularmente ao Sr. Dr. Paulo Cancela de Abreu os meus mais vivos e sinceros agradecimentos pela posição, tão honrosa e desvanecedora para mim, que VV. Ex.ªs tomaram na sessão de 1 do corrente
quando referiram aqui factos ocorridos à volta da minha intervenção na discussão da Lei de Meios. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Sr. Presidente: há casos inacreditáveis e que bradam aos céus!
Um deles é o que respeita à desesperada situação dos funcionários dos museus, a quem a Caixa Geral de Aposentações recusa a contagem de tempo de serviço anterior a 1930, quando é certo que todos esses funcionários de nomeação anterior a esse ano estavam devidamente inscritos na Caixa e pagaram a respectiva taxa para a sua aposentação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não vou, neste curto lapso de tempo de que disponho para esta intervenção, esmiuçar os argumentos pró e contra esse desumano critério da Caixa Geral de Aposentações.
Independentemente de qualquer falha das leis, se ela existe, o que interessa para avaliação justa do grave problema é se os funcionários - e isto respeita aos de qualquer categoria- foram legalmente nomeados e investidos nas suas funções; se recebiam vencimentos por verbas inscritas no Orçamento Geral do Estado; se foram inscritos na Caixa Geral de Aposentações, e se pagaram a respectiva quota.
Todas estas formalidades se deram com os funcionários dos museus, e o que é mais extraordinário é que a Caixa de Aposentações recebeu as quotas anos e anos e não reagiu no sentido de as interromper e devolver as recebidas, se fosse ilegítima a sua cobrança.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Só agora, na fase crítica do momento da reforma, é que notificam os interessados de que todo o dispêndio de quotas foi inútil, toda a confiança no Estado baldada e todas as esperanças de merecida compensação na velhice dissipadas.
Nem lhes tem valido o precedente do terem sido reformados normalmente dois funcionários em igualdade de circunstâncias: um em 1939 e outro em 1942.
Só depois desta última data é que se descobriu que os funcionários dos museus tinham apenas direito à aposentação a partir do Decreto n.º 26:115, que estabeleceu as categorias para efeito de vencimentos.
Se não fosse aquela providencial e longa lista, que abrange todas as letras do alfabeto, não haveria legalmente mesmo hoje funcionários dos museus, não obstante os museus existirem e funcionarem com funcionários, embora em número muito inferior ao necessário, como nesta Câmara tem sido acentuado, e até por mim, há cerca de um ano.
Ora esses funcionários, que assim tomam o aspecto de clandestinos, são vítimas da falta de clareza dos diplomas que transferiram os serviços do Ministério do Reino para o Ministério do Interior com a mudança do regime.
Esses diplomas esqueceram-se da existência de museus e seu pessoal e só falaram em pessoal de secretaria. Desta singela omissão resultou o equívoco.
Mas se o Estado, desde 1886, e especialmente o Estado Novo, com seus diplomas de 1929, 1936 e 1947, estabeleceu e alargou até ao máximo o direito à aposentação, e de tal modo que esse princípio de justiça de amparo na invalidez se estende hoje aos assalariados e contratados permanentes e às caixas de previdência sindicais, porque será possível que, em absurdo contraste, a Caixa de Aposentações regateie o direito à aposentação total a funcionários com 30 e mais anos de serviço,

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possivelmente distinto da parte de alguns, reduzindo-os à miséria e ao desespero no último quartel da vida?
Ora, Sr. Presidente, se há lapso legal, só há um único caminho, que o conceito de humanidade e de justiça impõe: é corrigir-se por diploma legal o lapso ou falha que exista.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E assim não haverá quebra de outro conceito, que esta situação política criou e é de manter: o Estado pessoa de bem.
E é ser pessoa de bem acudir aos que são, sem culpa, espoliados dos seus legítimos direitos.
Confio em que o Sr. Ministro das Finanças tomará as medidas que o estranho caso requer.
Sr. Presidente: aproveito estar no uso da palavra para me referir a assuntos culturais já por mim versados e por outros ilustres Deputados.
Faço-o sinteticamente, para não ultrapassar o tempo regimental.
O caso da compra da Biblioteca da Manisola, em Évora, pelo Estado continua sem a necessária solução.
Os problemas que se prendem com a instalação e funcionamento das bibliotecas e museus mantêm-se na mesma posição insolúvel.
Os casos máximos que sofrem de doença aguda são precisamente os que respeitam à Biblioteca Nacional, à Torre do Tombo e ao Museu de História Natural da Faculdade de Ciências.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Toda a gente já sabe o que de afrontoso e prejudicial se passa com esses três poderosos instrumentos de cultura nacional. Tudo isto tem sido posto em evidência através de larga campanha de imprensa, especialmente O Século, que aponta os remédios.
Falar-se do estado de miséria e de abandono da Biblioteca Nacional é só pôr aspas no que se refere, aos outros dois serviços.
Já conhecia a Biblioteca Nacional, como modesto frequentador em anos idos, especialmente quando estudante em Lisboa.
Li com o maior confrangimento a notícia dos desmandos ali praticados por mãos criminosas.
Meditei sobre as palavras publicadas por ocasião da posse do último director.
Ouvi com a maior atenção as palavras de esclarecimento e aviso do nosso ilustre colega Dr. Jacinto Ferreira.
Visitei depois de tudo isso a Biblioteca Nacional.
O que vi nessa desagradável visita ultrapassa em muito o que foi traduzido em palavras por outros e agora por mim próprio.
A sensação colhida foi de infinita tristeza pelo que já se perdeu irremediavelmente e pelo que se vê perder hora a hora, num ambiente de supremo desconforto e desolação.
Antes o incêndio de Alexandria.
Ao menos ficou na Humanidade a impressão trágica da riqueza opulenta que se perdeu.
Eu tenho esperança, Sr. Presidente, de que, passada esta hora má que o Mundo está vivendo, o Governo lançará as suas vistas salvadoras para esses três tesouros da cultura nacional: o Museu de História Natural, a Torre do Tombo e a Biblioteca Nacional, que terão finalmente as instalações que lhes são apropriadas e que honrarão a Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: a minha intervenção quero-a rápida, para se tornar mais eficaz.
O surto da alta de preços trouxe inevitavelmente consigo uma guarda avançada do velho e ressuscitado «mercado negro» - um mercadote amulatado, café com leite, mas muito bem açucarado.
Nesse mercadejamento não trabalham já isolados: organizaram-se, agruparam-se e aperfeiçoaram-se, encadeando-se numa espécie de trusts, com as redes cumpliciantes bem asseguradas de cautelosos intermediários, como que a tentarem cancerizar a burocracia, estipendiando e corrompendo funcionários e decompondo os seus serviços.
As «lavas» passaram a ser para esses corruptores uma fornia de evitar as impressões digitais - descalçando-as consideram-se ... honestos cavalheiros.
De súbito, nesse céu sereno em que gozam as delicias capuanas da vida esses criminosos antieconómicos - no grupo dos quais os açambarcadores formam a ala mais vistosa, mas não talvez a mais nociva- rompe inesperada a maré alta das multas encapeladas, escandalosamente alterosas, em que não se sabe se é mais de espantar o quase inverosímil e astronómico das quantias de multa provável, se a facilidade com que o dinheiro para as satisfazer é arrebanhado, multas essas cujo quantitativo ascende a quantias que às vezes ultrapassam o próprio capital nominal de alguns dos emissores.
Os processos formam-se lentamente, mas a chicana, inteligentemente, ainda os delonga, em companhia do tempo, que é grã-senhor e que acaba por lhes dar um ersatz de amnistia.
Entretanto a alta da vida fere essa classe média que constitui o alicerce seguro da Nação, fere-a inexoravelmente, implacàvelmente, por um lento processo de desagregação, proletariza-a, deixando-a como presa fácil para o comunismo.
Nessa tesouraria da Intendência dos Abastecimentos, a que eu chamo humoristicamente o 8.º bairro fiscal - o bairrito da plutocracia, que eu não confundo com os ricos que cristãmente ganharam os seus haveres e deles bem dispõem moralmente-, dizia eu, nessa tesouraria arrecadam-se multas, mas o delinquente continua a gozar a vida na prisão dourada o movimentada dos seus oito ou doze cilindros.
Novas noções penais, que arrepiavam os jurisconsultos clássicos, difundiram-se legalmente entre nós, no afã de bem assegurar e condicionar a defesa social, quer para os delinquentes habituais, quer para os de certos delitos políticos «comunicados», num duplo sentido da palavra.
Ao delito clássico e perfeitamente definido veio substituir-se uma noção delitual trabalhada e elasticizada pela periculosidade e temibilidade, mas tão adaptável às necessidades imperiosas de uma segurança económica.
Essa noção- não se insinuou rio nosso direito criminal e económico, nunca a competência inegável do actual titular da pasta da Justiça foi chamada a legislar sobre o delito antieconómico para lhe dar uma definição flexível «género cauchu», que se adapte com um delito proteiforme em que diabòlicamente uma imaginação doentia materializa os mais inconfessáveis interesses.
Formação rápida de processos, julgamentos prontos, recusa de fiança para os delitos antieconómicos que assumam o carácter de crimes de traição à economia portuguesa ou duma espécie de homicídio generalizado, eis em súmula o que exige a opinião pública para uma legislação adequada.
Se há uma legislação para os contumazes, para os comunistas - de momento não discuto politicamente se é boa ou má -, porque é que não se aplica mutatis mutandis nos seus termos de excepção aos «comenistos», porque uns e outros não se devem afigurar menos perigosos para a segurança do Estado?

