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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 96

ANO DE 1951 12 DE ABRIL

ASSEMBLEIA NACIONAL

V LEGISLATURA

SEESSÃO N.º 96, EM 11 DE ABRIL

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Meio e Castro

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão ás 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado, com alterações, o Diário das Sessões n.º 95.
O Sr. Presidente informou estar na Mesa para os efeitos do §3.º do artigo 109.º da Constituição, o Decreto-Lei n.º 38:218.
Deu-se conta do expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Ribeiro Cazaes, Ricardo Durão e Magalhães Ramalho, este para enviar à Mesa um requerimento, dirigido ao Ministério da Economia acerca da industria siderúrgica em Portugal.

Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei de revisão constitucional.
Usaram da palavra os Srs. Deputados D. Maria Correia Botelho, Cortês Pinto, Manuel Domingues Basto, Manuel Lourinho, Sousa Meneses, Sousa Rosal e Castilho Noronha.
O Sr. Presidente encerrou a sessão ás 19 horas e 29 minutos.

O Sr. Presidente:- Vai proceder-se á chamada.

Eram 15 horas e 53 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
António Pereira de Sousa da Câmara.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.

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Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Galvão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José Pinto Meneses.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca
Manuel Domingues Beato.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 80 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas o 10 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º95.

O Sr. Duarte Silva: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer as seguintes rectificações ao Diário das Sessões em reclamação:
A P. 793, col. 1.ª, 1. 60.ª, onde se lê: "Mas, se em vez de se verificar num determinado sector ela apenas abranger ... ", deve ler-se: "Mas, se em vez de se verificar num determinado sector apenas, ele abranger, ... ".
A p. 795, col. 1.ª 1.44.ª, onde se lê: "se sente absolutamente no meio", deve ler-se: "e sente absolutamente no seu meio".

O Sr. Jacinto Ferreira:- Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer a seguinte rectificação ao Diário das Sessões n.º95:
A p. 791, col. 1.ª 1.45.ª, onde se lê: "explorações", deve ler-se: "explosões".

O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado, deseja usar da palavra, considero aprovado o Diário das Sessões n.º 95 com as rectificações apresentadas.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição encontra-se, na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, o Diário do Governo n.º 67, de 6 do corrente, que insere o Decreto-Lei n.º 38:218.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

De cento e quarenta universitários monárquicos de Coimbra apoiando os discursos dos Srs. Deputados Caetano Beirão, Cancela de Abreu e João Ameal acerca da reforma constitucional.
Vários de Alter do Chão, felicitando o Sr. Deputado Santos Carreto polo seu discurso referente à reforma constitucional.
Numerosos da província de Moçambique dando apoio ao pedido do Sr. Deputado. Mascarenhas Gaivão relativo á suspensão, das novas pautas aduaneiras.
De Lima comissão de habitantes de Tresouras, concelho de Baião, apoiando as considerações do Sr. Deputado Carlos Moreira para anexação daquela o outras freguesias ao concelho de Mesão Frio.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Ribeiro Cazaes.

O Sr. Ribeiro Cazaes: - Sr. Presidente: já por várias vezes tem sido criticada na Assembleia Nacional a acção da censura à Imprensa.
0 que nesta sessão legislativa se ouvia a tal respeito foi motivado pela atitude do Sr. Deputado Daniel Barbosa perante o facto de a censura, parecendo haver ultrapassado a sua missão, não ter permitido que fosse publicado integralmente o que em certo momento aqui dissera, atribuindo-se, por isso, a esse ilustre homem público o propósito de não voltar a esta Casa.
Pela alta consideração que tributo ao Sr. Engenheiro Daniel Barbosa, figura prestigiosa do Estado Novo (apoiados), que o País sempre soube apreciar pelas suas muitas virtudes o excepcionais qualidades de exemplar servidor do bem comum e para quem os homens de 26 olham com o maior respeito e gratidão confesso que profundamente me impressionou a atitude que a S. Ex.ª atribuíam.
Quando ora mais novo segui por vezes esse rumo. E como eu alguns homens da minha geração assim procederam também.
A experiência cedo me mostrou que não era esse o melhor caminho.
Para o lugar vago não tardava que, serpentineamente, rastejasse alguém, cuja presença, quase sempre, jogo nos fazia arrepender da atitude tomada.
Agora não era o mesmo caso, mas penso ser útil aproveitar esta oportunidade para afirmar que a melhor garantia de podermos passar a nossos filhos o facho que empunhamos é não, arredarmos pé do posto que nos for confiado, mesmo que os ventos nos castiguem duramente, rasgando as nossas vestes ferindo a carne, perturbando os sentidos.
Se se trata de homens como o Sr. Engenheiro Daniel Barbosa, cujo nome sempre empresta altura ao lugar em que se encontra, mais imperioso é o dever de "estar", de estar sempre, firmemente, verticalmente, contra tudo

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e contra todos, mesmo resistindo ao que dentro de nós pode erguer-se a pretender abalar-nos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, certamente, aqui voltou já a esta Casa, depois do muito que se dissera, o ilustro Deputado Sr. Engenheiro Daniel Barbosa. Honra lhe seja!
Sr. Presidente: a opinião pública não deixou de interessar-se por este passo da vida da Assembleia Nacional, e, por isso, sinto o dever de sobre o assunto fazer algumas considerações.
Eu bem sei que este motivo da opinião pública fará sorrir certa gente, sobretudo aqueles que, subindo a escada da vida, não são capa/es de olhar para trás com receio das vertigens e caminham de olhos nos pés, com grave prejuízo das missões que lhes estão confiadas...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... confundindo, lamentavelmente, o que às élites pertence, em conformidade com o espírito da Revolução Nacional, com o que a toda a Nação é devido.
Haverá até, talvez, censores que não compreendam este dever que me imponho e desejem ver trabalhar o lápis azul sobre as minhas palavras, convencidas, porventura, da sua acção purificadora da língua e da doutrina.
Estou certo, todavia, de que não sairá da minha boca qualquer frase que aqui há um lustro merecesse reparos a quem iniciou a marcha da Revolução Nacional.
Então a censura à imprensa era efectuada por homens que serviam, aí também, a Ordem Nova, não era um órgão do Poder Executivo, não constituía um cargo burocratizado de funcionários, comandava-a o espirito que norteava os homens de 26.
Procurava-se, nessa época já distante, com a censura à imprensa evitar o alarme e inquietação das populações, a desorientação causada pelo quê se dizia e pelo que se inventava, a exploração de casos tristes e miseráveis que alimentassem a morbidez doentia de espíritos desequilibrados ou tortuosos, ferissem ou desencaminhassem as almas simples.
Por vezes, um ou outro indivíduo alcandorado alugar de chefia desejava, ou procurava mesmo impor, a eliminação de certas notícias ou comentários; mas encontrava sempre pela frente quem, portador do facho da Revolução, não curvava a cerviz, não obedecia a imposições de tal natureza, certo de que transigir seria desobedecer a ordens vindas de mais alto.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Este o elevado conceito da virtude da obediência, que vivia enraizado na alma dos Cavaleiros do Ressurgimento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E por isso se verificou o afastamento de alguns e se intensificou, feita por outros, a guerra sem quartel à censura à imprensa.
Para ilustrar o que acabo dizer, recolho dás notas do Meu Diário um episódio passado há anos, que já muitos esqueceram e outros desejavam, talvez, que não se recordasse - pelo menos por enquanto.
Estreitava-se, por todas as formas, a ligação entre os vermelhos espanhóis e portugueses. Azafia e seus acólitos não eram estranhos a tais manobras, que tendiam a transformar a península em fulgurante farol da chamada «liberdade», alimentado pelos incêndios das igrejas de Portugal e Espanha.
Nas ilhas, a revolução, levada a cabo por antigos políticos, parecia triunfar, e, no continente, as suas hostes preparavam-se para encetar a marcha, organizando as vanguardas, principalmente, com estudantes dos cursos superiores.
Laços, dia a dia mais estreitos, ligavam os vermelhos de cá e de lá. E, talvez porque a vitória parecia sorrir-lhes, resolveram sair à liça com uma farsa, que impressionasse as turbas, levando os rubros estudantes espanhóis a sua impertinência ao ponto de desejarem entrar em Portugal, em vistoso espectáculo, como portadores do azeite das oliveiras de Espanha, pura alimentar o lampadário do túmulo do Soldado Desconhecido da Batalha.
Resolvi intervir, protestando contra tal atitude, num pequeno eco publicado no jornal Diário da Manha.
Esse protesto, que, afirmava se então, contribuíra para cortar cerce as vermelhas ligações, foi transcrito e comentado por muitos jornais portugueses e estrangeiros, mas o censor que permitiu a sua publicação foi censurado por esse facto e... pouco tempo mais pôde continuar a exercer essa missão.
Aproveito esta oportunidade para, publicamente, testemunhar a esse servidor os meus protestos de gratidão e de respeito pela sua atitude de verdadeiro soldado da Revolução Nacional.
Estou convencido de que hoje a censura à imprensa, embora articulada em molde mais diciplinador, tem a animá-la o mesmo espírito de há vinte e cinco anos e que não faltam ali servidores como o que acabei de referenciar.
E, pensando assim, continuo a ser partidário da existência da censura à imprensa, como elemento indispensável de paz interna, como órgão imprescindível do comando (sobretudo neste sombrio tempo em que vivemos) para a boa condução da nau no mar encapelado da vida, contrariamente à opinião dos muitos que desejam vê-la acabar ou substituída por um tribunal ou lei com especiais características.
É que a experiência ensina-nos não haver possibilidade de remediar o mal que certas noticias podem causar e que há sempre quem não receie sanções, por mais duras que sejam, até porque ser alvo delas pode ser o fim desejado de escuras manobras, ou ambição suprema de certos espíritos.
Eu bem sei que do subsolo se ouve apodar frequentemente a censura à imprensa de arcabuz ou mascarilha, mas não é difícil, demonstrar que à sua sombra vivem e medram muitos interesses estranhos, a quem verdadeiramente cabem as acusações e malefícios que àquele organismo são imputados.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É bem elucidativo a tal respeito o caso referenciado na nota oficiosa da Presidência do Conselho de 16 de Julho de 1934.
O n.º II desse documento, com o título «Uma entrevista e a censura», abre assim: «... uma entrevista que o ditador não deixou publicar no Primeiro de Janeiro, do Porto...».
Assim falou o Sr. Dr. Afonso Costa numa entrevista concedida a um jornalista brasileiro.
A tais palavras foi respondido com a transcrição da nota enviada, sobre o assunto, pela censura do Porto à direcção-geral respectiva e que diz, textualmente, o seguinte:

Como esclarecimento interessante, comunico a V. Ex.ª que me foi pedido há dias pelo Primeiro de Janeiro um tratamento especial para este artigo - o de eu cortar o artigo sem que me fosse enviado é duplicado e triplicado -, por, na opinião

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daquele jornal, o artigo ser de tal constituição que só poderia ser prejudicial à causa dos políticos antigos, mas, não querendo ou não convindo ao jornal fazer censura por conta própria em virtude de estar a ser assediado por correligionários para a sua publicação, nem tão-pouco que fosse divulgado nas esferas oficiais e na própria tipografia o conteúdo da entrevista, assim me pedia esse favor.

Julgo não haver necessidade de fazer quaisquer comentários.
Essa nota oficiosa é um notável documento histórico da vida da Revolução Nacional e o seu fecho surge sempre no meu espirito quando o céu azul da nossa terra se turba prenunciando tempestade.
Seja-me permitido relembrá-lo:

Notou-se bem? Três afirmações; pelo menos seis falsidades.
E em tudo mais é assim.

Estas palavras duras, incisivas, definem, de maneira iniludível, o norte da política de verdade que sempre tem animado os servidores da Revolução Nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E é nesse mesmo sentimento de luta pela verdade que procuro alicerçar as minhas considerações a propósito do que em redor da censura à imprensa se passa na nossa terra.
Não se julgue, todavia, que, ao relembrar o caso passado há já muitos anos com o Primeiro de Janeiro, tenho em mira afectar a imprensa, e, em particular, esse jornal.
Todos conhecem as insuperáveis dificuldades que a imprensa portuguesa se vê forçada a suportar e a vencer sem curvar a cerviz.
Dirigida por homens dignos da maior consideração, a alguns dos quais me prendem laços de velha e sólida amizade, a imprensa do País sabe melhor do que ninguém que há, por detrás da censura e dos jornais que dirigem, forças estranhas que nem sempre é possível esmagar.
E não é à censura ou aos jornalistas da nossa terra que alguém, honestamente, pode acusar de carcereiros da liberdade do povo.
Quantas, quantas vezes temos verificado a complacência com que a censura e os nossos jornais permitem a exibição de fantoches, envoltos em manto de duvidosa cultura e intelectualidade, contorcendo-se em atitudes impudicas e bolsando palavras que procuram exprimir ideias ou sentimentos, com que buscam envenenar o que há de sagrado na alma da gente portuguesa!
Mas pior do que estes «esguichos» de liberdade é o que se não diz abertamente, cara a cara, e se segreda nas encruzilhadas da vida, olhando em redor, com gestos de fingido receio, acompanhados da advertência cuidadosa de que há esbirros por toda a parte, ou de um encolher de hombros de vencidos e a frase gasta «de que nada há a fazer porque a censura é punhal apontado ao peito de quem quer erguer a cabeça».
E, assim, há hoje muita gente de boa fé que pensa não ser possível exteriorizar queixas ou críticas a medidas do Governo e a quaisquer serviços públicos, contra as grandes empresas ou magnates de qualquer coisa, enfim, que para se viver em paz é indispensável considerar e até proclamar que se vive no melhor dos mundos.
Mas, ao mesmo tempo, não deixam de se ouvir segredar as mais infames calúnias, espalham-se notícias de escândalos inconcebíveis, inventam-se casos estranhos passados nos mais remotos cantos do Império - tudo orientado no sentido de se fazer acreditar que se vive amordaçado e algemado, com mordaças que mais esmagam quanto mais se deseja respirar, com algemas que mais se cerram quanto mais procuram movimentar-se.
E, se há quem esboce dúvidas sobre tanta miséria posta a correr de lés a-lés, logo se afirma, com o maior desplante, que a censura não deixa que se faça luz sobre os casos apontados para que a verdade e a justiça triunfem.
Há que confessar lealmente, corajosamente, que, embora as tormentosas e incertas horas em que o Mundo se debate criem o especial clima de que todos sofremos, às estranhas monobras que acabo de referenciar, conseguindo exercer a sua acção deletéria, se deve atribuir fundamentalmente o facto de muito boa gente da nossa terra começar a viver como que esmagada por fatal destino, procurando alhear-se do que em redor se passa, num estranho estado de espírito em que o egoísmo e a indiferença imperam, conduzida assim para um materialismo sem freio, que não permite olhar para diante e para alto, segura do rumo, como foi sempre característica da raça portuguesa.
É preciso pôr cobro a este estado de coisas, de forma a que ninguém tenha dúvidas sobre a existência duma forte potência, estranha ao Governo e aos órgãos de que dispõe, à imprensa e aos que não enjeitam a sua quota-parte de responsabilidade na Revolução Nacional, cujas maquinações visam a ilaquear a vida da gente portuguesa, no que ela tem de mais digno e mais sagrado, manejando como arma principal a calúnia e erguendo como espantalho, para servir-lhe de escudo, a censura à imprensa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Apelo para a União Nacional e para o Secretariado da Informação, cujo comando superior está confiado a homens que todos respeitam e admiram, para se erguerem frente a frente contra essas forças do mal, que tanto dano têm causado à nossa terra.
Os homens que estão à frente desses organismos, valores reais da Nação, de cujos sentimentos de verdadeiros soldados da Revolução Nacional ninguém tem o direito de duvidar (apoiados), com uma coragem sem limites, tantas vezes posta à prova, saberão certamente encontrar a melhor forma de fazer sentir ao País que não há «intocáveis» em Portugal e que depois de vinte e cinco anos de lutas e sacrifícios, fazendo o balanço do nosso «deve» e «haver», nós, os que sempre procurámos dar-nos todos ao bem comum, podemos olhar para trás, de cabeça erguida e sem ter de corar perante os nossos filhos, apesar dos muitos erros cometidos - que melhor do que ninguém sentimos e também mais do que ninguém tentaremos remediar, com a nossa insatisfação permanente e a nossa devoção sem limites.
Doa a quem doer, custe o que custar, urge encetar a luta.
As sombras e o silêncio não servem os da Revolução Nacional - só podem interessar a outrem.
Não se julgue que entendo haver necessidade de falar e actuar para a «galeria», como costuma dizer-se.
Desde o tempo dos comícios - que ainda sofri - que sinto o mais profundo desprezo pelo que, em linguagem marinheira, se chama «Deputado pela proa», mas sinto a urgente necessidade de actuar no sentido de que a boa gente da nossa terra se não desportugalize e saiba que o Governo da Nação e quem não enjeita responsabilidades que lhe cabem na Revolução Nacional desejam que se viva em Portugal na verdade e na justiça, que só merece os seus aplausos a luz lançada sobre as escuras manobras dos reis do açúcar ou das farinhas, sobre os desequilíbrios dos responsáveis da Administração, por

