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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 83
ANO DE 1951 14 DE MARÇO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 83 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 13 DE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Réis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
Os Srs. Deputados Franca Vigon o Mendes do Amaral congratularam-se com as declarações do Sr. Ministro da Economia acerca das tarifas da energia eléctrica.
O Sr. Deputado Manuel Maria Vás condenou as importações de batata estrangeira quando há batata nacional que não tem comprador.
Os Srs. Deputados André Navarro e Cortês Pinto falaram sobre o matadouro frigorífico de Lisboa.
Ordem do dia. - Discutiu-se a proposta de lei que autoriza o Governo a contrair um empréstimo interno de 300:000 contos.
Falaram os Srs. Deputados Alberto de Araújo e Pinto Barriga.
A proposta foi aprovada.
Continuou a discussão da proposta de lei da reforma dos serviços da registo e do notariado.
Usou da palavra o Sr. Deputado Pinto Barriga.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 55 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 55 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
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Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Gosta.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Gosta Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José Pinto Meneres.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 74 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 81 e 82 do Diário das Sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer qualquer reclamação sobre os referidos números do Diário, considero-os aprovados.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Do Grémio dos Exportadores de Frutas da Ilha da Madeira felicitando a Assembleia pela publicação do decreto sobre o repovoamento florestal daquela ilha.
Vários de ajudantes de notário manifestando- a sua confiança em que a Assembleia lhes fará justiça.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho e para os efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os n.ºs 47, 48 e 49 do Diário do Governo, de 9, 10 e 12 do corrente, que inserem os Decretos n.08 38:196, 38:197, 38:199, 38:200 e 38:201.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado França Vigon.
O Sr. França Vigon: - Sr. Presidente: no passado domingo o povo de Lisboa teve, pelos jornais, a notícia da redução do preço da electricidade. E, se alguns homens não terão posto logo o assunto no primeiro lugar das conversas matinais em casa, estou convencido de que a maioria deles, e, sobretudo, a grande legião das donas de casa, há-de ter enchido as conversas familiares com a notícia e as perspectivas resultantes.
O País ficou sabendo, a partir de domingo, que a grande campanha, planeada no silêncio e no estudo dos gabinetes de trabalho e desenvolvida persistentemente nos leitos dos nossos rios, entrava na fase final e ia apresentar os primeiros resultados, em benefício dos consumidores da região de Lisboa. Aliás estes já se haviam apercebido ultimamente de que se travava batalha em que aparecia em jogo um factor importante do orçamento de muitos dos seus lares. E o País sentiu, por muito pouco que constasse a tal respeito, que a seu lado, empenhado nessa batalha, estava o Governo. Daí o ter descansado, tanto é já dos seus hábitos e vida - talvez em demasia - a comodidade de deixar entregue àquele o destino dos seus interesses e a defesa destes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Esta baixa do preço da electricidade, como índice seguro do seu barateamento até um máximo possível, é uma das maiores conquistas económicas e sociais do Estado Novo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Todos os de boa fé o sentem e proclamam com maior ou menor ardor, segundo o seu modo de exteriorizar as convicções próprias. Não faltará, porém, quem queira amesquinhar ou ao menos diminuir a sua importância; não faltará quem queira atenuar o seu significado e lançar a confusão sobre as palavras claras do Sr. Ministro da Economia.
Para o efeito, hão-de aproveitar-se, sobretudo, das cautelas e prudências com que a medida governamental se rodeou. É que, politicamente, interessará aos inimigos e aos «amigos do Diabos destacar essas providências de bom senso, inverter-lhes o intuito e alcance e apresentá-las com o aspecto de prejuízos para o consumidor, que não se evitaram, e de transigências do Poder Público, que deviam ser repelidas.
E porque não dizer a verdade? É realmente assim que, em certos subterrâneos da política e em certas cavernas do boato e da insídia, estão já a minar-se as intenções do Governo e o natural efeito político da medida que ele acaba de anunciar.
Apoiados.
Esperemos que a Nação, feita de húmus bem diferente da purulência cultivada nesses subterrâneos e cavernas, ponha a bom recato a justiça da sua opinião, não a deixando infectar-se. Hão-de concorrer para isso, e não pouco, as nossas donas de casa, as boas mulheres portuguesas.
Sr. Presidente: ao valor económico e social da baixa de preço da electricidade acrescem valores morais inestimáveis.
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A Nação ouviu dizer, desde 1926, e habituou-se à ideia de que os governantes do Estado Novo só muito excepcionalmente fazem promessas. Mas também se habituou a que, uma vez feitas, são cumpridas.
Apoiados.
Há poucos meses o Sr. Ministro da Economia, durante a cerimónia da inauguração da barragem do Castelo do Bode, fez, sem alarde, mas com firmeza, a afirmação de que o preço da electricidade baixaria e que a primeira diferença havia de verificar-se dentro em pouco. Está cumprida a promessa e, a partir das «leituras» de Abril próximo, os seus efeitos começarão a sentir-se nos modestos orçamentos duma parte importante da população continental.
Recordo também - e isso não me parece ocioso - que aquele membro do Governo se colocou, desde o dia da sua chegada ao Ministério, na atitude de governar, não para a opinião pública, mas com a opinião publica.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Com a frequência necessária e regularmente, tem dado a prova de permanecer nessa posição. Todos sentiremos a seu tempo - se é que não sentimos já - os benefícios desta política de esclarecimento e colaboração, mau grado os esforços dos cavernícolas a que me referi há pouco. E tenho a certeza de que o Sr. Ministro da Economia, por sua vez, há-de sentir os benefícios da comunicação com o público nos termos em que a tem mantido, muito especialmente neste caso do preço da electricidade. O que se lê na imprensa a este respeito, de há dias para cá, é a melhor prova do que acabo de afirmar.
Sr. Presidente: eis algumas notas que, em consciência, me pareceu conveniente ficarem exaradas no Diário das Sessões de hoje.
Creio ir ao encontro da opinião dos meus colegas nesta Assembleia acrescentando a de que todos sentimos a maior satisfação em que um dos que pertencem a esta Casa cumpre no Governo tão assinalada e eficazmente a missão de promover o bem comum.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E agora esperemos que nesta corrida de gigantes, que começa a fazer parte da nossa vida habitual, acorra o segundo aliado - o Cávado -, cujo aproveitamento será em breve inaugurado e permitirá consolidar a posição que, para benefício do País, acaba de conquistar-se.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Mendes do Amaral: - Sr. Presidente: sempre senti muito maior prazer em aplaudir e em concordar do que em discutir e ter de criticar, e por isso é com a maior satisfação que, neste momento, tomo a iniciativa de associar as minhas calorosas homenagens e felicitações ao Governo, juntando-as àquelas que, decerto, o Governo já recebeu por motivo da solução que deu ao palpitante problema das tarifas de electricidade para a zona de Lisboa. Estas minhas felicitações dirijo-as, em especial, ao Sr. Presidente do Conselho e ao Sr. Ministro da Economia, ilustre e prestigioso membro desta Assembleia, pelo sentido de equilíbrio, de consideração pelos interesses em presença e pela sensata previsão da possível evolução dos acontecimentos que informa e caracteriza a solução posta em vigor.
Eu disse há dias nesta tribuna que, devido às lamentáveis condições em que se desenvolve a economia mundial, era quase norma que à conclusão de qualquer empreendimento de interesse público se segue a manutenção ou agravamento do preço do produto ou do serviço produzido por esse empreendimento. Expliquei também que este fenómeno, traduzindo a necessidade de ajustar as condições actuais da produção às condições pretéritas da realização do empreendimento, era um fenómeno quase inevitável, porque era consequência directa da progressiva diminuição do poder de compra das moedas; fenómeno que, por sua vez. é determinado, infelizmente, pelo estado de preparação para a guerra. É por isso, Sr. Presidente, que tenho neste momento particular satisfação em constatar que, em relação ao empreendimento da central do Zêzere, se verificou em Portugal uma excepção de alto relevo a essa norma.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Porque, Sr. Presidente, o preço fixado provisoriamente para a electricidade de uso corrente não tem apenas a redução de 20 por cento sobre o preço actual, mas representa, em relação ao preço de antes de 1939, tendo em consideração o índice médio, ponderado o agravamento do custo da vida, uma redução efectiva de cerca de 50 por cento.