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Não julgamos apelar em vão para o valimento técnico do Sr. Ministro da Justiça, nem para a decisão honesta e pronta do Sr. Ministro da Economia. Sejamos cristãmente democratas, afastemo-nos prudentemente da demagogia, mas fujamos, bela e corporativamente, da plutocracia, não para odiar os ricos, os que sabem sê-lo cristãmente, mas para se inquietar política e socialmente aqueles ricos de que o Evangelho supunha mais fácil passar um camelo por um buraco da agulha que eles conseguirem entrar no reino dos céus; manietem-nos e agrilhoem-nos com medidas de segurança que lhe importem mais, que temam mais que as multas de que se avençaram por lucros inacreditáveis, inacreditáveis, saliento, Sr. Presidente, num regime corporativo, lucros esses que constituem escandalosamente a própria negação da essência do regime.
Salazar, que todos respeitam moralmente, mesmo os seus mais implacáveis e decididos adversários, não pode ficar indiferente a este estado de coisas, e digo-lhe desta tribuna que espero que vá agir, com o seu vagar calculado, com o seu grande tacto político, mas acabando por mandar limpar ... as cavalariças económicas de Augias.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Miguel Bastos: - Sr. Presidente: envio para a Mesa o seguinte

Requerimento

«Desejava que o Governo me fornecesse os elementos que julgue necessários e suficientes para responder às seguintes perguntas:
Está prevista a construção de um ramal ferroviário ligando Montijo a Alcochete?
Em caso afirmativo: já existe projecto deste trabalho? Em quanto importa a sua realização? Está esta obra incluída no plano de realizações para 1901? Se não, quando pensa o Governo ser possível dar satisfação a esta gritante necessidade de uma das regiões do nosso pais de maior densidade populacional e do mais vivo desenvolvimento industrial, possuidora de uma velha e fecunda actividade agrícola? ».

O Sr. Presidente: - Enviados pela Presidência do Conselho e para os efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa os n.ºs 42, 43 e 44 do Diário do Governo, respectivamente de 3, 5 e 6 do corrente, contendo os Decretos-Leis n.ºs 38:189, 38:191, 38:192 e 38:193.

Pausa.

O Sr. Presidente:-Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio, apresentado pelo Sr. Deputado Mendes do Amaral, acerca da execução da Lei de Reconstituição Económica.
Tem a palavra o Sr. Deputado Araújo Correia.

