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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 84

ANO DE 1951 15 DE MARÇO

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 84 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 14 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
Luís Maria da Fonseca Morais Alçada

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 83.
Deu-se conta do expediente.
Usou da palavra o Sr. Deputado Melo [...] acerca do problema do abastecimento de carnes a Lisboa.

Ordem do dia. - Continuou a discussão da Organização dos Serviços de Registo e do Notariado.
Usaram da palavra, os Srs. Deputados Paulo Cancela de Abreu, José Meneres, Carlos Horges, Dinis da Fonseca, Proença Duarte e Sá Carneiro.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 45 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam, os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Finto.
Américo Cortês Finto.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.

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Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Pias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luís da Silva Dias.
José Finto Meneres.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 63 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 83.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer qualquer reclamação sobre o referido Diário, considero-o aprovado.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

De um indivíduo pedindo a integração como funcionários públicos dos antigos ajudantes do registo e do notariado excluídos da reforma dos mesmos serviços.
Do presidente da Junta de Freguesia de Arazede pedindo a manutenção do cartório notarial daquela região.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Melo Machado.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: costumo ser conciso e incisivo nos meus apartes, porque entendo que os apartes são precisamente assim e não devem ser uma espécie de concorrência aos oradores. E, talvez por isso, às vezes o meu pensamento é atraiçoado ou não é bem interpretado.
Ontem, quando estava a falar o Sr. Prof. André Navarro, eu interrompi-o, parecendo que das minhas palavras podia depreender-se uma divergência absoluta com o que estava dizendo esse ilustre orador.
Simplesmente, Sr. Presidente, a nossa diferença estava em pouco: é que S. Ex.ª falava de um pormenor e eu falava do problema no aspecto geral.
Todavia, um jornal afirmou que eu dissera que queria frigoríficos em todo o País, e isso não é verdade.
O que me fez interromper o Sr. Prof. André Navarro, que eu tenho pena que não esteja presente, foi a afirmação da qual eu podia depreender que S. Ex.ª entendia bem que continuasse a vir gado vivo dos Açores e da Argentina.
Ora, que eu saiba, nenhum país importador ou exportador de gado importa ou exporta gado vivo.
Suponho mesmo que, se nos tivesse sido possível acompanhar a evolução, não teríamos perdido o nosso mercado de carnes em Inglaterra.
O Sr. Dr. Cortês Pinto pôs muito bem a questão, afirmando que a Câmara Municipal de Lisboa fazia aquilo que lhe competia em favor dos seus munícipes, e, sem dúvida, a construção de um grande matadouro, com um grande armazém frigorífico anexo, não pode ser senão um benefício para a economia nacional, o que deve ser agradecido pela lavoura deste País.
Mas daí a entendermos que deve continuar a usar-se este processo de o gado vir a pé pelas estradas, ou ser transportado vivo em navios, perdendo peso nas viagens, vai uma grande distância, e não pode ser.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Esse gado ocupa uma grande quantidade de espaço nos navios e torna-se o seu transporte caríssimo, quando podia ser barato.
Aproveito o ensejo, Sr. Presidente, para manifestar ao Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, meu ilustre amigo e companheiro nesta Assembleia precisamente na altura em que eu fiz aqui um aviso prévio sobre a questão das carnes, em cuja discussão S. Ex.ª ainda interveio, aproveito o ensejo, repito, para manifestar a S. Ex.ª o alto apreço em que tenho as suas grandes qualidades de trabalho e de inteligência.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Devo ainda acrescentar que a forma brilhantíssima como ele tem exercido o alto cargo de presidente da Câmara Municipal de Lisboa é de tal maneira notável que a sua passagem por ele ficará ali inscrita com letras de ouro.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por consequência, nas minhas palavras nunca poderia estar uma oposição absoluta a qualquer medida que S. Ex.ª tivesse tomado, como esta do matadouro, que pode ser grande, mas também não se sabe, para uma cidade que cresce por esta forma, quando é que se faz uma obra grande e suficiente e quando é que ela em pouco tempo se torna já insuficiente.
Sr. Presidente: eu queria com estas afirmações tirar quaisquer dúvidas sobre as minhas intenções, mas não deixar passar esta nota, que, quanto a mim, é absolutamente inadmissível, de considerar que seja uma coisa economicamente aceitável o transporte de gado vivo para abastecimento da capital.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o artigo 1.º da Organização dos Serviços de Registo o do Notariado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu.

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O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: não é lícito discutirmos agora na generalidade a proposta de lei em que, por força do § 3.º do artigo 109.º da Constituição e do artigo 41.º do Regimento, se converteu o Decreto n.º 37:666. Mas já nas sessões de 13 e 16 de Janeiro de 1950 alguns ilustres Deputados e eu tivemos oportunidade para bordarmos algumas considerações sobre a economia, o valor e os defeitos do decreto, fazendo todavia incidir - como era natural - a nossa apreciação nas suas linhas mestras e nas disposições cuja rectificação mais se justificava.
Não foi o bastante em presença da transcendência e vastidão da matéria e do seu interesse geral para a Nação. Não foi suficiente perante os inúmeros interesses em jogo, quer relacionados com a comodidade dos povos, quer directamente referentes a milhares de pessoas que empregam a sua actividade nos serviços de registo e do notariado e deles e para eles exclusivamente vivem.
E a insuficiência desse antigo debate encontra-se aumentada na presente conjuntura, em que a experiência de mais um ano realçou as virtudes e os defeitos do decreto, e também o notável parecer da Câmara Corporativa merecia cuidado e minucioso exame, pois veio suprir a falta que, como nós, ela notou de um relatório justificativo do notável diploma, pelo menos nas suas principais inovações.
Temos, porém, de obedecer ao imperativo da lei e do Regimento.
Sem embargo, conceda-me V. Ex.ª vénia para momentaneamente me referir àquele parecer e expor os motivos por que, com outros ilustres Deputados, perfilhamos uma parte das alterações ao decreto que ele propõe, a começar pelo artigo 11º em discussão.
O parecer da Câmara Corporativa é uma peça notável; revela muito estudo e trabalho exaustivo. Se caminharmos no sentido de não o perfilhar totalmente, sirvam todavia estas palavras como homenagem devida àquela Câmara e de justiça ao relator, Sr. Dr. António Pedro Pinto de Mesquita.
Apenas discordo de que, ao contemplar certos aspectos importantes, a Câmara Corporativa preferisse submeter-se a alguns factos consumados, depois de ter assinalado o «vício do sistema» constitucional que origina o inconveniente de a Assembleia Nacional estar inibida de suspender a execução dos decretos a que não conceda a ratificação, pura e simples.
E, nesta conformidade, a Câmara Corporativa - a meu ver indevidamente -, sem abdicar da sua douta opinião, rendeu-se, por vezes, perante a coacção da realidade objectiva proveniente da execução do decreto. Confinou a latitude das alterações sugeridas, não podendo, na sua expressão, «c abstrair, num ou noutro pormenor, da situação originada pela própria vigência do decreto durante três meses e pelo acelerado desenvolvimento dado à sua aplicação».
Não estamos, porém, impedidos de proceder de outra maneira se, porventura, reconhecermos a conveniência de fazê-lo. E mal de nós se não nos outorgássemos este direito, agora que mais um ano decorrido anteporia à nossa liberdade de crítica, de acção e de voto o consumatum est em referência quase a cada titulo, a cada capítulo, a cada artigo ou a cada parágrafo.
Felizmente, o Sr. Ministro da Justiça suspendeu a execução das disposições que se referiam às conservatórias do registo comercial, e por isto merece louvor. Mas foi dada execução ao que diz respeito à conservatória dos registos centrais, e publicaram-se mais de trinta portarias para anexar serviços de registo e do notariado.
Apoiados.

O Sr. Elísio Pimenta: - O decreto começou a ser executado. Realmente sobre isso não há dúvidas, e, portanto, parece, em minha opinião, que o Governo teria de tomar todas as medidas para que a execução decorresse normalmente. O dizer-se que não deviam publicar-se as medidas para a execução do decreto é não estar dentro das realidades ...

O Orador: - Como propôs precisamente o relator do parecer da Câmara Corporativa na discussão do § 3.º do artigo 108.º da Constituição, alterada pela proposta de lei n.º 3, a Assembleia Nacional devia ter a faculdade de suspender a execução dos decretos ratificados com emendas quando o julgasse conveniente. Pelo menos - acrescento eu- quando criassem serviços novos ou que importassem encargos para o Estado ou para os particulares.
Mas, seja ou não razoável esta solução, vejam VV. Ex.ªs o absurdo, e até os riscos, a que podia conduzir a aceitação, e especialmente o abuso, do precedente que - aliás neste caso sem perigo de maior - a Câmara Corporativa em parte adoptou.
É evidente que não me refiro aos factos consumados sem sequência e que não tenham remédio. Chamemos-lhe factos momentâneos, sem possível regresso. Mas a estes tudo indica que, uma vez votada a ratificação dos decretos com emendas, o Governo não devia consumá-los.
Releve-me V. Ex.ª este pequeno devaneio extra-regimental à margem do brilhante parecer ora em discussão e passemos adiante.
Alguns de nós, em documento enviado para a Mesa, perfilhamos uma parte das alterações propostas pela Câmara Corporativa. Limitamo-nos, por agora, aos três primeiros capítulos.
E nem em referência ao artigo 1.º, nem aos restantes procedemos arbitrariamente, mas sim orientados pela contemplação directa dos textos, pela douta argumentação da Câmara Corporativa e pela justiça de algumas reclamações que chegaram até nós.
Daqueles três capítulos perfilhámos as alterações em vinte artigos ou parágrafos e pusemos quinze de lado, por discordância ou pouco valor.
É claro que isto não impede que proponhamos outras alterações nem que, como já fizemos, retiremos a nossa, proposta em referência a artigos que a Comissão de Legislação também perfilhe ou sobre os quais surjam outras propostas que julguemos preferíveis.
Devo dizer, por último, que suponho não ser necessário esclarecer uma a uma as alterações que perfilhamos, pois seria demorado e fastidioso para a Assembleia, e a justificação está suficientemente feita no parecer.
Ainda antes de apreciar em poucas palavras o artigo 1.º em discussão desejo acrescentar que, se podemos aumentar os vencimentos estabelecidos no decreto, devemos seguir desassombradamente este caminho, pois eles suo, em muitos casos, manifestamente insuficientes.
E quais os motivos por que optamos sem hesitar pelo artigo 1.º da organização proposto pela Câmara Corporativa?
Estão eles clara e desenvolvidamente expostos nos n.ºs 10.º a 15.º e 47.º a 55.º do seu parecer, a que, por brevidade, me reporto.
De resto, no que diz respeito aos cartórios notariais, a Assembleia já ouviu vários Srs. Deputados manifestarem-se no sentido de pura e simplesmente se manterem todos os cartórios existentes sem a limitação de rendimento mínimo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Especialmente o Sr. Dr. Carlos Borges pôs o problema com justiça e emoção.

Vozes: - Muito bem!

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O Sr. Carlos Borges: - Muito obrigado a V. Ex.ª

O Orador: - Basta, pois, referir-me ao § 1.º do artigo proposto e que no decreto se relaciona com o corpo do artigo 1.º e do artigo 5.º
Na penúltima sessão o ilustre Deputado Sá Carneiro sustentou que o.§ 1.º proposto pela Câmara Corporativa não difere do artigo 5.º do decreto, pois disse:
Leu.

O Sr. Sá Carneiro: - De facto referi-me aos dois preceitos, relacionando-os com o cadastro, e disse que, tal como estava o texto da Câmara Corporativa, podia depreender-se dele que era automática a criação da conservatória do registo predial a seguir à instauração do regime do cadastro.
Reconheço, porém, que o artigo 1.º, § 1.º, do texto sugerido pela Câmara Corporativa veda a criação de novas conservatórias antes do cadastro, enquanto o artigo 5.º da proposta governamental permite essa criação independentemente do cadastro.

O Orador: - Registo as palavras de V. Ex.ª com muita satisfação. Como VV. Ex.ªs acabam de ouvir confirmar, houve manifesto equívoco da parte de S. Exa., pois aquelas disposições diferem.
Diferem tanto como a certeza do arbítrio.
Na verdade, ao passo que aquele parágrafo só permite a criação de conservatórias do registo predial nas circunscrições municipais à medida que nos respectivos concelhos se for implantando o regime do cadastro geométrico, o artigo 5.º do decreto consente que ela se faça gradualmente à medida que as conveniências do serviço o aconselhem.
A diferença salta logo a toda a luz. E o inconveniente da segunda fórmula é tão evidente que não resiste ao mais elementar raciocínio.
Julgo poder substanciá-lo no seguinte:

1.º As vagas expressões a conveniências de serviço» prestam-se a todas as interpretações, adaptam-se a todos os critérios e desejos, servem para tudo o que se queira, e delas é hábito usar demasiadamente; e poder-se-ia dela abusar se, porventura, um dia viesse quem a pusesse ao serviço de interesses pessoais e políticos ou das clientelas;
2.º A criação de novas conservatórias traz apreciável aumento de despesa para as câmaras municipais, como sejam, por exemplo, o fornecimento gratuito de casa, água e luz para a sua instalação, como ordena o artigo 16.º do decreto;
3.º A criação de novas conservatórias antes do regime cadastral diminui a comparticipação no rendimento emolumentar de cada conservador, estabelecida nos artigos 143.º e 150.º do decreto;
4.º Só o grande aumento do serviço que resulta da obrigatoriedade do registo predial nos concelhos onde já existe ou for implantado o regime do cadastro geométrico torna indispensável a criação de conservatórias nos concelhos onde ainda não existe, ou sejam todos os que não são nem foram sedes de comarca;
5.º Segundo presumo, não se tem verificado inconvenientes que justifiquem a alteração do sistema em vigor.

VV. Ex.ªs sabem que actualmente o registo predial não é obrigatório. A lei apenas garante pelo registo determinados direitos, privilégios e outros efeitos para com terceiros dos actos ou contratos a ele para tal fim submetidos.
Daqui resulta que uma enorme maioria dos prédios, e nomeadamente das propriedades rústicas na província, estão omissos nas conservatórias; e, consequentemente, é pouco o serviço e modesto o rendimento de muitas conservatórias do País.

O Sr. Elísio Pimenta: - V. Ex.ª dá-me licença?
Em bastantes comarcas do País o serviço é muito, mas o rendimento pouco. Quer dizer, há muito serviço, mas pouco rendimento.

O Orador: - Sobretudo no Norte há comarcas em que o registo predial, em regra, pouco tem que fazer.
Com a implantação do regime cadastral a situação modifica-se, porque muito justificadamente o artigo 2.º do Decreto n.º 36:505, de 11 de Setembro de 1947, só agora regulamentado nesta parte, tornou obrigatória a descrição predial dos prédios compreendidos no cadastro e a inscrição e o cancelamento de todos os actos sujeitos a registo.
Neste caso sim. Neste caso justifica-se a criação de conservatórias do registo predial.
Recomenda-a a comodidade dos povos.
Recomenda-a a grande acumulação de serviço que há-de haver.
E é só nestes casos que o § 1.º proposto pela Câmara Corporativa admite a criação de novas conservatórias.
São vinte e dois os concelhos onde já está concluído e em vigor o regime do cadastro geométrico, dos quais treze no distrito de Beja. E, é claro, é aos de entre eles ,que ainda não possuem conservatórias que o § 1.º tem aplicação.
Eis as razões por que julgo preferível o § 1.º da proposta da Câmara Corporativa e, como consequência, também a alteração do artigo 5.º, que se relaciona com a mesma matéria.
E julgo que, afinal, a ilustre Comissão de Legislação e Redacção devia concordar com o nosso ponto de vista, pois o Sr. Dr. Sá Carneiro baseou a sua argumentação no equívoco de que o § 1.º da proposta da Câmara Corporativa equivalia ao artigo 5.º do decreto. Como ficou demonstrado que assim não é, devíamos estar todos de acordo.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. José Meneres: - Sr. Presidente: eu usei já da palavra circunstanciadamente quando este decreto foi aqui discutido pela primeira vez e teria agora a oportunidade de o discutir novamente, a propósito do artigo 1.º, que está em discussão. Mas não desejo cansar V. Ex.ª e a Câmara com considerações de ordem geral, uma vez que outros Srs. Deputados o fizeram já. Quero, portanto, referir-me exclusivamente a este artigo 1.º, que ora está em discussão, e, designadamente, à parte dele por virtude da qual é possível suprimir-se parte dos cartórios de notários existentes nas freguesias fora das sedes dos concelhos.
Já ontem nós ouvimos dizer ao ilustre Deputado Sr. Pinto Barriga, e numa sessão anterior - a que eu não assisti, mas de cujo relato tomei conhecimento pelo Diário das Sessões - nós ouvimos dizer a outro ilustre Deputado, quanto era mau para a política dos povos a supressão desses cartórios notariais, que, para maior facilidade de expressão, se podem chamar cartórios arrabaldados. São de facto cartórios arrabaldados, porque vivem fora dos centros onde se situa a sede da administração municipal, mas que em todo o caso prestam gran-

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des serviços aos povos dessas localidades. Já não falo apenas sobre o seu aspecto tradicional; quero referir-me à importância que eles têm no momento actual. A própria Camará Corporativa, no seu já elogiado parecer, entende que eles devem ser mantidos, mas põe um limite para tal. Quer que eles sejam mantidos apenas quando o seu rendimento anual nos anos de 1947, 1948 e 1949 exceda a média de 14.400$.
Já ontem, num aparte, o Sr. Deputado Elísio Pimenta referiu que, segundo esse critério, só três desses cartórios arrabaldados ficariam a existir, visto que só três deles têm um rendimento médio anual superior a 14.400$.

O Sr. Elísio Pimenta: - V. Ex.ª dá-me licença?
O que eu disse é que, se porventura se adoptasse o critério da despesa efectiva dos cartórios, ficariam existindo três;, a adoptar-se o critério da Câmara Corporativa, ficariam sete.

O Orador: - Agradeço, o esclarecimento de V. Ex.ª Se não era precisamente pela forma como eu interpretei as suas palavras de ontem, o sentido é o mesmo: não seriam três cartórios que ficariam, mas ficariam sete; o se não ficassem sete, poucos ficariam ainda, quer dizer, a maior parte deles desapareceria. Nessa ordem de ideias eu permiti-me, juntamente com alguns Srs. Deputados, redigir uma proposta que vou mandar para a Mesa e que é do teor seguinte:

Perfilhamos o texto proposto pela Câmara Corporativa para o artigo 1.º e seus parágrafos, suprimindo-se as seguintes palavras do § 2.º: «e cuja média do rendimento liquido anual nos anos de 1947, 1948 e 1949 não seja inferior a 14.400$».

Eu penso com esta proposta dar satisfação aos povos dessas freguesias e ela vai de encontro àquilo que ontem me pareceu ser o sentir de toda a Assembleia ou, pelo menos, de um grande número de Srs. Deputados que ouviu as considerações aqui proferidas.
Quanto à primeira parte, que se refere à perfilhação do texto da proposta da Câmara Corporativa, eu dispenso-me* de fazer outras considerações, visto que aquelas que acaba de proferir o ilustre Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu são suficientemente elucidativas e eu não tinha mais a fazer do que repeti-las, embora sem o brilho com que S. Ex.ª as proferiu.
Perfilho-as inteiramente e é com base nelas que eu e os Srs. Deputados que assinaram esta proposta perfilhamos o texto da proposta da Câmara Corporativa.
Aproveitando estar no uso da palavra, vou também mandar para a Mesa uma proposta de emenda ao artigo 7.º, que tem inteira relação com esta e é a consequência da proposta agora apresentada e que na devida altura será discutida.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Carlos Borges: - Sr. Presidente: já tive ocasião de expor à Assembleia o meu ponto de vista relativamente à correcção ou emenda proposta como aditamento ao agora artigo 1.º da Organização dos Serviços de Registo e do Notariado.
Fiz sentir, disse-se que por uma maneira emocional, a necessidade de manter os cartórios dos notários nas freguesias rurais. Empregou-se a palavra emocional, Sr. Presidente, e parece-me que com isto significaram que, não tendo outras razões, havia produzido argumentos dê ordem sentimental. Isto é o mesmo que reproduzir aquele pensamento: «O coração tem razões que a razão não compreende». Parece-me que a minha apreciação não teve apenas emoção; contudo fiz observar ao ilustre Deputado que pôs a sua atitude de antagonismo à minha opinião que na administração pública, no governo dos povos, a emoção e o sentimento têm um peso muito grande, e os povos muitas vezes se governam mais pelo coração do que pela razão, embora seja indispensável que a razão domine também.
E como a parte emocional da minha intervenção já está feita, vamos agora à parte racional.
Porque é que entendo, Sr. Presidente, que se não devem abolir os cartórios de notários das populações rurais ?
Quais são as razões que me levam a fazer esta afirmação e a bater-me por este princípio?
Sou assim levado a perguntar ainda:
Qual foi a razão por que se eliminaram os cartórios das freguesias rurais?
Os cartórios das freguesias rurais existiam, funcionavam, prestavam serviços, eram de manifesta e reconhecida utilidade pública, e agora pergunto: se eles existiam há trezentos anos uns e há duzentos anos outros, como o de Negrelos, que prestavam serviços manifestos a uma região relativamente grande, evitando que as populações tivessem de deslocar-se a distâncias consideráveis para obter serviços notariais, qual foi a razão por que se eliminaram, por que se suprimiram os cartórios?
Desde que me digam a razão, desde que eu a veja, reconhecerei que a minha intervenção não se justifica, que ou realmente vim defender uma proposta que carecia de base sólida.
Como fez notar o ilustre Deputado Sr. Paulo Cancela de Abreu, o Decreto n.º 37:666 não foi precedido de um relatório, pelo que nós não podemos saber qual a orientação do Governo, qual o motivo por que desaparecem da organização certos cartórios que prestavam excelentes serviços.
Estamos perfeitamente em branco; diria mesmo, estamos às aranhas, se fosse permitido nesta Assembleia semelhante plebeísmo.
Porque temos, pois, de procurar as razões, eu pergunto: em que é que a existência dos cartórios das freguesias rurais influiu na orgânica dos serviços?
Qual é o esquema dos serviços notariais que indica que devem suprimir-se os cartórios disseminados em pontos distantes das sedes dos concelhos e das comarcas?
Na orgânica não vejo. Vejo, realmente, que há umas secretarias, o cada vez vejo menos a sua utilidade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O notário tem uma função típica, que não se pode confundir com a do conservador do registo predial nem se pode assemelhar à do conservador do registo civil.
E que importa que na orgânica da proposta haja um cartório de notário aqui ou acolá? O que importa é que esses cartórios estejam em sítios de manifesta utilidade e satisfaçam as necessidades da população.
O mesmo não sucede com as secretarias, onde se aglomeram os serviços e onde às vezes estão dois e três notários. Podia estar apenas um, com o número de copistas necessário para o ajudar.
Contudo, Sr. Presidente, se as secretarias notariais não são boas, se o seu princípio é erróneo, como conceber a instalação de secretarias em Lisboa?
Se já hoje a entrada num cartório notarial em Lisboa representa grandes dificuldades, o que seria o acesso a um edifício onde funcionassem todos os cartórios da capital?
Se a instalarão das secretarias não é inteiramente defensável - pelo menos quanto a mim -, não deve ser por causa dela que se suprimem os cartórios rurais. Porque

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foi então? Para evitar o pagamento a um notário, suprimindo uma verba de despesa e engrossando, consequentemente, a receita realizada através dos cartórios.
É este o critério? Então não compreendo, Sr. Presidente, porque, ao mesmo tempo, se criam serviços cuja utilidade é muito discutível. É exemplo disso o registo da propriedade automóvel.
Porque não se faz aquele registo nas conservatórias do registo predial?
Que diferença há entre o registo da propriedade automóvel e o da propriedade imobiliária?
Criaram-se as conservatórias da propriedade automóvel para estarem junto das direcções dos serviços de viação?
Não se vê a vantagem, porque a Polícia de Viação há-de ter sempre os seus registos.
Mas, Sr. Presidente, além do mais, os proprietários de automóveis têm todos os anos, do dia 1 ao dia 15 de Janeiro, de fazer uma declaração na Câmara Municipal de Lisboa, registando o veículo com todas as suas características.
Assim, a propriedade automóvel fica com uma conservatória, um registo na câmara e outro na circunscrição. Não se criando essas conservatórias, fazia-se uma economia.
Também se criava, pela organização, o registo comercial nas sedes dos distritos.
Com que vantagem?
Com que economia?

O Sr. Ernesto de Lacerda: - Nem ficavam anexos ao registo predial.

O Orador: - Se não havia aumento de despesas, havia, pelo menos, aumento de incómodo para nós, o que não importa, ao que parece.
O que é certo é que nessa parte a nossa intervenção nesta Assembleia foi acatada nas altas esferas, e suspendeu-se nesta parte a execução do decreto.
Eu li o passo do parecer da Câmara Corporativa em que o nosso ilustre e ex-colega Sr. Dr. Pinto de Mesquita salienta a sua intervenção no debate sobre a reforma constitucional e em que alvitrou que a alteração com emendas devia fazer-se, com a declaração de suspensão da sua execução, quando se julgasse necessária.
Isso não passou. Não foi admitido, mas a verdade é que parecia, Sr. Presidente, que, com um pouco de consideração pela Assembleia, não se tratando de um caso de instante emergência, o Governo deveria abster-se da execução de um decreto desde que a Assembleia Nacional votasse a sua ratificação com emendas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Isto é o que me parece. Mas eu sou doutro tempo e é por isso talvez que estou a tomar escusadamente tempo à Câmara.
Não apoiados.
Nestas condições pergunto: qual a vantagem da supressão dos cartórios notariais disseminados longe das sedes das comarcas e dos concelhos? Benefício do público? Não é! Beneficio do serviço? Não é! Uma coisa no entanto há com certeza: descontentamento.
Eu sei, Sr. Presidente, que governar é descontentar. Parece que da função governativa deriva, implícita, fatal e infelizmente, o descontentar os administrados, os governados, mas uma coisa está em descontentar os governados quando é necessário para lhes impor medidas que não compreendem e que são adoptadas em seu benefício e outra coisa é descontentar sem vantagem para ninguém: nem para os serviços, nem para o público, nem para a situação que se defendo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E, Sr. Presidente, como não vejo nenhuma vantagem na supressão dos cartórios notariais, sou levado a manter emocionalmente, se quiserem, a posição que tomei no início deste debate, notando, Sr. Presidente, que também não posso concordar, nem concordo, com a orientação que visa a suprimir nesta altura determinados lugares para aumentar um pouco a receita de qualquer Ministério.
Ainda há pouco, com a intervenção do Sr. Deputado Jacinto Ferreira, se falou aqui no proletariado intelectual e na necessidade que havia na colocação dos indivíduos saídos das nossas Universidades.
Pois quanto maior for o número de lugares suprimidos tanto maior será o número de proletários que ficam à espera de qualquer lugar de que possam viver decentemente. Nem sob esse aspecto esta reforma merece o meu aplauso ou a minha simpatia, além de que é incongruente que se associem serviços inteiramente antagónicos: a anexação dos serviços do notariado com os do registo civil ou do registo predial não podem ficar bem, Sr., Presidente.
É até curioso notar que se têm associado cartórios notariais com serviços do registo civil, em que um mesmo indivíduo acumula as funções de notário e de conservador, sucedendo que a conservatória do registo civil fecha no sábado às 14 horas e tem obrigação de estar aberta ao domingo, das 10 às 12 horas. Quer dizer: o conservador tem para descansar metade de sábado e metade do domingo e o notário tem para descansar o domingo todo.
De forma que, como conservador do registo civil, o funcionário tem estas horas de descanso, mas, como notário, não as aproveita porque tem o cartório aberto todo o sábado. E não aproveita o domingo porque, como conservador do registo civil, tem de estar na conservatória até ao meio-dia.
Aqui têm VV. Ex.ªs uma das verdadeiras incongruências desta organização.
Este caso tem o sou peso: a votação que vamos fazer desta parte da proposta tem peso moral e peso político.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É bom que as populações rurais saibam que a Assembleia Nacional olha por elas com carinho, que as protege e as defende, não só aqui mas quando procuram obter os benefícios a que têm direito.
Não há razão nenhuma de ordem jurídica e de ordem política que justifique a supressão dos cartórios rurais, e, portanto, o melhor será mante-los, ao menos para que essas populações rurais não se julguem desprotegidas e abandonadas.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Nós estamos ainda a discutir o artigo 1.º da Organização dos Serviços de Registo e do Notariado e temos de procurar maneira de acelerar este debate, sem, todavia, coarctar o direito de os Srs. Deputados usarem da palavra dentro do tempo regimental.
Daqui por diante teremos de cumprir o Regimento, que manda que os oradores subam à tribuna, a menos que seja para prestar esclarecimentos.

O Sr. Dinis da Fonseca: - Sr. Presidente: não era minha intenção intervir neste debate, e por duas razões muito singelas: a primeira é que a Comissão a que tenho a honra de pertencer escolheu um relator que, pela sua competência especializada e pelo seu valor intelectual, de todos reconhecido, dispensa ajuda e auxílio.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - A segunda razão é porque este assunto mete códigos e eu, embora os códigos tenham, sido uma das minhas antigas paixões, ando há tanto tempo longe deles que já nem eles me conhecem nem eu os entendo bem.
Não apoiados.
Mas ... on revient toujours ...
A viveza deste debate, que eu aprecio, visto que gosto dos debates vivos, fez com que me decidisse a tomar parte nele.
Não, Sr. Presidente, para contraditar os ilustres Deputados que, com emoção e brilho, têm defendido aqui uma das soluções propostas para o problema dos cartórios notariais colocados fora das sedes dos concelhos.
Repito: não me julgo com competência nem com valor para os contraditar.
Limitar-me-ei a fazer ligeiras considerações, a que poderei chamar a justificação do meu voto, que se inclina para a terceira das soluções: nem extingui-los inteira e imediatamente, nem a solução parcial, que é, a meu ver, injusta, de manter apenas alguns deles, mas a de mante-los a todos, deixando que se extingam apenas à medida que forem vagando.
Principiarei, Sr. Presidente, por lamentar, de acordo com o douto parecer da Câmara Corporativa, que esta proposta de lei não tenha sido acompanhada de um relatório pormenorizado.
E de lamentar tanto mais quanto, sendo o seu autor um professor distintíssimo, poderia ter produzido um documento honroso e com certeza esclarecedor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quem ler a proposta não poderá ter dúvidas que atrás do seu tecnicismo jurídico existe um pensamento informador, mas, não se tendo exteriorizado, ele não aquece, como seria necessário, a frieza das suas disposições, nem pode iluminar os seus intérpretes e futuros executores.
Julgo de vantagem que a boa tradição de fazer acompanhar as reformas com projecção de um relatório pormenorizado se não perca.
Pela responsabilidade desta tribuna, não posso deixar de fazer este reparo, isto sem quebra da muita consideração por S. Ex.ª o Ministro da Justiça, por quem tenho a maior das admirações e a cuja obra brilhantíssima de administrador o País não deixará de prestar a justiça que lhe é devida.
Apoiados.
A propósito do artigo 1.º, que está em discussão, diz o parecer da Câmara Corporativa que nele se reflecte de algum modo todo o pensamento informador da proposta - o princípio da concentração de serviços, que podemos considerar sob tríplice aspecto, concentração a que podemos chamar territorial: serviços de registo civil, de registo predial e cartórios notariais nas sedes dos concelhos.
Concentração a que podemos chamar funcional: passagem do regime de cartórios para o de secretarias, como consequência da passagem do serviço de notariado, com carácter profissional de interesse público, para o de um serviço verdadeiramente público.

O Sr. Carlos Borges: - Estava certo se uma parte da remuneração dos notários ainda não fosse emolumentar.

O Orador: - V. Ex.ª sabe que não me importo com as interrupções. Em todo o caso peço. licença para me deixarem levar até final os meus raciocínios.
Como disse, o meu objectivo não foi contraditar, anãs patentear à Assembleia os caminhos do raciocínio que me levaram à consciência política que ditou o meu voto.
Mas, dizia eu, o pensamento informador da reforma determina uma concentração funcional, passando os cartórios para secretarias e, por outro lado, levará ainda a concentrações por acumulação, reunindo o exercício de dois serviços num único funcionário quando fraco rendimento o torne necessário.
Qualquer destes aspectos daria margem para larga crítica, mas, em obediência ao Regimento, apenas desejo fazer as referências que interessam à solução a adoptar quanto à situação dos cartórios fora das sedes de concelho.
A concentração territorial dos serviços conduz logicamente a que todos se concentrem na sede, a não ser que razões poderosas levem a admitir excepções.
Aqui poderão situar-se os argumentos dos que defendem a permanência desses cartórios.
Igualmente o pensamento informador da concentração funcional, ou seja da passagem dos serviços do notariado de cartórios para secretarias, parece arrastar como consequência não admitir cartórios independentes fora das secretarias. Se é bem, se é mal, se tem vantagens ou desvantagens a passagem de cartório para a secretaria, isso é outro problema. Eu não me pronuncio sobre cie neste momento.
Quando em 1935 o Código do Notariado admitiu o regime de secretarias houve, porventura, certa precipitação política. Neste momento, porém, encontramo-nos perante um facto que podemos dizer consumado.
A data da reforma, dos trezentos e tal concelhos do País, apenas dez não tinham optado pelo regime de secretaria. Desses dez, seis ficaram pela reforma reduzidos a um só cartório, portanto em secretaria, e apenas quatro concelhos poderá dizer-se que estão neste momento ainda em regime de cartórios. São eles: Beja, Guarda, Vila do Conde e Covilhã. Já vêem VV. Ex.ªs que estamos na realidade perante um facto consumado ...

O Sr. Pinto Barriga: - Aliás mal consumado!

O Orador: - Se o que se nos oferece é bom ou é mau não posso neste momento discuti-lo, porque teria de me alongar em considerações. Em todo o caso considero irreversível o movimento que se desenhou e teremos assim de manter o sistema de secretarias, visto ele estar consumado.
O que interessa agora é dotar esses serviços com pessoal suficiente, sujeitá-los a inspecção rigorosa, melhorá-los e aperfeiçoá-los e, em suma, tirar deles todo o rendimento possível, a bem dos próprios serviços e do interesse público que devem satisfazer.
Qual a razão que levou a este movimento?
Foram várias: acabar com a concorrência entre cartórios ...

O Sr. Pinho Brandão: - E daí nasceu o triunfo dos incompetentes.

O Orador: - E possível. Não o quero discutir agora. Mas o que é certo, Sr. Presidente, é que o sistema está estabelecido e nem sequer podemos dizer que é inovação, porque, como VV. Ex.ªs sabem, poderá antes dizer-se regresso ao velho sistema das nossas Ordenações.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Dá-me licença?
V. Ex.ª sabe bem que se discutiu muito se o notariado ó ou u fio uma profissão liberal. Entendo que o é, apesar da tendência para a sua burocratização. E porque o é, o regime das secretarias tem um certo inconveniente,

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que é o de levar as notários que pouco valem ou pouco produzem a compartilhar dos benefícios dos que, pelo seu esforço e competência, alcançaram maior clientela, e portanto em prejuízo destes.

O Orador: - Como já disse a VV. Ex.ªs, neste momento imo discuto as vantagens ou desvantagens. Estas podem encontrar correcção e melhoria.
Não podemos, no entanto, esquecer estes dois extremos: o cartório, digamos rico, que rende 250 a 300 contos - é evidente que este defenderá sempre o sistema da manutenção do cartório -, e as dezenas de cartórios que infelizmente existem no País, cujos lugares de notários ninguém queria pelo seu fraco rendimento.
E eu pergunto a VV. Ex.ªs se os povos provincianos que precisam desses serviços não tem direito a ser servidos como aqueles que tem a vantagem de poder sustentar cartórios ricos?

O Sr. Carlos Moreira: - É apenas uma reflexão: é que o argumento do Sr. Dr. Dinis da Fonseca podia ser convincente desde que partíssemos do princípio de que esses cartórios ricos e pobres teriam um concurso de circunstâncias estranhas ao próprio notário. Mas nós sabemos que os cartórios ricos se devem ao esforço e à dedicação desses notários.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Tem-se falado muito no facto de uns cartórios terem uma concorrência muito grande e outros terem uma concorrência diminuta e que isso se deve à competência especial dos notários.
Ora eu não sei se isso se deve à competência dos notários, se à clientela que ali aflui.
Eu não ponho em dúvida que muitos daqueles notários que têm mais concorrência devem isso à sua particular competência. Porém, outros o deverão, não à forma particular de competência, mas sim à forma, especial, ao jeito, de aliciação do público.

O Orador: - O que é certo é que os serviços de registo e do notariado são serviços de grande necessidade para o público e que tanto interessam as pequenas freguesias como as grandes cidades.
Assim, é absolutamente lógico que o Governo procure assegurar a todos um serviço perfeito e completo, tanto aos que têm muito serviço, como aos que têm pouco. E, por isso, toda a reforma que tenda a garantir isto - e eu estou de acordo com as palavras que o Sr. Dr. Carlos Borges proferiu há pouco a este respeito com tanto entusiasmo -, e por isso, repito, todo o sentido da reforma que tenda a garantir às populações provincianas e rurais um serviço completo e perfeito tem o meu aplauso e o meu apoio.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A concentração nos concelhos tem um aspecto de descentralização da comarca e do distrito para o concelho, aproximando desta forma os serviços das populações.
Mas é possível, e eu admito perfeitamente, que outros entendessem que essa descentralização devia ir mais longe.
Compreendo que concelhos que têm quarenta ou cinquenta freguesias pudessem ter necessidade de uma maior descentralização.
Se algum de VV. Ex.ªs defendesse a ideia de que devíamos fazer aos notários o mesmo que fazem as câmaras municipais aos partidos médicos, que podiam os notários concentrados nas sedes ter ajudantes para certos actos nas grandes freguesias, à semelhança dos postos do registo civil, estas ideias teriam lógica.
Não digo que sejam possíveis, mas teriam lógica, no sentido da comodidade e facilidade dos povos, aqui advogadas com tanto calor.
Mas, quando se defende que catorze freguesias no País inteiro têm direito a um privilégio e que as outras serão sujeitas às sedes concelhias, não poderá dizer-se que se defendem os interesses dos povos rurais.
Poderia ainda defender-se com equidade que se mantivessem os cartórios que rendessem o suficiente ou pudessem requerer-se outros cujo rendimento suficiente fosse assegurado; mas defender o privilégio de catorze freguesias, muitas das quais não rendem o suficiente para manter o notário, obrigando por isso o Cofre dos Notários a sustentar este privilégio de alguns, não tem, quanto a mim, nem lógica nem equidade.
Isso não é defender os interesses das populações.

O Sr. Morais Alçada: - Em relação a esses catorze cartórios está antecipadamente reconhecido pelo legislador que os criou - por conseguinte pelo Poder Político- que eles eram realmente uma necessidade política.

O Orador: - Não é bem assim, mas prossigamos. A concentração na sede dos concelhos obedece ainda a uma outra linha mestra, que é a ligação entre os registos e a matriz.
Estamos gastando muito dinheiro a cadastrar a propriedade, a fazer o cadastro geométrico, e é evidente que não poderíamos continuar na desordem em que se encontram as nossas propriedades, no que respeita à sua nomenclatura e descrição.
As descrições da propriedade variam com os actos e registos, criando a incerteza e o caos.
Importa, por isso, caminhar para a ligação entre os registos e o cadastro geométrico. E, como a matriz só existe na sede dos concelhos, à medida que se caminhar para essa ligação íntima, tem toda a justificação a concentração dos serviços nas sedes dos concelhos, não sendo possível a subsistência de cartórios situados fora delas.
Mas vamos ver de uma forma mais concreta e em poucos minutos a situação dos catorze privilegiados.
Segundo creio, quatro dos cartórios que se encontram fora das sedes dos concelhos, os de Alcanede, Fermil, Negrelos e S. Julião do Freixo, estão extintos pelo artigo 253.º do Código de 1935. Não têm, pois, já neste momento existência legal.
Por conseguinte, a não ser que à Assembleia revogasse esse artigo, de nada valia a votação da, emenda da Câmara Corporativa para salvar a existência desses quatro cartórios.

O Sr. Morais Alçada: - Então porque se mantêm?

Orador: - Porque a própria lei que os extinguiu determinou que eles se mantivessem até se dar a vaga dos seus possuidores.

O Sr. Morais Alçada: - Mas eu também tenho notícia de que o de Cernache também está extinto.

O Orador: - Não está extinto. Está vago e não provido, o que não é a mesma coisa.
Devo ainda dizer que os cartórios de Alpedrinha, Lixa, S. Lourenço do Bairro e Cernache não têm rendimentos correspondentes a 14 contos.

O Sr. Salvador Teixeira: - V. Ex.ª dá-me licença? Segundo um documento oficial do Ministério da Justiça, a média trienal foi de 15.596$.

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O Orador: - Parece-me que V. Ex.ª está equivocado. Os números que possuo dizem-me que o rendimento líquido absoluto de Cernache foi no último triénio de 13.863$.
O rendimento que V. Ex.ª invoca está ainda sujeito ao pagamento de encargos, não constituindo por isso rendimento líquido para o notário.
Com respeito ao de Lixa, tem apenas o rendimento de 7 contos; Alpedrinha, 10 ou 6, consoante se considerar líquido ou não dos encargos.
E pergunto a V. Ex.ª, Sr. Presidente, se é equitativo e justo que o Estado tire do Cofre dos Notários cerca de 40 contos para manter o privilégio a cada uma destas freguesias e abandone todas as outras a centralização nas sedes?
De resto, poderia perguntar-se por que é que se defende Alpedrinha, e não se defende, por exemplo, a criação de um cartório em Vale de Prazeres, que fica mais longe da sede?

O Sr. Morais Alçada: - A densidade populacional da freguesia de Vale de Prazeres, citada pelo Sr. Deputado Dinis da Fonseca, não explica da mesma forma, como em Alpedrinha, o estabelecimento de um cartório de notariado.

O Orador: - Nisso está V. Ex.ª enganado, porque Vale de Prazeres tem maior população.

O Sr. Morais Alçada: - Refiro-me a Vale de Prazeres e arredores, em contraste com as populações que se utilizam do cartório de Alpedrinha, e não às populações que em si habitam nas terras referidas.

O Orador: - Mas continuemos: Paião e Louriçal estão no limite, isto é, atingem os 14 contos. Mas, para 40 contos, sabem VV. Ex.ªs quanto terá de dar o Cofre dos Notários.
E restam apenas quatro: Rio Tinto, Sarzede, Arazede e Pernes.
Rio Tinto e Sarzede são dois cartórios parasitários. O primeiro fica perto do Porto ou, antes, já na área do Porto.
Se porventura se entender que é preciso mais um cartório no Porto, crie-se.
Serzedo faz parte de Gaia, não o justifica a comodidade.
Pernes, sob o aspecto dos rendimentos, nada lia a dizer. Tem rendimentos suficientes para ser defendido sob o aspecto económico.

O Sr. Carlos Borges: - Foi o primeiro a liquidar.

O Orador: - Sinto, pela muita estima e consideração pessoal pelo ilustre Deputado Sr. Dr. Carlos Borges ...

O Sr. Carlos Borges: - É recíproca.

O Orador:- ... não poder estar de acordo neste ponto com S. Exa., e vou dizer as razões.
Por aquilo que acabo de referir, estou convencido que a causa dos cartórios fora das sedes dos concelhos é uma causa perdida ...

O Sr. Melo Machado: - Não apoiado.

O Sr. Salvador Teixeira: - Infelizmente, se o for.

O Sr. Morais Alçada: - Perdida por quem? Não vale a pena levantarmos já o pendão da vitória, porque a Assembleia ainda não votou.

O Orador: - Não é esse o sentido das minhas palavras. Considero essa causa perdida apenas na evolução fatal dos serviços de registo e do notariado, na evolução do pensamento de concentração que informa a proposta e considero já agora irreversível. Admito que necessidades futuras consintam novas formas de decentralização, mas então em perfeita equidade para todos, e não em regime de privilégio só para alguns.
Porque há-de, por exemplo, manter-se o cartório de notariado em Perues e não criar outro em Alcanhões, que tem tanta população como aquela freguesia?

O Sr. Carlos Borges: - Mas está a 11 quilómetros de Santarém.

O Orador: - E porque não em Várzea ou Tremês e tantas outras terras de grande população?

O Sr. Carlos Borges: - E que não estão a unia distância superior a 20 quilómetros e, além disso, os outros já estavam criados. É que Pernes está a mais de 20 quilómetros de Santarém e isso é que faltava dizer a V. Ex.ª

O Orador: - Eu tenho aqui um mapa da região e é possível que Perues tenha razão, mas que tenha razão para se dirigir a outra instância, que não a da Justiça.

O Sr. Carlos Borges: - V. Ex.ª refere-se à criação de uni concelho? Isso não só prejudicava Pernes como também prejudicava o próprio concelho de Santarém, além de que agravaria as próprias despesas do Estado, visto ser necessário instalar a secção de finanças, tesouraria, estação dos correios, telégrafos e telefones, etc. Portanto, duplicava ou triplicava «mesmo as despesas, ao passo que o notário é pago com os próprios recursos de Perues.

O Orador: - Tenho muita pena de, até por uma questão sentimental, não poder fazer a vontade ao Sr. Deputado Carlos Borges e dar-lhe o meu voto para a manutenção do cartório de Pernes. Simplesmente, se o fizesse, estou convencido de que daria a Pernes um ilusório presente.
Quando o notário de Perues fosse um simples funcionário que deixasse de ter interesses na clientela V. Ex.ª veria, e veria Pernes, como o serviço desse notário se iria inferiorizando.
A distância de 20 quilómetros de Pernes a Santarém por magníficas estradas - e é curioso notar, Sr. Presidente, que, tendo-se aqui aludido a dificuldades de comunicações para justificar cartórios fora das sedes, nem um único se situa nos distritos onde essas comunicações são ainda mais difíceis - Bragança e Guarda - ... vergonhosamente para o Estado Novo ainda lá temos freguesias sem qualquer ligação acessível ...

O Sr. Carlos Borges: - O que não sabia é que o facto de ter estradas boas podia ser um argumento contra Pernes.

O Sr. Salvador Teixeira: - V. Ex.ª aludiu a que Bragança possuía ainda as suas estradas em estado vergonhoso, mas a culpa não é de Bragança, nem tão-pouco do Estado Novo: é, sim, do estado em que o Estado Novo encontrou o distrito.
E, já que V. Ex.ª se referiu a esse facto, talvez seja oportuno perguntar, porque gostaria de o saber, quando se fará o levantamento geométrico do distrito.

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O Orador: - É uma coisa a que não posso dar a V. Ex.ª resposta satisfatória, mas certamente mais depressa do que V. Ex.ª supõe.
Concluindo com respeito à diminuição que o notariado de Pernes viria a sofrer basta considerar que a sua classe ficaria de terceira, em concorrência com dois de primeira em Santarém!
Sr. Presidente: peço apenas dois minutos para fazer uma última reflexão.
No fundo é preciso reconhecer que a burocratizarão dos serviços de escrivania e de notariado encontra nas populações uma grande relutância.
Eu ainda me lembro muito bem dos velhos escrivães-notários. A escrivania e a nota estavam nesse tempo em cartórios e não em secretarias.
Nesses cartórios prestava-se assistência social e jurídica às populações. Por interesse de atrair a clientela? Pelos benefícios que daí vinham para os próprios notários e escrivães?
Não quero entrar agora nessa análise.
O certo é que nesses cartórios se fazia assistência social e jurídica às populações.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mudar um prédio na matriz custava às vezes um cabrito e um voto nas eleições ..., mas era um serviço considerado de incalculável valor. Não esqueço que falo duma tribuna política, e por isso direi: julgo indispensável substituir junto dos povos esta assistência social e jurídica através de secretariados populares ou de outras organizações corporativas de sentido mais profundo do que o de simples centros de recreio ou de interesses meramente económicos.
Se não opusermos à burocratização rígida dos serviços uma correcção social que crie novos laços sociais, poderemos fomentar um gregarismo comunizante. É precisa substituir a assistência social e jurídica outrora prestada pelos serviços agora burocratizados por outra mais perfeita e melhor. Sem essa correcção social, esta e outras reformas ficariam socialmente imperfeitas e poderiam tornar-se até politicamente prejudiciais.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Proença Duarte: - Sr. Presidente: não posso, até por coerência com a atitude tomada nesta mesma Assembleia em situações idênticas a esta, não posso, repito, dar o meu voto ao artigo 1.º da proposta.
Quando na I Legislatura aqui foi apresentada uma proposta de reorganização do ensino primário, segundo essa proposta era fixada exclusivamente para as sedes dos concelhos a 4.ª classe do ensino primário.
Apresentei um projecto de alteração no sentido de que isso não acontecesse.
Deduzi então os argumentos que me pareceram suficientes para demonstrar que era errada toda a política que pretendesse tirar às populações rurais qualquer espécie de regalias que elas tinham.
Felizmente que então não vingou essa ideia de transferir exclusivamente para as sedes dos concelhos o ensino da 4.ª classe da instrução primária.
Hoje, pelas mesmas razões, entendo que não é justo suprimir às populações rurais em que já existem respectivos cartórios notariais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E para que se não diga que são apenas razões de ordem emocional que me levam a tomar esta atitude, direi já que não há vantagem para as populações rurais em que os cartórios ali permaneçam e que essas vantagens podem ser de ordem social, de ordem de comodidade dos povos e até de melhor eficiência para a realização dos serviços.
Há, na verdade, não sei por que razões, uma certa tendência no tempo que corre para tudo levar e concentrar nos grandes centros urbanos. São os grandes hospitais regionais, com prejuízo dos hospitais concelhios; são as grandes obras de assistência - tudo concentrado nos grandes aglomerados urbanos.
Agora os serviços notariais suprimiram às populações rurais muitas das suas comarcas judiciais, e obriga-se por esta circunstância as populações rurais a ter de se deslocar do meio em que vivem, do meio sadio, do meio são, do meio criador, da vida interior, e deslocar-se constantemente para os grandes centros urbanos, para a cidade ou para o concelho.
Isto, quando outros inconvenientes não tenha, tem um grande inconveniente de ordem económica e até de ordem social. De ordem económica, porque obriga as populações rurais a perder imensos dias a caminho das vilas e das cidades, com prejuízo dos seus salários, dos salários que auferem no seu trabalho, com prejuízo da sua saúde, com prejuízo, enfim, da sua comodidade.

O Sr. Melo Machado: - Com prejuízo da economia nacional, pode V. Ex.ª acrescentar.

O Orador: - Acrescenta V. Ex.ª muito bem: com prejuízo da economia nacional.
Por consequência, sob o ponto de vista da comodidade dos povos, a manutenção dos notários nas freguesias rurais em que já existem tem plena justificação.
Há concelhos que têm afastadas de si dezenas de quilómetros algumas freguesias rurais. Refiro-me ao meu concelho, àquele em que vivo, de Santarém, em que algumas freguesias ficam a mais de 30 quilómetros da sede do concelho.
E falta de caridade (apoiados) obrigar as populações a deslocarem-se por tudo para a sede do concelho.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não se diga que a vida dos notários, que os actos notariais dependam necessariamente para se realizarem de elementos a colher na sede do concelho. Não é exacto isto.
O notário para fazer um testamento não precisa de colher nenhuns elementos na sede do concelho.
Para fazer o reconhecimento de uma letra o notário não precisa de vir à sede do concelho; para fazer títulos de carácter particular o notário não precisa de vir à sede do concelho, e o mesmo se pode dizer no que se refere a títulos de dívida particular e a títulos de arrendamento que a lei permita.
Portanto, só a transmissão de propriedade é que pode levar o notário a colher elementos na sede do concelho. Todos os outros actos dispensam a colheita de elementos nas sedes dos concelhos.
Todos aqueles actos a que primeiro me referi podem, pois, ser realizados no cartório-sede na freguesia rural sem nenhuma espécie de dependência do concelho a que pertencem, e havemos de reconhecer que um testamento, principalmente nas nossas populações rurais, normalmente só se faz em situação de emergência, que em nada se compadece com o ir chamar um notário a 30 quilómetros de distância, podendo acontecer muitas vezes não se encontrar ali um notário, o que, evidentemente, ocasiona grandes dificuldades.

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O Sr. Mário de Figueiredo: - Imagine V. Ex.ª que raciocinava para Todo o País, em vez de estar a raciocinar para Pernes.

O Orador: - Não estou a raciocinar para Pernes. O que digo é que não há razão nem argumento que levem a suprimir aquilo que já existe.
Se a tendência é para satisfazer as necessidades públicas, não há razão para se suprimir um benefício àqueles que já o desfrutam, isto só porque outros ainda o não têm.
Se porventura tivesse passado para a sede do concelho a 4.ª classe de instrução primária, se passassem também todos os notários para a sede do concelho, amanhã iria também o padre para fora da freguesia rural, isto numa questão de plano de geometrismo, porque seria mais cómodo, para funcionamento do sistema, fazer a concentração.
Ora o que interessa não é o geometrismo do sistema, mas sim o interesse das populações, porque o interesse público é criado para servir as populações.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Portanto, não me parece que seja de aconselhar o privarem-se as populações rurais deste pequeno benefício.
Nós, que tanto falamos contra o êxodo das populações para os centros urbanos, estamos, afinal, indirectamente, a fomentar o abandono dos campos. Todo o condicionamento industrial e todas as indústrias vão para os grandes centros urbanos, todos os serviços públicos vão para os grandes centros urbanos.

O Sr. Melo Machado: - Por este caminhar talvez cheguemos a um critério do retirarem às populações rurais os professores primários e os padres.

O Orador: - E agora digamos uma palavra sob o ponto de vista social.
As populações rurais, Sr. Presidente, precisam de ter dentro de si aqueles elementos de elite que as enquadram: o padre, o professor, o médico, o veterinário e até o agrónomo, que são elementos que contribuem para a elevação do nível das populações. Eu queria ver mesmo uma maior desconcentração dos serviços. Eu vou mesmo até ao ponto de que todos os concelhos, isto é, todas as câmaras, tivessem o seu engenheiro agrónomo, como têm o seu médico e o seu veterinário.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estendendo até às populações rurais estes elementos de valia contribuiríamos para a valorização dessas populações.
Há ainda um outro elemento de ordem social que eu considero de grande vantagem. O próprio diplomado só teria vantagem em começar a sua vida nos meios mais simples, e esses são os das populações rurais. Muitos dos grandes homens deste País começaram a sua vida com profissões bem modestas. Recordo a propósito um conterrâneo meu, João Franco, que começou a sua vida como administrador num concelho rural, foi subindo gradualmente e chegou até onde todos nós sabemos.

O Sr. Mário de Figueiredo: - É por isso que nós vamos para os concelhos. Digo isto por causa de João Franco, que foi administrador de concelho e não foi, que eu saiba, regedor em qualquer freguesia.

O Orador: - Devo dizer a V. Ex.ª, Sr. Dr. Mário de Figueiredo, que há elementos desta Assembleia que têm sido e são simples presidentes de juntas de freguesia, e V. Ex.ª que, segundo creio, nasceu num meio rural, sabe qual o carinho que as populações rurais nos devem merecer.

O Sr. Mário de Figueiredo: - E merecem. Simplesmente a dúvida está em saber se se protegem melhor de uma maneira ou de outra. A minha dúvida é só esta: será melhor deixar os cartórios que lá têm ou transferi-los para a sede do concelho? Temos de olhar para esse aspecto do problema, evitando, é claro, esse fenómeno, horrível do urbanismo a que estamos a assistir. Só tenho dúvidas em saber qual a melhor posição que se deve tomar no problema e em saber como é que se protege melhor o interesse dessas populações: se de uma forma ou de outra.

O Orador: - V. Ex.ª tem as suas ideas e quando subir à tribuna dirá os seus argumentos. Eu estou expondo os meus, e entendo que é da maior conveniência para as populações rurais e só lhes traz benefícios o manterem-se esses cartórios. É assim que nós as defendemos.
Considere-se agora a eficiência do serviço e o seu melhor funcionamento.
É evidente que é razão a aduzir, para justificação de qualquer reforma, a melhor eficiência do serviço.
A maior parte dos concelhos rurais tem, segundo a nota que acompanha o decreto, um só notário.
Pergunto: esses notários exercem mais eficientemente o serviço estando nas vilas do que estando nas aldeias?
A minha experiência e a minha observação de longos anos de advocacia dizem-me que, tendo-me passado pelas mãos centenas, porventura milhares, de instrumentos notariais, nunca verifiquei que os instrumentos notariais elaborados nas notas das freguesias rurais fossem mais imperfeitos do que os que são elaborados nas cidades ou nas sedes dos concelhos.
E até, normalmente, sobretudo quando se traía de instrumentos cujo conteúdo é a propriedade imobiliária, o notário de aldeia redige com mais conhecimento de causa, dando, portanto, uma melhor expressão à realidade do contrato do que o próprio notário da vila ou da cidade, porque o notário da freguesia rural conhece a propriedade, conhece a courela, conhece as confrontações, conhece, porventura, as razões que determinaram esse contrato, a partilha, a compra e venda, a cessão e exprime com mais clareza e realidade aquilo que de facto se passou entre as partes contratantes.
Portanto, não se diga que o sistema poderá funcionar com mais eficiência se suprimirmos os notários que existem nas freguesias rurais.
Não há, a meu ver, nenhuma conveniência para o serviço, antes me parece que há vantagem em deixar permanecer os notários onde estão. E parece-me que há vantagem na desconcentração, e não na concentração, e em levar esse melhoramento às populações que ainda o não possuem, em lugar de o tirar àquelas que, felizmente para elas, já o têm.
Ora, se não advém eficiência para o serviço nem economia para a despesa pública, então eu pergunto, como há pouco fez o Sr. Dr. Carlos Borges: qual a razão que determina a supressão dos lugares de notários nas freguesias rurais?
Não é uma razão de ordem local que me leva a produzir aqui os argumentos em defesa deste ponto de vista; é uma razão de impenitente aldeão, de homem que nasceu na aldeia e nela se criou, que viveu e sentiu as amarguras dos seus conterrâneos, que sentiu as dificuldades dessa vida e o abandono a que essas povoações eram votadas.

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São estas razões que me levam a vir aqui sempre que está em causa o interesse das populações rurais, a fim de defender, o melhor que posso e sei, esse interesse.
Consequentemente, e para concluir, devo dizer a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e à Assembleia que não posso dar o meu voto ao artigo 1.º do decreto, mas antes o darei à alteração proposta, pela Câmara Corporativa.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinto Barriga (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: desejava perguntar a V. Ex.ª se já está esgotada a lista dos inscritos.

O Sr. Presidente: - Ainda não está esgotada. Encontra-se ainda inscrito o Sr. Deputado Sá Carneiro, a quem vou dar a palavra.

O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: cingir-me-ei ao artigo 1.º da proposta do Governo nas breves considerações que vou fazer.
Alguns Srs. Deputados dissertaram doutamente sobre outros pontos, numa espécie de generalidade...
Na altura própria a Comissão pronunciar-se-á acerca de tais sugestões.
Quanto ao artigo 1.º, há um ponto relativamente secundário em relação ao dos cartórios fora do concelho, que tanto apaixona a Assembleia - a diferente redacção do artigo 1.º, § 1.º, do texto sugerido pela Câmara Corporativa e do artigo 5.º da proposta governamental.
Já há pouco tive ocasião de dizer, num aparte ao Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu, que nas palavras que disse na sessão de 9 de Março não atendi a divergência referente à possibilidade de se criarem novas conservatórias independentemente do cadastro; de facto, nesse ponto a diferença é evidente.
Embora resulte da economia do diploma que, em principio, a modificação da área das conservatórias do registo predial se liga ao regime do cadastro - que apenas existe em vinte e dois concelhos, se bem cuido - concebe-se que, eventualmente, se aproveite a vacatura do lugar para fazer a adaptação da área da conservatória do concelho, e há conservatórias, como a de Sintra, tão sobrecarregadas de serviço, que pode admitir-se a hipótese de serem aliviadas a favor de concelhos vizinhos ainda antes do cadastro.
Também se concebe que povoações, como Vila Nova de Gaia, de grande importância e movimento, tenham uma conservatória do registo predial anteriormente ao cadastro.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Eu creio que no Porto há uma secção consagrada a Vila Nova de Gaia.

O Orador: - Mas não deixaria de ser mais cómodo para os munícipes de Gaia terem a conservatória do registo predial instalada na própria vila, uma das mais importantes do País, a terceira, se não estou em erro.
Parece-me que, deste modo, se atenderia às comodidades dos povos, de que tanto se vem falando...
Relativamente a cartórios fora do concelho, suponho que o número deles se tem exagerado, sem atender a que no Código do Notariado de 1935 já se extinguiam os cartórios de Alcanede, Fermil, Negrelos e S. Julião do Freixo; quanto a estes quatro, não pode acusar-se de os haver extinguido para quando vagassem.
O reformador de 1949 não é responsável pelo que se fez em 1935.
Repito: a extinção desses quatro cartórios não resulta da reforma, mas sim do Código do Notariado de 1935, repito.

O Sr. Salvador Teixeira: - Desejava saber se não temos competência para manter os que existem à data da publicação do novo código.

O Orador: - Considero evidente que o restabelecimento de qualquer dos cartórios não constantes do mapa a que se refere o artigo 253.º do Código do Notariado (Decreto-Lei n.º 26:118, de 24 de Novembro de 1935) violaria o artigo 97.º da Constituição Política, que veda a apresentação de propostas de alteração que envolvam aumento de despesa ou diminuição de receita do Estado criada por leis anteriores.
Portanto, se não podem ser mantidos aqueles quatro cartórios, a situação de facto hão constitui argumento convincente.
E a lógica dos nossos opositores obrigaria a ressuscitar - se fosse constitucionalmente possível - os cartórios que leis anteriores extinguiram, tendo-se efectivado a extinção na data da publicação do Decreto-Lei n.º 37:666.

O Sr. Elísio Pimenta: - Há pelo menos um cartório na Praia de Âncora que foi extinto antes da reforma.

O Orador: - E existiam, necessariamente, outros casos em várias regiões, embora a extinção desses cartórios se perca na noite dos tempos...

O Sr. Carlos Moreira: - Creio que não é isso. O que se pretende é manter os cartórios que existem:

O Orador: - Mas quatro deles já antes da reforma existiam apenas até vagarem...

O Sr. Salvador Teixeira: - É sobre esse ponto que eu desejava ser esclarecido.
Esses cartórios ainda funcionavam quando da publicação do decreto, pelo que suponho que eles se mantêm.

O Orador: - Não podem manter-se porque o artigo 97.º da Constituição o veda.

Estabelece-se diálogo entre vários Deputados.

O Orador: - Quanto aos argumentos por que a Comissão apoia a proposta do Governo, eles foram expostos brilhantemente pelo grande parlamentar que é o Sr. Deputado Dinis da Fonseca. Por isso, pouco direi.
Quanto ao Sr. Deputado Pinto Barriga, que é um cultor exímio do paradoxo, S. Ex.ª apenas fez espírito, porque ninguém discute a existência de concelhos. Os concelhos existem como um dos elementos da nossa organização administrativa.

O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª dá-me licença?
Parece-me que o que se pretende é que os cartórios se mantenham dentro dos concelhos, e nem sempre na sede do concelho.

O Orador: - Mas a proposta como o parecer da Câmara Corporativa estabelece o princípio da concentração das repartições a que se refere na sede do concelho, dada a interdependência de serviços existente.

O Sr. Pinto Barriga: - A minha discordância refere--se à actual divisão dos concelhos.

O Orador: - Não é, porém, este o momento de discutir essa possível reforma...
Pelo artigo 99.º do Código do Notariado os cartórios rurais faziam concorrência a todos os da comarca...

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O Sr. José Meneres: - Mas agora pela redacção da Câmara Corporativa, que nós perfilhamos, eles passam a ter competência apenas dentro do concelho e, portanto, já com uma acção reduzida.

O Orador: - No entanto, concorreriam com os outros notários do concelho.

O Sr. José Meneres: - Não compreendo o que seja concorrência entre serventuários de lugares públicos. Demais, esses notários que exercem a sua função em determinada freguesia não a exercem apenas para comodidade dessa freguesia, mas dessa e das outras em volta.

O Sr. Carlos Moreira: - Mas sempre dentro do mesmo concelho.

O Orador: - Francamente não vejo lógica nesse critério.
Ou se trata de notários rurais ou de notários concelhios; se têm esta última categoria, então mais natural seria que funcionassem na sede do concelho.
O argumento da distância não convence.
As considerações de alguns Srs. Deputados, entre eles o Sr. Dr. Proença Duarte, provam demasiado, pois, logicamente, levariam a criar um cartório em cada freguesia importante e sem fácil acesso à sede do concelho.
Não vejo que relação haja entre este problema e o do urbanismo, pois não abandona o campo quem, de quando em vez, sé desloca até à vila ou à cidade.
Desejo frisar que, ao contrário do que parecem supor alguns Srs. Deputados, a reforma mantém todos os cartórios rurais - até os extintos pelo Código de 1930 - até se dar a vacatura; e a Comissão, para que não pudesse haver qualquer dúvida, deixou isso expresso na redacção que propôs para o artigo 7.º

O Sr. Salvador Teixeira: - V. Ex.ª dá-me licença?
Pedia a V. Ex.ª que me informasse se do facto de serem mantidos os cartórios notariais, enquanto viverem os serventuários, resulta beneficio para a população ou para esses serventuários.

O Orador: - A reforma respeita, nessa matéria, a .situação dos funcionários no momento em que foi publicada.

O Sr. Salvador Teixeira: - Eu preferiria que fosse respeitada a situação actual das populações interessadas.

O Orador: - E essas continuam a dispor do cartório da freguesia.

O Sr. Salvador Teixeira: - Se bem que tenha muito respeito pelos serventuários, acho que são mais respeitáveis ainda as populações. E, conquanto não possamos dar as mesmas prerrogativas a todas as freguesias, ao menos que não as tiremos àquelas populações que as têm em tão pequena escala.

O Orador: - Resta saber se essa manutenção seria justa e se não há freguesias onde se imporia, com muito maior razão, a criação de notário.
A Câmara Corporativa estabeleceu um critério de rendimento com que não concordo, pois há cartórios extra-concelhos que têm elevado rendimento e pela sua situação, muito perto de povoações importantes, às quais estão ligados por meios de comunicação rápidos, não têm razão de ser; demais as despesas certas com o pessoal de um cartório de 3.ª orçam por 36.720$, sendo os 14.400$ apenas o ordenado-base do notário.
Quanto à proposta apresentada pelo Sr. Dr. José Meneres, não posso deixar de dizer - embora sem ânimo de ofensa, que jamais poderia ter - que é impossível votá-la com conhecimento de causa.

O Sr. José Meneres: - Não é sem conhecimento de causa, porque a proposta que fiz em conjunto com outros Srs. Deputados foi feita atendendo aos interesses dos povos que são servidos pôr esses cartórios. O conhecimento que temos é o do interesse político e o do interesse social.
Se V. Ex.ª argumentar simplesmente com o rendimento desses cartórios, evidentemente que esse critério não nos interessou.

O Orador: - O conhecimento de causa exigiria o estudo de cada caso concreto.
O Sr. José Meneres:-E quem diz que isso não foi estudado pelos Srs. Deputados que assinaram a proposta?

O Orador: - Então VV. Ex.ªs guardaram segredo e, evidentemente, eu não posso adivinhar as razões que os determinaram.

O Sr. José Meneres: - Segredo não há nenhum. E do conhecimento de todos e já foi aqui dito por que motivo defendemos a manutenção desses cartórios notariais: o desejo de servir os interesses das freguesias onde estão situados.

O Orador: - Eu próprio critiquei, como Deputado, em alguns pontos, o decreto em questão. Eu não posso dizer. agora como relator o contrário do que afirmei como Deputado.
Lamentei que a reforma não fosse precedida de um relatório, embora seja possível conjecturar o motivo por que não foi feito.
Certamente estava para ser publicado antes da abertura da Assembleia, e daí a pressa com que seria ultimado.
Mas o Governo quis que o diploma pudesse ser objecto de pedido de ratificação e era de supor que o mesmo não deixaria de ser feito.
Porém VV. Ex.ªs criticam a reforma por não ter relatório e não se dignam justificar, ainda que verbalmente, o motivo da manutenção dos cartórios rurais.

O Sr. Proença Duarte: - V. Ex.ª dá-me licença? Em detalhe, não posso dizer agora as razões todas do rendimento dos cartórios que se suprimem, mas, como informação que pode fundamentar o meu ponto de vista, direi que, segundo essa reforma, o concelho de Santarém fica com dois notários, e desde há trinta e dois anos que tinha cinco, todos vivendo e todos educando os filhos. Acho preferível que um bacharel vá ganhar 1.500$ do que ande por aí sem fazer nada e seja um revoltado social.

O Orador: - As palavras de V. Ex.ª podem justificar a elevação de Pernes a concelho, e então terá não apenas notário, mas também as duas conservatórias.

O Sr. Proença Duarte: - O Sr. Presidente da Junta de Freguesia de Pernes mandou para todos os Srs. Deputados uma nota indicativa de que o notário de lá tem rendimentos para viver. O próprio gráfico mostra que, suprimindo o cartório, as populações mais afastadas ficam a 30 quilómetros de distância.

O Orador: - E há outras no País que têm o notário bem mais longe.

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Todos os cartórios rurais suprimidos pela reforma têm excelentes meios de comunicação e carreiras de camionetas que rapidamente levam à sede do concelho quem precise de recorrer ao notário.
Alpedrinha, com o rendimento médio de 10.744$ no triénio de 1947 a 1949 e 2:047 habitantes, dista do Fundão apenas 12 quilómetros.
Arazede fica a 15 quilómetros de Montemor; rendimento, 31.154$20; população, 5:924 habitantes.
Lixa, a 8 quilómetros de Felgueiras, rendeu no dito triénio 7.814$ e apenas tem 1:722 habitantes.
Louriçal, a 15 quilómetros de Pombal, rendeu 17.525$ e tem 8:153 habitantes.
Paião, a 13 quilómetros da Figueira da Foz, rendeu 24.132$ e tem 3:545 habitantes.
Pernes tem apenas 2:031 habitantes e dista 20 quilómetros de Santarém; rendeu 39.553$. Rio Tinto, que o Sr. Dr. Dinis da Fonseca acertadamente classificou como cartório parasitário do Porto, rendeu 86.010$ e está ligado por comboio, eléctrico e camioneta, ao Porto e bem perto também de Gondomar.
S. Lourenço do Bairro, a 8 quilómetros da Anadia, tem 3:188 habitantes e rendeu 7.910$.
Cernache do Bonjardim, já extinto, em execução da reforma, por vacatura do lugar, está a 10 quilómetros da Sertã, tem 5:584 habitantes e rendeu 15.596$.
Finalmente, Serzedo, a 11 quilómetros de Gaia e muito perto de Espinho, tem 3:889 habitantes e rendeu 35.597$.
A Câmara Corporativa não chegou a fazer o estudo dos cartórios que deveriam manter-se ante um equilibrado complexo de elementos - importância das terras, dificuldade de comunicações, comodidade dos povos, enfim.
Com base no critério financeiro, sugeriu que se mantivessem os que houvessem rendido no último triénio os 14.400$ do ordenado-base; mas isso pouco mais da terça parte da despesa obrigatória só com o pessoal.
Todos os cartórios a extinguir, quando vagarem, estão a pequena distância da sede do concelho.

O Sr. Proença Duarte: - Mas os meios de transporte custam dinheiro às populações rurais.

O Orador: - A verdade é que a gente do campo gosta de ir à vila ou à cidade.
No concelho de Barcelos, que tem muitas freguesias, às quintas-feiras, as aldeias despovoam-se, porque toda a gente vai à feira vender os seus produtos, negociar gado e até distrair-se da dura faina do campo.
E aproveita-se a ida à cidade para praticar os actos notariais.
Creio que isto sucede em todo o País.

O Sr. Salvador Teixeira: - Eu tenho observado exactamente o contrário. Só lá vão as pessoas que não têm nada a fazer.

O Orador: - O Sr. Deputado Carlos Borges perguntou porque só extinguem estes cartórios. Extinguem-se sobretudo por uma questão de princípio.
Há que concentrar na sede do concelho todas as repartições, dada a sua interdependência.
O parecer da Câmara Corporativa, ao qual sempre fiz justiça, pois é na verdade notável, adere a esse princípio, dando até o exemplo do casamento com escritura de regime dotal.
Celebra-se a escritura, faz-se o casamento e regista-se o dote.
Isto mostra a conveniência de os três serviços funcionarem a par.

O Sr. Proença Duarte: - Hás se a Câmara votar no sentido de serem mantidos os cartórios nas freguesias rurais, isso pode marcar para o Governo um sentido de orientação.

O Orador: - Resta saber se é justo mantê-los.

O Sr. Proença Duarte: - Se todas as freguesias rurais vivem num estado de injustiça, será de aconselhar que, em vez de o atenuar, o vamos tornar mais amplo?

O Orador: - Em princípio, o cartório deve ser na sede do concelho.
E, a admitir-se alguma excepção, ela não pode basear-se em mero estado de facto, mas sim no estudo que de cada caso concreto se faça.
Todavia, para não ser desagradável a V. Exa., não considerarei o caso de Pernes, cujo cartório, aliás, já foi extinto.

O Sr. Proença Duarte: - Eu não quis individualizar nenhuma região, mas poderia aduzir um grande número de razões justificativas desse cartório em Pernes.
Há em Pernes um sindicato agrícola, que tem a sua caixa e onde se fazem centenas de empréstimos. Todas as segundas-feiras vão as populações ao mercado e aproveitam esse dia para reformar as suas letras. Ora será justo fazê-las ir a Santarém, por exemplo, para obterem um reconhecimento de letra?
Largar a letra da mão e entregá-la a outra pessoa para esta ir fazer o reconhecimento é coisa que não agrada nada a essa gente, por sua natureza desconfiada. Portanto, entre outras razões que existem, bastava só essa para justificar perfeitamente a manutenção de um cartório em Pernes.

O Orador: - V. Exa. confirma o que eu digo quanto às feiras...
Mas prosseguindo: aludiu-se, a propósito destes cartórios, às secretarias notariais, mas os dois problemas não se ligam, como é evidente. O Sr. Dr. Dinis da Fonseca afirmou já que a reforma encontrou quase todo o País em regime de secretarias.
E a Comissão, na emenda que propôs ao artigo 1.º, não acarinhou as secretarias.

O Sr. Proença Duarte: - Isso já é, de um modo geral, um problema de técnica. Agora a manutenção dos lugares de notário nas freguesias, isso é que me interessa profundamente.

O Orador: - Devo observar a V. Exa. que nós não legislamos para seis ou sete freguesias onde haja cartórios, mas sim para todo o País. O cartório deve ser concelhio, e não se compreendem excepções para meia dúzia de freguesias.

O Sr. Proença Duarte: - O que eu pretendo é que se não acabem ao menos com os existentes, e tenho o direito de exigir uma justificação para o pensamento contrário, e ainda não a tive.

O Orador: - Mas V. Exa. é que deve provar que a existência dos cartórios a extingui; se justifica.

O Sr. Carlos Moreira: - Eu suponho que, quando há um statu quo, é à parte que faz objecções sem justificação que compete esclarecer as razões que lhe assistem. E V. Exa. ainda não explicou porque se persiste nessa ideia.

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O Sr. Carlos Mendes: - Notem VV. Ex.ªs que quando as freguesias não derem rendimento ninguém quer ir para lá, e portanto morrem por si.

O Orador: - Mas manter-se-ia a existência - contra o princípio - de cartórios rurais sem estar provada a razão de ser deles.
Sr. Presidente: é palpável que neste problema há um elemento que perturba o raciocínio: a paixão.
Procurei falar desapaixonadamente, e entendo que, à face da razão, a proposta é de aplaudir.
Ser-me-ia grato poder satisfazer as populações afectadas; mas não posso, porque não considero isso justo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Vão ler-se as propostas mandadas para a Mesa quanto a este artigo. Uma é do Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu no sentido de retirar as alíneas da proposta que tinham sido apresentadas por ele e por outros Srs. Deputados para perfilhar a sugestão da Camará Corporativa.
A outra proposta é do Sr. Deputado José Menores.

Foram lidas. São as seguintes:

Em nome dos Deputados apresentantes retiro a parte da nossa anterior proposta em relação a todos os artigos, excepto aos artigos 1.º, 5.º, 11.º, § 5.º do artigo 14.º e § único do artigo 73.º - Paulo Cancela de Abreu.

Perfilhamos o texto proposto pela Câmara Corporativa para o artigo 1.º e seus parágrafos, suprimindo-se as seguintes palavras do § 2.º: «e cuja média de rendimento líquido anual nos anos de 1947, 1948 e 1949 não seja inferior a 14.400$».

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 14 de Março dê 1951. - José Pinto Meneres - António dos Santos Carreto - Manuel Colares Pereira - Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada - António Carlos Borges - Salvador Nunes Teixeira - Ricardo Malhou Durão.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Menores enviou também para a Mesa uma outra proposta, que vai ser lida.

Foi lida. É a seguinte.

Propomos que no texto proposto pela Câmara Corporativa para o artigo 7.º, que perfilhamos, sejam suprimidas as seguintes palavras do § 2.º: «bem como os das freguesias que não venham a ser incluídos no mapa II».

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 14 de Março de 1951. - José Pinto Meneres - António dos Santos Carreto - Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada - Manuel Colares Pereira - António Carlos Borges - Salvador Nunes Teixeira - Ricardo Malhou Durão.

O Sr. Presidente: - Como não está mais nenhum Sr. Deputado inscrito para a discussão do artigo 1.º, considero encerrada a discussão do mesmo, bem como das propostas que lhe dizem respeito. A votação deste artigo 1.º far-se-á na sessão de amanhã.
Amanhã haverá, como se depreende, sessão, à hora regimental, com a mesma ordem do dia da de hoje.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 55 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
André Francisco Navarro.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Calheiros Lopes.
António Joaquim Simões Crespo.
António Pinto de Meireles Barriga.
Carlos de Azevedo Mendes.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Alpoim Borges do Canto.
João Mendes da Costa Amaral.
José Cardoso de Matos.
Manuel Colares Pereira.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Cruz.
António de Matos Taquenho.
António Raul Galiano Tavares.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho,
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amorim
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Guilherme de Melo e Castro.
José dos Santos Bessa.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco de Campos.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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