Também me quero congratular, Sr. Presidente, com a intenção manifestada pelo Sr. Ministro da Economia de promover .a unificação do sistema tarifário da energia eléctrica em toda a zona do continente abrangida pela rede eléctrica interligada.
S. Exa., com visão superior do conjunto do problema da energia, disse que essa unificação estaria ainda, porventura, distante, mas eu tenho a esperança de que essa afirmação seja apenas uma manifestação de prudência de S. Exa., porque também nos disse que não estava longe a conclusão da ligação do Zêzere ao Porto, e com isso estaria dado um grande passo para essa unificação tarifária.
Finalmente, Sr. Presidente, não quero deixar de consignar também aqui uma palavra de homenagem às companhias e empresas distribuidoras da corrente da zona de Lisboa, pelo espírito de sacrifício, de compreensão e de colaboração com o Governo que demonstraram neste passo, que, tenho a certeza, o Governo tomou na devida consideração, e permitiu chegar-se a uma solução que reputo satisfatória, como creio que a julga a maioria dos consumidores da zona de Lisboa, excepção feita, talvez, daqueles - poucos - sempre insatisfeitos com toda e qualquer solução que não seja a sua solução.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Manuel Vaz: -Sr. Presidente: no jornal O Século de ontem, 12, lia-se uma notícia que, isolada no mare magnum das outras notícias, não mo impressionou grandemente, muito embora eu tivesse a convicção de que a queixa nela contida representava uma triste verdade, que presumia não dever circunscrever-se a uma ignorada povoação das nossas Beiras, mas deveria generalizar-se a todas as regiões do País onde a cultura da batata constitui a principal fonte de receita da exploração da terra.
A notícia em questão era esta:
Pomares (Pinhel), 11. - Continua a haver nesta região muita batata por vender, apesar de o seu preço ser de 18$ a arroba e incomparavelmente melhor do que a batata estrangeira.
Não se compreende que se faça importação de batata exótica quando a nacional ainda está por
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vender, facto que acarreta a ruína da agricultura e o enriquecimento dos importadores. As batatas já começaram a grelar e não se conservarão além de Abril.
Mas se a noticia, considerada assim isoladamente, apenas me interessou pelo conteúdo de verdade que eu sabia conter, não representou por isso uma novidade para mim. A leitura de uma outra noticia feita logo a seguir no jornal do Porto O Primeiro de Janeiro, do mesmo dia, chocou-me profundamente, pela flagrante confirmação da veracidade da primeira.
No seu eloquente laconismo, ela era do teor seguinte:
Vapor carregado do batatas.
Entrou ontem era Leixões o vapor português Coruche, de 1:153 toneladas de registo, carregado de batatas, procedente de Bruges.
Tal notícia era a confirmação, pura e simples, do fundamento da queixa e da sua dolorosa legitimidade. Não se compreende, na verdade, que se esteja a importar batata do estrangeiro quando a nacional está na iminência de se estragar e perder, por falta de colocação, apesar do seu baixo preço e da sua qualidade superior.
Há nisto qualquer coisa que não está certo.
Neste ano agrícola foi um problema difícil para os produtores de batata conseguirem a colocação nos mercados das suas colheitas.
Ninguém lhas procurou durante largos meses; e eles começaram a preocupar-se com o desinteresse do comércio da especialidade.
Eles começaram a ter a impressão, exacta ou errada, de que nesse alheamento do comércio havia um jogo para os compelir a vender os seus produtos por baixo preço e que os trunfos desse jogo eram a importação que se fizera de alguns milhares de toneladas de batuta exótica no começo das colheitas e u ameaça de novas importações.
A batata nacional, dizia-se, não lhes interessa sob o ponto de vista comercial, visto que a estrangeira lhes dava uma margem maior de lucros.
E os importadores, que são simultaneamente os grandes armazenistas de Lisboa e Porto - de Lisboa principalmente -, não tinham, nesta última qualidade, um interesse por aí além em adquirir a produção nacional.
Assim se dificultou o escoamento normal desta produção, como consequência de uma importação inoportuna e pela ameaça e receio de novas e maciças importações.
Com a falta de procura vinha a oferta ansiosa do produtor e, como consequência lógica, a degradação, ou, pelo menos, a estagnação de preços.
Para não me alongar em mais considerações, que talvez devessem ser amargas para certas entidades, eu devo em resumo afirmar que foi um problema, e problema sério, a colocação no mercado da colheita deste ano agrícola.
E tão sério foi esse problema que o Sr. Subsecretário da Agricultura, para restabelecer a confiança e aquietar o alarme, se viu na necessidade de enviar para os jornais uma nota em que se informavam os produtores nacionais de que não seria consentida mais nenhuma importação, ou pelo menos mais nenhuma batata importada seria posta à venda enquanto a nacional não estivesse colocada, e que essa importação só se faria para assegurar, no momento próprio, as necessidades do consumo.
Sr. Presidente: pelos vistos a promessa não foi inteiramente cumprida, uma vez que há batata nacional por vender o a importação se está a efectuar.
Mesmo que esta batata não seja imediatamente lançada no mercado, a sua existência ameaça, por um lado, a tranquilidade dos produtores nacionais e, pelo outro, permite ao grande comércio da especialidade jogar com essa circunstância para obter maiores lucros à custa da já tão sacrificada lavoura nacional.
E isto assim não pode continuar. É preciso que a lavoura trabalhe, mas trabalhe com confiança e sem receios.
Apoiados.
Mal o tempo melhore vão iniciar-se, lá no Norte, as próximas plantações. E não será neste estado de espírito depressivo, quanto à compreensão do seu esforço e sacrifícios, que o lavrador encontrará o mais forte estímulo para intensificar e melhorar as suas culturas, como se afirma, e é verdade, ser necessário.
Pelo contrário, o desalento levá-lo-á ao desinteresse, à redução, à quase indiferença por uma cultura que, sem lhe dar grandes compensações, afora os cuidados do granjeio, lhe acarreta as preocupações de uma colocação difícil, o que pode prejudicar a economia da Nação.
Nestas condições, e porque desejo tratar do assunto com mais largueza em ocasião oportuna, mas com brevidade, roqueiro que pelo Ministério da Economia, Subsecretariado da Agricultura e organismos competentes, me sejam fornecidos os seguintes elementos:
1.º Qual o preço, por quilograma, da batata importada no país de origem;
2.º Qual o preço da mesma, por quilograma, posta no Tejo;
3.º Qual a importância de todas as despesas do seu transporte do Tejo para os armazéns dos importadores, também por quilograma, e das alfandegárias;
4.º Qual a importância arrecadada pela Junta Nacional das Frutas por cada tonelada de batata importada;
5.º Quais as quantidades de batata importada, data das respectivas importações e nomes dos respectivos importadores, especificadamente;
6.º Qual a importância que a referida Junta cobra por cada tonelada de batata nacional transportada para Lisboa, Porto e outros centros de consumo;
7.º Quais os preços de venda dos armazenistas, referidos a meses da última colheita;
8.º Quais os preços da venda a retalho, referidos aos mesmos meses;
9.º Quais os motivos justificativos das importações e quem os apresentou; e, finalmente,
10.º Quaisquer outras indicações que forem julgadas úteis para integral esclarecimento do problema.
Sr. Presidente: eu peço que estas informações me sejam dadas com urgência, em vista da premência do assunto e da sua importância para as economias pública e particular.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. André Navarro: - Sr. Presidente: no aviso prévio apresentado pelo ilustre Deputado Mendes do Amaral sobre a Lei de Reconstituição Económica S. Ex.ª proferiu as seguintes palavras:
... quero crer, Sr. Presidente, que se tal organismo (referia-se à projectada Junta Central da Economia) já existisse, com as funções e a competência que devem ser-lhe atribuídas, não deixaria consumar-se agora, por exemplo, este tremendo erro económico da instalação em Lisboa de um matadouro gigante, cujo funcionamento vai representar um prejuízo de centenas de contos por ano para a pecuária nacional, com a perda de milhares de calorias para a economia alimentar do País.