O Sr. Araújo Correia: - Sr. Presidente: certamente V. Ex.ª e a Câmara me perdoariam o não usar da palavra neste debate. Têm sido tantas e tão extensas as minhas intervenções sobre a matéria do aviso prévio do ilustre colega Mendes do Amaral que julguei por algum tempo ser desnecessário voltar a esta tribuna.
Não há por isso a intenção de enfastiar VV. Exas com a reprodução do ideias que tiveram já larga publicidade e o Pais conhece desde que em 1934, em discurso no 1.º Congresso da União Nacional, sugeri directrizes económicas para o Estado Novo e se tornou público o projecto da Lei de Reconstituição Económica, que tive a honra de apresentar a esta Assembleia, na primeira sessão da I Legislatura, em 7 de Fevereiro de 1935.
Os princípios então expostos são aqueles que nos últimos quinze anos tenho defendido através do parecer das contas públicas, em livros, jornais e revistas.
Resumem-se esses princípios gerais a muito pouco, quase a uma simples frase: Portugal é financeiramente um país pobre. Qualquer movimento de renovação deverá também ter como objectivo fundamental criar a riqueza precisa para melhoria dos rendimentos colectivos.
Ora existem dentro do País e nos grandes domínios de além-mar recursos naturais susceptíveis de exploração económica remuneradora.
O principal objectivo deve, pois, ser o do aproveitamento desses recursos, de modo a criar os meios necessários para alimentar uma população a crescer, elevar o nível de vida e aumentar as receitas públicas, que são baixas.
Havíamos caído, por longos anos de lutas estéreis e ambições interesseiras, em estado de apatia, vizinho do fatalismo, e ressumava de toda a parte a lamúria doentia de que éramos um país potencialmente pobre, insusceptível de progresso idêntico ao de outros povos europeus.
Tornava-se, portanto, indispensável desfazer este estado de espírito - que não assentava em realidades - e revigorar as energias e as esperanças dum povo que resistira oito séculos a todos os embates do desânimo e a todos os erros da imaginação. Era preciso provar em primeiro lugar que, potencialmente, não éramos um país pobre.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora pareceu-me em 1935 - e tal pensamento vem expresso no relatório do projecto de lei então apresentado - que as duas necessidades primordiais a encarar em qualquer plano de reconstituição económica deveriam ser as da produção de alimentos, de que o País era e é altamente deficitário, e de energia, com base para alargar o consumo doméstico e para mais intensa industrialização e melhor vida rural.
Por isso se escrevia nessa altura: «talvez que o problema fundamental da Nação - esteja no estudo e cuidadoso aproveitamento das vastas disponibilidades de água com que a natureza pròdigamente a dotou» e explicavam-se, em seguida, quais os fins do uso dessas disponibilidades: o regadio, sobretudo nas zonas do Sul do Tejo, que representam cerca de um terço do total da área do País, e a produção de energia, com o domínio das cheias dos rios, do modo a estabelecer uma sólida base para o desenvolvimento industrial, naquilo que fosse possível, e evitar com a arborização sistemática a tremenda erosão que, pouco a pouco, vai desnudando de solos aráveis muitas regiões do País, e assoreando cada vez mais as terras baixas.
O estudo das chuvas e dos rios, dos seus caudais e desníveis antolhava-se como a mais instante, a mais urgente e a mais imperiosa necessidade da vida económica deste país. Nele residia, em meu entender, a chave do início do desenvolvimento material.
Não foram sucedidos então os desígnios expressos no relatório do projecto de lei de 1935, onde se dava primazia a esses estudos e aproveitamentos e onde se sugeria a criação de uma entidade coordenadora dos planos de desenvolvimento económico. E, apesar de instancias de vários lados, também não foram mais felizes nesta