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mais alto que estejam, sobre as maquinações tortuosas das grandes empresas, enfim, sobre tudo o que ao bem comum possa interessar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A verdade e a dignidade, traves mestras da Revolução Nacional, dão-nos a garantia da vitória. Por minha parte farei tudo quanto em minhas poucas forças caiba para que a gente portuguesa não perca as características da nossa raça, ou mesmo as esconda com simples maquillage, para que resista às pressões que sobre ela tentem exercer, no sentido de fazê-la marchar a olhar para os pés, para que o fantasma do medo a não domine, para que o manto real do materialismo, em que o egoísmo, a indiferença, o marasmo, brilham como gemas preciosas, não esmague o seu sentido de intemperança de confiança, que lhe garante rumo certo.
E porque me parece oportuno, vou começar, desde já, a trabalhar neste sentido, tratando, com a serena verticalidade com que sempre tenho procurado servir, dum assunto que poucos ignoram e se apresenta, por aí, com foros de grande escândalo.
Trata se da nomeação para o Banco Nacional Ultramarino de alguns homens públicos que desempenharam elevadas funções na orgânica do Estado.
Em volta deste assunto, sem dúvida alguma o caso ultimamente mais discutido, desde a rua aos salões, ouvem-se as críticas mais acerbas, os mais cruéis sarcasmos e até a graça rasteira, a que não faltam, por vezes, laivos de rancor.
Porque não se discute abertamente, de olhos nos olhos, esse passo da vida do Governo, que se ouve classificar de grande escândalo?
Porquê? Por causa da censura?
Haverá alguém de tão boa fé que acredite nisso?
Portugal deve ser dos poucos, se não o único, países do Mundo em que os homens chamados ao desempenho de altas funções regressam à sua vida anterior, terminado esse serviço, quando não apedrejados por infamantes calúnias, pelo menos acompanhados pela indiferença geral em tudo o que respeita à sua situação económica.
Apoiados.
Num puritanismo duvidoso de comício, na ausência de respeito pela função do Poder, motivada pela falta de escrúpulos no seu exercício, no miserável nível de vida da nossa terra, se deve, talvez, filiar o procedimento até agora adoptado.
Legislar no sentido de modificar este estado de coisas não seria aconselhável, sobretudo agora, que anda tão acesa a campanha da indiferença e do marasmo perante tudo o que, respeita à coisa pública.
Talvez tenha sido por et>se motivo que houve o propósito, embora correndo o risco do desencadeamento de rasteiras explorações, de fazer vibrar a narcotizada opinião pública, de forma a conseguir o seu interesse por assuntos da Administração que o decoro e os mais elementares princípios de justiça impunham que fossem revistos.
Na verdade, isto de convocar homens para altos cargos de direcção, onde a vida se pasta mais do que noutra qualquer parte, homens que foram forçados a andar pelos salões das embaixadas, representando o País aqui ou no estrangeiro, honrando e acrescentando o nome de Portugal, para, terminado o serviço, serem vistos nas bichas dos reformados, chamados por um número, como se tudo o mais tivessem perdido, ou vivendo como pobres envergonhados, no labor para que orientaram a sua vida, mas com a cruz sobrecarregada com o peso de obrigações que lhe foram criadas - apontados a dedo por aqueles cujos interesses não serviram, odiados por outros cujas ambições não satisfizeram -, isto, senhores, é de fazer corar de vergonha pela ingratidão que representa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ingratidão e falta de senso também, pois esquecia-se que muitos desses homens poderiam ainda servir o bem comum, até pela simples acção de presença, em determinados planos de vida que as relações sociais lhes abriram.
Por vezes tem sucedido mesmo que, ao regressarem da alta função para que foram convocados, não têm sequer assegurado o pão de cada dia, pois para acorrerem ao chamamento que lhes fora feito se impuseram logo a obrigação de considerarem a incompatibilidade do lugar que desempenhavam com a missão que lhes era confiada, num elevado sentido do dever, que as leis não definem, mas que está gravado nas almas de eleição.
Trata-se de verdadeiros soldados da Revolução Nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - De chefes a que rendo as minhas homenagens.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Bem haja o Governo por ter, corajosamente, arrostado com a maledicência dos que vivem para denegrir tudo e todos, por ter despertado o interesse público para um caso que, há muito tempo, urgia que tosse encarado devidamente, por ser superior às atitudes dos que, hipòcritamente, se envolvem no manto de suspeito puritanismo.
O Governo alcançaria, é certo, o mesmo fim, seguindo outro caminho, camuflando, de qualquer forma, a sua decisão. Mas foi melhor assim.
Convém continuar e ir ainda mais adiante.
É preciso que os homens considerados como reais valores da nossa terra sintam da parte de todos, e especialmente do Governo, o respeito e o carinho a que têm direito.
É verdade que a Nação espera que o seu Governo saiba distinguir os verdadeiros valores e não os confunda com aqueles que a si próprios se classificam de génios e sempre conseguem palco e público para habilidosas exibições intelectuais ou culturais, quantas vezes pouco respeitáveis, pela falta de qualquer coisa de sério que as alicerce.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Peço a V. Ex.ª para limitar as suas considerações, visto já ter excedido a prazo regimental.

O Orador: - Vou já terminar.
Mas, prosseguindo:
Convém acima de tudo ter sempre presente que, apesar do desvairo em que o Mundo de hoje se debate, embora o metro da vida seja definido para muitos por simples fiada de dólares, ao povo português não escapa a verdadeira grandeza das coisas, sobretudo das que se erguem acima da planície, não respeitando assim os homens, seja qual for o manto que enverguem ou o plano em que se evidenciem, se os vêem como simples fantoches, sem valor para honrar o lugar que ocupam, subindo à custa da diminuição dos outros, enfim, sem os sólidos alicerces morais que dignificam a vida humana e que perderam, dementados pela vaidade, pela ambição, por paixões inconfessáveis.

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Bem haja o Governo pela sua corajosa atitude, explorada por ai, sob o titulo de grande e vergonhoso escândalo, pelas forças do mal, que vivem à sombra da existência da censura à imprensa.
Como este caso, quantos mais se espalham por todos os cantos da nossa terra, procurando envenenar as almas simples e manter em agitação permanente os abismos do mar sereno da vida portuguesa, mas não deixando, contudo, ao mesmo tempo de gritar: Não façam ondas! Não façam ondas! Senão ... ai de vós!
Pois eu faço-as!
Hoje foi este caso. Amanhã, serão os serviços florestais que iremos escalpelizar; esses serviços que ainda não enviaram à Assembleia Nacional os documentos que há mais de um ano lhes foram pedidos e que há quem defina como fechado serrado onde o livro arbítrio prejudica a Fazenda Nacional o esmaga a justiça o a verdade.
Eu não paro.
Repito: ou faço ondas!
O lodo que pode vir á superfície não nos atinge, e vinte e cinco anos de lutas, de sacrifícios, de honrado labor dão-nos a garantia de que não será tanto que torne a água imprópria para o consumo.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

0 orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Ricardo Durão: - Sr. Presidente: há afirmações do discurso do meu querido camarada o colega Ribeiro Cazaes que podem contender com afirmações que tenho feito nesta Assembleia, mas penso que fira de pé a minha intransigente oposição a que o exercício de altos cargos políticos sirva de moio, de título único, para a ocupação de lugares rendosos.
Foi isto que ataquei o continuo à atacar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E, como não quero que seja mal interpretada, a minha aparente discordância com o meu camarada Ribeiro Cazaes, que é, como eu, um soldado da Revolução Nacional, tenho a dizer o seguinte: há pessoas condenadas absolutamente ao sacrifício e á isenção e que por isso mesmo têm de permanecer incorruptíveis, para que nós, soldados da Revolução Nacional, amanhã nos possamos servir dos seus nomes e das suas personalidades em qualquer emergência. E era desses que eu queria que a reputação continuasse intacta.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Magalhães Ramalho: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, ao abrigo do artigo 96.º da Constituição, me sejam facultados, pelas repartições competentes do Ministério da Economia os elementos suficientes para uma apreciação criteriosa, das razões técnico-económicas em que se tem indo até à data a orientação seguida em matéria do estudo da montagem da indústria siderúrgica em Portugal em bases nacionais, e muito particularmente os seguintes:

1.º Nome dos especialistas nacionais e estrangeiros que têm sido ouvidos sobre o assunto e preparação ou experiência anterior dos mesmos que justificaram a sua escolha;
2.º Nome dos técnicos portugueses que foram mandados especializar, expressamente para o efeito, nos países de maiores conhecimentos sobre o assunto e épocas e locais em que essa especialização teve lugar;
3.º Resumo das conclusões dos relatórios, trabalhos ou estados de cada um dos peritos a que se referem as alíneas anteriores relativamente e viabilidade da montagem da indústria siderúrgica em Portugal e respectivos fundamentos técnico-económicos em que se apoiaram para emitirem os seus pareceres;
4.º Informação sobre se foi nomeada qualquer comissão de especialistas qualificados para a apreciação de conjunto doa diversos estudos sobre o problema e da localização nacional mais conveniente para uma indústria, de tal importância e complexidade. Caso afirmativo, qual o nome dos componentes dessa comissão, diploma legal que determinou a sua criação e conclusões a que a mesma chegou;
5.º Informação sobre se se acham já ou Dão totalmente conhecidas as características médias o as reservas das várias matérias-primas que importam à montagem de uma indústria siderúrgica em grande escala, muito particularmente no que se refere a minérios de ferro e manganês, antracites e castinas. Caso afirmativo, quais as publicações oficiais de que conotam, essas indicações, expressas numericamente e em termos de se poder formar uma ideia rigorosa das características o disponibilidades das várias minas e pedreiras e respectivos produtos. Caso negativo, quais as razoes que têm obstado a esse apuramento ou publicação e providências tomadas para remediar uma decadência de tal importância;
6.º Informação sobre se se acha pendente ou foi autorizada a qualquer entidade alguma concessão ou alvará com a garantia do exclusivo da exploração de indústrias extractivas ou transformadoras que interessem á montagem e desenvolvimento de uma indústria, siderúrgica em escala nacional e, caso afirmativo, qual o nome dessas entidades e razões técnico-económicas que justificaram a concessão de uma tal garantia".

O Sr. Presidente: Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente - Continua em discussão a proposta de lei sobro a revisão da Constituição e do Acto Colonial.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada D. Maria Leonor Correia Botelho.

A Sr.ª D. Maria Correia Botelho: - Sr. Presidente: ao usar pela primeira vez da palavra nesta Assembleia, quero e devo começar por saudar V. Ex.<º que='que' ex.ª='ex.ª' de='de' provas='provas' ilustres='ilustres' pessoa='pessoa' ex.ªsbr='ex.ªsbr' carinho='carinho' membros='membros' tempo='tempo' desta='desta' pelas='pelas' mesmo='mesmo' reconhecimento='reconhecimento' meu='meu' a='a' os='os' e='e' interesse='interesse' ao='ao' vv.='vv.' o='o' câmara='câmara' na='na' profundo='profundo' v.='v.' minha='minha' publicamente='publicamente' testemunhar='testemunhar' mereceu='mereceu' doença='doença'> Nascida e criada na Beira, traduzirei o meu reconhecimento na nossa melhor forma de agradecer: muito bem hajam.
Pedi forças às minhas ainda poucas forças para falar, não tanto por pensar que venho trazer à Câmara algum motivo novo que aqui não tenha ainda sido tratado, mas

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por sentir que, como mulher, também tenho a minha palavra a dizer neste momento em que voltou a ser discutido, ou se revê,, o estatuto fundamental da vida política du Nação.
Também eu notei - ou, melhor, me surpreendi - que nos textos que estão para ser revistos não tivesse aparecido o nome de Deus. E talvez tenha um motivo a mais para tal estranheza: é que, se «Portugal foi sempre cristão», como o dizia aquela legenda que alguém colocou, lá em baixo, num ângulo de um dos pavilhões da exposição - documentário riquíssimo e vivo dos nossos oito séculos de vida nacional -, repito, se «Portugal foi sempre cristão», foi ao colo das mulheres portuguesas que ele o aprendeu a ser; é no regaço das mães portuguesas que ele continua a ser educado. O primeiro nome que elas ensinaram a todos nós foi o grande e doce nome de Deus.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - Pergunto mesmo, Sr. Presidente, ao reconhecermos o milagre da Providência a respeito e a favor de Portugal sempre, e mormente durante estes últimos anos, como já aqui foi dito, as mães portuguesas, que souberam pôr-se de joelhos, ensinaram os seus pequeninos a pedir a paz e prepararam e formaram os homens desta geração, não foram também cooperadoras neste milagre.
Quem sabe, Sr. Presidente, quantas heroínas se encontram ao lado e nas entrelinhas da lista dos heróis das horas grandes que temos vivido e estamos vivendo?

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Lembremo-nos da decisão com que elas se ergueram, como se fossem uma só - que contaram as que não nos acompanharam? - quando em certo momento da vida política, ainda há bem pouco tempo, foi posta em foco a causa de Deus e da Igreja, que é, afinal, a mesma causa da Pátria.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - Foi um brado a pedir Deus e a paz! Foi uma corrida às urnas a dizerem que sim, que «Portugal é cristão», isto é, a dizerem que «Deus não se discute», que queriam Deus nos seus lares, nas escolas dos seus filhos, nas oficinas dos seus maridos, nas suas aldeias, nas cidades de Portugal, numa palavra, foi um grito de alerta perante o perigo de lhes ser tirado o melhor dos seus bens.
Então posso perguntar: ainda haverá que ter receios ou que pôr em dúvida a Voz da consciência, o desejo das mulheres de Portugal?

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Dir-se-á que não vale a pena confessar Deus, uma vez que pelo artigo 45.º ficam no texto constitucional consignados os direitos da sua Igreja. Mas pergunto então: se se consignam os direitos da religião católica, se se está decidido a dar a esta religião o lugar que lhe pertence por direito e de facto na vida da Nação Portuguesa, porque se oculta o nome do seu Autor?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente: as mulheres de Portugal pedem que o nome de Deus entre nos textos da reforma constitucional, que entre no seu lugar; mais, que tenha o lugar que lhe compete, que é afinal o lugar que todos nós lhe damos na nossa vida, no nosso coração, no coração da nossa gente, que se habituou a ver a sua história, a nossa história, trabalhada em feitos e glórias sob o signo de Deus.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente: queria ainda e apenas dizer duas palavras acerca da família e do trabalho feminino, dois problemas que se entrelaçam profundamente nas causas e consequências da vida social dos povos.
Já aqui foram abordadas mais do que uma vez e agora, já a propósito das alterações a introduzir na Constituição, o assunto voltou a ser tratado com inteira oportunidade.
Não é demais que se insista, que se atenda à situação, ao problema do «ser familiar», como já lhe chamou alguém - expressão que tão bem traduz a unidade desta totalidade viva e vivida que é a família, verdadeira síntese bio-espiritual, irredutível, com direitos e deveres que também não podem alhear-se desta realidade unitária - mas, dizia eu, não é demais que nos debrucemos sobre a família, tanto ela representa a base fundamental e essencial da vida humana, tanto ela é o melhor tesouro nacional, que havemos de defender custe o que custar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - A este propósito seja-me permitido um parêntese para um testemunho vivo desta identificação Portugal-família, que tanto nos deve orgulhar e que tantas responsabilidades nos traz.
Nos vários congressos internacionais de serviço social a que tive ocasião de assistir e em que tomei parte sempre que se tratava de assuntos respeitantes à família Portugal era chamado a dizer a sua palavra, porque ouvi-lo era escutar uma autoridade em doutrina e experiência da vida familiar.
Le Portugal de la famille, me disseram algumas vezes no decorrer desses congressos, onde, graças a Deus, pelos testemunhos que levámos e pela fé familiar que comunicámos, deixámos a certeza da nossa doutrina familiar, social e cristã.
Perdoe-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, mas eu, que ainda não havia tido ocasião para esto desabafo, gostei de que me tivesse sido dado fazê-lo desta tribuna.
Sei, portanto, Sr. Presidente, que a realidade «família» é uma convicção bem enraizada em todos nós, mas sei também que para muitos portugueses ela é ainda e apenas uma figura de retórica.
E, Sr. Presidente, nós, as assistente* sociais, que amassamos as nossas vidas com as realidades, com duras realidades da vila social das famílias, sabemos bem que elas ainda não têm, e reclamam com justiça, aquilo a que têm direito.
Sei que a Câmara está convencida da urgência deste assunto, sei que VV. Ex.ªs, como nós, as trabalhadoras sociais, não desejam ficar-se na manifestação de anseios platónicos e que querem para as famílias portuguesas a execução dos decretos e das disposições constitucionais que dizem respeito à melhoria de todas as suas condições de vida.
Apoiados.
Temos de levar então à família, e quanto antes, os meios materiais e morais que pela Constituição o Estado lhe promete, para que ela possa ser de facto «fonte de conservação e desenvolvimento da raça, base primária da educação política e administrativa», como diz o artigo 12.º da nossa Constituição.