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Quem conheça o propósito e os projectos do matadouro-frigorífico que a Câmara Municipal de Lisboa está a construir no extremo oriental da cidade, junto a Beirolas, e os antecedentes desta rasgada iniciativa não pode considerar inteiramente justas as palavras proferidas por tão ilustre membro desta Assembleia.
Julgo por isso conveniente apresentar os seguintes esclarecimentos sobre este problema, que tanto interessa à capital do Império e à economia da nossa lavoura.
A instalação que se está fazendo não é propriamente a de um matadouro com frigorífico para as suas próprias e directas exigências, mas antes de um frigorífico cuja capacidade será, em parte, utilizada por um matadouro-municipal.
Esta distinção denuncia-se claramente no que adiante se expõe.
É desconhecimento geral a necessidade urgente - urgência de há muitos anos - de desalojar o actual matadouro da sua presente localização, bem como de outras instalações correlacionadas com o seu funcionamento precário.
Quanto ao frigorífico, é sabido por todas as pessoas que, de perto ou de longe, estão ligadas a assuntos relacionados com o abastecimento da cidade que é inadiável a sua instalação. Para a justificar bastará atender:
1.º À vantagem que resulta para a economia do produtor continental, pela possibilidade do abate do seu gado na melhor oportunidade de rendimento e o que essa circunstância representa de valor para a normalização dos consumos.
A falta de frigorífico tem impedido que se aproveitem, frequentemente, ofertas de gado que poderia ser abatido para um consumo muito posterior;
2.º À conveniência económica, e sobretudo sanitária, do abate imediato à chegada do gado oriundo dos Açores e de Angola (respectivamente 5:471 e 4:664 cabeças em 1950).
A carne destes bovinos deverá ser conservada pelo frio até ao momento de consumo, em vez de se manter o gado vivo à espera de abate, como hoje acontece, depauperando-se em quantidade e qualidade e podendo provocar perigosos contágios.
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença?
A questão que levou o Sr. Deputado Mendes do Amaral a impugnar o tamanho desse matadouro estaria naquilo que V. Ex.ª está a dizer agora. Se esse gado viesse das ilhas e das colónias já morto e frigorificado talvez não houvesse tanto prejuízo. O mesmo acontece em relação ao gado que vem da província, transportado por estrada, empatando o trânsito e causando um prejuízo anual de alguns milhares de quilogramas de carne.
O Orador: - Se V. Ex.ª me tem deixado acabar as minhas considerações ficaria esclarecido a esse respeito.
3.º A que Lisboa e o seu porto não possuem instalações frigoríficas suficientes para receber a carne e produtos alimentares de origem animal, congelados ou refrigerados, que tem havido e há-de continuar a haver necessidade de importar.
Parece, pois, não haver dúvida sobre a indispensabilidade da existência na capital, cidade que já hoje alberga cerca de 1.000:000 de habitantes, da unidade referida.
Quanto ao matadouro ...
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença?
Não quero dizer que não concordo com a instalação do frigorífico. Essa .é apenas uma solução in partibus, e não na totalidade.
O Orador: - Para efeito da determinação da capacidade do matadouro municipal foi considerado o número de abates que no actual estabelecimento se realizam.
A apreciação desse número não deve ser feita só pelas médias, mas também pelos máximos, pois que o matadouro deve estar apetrechado por forma a ter espaço para atender às matanças mais elevadas.
Em certas épocas do ano a matança diária, excluindo os cavalos, tem chegado a atingir cerca de 00 toneladas de carne.
Estas quantidades foram conseguidas fora do trabalho normal, mas não deixam de traduzir uma oferta de gado para abater que excede em muito as possibilidades máximas dos actuais serviços.
Os abates médios das segundas-feiras andam por cerca de 75 toneladas,
Ora a capacidade do novo matadouro, tendo em conta
O consumo-presente, foi calculada para: 100 bois, 80 vitelas, 1:500 carneiros e 150 porcos, o que representa cerca de 65 toneladas, mas poderá atingir: 240 bois, 160 vitelas, 2:000 carneiros e 300 porcos, num total aproximado de 120 toneladas por dia.
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª desculpe a interrupção, mas é só para informar de que corre pela província uma versão acerca deste problema: é a de que a carne abatida nesse matadouro abastecerá esses mesmos concelhos limítrofes, e não só Lisboa.
O Orador: - Eu estou a citar o que sobre o assunto tenho conhecimento.
Em justo conceito, e porque uma obra desta monta terá de ser feita para durar longo período de tempo, não pode classificar-se de exagerada a previsão que serviu de base aos cálculos do novo matadouro municipal.
Resumindo, dos números atrás apontados resulta que o trabalho diário do novo matadouro está previsto para:
Quilogramas
Dias normais, com abates médios ........... 65:000
Dias de aponta», com abates máximos ....... 120:000
O trabalho diário actual, em regime nitidamente deficitário de abastecimento, corresponde:
Quilogramas
Em dias normais, com abates médios ........ 42:000
Em dias de aponta», com abates máximos .... 73:000
Com estes paralelos completa-se o juízo a fazer sobre a estimativa que serviu de base ao cálculo da capacidade do novo matadouro. Julgo que o que fica dito é suficiente para demonstrar a utilidade da construção do frigorífico-matadouro da capital e a importância que esta unidade irá ter na melhoria da capitação de carne e os benefícios que resultarão para a economia da nossa lavoura.
A ideia da construção de matadouros regionais, posta por alguns, não tem qualquer justificação, tendo em linha de conta as características de distribuição das densidades da pecuária continental e a necessidade de se prever uma posição de realce para os futuros fornecimentos de carnes de origem angolana e das nossas ilhas adjacentes.
No território continental, praticamente, não existem zonas especiais particularmente dadas à produção intensiva de animais de carne, nem a sua pecuária está intensamente mais acantonada num local que noutro.
A criação espalha-se por variadíssimas regiões do País com uma densidade relativamente pequena e uma percentagem, por criador, também muito reduzida.
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença?
Em relação a Lisboa há pelo menos o Ribatejo e Alentejo que fornecem carne. É evidente que não se pode ter um matadouro especializado em cada concelho, mas
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o que podia era centralizar-se esses abates, e, por regiões, isso já melhorava imenso a solução deste problema.
O Orador: - A distância a que se encontra a região ribatejana e outras dos arcais do pliocénio ao sul do Tejo ó tão próxima da capital que não se justifica aumentarem-se as despesas gerais pela distância de alguns quilómetros.
O Sr. Melo Machado: - Em todo o caso sempre ouvi fazer considerações por pessoas muito abalizadas que desses assuntos se ocuparam de que a quantidade de carne perdida no transporte, por terra é uma coisa de considerar num país onde ela não abunda.
O Orador: - Pois eu tenho ouvido alguns desses criadores que transportam gado pelos caminhos dizerem que o gado engorda pelo caminho com o que come nas pastagens dos outros.
O Sr. Sousa Rosal: - Eu gostaria de saber como é que o Sr. Deputado Melo Machado vê a solução do problema.
O Sr. Melo Machado: - Com matadouros regionais.
O Orador: - Não há por isso um determinado número de locais onde, com grande economia de deslocação, se possa, com preferência a outros mais próximos do consumo, fazer o abate dos animais, a não ser que esses locais se multiplicassem por forma a satisfazerem então áreas muito reduzidas.
Por outro lado, como Lisboa consome à roda de 40 por cento do gado de que o continente dispõe para a produção de carne, influi preponderantemente e, por assim dizer, comanda a distribuição e a importação, não podendo estar na contingência de um abastecimento incerto.
O matadouro da cidade, tal como foi previsto com o seu frigorífico, virá a ser o melhor regulador da acção definida anteriormente, resultado que não se obteria se existisse exclusivamente um frigorífico sem matadouro ou este sem frigorífico.
Pensa-se que é, precisamente, porque estas considerações são justas que o então Ministro da Economia, ao aprovar o plano geral do novo matadouro, escrevia que «pode o Município de Lisboa contar com o mais decidido apoio do Ministério da Economia para a rápida realização deste empreendimento, de tão alto alcance para a economia nacional», e o conselho técnico da Direcção-Geral dos Serviços Pecuários escreveu, ao apreciar o mesmo plano, que «a concepção do sistema de instalação previsto enquadra-se na solução que a comissão de estudo do plano geral de localização dos matadouros preconiza como sendo aquela que melhor pode satisfazer, dentro de um conjunto de circunstâncias e de condições económicas, as necessidades de um abastecimento dos centros consumidores do Pais e do fomento pecuário».