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matéria os anos que decorreram até ao principio da guerra.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Julgava eu então, tendo em conta os progressos em matéria hidráulica, sobretudo na América do Norte, que a solução mais económica para o aproveitamento das disponibilidades aquíferas nacionais era o seu uso em todas as utilizações possíveis, coordenadamente, de modo a poder extrair de cada bacia hidrográfica o máximo de proveito económico.
Este ponto de vista foi expresso nesta tribuna, em Dezembro de 1941, quando propus, com a aprovação da Câmara, o estudo e aproveitamento da bacia hidrográfica do Tejo, em vez de, como proposto pelo Governo, o estudo do rio Zêzere.
Não se fez, porém, o estudo da bacia hidrográfica do Tejo, e persistiu-se na ideia do passado, isto é, na ideia de considerar cada aproveitamento. por si mesmo e não em relação ao conjunto das possibilidades de uma bacia hidrográfica.
Foi por isso que, tendo em conta o grande atraso do País na matéria, aqui se propôs a realização de um inventário das possibilidades energéticas, que eu próprio e os meus colaboradores estimávamos em mais de 9:000 milhões de unidades, cifra hoje possivelmente ultrapassada por talvez cerca de 1:000 milhões ainda, em virtude do melhor conhecimento dos rios nacionais.
Nos pareceres de 1942 e 1943, nos discursos aqui proferidos em 1944, no apêndice ao parecer de 1940, se provou a necessidade de estudar imediatamente as bacias hidrográficas, sobretudo as dos dois grandes rios, o Tejo e o Douro, de modo a evitar prejuízos futuros.
Então se explicou, com grande pormenor, que um rio é uma unidade económica, é um instrumento de produção que pode ter utilizações diversas e valiosas além da energia, como a irrigação, a navegabilidade, o abastecimento de água a povoações, o domínio de cheias para evitar o assoreamento e ainda outras.
E do mesmo modo foi posta, com grande cópia de argumentos, que se encontrarão no Diário das Sessões, a questão das possibilidades de aumentar a produção de energia permanente, pelo aproveitamento de caudais que se dissiparão rio abaixo se não forem claramente definidas as compensações das bacias hidrográficas dos diversos sistemas.
Quase tudo o que então se disse redundou em letra morta até hoje, e só agora se reconheceu a necessidade do aproveitamento integral do Douro, depois de mais de meia dúzia de anos de hesitações, porque durante esse tempo só foi feito o reconhecimento geral daquele rio com o anteprojecto de uma das centrais e o estudo de alguns de seus afluentes, tendo em conta apenas os caudais do próprio rio e não as possibilidades no conjunto da sua bacia hidrográfica.
Sr. Presidente: um outro aspecto desta matéria, largamente focado em escritos anteriores, era o financeiro.
E partia-se então, e não mudaram infelizmente as coisas, do princípio seguinte:
Portugal é um país financeiramente pobre, quer dizer, os recursos disponíveis para investimentos reprodutivos e outros são muito pequenos. Há necessidade, por consequência, de desviar a maior percentagem possível para obras reprodutivas, e, dentro destas, é altamente vantajoso executar em primeiro lugar aquelas que produzam maior rendimento com o mínimo de capital despendido.
VV. Ex.ªs encontram esta ideia, que eu considero fundamental, a pairar como um leit motif sobre todas as sugestões por mim feitas: obter das inversões financeiras o maior rendimento possível, tendo em vista as necessidades basilares do País.
A execução da ideia pressupõe imediatamente a necessidade de aturada investigação, por forma a determinar claramente, sem sofisma, a prioridade nas obras - aquelas que devem ser executadas em primeiro lugar, de modo a que, com o seu rendimento, se possam gradualmente executar as outras. A ideia pressupõe, além disso, a visão do conjunto do problema nacional, da vida económica, das exigências políticas da Nação.
Pode colidir, e na verdade colide, com interesses unilaterais, quer sejam de gosto individual, quer até de natureza material; contudo, se alguém quiser governar um país e colher do seu governo o maior somatório de bem-estar colectivo, tem de abstrair do gosto, ou do interesse, ou da ambição de A ou B, que podem ser bem intencionados, mas que, por vaidade, teimosia ou ignorância, não estão a seguir caminhos que as realidades indicam ser aqueles que mais servem o interesse nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Assim, o problema da energia, o da irrigação, o da navegabilidade dos rios é um todo e o seu conjunto forma o problema económico dos rios. Resolvê-lo parcelarmente é um erro grave e sério, porque afecta o que constitui uma valiosa parte do património nacional.
Peço a VV. Ex.ªs o favor de me desculparem da insistência sobre este ponto - dessa insistência que venho repetindo enfaticamente há tantos anos. Mas tenho de o fazer, porque devo ao meu país um respeito muito grande e, como Deputado e estudioso, é meu dever apontar claramente aquilo que me parece ser racional, mas que ainda infelizmente não foi - compreendido, ou é relutantemente aplicado.
Não se trata de pequenas coisas, nem de coisas que digam respeito apenas a meia dúzia de interesses parciais - trata-se de grandes coisas, de coisas que interessam a todo o Pais, ao seu presente e ao seu futuro.
A vida de uma nação não é um dia, nem um ano, nem um século. As coisas têm de ser planeadas de modo a durarem e a darem o maior bem-estar possível ao país enquanto durarem - não vá acontecer, como já aconteceu num grande estado norte-americano, ser necessário daqui a uns anos anular uma obra por erro de concepção inicial.
Sr. Presidente: dizia eu, pois, que o aproveitamento integral da bacia hidrográfica de um rio - no caso presente o Tejo e o Douro - deve ser objectivo do Estado, que não deve consentir, e muito menos auxiliar, a construção de obras que se não enquadrem, económica, política e socialmente, no esquema geral do aproveitamento integral das possibilidades do rio.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Vejamos, em primeiro lugar, o Douro.
Quando, pela primeira vez, tive a honra de apresentar um esquema do aproveitamento da bacia hidrográfica do Douro nacional e expus as razões de preferência para o seu aproveitamento, em vez do troço internacional, fui, como habitualmente acontece talvez em casos idênticos, acusado de excesso de imaginação pelos mais delicados, de homem que vive no domínio da utopia por outros.
Podia lá ser! Aproveitar a energia de um rio, num troço de 150 quilómetros, produzir perto de 2 milhões de unidades, criar uma excelente via de navegação, atingir os minérios de Moncorvo e outros, dar vida intensa a uma região pobre a debater-se em crises. Podia lá ser! Passaram meia dúzia de anos, e julgo que ninguém hoje duvida da realização daquilo que ainda há pouco tempo era considerado utopia.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Anunciou-se há pouco que o Douro nacional está tecnicamente estudado; julgo ser esta afirmação excesso de optimismo ou talvez um equívoco, porque o aproveitamento integral em conjunto do Douro ainda não está tecnicamente estudado, e já podia e já o devia estar há uns anos, porque, de todos os grandes rios portugueses, é sobre ele e sobre o Tejo que se conhecem mais dados de natureza hidrológica para fazer com certa rapidez esse estudo.
Julgo que dentro de um ano será possível ter ideia definitiva de todo o valor económico do Douro, nos seus diversos aspectos de energia, navegação, rega e quaisquer outras utilizações que porventura possa oferecer toda a sua bacia hidrográfica, que é vasta e de grande interesse.
Um ilustre colega nosso, que tantas saudades deixou nesta Casa, ardente defensor do problema do Douro em diversas intervenções justas e bondosas, como sempre foram as suas, aludiu um dia ligeiramente, creio que quando tratava do Douro internacional, a dificuldades possíveis na utilização, em território nacional, de água proveniente do pais vizinho, sem contudo lhes dar importância, que, por declarações vindas agora a público, parecem constituir a razão fundamental da demora dos estudos e aproveitamentos sugeridos no parecer das contas de 1943.
Ora uma leve reflexão sobre o problema mostra que o grande valor do Douro, além dos caudais e desníveis próprios e de seus afluentes, provém também da existência de um grande reservatório em território espanhol, justamente na fronteira portuguesa, e da construção de outros também bastante próximos.
Na divisão do troço internacional, por convénio, cabe ao país vizinho uma secção com alto desnível, situada na parte inferior do troço, logo a seguir ao Douro nacional. O desvio de valiosos caudais dos reservatórios já construídos, se fosse económico ou até possível, iria naturalmente ferir uma das mais importantes possibilidades hidroeléctricas do pais vizinho - seria contra o seu próprio interesse.
Devemo-nos regozijar com o progresso já feito pela aceitação da ideia do aproveitamento integral do Douro, na base de energia, navegação, rega e quaisquer outras utilizações possíveis.
Para findar esta ligeira demonstração sobre o Douro nacional, resta ainda aludir a um ponto delicado, que é o da orgânica futura da sua exploração, e doutrina idêntica se aplicará mais adiante ao tratar do Tejo.
A própria definição de aproveitamento integral implica logo a necessidade de unificar num organismo a superintendência e a responsabilidade administrativa, económica e financeira desse aproveitamento.
Isto significa ser indispensável que a concessão e a exploração dos recursos da bacia hidrográfica do Douro nacional sejam confiadas a uma única entidade. Parece não ser possível extrair do conjunto o máximo proveito económico sem a completa integração das entidades que superintendem neste ou naquele afluente.
A exploração da bacia hidrográfica do Douro nacional em matéria do energia e água para rega deverá concentrar-se numa única empresa - oficial, mista ou privada. E como o aproveitamento integral implica o estabelecimento de uma via de comunicação da fronteira ao Porto, haverá que considerar a situação da linha férrea que margina o rio.
Não vejo agora outra solução para resolver tão vasto problema que não seja a exploração, no que diz respeito a água, por uma empresa única que sub-rogaria na empresa ferroviária a exploração da via fluvial, com condições impostas pelo Estado em matéria de tarifas. Deste modo parte do tráfego da linha do Douro passaria a ser feito por via fluvial, com proveito para a entidade ferroviária exploradora, oficial ou não, e para o próprio País.
Seria ainda a única maneira de auxiliar, sem encargo para o orçamento do Estado, a situação dos caminhos de ferro, que há-de continuar a ser precária em frente da concorrência e dê outros factores.
Sr. Presidente: ditas estas palavras sobre o Douro nacional e seus problemas, vejamos o caso do Tejo.
Se a bacia hidrográfica do Douro, em conjunto, representa a mais valiosa fonte de energia em Portugal, o Tejo é, sem dúvida, a mais valiosa fonte de caudais para rega, sem de modo algum querer menosprezar a sua influência como origem de energia hidroeléctrica.
É um rio com uma bacia hidrográfica que necessita de ser vista em conjunto.
Darei, ainda que sumariamente, alguns esclarecimentos sobre este momentoso problema.
Pus ao Governo em 1941, Lei de Meios e por intermédio do parecer das contas de 1943, a sugestão de estudar o Tejo em conjunto, e sugeri também, mais especificamente, que seria de vantagem considerar a possibilidade de estudar um aproveitamento em Almourol e a alternativa de Almourol e Tramagal ou próximo.
Considerei o Zêzere, nessa data e anteriormente, como um afluente de grande valor, por tornar possível o armazenamento de um grande volume de água, que poderia atenuar falhas no Douro e no Tejo.
Era e é um instrumento susceptível de utilizar energia, que de outro modo se dissipará para o mar durante meses, no Inverno. A ideia vem expressa no Diário das Sessões de 11 de Novembro de 1944 e em escritos anteriores.
A grande preocupação que paira em tudo o que então disse é a dos anos secos ou muito secos. Por falta de. energia podem cessar actividades industriais de grande interesse, com a necessidade de recorrer ao racionamento, como tem acontecido em diversos países, entre os quais o nosso.
Julgo que o desenvolvimento económico português deverá ser baseado exactamente no princípio de suprir as deficiências de caudais do Douro e do Tejo e de outros cursos de água com a produção suficiente de energia estival onde for praticável, e com o mínimo de apoio térmico, tendo em conta os anos secos. É isso possível em muitos afluentes, e entre eles ocupam lugar importante alguns na bacia do Tejo, do Douro e de outros rios.
Assim, no caso do Tejo, o próprio rio, o Zêzere e o Ocreza estão intimamente ligados. Uns são complemento dos outros - não apenas no que diz respeito a força motriz, mas também ao próprio valor dos caudais do rio ou que nele são lançados pelos dois afluentes, depois de produzirem energia.
A bacia hidrográfica do Tejo pode fornecer ao Pais as utilizações seguintes: produzir bem mais de 1:000 milhões de unidades de energia, regar uma vasta área no Ribatejo e no Alentejo, servir a navegação até à fronteira, abastecer Lisboa e outras povoações de água potável.
O primeiro aspecto a considerar é o da segurança. Quer dizer, é indispensável planificar o aproveitamento dos sistemas hidrográficos de tal modo que nos anos secos o abastecimento de energia não desça a um nível que paralise, ainda que por pouco tempo, a vida económica do País. E isso só é possível pela constituição de reservatórios que armazenem o máximo das disponibilidades aquíferas, para utilizar nos anos secos.
«Este é - dizia eu em 1944 - o primeiro problema que se levanta e dele nascem muitos outros de natureza económica, financeira e até política».
Ora a construção de grandes reservatórios custa muito dinheiro, que aumenta em geral quando se leva ao extremo a ideia de guardar para anos secos os excessos de

