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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 93

ANO DE 1951 6 DE ABRIL

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 93 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 5 DE ABRIL.

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs. Castão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 14 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 92.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Magalhães Pessoa, para, em nome da família, agradecer as condolências da Câmara pela morte do antigo Deputado Rebelo de Andrade; Paulo Cancela de Abreu, que enviou para, a Mesa um projecto de lei com alterações à Constituição Política; Avelino de Campos, que anunciou um aviso prévio sobre reformas de justiça; Armando Cândido, sobre problemas de pecuária nos Açores, e Pinto Barriga, sobre importação de automóveis.

Ordem do dia. - Continuou a discussão, na generalidade, da proposta de lei sobre a revisão constitucional.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Paulo Cancela de Abreu, Manuel Múrias e Miguel Hastas.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 18 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 7 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Finto.
Américo Cortês Finto.
António Abrantes Tavares.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Finto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
Armando Cândido de Medeiros.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.

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Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Jaime Joaquim Pimenta, Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Gosta.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Cerveira Pinto.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco de Campos.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 78 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 14 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 92.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra sobre o Diário, considero-o aprovado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos requeridos na sessão de 7 de Marca último pelo Sr. Deputado Miguel Bastos ao Ministério das Comunicações. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Magalhães Pessoa.

O Sr. Magalhães Pessoa: - Sr. Presidente: em nome da família do Sr. Dr. Rebelo de Andrade desejo agradecer a V. Ex.ª e à Câmara os sentimentos que se dignaram exprimir na sessão de 3 do corrente, dia em que Deus se dignou chamar o falecido à Sua presença.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para apresentar um projecto de lei, o Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: o projecto de lei que vou ter a honra de enviar para a Mesa refere-se ao artigo 109.º da Constituição e diz respeito à ratificação com emendas dos decretos-leis do Governo.
Respeita a um assunto a que mais de uma vez me tenho referido, isto é, a conveniência de evitar que a Câmara Corporativa e a Assembleia Nacional sejam forçadamente postas em presença de factos consumados, como tem sucedido, e por aquela notado.
Destina-se a dar poderes à Assembleia Nacional para, no caso de ratificação com emendas, suspender a execução de decretos-leis do Governo na parte em que criem, no continente e nas ilhas adjacentes, novos serviços com aumento de pessoal ou com alteração da sua categoria nos quadros existentes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E como se trata de uma excepção de certa relevância, o projecto torna a suspensão dependente do voto de dois terços dos Deputados em exercício efectivo do seu mandato. Diz o seguinte:

Projecto de lei

É aditado ao artigo 109.º da Constituição o seguinte:

§ 7.º Quando conceder a ratificação com emendas, a Assembleia Nacional pode suspender a execução dos decretos-leis na parte onde criem, no continente e ilhas adjacentes, novos serviços que envolvam aumentos de pessoal ou alteração das respectivas categorias em relação aos quadros anteriormente existentes.
Esta suspensão carece de ser aprovada por maioria de dois terços dos Deputados em efectividade de funções.

O Deputado, Paulo Cancela de Abreu.

O Orador: - Quando este projecto for discutido exporei mais largamente os seus fundamentos. Sr. Presidente: roqueiro a urgência.

O Sr. Presidente: - Permito-me lembrar a V. Ex.ª que o projecto de lei que V. Ex.ª acaba de apresentar é por sua natureza simples, pelo que me parece irrelevante pedir à Câmara Corporativa que se pronuncie rapidamente sobre ele.

O Orador: - Como V. Ex.ª entender.

O Sr. Presidente: - Não tenho dúvidas de que a Câmara Corporativa dará o seu parecer a tempo de o projecto de lei vir a ser discutido.

O Sr. Avelino de Campos: - Sr. Presidente: considerando que os serviços de justiça, quanto à sua organização e funcionamento, não correspondem já, ou dificilmente correspondem, ao complexo condicionalismo da vida dos nossos tribunais;

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Considerando, por outro lado, que em mais de um ponto o actual processo civil e penal, por efeito dessa complexidade, não acompanha nora satisfaz as necessidades crescentes duma actividade judiciária intensa;
Considerando que importa que a justiça se realize em toda a sua plenitude, como expressão de um dos fins mais altos do Estado:
Proponho-me realizar um aviso prévio na oportunidade que for considerada conveniente, em que procurarei considerar:
à) A actual organização dos nossos tribunais de 1. instância;
b) Os serviços judiciais no que concerne à disciplina, responsabilidade e competência dos funcionários das secretarias judiciais;
c) Alguns aspectos do processo civil e penal vigente, principalmente no que diz respeito à celeridade processual;
d) A posição dos magistrados perante o processo, quer como instrutores, quer como julgadores;
e) A organização, funcionamento e eficiência dos serviços da Polícia Judiciária;
A oportunidade de uma reforma em ordem a atingir-se cabalmente o fim em vista.

O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: o fantástico caso da peripneumonia exsudativa nos bovinos dos Açores não é novo nesta Assembleia. Como não é novo, dispenso-me de lhe fazer a história. Direi só quo durante o tempo em que fui presidente da Junta Geral do Distrito Autónomo de Ponta Delgada tive ocasião, de contactar, dia a dia, com os serviços de pecuária, dirigidos por veterinários competentes. Nunca lhos ouvi a mínima alusão à existência de semelhante doença no gado das ilhas de S. Miguei e de Santa Maria.
Depois de ter deixado a presidência da Junta Geral continuei a falar com os técnicos, com os lavradores, com os pastores. Nenhum deles me deu notícia de ter aparecido a peripneumonia.
Agitada e acesa a questão, tratei de saber o que diziam os intendentes de pecuária. dos três distritos açorianos.
Nunca observámos o mais leve indício de peripneumonia contagiosa afirmaram todos categoricamente.
Por acaso, no começo desta sessão legislativa fiz hoje de Ponta Delgada para Lisboa com alguns veterinários que faziam parte de uma brigada de técnicos enviada do continente e que na ilha Terceira tinham acabado de examinar e vacinar quase todo o gado. Perguntei-lhes pela famigerada peripneumonia.
" Não a encontrámos" - responderam à uma!
Estranho caso este, Sr. Presidente, tão misterioso e tão estranho que não hesito em conceder-lho as palmas da maior invenção técnica portuguesa dos últimos tempos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -0 pior foi o uso da invenção.
0 gado dos Açores tornou-se um campo maravilhoso. Integrado no património de una vagos senhores que lá muito longe, numas ilhas pequenas, se davam à curiosidade de criar bois e vacas, talvez para mero regalo dos olhos o pitoresco movimento da paisagem, não custava nada cair-lhos em cima com a catástrofe declarativa de R" doença. perigosa que impossibilitasse as vacas e os bois neurastenizados nas mansas pastagens açorianas de virem até ao continente em pura viagem de recreio.
Não custava nada. Foi então decretado há mais de dez anos um rigoroso sequestro e Ó gado dos Açores passou a estar sujeito a impertinentes formalidades, com as implícitas demoras e fatais encargos, e a ser proibido de entrar vivo no continente para recriação ou exploração.
No entretanto, no decorrer desses dez anos o tal, nós, os das ilhas, habituámo-nos, sem quaisquer cautelas, a lidar com a peripneumonia no maior à-vontade do mundo. Até na carne abatida para o consumo local a temos ingerido sem medo nenhum ...
É, aqui, Sr. Presidente, que eu queria chegar.
Em nome de que código da consciência, em nome de que lei da razão, em nome de que princípio da lógica, se mantém o implacável se mostre que tantos e tão grandes prejuízos tem acarretado para a lavoura açoriana?
Já se via que a peripneumonia exsudativa é coisa que não existe no gado dos Açores. Já se via que se trata de um fantasma. E, eu pergunto, Sr. Presidente, se os fantasmas também mandam.
Quem paga os prejuízos até agora injustamente cansados, incompreensivelmente causados, pelo espantoso sequestro á economia dos Açores?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: a pecuária constitui um dos capítulos mais sérios e mais volumosos da vida económica açoriana e os lavradores açorianos não criam gado para ser sujeito a invenções daninhas.
A situação é a que se tira destas períodos que passo a ler e que constam de uma representação já entregue nas estâncias superiores:
Não será exagerado avaliar em muitos milhares de contos o prejuízo que à economia açoriana tem advindo pelo facto de o nosso gado estar sujeito a tal regime de excepção, que o impede de concorrer com o gado continental em seus mercados.
0 gado açoriano, por determinações das autoridades distritais, só pode ser exportado sob condição de se deixarem abastecidos os mercados locais a preços absolutamente desvantajosos, digo mesmo de prejuízo para a lavoura. Suporta, além disso, pesados encargos de fretes, despachos alfandegários, quebras de viagem e despesas de estabalação em Lisboa.
A agravar esta situação de desigualdade, a Junta Nacional dos Produtos Pecuários, entidade que por virtude do sequestro dispõe do nosso gado; demora o seu abate normalmente mais de vinte dias, com a objectividade de fornecer, no ritmo das suas requisições, entidades chamadas oficiais, isto mesmo em período de manifesta escassez, como o actual. Esta demora origina enormíssimas quebras de poso pela deficiência de alimentação, além de despesas grandes de estabalação, que são suportadas pelos donos do gado, na grande maioria lavradores pobres.
É evidente ser um regime de escravatura excepcional para a lavoura açoriana.

Vozes. - Muito bem!

O Orador: - Quer dizer: além de tudo o mais, além dos vários encargos, dos fretes, dos despachos, das restrições locais necessárias, o sequestro o obstinado, o terrível, o inclemente sequestro..
Sr. Presidente: apelo para o critério esclarecido o para o espírito de decisão desses dois homens que deixaram ainda há pouco tempo esta Assembleia para ocuparem os lugares de Subsecretário da Agricultura e de Ministro da Economia.
Apelo, mas apelo veementemente, para que ponham imediato cobro a uma situação intolerável o injustificável que tem esmagado e sacrificado a lavoura açoriana, essa lavoura que não está excluída do plano de fomento nacional o que por ele se tem esforçado e batido denodada e abnegadamente, desamparada muitas vezes dos Po

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deres Públicos, mas sempre com o sentido o a fé de servir mais e melhor. Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

tado do Comércio e Indústria por lhe ter dado para ali? Sem outras razões a que ao pudesse esquivar-se?

O Orador: - Evidentemente que não, nem isso seria de sapo da competência e bom senso de S. Ex.ª
Mas dizia eu que temos uma posição credora que pode ser bem utilizada na compra de diversas coisas mais úteis, mas verifico que parece vai ser aproveitada muito na compra de automóveis.

O Sr. Botelho Moniz: - De automóveis e 95 por cento da importação portuguesa que está liberalizada.

O Orador: - Eu não estou atacando o Governo. Apenas ataco a medida se essa utilização se fizer vincadamente em automóveis ligeiros e de luxo, desprezando todos os que sejam necessários para a indústria, sobretudo agrícola e de transportes.

O Sr. Manuel Múrias: - Dá toda a impressão ...

O Orador: -V. Ex.ª não me deixa concluir ...

O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados que ao interrompam o orador pela forma por que o estilo fazendo, porque, além do mais, aos serviços de taquigrafia da Câmara é impossível registar uma discussão dessa natureza.
Para evitar que as corsas assim continuem, convido V. Ex.ª a vir à tribuna, no caso de desejar continuar as suas considerações.

O Sr. Pinto Barriga:- Sr. Presidente: uma noticia publicada hoje nos jornais, alusiva a um despacho do Sr. Subsecretário de Estado do Comércio mandando
aplicar o regime de facilidades de importação de automóveis provenientes dos países membros do 0. E. C. E. e da Espanha, os quais poderão ser livremente importados, para além dos contingentes previstos nos acordos em vigor, levou-me a pedir a palavra.
Tenho pelo Sr. Subsecretário do Comércio muita admiração, pelo seu dinamismo inteligentemente realizados, mas não posso deixar de discordar desse acto.
Durante o surto volframista da passada guerra não congelámos e, por isso, sem querer, ficou volframizada a nossa moeda no seu poder de compra interno.
Hoje, que já está rompendo um surto da mesma espécie, que se marca ostensivamente pelo aumento da corrente circulatória e a sua consequente elevação de reservas de divisas, nada se faz, não já para conseguir um certo dirigismo cambial, mas ao menos para conhecermos exactamente os nossos gastos de divisas e o seu respectivo emprego.
Somos o único país que vive nesse celestial optimismo cambial, sem um decisivo controle e sem ao menos uma boa estatística de aplicações. Havemos de duramente compreender que, se essas reservas pertencem aos seus donos pode deixar de ser como possuidores, a sua utilização controlada ou pelo menos, conher-dado País.
0 ta a que tem de travar contra a "cortina de ferro", vive bizantinamente no seu comércio externo a trocar serpentinas e confettis do supérfluo e um dia acordará na terrível e premente exigência de se industrializar muito simplesmente para o necessário.
A maior parte dos possuidores de automóveis não tem rendimentos para os manter nem necessidade de os utilizar; é um caro passatempo dos domingos, que pesa duramente na economia nacional e que absorve cambiais que poderiam ter melhor destino.
Uma nação porque se diz corporativa não deve viver no supérfluo quando um pouco do necessário falta a alguns.

O Sr. Manuel Múrias:- V. Ex.ª dá-me licença?
V. Ex.ª pode dizer-me se acaso esse despacho do Sr. Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria não será resultante de um compromisso internacional?

O Sr. Botelho Moniz: - Absolutamente.

O Orador: - À sugestão de V. Ex.ª eu vou responder um pouco mais tarde. Mas parece-me que ao há compromissos que envolvam escolha daquilo que devemos comprar.

O Sr. Manuel Múrias:- Pode haver.

O Orador: - E digo, estou dentro da técnica, e por isso peço a V. Ex.ª licença para lhe dizer que temos uma posição credora na U. E. P., posição que parece vai ser utilizada em parte apreciável na compra de automóveis.
Não podemos comprar senão automóveis?.. .

Vozes: - Não, ao

O Sr. Manuel Múrias: -V. Ex.ª pode informar-me se esse despacho foi dado pelo Sr. Subsecretário de Estado

O Orador:- Perfeitamente, Sr. Presidente.

O orador passou a ocupar a tribuna.

O Orador:- Sr. Presidente: eu começei por manifestar toda a minha simpatia e admiração pelo Sr. Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria, de quem sou até amigo, e ao qual reconheço grandes qualidades de trabalho e competência.
Porém, o que pretendi foi marear apenas uma posição com relação à utilização dos saldos credores, visto que entendo que elos não devem sor empregados em coisas supérfluas, como por exemplo em automóveis, mas sim noutros artigos de maior utilidade para o País, sobretudo para a sua reindastrWizoçlo.

O Sr. Bustorff da Silva: - E V. Ex.ª já considerou o risco do prolongamento de uma situação de saldos credores ?

O Orador: - Eu aceito a interrupção de V. Ex.ª, mas devo dizer que é nosso dever lembrar ao Governo como pode e deve melhor utilizar esses saldos, como o têm feito outros países. Os saldos não são anulados, serão porventura de uma utilização mais laboriosa. Como V. Ex.ª vê, o problema é diverso.

O Sr. Carlos Borges:- A intervenção ao V. Ex.ª tem nina grande vantagem. Efectivamente as máquinas agrícolas duplicaram de preço de há um ano para cá, e é deplorável que tal sucedesse, porque essas máquinas são indispensáveis à vida económica do País.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Perfeitamente de acordo com V. Ex.ª, e exactamente por isso é que eu não quero que esses saldos credores sejam muito utilizados na importação de automóveis. Há tanto para comprar!

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Mas continuando, e para terminar:
Voltarei ao assunto mais largamente a propósito das contas públicas, mas aqui fica para o Sr. Subsecretário a noticia da minha pequena divergência e também uma amigável lembrança aos Srs. Ministros da Presidência o das Finanças, a quem tributo um testemunho de velha admiração e de quem, o Pais muito espera.
Defendamos a nossa posição credora na U. E. P., mas não queimemos essas reservas em automóveis de luxo, que bem podemos dispensar, e utilizemo-las antes em artigos que façam decididamente falta à economia do País.
Termino, como comecei, apresentando os meus cumprimentos aos Sr.ª Ministros da Presidência e das Finanças o ao Sr. Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria, esperando que ajam no melhor dos interesses do País.
Tenho dito.
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se á

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão a proposta de lei sobre a revisão constitucional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: breves palavras; apenas as suficientes para marear uma Posição e justificá-la.
E faço-o no uso do um direito que a Constituição expressamente me confere, V. Ex.ª não recusa e do qual não abdico, como não mo foi recusado e não abdiquei em tempos em que era arriscado proceder desta maneira.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É que mo encontro em presença de uma situação delicada que me obriga a profundo exame de consciência e a meditar no respeito que devo a mim próprio e ao Ideal que sirvo e de que, sob pena de dissimulação, eu e outros não podemos deixar de considerar-nos os intérpretes, como foi oportunamente declarado por quem o representa.
Embora, na verdade, não tenhamos sido eleitos como monárquicos, todavia não deixámos de ser monárquicos quando propuseram a nossa candidatura e depois de eleitos.
Eis as razões da necessidade irrecusável de definir atitudes no debate em decurso.
Mas fizemo-lo, fazemo-lo e fá-lo-emos com a usual correcção, com tolerância e lealdade, o sem quebra do respeito que devemos às opiniões discordantes e daquela boa camaradagem que aqui temos sabido manter, sempre animados do melhor espírito de colaboração e inspirados num só desejo - servir -, numa só ideia - a da Pátria - e formando um só partido - Portugal.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador - - 0 que, como tudo o mais, graças a Deus, tem sido possível no Estado Novo, não por compatível ou conforme com o regime constitucional vigente, mas como excepcional reflexo da reacção nacional contra a demagogia e seus desmandos, e também por um somatório importante de factos e circunstancias felizes que seria ocioso enumerar, mas são necessariamente transitórios.
Sejamos francos, meus senhores; frente a frente, olhos nos olhos, meditemos nesta verdade.
O equívoco político em que vivemos foi tornado possível pelos merecimentos e prestígio de dois homens e por uma notável obra sua, e dos sejas colaboradores; mas este equívoco não pode ser eterno.
Realmente, a questão do regime não está posta, e não a pomos. Mas está em cansa o estatuto fundamental da Nação onde ela se coloca e discutem-se disposições que lhe dizem respeito; e todos nós temos o direito, uns de fazer a sua apologética, outros a sua condenação.
Está na ordem do dia uma proposta do Governo relativa à Constituição republicana de 1933, que importa algumas alterações em pormenores, na maioria mais de forma do que de fundo, cuja generalidade ora se discute.
Mas há na proposta preceitos que contrariam os Princípios sempre por mim defendidos, dos quais não me afasto, porque à minha inteligência aparecem como os únicos harmónicos com o sentir e o modo de ser do povo português, a que as constituições devem, em primeiro lugar, adaptar o regime, conforme se expressou o Sr. Presidente do Conselho no seu importante discurso de 12 de Dezembro de 1950.
Sim: não está posta, o não ponho a questão do regime.
Nesta hora de sobressaltos e perigos, em que não estamos isolados no Mundo e vemos em causa os destinos da civilização ocidental o com elos os direitos de Deus, das pátrias e do homem, não desejo que aqueles se agravem, no nosso país, em consequência de uma iniciativa, ditada, é certo, pelo espírito e pelo coração, mas, porventura, precipitada ou inoportuna.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A unidade nacional exige a Realeza, sem dúvida, mas esta, que, aliás, jamais pensa em si e sempre apenas no bem da Pátria, virá, estou corto, em futuro não longínquo, com a evidência da sua, necessidade atingida pela consciência nacional, em cuja formação colaborem todos os portugueses de boa vontade, incluindo aqueles para quem o futuro de Portugal conta mais do que a República dos seus sonhos.
A sequência necessária dos acontecimentos a tanto deve conduzir. E isto estão vendo já tantos dos que, tendo-se deixado seduzir pela mística republicana, sabem, no entanto, curvar-se perante as exigências incontestáveis do interesse nacional o a defesa essencial de certos princípios fundamentais.
Pátria ao alto!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O que venho de dizer, no entanto, não, me obriga a uma colaboração no que for incompatível com o meu pensamento dominante.
Não estou investido de mandato de ninguém, mas tenho como certo que, ao proferir estas palavras, exprimo, não apenas o meu modo de pensar e de sentir, mas também o de outros ilustres Deputados, cujos ideais políticos o sentimentos não desconheço.
Mas, se outros, de pensamento igual, procederem, nesta emergência, de modo diverso do meu, respeitaremos esse procedimento, não o condenando, nem me sinto no intimo da consciência. O contrário equivalia a cometer a injúria de negar-lhes o direito de, porventura, encararem a sua posição perante o problema de modo diferente daquele que perfilho.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Porque o Regimento não permito abstenções e não costumo abandonar o meu posto, tenho,

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de votar; mas o meu voto será determinado pelo pensamento que mo inspira, no que de qualquer modo com elo possa colidir, sem, é claro isto significar que perfilho este ou aquele sistema do sufrágio e uma ou outra formalidade da eleição para-a chefia do Estado.
A idade e alguma experiência trouxeram-me noções de cortas realidades, e silo elo que agora permitem, no mais, vencer-me a mim próprio, vencendo a contrariedade que me vai na alma.
Que a Pátria receba este sacrifício o a Providência o recompense amanhã pelo triunfo, definitivo e em Paz, do ideal que me ilumina, servido por todos os que sabem colocá-la acima de tudo, excepto Deus.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Manuel Múrias:- Sr. Presidente: lembro-me agora que é a primeira vez que subo à tribuna nesta sessão legislativa.
Não desejo por isso entrar nas considerações que me levaram a pedir a palavra sem apresentar a V. Ex.ª os meus cumprimentos e lhe reiterar a alta consideração por V.Ex.ª
Tenho dito.
Sr. Presidente: está a proceder-se à revisão constitucional e não quereria deixar de, neste período do debate na generalidade, fazer algumas anotações que não poderiam ser marcadas com amplitude na especialidade e sublinhar assim a importância e o sentido de uma parte da tarefa que nos cabe. Refiro-me à revisão e integração material do Acto Colonial na Constituição Política.
Trata-se menos do uma revisão do que de uma integração, que aliás já era determinada pelo decreto com força de lei que o aprovou.
Não se pretendo, com efeito, fazer uma revisão mais profunda e mais larga do que precisamente a que vai fazer-se no conjunto da Constituição Política.

O Sr. Carlos Moreira:- V. Ex.ª dá-me licença?
Salvo o devido respeito, creio que onde a revisão é marcante é precisamente no Acto Colonial, porque, no que se refere à Constituição, não verifico que o seja.

O Orador: - Creio que V. Ex.ª tem razão, mas julgo - como dizia o outro - que a não tem toda ...

O Sr. Carlos Moreira:- Dou-me por satisfeito se tiver alguma!

O Orador: -... e, se V. Ex.ª me permite, dir-lhe-ei que não valerá tanto como à primeira vista poderá parecer.
Trata-se realmente, por um lado, do revisão e, pelo outro, de Integração; mas tanto quanto me foi dado entender pelo que já se discutia na Comissão de Colónias, de que faço parte, e numa reunião conjunta com as outras comissões que tem a seu cargo o estudo, em nome da Câmara, da revisão constitucional, parece-me que efectivamente se não tem Pensado em que o Acto Colonial precisa de uma revisão de essência, mas precisamente daquela revisão que a certa altura mereceu da Câmara Corporativa até algumas observações, pois se julgava que não deveria ser um texto constitucional sujeito tão frequentemente à revisão, como tem sido o nosso.
Não é porém esse o aspecto que pretendo focar. 0 que me parece indispensável é acentuar aqui, agora, que alguma coisa se fez, que muitíssimo se fez enquanto o Acto Colonial foi, como ainda é, um diploma autónomo que substituía o capítulo VII da Constituição e devendo ser considerado no próprio texto constitucional.

Durante a vigência, até agora, do Acto Colonial efectuou-se na ordem espiritual, na ordem económica, na ordem financeira uma verdadeira revolução em todo o ultramar português.
Os que acompanharam de corta maneira a obra de restauração efectuada, não apenas na metrópole, mas também no ultramar, têm de nos acompanhar neste pensamento e neste sentimento: não estaria bem deixar desaparecer uma corta autonomia, ao menos material, que teve até agora o Acto Colonial sem prestar homenagem ao seu autor e sem recordar o que foi possível, entretanto, realizar em todos os campos.
Terá certamente de haver, num ponto ou noutro, algumas alterações de redacção...

O Sr. Carlos Moreira: -V. Ex.ª dá-me licença ?
Tenho a impressão de que V. Ex.ª encaminha as suas considerações no sentido de que quanto ao Acto Colonial a revisão se traduz apenas numa integração e em
alterações de pormenor ou de redacção.
Temos de ser justos. As alterações propostas significam um avanço desejável na nossa política ultramarina. É uma questão de essência, o não só de pormenor.

O Orador: - Aceito perfeitamente que V. Ex.ª esteja em desacordo comigo.
0 que quero dizer é que tenho visto que se pretende procurar que cada artigo, cada número ou cada parágrafo do Acto Colonial possa exprimir melhor o que há no mais intimo das nossas aspirações. Pode tratar-se de um desenvolvimento ...

O Sr. Carlos Moreira:- Creio afinal que estamos de acordo, porque V. Ex.ª diz que o que queremos é concretizar o que vai no Intimo das nossas aspirações ... e o Intimo é de ordem essencial, não é questão de simples pormenor.

O Orador: - Não creio que estejamos em matéria ultramarina tão longe de podermos considerar-nos satisfeitos na marcha que se iniciou do que poderá parecer pelas palavras de V. Ex.ª.
Há vinte e tantos anos, quando começava a interessar-me pelos problemas ultramarinos, não supunha eu, poderia supor, num exame claro de consciência, que ao fim de vinte anos se teriam efectuado semelhantes transformações além-mar.

O Sr. Carlos Moreira: - Mas eu não nego o que se fez nesses vinte anos; parto antes, pelo contrário, do muito que se fez para o ânimo em que estamos de fazer muito mais, o que é diferente.

O Orador: - Não creio que a questão seja de essência.
Em tudo quanto ao prendo com a administração, o progresso e o desenvolvimento da vida política, social, económica e financeira do nosso ultramar não creio que haja muito mais a fazer, nem sequer creio que se tenha esgotado o conteúdo de possibilidades que o Acto Colonial comportava já antes desta revisão a que estamos a proceder.
Efectivamente todos VV. Ex.ªs se podem recordar ao menos aqueles que têm boa memória - qual era a situação do ultramar no momento em que se promulgou o Acto Colonial.
Fazia-se precisamente a primeira intervenção de carácter constitucional que se julgou indispensável ainda antes do plebiscito da nova Constituição Política. E a razão era esta: a administração financeira de quase todas as colónias tinha chegado a tal desacerto e desconcerto que era absolutamente necessário pôr-lhes termo.

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Todos aqueles que se têm interessado pelos problemas ultramarinos de há vinte ou vinte e três anos a esta parte devem lembrar-se que a moeda de parte das nossas colónias não tinha, em regra, metade do seu valor. Mesmo naquela das províncias ultramarinas que vivem em grande parte do tráfego internacional o valor da moeda decaiu de tal modo que estava multo, mas mesmo muito abaixo, do seu valor facial.

O Sr. Carlos Moreira: - A modo tinha o seu valor; o que não tinha era o valor que devia ter.

O Orador: - Eu também digo que tinha um valor, mas esse valor é que estava abaixo do seu valor nominal.

O Sr. Carlos Borges:- Mas, se não valia nada, não era valível ...

O Orador: - Ora o que se pretendeu em 1930?
Pretendeu-se justamente por cobro a uma situação de desordem financeira que, sem grave risco para a própria integridade do ultramar português, não poderia continuar por muito tempo. E depois, em todos os planos, assumir a responsabilidade de uma herança histórica que se não ignorava constitui uma das maiores razões da nossa vida de nação.
A verdade é que quase tudo quanto foi possível fazer-se com o Acto Colonial durante os vinte e um anos da sua vigência foi uma restauração que tomou, em determinados momentos, aspectos de milagre.
Basta fazer-se a comparação do que era Angola há vinte anos e o que é hoje; o que era Moçambique há vinte anos e o que é hoje, o ver-se, por exemplo, o que significou, a respeito de Moçambique, a integração de todo o seu território na administração do Estado.
Para isso seria necessária uma política financeira e económica segura e firme lá; uma política que pudesse ser colocada a par da política económica e financeira que estava a realizar-se cá.
A passagem do Sr. Doutor Oliveira Salazar pelo Ministério das Colónias teve precisamente por objectivo estudar-se o processo de se fazer aplicar no ultramar as regras de boa ordem quo estavam a ser realizadas na metrópole.
Talvez muitos se não lembrem desses poucos meses da intervenção do Sr. Doutor Oliveira Salazar na pasta das Colónias; e, todavia, se fizermos a história desse período, havemos de reconhecer que ao seu impulso se -----cozi devendo tudo quanto se realizou depois. Até mesmo na legislação, sob todos os aspectos da vida social, económica e política do ultramar, tudo quanto se fez de então para cá, - a Reforma Administrativa Ultramarina, a Carta Orgânica do Império Colonial Português, o Estatuto Político, Civil e Criminal dos Indígenas e o Código de Trabalho dos Indígenas nas Colónias Portuguesas de África, tudo se pode fazer porque tais transformações estavam abarcadas no âmbito dos princípios que fizeram desde então assentes no Acto Colonial.
Várias disposições, como, por exemplo, o não prolongamento do contrato com as companhias majestáticas e outras incluídas implicitamente nas disposições constitucionais tomadas então - quando não estava sequer promulgada a Constituição Política da Revolução Nacional, não podem deixar de se considerar agora decisões que iam, no momento, muito para além ao que poderia prever-se, sabendo-se, demais, que muita gente, entre as pessoas de maior categoria, continuava a considerar impossível a rescisão do contrato com a Companhia do Niassa e a reintegração ao território de Manica e Sofala na administração geral ao Estado.
Pode hoje parecer incrível e inacreditável que houvesse altas personalidades; que considerassem ainda então perigoso que o território então administrado pela Companhia do Niassa fosse integrado na administração do Estado Português, bem como o território de Manica e Sofala. Mas a realidade é que era assim. Quando se discutiu no Conselho Superior Colonial o problema de se proceder à integração do território do Niassa na administração de Moçambique, nessa altura houve uma personalidade, por tantos motivos respeitável - o general Freire de Andrade, antigo governador-geral de Moçambique e que no relatório havia defendido a sua indispensabilidade -, que se bateu por que se prolongasse por mais algum tempo, por não julgar ainda o País em condições de fazer mais do que a Companhia do Niassa estava fazendo - e, no entanto, toda a gente sabe que aquela Companhia quase não fazia ao tempo sendo uma exploração, de facto valiosa, ... de selos de correio, realmente bonitos.

O Sr. Carlos Moreira: - E atirava os indígenas para os territórios vizinhos, por cobrar duas vezes o imposto.

O Orador: - Algumas vezes também assim aconteceria ...
Não pode dizer-se, é evidente, o mesmo da Companhia de Moçambique, que no momento de verdadeira tragédia política a seguir ao conflito luso-britânico de 1890 pode ser considerada como um bom instrumento para, pelo menos, salvaguardar o que as condições financeiras da metrópole e da colónia não permitiam fazer directamente. É assim e toda a gente o sabe.

O Sr. Carlos Moreira: - Seja V. Ex.ª justo, como de costume, e não deixe de referir a ocupação missionária, que foi a principal arma para defendermos os nossos direitos.
Note V. Ex.ª que o não estou a contraditar.

O Orador: - Não haja dúvida. Agradeço até a intervenção de V. Ex.ª, mas não esqueci esse facto, o desejava tratar dele mais adiante. No entanto, para satisfazer o interesse de V. Ex.ª, aludirei a esse ponto, que tinha guardado para mais tarde, e para fazer notar a V. Ex.ª que a ocupação missionária, depois do desaparecimento de tantos estabelecimentos que estavam ocupados em 1910 e que tiveram de ser abandonados depois disso!

O Sr. Carlos Moreira: - Eu referia-me á época do conflito com os ingleses, que era aquela que V. Ex.ª se estava reportando.

O Orador: - Mas entretanto abandonaram-se inteiramente, ou quase inteiramente, à parte beneméritas excepções, que se conhecem. E sabe-se que foi graças às possibilidades criadas com as disposições inovadoras do Acto Colonial - e depois ao Acordo Missionário- que foi possível prosseguir, com um ritmo que não tem precedente no último século, a ocupação missionária do ultramar.
Não há dúvida, de que não cotou em desacordo com V. Ex.ª Ao Acto Colonial se deve o desenvolvimento da ocupação missionária e aos princípios expressos no Acto Colonial se deve a própria Administração ter sido levada a considerar que assim se devia fazer.

O Sr. Carlos Moreira: - Mas é fora de dúvida.

O Orador: - Com isso me felicito, porque, poderia parecer que V. Ex.ª estava em desacordo comigo.

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O Sr. Carlos Moreira: -V. Ex.ª, com os seus argumentos, está a dar-me razão quando entendo que se trata de uma questão essencial e importante.

O Orador: - Não creio que não possa ser sendo o desenvolvimento natural das disposições insertas no próprio Acto Colonial.

O Sr. Carlos Moreira: - Evidentemente. Ninguém pos esse problema.

O Orador: - Muito bem. Mas isso não quer dizer que seja realmente uma revisão essencial, porque ainda não vi que se propusesse em matéria ultramarina fosse o que fosse que não tenha a sua raiz nos princípios assentos no Acto Colonial.

O Sr. Melo Machado:- Então V. Ex.ª entende que não se alteram os princípios já estabelecidos, mas que apenas s desenvolvem.

O Orador: - Exactamente. 0 que há de mais importante na revisão é ser uma integração material no texto da Constituição, que pode ficar como símbolo do maior estreitamente da unidade moral e política da Nação.

O Sr. Carlos Moreira: - Integrar não é rever. Mas V. Ex.ª tem a sua opinião e eu tenho a minha.

O Orador: - Também não faz mal ... Um pouco perdida a linha das considerações que ia fazer para satisfação da curiosidade do Sr. Deputado Carlos Moreira, voltarei a ver se consigo fazer-mo entender, pois não pareceria bem que o Acto Colonial deixasse de ser invocado em determinado momento como texto constitucional vivo, para ser apenas um documento histórico de extrema grandeza. Efectivamente o Acto Colonial foi um instrumento que permitia realizar no ultramar uma das mais profundas e mais largas revoluções da história ultramarina de Portugal e, quero sublinhar, de forma notória Do plano espiritual.
Isto é por certo conhecido de muitos Srs. Deputados de uma maneira especial, visto saber-se que ao menos nas colónias de África nunca em tão pouco tempo se construíram tantos templos com dotações do Estado.
Sabe-se que na Índia, nos séculos XVI e XVII, se construíram templos magníficos e se proeurou por todas as tomas lançar as raízes de uma admirável florescência religiosa. Mas sabe-se também que isso foi devido evidentemente a um quadro político que fazia se naturalizassem portugueses todos os cristãos e, na sua acção, todos os missionários que não eram de nacionalidade portuguesa, mas principalmente como resultado da aplicação das próprias economias dos organismos missionários, o não, como tem sido nestes últimos anos, por dotação expressa do Estado Português ou dos governos das respectivas colónias.
Sobre isso creio que não há a mais pequena dúvida. E mais: nunca como nestes vinte anos se construíram tantas escolas, e tão belas, em todos os territórios das nossas províncias ultramarinas.

O Sr. Carlos Moreira: -V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: -V. Ex.ª mesmo contribuiu.

O Sr. Carlos Moreira: - Perfeitamente certo o que V. Ex.ª ia dizendo relativo aos últimos vinte anos. Mas não esqueça V. Ex.ª que temos de ser justos para com os que travaram as lutas de ocupação dos fina do último século, sem as quais isso não seria possível.

O Orador: - Não era propriamente disso que se tratava o V. Ex.ª deve lembrar-se provavelmente de que eu sou das pessoas menos capazes de esquecer-se desse facto.
Creio ter sido precisamente neste período - 1937 -, e com uma colaboração que tive muito gosto em dar, que se prestou a maior homenagem que se tem prestado aos heróis da ocupação, com a Exposição da Ocupação, erigida no Parque Eduardo VII, que só pode ser feita precisamente porque tinham, sido criadas as condições indispensáveis para ela ser entendida pelo Estado e pela Nação.
Tenho na minha modéstia natural qualquer coisa que se aproxima do orgulho pelos anos que levei a estudá-la e pelos meses que levei a procurar contribuir para que essa exposição se erguesse.
Creio também que alguma coisa então se ficou sabendo, mas é preciso ir mais longe o fazer como se fez nessa exposição: uma sondagem mais profunda no tempo para compreender como se fizera tanto o como, antes dos homens da ocupação, se havia esquecido quase tudo. Então se demonstrou precisamente que por alturas de 1890 se sabia menos do ultramar e dos direitos de Portugal em África do que nos fins do século XVIII.
Foi preciso recomeçar o que já em determinada altura estava feito; e, afirmando-o, não deixo de prestar homenagem aos homens que tornaram possível fazer-se em África como terra de Portugal.
Somente o que me seguiu depois com o Acto é muito mais do que aquilo que se pudera fazer até então.
Quando nós hoje passamos a vista pelo que era a nossa Guiné há vinte anos e o que ela é hoje uma mancha escura, desconhecida, do povos que se não entendiam, o no fim se transforma numa escola de estados superiores em que aprendera estrangeiros; quando relembramos que a capital de S. Tomé era uma grande aldeia e que hoje é uma nova cidade magnífica; quando, chegando a Angola, víamos as pequenas cidades lindíssimas sempre, que faziam irresistivelmente lembrar as pequenas cidades do litoral da metrópole e as encontramos hoje engrandecidas nos documentários cinematográficos, e Luanda uma grande cidade que se enobrece dia a dia; quando chegamos a Moçambique e sabemos que se pode atravessar esta província de lés-a-lés, sem tropeços com autoridade que não seja portuguesa, sem nunca se ter dúvidas de que ao está em Portugal, o se verifica como o que se fez, o foi tanto, se pode fazer devido ao impulso dos princípios exarados no Acto Colonial, pareceria mal que, ao proceder-se à sua integração o à sua revisão, se esquecesse o grande período de vinte anos de ressurgimento das nossas actividades ultramarinas e da restauração da consciência imperial do País, que se fez lá e se fez cá.
Era indispensável que se prestasse esta homenagem a esse diploma e ao Homem que, não julgando bastante o que fez na Administração e na restauração, em todos os aspectos da vida portuguesa da metrópole, ainda quis ir ao Ministério das Colónias por alguns meses, para que fosse alargado ao ultramar o grande impulso renovador que transformou a Nação.
Tenho dito.

Vozes : - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Miguel Bastos:- Sr. Presidente: entre todos os problemas que preocupam a consciência nacional, e, portanto, a atenção e o estudo desta Assembleia - e não são, poucos nem pequenos no nosso inquieto Mundo, tão agitado de incertezas, penso que são os problemas ultramarinos que têm, por direito próprio, um lugar de natural primazia.

É, certo que a Nação Portuguesa existiu entes da sua expansão no além-mar, mas foram indiscutivelmente

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os Descobrimentos que ganharam para nós as esporas de ouro de cavaleiros da civilização, que revelaram a nossa missão no Mundo, que nos impuseram a marca diferenciada e inapagável de um expansionismo sul generis, que passou a ser a característica mais notável do nosso próprio ser nacional.
E tão profundamente o sentimos e vivemos que, através de todas as crises, desde as que agitaram por vezes a própria existência e liberdade da Pátria, até aos dissídios interiores que nos dividiram, a uma ideia fomos sempre igualmente fiéis: à da expansão do mundo português, que o mesmo é dizer, por outras palavras, à da missão civilizadora no ultramar.
Que extraordinário instinto de um povo respondendo à providencial missão que lhe foi confiada!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A fase dos Descobrimentos sucedeu-se a da ocupação militar, com uma vibração nacional que conseguiu sacudir o marasmo da vida portuguesa de então; veio depois a ocupação administrativa e económica desses territórios, já nos nossos dias.
Passou, é certo, a fase épica da nossa intervenção em África, mas nem por isso é menos notável e importante o fenómeno ali processado nos últimos quarenta anos, e, se já não brilha ao sol de Moçambique a espada heróica de Mouzinho, são grandes centros urbanos, enormes explorações agrícolas, uma actividade extraordinária e um ritmo de trabalho produtivo, sem comparação comi o de qualquer outra época anterior, o que hoje se presenceia em todo o ultramar português, muito especialmente em qualquer das duas nossas grandes províncias ultramarinas de Angola e de Moçambique.
Luanda, Lourenço Marques, Beira, Nova Lisboa e Lobito, para só citar algumas, são grandes cidades de África, com todos os requisitos de cidades modernas, com uma grande população branca, magnífica assistência médica e, para além de tudo, segundo estou informado, com características tão acentuadamente portuguesas que bem podiam existir em qualquer ponto da metrópole.
A administração pública portuguesa dos últimos vinte anos contribuiu poderosamente para este grande desenvolvimento, saneando financeiramente as colónias, dando o exemplo do trabalho ordenado e metódico, dirigindo sabiamente, com segurança e com prudência, o estudo dos grandes problemas que mais directamente lho interessam.
Apoiados.
Também «e tem feito muito no sentido da divulgação do nosso ultramar, mas é preciso ainda que se faça mais e melhor para tornar Portugal conhecido e amado dos portugueses. E um pouco paradoxal que tenhamos em África, de um modo geral, uma crise de mão-de-obra em quase todos os aspectos da actividade económica, enquanto assistimos no Alentejo a essa grave e dramática situação dos trabalhadores rurais, que praticamente se vem arrastando há anos, apesar de toda a boa vontade dos particulares e do Governo, interessados em debelá-la. Será naturalmente necessário criar as condições que tornem possível a colocação em Angola e Moçambique de alguns milhares de portugueses; será talvez conveniente ir corajosamente para a intervenção do Estado na criação dessas condições mínimas, pois suponho que isso pode e deve mesmo fazer-se.
Se olharmos especialmente ao aspecto económico das actividades ultramarinas, ainda melhor se compreenderão o relevo, a importância e a influência da vida e administração desses territórios em toda a economia do País.
Durante a segunda guerra mundial e no período confuso que imediatamente se lhe seguiu foi notável a ajuda que em géneros essenciais nos deu o ultramar, as mais das vezes sacrificado patriòticamente ao bem da Nação o legítimo lucro que esses produtos alcançariam no mercado internacional.
Sacrifício necessário e, portanto, legitimamente exigível, mas que nem por isso e menos de salientar e de agradecer.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O ultramar português foi, pois, o nosso passado glorioso, é o nosso glorioso presente, e tudo impõe que seja o nosso futuro de engrandecimento, no rumo nunca perdido da nossa vocação universalista e cristã.
Por pensar assim é que intervenho neste debate, não porque ignore a pobreza da contribuição que posso dar ao estudo dos problemas em causa (não apoiadas) e a proficiência com que eles serão tratados por outros ilustres oradores, mas apenas para vincar essa faceta do profundo interessse que me merecem todos os aspectos relacionados com as linhas gerais do problema ultramarino.
Perdoe-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, e perdoem-me os ilustres colonialistas que têm assento nesta Assembleia se a boa vontade e o estudo não supriram, como é natural que aconteça, as deficiências do expositor.
E entremos propriamente na apreciação, na generalidade, da proposta apresentada pelo Governo de alteração ao Acto Colonial.
Sr. Presidente: a inclusão do texto do Acto Colonial na Constituição Política é, segundo me parece, orientação que todos aplaudem.
Tal acto representa a consagração da unidade política da Nação, efectivamente existente, mal pareceu do até que do diploma fundamental da nossa vida política não constassem as regras legais da administração da maior parte dos nossos territórios - os do ultramar.
Fazendo-o, propõe o Governo a primeira alteração substancial àquele texto com a redacção dada ao artigo 3.º da proposta, segundo o qual «os territórios ultramarinos de Portugal indicados nos n.ºs 2.º a 5.º do artigo 1.º denominam-se genericamente «províncias», com organização político-administrativa adequada à situação geográfica e às condições do meio social».
Como facilmente logo se alcança, o primeiro objectivo da modificação consiste em fazer substituir por «províncias ultramarinas» o termo «colónias» até agora adoptado.
Parece justo afirmar inicialmente a vantagem evidente da substituição proposta num momento em que uma opinião pública internacional mal esclarecida confunde tão amiúde o fenómeno da colonização com o da sujeição de povos atrasados e se bate tão desorientadamente pela autonomia de certas regiões.
A colonização portuguesa fez-se, mais do que qualquer outra, em profundidade, de tal modo que os territórios de além-mar, em vez de apresentarem as características de países novos incipientes, como sucedeu com frequência na colonização ensaiada por outros povos, têm demonstrado em todas as manifestações da ética e da estética uma marcada influência da nossa civilização e mais especificamente da nossa mentalidade e maneira de ser.
Nós não possuímos colónias; nós somos, com o ultramar, uniu só nação.
Sendo, como é, esta a realidade dos factos e tendo, como devemos ter, a preocupação ide fazer uma política realista, baseada na verdade desses factos e nas constantes da História, em nome de que princípios deve-

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ríamos ficar amarrados a nina designação que o presente tornou equívoca e perigosa? Porque mão fazer ao contrário, como pretende o projecto em discussão, uma corajosa afirmação da nossa unidade no Mundo, que tão grato deve ser aos portugueses que vivem e trabalham nessas distantes províncias de Portugal?
E verdade que a modificação, como bem se observa no lúcido parecer da Câmara Corporativa, trará inconvenientes, mas estes mão me parecem de grande peso.
Se é de admitir que o termo «províncias» tem no nosso direito administrativo uma acepção própria, que se não coaduna com a dos territórios do ultramar, também é verdade que a designação de «ultramarinas» lhes dá a qualificação necessária para as não confundir com as províncias metropolitanas em que se divide o País na Europa.
A necessidade de encontrar uma outra designação para as actuais províncias da divisão administrativa das colónias também se me afigura uma dificuldade de somenos, que o termo «distritos», sugerido pela Câmara, preenche perfeitamente.
Fica a maior objecção, a que consiste em considerar um verdadeiro terramoto administrativo essa substituição, que deixaria sem base tudo o que nas leis e no Governo se apelida hoje em dia colonial.
Salvo o devido respeito que devo sentir - e na verdade sinto - pelo parecer da Câmara Corporativa, este argumento impressiona-me muito ao de leve.
E manifesto que o Governo, após a aprovação do seu projecto de lei, teria ou terá de providenciar no sentido de ajustar as realidades à nova ordem de coisas e nessa providência legislativa será o lugar próprio para fazer, ou por enumeração directa ou por forma genérica, a. mudança de designações correspondentes.
Que o Conselho do Império Colonial se passe a denominar Conselho Ultramarino, que o Ministério das Colónias seja do Ultramar, que a Escola Superior Colonial se conheça por esse nome ou pelo de Escola Superior Ultramarina, eis aí questões de pormenor, maçadoras, sim, por importarem a quebra do hábito e imporem uma regulamentação fastidiosa, mas longe, felizmente bem longe, de constituírem um impedimento ao que se propõe. Naturalmente que se não terá de ir ao ponto de modificar em cada uma das disposições legais os termos actuais; o intérprete o fará com segurança, em obediência a preceitos gerais e de harmonia com as alterações introduzidas, que, repete-se, são unicamente de nomes, porque a realidade, neste aspecto, continua a ser a mesma.
Dou, por isso, o meu voto na generalidade a esta inovação proposta.
Não o dou da mesma forma à sugestão da Câmara Corporativa. Apesar de se tratar de uma lei fundamental e por isso mais genérica, não me parece feliz a designação de territórios ultramarinos, demasiado vaga e imprecisa, sem nenhuma das vantagens que apontamos para a escolha do termo «províncias». Afigura-se-me de discutível vantagem deixar para as leis ordinárias a resolução do problema e ainda mais infeliz criar uma série de designações, conforme os territórios a que se diga respeito, entendida, como entendo, a proposta no sentido de que com ela se pretende obter uma designação genérica, sem afectar a designação especial que já tenham ou possam vir a ter determinadas províncias do nosso ultramar. É o caso, por exemplo, já hoje existente com o Estado da índia.
Sr. Presidente: o segundo aspecto que me impressiona na proposta de lei em discussão é aquele a que a Câmara Corporativa chama, com propriedade, o da desintegração do Ministério do Ultramar, pela passagem de alguns serviços ultramarinos para a dependência dos
Ministérios que gerem serviços idênticos ou análogos na metrópole.
O problema é cheio de dificuldades e suponho que qualquer afirmação extrema, feita num ou noutro sentido, pecará por excesso.
Tem de reconhecer-se que essa desintegração, feita neste momento, provocaria resultados altamente prejudiciais. Realmente, a diversidade das questões metropolitanas e ultramarinas, o conhecimento necessário do meio onde essas questões se situam e onde se têm de resolver, exigem conhecimentos específicos, que dificilmente encontrariam satisfação em departamentos do Estado que têm vivido alheios, ou pouco menos, à sua problemática.
Além disso, essa atitude significaria a adopção de um processo assimilador de imediata extensão, inadequado em relação a territórios em diverso grau de desenvolvimento, com populações de nível muito diferente.
E necessário imprimir, por enquanto, às províncias ultramarinas uma orientação única; na prática não pode deixar de ter-se em conta que os governadores coloniais precisam de ter um ponto de apoio governativo, traduzido naturalmente num comando singular, que esteja em condições de lhes ditar uma orientação definida, a, que há-de subordinar-se o seu plano geral de governo. No estado actual das províncias ultramarinas seria por demais instável a situação de um governador obedecendo às directrizes impostas por vários Ministérios, actuando cada um deles em vista a soluções parcelares unicamente interessando à respectiva pasta. Poderia obviar-se a esse inconveniente sujeitando-os directamente à Presidência do Conselho, mas cabe também aqui perguntar até que ponto isso seria exequível no plano das coisas práticas.
Por outro lado, não custa aceitar que esse sentir de assimilação integral se mantenha e até afirme no domínio das aspirações, considerado como meta para a qual naturalmente caminhe o nosso esforço, o nosso trabalho, o nosso plano de acção ultramarina.
Ora, quando o projecto em causa afirma, no seu artigo 29.º, o princípio da superintendência do Governo na administração ultramarina por intermédio dos órgãos que a lei indicar, mais não faz que proclamar um princípio, decerto sem o propósito de precipitar uma realização total que seria de momento nefasta.
E certo que os serviços militares estão já na dependência directa do respectivo Ministério da metrópole, mas daí a pensar-se que irá seguir-se, igual critério para os outros serviços públicos vai uma distância considerável. Aqueles são serviços especializados, sujeitos a uma disciplina própria, com objectivos a atingir que, talvez, só na unidade de um comando e no conjunto de uma organização possam ser satisfeitos. Com efeito, a defesa nacional tem de situar-se necessariamente num plano de conjunto e mal se compreende que nas circunstâncias actuais se fiasse apenas da solidariedade o que só na unidade encontra a sua plena expressão.
Não acontece, porém, o mesmo com os serviços administrativos, de instrução, de saúde e tantos outros, que encontram na diversidade das condições do seu exercício e dos meios em que actuam o condicionalismo da sua própria organização e funcionamento.
Julgo que de momento o que seria aconselhável era uma reforma do Ministério do Ultramar, que vem trabalhando em regime de congestão, de modo a criarem-se no próprio Ministério as especializações que pudessem ficar em condições de uma mais eficiente direcção, por parte do Governo Central, das dificuldades que estão continuamente surgindo aos governos ultramarinos.
Depois, à medida que cada um dos territórios ultramarinos fosse marcando uma expressão mais acentuada

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de desenvolvimento, uma fase mais particular de assimilação; à medida que o tempo, moldador de todas as coisas, fosse ditando a necessidade de uma administração mais semelhante à metropolitana, no todo ou em determinados sectores, se iria fazendo o ajustamento mais adequado e perfeito ao governo e administração desses territórios.,
De qualquer modo, a verdade é que a proposta não contraria nenhuma dessas soluções, e eu tenho confiança - como certamente a tem esta Assembleia - de que o Governo usará nesta matéria a prudência, a segurança e a alta visão dos interesses nacionais que têm caracterizado a gestão das coisas públicas em Portugal nos últimos vinte anos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por estas razões, dou também a minha adesão, neste particular, à proposta governativa de que nos estamos ocupando.
Sr. Presidente: prosseguindo, logicamente, na realização do seu pensamento de unidade nacional, propõe o Governo a redacção do § único do artigo 34.º segundo a qual se facilitará, dentro de todo o território nacional, a livre circulação dos produtos, com vista a obter a integração da organização económica do ultramar na organização económica geral da Nação Portuguesa e, através desta, a sua comparticipação na economia mundial.
Dada a relevância que o económico tem em todos os aspectos da vida moderna, é evidente que uma proclamação de unidade política pouco mais significaria que uma mera afirmação teórica se não fosse acompanhada, no terreno das realizações práticas, por uma verdadeira assimilação económica dos territórios ultramarinos.
Isso se pretende com a proposta governativa e, por mim, não escondo a minha- satisfação e o meu aplauso.
Não sou um técnico de problemas económicos. Se o fosse talvez pretendesse até esquecer um pouco os rigores da técnica para emitir o meu voto nesta Assembleia política.
O que todos sentem no momento que hoje se vive é que é necessário aumentar no possível a riqueza do País, facilitando a produção, tornando acessíveis as matérias-primas, estimulando a iniciativa privada, e, diminuindo o custo da vida, aumentar o nível desta.
O homem vive assediado hoje de gravíssimos problemas, muitos dos quais mascarados com teorias pretensamente renovadoras do próprio estilo da vida em sociedade, mas no fundo é o problema da própria subsistência que está condicionando o desenvolver dos
acontecimentos no Mundo.
Tem-se visto claramente como nos países da Europa Ocidental, que saíram da tremenda crise da guerra com importantes partidos comunistas, a força destes partidos, apesar de um inegável apoio exterior, baixa constantemente à medido, que renasce, floresce e se revigora a sua actividade económica.
Também nós sempre o sentimos; o económico e o social têm estado no primeiro plano das realizações do Estado Novo, como ainda há pouco bem ficou salientado na discussão, perante esta Assembleia, da execução da Lei de Reconstituição Económica.
Têm estado e continuam a estar. Não para colher os frutos de uma popularidade fácil, mas no cumprimento de princípios que foram de início claramente definidos e têm tido escrupulosa satisfação.
Esta tem sido a luta do Governo. Esta é em grande medida a nossa própria luta.
E a esta luz que eu analiso a proposta em discussão.
Parece-me inegável que, laborando a indústria nacional várias matérias-primas do ultramar, a livre circulação dessas matérias-primas há-de facilitar e embaratecer a produção nacional, principalmente tendo em vista o esforço para a industrialização do País que se está fazendo.
Não se compreende também que as províncias ultramarinas não tenham praticamente acesso a certos produtos nacionais, como acontece com o vinho engarrafado e as conservas de peixe, pelos preços a que ali são vendidos, e que paguem a preços exagerados outros produtos da indústria portuguesa, tais como os tecidos, onerados, como todos são, pelos impostos alfandegários. Tem-se assim reduzido fortemente o poder de compra de um mercado interno que se me afigura já de si notável e que está em constante progressão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quando falo em livre circulação de produtos não perco de vista que a palavra «liberdade», para não cair na licença e na desordem, que são as próprias negações dela, precisa de ser condicionada de modo a que se não perca o fim da sua própria utilização. Penso que ninguém desejaria que neste aspecto o Estado se demitisse da sua função, já hoje essencial, de dirigente económico, para assistir, na prática, passivamente a resultados social e economicamente indesejáveis. Admito que em certos casos concretos, em especial no que se refere à concorrência industrial entre as províncias ultramarinas, o princípio tenha atenuações ou mesmo casos de excepção. O que eu aplaudo é a implantação da regra, e as excepções só servirão para a confirmar.
Se certos produtos que a indústria nacional está laborando podem ficar ao País mais baratos com a livre circulação das matérias, faça-se a modificação.
Se dessa liberdade de trânsito resulta que os portugueses do ultramar possam adquirir por menor preço os artigos de que necessitam para viver e os instrumentos de que carecem para aumentar a sua actividade, faça-se depressa a modificação.
O interesse nacional está no aumento da riqueza produtiva do País.
É esse interesse que a Nação tem o direito indiscutível de ver sempre proclamado.
Claro que nada disto se faz de um jacto.
O projecto prevê, e, a meu ver, muito bem, que a redução ou suspensão dos direitos aduaneiros se faça gradualmente, para permitir a quem comanda a adopção lenta do novo sistema.
E manifesto que esta orientação tem de ser acompanhada com a gradual modificação do regime de trânsito das pessoas e da circulação dos capitais.
Eis por que, ainda neste aspecto, dou a minha adesão ao projecto governativo.
Sr. Presidente: vou terminar, pois não quero cansar mais a vossa benévola atenção.
Não apoiados.
Várias outras disposições contém o projecto em análise, a que não me referi por me parecerem de menos importância; aliás, elas estão todas tratadas no excelente parecer da Câmara Corporativa e serão certamente objecto do proficiente estudo dos ilustres Deputados que intervirão neste debate.
O que mais me impressionou, e quis por isso salientar, foi a esplêndida afirmação de unidade nacional que no projecto se faz e a que dou a minha inteira adesão.
Unidos, nós somos um grande Império no Mundo, não no sentido da dominação e da força, mas no sentido espiritual, porque este grande Império, ao con-

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trário de todos os outros, foi construído mais com a Cruz do que com a Espada.
Esse o mérito inigualável da nossa acção; essa a razão principal do nosso êxito, porque tudo o que se constrói sobre as verdades eternas tem a garantia de sobreviver às forças do mal.
Eu creio nessa sobrevivência, como creio que através da nossa acção ultramarina, cada vez mais forte, mais ajudada, mais compreendida, se fará melhor e maior Portugal.
A crise dos nossos dias é principalmente uma crise de tibieza e de descrença.
Crendo, mas crendo verdadeiramente, nos altos princípios morais que nos orientam, vivendo esses mesmos princípios - porque crer é tanto oração como acção, é tanto acreditar como viver -, nós estamos batendo o inimigo da nossa civilização no mais íntimo das suas fileiras: na sua esperança quase confessada, mas frustrada, do nosso desânimo e fraqueza.
E termino com um desejo, que não chega a ser uma sugestão:
Que bem ficaria, Sr. Presidente, numa dessas grandes e soalheiras praças de Lisboa, cabeça do nosso Império, talvez em frente desse Palácio do Ultramar que o Governo nos promete construir, perpetuado no bronze e cinzelado no mármore o esforço secular da Raça no desbravamento da selva, na conquista das almas - o militar, o missionário, o funante, o funcionário, o colono, todos juntos, irmanados na grandeza da História, de uma história que eles escreveram com o seu sangue e estão escrevendo ainda com o seu trabalho e o seu sacrifício.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar os trabalhos. Amanhã haverá sessão, à hora regimental, com a mesma ordem do dia de hoje. Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Pereira de Sousa da Câmara.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Henrique dos Santos Tenreiro.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Ricardo Malhou Durão.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Herculano Amorim Ferreira.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Cardoso de Matos.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pinto Meneres.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Lopes de Almeida.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Teófilo Duarte.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

Propostas enviadas para a Mesa pelo Sr. Deputado Mendes Correia:

Proponho que ao artigo 3.º da proposta de lei sobre o Acto Colonial se adicione o seguinte parágrafo:

§ único. O arquipélago de Cabo Verde será oportunamente integrado no sistema da administração metropolitana.
Enquanto não for possível atingir o mesmo objectivo final em relação a outros territórios ultramarinos, poderá o Governo, para alguns deles, adoptar parcialmente o dito sistema, desde que o julgue conveniente para determinados sectores de administração.

Proponho que o artigo 7.º-B da proposta de lei sobre o Acto Colonial tenha a seguinte redacção:

Atendendo ao estado de evolução das várias populações dos territórios ultramarinos, haverá, quando necessário, estatutos especiais que estabeleçam para elas, sob a influência do direito público e privado português, regimes jurídicos conformes com os seus usos e costumes que não sejam incompatíveis com a moral, com os ditames de humanidade ou com o livre exercício da soberania portuguesa.

Proponho que o artigo 10.º da proposta de lei de alteração da Constituição Política inclua, entre os parágrafos do artigo 72.º desta última, mais o seguinte:

Uma vez apresentadas e aceites as candidaturas, o Governo tomará, dentro da lei e com a maior imparcialidade, as providências necessárias para impedir que a discussão pública sobre os candidatos resvale na difamação, no insulto e no desrespeito, incompatíveis com o prestígio indispensável das altas funções que o eleito virá a desempenhar.
Proponho que ao artigo 29.º da proposta de lei sobre o Acto Colonial seja adicionado o seguinte parágrafo:
§ único. O Governo apresentará à Assembleia Nacional no inicio de cada sessão legislativa um relatório da administração do ultramar correspondente ao ano anterior.

O Deputado, António Augusto Esteves Mendes Correia.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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