Certamente também por iguais motivos, os técnicos especializados do Plano Marshall, que recentemente tiveram ocasião de observar as obras e estudar em pormenor no gabinete de estudos os planos e memórias, não fundamentaram as suas apreciações em conceitos de grandeza, mas exclusivamente na qualidade do trabalho em execução, afirmando que a concepção e a construção do matadouro-frigorífico ou, como queiram, frigorífico-matadouro eram das melhores que conheciam na Europa e que bem desejariam que na própria América houvesse muitas instalações iguais à que se está erguendo na capital do Império.
Devo estas palavras em homenagem à justiça e aos serviços inestimáveis que Lisboa deve ao seu ilustre presidente e antigo e ilustre colega nesta Assembleia, tenente-coronel Álvaro Salvação Barreto.
Disse.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Cortês Pinto: - V. Ex.ª dá-me a palavra, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - V. Ex.ª deseja a palavra para falar sobre que assunto?
O Sr. Cortês Pinto: - É para fazer apenas uns ligeiros comentários às palavras do Sr. Deputado André Navarro.
O Sr. Presidente: - Pode V. Ex.ª usar da palavra durante cinco minutos.
O Sr. Cortês Pinto: - Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para, como membro da Câmara Municipal de Lisboa, agradecer e aplaudir as palavras do Sr. Engenheiro André Navarro, que expôs o problema com uma clareza e proficiência a todos os títulos notável. Ouvi também com toda atenção as observações do Sr. Deputado Melo Machado, e não posso deixar de considerar que o assunto pudesse realmente ser discutido e resolvido por outra forma. No entanto, é preciso ver que a Câmara Municipal de Lisboa tem de resolver os seus problemas tendo em atenção que uma oitava parte da população de Portugal reside em Lisboa. Evidentemente que o Município de Lisboa não podia ficar à espera que o assunto fosse resolvido no País inteiro, para que então pudesse resolvê-lo também.
É, portanto, provável que o problema, posto noutras circunstâncias, pudesse ser resolvido de outra forma; simplesmente a Câmara Municipal de Lisboa não podia tomar resoluções que estavam fora do âmbito da sua acção, como também não podia ficar à espera daquilo que outros tardiamente realizassem.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vai iniciar-se a discussão da proposta de lei n.º 110, que autoriza o Governo a emitir um empréstimo amortizável, interno, até ao montante de 300:000 contos.
Tem a palavra sobre esta parte da ordem do dia o Sr. Deputado Alberto de Araújo.
O Sr. Alberto Araújo: - Sr. Presidente: está em discussão e sujeita ao voto da Assembleia Nacional a proposta de lei n.º 110, que autoriza o Governo a contrair um empréstimo amortizável até ao montante de 300:000 contos.
Essa proposta foi apreciada pela Câmara Corporativa e objecto de um parecer relatado pelo Prof. Doutor Fernando Emídio da Silva, que constitui um estudo exaustivo da dívida pública portuguesa.
Desta tribuna quero dirigir ao ilustre mestre de Direito as minhas respeitosas felicitações pelo seu notável trabalho, que incontestavelmente enriquece a nossa bibliografia sobre assuntos financeiros.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Já que aludo a elementos de estudo sobre a nossa dívida pública, sua composição e características, é de elementar justiça referir os relatórios anuais da Junta do Crédito Público, cujos moldes actuais foram estabelecidos pelo seu presidente, Sr. Dr. Joaquim Dinis da Fonseca, e os pareceres da comissão de contas da Assembleia Nacional, dos quais tem sido relator o Sr. Dr. João Neves.
Quero envolver os dois ilustres parlamentares num mesmo pensamento de homenagem pelos valiosos elementos que todos os anos fornecem à Câmara e ao País sobre um dos sectores fundamentais da vida financeira do Estado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Passando os olhos sobre as rubricas e números que exprimem a natureza e o montante da dívida pública, podemos dizer que esta reflecte, por si só, todos os resultados e benefícios da política financeira empreendida pelo Sr. Dr. Oliveira Salazar em 1928.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Informa-a as mesmas regras de austeridade, a mesma subordinação a leis previamente definidas; domina-a o princípio de que cada espécie de dívida tem a sua função específica e de. que aquela deve, no seu conjunto, adaptar-se às condições do mercado e ser também instrumento de equilíbrio e factor do progresso económico da Nação.
E vantajoso a este respeito, e até para melhor apreciação da proposta de lei agora sujeita ao voto da Assembleia Nacional, fazer uma rápida resenha da evolução da dívida pública desde 1928 até ao presente, comparando a natureza da sua composição e os números que exprimem o seu montante.
Sr. Presidente: em 30 de Junho de 1928 a dívida pública portuguesa revestia as formas de dívida consolidada, amortizável e flutuante, subdividindo-se estas duas últimas modalidades em interna e externa.
A dívida interna consolidada era constituída pelos títulos representativos de dois empréstimos:
a) O consolidado de 3 por cento resultante da conversão de 1852, num montante de 4.800:000 contos, dos quais não chegavam a estar em circulação 10 por cento. A grande massa dos títulos caucionava a dívida do Estado ao Banco de Portugal;
b) O 6 1/2 por cento, ouro, de 1923, num total de 8.000:000 de libras.
Na dívida amortizável destacava-se pelo seu volume a dívida pública externa, num montante de 32.156:000 libras, ou fossem 2.588:000 contos, ao câmbio de 80$50 por libra.
A dívida interna amortizável totalizava pouco mais de 30:000 contos e era constituída por uma série de seis empréstimos, cujas taxas de juro iam de 3 a 5 por cento.
Havia ainda diversos empréstimos constituídos a favor de outras entidades e avalizados pelo Estado, num montante aproximado de 80:000 contos.
E, finalmente, vinha a dívida flutuante, que naquela data excedia os 2.100:000 contos. As duas grandes fontes dessa dívida eram os bilhetes do Tesouro, que chegaram a atingir montante superior a 1:200 contos, e o débito do Estudo à Caixa Gorai de Depósitos, que ascendeu a cerca de 600:000 contos. As parcelas dessa dívida, mais do que o passivo de uma nação, eram a expressão das suas dificuldades, algumas delas cicatrizes vivas na alma e no coração da própria Pátria.
O pagamento de encargos da dívida externa gozava de garantias especiais impostas pelos credores.
A dívida flutuante, em vez de ter sido um meio de antecipação de receitas, havia-se transformado num processo corrente de saldar encargos normais do Tesouro, e a própria dívida consolidada enfermava de especiais anomalias. Assim, enquanto que os títulos do velho consolidado se cotavam por metade do seu valor nominal, os portadores do empréstimo de 6 1/2 por cento de 1923, porque gozavam da garantia de câmbio, chegaram a receber 18 por cento de juro sobre o seu capital investido.
Uma dívida assim, fictícia no seu montante, anormal na sua estrutura, em grande parte desviada da sua função, não era compatível com o ordenamento que Salazar ia empreender nas finanças públicas.
Obtidos o equilíbrio do orçamento e, no fim da gerência, saldo positivo de contas, logo se iniciou o saneamento da dívida pública, pagando-se grande parte da dívida flutuante com receitas ordinárias, consolidando-se o restante e realizando-se vastas e importantes operações de conversão, destinadas a substituir uma dívida velha por uma dívida nova, mais de acordo com a realidade e com as novas condições económicas, que a acção do Estado tornara, felizmente, possíveis.
Em 1929-1930 pagou-se a dívida flutuante externa, em 1930-1931 os bilhetes do Tesouro em ouro e em 1933-1934 acabou-se o pagamento dos bilhetes do Tesouro em escudos. A dívida flutuante em 30 de Junho de 1934 estava reduzida a 148:000 contos, ou seja o equivalente ao saldo devedor na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência.