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águas que caem nos anos húmidos. Donde resulta que, se houver meio de aproveitar essa água em outras utilizações, além da energia, a venda dessa água paga parte dos encargos da armazenagem. Quer dizer, o açude construído para a produção de energia será pago não só pela energia que produz como também depois pela venda da água, se for possível o seu uso. As duas utilizações mais vulgares são a rega e a navegação.
Ponhamos o caso da barragem do Castelo do Bode, recentemente inaugurada, e suponhamos ser possível armazenar nela 800.000:000 de metros cúbicos de água nos anos secos, para energia estival. Números aproximados dizem-nos que os encargos anuais da empresa andarão à roda de 60:000 a 65:000 contos por ano, o que dá um preço para a energia nas barras, digamos, de $21 a £22.
Aqueles que leram os pareceres das contas e o meu último livro Estudos dê Economia Aplicada viram que a área de terrenos dominada pela cota de 30 metros no Almourol ou Tancos anda à roda de 130:000 hectares.
Também documentos oficiais nos indicam que 400$ por hectare é preço razoável para água destinada a rega, o que compara favoravelmente com preços para usos semelhantes dentro e fora do País.
Não é possível dizer qual é a parte da área dos 130:000 hectares dominados pela cota 30 própria para rega - e neste aspecto chamo a tenção dos estudiosos para o que se tem feito na Itália, França (Argélia e Marrocos), Egipto e Estados Unidos em terrenos de muito pouco valor.
Ponhamos as três hipóteses de 100:000, 80:000 e 50:000 hectares e vejamos, ao preço de 400$ por hectare, a influência da rega no custo da energia.
No primeiro caso os encargos desceriam para 23:000 contos, no segundo para 31:000 e no terceiro para 43:000, que correspondem ao custo de energia, respectivamente, de $07(6), de $10(6) e de $14(2) por kWh.
Pressupõe-se que os milhões de unidades a produzir no Almourol, juntamente com a água para abastecimento de Lisboa e povoações intermédias e a navegação, pagariam os encargos da respectiva barragem.
Não quero sugerir, com o que acabo de dizer, que Castelo do Bode possa ter direitos especiais para receber estas quantias quando amanhã se completar o esquema Almourol-Ribatejo, porque outras albufeiras, como a Pracana e o Alvito, se trabalharem no Estio e fornecerem por isso caudais para rega, podem ter idênticos direitos.
Aliás isso não tem interesse, pelo que direi adiante. Quero apenas mostrar à Câmara a influência de uma única utilização económica, além da energia, no preço desta. Fá-lo reduzir para pouco mais de um terço do custo actual, que não é desvantajoso, no caso mais favorável.
O esquema Almourol-Ribatejo, que não alaga o célebre castelo, antes o valoriza, por a sua base ficar 5 metros acima do nível da albufeira, é hoje considerado fantasia, imaginação, utopia por alguns, como o foi o esquema do Douro nacional quando o sugeri há meia dúzia de anos.
A observação que tenho feito da vida portuguesa diz-me que entrará no domínio da compreensão e da aceitação por todos dentro de menos tempo - talvez dois ou três anos.
Simplesmente já ninguém então poderá evitar o prejuízo para o País de não ter sido feito o estudo em conjunto da bacia hidrográfica do Tejo, que se traduzirá, pelo menos, na perda de 5 por cento da energia produtível do Castelo do Bode, ou mais de 3:000 contos por ano, ou na necessidade de desdobrar a altura da barragem de Almourol, com manifesto prejuízo para o dispêndio de capital.
Vê-se logo, por esta interconexação de direitos e benefícios, que a entidade exploradora da bacia hidrográfica do Tejo deverá ser uma única. Mais tarde ou mais cedo, na medida em que forem crescendo as possibilidades do rio com os aproveitamentos projectados, tanto em Portugal como em Espanha, hão-de aumentar as dificuldades.
Parece, pois, de interesse nacional, dada a função pública que o rio virá a desempenhar nos transportes nacionais e internacionais e na rega e noutros fins, promover o mais cedo possível a formação de uma única empresa.
Como no caso do Douro, suponho ser indispensável, dentro dos princípios de uma sã política económica, que os interesses ferroviários - que no fundo são os interesses do Estado - se liguem também estreitamente à vida do rio.
As mais recentes informações sobre os projectos espanhóis, no troço compreendido entre a foz do Erges e Talavera de La Reina, confirmam plenamente o que escrevi no meu último livro. Vão mesmo além de todas as expectativas.
Com efeito, logo a seguir à fronteira portuguesa, está projectado o início de uma série de barragens que podem produzir mais de 1:000 milhões de unidades e podem tornar praticamente navegável o rio até Talavera de La Reina.
A mais importante, próximo de Alcântara, a 14 quilómetros da fronteira internacional da foz do Erges, deve produzir um pouco menos de 500 milhões de unidades B ligar-se-á certamente no futuro à que sugeri no Tejo internacional, de modo a estabelecer o sistema entre Lisboa e Talavera de La Reina, com as albufeiras de Fratel, Belver e Almourol.
Parece estar, por consequência, em vias de definição no país vizinho um plano notável de aproveitamentos no Tejo, que se harmoniza com o programa de aproveitamento integral do plano português, como o expus, o qual irá valorizar consideràvelmente as disponibilidades energéticas espanholas numa região que delas carecia e permitir ao mesmo tempo ligações fáceis com o mar através de Portugal.
O problema começa a ter, «pelos factos que acabo de expor, uma projecção que até transcende os interesses puramente nacionais, e é de esperar que os dois Governos acordem o mais rapidamente possível na melhor forma de aproveitar o Tejo internacional, entre o Sever e o Erges, incluindo o pequeno troço até Alcântara.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Presidente do Conselho, no seu discurso de Dezembro passado e na clara exposição que antecede o relatório do Governo sobre a Lei n.º 1:914, põe em foco certos aspectos da vida portuguesa nos últimos tempos e emite opinião sobre o caminho a seguir no futuro.
Foi um grande prazer para mim ouvir e ler as afirmações do Sr. Presidente do Conselho, que em certos aspectos não são mais do que a confirmação dos princípios orientadores da política financeira do Estado Novo por ele formulados em 1928 e que através dos tempos e de várias vicissitudes tentei defender, muitas vezes sem grande êxito prático.
Concordo com as dificuldades sobrevindas desde o início da reconstrução financeira, e não posso deixar de notar que, apesar delas, foi possível manter este País em paz, tanto nos espíritos como nas ruas.
O serviço prestado é inestimável e de grande alcance, não apenas pelo que se ganhou com o viver em paz