Vozes: - Muito bem!

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A Oradora: - Pela experiência de doze anos de serviço social e muito especialmente de quatro anos de trabalho no Instituto de Assistência à Família, sei vivo em milhares de casos, o que poderão render certos artigos da nossa Constituição se se lhes der todo o relevo na sua execução.
Não estou positivamente a ignorar (eu que também o sei e vivo nas lides sociais) o muito que o Estavo Novo realizou já a favor da família.
É com a maior satisfação que notamos que, quer na doutrina quer na prática, a realidade «família» entra como elemento fundamental da vida portuguesa.
Não estou a ignorar toda a acção desenvolvida pelo Instituto de Assistência à Família, que em quatro anos de existência se ocupou e se preocupou já com milhares e milhares de casos e cujo montante de subsídios familiares, para não falar de outras rubricas de subsídios que o mesmo Instituto tem concedido, se eleva em cada ano a milhares e milhares de contos.
Apoiados.
Porque sinceramente reconheço a obra incomparável que, principalmente pelo Ministério do Interior, através do Instituto de Assistência à Família, pelo Subsecretariado das Corporações, através do serviço social das Caixas de Previdência, pelo Ministério das Obras Públicas, através do Comissariado do Desemprego, e pelo Ministério da Educação Nacional, através da Obra das Mães pela Educação Nacional, por tudo, enfim, o que se tem feito, verifica-se ser inteiramente possível realizar integralmente o programa de acção «pró-familia» contido nos n.ºs 1.º a 5.º do artigo 14.º da nossa Constituição. Se esta tarefa social está apenas no inicio, não é sòmente ao Estado Novo que temos de pedir contas.
Penso, Sr. Presidente, que o mal está principalmente nos meandros em que só perde tanta boa iniciativa, onde morrem tantos textos magníficos da nossa legislação social.
É uma questão de mentalidade-que logo acaba em burocratismo feroz, em entraves de funcionalismo-manga-de-alpaca.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Bergson falou de um «suplemento de alma» que falta ao nosso tempo. Eu direi, glosando o pensamento do eminente filósofo: é um suplemento de alma que vem faltando em muitos sectores do social, do educacional e em outros mais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente: não quero demorar-me a fatigar a Câmara...

Vozes: - Não apoiado.

A Oradora: - ... mas, trazendo no coração e nos olhos tantos e tantos lares a que ainda não foi possível acudir com trabalho, com habitação, com meios de tratamento das suas doenças, muito especialmente da tuberculose, recordando as dificuldades de tantos pais em darem aos seus filhos a instrução e educação convenientes, a ouvir, digo, tantas vozes que confiam e esperam a acção supletiva do Estado para desempenho da sua alta missão, eu peço, em nome deles, Sr. Presidente, que nesta revisão constitucional se afirmem mais claramente, mais exigentemente, certos pontos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - Porque não se fixar desde já a adopção do salário familiar, indo-se além duma simples aspiração?
Está já feita a experiência com o abono de família. Não chega esta medida para as necessidades vitais da família. E se nos atrasamos, Sr. Presidente, é possível que já não vamos a tempo de acudir ao desmoronamento de tantos lares, e creio que as ruínas, que infelizmente verificamos, são já motivo bastante para nos apressarmos a adoptar o sistema.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - Se eu trouxesse a VV. Ex.ªs os relatórios das condições económicas das centenas e centenas de famílias que batem à porta do serviço social, VV. Ex.ªs ficariam, como eu, a viver a angústia da demora da aplicação deste remédio vital.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - Não será ainda possível a instituição do casal de família?
Seriam estes meios eficazes para evitar tantos males que actualmente se verificam com a saída da mulher do lar, que, indo à procura de um salário de compensação, mais não traz muitas vezes do que o agravamento do desequilíbrio do seu orçamento familiar.
Isto, Sr. Presidente, para não falar dos prejuízos, dos às vezes irremediáveis prejuízos, que a sua ausência acarreta na vida moral da família, que também tem o seu delicadíssimo orçamento de valores espirituais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - Só é de louvar, só é motivo para portuguêsmente nos orgulharmos, o clamor que de tantos lados se levanta para que a mulher fique e se fixe no lar.
Pedem-no os chefes de família, e ninguém mais do que nós o deseja, pois para ele converge naturalmente toda a riqueza da natureza e alma feminina. Mas, se a mulher não tem lar? Se por qualquer razão renunciou a constituí-lo? Se o não pode constituir? Se o seu lar está extinto? Se, ao contrário, o seu lar, bem vivo e crepitante, exige que a chama seja alimentada? Se o esforço do marido não é suficiente, ou se, indignamente, se recusa a colaborar?
E se a mulher pode, sem detrimento da sua missão de esposa e mãe, estender a sua acção fora do lar?
Não podemos responder a estas situações firmando-nos num bonito axioma. Não se resolvem com palavras questões desta natureza. É preciso ter em conta os factos, e estes são muito complexos para se resolverem por máximas.
Há que procurar por todos os meios que a mulher não saia do seu lar, condicionando porventura, sensatamente, o seu acesso a actividades que possam vir a ser prejudiciais à sua própria condição de mulher e da vida familiar. Mas não basta. Há depois que dar-lhe, direi mesmo, matéria-prima, para que ela possa ser dona de casa.
Como pode uma mulher outorgar-se esse título, se vive num vão de uma escada, se tem que repartir às vezes com cinco e seis famílias a mísera cozinha em que tem de preparar refeição para os seus? Se o quarto onde vive e pelo qual paga uma renda exorbitante, é mais antro de dissolução de costumes e promiscuidade do que abrigo de paz e moralização? Entra então aqui todo um outro problema gravíssimo, o da habitação, que é causa e consequência de muitos outros, o da emigração urbana, por exemplo, problema que, permitindo Deus, hei-de tratar na próxima sessão legislativa com todo o interesse.

Vozes: - Muito bem!

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A Oradora: - Não se discute, pois, a necessidade do trabalho da mulher casada fora do lar. O que pode discutir-se são os princípios que o informam, e o que importa, direi, é que se lhe dê solução.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Uma vez assente em doutrinação perfeitamente certa o direito ao trabalho, uma vez assente que a mulher tem direito ao trabalho, há que protegê-la no exercício desse trabalho. E para este ponto chamo muito particularmente a atenção do Governo, no sentido de tomar todas as medidas, doa a quem doer, tendentes a impedir o trabalho nocturno, a dar todas as condições de higiene que o trabalho feminino requer.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - É ainda a minha experiência social que me faz pedir, exigir essa medida. Quando, para viver a realidade social, me fiz operária numa fábrica de conservas de peixe senti como mulher o que é a vida desumana, antifeminina e antilar de tantas mulheres operárias a quem o trabalho nocturno e outras condições tiram toda a possibilidade de rendimento familiar e social.
Creia, V. Ex.ª, Sr. Presidente, que não estou a falar de cor; tive, como as minhas colegas de fábrica, de trabalhar até à meia-noite e mais. Que se acabe então com o trabalho nocturno, sem comiserações de qualquer espécie.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Preocupar-se a Câmara com esses assuntos, voltar a eles, revê-los, para andarmos a par das exigências do tempo, é já marcar uma preocupação altíssima. Será uma indicação. E será também uma satisfação a dar a tantos que naturalmente se interrogam e nos interrogam sobre a nossa posição doutrinária. Será afirmar que, para além do imenso que se tem podido realizar, ainda há fome, mais ambições.
Termino, Sr. Presidente. É natural que quando se entrar na discussão da especialidade volte a ter ocasião de mais praticamente tratar este ou aquele ponto que hoje mal aflorei.
Mas, sabendo que apenas fui a fala humilde das mulheres de Portugal, sabendo que apenas pus a minha alma a dizer alto o que elas sentem e pedem, não quis dizer só palavras. São temas que, graças a Deus, nos preocupam a todos nesta Casa.
E fui apenas uma voz, que permita Deus se não perca entre os turbilhões deste Mundo em sobressalto.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A oradora foi muito cumprimentada.

O Sr. Cortês Pinto: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: ouvi com a maior atenção e respeito as palavras que nesta Assembleia têm sido pronunciadas em relação à oportunidade ou inoportunidade de encarar o problema fundamental da organização política, do Estado.
Concordo absolutamente, inútil seria afirmá-lo, com todas as apreciações que a propósito desta Oportunidade se fizeram aos altos chefes políticos da Nação.
Considero na verdade indiscutível a admiração e altíssimo respeito que todos nós devemos à nobilíssima figura do venerando Chefe do Estado, aos seus elevados dotes pessoais, à gentileza do seu espírito e ao seu prestígio inviolável. Todos nós devemos, em grande parte às suas intervenções oportunamente realizadas, com uma visão superior dos interesses da Nação, as condições imprescindíveis para que o grande obreiro da reconstrução nacional pudesse realizar no campo interno o progresso do País e no campo externo a grande obra internacional da defesa da Nação. Essa obra que perante a política mundial impôs o seu nome como o do maior estadista da história contemporânea.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Julgo, porém, que tais considerações, por mais justas que sejam, estão fora do problema que se torna necessário discutir. Não devemos confundir homens com princípios nem com regimes, mesmo quando nesses homens se reconheçam as mais altas virtudes morais e cívicas, porque então sim: seria realmente a forma de transformar os problemas nacionais em problemas de partido.
Não me digam que o prestígio dos governantes, o seu alto valor e a grandeza da sua obra nos devem dispensar de ter cuidados com os problemas da organização política do País, porque eu direi que é uma ingratidão para com os homens que representam o presente não cuidar de garantir a perpetuidade das suas obras no futuro - essa perpetuidade em vista da qual os homens pretendem organizar as suas constituições políticas.
E não me digam também que tudo se resume a uma questão de homens, porque acima da honestidade individual está a força dos sistemas; e quando a estes falece a força virtual de uma estrutura perfeita, de nada vale o esforço dos homens bons, cuja obra está condenada a uma destruição a breve prazo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Eu quero fazer justiça à honestidade e ao valor dos que não comungam no meu credo político, embora se encontrem irmanados comigo no mesmo sentimento patriótico dos deveres para com a Nação. Mais do que isso! Quero fazer justiça à honestidade e valor rios próprios adversários da situação, e até à de muitos dos que serviram a 1.ª República.
Teve a situação anterior ao 28 de Maio muitos homens de recta intenção. E o que conseguiram eles? Verificar, como o seu último Presidente do Conselho, cansado por um esforço inútil, que ao cabo de quinze anos de regime era impossível impedir que o País estivesse a saque!
De nada valia a honestidade pessoal de alguns chefes, mesmo quando tinham nas próprias mãos a chefia da Nação ou do Governo, porque era a própria mecânica do Estado que desmoralizava a sociedade. E muitos até, não obstante a honestidade pessoal, se viram compelidos pela força das circunstâncias a participar em desonestidade» políticas. Tão avassalante se revela a força desmoralizadora dos sistemas!
Apraz-se o meu espírito em fazer justiça aos adversários, e por isso, em vez de me insurgir contra a exaltação dos que não comungam no meu credo, lamento do fundo da minha alma e do sentido prático da minha inteligência que, subjugados por um idealismo a priori, existam ainda tantos patriotas equivocados!
O que me leva a avaliar a falência de uma causa não é de forma alguma a desonestidade dos seus servidores. Embora pareça paradoxal, o que me faz ajuizar dessa falência é justamente o exame das actividades dos seus homens superiores.
Às vezes, como no caso presente da nossa política, (exemplo de resto pouco nítido, porque os defeitos essenciais das nossas instituições têm sido corrigidos

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por soluções adrede utilizadas), os homens conseguem efectivamente superar os defeitos do regime. Porém, Sr. Presidente, inquieta-me ver gastar energias sobre-humanas a rolar pela encosta acima o penedo de Sísifo, porque vejo que ao fim da subida não se encontra o planalto onde poder firmá-lo de uma maneira estável.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: a questão que neste momento se propõe é a da salvaguarda do futuro e não apenas a da garantia do presente. Se tal fosse o único fim, creio que não se justificaria sequer tudo quanto fosse além da revisão do Acto Colonial e da sua integração no corpo da Constituição Política do Estado.
Para além do que se refere ao Acto Colonial é justamente a projecção desta Constituição no futuro o que actualmente se encontra em causa. E tal ponto de vista, repito, não colide por forma alguma, antes pelo contrário, com o reconhecimento, aliás indiscutível, do valor pessoal dos homens que encarnam as nossas instituições políticas.
Já nesta Assembleia ouvi, Sr. Presidente, emitir a opinião de que se deveria considerar fora do assunto aquilo que respeita à organização fundamental da estrutura política do Estado.
Em meu entender, porém, este ponto de vista não pode considerar-se inoportuno quando se pensa na construção de uma obra em condições de resistência aos desvarios que no presente abalam o Mundo inteiro. Desvarios que por toda a parte vão comprometendo as próprias instituições a que deram vida, sob o signo do pecado original de um idealismo porventura generoso, mas certamente abstracto, em que se reflectem as utopias do «angelismo» de Rousseau.
Parece que é de olhos postos neste panorama da política exterior, gerado da desorganização das instituições tradicionais; que é da contemplação destas organizações novas, que em poucos, mas agitados, anos substituíram a tranquila operosidade dos estados pelo inquieto e inseguro bulício internacional; que é de olhos fitos nestes sistemas políticos, que trocam a permanência da segurança no trabalho pela permanência de uma desorganização activa; destes governos que, inquietados pela obra da agitação social interna, pretendem - não se compreende a que título - coarctar a liberdade dos outros estados e interferir na orgânica das suas instituições; parece que é em face desta bola de neve que vai avassalando a estabilidade do Mundo que alguns políticos insistem em afirmar que os tempos são outros, que se não volta para trás e que, como na «Parábola dos Cegos» do quadro célebre de Breughel, as nações devem marchar em fila incessante, seguindo as pisadas dos outros, Sempre para a frente, ainda que se afundem umas atrás das outras na torrente que a todas subverterá.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Razão tinha Gustavo Le Bon quando escrevia nas Bases Científicas duma Filosofia da História que:

...as instituições democráticas conduzem a hecatombes mais terríveis que todas as do passado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E noutro ponto da sua obra acrescentava:

... o comunismo, a forma última do poder das massas, parece representar uma última evolução da democracia, a qual tem a sua terminação nas ditaduras pessoais, seguindo uma lei já formulada por Platão e viárias vezes verificada no decorrer da História.

O Sr. Jacinto Ferreira: - Verifica-se que a profecia está a ser cumprida.

O Orador: - Creio bem que sim.
São bem insuspeitas estas palavras, ditadas apenas pelo estudo científico e desapaixonado do grande psicólogo das multidões.
Que eu me submeta às fatalidades que é improducente tentar dominar e desista temporàriamente perante as consequências de um inêxito poderá ser medida de prudência à espera de melhores dias; mas que eu proclame a excelência do sistema que destrói e abdique de pensar na própria salvação, porque neste momento se não usa, é, no meu entender, submissão demasiada às leis da moda.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Morais Alçada: - V. Ex.ª disse às leis da moda ou às leis da morte?

O Orador: - Às leis da moda.

O Sr. Morais Alçada: - Ah! Tinha-me parecido ouvir «às leis da morte», mas afinal o sentido das expressões é equivalente...