Esse saldo continuou a baixar nos meses seguintes e em fins de Setembro desse ano transformou-se em saldo credor. Nessa data "Portugal apresentava, talvez entre todos os países do Mundo, a situação invejável de não ter dívida flutuante, fosse qual fosse a sua forma de representação".
Estas palavras não são minhas. São do relatório que precedeu as Contas Gerais do Estado relativas a 1933-1934.
Por si, marcam uma época e consagram definitivamente uma política financeira, cujo valor e alcance convém relembrar sempre que o tempo vai distanciando de nós factos e acontecimentos do passado, que estão na base e na origem do renascimento presente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Paralelamente à extinção da dívida flutuante outras operações se realizavam e que alteravam profundamente a composição da dívida pública, na execução de um plano de reforma e actualização previamente estabelecido.
Em 1931 havia baixado em 4.386:000 contos o valor nominal da dívida interna consolidada de 3 por cento pelo resgate das inscrições que no Banco de Portugal caucionavam a dívida do Estado.
Assim, muito reduzido o valor nominal desse consolidado, diminuído ainda por anulações posteriores, foi o seu capital, de cerca de 300:000 contos, convertido no consolidado de 4 1/2 por cento de 1933. Ofereceu-se aos portadores a escolha entre a conversão e o reembolso, ficando a obrigatoriedade daquela que vem depois a verificar-se dependente da resolução da maioria.
Por cada dois títulos do consolidado de 3 por cento deu o Estado um título do 4 1/2, por cento de 1933, fazendo desaparecer da Bolsa títulos de baixa cotação e diminuindo correspondentemente o valor nominal da dívida pública.
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Feita esta conversão, logo outra se efectuou, tendo por objecto o consolidado de 6 1/2 por cento de 1923.
A posição dos títulos representativos deste empréstimo era diversa da do consolidado de 3 por cento. Enquanto que estes na Bolsa tinham um valor inferior a 50 por cento do seu valor nominal, aqueles, porque dispunham da garantia de câmbio, cotavam-se acima do par.
O Estado pôde assim oferecer aos portadores dos respectivos títulos ou a conversão no novo consolidado de 4 3/4 por cento de 1934 ou o reembolso. A quase totalidade dos portadores aceitou a conversão, integrada na orientação geral de uniformizar tanto quanto possível a dívida pública, reduzir os juros e acabar com garantias especiais atribuídas a certas categorias dessa dívida.
Mas não se converteu só o consolidado. Converteram-se igualmente todos os empréstimos amortizáveis existentes em 1928, tendo também gradualmente desaparecido, por resgate ou amortização, os empréstimos com o aval do Estado emitidos a favor de outras entidades.
É evidente que todas as operações de consolidação da dívida flutuante, de conversão da dívida consolidada e amortizável deram lugar à emissão de outros empréstimos e foram origem de uma outra dívida, mas de natureza e de características bem diversas da existente em 1928.
Em 30 de Junho de 1928 o total da dívida pública era de 10.293:000 contos, se atribuirmos à libra o valor de 80$50 para determinarmos o montante da dívida externa e do empréstimo de 6 1/2 por cento, de 1923. Se partirmos do câmbio de 100$ por libra, esse montante elevar-se-á a 11.118:485 contos.
Em 31 de Dezembro de 1935 essa verba havia baixado para 6.500:000 contos, e na ordem dos 6.000:000 se manteve até ao fim de 1939.
Nos fins desse ano havia eclodido a segunda grande guerra, que surpreendeu Portugal entregue à sua tarefa de reconstrução.
Tendo-nos mantido alheios ao conflito, sem deixar de suportar os sacrifícios que dele resultavam para todos os povos e sem enjeitar as responsabilidades que provinham de uma aliança secular, pudemos felizmente continuar, na ordem e na paz; a tarefa iniciada nas finanças, na economia, em todos os sectores da vida nacional.
Cinco anos antes a Assembleia Nacional votara a Lei de Reconstituição Económica, projectavam-se os grandes planos de fomento, estava assegurado e garantido o valor do escudo, era firme (c) fundado o crédito da Nação.
Foi neste ambiente de renovação interna e de prestígio internacional que se efectuou em 1940 uma das mais importantes conversões da nossa dívida pública: a conversão da dívida externa - operação não tutelada, não imposta como convénio humilhante, mas oferecida confiadamente, como símbolo alto de uma nova era de redenção.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O amortizável externo correspondia então a cerca de metade do montante da dívida pública nacional e era a única dependência do Estado Português em relação à finança internacional.
Com a conversão pretendia-se sobretudo aproveitar é o benefício moral da nacionalização da dívida, que ficaria reduzida no seu valor nominal, e ao mesmo tempo, e dada a posição da libra em face do escudo, vir em auxílio dos credores, para lhes evitar a baixa eventual dos rendimentos e a desvalorização dos capitais. Por isso pôde o Sr. Presidente do Conselho dizer que essa operação devia ficar como espécie rara e padrão de lealdade e seriedade do Estado.
Assim o Decreto-Lei n.º 30:390, de 20 de Abril de 1940, autorizou a Junta do Crédito Público a converter os títulos da dívida externa em títulos ou certificados do novo consolidado interno então criado e denominado "Consolidado dos Centenários, de 4 por cento, 1940".
Era simples o mecanismo da conversão: o Estado oferecia aos portadores da dívida externa por cada quatro obrigações desta três obrigações do novo consolidado, dando-lhes plena liberdade de aceitarem ou não a conversão proposta.
O êxito desta ficou assegurado de início. Tendo começado em fins de Abril, logo em Junho se tornou necessário emitir mais l milhão de contos do consolidado para fazer face aos pedidos apresentados.
Sendo o capital da dívida externa de 32.156:000 libras, ficou reduzido, após a conversão, a 9.390:000 libras. Em 31 de Dezembro de 1950 a sua equivalência em escudos era de 640:000 contos, ou seja aproximadamente uma quarta parte da existente em 30 de Junho de 1928.
Tendo a conversão do amortizável externo sido realizada no interesse da economia privada, foi este objectivo plenamente realizado, pois os portadores do novo consolidado vinham a receber um maior juro numa moeda estável.
Não dispunham, é certo, da consignação dos rendimentos aduaneiros que lhes assegurava o convénio de 1902. Mas os tempos haviam mudado, e todos os possuidores de títulos da dívida pública gozavam de garantias muito mais amplas: as que provinham dos artigos 65.º, 66.º e 68.º da Constituição e as que resultavam da seriedade e do crédito do Estado e da solidez das finanças e da economia da Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Embora orientada no sentido da protecção das economias privadas, a conversão de 1940 fez baixar o valor nominal da dívida convertida, e isso teve influência no volume total da dívida pública. De 6.174:000 contos de valor nominal em 31 de Dezembro de 1939, a dívida pública baixara em igual data de 1940 para 5.458:000 contos.
A dívida efectiva, abatidos os títulos na posse da Fazenda, pouco excedia os 5.200:000 contos.
Foi o montante efectivo mais baixo da dívida por muitos anos registado na história do nosso crédito público.
Desde então a emissão de novos empréstimos foi fundamentalmente condicionada pela vantagem de conversão de empréstimos anteriores, no aproveitamento de melhores condições de juro, ou em razão de obras de fomento ou pela necessidade de absorção de disponibilidades monetárias do mercado, assegurando ao mesmo tempo ao Estado maiores possibilidades de executar os planos de reconstituição económica.
Quando, em face de uma posição favorável da balança de pagamentos, cresciam as reservas do banco emissor, aumentava o volume de cambiais e divisas, e portanto o volume das notas em circulação, o Estado interveio prudentemente, oferecendo colocação reprodutiva a capitais avultados.
Quando se deu o fenómeno inverso, e de favorável passou a desfavorável a balança de pagamentos, pelas grandes aquisições realizadas no estrangeiro de matérias-primas, máquinas e produtos alimentares, o Estado interveio novamente, mas em sentido oposto, lançando no mercado disponibilidades que anteriormente havia absorvido.
Tudo funcionou com um sincronismo admirável, reduzindo ao mínimo os abalos, as perturbações, sempre
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inevitáveis quando se passa de uma economia de guerra para uma economia de paz.