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desde os já longínquos tempos de 1928, mas também, e talvez principalmente, pelos reflexos na própria mentalidade do povo português, habituado a desvarios revolucionários e a desordens infrutíferas, que cada Vez mais ensombravam o bom nome e o bem-estar de um povo digno de melhor sorte.
Quando mais nada houvesse, bastaria este serviço, de ordem psicológica e humana, eminentemente nacional, para justificar o Estado Novo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Deve notar-se também que o passado não permitira treinar, em experiência adequada, valores próprios para enfrentar ousadamente o futuro dentro de administração sã e bem informada.
E por isso não é de surpreender que se cometessem erros, se pagasse a experiência e que, tanto na vida do Governo como na vida privada, faltasse a energia indispensável para neutralizar aquela atmosfera de euforia, que redundou em gastos e despesas adiáveis e dissipações inúteis, tantas vezes apontadas nos pareceres das contas a tempo de serem evitadas.
Limito-me, pois, a lamentar sinceramente que o Sr. Presidente do Conselho não pudesse ter tido o auxílio e a colaboração, a que tinha e tem direito, pelos grandes serviços prestados a este país no decurso dos últimos vinte anos e que com o seu tacto não pudesse ter oposto a tempo a sua vontade, que é grande e bem orientada, a actuações menos enérgicas e menos esclarecidas.
Apoiados.
Hoje - e a última Lei de Meios parece já ter sido orientada nesse sentido - é necessário voltar aos tempos de severas economias e inverter em fins económicos, altamente reprodutivos, tudo o que puder ser desviado dos recursos do Estado e, esperemos, dos recursos privados.
O Sr. Presidente do Conselho, «jogando na carta da paz», julga ser possível executar em meia dúzia de anos um programa de fomento preciso e limitado, «ordenado para satisfação de algumas das maiores e mais prementes necessidades do povo português - como os aproveitamentos hidroagrícolas, a energia eléctrica e o ferro».
Não serei eu, que tenho defendido tenazmente há tantos anos a necessidade da rega, da produção de energia e do ferro e que em pormenor e com latitude apresentei ideias definidas sobre estes três aspectos fundamentais da vida nacional, quem discorde de tal aspiração.
Permito-me, porém, pôr algumas objecções e submeter à Câmara alguns elementos sobre a execução de um plano «preciso e limitados a executar em meia dúzia de anos.
Também julgo que ninguém neste momento, ao ter em conta as incertezas internacionais, poderá estabelecer definitivamente a ordenação de planos económicos.
«A impossibilidade de prever em pormenor a evolução dos acontecimentos, a instabilidade e rarefacção dos mercados, o desconhecimento dos encargos que nós próprios teremos de suportar para reforço da nossa defesa ou da defesa comum tiram ao actual momento», como diz o Sr. Presidente do Conselho, «os requisitos essenciais para promover com segurança a execução de um largo plano de fomento.
Essas mesmas razões, penso eu, tiram os requisitos necessários para executar em seis anos um plano precioso, ainda que modesto.
Por outro lado, não é fácil, sem o conhecimento antecipado do objectivo que se pretende atingir, estabelecer um plano de fomento «preciso e limitado», a não ser que ele se enquadre num programa mais lato, de conjunto, que tenha em conta os aspectos económicos, financeiros, técnicos e até sociais do fomento nacional.
Vai nisso o rendimento da economia portuguesa.
Com efeito, não é lícito nem racional considerar a execução de uma barragem, num determinado rio, sem prévio estudo de todas as possibilidades da bacia hidrográfica - não é vantajoso estabelecer um início de siderurgia sem prévio conhecimento, não só da capacidade, mas também da finalidade que se pretende atingir -, ou pelo aproveitamento das possibilidades das fábricas de cimento, ou pela utilização de fornos eléctricos, empregando as antracites, ou pelo uso dos novos processos de uso directo de combustíveis inferiores, agora em ensaios na Alemanha, ou ainda pela simultaneidade do emprego de mais de um destes processos, como parece racional.
Pode até certo ponto regar-se aqui ou além, mas ainda neste aspecto, em certos casos, o projecto parcial deverá fazer parte do plano de conjunto, como é razoável concluir do que disse há pouco.
Receio que nesta matéria venha a haver prejuízos graves em futuros empreendimentos se não forem atendidas as diversas utilizações económicas em relação às necessidades do País.
Por estas razões, em concordância, aliás, e de longa data, com o Sr. Presidente do Conselho, entendo que há toda a vantagem em estabelecer um plano, embora sem limite de tempo, porque as actuais condições impedem que ele se fixe - mas também julgo ser essencial que as obras a incluir nesse plano sejam parte de um bem coordenado programa de realizações, perfeitamente enquadradas nos diversos aspectos a considerar no conjunto desse programa -, não vá acontecer que a execução de uma obra impeça ou traga prejuízos na execução de outras possíveis e altamente rendosas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Parecia-me, pois, aconselhável que o Governo estabelecesse regras que levassem à formulação de um programa nacional de aproveitamentos, a rever periodicamente, como sugeri em 1935, tanto no que diz respeito a rega, como a energia e a ferro, e, dentro desse programa, a executar em largo espaço de tempo, fosse determinada a prioridade para a execução desta ou daquela obra, escolhendo as que, com menor dispêndio de capital, pudessem produzir mais rapidamente o maior rendimento possível, tendo em conta a produção de alimentos, a segurança interna, no que respeita à continuidade de produção de energia nos anos médios e secos, como aqui largamente expliquei em 1944, a escolha do processo e das matérias-primas na produção de ferro, com dependência mínima de combustíveis estrangeiros, e, finalmente, o desenvolvimento industrial e agrícola, sem o qual não poderá haver mercado para o consumo da energia nem poder de compra.
Definirei com exemplos alguns aspectos da questão:
No caso da energia, e considerando por agora apenas o aspecto da segurança, é evidente a prioridade para os aproveitamentos com maiores caudais no Estio e para aqueles que compreendam reservatórios que, nos anos secos, permitam a maior utilização de água possível.
Se um rio já contiver uma albufeira suficiente para armazenar toda a água que nele corre em ano seco, deve ser preferida a construção de uma barragem num outro rio em que ainda não haja capacidade para reter toda a água que por ele passa, a não ser que muito maior produção de energia com a mesma água o justifique.
Aumenta-se por este modo grandemente a segurança interna, porque com os recursos próprios se podem enfrentar crises sérias na indústria e até outras de ordem política.
Se for possível avolumar, por exemplo, a capacidade de armazenamento sem ferir nos anos médios a quan-