O Orador: - Sim, as palavras são diferentes, mas creio que não existe equivoco.
A própria sugestão da palavra «Estados implica a apologia do permanente sobre o transitório. A ideia de «Constituição » implica naturalmente o conceito da construção do futuro em condições de resistência aos abalos do presente. Fazer a apologia do que há de louvável no Estado actual bem está. Porém, a maior homenagem que se me afigura possível prestar à obra realizada consiste justamente em pretender ver estabelecida a orgânica do Estado por forma a garantir-lhe a sua continuidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Proceder de outra forma seria, perante a minha consciência, deixar-me ofuscar pelo brilho do transitório, conservando-me alheio à superioridade do perene; seria confiar da minha própria indiferença ou da imprevidência política da sociedade a salvaguarda f u lura dos interesses nacionais.
Sr. Presidente: os problemas honestamente tratados não necessitam de ser impulsionados pela paixão quando neles existe uma filosofia política, que, exactamente porque o é, não pode ter outra atmosfera que não seja a da serenidade.
Perante os altos problemas nacionais, todos nós temos de reconhecer que nunca os monárquicos desertaram ou hesitaram em servir os superiores interesses da Nação dentro do Estado republicano. O próprio rei D. Manuel II prestou altíssimos serviços à nossa pátria, apesar de nesse tempo estar em plena vigência uma república particularmente demagógica.
Nunca os monárquicos antepuseram aos interesses sagrados da Pátria o ponto de vista de um partidarismo estreito.
Já o ilustre Deputado Dr. Mário de Figueiredo, com a autoridade que lhe dão as suas funções nesta Assembleia, aqui pôs a questão precisamente nos mesmos termos em que os monárquicos sempre a puseram quando declarou que a organização desta Assembleia desconhe-

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cia a existência der maiorias e de minorias. É um bloco ao serviço da Nação. Ninguém foi escolhido por ser monárquico. Ninguém foi escolhido por ser republicano. Todos foram escolhidos por serem bons portugueses, pela sua honestidade mental e - ouso dizê-lo - pela garantia de serenidade atribuída a cada um na avaliação dos altos problemas que interessam à Nação. De resto, a União Nacional está sempre aberta a todos quantos queiram colaborar honestamente no serviço da Pátria. E desta forma apenas se encontram naturalmente excluídos quantos, levados na corrente individualista, tenham transposto os horizontes morais para além de cuja linha se quebra o sentimento de fidelidade à Pátria.
Posso afirmá-lo eu, que desde a primeira hora - muito antes mesmo da aprovação dos seus estatutos, na discussão dos quais tive a honra de intervir - trabalhei activamente como vice-presidente de uma comissão distrital que, pregando esta orientação, foi a primeira a organizar o quadro completo de um distrito inteiro, estabelecendo as comissões políticas em todos os concelhos e freguesias.
Nestas condições, e terminado o acto eleitoral em todo o País, se alguém se der ao trabalho de perscrutar a orientação política de cada um e dessa observação concluir alguma coisa sob o ponto de vista numérico, teremos de reconhecer que estamos em face de uma coincidência puramente fortuita, de uma realidade observada a posteriori.
E se alguém pretender colher uma lição de tal facto, orientando o seu juízo por essas realidades numéricas, poderá, evidentemente, e seja o resultado qual for, tirar daí uma ilação sobre o valor efectivo do número e submeter ou não a essa expressão numérica o seu raciocínio lógico ou os seus sentimentos mais ou menos apaixonados. Apenas haveria a notar que esta liberdade plena, em face do número, só poderiam lògicamente mante-la os monárquicos. E que, logicamente também, ao valor dessa expressão deveriam subordinar-se quantos politicamente informam o seu espírito na essência da doutrina democrática.
Não serei eu, pois, a orientar a minha inteligência em busca de razões desta natureza para proclamar a excelência de uma ideia. Quanto a mim, a apreciação das ideias tem de estar completamente liberta da contingência do número. Quando Pilatos afirmava a ideia da inocência de Cristo em face das acusações que lhe faziam, o número correspondente aos que representavam a verdade era apenas de dois. E o número dos que estavam no erro - e quantos não estariam de boa fé! - representava uma multidão. Porém, o triunfo da ideia que apoiava a condenação dos juizes demonstrava que a supremacia numérica era apenas a expressão do erro.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A legislação portuguesa livrou-nos da instituição dos jurados, proclamando assim a falência do maior número, a supremacia do qualitativo sobre o quantitativo. Desta maneira sim. Feita a selecção qualitativa, já o número se poderá revestir de um significado exacto. Porém, esta restrição do qualitativo é já por natureza antidemocrática, pois atenta contra o mito do sufrágio universal.
Em meu entender, sujeitar a chefia da Nação ao sufrágio universal seria em muitos casos sujeitar o bem geral às paixões particularistas fie cada um, as soluções da competência às aprovações da incompetência. Se o sufrágio garantisse uma escolha firmada num justo juízo, como seria possível verificar nos jornais que lá fora, onde as democracias têm mais perfeitas tradições, se gastam quantitativos fabulosos para sugestionar as multidões, em vez de as deixar serenamente escolher o candidato proposto? E, ao ver nos jornais as cifras indicadoras dessas quantias astronómicas, expostas até como elemento da propaganda, fico hesitante sobre se o exame à opinião pública fia mais do conceito numeral das moedas do que da expressão moral das consciências. E penso que num regime de tão pura democracia nunca um homem como o Sr. Presidente do Conselho poderia gerir os destinos da Nação, por insuficiência numerária da própria bolsa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em países como o nosso, em que uma sensibilidade mais pura, e talvez mais ingénua, põe a opinião pública ao abrigo da discrição absoluta da moeda, nem por isso os defeitos do sistema electivo são menos perturbadores quando pretendem dar uma aparência real ao mito representativo do sufrágio. Todos nós temos presente a atmosfera de excitação geral do País durante os períodos de propaganda e a quebra de ritmo do trabalho que em tais épocas se reflecte de uma maneira geral em toda a vida da Nação.
Não me parece descabido, Sr. Presidente e meus senhores, apresentar a VV. Ex.ªs e justificar a minha opinião quanto a este capítulo da revisão constitucional, cujas disposições eu poderei aceitar como disposições de emergência, mas não como solução estabilizada.
Não me é possível, pois, concordar com algumas opiniões de colegas que, aliás, muito prezo, as quais consideravam que tal assunto devia estar à margem das discussões? Mas como poderia suceder semelhante coisa se é a própria revisão constitucional que nos compele a ocuparmo-nos deste assunto?
A minha opinião é a de que o enunciado destes pontos de vista, pelo que diz respeito à generalidade, é indiscutivelmente oportuno, até como expressão de uma liberdade de pensamento, que, segundo um rumor insidioso, se encontraria limitadamente coarctada nesta Assembleia. É necessário que todos saibam que nem neste nem em ponto algum foi coagida a liberdade total dos Deputados nesta Assembleia, onde as próprias opiniões divergentes não deixaram de ser atendidas com perfeita e desapaixonada correcção.
Só no que diz respeito à discussão na especialidade eu posso considerar a oportunidade discutível.
E os Deputados que nesta Assembleia comungam num credo monárquico têm certamente conquistado o direito de serem bons juizes desta oportunidade, pois ninguém duvidará que desde a primeira hora, fiéis à sua doutrina e de olhos postos no futuro, têm sempre manifestado a altíssima isenção com que oferecem ao Estado Novo a cooperação mais desinteressada.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Não esqueçamos que foi a doutrinação para o conceito político de uma orgânica antielectiva o que criou o despertar de uma consciência nacional e um estado de espírito que moveu as forças do Exército para realizar a obra de salvamento capaz de revigorar o corpo exânime da Nação. Nunca os monárquicos deixaram de servir a Pátria dentro do Estado republicano. Creio que é fazer justiça ao carácter dos nobres adversários políticos da sua doutrina o pensar que a mesma atitude de honesta fidelidade aos mais altos interesses da Nação orientaria em todas as circunstâncias o seu procedimento. Os monárquicos nunca se julgaram certamente os únicos detentores das virtudes sociais e sabem que não são eles apenas os patriotas capazes de porem acima dos seus conceitos teóricos as realidades mais altas dos interesses da lei.

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Eu sei muito bem, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que não é a letra da Constituição que há-de decidir a evolução política do País. E até sob este ponto de vista a discussão do artigo 72.º ou a do artigo 5.º se me afigura inteiramente supérflua.
Sei que é necessário trabalhar, tanto em religião como em política, para cultivar nas almas o fogo sagrado da fé naqueles princípios que já Balzac proclamava como as duas grandes verdades eternas. Para que se cumpra a obra de redenção é necessário que se ilumine e desperte uma consciência nacional, capaz de compreender o problema para além do campo sentimental das sensibilidades emotivas. Ultrapassar até o próprio sentimento das razões puramente tradicionais, as quais, se bem que muito respeitáveis para a sensibilidade, carecem de valor convincente para a inteligência.
É por isso que, julgando embora supérflua a discussão dos artigos mencionados na intenção de fiar da sua letra o futuro das instituições, não considero porém supérfluo expor na devida altura o que eu considero unia necessidade fundamental para a estrutura política do Estado, na certeza de que enunciar o princípio da continuidade do Poder representa, além de tudo o mais, uma homenagem de apreço à obra dos que há vinte e cinco anos vêm dando ao País o esforço da sua inteligência e do seu trabalho, o sacrifício total das suas vidas, com os olhos postos nos supremos interesses do presente e do futuro da Pátria Portuguesa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- E faço votos por que esse penedo de Sísifo, que há vinte e cinco anos, com titânico esforço e heróica perseverança, vem sendo rolado pela montanha acima, possa por fim, atingido o vértice da escalada, firmar-se estabilizadamente, como a pedra angular sobre a qual se torne possível construir a grande obra capaz de prevalecer sobre a vida transitória de uma geração de sacrificados.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Manuel Domingues Basto: - Sr. Presidente: ao subir à tribuna para iniciar as minhas considerações sobre a revisão constitucional, acodem-me ao espírito as palavras de Taine, citadas no parecer da Câmara Corporativa, de que a melhor constituição política de um povo é a determinada pelo seu carácter e pelo seu passado, sob pena de cair em breve aos pedaços se não obedecer a estas condições.
No mesmo sentido afirmou neste lugar o Sr. Dr. Caetano Beirão que a constituição de um povo a determinam «a natureza e a história».
E o nosso Presidente do Conselho, com a sua acuidade de visão e o extraordinário sentido das realidades que o caracterizam, depois de afirmar que as constituições são «modalidades da vida pública», disse também que para encontrar a mais conveniente dessas modalidades será necessário a tomar resolutamente nas mãos as tradições aproveitáveis do passado, as realidades do presente e os frutos da experiência própria e alheia».
Todas estas citações se fizeram, Sr. Presidente, porque o meu desejo é orientar à luz que delas promana o que vou dizer sobre a reforma da Constituição.
O «nosso carácter e o nosso passado», «a natureza e a história», a as tradições aproveitáveis do passado, as lições do presente e os frutos da experiência própria e alheia» exigem e impõem uma Constituição em que o direito escrito esteja de acordo com as realidades ou legitimas situações de facto.
A este intuito e propósito obedece o projecto da Constituição apresentado à discussão desta Câmara, em que alguns retoques de doutrina, e não apenas de redacção, são indispensáveis para que, como disse o Chefe do Governo, melhor se ajuste ao nosso temperamento e às nossas necessidades.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nunca as leis resultam eficientes e se consegue por elas o bem comum a que se aspira se não encontrarem ambiente propício nos costumes. Esta verdade, porém, é correlativa de que os costumes por sua vez se purificam ou corrompem pela acção salutar ou deletéria das leis.
É regra dupla que explica, creio eu, muitas hesitações que se notam nos diversos projectos de Constituição apresentados a esta Câmara no formular de verdades totais, de verdades salvadoras, a cuja efectividade tem de chegar-se para restituir Portugal à continuidade da sua história e ao reencontro da sua fisionomia nacional e espiritual, do seu próprio carácter de nação cristã e missionária...
Tinha-se, porém, descido muito.
Caíra-se na extrema abjecção.
Descaracterizara-se, primeiro pela acção do liberalismo, depois pela acção da demagogia feita poder, a nossa vida pública e tentava-se descaracterizar os próprios costumes, vestindo-nos por modelo estrangeiro e vendendo-nos a estrangeiras ideias.
Apoiados.
Restaurar e reparar é mais difícil do que fazer de novo. Não sòmente mais difícil, mas de muito menos efeito e aparato, porque a reparação serve-se dos materiais velhos para fazer obra nova, ao passo que a nova construção é nova e bela em todo o sentido.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Se o facto se dá nas reparações materiais a levar a efeito, verifica-se ainda mais nas realizações ideológicas, em que o peso morto do ambiente, dos preconceitos e dos vícios generalizados obriga por vezes a fazer o que é possível, até que chegue o dia e a hora de fazer brilhar o ideal em toda a plenitude do seu esplendor.
Seja isto dito à maneira de preâmbulo doutrinal e para significar que a evolução da nossa vida política há-de fazer-se lentamente, com segurança, atendendo às possibilidades, mas sem perder de vista a realização do ideal e sem causar profunda desilusão aos que se bateram e sacrificaram por ele.
Sr. Presidente: há na proposta da Constituição apresentada à discussão da Assembleia Nacional muitas determinações excelentes, à mistura com outras que, atentas as realidades do presente e os ensinamentos da história, precisam de correcção e emenda.
Antes de tudo o mais seja-me lícito notar que as leis devem fazer-se para se cumprirem e que a Constituição deve ser votada para ser guia, base e orientação da nossa vida política e de acção governamental. É triste verificar que há princípios da Constituição e leis votadas e publicadas que são apenas leis no papel, pois de facto ou caíram no esquecimento, ou nunca se executaram.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Na política de verdade em que vivemos são muito de estranhar atitudes práticas desta natureza e que se possa repetir a velha fórmula de que as leis,

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como os tratados, não passam de bocados de papel ou que, como nos tempos da demagogia triunfante, em que aos gritos de "Liberdade!" se perseguia e insultava toda a gente de bem, também agora se diga na lei o contrário do que se observa na prática.
0 ilustre Deputado Mons. Santos Carreto, duas vezes meu colega nesta Câmara, como sacerdote e como Deputado, apontou alguns casos desses, o casos de importância, em que, por falta de regulamenta4o das leis publicadas, se vai pervertendo a juventude o criando na consciência e nos costumes um ambiente de desordem moral sistematicamente contrário a todo o princípio da ordem e da disciplina social.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Napoleão afirmou um dia que um povo sem moral não se governa, metralha-se". Como seria possível governar amanhã o povo português e dar hábitos de disciplina social à juventude de hoje, consentindo-se toda a espécie de literatura dissolvente e pondo nas mãos da adolescência folhetos e brochuras em que, às claras, ou sorrateiramente, se realiza na consciência trabalho de subversão e corrupção?
Apoiados.
Se é função do Poder tomar providências para evitar o alastrar de uma epidemia, não lhe cabe igual ou maior obrigação de impedir a infecção das consciências por doutrinas imorais?
Combate-se, e com razão, o comunismo, que se propõe na destruição de tudo quanto é essencial à dignidade da pessoa humana e ao esplendor da civilização.
Apoiados.
Será, porém, eficaz esse combate sem a defesa dos boas costumes?
Se o comunismo em toda a parte em que triunfa, ou na propaganda que faz para triunfar, começa pelo combate á religião e à moral, é porque sabe perfeitamente que não há moral sem religião, o que a religião católica com a sua moral é, como Bourget escreveu um dia, ca, única esperança de salvação social".
Antes de Bourget já o positivista Taine havia dito que só a Igreja Católica oferece ao homem "o grande par de asas brancas que o eleva acima dos seus egoísmos e dos seus vícios até ás regiões do sacrifício e do heroísmo", o um contemporâneo de Bourget, grande antepassado doa comunistas, o chefe socialista Jaurès afirmou que a Igreja Católica era o único obstáculo sério e eficaz ao proselitismo o domínio do materialismo histórico do seu partido.
Não verificámos entre nós, bem recentemente, que a desordem que se tentou estabelecer a propósito da última eleição presidencial, em que se deram as mãos os mais variados sectores da anti-nação, recebeu o seu golpe de morte no dia em que mais ostensivamente se marcou uma atitude de guerra o achincalho ao que de mais querido e tradicional tem a religião católica - o culto e devoção a Nossa Senhora, padroeira da Nação Portuguesa?
Tudo quanto seja ataque ou descuido da defesa da moral tradicional é obra nefasta, para a paz dos portugueses e para a unidade nacional da Nação.
Mas para se obstar à quebra dessa unidade é preciso não limitar a defesa nos textos mortos o dar-lhes uma realização viva.

Vozes:.- Muito bem!

O Orador: - Concorrerá para isso não sómente o que se passa com os menores nos cinemas, como a facilidade concedida às chefes de casas de prostituição em arrebanhar menores e fomentar para isso as discórdias domésticas ?
Será por esta forma que se defende a família e se faz dela, como diz a Constituição, "fonte de conservação e desenvolvimento da raça e base primária da educação"?
E que dizer do trabalho ao domingo, proibido por lei mas praticado em obras do Estado, chegando capatazes o encarregados de obras a castigar, despedir e negar trabalho aos assalariados que, sendo católicos, se abstém de trabalhar ao domingo, por ser o dia do Senhor e a sua religião, que é a da Nação Portuguesa, lhes impor nesse dia deveres de culto o obrigações religiosas que silo compatíveis com o descanso nesse dia determinado pela lei?
Não o digo por má vontade seja a quem for, mas pela indisciplina moral e social que de tais factos resulta e pelo desprestígio em que cai a lei e até o princípio de autoridade.
Diz a Constituição, e, muito bem, que o ensino ministrado pelo Estado " ... visa a formação do carácter, do valor profissional e de todas as virtudes morais e cívicas, orientadas pelos princípios da doutrina e moral cristão, tradicionais do País".
Há, porém, o devido cuidado em procurar que na prática assim se faça e todos os professores eduquem segundo os princípios basilares da Constituição em tal matéria?
Oxalá que assim fosse o se não dessem casos, bem lamentáveis, de, nas escolas públicas o nos estabelecimentos de ensino particular, sujeitos á inspecção ao Governo, aparecerem professores a contrariar o ensino do professor de Moral ... A formação do carácter segundo as virtudes morais orientadas pela moral cristã, tradicional no País, é dever de todos os professores o a todos se deva exigir idoneidade moral para tanto.
Pelo Ministério da Educação Nacional muito se tem feito já, mas há ainda muito que fazer ...
Educa-se pelo exemplo mais do que pela palavra, e a vida sem moral de um ou outro professor e até professora aio a negação clara do que a Constituição determina ...
De directores de estabelecimentos de ensino particular agi eu que se viram na necessidade de em meio do ano lectivo dispensarem o serviço de professores o professoras, embora pagando-lhes o ano por inteiro, pela razão de serem elementos de indisciplina e imoralidade no meio académico e junto dos alunos.
E tais professores e professoras eram considerados idóneos para o ensino, como o prescreve a Constituição e oram recomendados pelo sindicato respectivo.
Não é senão justiça repetir que o Ministério da Educação Nacional tem realizado neste particular um trabalho ingente de aperfeiçoamento.
0 aparecimento de casos como os referidos somente demonstra quão benemérito o necessário é esse trabalho do Ministério da Educação Nacional, e como não basta legislar, mas é preciso realizar, em espírito e com intuitos de reconstrução nacional, aquilo que se legisla.

O Sr. Morais Alçada:- V. Ex.ª dá-me licença?
Posso garantir a V. Ex.ª que o Sr. Subsecretário da Educação Nacional - que é a pessoa que trata desse particular do ensino primário - tem legislado devidamente sobre a matéria. As determinações de S. Ex.ª têm sido promulgadas e imediatamente executadas. É da sua própria formação moral o mental fazer política de verdade e essencialmente realista.

O Orador: - Associo-me às homenagem de V. Ex.ª ao Sr. Subsecretário da Educação Nacional. Muito se tem feito, e um ou outro caso que aparece não invalida esse trabalho, mas fica de pé o principio geral de que não basta legislar.

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Sr. Presidente: à face da Constituição que nesta Câmara se discute se verifica ser exacto que o Estado Novo Corporativo tem uma doutrina ... Doutrina moral, doutrina social o política de ordem, de justiça, de decência na vida particular o pública.
Mas vivem essa doutrina todos os elementos da Situação ao menos alguns dos elementos que ocupam posições de destaque o têm a obrigação de ser a encarnação e realização concreta, expoente e exemplo da verdade que pregam o da situação que representam? Hoje, que tanto se fala em humanismo, é sobretudo na medida em que os homens vivem e dão testemunho da doutrina que professam que se aquilata praticamente do valor, da verdade e superioridade dessa doutrina.
Bem sei que são os vícios e os defeitos dos homens que impedem os princípios de todo o bom resultado que deles havia a esperar.
Vivemos, porém, no século XX, e os homens de hoje deixam-se influenciar menos pela verdade teórica da doutrina do que pela maneira como ela é vivida e praticada. Atendem mais às realizações do que ás teorias e, se pelos erros a vícios dos homens as teorias baixam ao museu das velharias inúteis, para os homens viverem de costas voltadas aos seus ensinamentos, o descrédito não envolve somente os homens que prevaricaram, mas atinge as doutrinas, aliás de verdade, que eles não souberam encarnar na sua vida nem executar fielmente na sua acção.
Daqui a necessidade de se escolherem para os lugares de responsabilidade homens que pelo seu porte na vida particular e pública dêem garantias da maior integridade moral ...
Seria destoante o daria aos inimigos da situação o da ordem armas preciosas de ataque que pudesse dizer-se com verdade que os rótulos não passam de mentiras, por ser a moral igual em todas as situações políticas.
A falta de moral foi sempre a melhor preparação do caminho para a vinda dos bárbaros.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É da história que antigamente, ao entrarem na cidade para aniquilarem a grandeza de Roma imperial, os bárbaros pouco mais tiveram que fazer de que amarrar no forum as matronas dissolutas, como expressão da fraqueza do povo vencido.
Sr. Presidente: comecei por citar Taine, ao subir à tribuna, para iniciar as minhas considerações. Voltarei a citá-lo mais uma vez, ao entrar na última parte, com que desejo terminar o meu contributo para a discussão na generalidade da reforma constitucional.
Disse Taine um dia que sempre e em toda a parte todas as vezes que a religião católica deixa de informar as leis o os costumes públicos o particulares a sociedade se converte numa perigosa encruzilhada".
Quem quer que seja que com olhos atentos se debruce com carinhoso amor patriótico o objectivo sentido das realidades sobre a vida e história da Nação Portuguesa depressa verificará que Portugal viveu a paz e criou uma epopeia enquanto soube defender a unidade moral dos seus filhos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E que a desordem começou no momento em que doutrinas erróneas - religiosas, políticas e sociais -, vindas do estrangeiro e introduzidas no solo pátrio o no espírito dos portugueses por influências estrangeiras, contaminaram a pureza da religião nas consciências e os princípios sãos de governo na vida política e administrativa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: -0 Estado Novo Português procura realizar na vida pública da nação o nosso reaportuguesamento, o reaportuguesamento da nossa vida e dos nossos costumes.
Para isso terá de proclamar bem alto e de tornar queridas aos portugueses pela lei constitucional o pela sua aplicação prática as verdades eternas de Deus, Pátria e Família.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Fá-lo já na prática ... Porque não proclamá-lo francamente na Constituição?. Com receio de desagradar aos que não crêem em Deus? Mas não basta que o Estado respeito a sua descrença, na medida em que ela se reduz a estado de consciência o se não dá o facto, como geralmente acontece, de essa descrença, que é desordem na alma, se entregar a manifestações de desordem nas ruas, de ameaça à autoridade e de se tornar agente de perturbação social? É mau, é perigoso, é atitude incompatível com a reconstrução que se tenta o com o reaportuguesamento da nossa vida que se pretende não proclamar bem claramente na Constituição que o Estado Corporativo Português governa, em nome de Deus e em seu nome vota e dita a lei constitucional aos portugueses ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É que, se não governa em nome de Deus, que título pode invocar a autoridade, seja quem for, ou esteja-se em que situação se estiver, ao respeito e acatamento dos súbditos? Se não há Deus e o homem é livre, leio, autoridade, juízes, sanções não têm razão de ser e cai-se por força da lógica na justificação em principio de toda a desordem.
Não é essa, afinal, a situação de facto em que vêm a cair os povos, à maneira que Deus se nega ou os direitos de Deus se desprezam?
Propõe-se o Estado Novo Corporativo uma obra de justiça social. Mas pode essa justiça conseguir-se omitindo o nome do primeiro ser na constituição e consagrando no direito escrito constitucional o principio agnóstico do liberalismo religioso?
Em face do comunismo ateu, imoral, destruidor da família e das pátrias, só um ideal que defenda a religião, a nação e a família e congregue à sua volta convicções sinceras, entusiasmos e dedicações realizadoras, pode aguentar eficazmente o embate e conseguir o triunfo ...
Agnósticos, cépticos, relativistas, liberais são partidários de meias verdades e nós encontramo-nos em face do erro total, da subversão de toda a verdade.
Apoiados.
Nestas circunstâncias só a verdade completa pode trazer a salvação.
Tem-se dito muitas vezes que o Estado Novo Corporativo se criou para erguer Portugal das ruínas acumuladas pelo liberalismo.
Tal erro manifesta-se sobretudo no aspecto religioso, político e económico. Haveria alguém capaz de admitir que seja possível sairmos do liberalismo político e económico mantendo o liberalismo das consciências?
É a pessoa humana que é preciso salvar, é a dignidade humana que urge defender - afirma-se. Mas como? Pode haver dignidade humana sem moral, critério nas consciências ou deixando-as entregues ao liberalismo religioso? Porque se não põe de acordo o artigo da Constituição que, manda ensinar a moral cristã nas escolas com a afirmação do reconhecimento dos direitos de Deus na sociedade e na vida do Estado Corporativo Português?

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Sr. Presidente: vou terminar. Não o farei, porém, sem notar que, embora o texto da Constituição apresentado à discussão desta Câmara acuse certo progresso e vantagens sobre os precedentes no que se refere as relações entre o Estado e a Igreja Católica, há nele, contudo, expressões que, pelo significado que o uso e a tradição lhes deram, representam princípios que magoam os católicos e só podem contentar os inimigos de Portugal.
Diz-se no texto apresentado à discussão que a religião católica é a da Nação Portuguesa e ao mesmo tempo proclama-se a separação do Estado Português da religião católica.
Se o Estado não é mais do que a nação organizada ou a estrutura política da nação, dizer que a religião católica é a da Nação Portuguesa e proclamar-se a separação do Estado Português da religião católica é separar o Estado da nação ou pô-los em conflito.
Foi o que fez a demagogia; não é o que tem feito nem deseja fazer o Estado Novo Corporativo... Porque não procurar que o direito escrito corresponda à verdade dos factos?
Creio que uns ligeiros retoques de redacção mudariam essencialmente a doutrina e dariam satisfação à consciência católica, sem menos respeito pela liberdade de outros cultos.
Embora a separação actual seja amigável e não lembre já as «garras e colmilhos» da outra separação de que falou Junqueiro...

O Sr. Carlos Moreira: - Todavia, em qualquer dos casos é a separação condenada, como se vê da doutrina das Encíclicas.

O Orador: - Tem V. Ex.ª razão. Em princípio é sempre condenável, e a situação é a das boas relações ou concordata entre o Estado e a Igreja.
Mas, como dizia, embora a separação actual seja amigável e não lembre já as agarras e colmilhos» da outra separação de que falou Junqueiro, a verdade é que ela não corresponde aos factos, depois de a Concordata com a Santa Sé e um artigo da Constituição determinarem que o ensino nas escolas oficiais seja o da moral tradicional no País.
Basta retocar levemente o texto do artigo 45.º, dizendo que o Estado observa, com respeito à Igreja Católica, o regime de separação de poderes e mútua colaboração dentro das respectivas esferas, para não magoar a consciência dos católicos e respeitar a liberdade dos outros cultos.
Destoa ainda que se diga na Constituição que os cemitérios públicos têm carácter secular, quando o nosso povo lhes chama «o campo santo» e lhes são dadas as bênçãos rituais e litúrgicas da Igreja Católica, a pedido das autoridades, por assim o exigirem os sentimentos, as convicções religiosas e a fé do povo português.
Eis, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que de mais essencial se me impunha à consciência que dissesse sobre a reforma da Constituição.
Fi-lo com toda a sinceridade e pelo desejo de que o Estado Novo Corporativo corresponda cada vez mais às ânsias da Nação Portuguesa e dê ao povo português aquela Constituição que está na sua alma, nas suas tradições e no seu carácter.
E, porque o exigem os habitantes da região que represento nesta Assembleia e não quero trair a minha missão de sacerdote, assim como o mandato que os eleitores me impuseram, tenho como imperativo da minha consciência mandar para a Mesa a seguinte proposta de alteração:

Art. 45.º O Estado, reconhecendo a existência de Deus e considerando a religião católica a da Nação Portuguesa, mantém, em todo o território nacional, o princípio de união moral e de independência económica e administrativa entre a Igreja e o Estado e a liberdade dos cultos conforme os convénios e tratados internacionais e leis da Nação.
§ único. (O da proposta do Governo).
Art. 46.º A personalidade jurídica e independência da Igreja Católica é reconhecida pelo Estado nos termos da Concordata e acordos com a Santa Sé.

Esta proposta vai também assinada pelos Srs. Deputados Carlos Moreira, Ribeiro Cazaes, Avelino Sousa Campos, Elísio Pimenta, Ricardo Vaz Monteiro e Salvador Nunes Teixeira.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Manuel Lourinho: - Sr. Presidente: é hoje a primeira vez que subo à tribuna durante esta sessão legislativa.
Não desejo começar o meu discurso sem apresentar a V. Ex.ª os meus melhores cumprimentos, o penhor certo da grande admiração que merecem as altas qualidades que o exornam. E não quero deixar em esquecimento a agradecida certeza de ser sempre tratado por V. Ex.ª durante as minhas intervenções com benevolente compreensão.
Sr. Presidente: também eu tenho um sistema. E não o suponho pior do que qualquer outro. Nele não falaria, dada a minha fraca compleição em assuntos de direito constitucional, se em tempos atrás o não tivesse exposto a algumas pessoas e certamente com o entusiasmo com que costumo apresentar os assuntos que considero merecerem a minha luta.
Não fui antecipadamente consultado sobre a proposta de alteração das normas constitucionais. Não fui, nem me cabia ser. Mas, se o tivesse sido, eu falaria assim:
Sr. Presidente: fiz a mim próprio estas perguntas:
Pretende-se dar remédio ao que não está bem?
Está o País disposto a submeter-se ao remédio proposto?
É oportuno e eficaz o remédio a prescrever?
Como se deverá aplicar?

O Sr. Jacinto Ferreira: - V. Ex.ª, quando tem um doente, pergunta-lhe se está disposto a submeter-se ao tratamento?

O Orador: - Às vezes pergunto, sim, senhor.
Vivemos, Sr. Presidente, mercê das circunstâncias felizes com que a Providência largamente nos beneficiou desde há um quarto de século, uma era de tranquilidade, trabalho e progresso.
Os homens com menos de 30 anos acreditam que assim foi sempre e afirmam que sempre assim será no futuro. Os homens com mais de 40 desejam que assim continue e esperam que jamais voltaremos ao que era anteriormente.
Apoiados.
A opinião de uns e outros não constrói alicerce político bastante, sabido como é que em política a experiência é valor negativo para premissa.

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Mas, já que chegamos a esta posição - por urgência premente -, creio haver necessidade de colocar o problema no plano em que ele pode ter solução útil, compatível, oportuna e lógica.
A esta situação que desfrutamos há cerca de vinte e cinco anos é garantida pela orgânica da actual lei fundamental uma provável continuidade? Ouso arriscar, Sr. Presidente, que ninguém nesta casa ou alguém neste país pode responder, em verdade, com uma afirmação.
Então a nossa tranquilidade, o nosso livre direito ao trabalho, o progresso da nossa vida social estão ameaçados?! Claramente que sim. E se ela não está ainda em movimento, a ameaça, verifica-se que se encontra no estado potencial.
Não é necessário abrir muito os olhos para a bem mirar em toda a sua extensão.
Não é necessário ter um apurado sentido das realidades para a ver ocupar posições.
Não são necessárias faculdades de larga previsão em ordem a que não possamos imaginá-la instalada e a comandar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Então concretizemos.
Sr. Presidente: os homens nascem, vivem e morrem. Os chefes desaparecem e há necessidade de os substituir. A história dos povos não pára enquanto esses povos vivem.
É inteligente improvisar chefes sob pressão de circunstâncias emergentes, resultantes de factos irremediáveis? Não o creio.
Convém rectificar doutrinas e métodos, mudando de comandos?
Também não creio.
Se assim é, tenhamos a coragem, de cara a cara, com alma de fortes, simples, sem temor nem arrogância, proclamando: a política do bem da Nação, quando houver, pela fatalidade natural do destino, impossibilidade de se manter o statu quo, só nos pode conduzir a entregar os rumos de Portugal nas mãos de um homem apenas. Eu desenvolvo: a actual situação política nasceu sem uma doutrina que a estruturasse. Foi o génio político desse homem que lhe deu corpo. Foi a sua clarividente visão que lhe deu horizontes.
Apoiados.
Foi a renúncia permanente de si próprio que a tornou nacional. Foi a sua firme coerência entre as atitudes e os princípios que a tornaram compreendida e amada por todos nós. Ninguém neste país pode negar estas verdades, iluminadas pela realidade dos factos.
Remediar-se-ia assim, quando necessário, o que actualmente está consignado na Constituição. É a resposta à primeira pergunta formulada.
Sr. Presidente: viveu-se em Portugal um século de pronunciamentos e desordens. Militares que os promoveram ou civis que os orientaram não imprimiram com uns ou com outras maior grandeza a Portugal. Por culpa deles se derramou sangue, muito sangue inocente, injusta ou ingloriamente sacrificado. Durante esses tempos tivemos más contas, crédito nulo e impossibilidade de progresso. Houve o desrespeito máximo pelas pessoas, pelas coisas, pelas instituições e pela tradição.
Viveu-se na meia-água. Realmente não mergulhámos definitivamente no fundo, mas não houve maneira de aflorar à superfície. Fomos um povo em submersão político-social. Alvejados pela troça internacional, fomos tratados como indesejáveis, em muitos, senão em todos, os lugares do Mundo onde pretendemos fazer ouvir o nosso direito de existência.
Apoiados.
Abro, Sr. Presidente, um parênteses para mostrar a minha admiração por aqueles bons portugueses que durante essa agonia quiseram, e alguns conseguiram, mercê do seu talento e iluminado patriotismo, manter-nos na verticalidade humana, perante a opinião dos estrangeiros que nos detestavam e maltratavam.
E assim foi, como atrás digo, Sr. Presidente. Infelizmente assim foi. Mas deixou de o ser.
Apoiados.
Admito pois, Sr. Presidente, e o contrário seria loucura, que um doente que assim sofreu e já não sofre, esteja disposto a aceitar e a desejar ardentemente a aplicação da terapêutica que o salvou. É a resposta à segunda pergunta.
Sr. Presidente: tudo parece um sonho. Não houve mais revoluções. Cada qual trabalha segundo é capaz e em plena liberdade.
Nós assistimos, estamos assistindo. Homens de 50, 40 e 30 anos, vemos passar um feliz e aliciante filme onde se desenvolve, em beleza, a realidade de todas as grandes realizações desta época áurea do engrandecimento nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mais e melhor. Sim, mais e melhor se pede. Mas muito e bom se encontra já realizado. Mais e melhor se pede. Mas, para tal, o doente tem que receber a terapêutica própria. Ela é eficaz, porque os factos o demonstram. Ela é oportuna, porque, tendo começado de urgência, provou-se vantajosa e necessária na continuação. É a resposta à terceira pergunta.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Como se deverá aplicar o remédio?
Duas posologias: a do projecto e a que me permito apresentar.
A primeira serve-nos: eleições por tudo e por nada - sufrágio directo para eleição do Chefe do Estado; e eleição directa para os Deputados à Assembleia Nacional; eleição directa para as juntas de freguesia. Santo Deus! Que euforia de votos e de votações!
Para quê? Mais balbúrdia? Novos motivos de desordem? Escrever de novo com sangue nas paredes?! Não foi bastante o que se viu? Pretende-se destruir o sossego de vinte e cinco anos de são juízo?! Ou pretendemos fazer teatro para o exterior?
Ninguém me venha dizer que isto deve ser assim mesmo. Isso seria caminhar contra a trajectória actual da filosofia política que se desenha no Mundo.
Que tenha de ser, ainda eu concebo, embora o não queira admitir. E não o quero admitir porquê?
Porque nós temos as nossas fórmulas. E, se não desejamos exportá-las, também não temos necessidade das que existem lá por fora. Pelos vistos... fiquem lá com elas. Não nos seduzem nem as invejamos.
Podíamos, em verdade, aplicar a muitos as nomenclaturas com as quais, em tempos de desgraça nossa, tiveram a gentileza de nos achincalhar.
Agora, graças a Deus, somos nós a rir, e quase todos nos dão farto motivo para isso.
Lições, somos nós que as damos. E, por caridade, não levamos nada pelo ensino. Porta aborta. Podem ver o que lhes aprouver. Aqui não há e cortinas», nem de ferro nem das outras. É tudo transparente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - Para nós agrada-nos a experiência que estamos realizando, e desejamos continuá-la, sem sobressaltos, sempre para melhor e dentro da nossa maneira de ser.
Portugal é dos «portugueses e para os portugueses.
Apoiados.
Se assim é, consolidemos o que está e partamos para novas posições. Cada vez mais seguros e mais conforme as realidades das nossas conveniências.
Nesta ordem de ideias, não vos podereis admirar do que passo a expor como sendo o meu ponto de vista.
Assim:
O Presidente da República será o chefe efectivo do Poder Executivo, responsável perante Deus e perante a Nação.
Será eleito pela Assembleia Nacional e Câmara Corporativa, em reunião conjunta.
Só poderá ser destituído das suas funções por sentença do Supremo Tribunal de Justiça, sob proposta da Assembleia Nacional, com parecer favorável da Câmara Corporativa.
Nomeia e demite livremente os Ministros, que apenas são responsáveis perante ele.
É eleito por sete anos, podendo ser reeleito apenas por um novo período.
A Assembleia Nacional, composta por cento e vinte Deputados, será eleita pelas câmaras municipais, juntas gerais e juntas de freguesia, de harmonia com lei especial.
A Assembleia terá, além das suas actuais atribuições, mais: os Deputados poderão fazer perguntas por escrito aos Ministros; a resposta será escrita e obrigatória, dentro do prazo de trinta dias.
Os avisos prévios serão automàticamente dados para ordem do dia vinte dias após a data da sua apresentação.
Os decretos do Governo para ratificação com emendas ficarão suspensos na sua execução até que a Assembleia se pronuncie sobre eles, transformando-os em lei.
A Câmara Corporativa terá a constituição actual e a fisiologia das alterações propostas pelo Governo.
As câmaras municipais e juntas gerais serão formadas nos moldes determinados pelo actual Código Administrativo.
Apenas haverá eleição directa para o presidente da junta de freguesia. A eleição far-se-á pelo voto dos chefes de família, segundo lei especial. Os restantes membros da junta de freguesia serão um representante da Casa do Povo ou da Casa dos Pescadores e outro de qualquer dos grémios da lavoura, do comércio ou de outra actividade de projecção económica ou cultural.

O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª dá-me licença? Essa é a opinião de V. Ex.ª do que deve ser ou constitui o fundo de uma alteração constitucional?

O Orador: - Isto é o que eu entendo que deve ser na generalidade.
Sr. Presidente: este formulário que resumidamente acabo de enunciar constituiria as normas de soberania dos diversos poderes do Estado dentro do regime republicano, exactamente como homenagem ao sistema político dentro do qual foi possível nascer, viver e crescer uma das mais belas eras de engrandecimento da Pátria Portuguesa, à qual, Sr. Presidente, a grande maioria dos monárquicos portugueses abnegadamente tem dado o seu concurso - honra lhes seja! -, desejando nós, os republicanos, que à República eles continuem dando, como até aqui, para maior glória do País, a patriótica colaboração da sua inteligência e do seu saber.
«Todos não somos demais...».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: se fosse possível eu ter feito a apresentação prévia do meu discurso ao grande português que chefia o Governo, é provável que ele me tivesse interrompido a meio, para dizer:

- Ó homem, isso não é oportuno. Não vão as épocas para andanças políticas. O problema político tem de ser relegado para um plano secundário. Temos tantos problemas que nos preocupam! Para quê mais um outro?!

E eu não teria certamente dito todas as inconveniências políticas que vão transitar para o Diário das Sessões.
Seria um bem? Seria um mal?
É possível que fosse um bem, tão habituados estamos a verificar que todas as suas concepções políticas saem sempre bem.
Mas eu - que não tenho responsabilidades - não teria dito aquilo que aí fica, pensamento de muitos milhares de portugueses que amam acima de tudo o seu país.
Para esses as conveniências políticas são desconhecidas e até algumas vezes repudiadas, quando vão contra o destino do seu coração.
É em nome desses que deixo aqui o meu testemunho.
E para terminar, Sr. Presidente, diria ainda uma outra inconveniência política. Seria a última por hoje, mas não a menor no dia de hoje.
Risos.
O País não compreende que se o Destino amanhã nos colocar em frente da substituição inevitável do grande cidadão que é o actual Chefe do Estado, a quem a Nação deve tantos e tão altos serviços, que o vinculam na galeria dos grandes de Portugal..., repito, o País não compreende, e eu também não, que a chefia do Estado não seja entregue inteiramente nas mãos de Salazar, para que, dentro da fórmula que preconizei no meu discurso, a revolução continue.
E a fórmula de investidura, .Sr. Presidente, seria por eleição directa.
Transijo agora. Só agora. Porque o País desejaria fazê-la directa, mas por aclamação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sousa Meneses:- Sr. Presidente: confesso a V. Ex.ª e à Exma. Assembleia que nunca me passou pela ideia tomar parte nesta discussão.
Ao ler a proposta do Governo e o substancioso parecer da Câmara Corporativa sobre as alterações a fazer ao texto da Constituição e do Acto Colonial, confesso que depreendi tratar-se de pouco mais que alguns pormenores de esclarecimento; mas é inegável que por toda a parte, em todas as conversas, se levantou a preocupação de saber quais eram essas alterações. E isso é de ponderar, porque, até certo ponto, pode traduzir motivo de dúvida.
É inegável que o assunto interessa a opinião pública; daí a responsabilidade desta Assembleia, como órgão da soberania nacional.
Todos que leram a minúcia e a elevação do parecer da Câmara Corporativa devem ter ficado tranquilos.
Na exposição do seu ilustre relator a preocupação que domina, apoiada em larga erudição de direito, é fundamentar a razão por que sugere cuidados de redacção mais expressivos para o esclarecimento e significado de alguns dos seus enunciados, cautelas que aconselha introduzir no rigor dos dizeres e da forma jurídica do diploma primacial que é a Constituição Política da

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República Portuguesa, nome com que foi aprovado pelo plebiscito nacional de 19 de Março de 1933.
Pensei que a apreciação do caso, posto assim no campo da técnica, competiria exclusivamente aos homens da lei, e neste campo nada saberia dizer, porque me falta a cultura jurídica, e já agora não a poderei adquirir.
Concluo, no entanto, pelo que tenho ouvido - e ouvido com toda a atenção - aos ilustres Deputados que têm subido a esta tribuna, que poucos assim pensavam.
Concluo, pelo que já ouvi, que a revisão dos pormenores constitucionais que o Governo apresentou e a Câmara Corporativa, informou pode ir muito além em outras apreciações de ordem política.
Foi então, quase como aversão espiritual, que formei também o propósito de aqui subir; mas prometo a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e a VV. Ex.ªs, Srs. Deputados,
que não irei longe, não só por carência de cultura jurídica, que julgo ser a principal a pôr nesta revisão, como pela inutilidade de bater assuntos que estão no ânimo geral, que não dependem só de nós e que nós próprios não podemos resolver nem impor.
Penso que este privilégio de a Assembleia Nacional de dez em dez anos poder rever a Constituição da República Portuguesa surgiu dum anseio de perfeição, e isso significa que em tão curto período de tempo se passam fenómenos sociais que podem impor estas pequenas correcç5es aos enunciados duma Constituição, e até cinco anos antes, como se está fazendo e se tem feito.
Acharia, contudo, preferível que ela fosse redigida de forma sucinta e definitiva, para melhor compreensão e guarda dos seus princípios basilares.
0 povo é essencialmente comodista o não é fácil nem rápida a possibilidade de modificar os seus conceitos,
0 que a abandonou é porque não prestava, e prefere sempre o que tem como certo ao que possa vir como duvidoso. Já o diz o ditado popular: "Mais vale um pássaro na mão do que dois a voar".
Parto do princípio, e isso preencheu-me sempre no exercício da minha profissão, que todos, nas suas actividades procuram acertar. 0 que partir para outra
finalidade não tem que contar, aliás teríamos de confessar que éramos nós próprios que favorecíamos a incompetência e a maldade.
Vem isto a propósito para arredar a ideia, de entrar em apreciações sobre o passado.
Os homens que erraram, arrastados na corrente dos seus próprios enganos, tiveram naturalmente desejos de também acertar.
Não é preciso pedir culpas e nunca as pediu o chefe supremo da causa em que militamos. Como nas palavras de Cristo perante a pecadora: quem estiver puro e isento de culpas que atire a primeira pedra".
A pedir contas aos homens que se enganaram, não haveria entra coisa a fazer, até dentro da actual situação.
Uma coisa temos sempre de afirmar - a força vital da Nação e a sua unidade espiritual; e quem o afirma é a própria vontade do povo português quando tem sido consultado, e o povo não é uma abstracção, é a realidade viva da Nação.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Para ele, para guarda dos seus direitos, para garantia dos seus haveres, para elevação da sua vida espiritual, para bem-estar da sua vida material, para tranquilidade da sua vida familiar e para o progresso das suas actividades na continuidade da Nação é que foi feita a Constituição Política da República Portuguesa, que ele aprovou por plebiscito nacional a 19 de Março de 1933.
E repito propositadamente a designação, não para susceptibilizar alguém, mas pela compenetração da realidade insofismável que estes dizeres exprimem.
Eu bem sei que não é posta a questão do regime nunca aqui ela poderá ser posta, a não ser que se quisesse sujeitar outra vez o País ás lamentáveis perturbações que daí haviam de provir, como a experiência já o demonstrou.
Por essa questão, pela sua agitação inoportuna em datai anteriores, devem responder muitos dos desregros da que se acusam os governantes das épocas em que tão lamentáveis lutas se travaram.
Apoiados.
Os acontecimentos arrastam os homens a fazer coisas que sem eles nunca desejariam fazer.
No rescaldo da luta, em que ficam vencedores e vencidos, deve sei o temor da repetição do mesmo facto que origina as violências e os atropelos que sucedem, sucederam a sucederão sempre por toda a parte.
Creio que a ideia ao política abstrai a ideia de perfeição. Ela é tão difícil, até na vida privada, que só raros, muito-raros podem ser santos, e os que são eleitos são sempre por virtude e pureza espiritual. No campo agitado das lutas políticas ninguém pode ser perfeito.
Sinto-me tanto á vontade para dizer isto porque nem sequer como simples regedor de aldeia servi antes do 28 de Maio.
Sabe-se lá até que ponto, passados alguns anos, podem, os nossos procederes e as nossas intenções ser acoimados dos maiores malefícios para o País?!
Sr. Presidente: não subi a esta tribuna para fazer previsões, pregar conselhos ou explanar pontos de filosofia política.
Mas afigura-se-me que, sendo talvez bastante o período de dez anos para criar conceitos, que levem a alterar algumas disposições constitucionais, esse trabalho ficará sempre uma obra imperfeita, não só pelo defectível ao homem, mas, sobretudo, pelo movimento das circunstâncias que sobre ele influem dia-a- dia.

Vozes:- Muito bem!

O Orador: - Como somos todos diferentes uns doo outros, é claro que o resultado dessas influências é também diferente. Cada vez mais, pela análise laboratorial, pelos modernos meios de investigação biológica, se perde a ideia da igualdade do homem. Não existe o homem-padrão, pelo qual se possam aferir todos os outros.
Tanto no campo material como no espiritual a dessemelhança é manifesta. Creio mesmo que é essa a característica essencial da vida e a única razão por que há santos.
Eu aliás posso prever o que seria o Mundo se todos tivéssemos os mesmos desejos. Por certo não haveria necessidade de pregar a bondade se fosse desconhecida a maldade, a verdade se não existisse a mentira. Nem se saberia o que é bom se não se conhecesse o que é mau.
Até que ponto será possível conceber o triunfo da virtude, a perfeição do homem, liberto de todas as influências que o cercam, de todas as ondas que circulam no espaço e o envolvem, de todos os circuitos em que participa, apenas por efeito do estatuto primacial da nação, é perfeição que me parece inatingível.
A Constituição, produto do espírito humano, conterá sempre o defectível da sua imperfeição.
Penso que a Constituição devia apenas conter formas sintéticas de expressão garantindo os direitos essenciais do homem no campo material e espiritual e indicando a conduta aos seus deveres no campo social.
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Tudo que sejam ampliações de pormenor, com apropriação ás circunstâncias que o progresso das ciências impõe, parece-me explicação mais propícia para as formas regulamentares das actividades sociais.
A querer prever ou acompanhar todas as circunstâncias que o movimento das sociedades humanas vai criando o texto da Constituição irá crescendo a tal ponto que atingirá volume despropositado, e tudo que não tem proporção tem anomalia.
Apoiados.
A Constituição só poderá ser melhor compreendida, guardada e respeitada quanto mais sintética for nas expressões jurídicas que definem, afixam e garantem os direitos essenciais ao ser humano o os seus deveres sociais.
Na sua simplicidade deve especialmente trazer essa garantia ao povo, que é, na sua essência, a génese e a força vital da nação. E que ela traduza e em si contenha essa mesma força para guarda dos seus direitos, certeza do seu bem-estar o respeito pela sua existência é a melhor dádiva pela qual terão de pugnar os seus representantes nesta Assembleia.
Afigura-se-me que a proposta do Governo traduz a preocupação de fixar com rigidez e perpetuidade normas essenciais à conservação a doutrina que nos rege.
A razão por que a Constituição precisa de ser revista em tão curtos períodos deriva justamente de ela não ser sucinta o pretender ser concreta e explícita em demasia de pormenores. Surge assim o perigo de se olhar a Constituição como um diploma imperfeito e inconstante.
Eu preferiria a convicção nos espíritos e a impregnação nas almas, como a que nos vem com a doutrina, catecismo, perpetuamente imutável.
Depois, é o perigo da interpretação a que se presta para ai que nela falta ou não vem bem explicito.
É preciso, sobretudo, que os regulamentos dos serviços públicos, ao serem elaborados, não venham contender com o que são os direitos e garantias fundamentais, dos cidadãos portugueses, contidos no artigo 8.º da Constituição, porque é justamente nesse artigo que mais se encerra o que na Constituiç4o se refere aos direitos, à liberdade e à espiritualidade do homem.
0 respeito integral pelos princípios inscritos na Constituição é que fixa a doutrina que ela encerra, e vem-me a ideia, a propósito, a desigualdade em que se encontram os povos insulares quanto às garantias fundamentais consignadas no n.º 8.º ao artigo 8.º quando precisam de sair ou entrar nas ilhas que é o mesmo que em suas casas.
Há que considerar que o mar é a única estrada nacional que liga as ilhas entre si e à Mãe-Pátria, para que se encubra no secreto da averiguação, a ser necessária, a mágoa à vista com que somos vigiados quando embarcamos ou desembarcamos.
Sr. Presidente: sendo a Constituição Política da República Portuguesa o estatuto base da Nação, aprovado por plebiscito nacional de 19 de Março de 1939 entendo que a esta Assembleia, só lhe deve ser permitido fazer alterações ao pormenor da redacção e só para seu esclarecimento. Nenhuma alteração ou acrescentamento essencial deve ser feito sem que o povo, que a aprovou, seja novamente consultado. De contrário será uma apropriação de direitos, e não haja temor para os que apoiara a situação ou esperança para os que a desejariam ver tombada, porque, com os mesmos princípios, os mesmos processos e a garantia do mesmo proceder, o povo responderá sempre como o fez na última eleição do Sr. Presidente da República.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -È só por sufrágio popular deve ser eleito o Sr. Presidente da República, para que em si encerre o alto significado e o verdadeiro poder que a votação lhe confere.
Sr. Presidente: não está posta a questão do regime político da Nação nem o podia estar.
A vida da Nação e o seu engrandecimento não dependem das instituições. 0 exemplo é geral a nossa amarga experiência já o pode recordar.
É na alma popular, no seu sentir, no seu trabalho, no seu poder de adaptação às novas aquisições da ciência e do espírito que se encontra a sequência nacional e a sua vitalidade.
É a continuidade da vida, da família, dos princípio morais inerentes à condição- humana que regula e robustece a coesão do agregado nacional. Se fosse a, tradição que predominasse tinha de se condenar tudo que fosse um progresso material ou as novas aquisições sociais que vão modificando a vida dos povos.
Não se pode pôr em dúvida que a pensamento político acompanha estas evoluções o só pela sua incompreensão, pela fuga às suas determinações, é que se carreiam as grandes perturbações políticas, quanto se esquece o seu significado e a sua força de imposição.
Para bem? Para mal?
Eu creio que para bem, porque a vida é uma evolução permanente, até para cada indivíduo tomado isoladamente.
A lei da morte anda a par da lei da vida.
Ficam para trás de nós séculos de existência, de costumes, de doutrinas que caducaram a que hoje se relatam apenas na recordação da matéria. De nós ficarão outras também, que o nosso egocentrismo pensa serem aquisições definitivas, quando somos apenas um episódio na evolução e continuidade da Nação.
Fazem-se prevenções contra a possibilidade dos chamados golpes de estado constitucionais. Há que convir e que contar que essa prevenção tem de ser em todos os sentidos.
Já nem é preciso invocar o facto consumado: ele está definitiva e solidamente instalado; nem vale a pena experimentar novamente, porque custou muitas lágrimas mas, dores e sangue de portugueses para a sua consolidação.
Nem sequer há oportunidade para ponderar o caso.
É que surgem sempre grandes desvarios quando os homens, mesmo dos planos superiores, dirimem as suas contendas políticas. Até no compêndio oficial de história por que aprendi não figurava o autêntico rei que foi D. Miguel ..., e era no tempo da monarquia.
As perturbações que se levantariam ameaçariam fazer perder todo o trabalho de reconstituição nacional que se tem feito.
Assentemos todos que a aceitação unânime do País à extinção do banimento só encontra explicação nessa certeza da Nação, e essa certeza pode permitir a tranquilidade das pessoas beneficiadas.
Não existem já advidas nacionais para ouvir o João das Regras que venha desfazer a doutrina assente por quem de direito, nem permite o rejuvenescimento nacional que velho do Restelo ponham em dúvida a continuidade do nosso engrandecimento no sistema político em que vivemos.
Isso só depende das gerações ao futuro; mas não será o regime que as formará - será o exemplo que lho dermos, ou seja a pureza, a firmeza e a lealdade com que servindo, levantarmos os olhos para o altar sagrado da Pátria.
Tenho dito.

Vozes : - Muito bem!

0 orador foi cumprimentado.

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O Sr. Sousa Rosal: - Sr. Presidente: a discussão da proposta de lei com alterações à Constituição Política da República Portuguesa que o Governo julgou oportuno submeter à apreciação desta Assembleia está decorrendo mais calorosamente naquilo que não foi encarado pelo Governo nem considerado pela Câmara Corporativa: a questão do regime.
Coube a iniciativa da discussão desse assunto a ilustres Deputados de formação monárquica, que a têm mantido quase permanentemente na ordem do dia com elegância e elevação, numa afirmação de princípios, até certo ponto compreensível neste momento, em que se aprecia o estatuto fundamental da vida da Nação.
Nada de censurável merece essa atitude, e até a julgo benéfica, porque permite falar de política numa Assembleia onde ela tem o seu ambiente próprio e onde raramente aparece. E quando aparece vem quase sempre revestida de tais galas de ordem intelectual e técnica que a Nação muitas vezes a não entende e o próprio Governo a não sente.
A Nação e o Governo têm necessidade de saber de tempos a tempos qual a posição em que se encontra o homem da Situação, quanto à aplicação da doutrina e ao desenrolar dos acontecimentos.
Apoiados.
Não fazer política, no bom sentido da palavra, é embotar no homem o espírito criador e crítico que o leva a exteriorizar as aspirações da alma para a conquista duma vida colectiva melhor, legítima aspiração dos homens bem formados, que para a política são natural ou forçadamente obrigados a desdobrar o pensamento e a actividade.
No momento político presente julgo que pode afirmar-se que os homens da Situação se encontram ainda unidos pela mesma comunhão de sentimentos patrióticos e princípios comuns que os fizeram juntar e manter nas mesmas fileiras e postos de combate, apesar de divergências ideológicas de fundo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E, quando essas questões de fundo vêm à discussão, é natural que não estejamos de acordo e que cada um marque lealmente a sua posição, -conforme pensamento honestamente perfilhado e nunca posto ao serviço de interesses inconfessáveis.
Não está em discussão o presente ou, melhor, está em discussão o presente, mas no que se refere às preocupações quanto ao futuro.
É o dia de amanhã a maior preocupação do homem de hoje da Situação.
Nada pode ser mais querido para aqueles que se bateram pela Revolução Nacional e para os que a têm servido, desinteressadamente, desde o seu alvorecer e que sentem fechar-se a pouco e pouco-os horizontes das suas possibilidades terrenas do que ver marchar as instituições nacionais para uma estruturação que permita consolidar o bem já conquistado e antever as possibilidades de realização dos altos objectivos da Revolução Nacional ainda não atingidos.
É este o anseio que nos leva a pensar diferentemente.
Apoiados.
A ideia que tem sido exposta, sob o ponto de vista ideológico, de uma mudança de rumo quanto à forma do Governo não a tenho como indispensável para manter a continuidade daquilo que de grande tem realizado o Estado Novo.
Em meu entender estamos no bom caminho. Não há que mudar de rumo nem quanto à forma do Governo nem quanto à essência da doutrina.
Temos, sim, que completar a organização e corrigi-la naquilo que pràticamente se tenha mostrado incompatível com os princípios e com o bem comum.
Apoiados.
Façamos o nosso exame de consciência com os olhos postos no mundo político de hoje e no caso português.
Do lado de lá uma agitação social declarada ou em evolução em certos países, com reis ou presidentes, tão-sòmente porque o mecanismo político demo-liberal ou socialista burocratizante de todas as actividades humanas se revela impotente para resolver o problema das-sociedades modernas no estado actual da civilização do homem, por não querer mover-se em sentido que contrarie a essência das suas doutrinas, que foram ultrapassadas pelas exigências da vida actual dos povos.
Pretende-se cuiar o mal com aplicações de panos quentes, repetindo clássicos argumentos que tiveram a sua oportunidade em grau anterior do estado social.
Do lado de cá um regime político que tem dado ao País paz, trabalho e prosperidade.
Regime que, numa visão superior, .encontrou os fundamentos de uma solução nacional que já é uma experiência séria que tem de ser admitida como elemento de estudo no evolucionar para a estabilização da sociedade de amanhã, preocupação premente dos homens que presentemente presidem aos destinos dos povos.
Fundamentos que assentam num Poder Executivo estável, mercê da independência e meios que lhe são conferidos pela Constituição; numa estruturação das forças económicas sociais e espirituais, de maneira a permitir impulsioná-las com espírito de solidariedade, embora por caminhos diferentes, para unia finalidade comum, que é o interesse nacional; num respeito pelas liberdades, direitos e iniciativas individuais, agindo no seu meio próprio e apenas com as limitações impostas pelas liberdades e direitos dos outros e pelas razões de segurança e paz necessárias ao desenrolar da vida construtiva da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É com este regime que Portugal tem vivido e marcado uma época de progresso e prestígio que podemos classificar como a mais brilhante na história das instituições políticas portuguesas nos últimos cento e trinta anos.
O problema é outro.
Se não temos de admitir que a evolução natural .do regime nos leve a pensar numa mudança de rumo quanto à forma de governo, temos de acentuar que é necessário completar a organização e meter em ordem o que se desviou da doutrina e intensificar esta, de molde a criar uma consciência política de tal maneira forte que permita que a era de prosperidade que o Estado Novo trouxe a Portugal perdure para além dos homens que foram os seus pioneiros e que não se volte, por incompreensão nascida de puro ideologismo e da avaliação imperfeita das realidades, a uma época de agitação, de desgoverno.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Castilho Noronha: - Sr. Presidente: apreciando na generalidade a proposta do Acto Colonial que está em discussão, exporei à consideração desta Assembleia ligeiras considerações que a leitura da mesma proposta me sugere.
Pretende-se lançar em novas bases a estrutura polí-tíco-administrativa dessas parcelas de Portugal disseminadas por vários continentes, longe da metrópole.

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Escusado é dizer que as disposições do novo estatuto fundamental das províncias ultramarinas terão uma projecção tanto maior, a sua repercussão no desenvolvimento e progresso desses territórios será tanto mais acentuada quanto mais elas corresponderem às legítimas reivindicações, quanto mais elas satisfizerem as aspirações razoáveis e justas de seus povos, numa palavra, quanto mais elas se enquadrarem na presente época, cujas características, cujas exigências são bem diferentes das que assinalaram os tempos idos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em virtude do Decreto com força de lei n.º 18:570, de 8 de Julho de 1930, o texto do Acto Colonial, promulgado por esse decreto, que o considerava de natureza constitucional, vai ser integrado na Constituição.
A primeira consequência que disso resulta é que desaparece da legislação portuguesa o Acto Colonial. E está bem que assim seja. A denominação "Acto Colonial" havia sido acolhida muito desfavoràvelmente.
Já me não refiro a meios coloniais, cujo desagrado era tanto mais justificado quanto é certo que, principalmente em virtude da ideologia que fez curso depois da guerra mundial de 1914, à palavra a colónias era atribuído um sentido pejorativo.
Mas, como disse, eu nfio quero insistir no descontentamento dos que, em face deste diploma, eram coloniais. Quero mas é acentuar a atitude hostil com que aqui os portugueses da metrópole se insurgiram contra a designação de Acto Colonial, considerando-o como uma importação do estrangeiro, um eco do Colonial Act dos ingleses.
Além disso, o Acto Colonial parecia ser antes um instrumento de cisão da Nação, cuja unidade política, aliás, era afirmada na Constituição (apoiados). O texto do Acto Colonial separado do da Constituição dava a impressão de que a Nação Portuguesa se compunha de duas partes: a metrópole e as colónias, com o seu duplo estatuto fundamental - a Constituição para a primeira e o Acto Colonial para as segundas.
Apoiados.
Já não sucederá o mesmo. Agora teremos a unidade da Nação irrefragàvelmente afirmada e nitidamente realçada na unidade do texto constitucional.
Outra alteração de longo alcance político que a proposta em discussão introduz é a substituição da palavra colónia por província ultramarina.
A opinião internacional é manifestamente hostil ao regime colonial. Os mandatos que o Pacto da Sociedade das Nações crioii após a guerra mundial de 1914-1918 e o regime de tutela que a Carta das Nações Unidas introduziu após a última guerra, aplicando-o não só aos antigos mandatos, mas ainda às colónias dos países vencidos e a outros territórios não autónomos, que os Estados que os governam e os administram lhe sujeitarem, e ainda várias outras disposições da mesma Carta são a mais exiplícita e formal condenação do princípio do colonialismo. Não só tanto. A própria expressão "colónia" foi proscrita para ser substituída por. várias outras denominações, sendo uma delas "territórios não autónomos".
Na legislação portuguesa vai eaia ser substituída por "província ultramarina". Objecta-se que o termo "província" não tem em Portugal tradição que o recomende. Não é tanto assim. Nas antigas crónicas frequentemente se designam por "províncias" as terras descobertas e conquistadas. Quem o ignora?
Mas não eram só os cronistas que usavam essa expressão. Desde remota antiguidade foi ela adoptada na linguagem oficial em diplomas régios.
Aí está, por exemplo, o Alvará de 18 de Março de 1605 que proibia a entrada de navios estrangeiros na "índia, Brasil, Guiné e ilhas ou outras províncias de Portugal".
Temos ainda o Alvará de 2 de Janeiro de 1606 que, resolvendo dúvidas sobre a jurisdição do Conselho da Índia e da Mesa da Consciência, atribuía a esta a provisão de certos ofícios e outros assuntos "assim do reino, como das províncias e lugares do ultramar".
O Regimento, do Escrivão da Puridade, de 12 de Março de 1663, atribuía a este a expedição de "todos os regimentos, ordens e cartas que se houvessem de dar e escrever aos vice-reis e governadores das províncias e praças ultramarinas para o bom governo delas".
No Regimento dos Governadores, de 10 de Abril de 1666, referente à nomeação de Tristão da Cunha" para Angola, ordenava-se um inquérito "sobre a situação militar, religiosa e administrativa e -ao estado dos indígenas da província".
Não será fora de propósito relembrar que data de 1642 a criação de um Conselho Ultramarino e de 1736 a da Secretaria de Estado da Marinha e Ultramar.
Mas as antigas províncias teriam todas as características que hoje têm os territórios que se chamam colónias? Não. evidentemente. Não vamos buscar a épocas tão distantes as modernas concepções do direito administrativo. Não pretendamos aplicar às antigas províncias as noções de um ramo de direito que está sujeito a uma contínua evolução.
O testemunho dos antigos cronistas que invoquei, os documentos régios que citei provam exuberantemente que o termo "província", designando asterras sob a soberania de Portugal, tem uma tradição de séculos.
Foi essa tradição que levou o III Congresso Nacional, realizado na Sociedade de Geografia de Lisboa de 8 a 15 de Maio de 1930, a, apreciando o projecto do Acto Colonial, votar a seguinte conclusão:

Os territórios portugueses de além-mar deverão, de preferência, denominar-se províncias ultramarinas, regressando-se deste modo à nossa tradição histórica.

Há, porém, quem entenda que deve ser mantida a palavra "colónia". Mas que tradição tem em Portugal esta palavra? Aparece ela pela primeira vez com o cunho legal em 1910. Logo após a proclamação da República veio o Decreto de 8 de Outubro desse ano, que, reorganizando os Ministérios, chamou ao antigo Ministério da Marinha e Ultramar Ministério da Marinha e Colónias. Meses depois o Decreto de 23 de Agosto de 1911 criou o Ministério das Colónias, separando-o do da Marinha. Esses dois decretos são os mais antigos pergaminhos de que o termo "colónia" pode gabar-se.
Note-se, porém, que a República, legalizando a expressão "colónia", não suprimiu, não proscreveu as palavras "província ultramarina". A Constituição Política da República Portuguesa de 1911, em algumas das suas disposições, como os artigos 9.º e 25.º, fala em "províncias ultramarinas". E o título V da mesma Constituição é assim concebido: "Da administração das províncias ultramarinas".
O próprio Estado Novo publicou em 1933 um diploma com os preceitos a que deve subordinar-se a administração das colónias. Chamou-se a esse código Reforma Administrativa Ultramarina, e não Reforma Administrativa Colonial.
Com a substituição da palavra "colónia", que, quando muito, tem por si uns quarenta anos, por "província" regressa-se, pois, à tradição histórica real, que, como vimos, vem de muito longe...

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Noto, porém, Sr. Presidente, que o projecto insere uma disposição que vai inutilizar o benéfico reflexo que deve ter a justa e oportuna supressão de "colónia".
Refiro-me àquela em que se afirma que "é da essência orgânica da Nação Portuguesa desempenhar a função histórica de colonizar as terras dos Descobrimentos sob a sua soberania".
A expressão "é da essência orgânica da Nação Portuguesa" do vigente Acto Colonial provocou justificados reparos. Tomada no seu sentido natural, ela significaria que Portugal foi sempre potência colonial e que Portugal cessaria de existir como nação no dia em que não tivesse territórios a colonizar.
A essência orgânica de qualquer ser é invariável; não está sujeita a alterações, a mudanças. Ora, a essência orgânica da Nação Portuguesa, segundo o projecto, é diferente da que é atribuída à mesma nação no Acto Colonial em vigor. Não insistamos em considerar como essência orgânica da Nação o que quando muito pode ser tomado como imperativo da sua gloriosa História.
Outra disposição que foi objecto de acerba crítica é aquela em que se diz que os territórios ultramarinos constituem o "Império Colonial Português".
Muito grato é verificar que no correspondente artigo 3o projecto foram suprimidas essas palavras. Ainda mais. Em nenhuma das disposições do projecto há referência ao "Império Colonial Português". Esta circunstância leva-me a dizer que é certamente por lapso que o título vii do projecto se epigrafou "Do Império Colonial Português".
Apoiados.
Há um outro ponto para o qual devo chamar a atenção dos Srs. Deputados. Como já frisei, a integração do Acto Colonial na Constituição importa uma nítida afirmação da unidade da Nação.
Ora se assim é, não faz sentido o que se estabelece na parte do projecto referente às garantias gerais. Dispõe-se nessa parte, entre outras coisas, que "os direitos e garantias individuais declarados pela Constituição igualmente são reconhecidos a nacionais e estrangeiros nas províncias ultramarinas".
Isto, antes de mais, é uma redundância. Pelo artigo 1.º da Constituição, o território de Portugal compreende, além do continente e arquipélagos da Madeira e dos Açores, todas as províncias ultramarinas. Pelo artigo 3.º todos os portugueses residentes dentro ou fora do território referido no artigo 1.º constituem a Nação. Pelo artigo 7.º todos os cidadãos portugueses gozam dos direitos e garantias enumerados no artigo 8.º
Como VV. Ex.ªs vêem, estando assegurados na Constituição determinados direitos e garantias a todos os cidadãos portugueses da metrópole e do ultramar é inútil que na mesma Constituição se assegurem os mesmos direitos e as mesmas garantias a quem é cidadão português do ultramar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E o que é mais de notar é que se diga que os direitos e garantias declarados na Constituição são igualmente reconhecidos a nacionais nas províncias ultramarinas, dando assim a impressão de que o artigo 8.º da Constituição, que trata de direitos e garantias, é aplicável só aos cidadãos portugueses da metrópole.
O mesmo se diga da liberdade dos cultos, que está assegurada nos artigos 8.º, 45.º e 46.º da Constituição, sendo portanto inútil o artigo 7.º-C da proposta.
Sr. Presidente: por último quero tratar de um ponto que reputo ser de primacial importância. Refiro-me ao regime político e administrativo das províncias ultramarinas.
A Constituição de 1911, reconhecendo certamente os graves inconvenientes da asfixiante centralização na administração das províncias ultramarinas que vigorava, consignou numa das suas disposições o princípio de descentralização com autonomia administrativa e financeira. De acordo com um tão salutar princípio, o Congresso da República votou em 1914 as bases orgânicas que representavam uma profunda reforma das instituições administrativas do ultramar.
Na revisão constitucional de 1920 definiu-se a competência dos poderes do Estado na administração das províncias ultramarinas. Diplomas posteriores introduziram várias alterações, todas tendentes a aperfeiçoar o regime de descentralização, que, como ficou dito, a Constituição de 1911 assegurara ao ultramar.
Em 1926 a Ditadura decretou novas bases. Contendo disposições acentuadamente centralizadoras, essas bases vieram inutilizar os esforços despendidos na longa jornada que ia de 1914 a 1926. As províncias ultramarinas viram-se novamente no regime de absorvente centralização que por tantos anos predominara.
Em 1928 vieram outras bases e em 1930 o Acto Colonial, orientados pelo mesmo princípio informador das bases de 1926, que foram verdadeiramente marcha à ré, como os classificou o Ministro que as referendou. Verdade é que o Acto Colonial, no seu artigo 26.º, garante às colónias a descentralização administrativa e a autonomia financeira que sejam compatíveis com a Constituição, o seu estado de desenvolvimento e os seus recursos próprios.
Mas não é menos verdade que esta disposição continua fria e inerte nas páginas do Diário do Governo, nada tendo havido até hoje - vão já decorridos tantos anos! - em sua execução.
Anima-me -a certeza de que com a aprovação pela Assembleia Nacional das disposições do projecto sobre o regime político e administrativo das províncias ultramarinas já não será assim. Tenho motivos de sobra para esperar que dessas disposições virá ao Estado da Índia o tão desejado Estatuto.
Explico-me. Foi em 1946. Era governador-geral do Estado da Índia o Sr. Dr. José Ferreira Bossa. S. Ex.ª mandou convocar o Conselho do Governo em 16 de Dezembro desse ano, em sessão extraordinária, para uma comunicação urgente que tinha a fazer. Aberta a sessão, comunicou que a Assembleia Nacional, em sessão de 28 de Novembro do mesmo ano, votara a seguinte moção:

1.º Afirma a sua confiança nos princípios de justiça e do direito das nações a ver respeitada a sua integridade e a inviolabilidade do seu território;
2.º Saúda o Estado da índia, que há mais de quatro séculos faz parte da Nação Portuguesa;
3.º Reafirma os sentimentos de fraternidade que ligam os portugueses de todo o Mundo aos seus irmãos indo-portugueses, que, dentro e fora da Pátria, têm elevado o nome de Portugal pela sua cultura e comum sentido da grandeza da Nação;
4.º Assegura ao Governo e ao governador-geral da Índia todo o apoio na sua acção em defesa dos superiores interesses nacionais.

Depois disto o Sr. Governado-Geral acrescentou:

Interpretando o sentido desta moção e baseado no apoio nela garantido, o Governo propoe-se elaborar um novo estatuto para a Índia.
O governador-geral está autorizado por S. Ex.ª o Ministro das Colónias a comunicar que o Governo da metrópole está disposto a propor à Assembleia

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12 DE ABRIL DE 1951 823

Nacional um novo estatuto para o Estado da Índia e aguarda que sejam concretizadas as aspirações locais.
Mais uma vez se confirma que, dentro da doutrina do Estado Novo, a revolução continua. É, porém, uma revolução que vem de cima na ordem, na paz e na justiça, em vez de ser tumultuàriamente imposta pela rua.
Eis a grande notícia para que vos convoquei.
Espero que ela abra um novo capítulo na história deste país.

De acordo com o que o Governo da metrópole mandava dizer, concretizaram-se as aspirações da Índia, em projectos sobre os quais foi ouvido o Conselho do Império Colonial, tendo sido publicada depois uma nota na qual se dizia que não era oportuna a promulgação do estatuto, visto que a concessão de certas regalias que se pediam iria alterar as disposições constitucionais do Acto Colonial, o que era da exclusiva competência da Assembleia Nacional com poderes constituintes.
A Índia tinha, pois, de aguardar a revisão do Acto Constitucional.
É agora chegado o momento de ser concedido à Índia um regime mais centrífugo, com descentralização administrativa e autonomia financeira. E é de toda a conveniência que o seja.
Em abono do que digo, não irei desdobrar os pergaminhos do Estado da índia, que vêm dos primeiros tempos da conquista, a atestarem que ele teve uma das mais perfeitas organizações político-administrativas, em importantes instituições, como o Senado de Goa, criado por Afonso de Albuquerque, com os mesmos privilégios do Senado de Lisboa, Conselho do Estado, Chancelaria e Torre do Tombo, Tribunal da Relação, Casa da Moeda, Vedoria, Arsenal, Mesa do Paço, Seminário, Escola Médica, etc.
Estes estabelecimentos, quase todos, datam do século XVI.
Deixarei tudo isto à parte para concentrar a atenção na lição que nos vem dum passado não muito remoto. Referir-me-ei em primeiro lugar ao notabilíssimo Decreto de 1 de Dezembro de 1869, da autoria de Luís Augusto Rebelo da Silva. O diploma visava a reforma das instituições administrativas das províncias ultramarinas. Duas ideias capitais o dominam, como se lê no preâmbulo.

Consiste a primeira em alargar a esfera das atribuições da autoridade superior nos ramos da administração que propriamente lhe incumbem e tende a segunda a conceder mais ampla iniciativa às províncias em condições de poderem usar dela ùtilmente, simplificando ao mesmo tempo quanto possível o serviço público. Pois bem. Justificando a concessão de mais ampla iniciativa à Índia, dizia o mesmo estadista no preâmbulo do decreto, que bem pode dizer-se foi a primeira carta orgânica das províncias ultramarinas:

O Estado da Índia, pela civilização, pela difusão do ensino e pela aptidão dos habitantes, há muito que está no caso de ser considerado apto para entender de mais perto na gerência dos seus interesses morais e físicos. Em províncias assim constituídas a influência do Poder Central ainda aproveita muito, mas regulada de modo que a acção individual e colectiva não seja infirmada ou anulada e que possa ser empregada com vantagem, concorrendo com a inteligência e -com a força para a criação e direcção dos aperfeiçoamentos mais necessários, como são as obras públicas, a instrução, a educação, a beneficência e a saúde pública.

Para não me alongar, não me referirei às várias disposições desse decreto, pelas quais se concedia mais ampla iniciativa aos elementos locais da província. Somente frisarei que Rebelo da Silva criou por esse decreto um organismo denominado "Junta Geral da Província", com atribuições tão latas que excedem em muito as dos actuais conselhos do governo.
Vamos a um outro depoimento, e este de tempos mais recentes. E ele tirado do lúcido e brilhante relatório à proposta da Administração Financeira das Províncias Ultramarinas, da autoria do consagrado homem público Dr. Artur de Almeida Ribeiro.
O volumoso trabalho é um estudo exaustivo, completo, escrito com superior critério e surpreendente largueza de visão, sobre um dos mais transcendentes problemas da administração pública portuguesa. Palpita nessas páginas um espírito clarividente, que, convencido de que na descentralização está o segredo da valorização das províncias ultramarinas, pôs ao serviço de uma causa tão justa todo o seu entusiasmo, todos os seus valiosos recursos de homem de governo de excepcionais qualidades que ele era.
Pois o Dr. Almeida Ribeiro, em defesa da su-a tese, aponta a Índia, pondo em relevo:

... os resultados de uma intensa acção militar e política, as fundas tradições do regime municipal, a existência de uma classe superiormente instruída, que se tem distinguido, não só na colónia, mas fora dela, em trabalhos históricos, literários e científicos e no exercício de funções públicas importantes.

E num outro passo do"mesmo relatório escreve:

A Índia oferece uma modalidade acentuada-mente diferente na maneira de apresentar as suas reivindicações. Desfrutando uma maior cultura, contando numerosos elementos aptos para os trabalhos de inteligência e exercício de funções públicas, orgulhando-se de tantos filhos seus que na história, na literatura e na ciência se notabilizaram, dá às suas representações uma feição mais académica e, ao mesmo tempo, mais calma e mais prudente...

As lisonjeiras referências do Dr. Almeida Ribeiro, se, de um lado, nos desvanecem, incitam-nos, do outro, a instar com o Governo para que se converta em realidade uma das nossas maiores aspirações.
Apoiados.
Repetidas vezes a Índia tem levado ao conhecimento do Governo Central essa sua aspiração. É impressionante a insistência e o ardor com que desde 1916 os congressos provinciais do Estado da Índia - que, diga-se de passagem, eram as assembleias mais representativas das forças vivas do País - se têm batido pela descentralização.
Evidentemente, a Índia não reclama a autonomia com a leveza do critério com que o filho pródigo do Evangelho pediu ao pai a parte da sua herança, para a dissipar em futilidades, em excessos condenáveis.
Tão-pouco a quer como título de glória, a assinalar uma fase da sua evolução político-administrativa. Nada disso. Se a Índia insiste em que lhe seja feita essa concessão é porque se convence de que isso contribuirá para dar um vigoroso impulso ao seu desenvolvimento. É este o único motivo por que ela pugna pela ideia, como acentuou o presidente do primeiro congresso provincial,

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824 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 96

realizado em 1910, nestas palavras do seu discurso inaugural:

Saúdo finalmente neste congresso a síntese das forças vivas do País e a concentração de vontades decididas para pugnarem pelo seu desenvolvimento moral e social e pela satisfação de todas as suas justas aspirações.

E depois acrescentou:

O congresso, pois, para corresponder ao fim que se tem em vista, deve atender sobretudo a questão da autonomia administrativa, económica e financeira.
Mas poderão objectar-se: a descentralização não é isenta ao perigos. Pode ela ter uma funesta repercussão nos destinos as província, por má administração, por desatinos na gestão dos negócios públicos.
Rebatendo este argumento escrevia o Dr. Almeida Ribeiro no já citado relatório estas palavras:
Quando as colónias reclamam direito de se administrarem a si próprias a metrópole tem por vezes respondido que elas em regra, se administram mal...
Também nesta parte a metrópole não tem razão. Sem repetir o argumento de que não pode razoavelmente exigir-se a uma colónia a responsabilidade por actos as administração em que ela não tomou parte activa e considerável convém acentuar que, se na execução de algumas leis orgânicas deixou de obter-se resultados tão brilhantes quanto era para desejar, isso se deve ao erro perpetrado pela metrópole de não conjugar a descentralização administrativa e a autonomia financeira, as quais mutuamente se completam ...

Sr. Presidente: não terminarei as minhas considerações sem acentuar que a concessão da autonomia à Índia será um vitória que virá coroar a luta em que ela está empenhada. Uma vitória singular, como já tive ocasião da dizer. Vitória em que haverá só vencedores. Vencedor o Governo, que, enfrentando, numa larga visão, o momentoso problema, se dispõe a dar um novo regime ao Estado da Índia, a vencedora, a Índia, que soube merecê-lo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A próxima será amanhã com a mesma ordem do dia da de hoje.
Contra as minhas previsões não se pode concluir nesta sessão a discussão na generalidade. Amanhã encerrar-se-á essa discussão.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas a 29 minutos.

Srs. Deputados gue entraram durante a sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
António de Almeida.
António Cortês Lobão.
António Pinto de Meireles Barriga.
Délio Nobre Santos.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michou de Oliveira Mourão.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Herculano Amorim Ferreira.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
José dos Santos Bessa.
Luis Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Marques Teixeira.
Teófilo Duarte.
Vasco de Campos.

O Redactor - Luís Avillez

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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