Não se pode deixar de evocar com admiração a política financeira seguida neste período, a qual, mantendo intactos o valor da moeda e o crédito da Nação, numa grande viragem da história do Mundo, deixou atrás de si traços inapagáveis: as escolas que se construíram, os campos que se irrigaram, a energia que se aproveitou.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os empréstimos destinados a absorver disponibilidades monetárias do mercado foram emitidos desde 1941 a 1946. Em 1947 já não se emitiu qualquer empréstimo desta natureza. O produto total da colocação dos empréstimos emitidos a partir de 1941 elevava-se em 31 de Dezembro de 1946 a 4.800:000 contos. Desse produto tinham sido aplicados à cobertura de despesas extraordinárias 669:000 contos, sendo nessa altura de 4.138:000 contos o saldo líquido das disponibilidades de tesouraria.
Em 31 de Dezembro de 1947 esse saldo mantinha-se ainda em 2.549:000 .contos e em fins de 1948 em 1.384:000.
Houve assim a preocupação de não aplicar repentinamente o produto dos chamados empréstimos de absorção, para que atingisse a finalidade a que esses empréstimos obedeciam. Se o Estado obtinha capitais avultados que lhe permitiam a cobertura parcial das despesas extraordinárias, actuava também como regulador do mercado de capitais. E tanto assim que em 1948, tendo-se alterado a situação anterior, o Estado anulou 828:000 contos de títulos ainda por colocar e na posse da Fazenda, preferindo não receber a importância do seu valor nominal a ser elemento de perturbação e concorrência no mercado interno de valores.
Convém salientar que, tendo o produto destes empréstimos sido aplicado na cobertura de despesas extraordinárias, muitas destas, conforme se acentua num dos pareceres da Comissão de Contas da Assembleia Nacional, em vez de despesas orçamentais, deveriam antes considerar-se investimentos de dinheiros públicos, como o empréstimo à colónia de Moçambique, a aquisição de títulos do empréstimo da marinha mercante e a participação no capital de certas- empresas de marcado interesse para o fomento da economia nacional.
Em 31 de Dezembro de 1900, em face dos mapas publicados pela Junta do Crédito Público e actualizados pelo Prof. Doutor Fernando Emídio da Silva, e deduzindo o saldo credor da dívida flutuante, a dívida pública ascendia a 9.527:000 contos.
Neste montante está incluído o empréstimo de 100:000 contos emitido a favor do Fundo de Fomento Nacional, 450:000 contos de certificados da dívida pública passados a favor de instituições de previdência social, nos termos do Decreto-Lei n.º 37:440, de 6 de Junho de 1949, e 565:000 contos do empréstimo da marinha mercante. Apesar de ter decorrido um período longo de administração operante e activa, de se ter enriquecido notavelmente o património da Nação e aumentado o seu rendimento, de só na execução da Lei de Reconstituição Económica, que absorveu 13.000:000 de contos, a Junta do Crédito Público ter concorrido com 5:500 contos no conjunto daquela dívida, apesar de tudo, o montante da dívida pública baixou relativamente a 1928.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Do parecer da Câmara Corporativa faz parte um interessante mapa comparativo dos encargos da dívida pública.
Em 1930 as receitas ordinárias do Estado totalizavam 1.947:000 contos e os encargos da dívida pública 447:000. Em 1950 aquelas subiram para 4.700:000 contos e estes para 463:000.
Quer dizer: há vinte anos os encargos da dívida pública absorviam 22 por cento das receitas ordinárias e agora apenas 10 por cento. Neste espaço de tempo as receitas do Estado mais que duplicaram, enquanto que os encargos da dívida (pública apenas aumentaram cerca de 5 por cento. Isto demonstra a cautela e a prudência de uma administração.
Vozes: - Muito bem!O Orador: - É evidente, e isso também se toca no parecer da Câmara Corporativa, que da aplicação do Plano Marshall resultará uma nova espécie de dívida.
as, em todo o caso, uma dívida muito especial, resultante da sua própria natureza.
O montante contratado do empréstimo americano é de 790:000 coutos, dos quais estão realizados 460:000.
Pode dizer-se que só constitui encargo real do Estado em juros e amortizações, aquela parte do empréstimo utilizada em benefício dos serviços do próprio Estado. De resto, quando qualquer empresa adquire nos Estados Unidos maquinaria ou apetrechamentos industriais, transferem-se para esta os encargos resultantes da amortização e juros do crédito concedido.
Diferente é a posição dos compradores de bens de consumo na utilização do empréstimo americano. Estes entregam no Banco de Portugal os escudos correspondentes aos dólares que representam o montante da transacção. Posteriormente o. Estado, utilizando esses valores em moeda nacional em empreendimentos reprodutivos, obterá o rendimento necessário para o pagamento do respectivo encargo.
Outra vantagem que resulta para o Estado da aplicação do Plano Marshall é o poder dispor, em acordo com a administração do Plano, dos fundos de contrapartida depositados no Banco de Portugal.
Investindo esses capitais, o Estado contribui para aumentar a capacidade produtiva do País e, em consequência, o rendimento nacional. E sendo deles, mais tarde, reembolsado pode continuar, com os mesmos capitais, a política da produção e do investimento.
Pode também afectar parte desses fundos de contrapartida ao pagamento de despesas extraordinárias.
Pelo fundo de contrapartida foram já financiados:
Contos
Serviços do Estado ............ 10:000
Diversas empresas ............. 162:000
Sr. Presidente: servem estas considerações para demonstrar:
1) Que o empréstimo americano só se traduzirá em encargo real para o Tesouro na medida em que for utilizado em serviços do Estado;
2) Que, mesmo quanto a este encargo, o Estado encontrará larga margem de compensação nas vantagens directas e indirectas que o plano americano oferece à economia da Nação.
Os financiamentos de conta do empréstimo americano até 28 de Fevereiro último desdobram-se assim:
Serviços do Estado ..... 12:211.164$90
Empresas ............... 280:182.276$20
292:393.141$10
Por créditos abertos nos Estados Unidos da América ............................ 214:016.610$00
506:410.051$10
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Totalidade das contrapartidas:
Concedidas ......................... 563:212.257$30
Realizadas ato Fevereiro deste ano . 481:274.757$30
Saldo (a) ...... 81:937.500$00
(a) Este saldo só será recebido se as operações a fazer de conta do empréstimo atingirem a sua totalidade (790:625.000$).
Os financiamentos já concedidos de conta do Fundo de contrapartidas são os seguintes:
Serviços do Estado ........... 10:000.000$00
Empresas ..................... 162:040.000$00
172:040.000$00
De 1947 a 1949, exceptuado o empréstimo da marinha mercante, não houve emissão de quaisquer empréstimos novos.
Atravessou-se, como já disse, um período deflacionista, em que o Estado desempenhou importante função de compensação pela utilização dos fundos em reserva.
O déficit tia balança comercial ascendera em 1948 a 6.000:000 de contos. A balança de pagamentos ressentiu-se dessa grande diferença entre o montante das exportações e das importações do País, registando um saldo negativo de 3.300:000 contos.
Isso não podia deixar de influir no mercado monetário interno e no meio circulante.
O volume das notas em circulação e outras responsabilidades à vista do banco emissor baixou entre 1947 e 1948 em mais de 3.000:000 de contos, no reflexo do déficit da balança de pagamentos.
Em 1949, sobretudo no 2.º semestre, a situação tende a melhorar:
O déficit da balança comercial baixa para 5.000:000 de contos, o saldo negativo da balança de pagamentos pára 1.960:000, e, relativamente ao ano anterior, desce em cerca de 1.500:000 coutos o total das notas em circulação e outras responsabilidades à vista do banco emissor.
Começava assim a atenuar-se o movimento deflacionista.
Em 1950 continua a diminuir o déficit da balança comercial e pela primeira vez desde 1946, que foi o último ano de resultado favorável, a balança de pagamentos apresenta um saldo credor de perto de 500:000 contos. Como consequência, em 30 de Dezembro o montante das notas em circulação e outras disponibilidades à vista do Banco de Portugal sobe em mais de 1.100:000 contos, relativamente, a Dezembro do ano anterior; os depósitos à ordem nos bancos e banqueiros e nas caixas económicas sobem em 1950, relativamente a 1949, em mais de 600:000 contos; aumenta a proporção das respectivas reservas e mantêm-se estáveis as cotações da bolsa.