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tida de total de energia produzida, nem aumentar o capital de 1.º estabelecimento, então de modo algum o Estado poderá consentir no dispêndio de elevadas somas na execução de uma obra noutro rio que, pelo menos no momento actual, não alargando no conjunto a quantidade de energia disponível para consumo, nem melhorando a margem de segurança nos anos secos, imobiliza, na sua execução, uma larga quantia.
Deverá dar prioridade e auxiliar, e até impor, a execução de outras, se existirem, que, permitindo grande armazenamento de águia para energia estival e mais utilizações valiosas, além de regularização interanual, e custando o mesmo, podem produzir aproximadamente igual quantidade de energia nos anos médios.
No caso da rega o problema ainda se põe com mais agudeza. Se for possível regar economicamente com água proveniente de uma albufeira, que em primeiro lugar é usada em turbinas para produzir quantidades apreciáveis de energia, não será mais vantajoso, tanto para o preço de energia, como para o da rega, como até para a vida social, dar prioridade a esquemas desta natureza?
Neste aspecto só casos excepcionais, como, por exemplo, imperativos de ordem social, como o do Alentejo, poderiam fazer pender a balança para outro lado.
Mas ainda neste caso o problema teria de ser visto à luz de dados económicos e financeiros, que formam, com o aspecto puramente técnico, o conjunto do problema.
Não quero agora aludir pormenorizadamente à execução da Lei n.º 1:914 - tão conhecidas são as minhas discordâncias sobre certas obras que poderiam bem ter sido adiadas para melhor oportunidade e sobre planos que as circunstâncias financeiras do País não permitiam ser executados.
Foi muito o que se fez, e dentro do muito que se fez há bom e mau, como é natural. O factor humano perturbou em certos casos espíritos que pareciam atilados e a falta de energia em algumas decisões e o obscurecimento estranho e incompreensível ou a ignorância sobre realidades financeiras levaram àquele estado de euforia a que aludiram o Sr. Presidente do Conselho e o parecer das contas.
Esperemos agora que o fenómeno não volte a repetir-se. Ainda que seja difícil esclarecer mentalidades eivadas de ideias nascidas de errado sentido de disponibilidades financeiras que não existem ou de planos que não deviam ou não devem ser realizados nos tempos mais próximos, ou ainda de confusas e mal digeridas ideias sobre fenómenos que necessitam de ser vistos à luz do conjunto de esquemas económicos e sociais, e não de particularismos dispendiosos, confiemos em que o bom senso e a inteligência mostrem e inutilidade e o erro de gastar em coisas dispensáveis aquilo que penosamente é angariado com trabalho árduo e precisa de ser utilizado em coisas de grande urgência.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Se forem compreendidos bem os princípios agora expostos e outros e seguidas as instruções contidas no último discurso do Chefe do Governo no sentido de reprimir abusos, organizar convenientemente a vida pública de modo a equilibrar sacrifícios, realizar severamente as economias necessárias e encetar ousadamente um programa de realizações produtivas, estou convencido de que,- apesar de tudo, ainda é possível, pouco a pouco, embora com menor rapidez do que há uns anos, encaminhar este país para melhor nível de vida, derivado de maior produção e melhor produtividade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: sobre este assunto da produção e da produtividade quero ainda acrescentar uma palavra.
Um nosso ilustre colega, num longo discurso em defesa da execução da Lei n.º 1:914, ao aludir ao que chamou grandes planos económicos, teve a gentileza de classificar de «românticos» programas coordenados de realizações de fomento.
Desejo pôr à Câmara as questões seguintes:
É romântico procurar produzir no prazo de vinte anos a energia necessária para que Portugal, no fim desse tempo, tenha capitação igual à que já hoje é usufruída por treze dos dezasseis países da Europa ocidental?
O atraso em matéria de energia, que é a base da vida económica moderna, tendo em conta até a vizinha Espanha, é simplesmente desolador, e chamo a atenção da Câmara para o quadro inserto a p. 276 do parecer das contas de 1948, onde os factos estão comprovados.
Havendo recursos potenciais dentro do País, é romântico explorá-los de modo a caminhar no sentido de obter daqui a vinte anos uma produção que nos iguale à que treze países da Europa ocidental já possuíam em 1948?
É romântico incluir num programa de realizações o alargamento do regadio, sem o qual não é possível o equilíbrio social nem a produção de alimentos indispensáveis a uma população que em 1960 deverá atingir cerca de 10.000:000 e que em 1948 importou 3.400:000 contos de produtos da terra e subsidiários, num total de perto de 1.000:000 de toneladas?
Desejo esclarecer que a área prevista no a grande plano económico» é apenas um terço superior à que a Câmara Corporativa, por proposta do Governo, aprovou em Abril de 1938 para ser executada em doze anos.
Reduzida à média anual, ou 7:500 hectares por ano, a rega prevista no a grande plano» é inferior à que o Governo e a Câmara Corporativa previram em 1938, ou seja 8:833 hectares.
É romântico procurar desenvolver nos domínios ultramarinos actividades económicas muito lucrativas, como a energia, a rega e as indústrias do peixe, das carnes e outros produtos essenciais ao estabelecimento de uma corrente emigratória baseada em trabalho e remuneração certos?
É romântico procurar valorizar jazigos de ferro, que se sabe existirem, com reservas consideráveis, numa Europa Ocidental que já hoje tem poucos minérios de ferro, e criar condições essenciais para a sua exploração?
As pp. 266 e seguintes do parecer das contas de 1948 elucidam esta matéria.
E romântico distrair do rendimento nacional, computado em 20.000:000 de contos, menos de 5 por cento para o financiamento de um programa com os objectivos vitais que acabo de enunciar?
Finalmente, será romântico procurar atingir todos estes objectivos coordenadamente, em bases que se enquadrem no progresso científico e técnico dos últimos tempos, com o proveito económico máximo, de modo a reduzir o capital necessário e os custos, sem ferir a estabilidade financeira, tão tenazmente defendida nos pareceres das contas, e a qual depende, intrinsecamente, do progresso económico?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pelo que acabo de dizer, parece ser extremamente modesto o programa de realizações, e ai de nós, nesta intensa luta que sé desenha no Mundo por um lugar ao sol, se não conseguirmos realizar em vinte anos os modestos objectivos do que foi classificado de romantismo económico.
Quanto ao seu financiamento, julga-se que, se a sua realização fosse efectivada em vinte anos, ao Estado