Estes indícios de normalização permitiram ao Governo emitir pelo Decreto n.º 37:827, de 18 de Maio de 1950, um empréstimo de 100:000 contos para o Fundo de Fomento Nacional, como permitem agora, em face da melhoria que se acentuou, propor a emissão de um novo empréstimo de 3 1/2 por cento, que se denominará a Obrigações do Tesouro de 1951".
A proposta obedece às exigências constitucionais e não deixa de ser motivo de registo a circunstância de o Sr. Ministro das Finanças a ter submetido à apreciação e ao voto desta Assembleia, representante viva do pensamento da Nação e guarda fiel dos seus mais altos interesses.
No orçamento para o ano corrente as receitas ordinárias estão computadas em 4.700:000 contos e as despesas ordinárias em 4.404:000. As despesas extraordinárias foram fixadas em 911:000 contos, prevendo-se para a sua cobertura:
Milhares de contos
Por excesso de receitas ordinárias ......... 293
a) Pelo Fundo de contrapartida do Plano Marshall ........................... 68
c) Pelas receitas de amoedação ............. 5,9
d) Pelo saldo de contas de anos económicos findos ........................ 78,7
e) Pelo recurso ao crédito ................. 465,5
Significam estes números que só está previsto o recurso ao crédito em pouco mais de 50 por cento do total das despesas extraordinárias para o ano corrente. É possível até que o excesso das receitas sobre as despesas ordinárias permita uma maior cobertura das despesas extraordinárias além da que está prevista. Mas as contingências da situação internacional e a necessidade de o Tesouro possuir liberdade absoluta de movimentos aconselham a realização da operação proposta. Talvez por isso mesmo o Sr. Ministro das Finanças tivesse escrito no magnífico relatório que precede o orçamento para 1951 que "a prudência continua a ser a mãe da segurança".
Pela lei fundamental do País, o Estado só pode contrair empréstimos para aplicações extraordinárias em fomento económico, amortização de outros empréstimos, aumento indispensável do património nacional ou necessidades imperiosas de defesa e salvação pública.
A simples leitura do relatório da proposta denota a sua subordinação a este preceito constitucional.
Vencerá o novo empréstimo a taxa de juro de 3 1/2 por cento e será amortizado em vinte e cinco anuidades iguais, a principar em 15 de Janeiro de 1952.
O problema da taxa de juro não tem sido indiferente no Poder Público. Quando o Estado interveio, a partir de 1941, na absorção de capitais líquidos, evitou a baixa excessiva de juros.
Quando, posteriormente a 1946, se absteve de lançar novos empréstimos dessa natureza, evitou que se agravasse a tendência para a alta de juros, provocada pela posição desfavorável da balança de pagamentos do País.
A taxa do novo empréstimo é de 3 1/2 por cento. Conforme se anota no parecer da Câmara Corporativa, as obrigações do Tesouro de 3 1/2 por cento, isto é, do mesmo tipo do novo empréstimo, cotaram-se durante todo o ano de 1950 acima do par.
Isso revela ser razoável e de acordo com a situação do mercado o juro oferecido.
Trata-se, portanto, de um empréstimo que, sendo possível e aconselhável em face da conjuntura económica e obedecendo às boas regras orçamentais e aos preceitos da Constituição, deve ser aprovado.
Esse foi o parecer das Comissões de Finanças e de Economia desta Assembleia, que me honro de exprimir neste momento.
Todos reconhecemos que se torna necessário prosseguir a mesma política financeira, aumentar a produção, realizar mais largos investimentos, estar atento à defesa e segurança do País. Mas queira Deus que o evoluir dos acontecimentos permita aplicar o produto deste empréstimo, não aos fins ingratos e dolorosos da guerra, mas às tarefas fecundas e construtivas da paz.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: depois da brilhante oração do Sr. Deputado Dr. Alberto de Araújo, pouco terei de acrescentar em matéria de detalhe.
Nem sequer vou pôr esta opção muito clássica: imposto ou empréstimo? pois as receitas das parafinanças poderiam talvez ter, para isso, um adequado aproveitamento.
Mas isto não são problemas que eu vá agora tratar aqui, visto que já anunciei um aviso prévio a tal respeito.
Vivemos na política do possível e .por isso vou dar o meu voto a esta proposta. Não sem deixar de destacar, como uma singela homenagem, tudo o que o nosso país deve nesta matéria a Salazar e à sua plêiade de colaboradores, e sem também deixar de me referir ao meu eminente mestre e amigo Sr. Doutor Fernando Emídio da Silva, louvando-o e louvando-me no seu magistral relatório.
Vivemos também, em matéria de investimentos, em pleno regime concorrencial, muito longe do sonho institucional corporativo; porque o Estado, algemado pela dura disciplina do não inflacionismo, e a Caixa Geral de Depósitos, com os seus capitais um tanto presos em investimentos, momentaneamente difíceis de descongelar, não podiam ter tido a acção decisiva no mercado de capitais, que lhe poderia ser exigida, não digo numa economia dirigida, mas, pelo menos, ordenada, com seus sobreinvestimentos.
Passámos o surto volframista sem disciplinar os capitais de ocasional formação, do que resultou uma inflação mal distribuída socialmente, com alteração profunda do poder de compra interno monetário, mas com uma faculdade eufórica de aquisição no mercado externo, o que facilitou, por falta da fiscalização adequada, um desregramento e desierarquização de investimentos, que melhor deviam denominar-se de consumo, fundindo-se a olhos vistos as nossas reservas cambiais.
Enquanto, o Estado procurava seguir uma linha de rumo de boa aplicação das cambiais, os particulares sumptuarizavam o emprego dessas reservas; a economia ia, até certo ponto, matando as finanças, mas, graças a Deus, estas tinham um belo arcaboiço e resistiram.
Anteriormente tínhamos conseguido fazer descer a taxa média de juros, e a conversão da nova dívida externa fez-se, porém, depois dessa descida.
Essa operação, realizada assim, era teòricamente condenável, porque se fazia posteriormente ao acréscimo do valor de bolsa dos títulos, implacàvelmente suscitado pela aplicação da regra de três de capitalização, o que dava um paradoxo curioso: quanto melhor estávamos financeiramente mais alto subiam os fundos públicos e, portanto, mais elevado era o montante real da dívida pública.
Esta operação não tinha só a justificá-la, no domínio da prática, a diminuição dos encargos orçamentais, mas a impossibilidade de realizá-la a meio tempo, isto é, na meia descida da taxa de juro, porque, voluntàriamente, como se tinha de efectuar, dificilmente aliciava o credor.
No mercado de capitais o que importa não é a totalidade dos já utilizados, mas os disponíveis.
A diversidade da taxa de juros corresponde, no mercado livre, a uma média das possibilidades do seu emprego, à variedade das suas aplicações ao tempo da sua utilização e, principalmente, aos riscos, mas atendendo bem à duração e à intensidade deles.
O que interessa no mercado de capitais é o regime de continuidade da taxa. A brusca mutação dum regime de continuidade para um regime de descontinuidade fez incidir brutalmente sobre a nossa dívida pública consolidada a regra de três, inflexível, de capitalização, com perdas substanciais de valor para os portadores do títulos, entre os quais impressionam e avultam os órfãos, e para as chamadas reservas actuarias, não só na medida mesmo em que sofriam uma quebra do valor de bolsa, como até os juros se viam cerceados no seu poder de compra pela desvalorização da moeda.
O regime corporativo nada pôde fazer de útil nesta matéria e teve de se recolher ao seu insignificante papel de corporativizar noutros sectores prejuízos, e a política financeira teve de começar a fazer-se em detrimento do esquema óptimo dos investimentos de segurança social, desliberalizar-se para fugir da taxa elevada de colocação de capitais no mercado normal.
É com alegria que acolhemos esta proposta, que vem reliberalizar o crédito público, desforçando-o tecnicamente. O regime corporativo foi no mercado de capitais apenas um guarda de noite e como que uma bilha de água que tivesse o fundo roto.
Nesta alta de preços que estamos sofrendo, com capitais especulativamente estimulados por umas prováveis mais valias de capitalização e monetárias, torna-se absolutamente indispensável ter em mão os mecanismos de investimento e capitalização.