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competiriam cerca de 300:000 contos por ano, aos preços de 1948.
Ora as despesas extraordinárias no orçamento do Estado, se forem corrigidas pelo índice médio anual dos preços, totalizaram em dez anos, no período 1940-1949, cerca de 15.000:000 de contos, depois de excluídos os reembolsos de empréstimos, dos quais cerca de 7.000:000 de contos pertencem à defesa nacional, incluindo elevadas despesas de guerra.
Quer dizer: em moeda corrente de 1948-1949 - moeda em que se calcularam as estimativas - e no período 1940-1949, em dez anos, só o Estado gastou, por despesas extraordinárias, muito mais do que o custo do referido programa da metrópole (cerca de 11.000:000 de contos), a realizar em vinte anos, o qual poderia ser financiado por fundos provenientes do Tesouro, de uma percentagem do investimento privado, de uma parte da poupança obrigatória, com proveito para o rendimento de capitais, e com um mínimo de crédito externo, que não é obrigatório ser concedido exclusivamente sob a forma de empréstimo.
Chamo a atenção da Câmara para as pp. 300 e seguintes do parecer das contas de 1948 e para os desenvolvimentos sobre esta e outra matéria contidos nos Estudos de Economia Aplicada.
Sr. Presidente: não desejaria terminar este assunto sem chamar ainda a atenção pára a facilidade com que neste país, de vez em quando, se liga a palavra demagogia aos esforços feitos no sentido de desenvolvimentos que tendem a aproveitar, para o bem comum, recursos materiais que existem.
Há países, como a Itália, em que heroicamente se estão aniquilando elementos subversivos pelo aproveitamento ao máximo dos recursos existentes - bem pobres em certos casos. Há outros, como a vizinha Espanha, em que o problema da energia e da rega, essencial à vida da nação, domina, por assim dizer, o mundo político.
Porque não seguir esses exemplos?
Receios de que se apliquem agora os processos políticos do passado - os processos que fizeram soçobrar os melhores esforços e intenções, e contra os quais se levantou a Revolução Nacional. Ou descremos nós, quando se trata de realizações reprodutivas, dos métodos adoptados e dos progressos já feitos em matéria política sob a égide do Estado Novo?
Não julgo que esteja no espírito do ilustre colega esta descrença, que seria até a própria negação do regime que todos nós procuramos defender. E assim não vale a pena, se realmente quisermos ser construtivos, invocar as dificuldades e as vergonhas do passado quando se trata de fazer obra essencial para o futuro.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: desejo ainda dizer umas palavras sobre o ultramar português. Trouxe, de uma permanência em terras de África, há muitos anos, a certeza das suas grandes possibilidades económicas.
Desde então, em escritos públicos e documentos oficiais, tenho exposto as vantagens de criar uma opinião bem informada, no sentido de considerar os recursos da comunidade portuguesa como um todo, quer estejam situados na Europa, quer em África, quer em outros continentes.
Não são apenas o amor patriótico ou o ambicioso orgulho de português que inspiram estas palavras. É a certeza plena de que é possível formar nas costas oriental e ocidental da África dois núcleos geográficos prósperos, que sejam o prolongamento racial, espiritual e económico do povo que já formou o Brasil.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A colonização a fazer-se ali, em bases racionais, terá de ser precedida da definição de planos de desenvolvimento económico que assegurem trabalho remunerador e contínuo.
Aquilo que se referiu no parecer das contas do ano passado e com maior latitude se descreveu nos Estudos de Economia Aplicada, já hoje comprovado e aceite por especialistas conhecidos e experimentados, nacionais e estrangeiros, relativo às indústrias do peixe, das carnes, dos asfaltes e produtos betuminosos, dos minerais, da rega e da energia, quer em Angola quer em Moçambique, tem de servir de base à corrente de emigração metropolitana e a um gradual povoamento de ricas zonas que ocupamos, desenvolvemos e civilizamos.
Mas nunca deve ser esquecido, nem pelos que vivem na metrópole nem pelos que criaram interesses em África, que a comunidade, tanto no ponto de vista político como económico, é só uma, e dividi-la ou criar antagonismos irredutíveis que venham do interesse material é erro sério, que pode ter graves consequências para uns e para outros, como já algumas vezes se demonstrou e ainda não há muito tempo deu origem à situação paradoxal de um pais, com falhas sérias em consumos essenciais e equipamentos, constituir reservas financeiras no estrangeiro, sem utilidade na economia interna.
A soldagem tão íntima quanto possível entre as economias metropolitana e ultramarina, na base de compreensão justa dos interesses morais e materiais de cada uma, é hoje, ainda mais do que ontem, uma das grandes necessidades da comunidade lusitana.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão por uns minutos.

Eram 17 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 17 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - O debate continuará na sessão de amanhã, sessão em que deverá ficar concluído.
Previno a Assembleia de que em seguida darei para ordem do dia a proposta de lei relativa à reforma dos serviços de registo e do notariado.
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 42 minutos.

Sr s. Deputados que entraram durante a sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
António Calheiros Lopes.
Jorge Botelho Moniz.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Ricardo Malhou Durão.
Tito Castelo Branco Arantes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Cruz.
António de Matos Taquenho.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.

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Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Diogo Pacheco de Amorim.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Moura Relvas.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Finto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Domingues Basto.
Manuel Lopes de Almeida.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Teófilo Duarte.
Vasco de Campos.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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