O controle do desconto bancário não basta; tarde ou cedo as marginais da taxa de juros médias dos capitais livres vêm influenciar necessariamente a taxa média do mercado, não a deixando descansar num regime de continuidade, apertando seriamente as suas disponibilidades bancárias.
Um regime autenticamente corporativo procura institucionalmente o verdadeiro rendimento social, rebusca o investimento optimamente técnico, que nem sempre é economicamente o melhor, fugindo de concentrações de capital, que exacerbam as posições capitalistas e atraem as trovoadas marxistas.
Pensamos que uma revolução política, como a de 28 de Maio, que brevemente vai celebrar as suas bodas de prata, não pode passar sem fazer reinar a justiça no plano económico e financeiro e deixar de ser uma revolução moral que reforce e duplique a política, que marque assim mesmo a sua verdadeira dimensão, opondo-se seguramente à economia comunista por uma orgânica económica comunitária, altamente idealizada no bem comum e proporcionando os resultados sociais que geralmente estão ligados à esperança colectivista.
Dizia Bergson que «on peut donner aux mots le sens que l'on veut, mais à condition de ne pas les définir».
Foi o que sucedeu ao nosso corporativismo, que se perfilou mais como doutrina de intenções do que de realizações, e, no caso vertente, deixando liberalizar demasiadamente o mercado de capitais com sobreinvestimentos, que acarretaram uma alta de juro, causando perdas substanciais aos portadores de títulos da divida pública, com perturbação da mecânica dos investimentos da segurança social, que poderiam ter sido evitados se o corporativismo fosse mais alguma coisa que uma figura de retórica política e se realizasse como altamente o concebeu a Igreja e, na prática portuguesa, o ideou Salazar, com sagaz visão das possibilidades nacionais.
Lição dura, que devemos aproveitar e que não foi maior porque, felizmente para Portugal, mãos destras tinham deixado alicerces financeiros sólidos que nem mesmo o liberalismo de investimentos poderia tocar.
Honra seja a este homem!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito sobre este assunto. Considero, portanto, encerrada a discussão na generalidade.
Vai passar-se à discussão na especialidade.
Pausa.
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600 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 83
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 1.º
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto que ninguém deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Submetido à votação, foi aprovado o artigo 1.º da proposta de lei.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão os artigos 2.º e 3.º
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto que ninguém deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Submetidos à votação, foram aprovados os artigos 2.º e 3.º da proposta de lei.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão os artigos 4.º e 5.º
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto que ninguém deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Submetidos à votação, foram aprovados os artigos 4.º e 5.º da proposta de lei.
O Sr. Presidente: - Está concluída a votação da proposta de lei.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à segunda parte da ordem do dia.
Vai prosseguir-se na discussão do artigo 1.º da Organização dos Serviços de Registo e do Notariado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pinto Barriga.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: pequenos centros notariais vão desaparecer, vítimas da geometria no espaço, porque ninguém poderá defender a nossa organização administrativa sob um aspecto teórico e prático.
Os concelhos são: uns extensos, outros populosos.
Uns são ricos, outros pobres, outros de área reduzida. Assim, há concelhos inteiros que se compõem de uma freguesia, como acontece com o do Entroncamento.
O Sr. Carlos Borges: - E Alpiarça.
O Orador: - Portanto, não vejo argumentos que possam realmente defender teoricamente este ponto da reforma que se baseia numa organização administrativa quase indefensável.
Quem há aí que defenda a actual organização administrativa como perfeita?
Mas vamos à tal geometria. Supõe-se que a reforma administrativa é magnífica e sobre ela se faz a construção do tudo, não só do registo civil, mas do registo predial.
Quanto ao registo predial, é fácil explicar a vantagem de ir à sede do concelho. Mas, quanto ao notariado, há notários de freguesia que vivem com as correspondentes receitas.
Mas será preciso assentar a reforma do notariado sobre a reforma administrativa? Não vejo argumentos que se me possam opor, mas precisamos de verificar isto: a nossa reforma administrativa é defensável? Não é. Não se apoia sobre bases técnicas nem económicas, nem sequer políticas; são às vezes o produto do menor esforço político.
Há terras que distam 30 e 40 quilómetros da sede do concelho.
De facto, o Sr. Ministro da Justiça fez uma reforma que não quero agora analisar, mas que vem ferir a economia das pequenas populações que tinham os seus notários.
O Sr. Elísio Pimenta: - V. Ex.ª dá-me licença?
O texto da Câmara Corporativa é que vem prejudicar interesses, estabelecendo diferenciação onde ela não existe.
O Orador: - Mas estabeleceu um critério ...
O Sr. Elísio Pimenta: - Estabelece o mesmo critério que estabelece a proposta do Governo, segundo a interpretação que lhe dá o ilustre relator do parecer: o critério financeiro.
Das treze notas que existem actualmente creio que ficam apenas sete, e entre elas três (Rio Tinto, Serzedo e Negrelos), pelo menos, que conheça, têm muito menos razão de continuar do que outras...
Por isso não posso concordar com a Câmara Corporativa.
A proposta do Governo não cai nessa injustiça relativa ? É preferível ...
O Sr. Carlos Borges: - V. Ex.ª dá-me licença?
Em Negrelos está tudo revoltado por lhe tirarem o notário. Tenho aqui uma carta ...
O Sr. Elísio Pimenta: - Eu conheço o meio em Negrelos. Negrelos está a 5 quilómetros da sede do concelho (Santo Tirso) e dispõe de camionetas e comboios com frequência.
Rio Tinto tem eléctricos a todas as horas. Faz parte da cidade do Porto. Serzedo fica em Vila Nova de Gaia, com camionetas para o Porto.
Portanto não devem ser colocadas no mesmo plano em relação às outras, isto é, em situação de privilégio em relação às de pequeno rendimento.
O Orador: - Aceito as interrupções de VV. Ex.ªs, que tinham, de facto, interesse, até para modificar a minha posição. A proposta tem de ter um critério mais elástico.
Sr. Presidente: vou terminar, afirmando que esse critério demasiado geométrico não tem t bons argumentos de ordem administrativa, nem financeira, nem sequer técnica.
Da existência de pequenos notários - não falo apenas por uma mera motivação local - o interesse é muito maior, é regional, é mesmo político.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Esta reforma suscita pequenas questiúnculas locais e nem há vantagem política que elas se ponham.
A economia é tão pequena com esse ponto da reforma - e eu não quero abordar esse aspecto que, por vezes, pode dizer-se que essa reforma custa, urbanamente falando, um pouco mais cara.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - V. Ex.ª dá-me licença?
Nem sequer sabemos as razões que determinaram essa medida.
É porque representa diminuição de despesas?
O decreto não veio precedido de relatório, e por isso estamos a divagar sobre factos cujas razões desconhecemos. A Câmara Corporativa deu um parecer notabi-
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14 DE MARÇO SE 1951 601
líssimo, mas também não diz quais as razões determinantes de certas inovações do decreto. Nem podia adivinhá-las.
O Sr. Elísio Pimenta: - O parecer diz que essas razões suo de ordem financeira.
O Orador: - Essas consideradas de VV. Ex.ªs vêm corroborar as minhas afirmações. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Sá Carneiro: - Peço a palavra.
O Sr. Presidente: - O debate continua na sessão de amanhã.
V. Ex.ª, Sr. Deputado Sá Carneiro, já usou da palavra sobre este artigo.
Mas, se V. Ex.ª quiser, ficará com a palavra reservada.
O Sr. Sá Carneiro: - Prefiro então falar amanhã.
O Sr. Presidente: - Então fica V. Ex.ª com a palavra reservada para amanhã.
Vou encerrar a sessão.
A ordem do dia para a próxima sessão será a continuação do debate sobre a organização dos serviços de registo e do notariado.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 55 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Adriano Duarte Silva.
António de Almeida.
António Jacinto Ferreira.
Artur Proença Duarte.
Jorge Botelho Moniz.
José dos Santos Bessa.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Cruz.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
António de Matos Taquenho.
António Raul Galiano Tavares.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto- César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar
Gaspar Inácio Ferreira.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Oliveira Calem.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
Teófilo Duarte.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA