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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 97

ANO DE 1951 13 DE ABRIL

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º97 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 12 DE ABRIL

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 11 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta ao expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Cardoso de Matos, porá se referir a problemas de interesse para Angola; Miguel Bastos, que se referiu à necessidade de melhorar o serviço de transportes entre as duas margens do Tejo: Pinho Brandão, sobre assuntos ligados às pequenas indústrias de moagem do milho, e Sá Carneiro, acerca da intervenção do Sr. Deputado Carlos Moreira, na sessão de ontem,sobre, assuntos de interesse para o concelho de Mesão Frio.

Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade sobre a proposta de lei de revisão da Constituição e do Acto Colonial.
Usaram de palavra ou Srs. Deputados Sócrates da Costa, António Maria da Silva, Bartolomeu Gromicho, Augusto Cerqueira Gomes e Tito Arantes.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 44 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
António de Sousa da Câmara.
Artur Proença Duarte.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.

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Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
Jogo Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Cosia Amaral.
Joaquim Mendes ao Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme ao Melo o Castro.
José Luís da Silva Dias.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bossa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçado.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Correia Telas de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Ricardo Malhou Durão. Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Remires.
Vasco de Campos.
Vasco Lopes Alvos.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 80 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 10 horas e 11 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Das juntas de freguesia de Loivos da Ribeira, Prende, Tresouras e Oliveira, do actual concelho de Bailio, apoiando o discurso do Sr. Deputado Carlos Moreira quanto à sua integração no concelho de Mesão Frio.
Do regedor de Tresouras, do pároco e outras personalidades representantes da população de Teixeiró, no mesmo sentido.
Da Associação dos Bombeiros Voluntários, do Grémio dos Vinicultores, da Associação Regional, do Sport Clube o do comércio de Mesão Frio, representado por numerosas assinaturas, no mesmo sentido.
Da Casa do Povo, da comissão concelhia da União Nacional e da Santa Casa da Misericórdia de Mesão Frio, no mesmo sentido.
Da Câmara Municipal de Bailio, contra o referido pedido de anexação.
De Custódio Graça, Ferreira & Rocha, L.da, e Teixeira da Rocha, Lda, exprimindo inteira concordância com o discurso do Sr. Deputado Mascarenhas Galvão acerca das novas pautas aduaneiras.
Do Centro Académico de Democracia Cristã, pedindo, em nome do pensamento da maioria católica da Nação, que seja incluída na constituição a invocação do Santo Nome de Deus.

Ofícios

Do Grémio da Lavoura de Bragança, informando que patrocina o solicitado à Assembleia Nacional pelos grémios da lavoura da província do Douro Litoral.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Cardoso de Matos.

O Sr. Cardoso de Matos: - Sr. Presidente: pedi a palavra para apresentar a V. Ex.ª e aos Exmos. Srs. Deputados que constituem esta Câmara os meus melhores cumprimentos e agradecimentos pela atitude que se dignaram tomar quando, na sessão de 6 do corrente, o ilustre Deputado e reconhecido colonialista Sr. Ricardo Vaz Monteiro, na sua brilhante intervenção acerca da apreciação do Acto Colonial, e reproduzindo palavras do ilustre homem público Prof. Dr. Armindo Monteiro, disse:
Que sempre se considerou um título de honra o ser-se colono. São os colonos que, acima de tudo, têm feito o Império.

Dignou-se o ilustro Deputado Sr. Vaz Monteiro citar o nome da minha modesta pessoa como exemplo de quanto pode ser útil ao engrandecimento da Nação o trabalho honesto das nossas províncias ultramarinas, mas sempre com os olhos fitos no bem da Pátria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - De facto assim é e deve ser, e para tanto haverá que possuir também um pouco de espírito de sacrifício, porque, quanto a amor pátrio, não há nenhum colono que o não possua em grau máximo. Tenho até a impressão de que este sentimento sagrado se vinca mais nos portugueses que trabalham nas nossas terras de além-mar.
Não me alongarei na descrição do que foi e do que ainda é a vida do colono, porque para a bem compreender é preciso vivê-la, e, se eu tivesse faculdades para poder descrever a VV. Ex.ªs o que foi a minha vida de quarenta o sete anos em Angola, - creio que estaria feita, - em grande parte, a história da colonização daquela grande parcela de Portugal.
Como no meu caso, existem muitos outros que conseguiram, à custa de sacrifícios e de mil dificuldades, vencer na vida e erguer uma obra que muito nos honra perante nacionais o estrangeiros, e a comprová-lo considere-se o que essa plêiade de homens cheios de fé conseguiu realizar.
Creio mesmo que só os portugueses seriam capazes de, no curto espaço de pouco mais de trinta anos, levarem a cabo essa grandiosa obra representada pela fundação de cidades o vilas por toda a província, como sejam Nova Lisboa, Silva Porto, Malanje, Teixeira da Silva, Moxico e tantas outras, o ainda ao impulso dado às cidades de Luanda, Benguela e Lobito, mas especialmente Luanda, onde hoje só vêem construções que não desmereceriam ao pé das lindas coisas de Lisboa. Luanda é hoje uma cidade onde nada falta, desde os melhores estabelecimentos comerciais, teatros o cinemas, como os

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melhores de Lisboa, e hotéis com todos os requisitos modernos de comodidade e higiene.
Renovo os meus agradecimentos, mas, por imperativo de consciência, permitam VV. Ex.ªs que seja em nome de todos os colonos de Angola que ou aceite e lhes transmita o louvor com que VV. Ex.ªs se dignaram honrá-los.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em meu entender - não deveremos esquecer os que, em holocausto da santa cruzada de engrandecer a nossa querida Pátria, tombaram para sempre, e muitos foram os pioneiros como eu que a meu lado tombaram, os quais recordo com saudado para lhes prestar a minha homenagem, como igualmente a devemos prestar ao nosso heróico Exército de terra e mar pela sua acção nas campanhas de ocupação, em que praticou actos de um heroísmo tal que, ao recordá-los, não podemos deixar de sentir orgulho em ser portugueses.
Apoiados.
Sr. Presidente: permita-me V. Ex.ª mais uns momentos para manifestar a minha concordância com a doutrina exposta pelo ilustre Deputado Sr. Vaz Monteiro, porque ela está integrada dentro da lógica necessária aos governos das províncias ultramarinas, o nem outra atitude era de esperar de quem como S. Ex.ª x.1 conhece tais problemas de grande transcendência, e para os apreciar tem S. Ex.ª, além dos dotes de inteligência, a experiência feita como governador que foi da Guiné e de S. Tomé, onde teve uma acção notável a contento de todos os colonos e na época em que os tempos eram difíceis.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Enfileiro, portanto, ao lado daqueles que preferem à palavra "império" o termo, de maior tradição entre nós, "ultramar português", designando o conjunto das províncias ultramarinas. Seja-me ainda permitido apresentar ao Governo os meus agradecimentos e de quantos aqui modestamente represento pelas medidas tornadas acerca das modificações introduzidas no Acto Colonial, que, a serem cumpridas e sem ficarem sujeitas a pequenos entraves burocráticos muito beneficiarão o desenvolvimento de Angola o das demais províncias ultramarinas.
Em boas mãos está entregue a grande obra a realizar, e seria quase ingratidão deixar de prestar homenagem, ao Exmo. Sr. Comandante Sarmento Rodrigues, actual ,Ministro do Ultramar, pelo carinho que vem dispensando a tudo quanto se ligue com o desenvolvimento das nossas províncias ultramarinas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Presto também as minhas homenagens ao Exmo. Sr. Capitão Silva Carvalho, governador-geral de Angola, pelo esforço que vem desenvolvendo em prol do engrandecimento daquela grande o portentosa província ultramarina.
Apoiados.
Antes, porém, de terminar não posso deixar de me referir à triste ocorrência suscitada na vila de Catumbela, conforme os jornais referiram, vila esta que em tempos idos foi importante empório comercial.
Porque fui vitima de catástrofe semelhante, suportada em 1944 pela população de Novo Redondo, posso bem avaliar os prejuízos de toda a ordem por que está a passar a população de Catumbela.
É nestes transes que os colonos vêem de um momento para o outro desaparecer todo o produto do seu trabalho a canseiras de dezenas de anos.
É nestas emergências que o ânimo dos colonos se revigora o que eles mais precisam do auxílio do Estado.
Assim, permito-mo chamar a atenção do Governo, o em especial de S. Ex.ª o Ministro das Colónias, no sentido de a tempo o horas chegarem os auxílios para aqueles que viram desaparecer de um momento para o outro as suas casas e as suas colheitas.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

o Sr. Miguei Bastos: - Sr. Presidente: desejava hoje, em rápidas palavras, chamar a atenção do Governo para o problema, da ligação de grande parte da zona do País ao sul do Tejo com Lisboa. Este problema interessa a milhares de portugueses, que tantos são os que vivem e trabalham na chamada península de Setúbal, mas tem especial acuidade para a já hoje numerosíssima população de Almada, que se tem transformado nos últimos anos por forma surpreendente.
Basta referir que o censo de 1940 acusou para Almada a população de 7:755 habitantes, número que subia em 1950 para 19:250.
A principal ligação daquela zona a sul do Tejo com Lisboa é feita por Cacilhas, utilizando-se ou os pequenos barcos que fazem as suas carreiras para o Cais das Colunas, ou um serviço de ferry-boats, cuja actividade se pode sem favor, considerar boa em condições do segurança, velocidade e correcção do pessoal ao seu serviço e que tem o seu término no Cais do Sodré.
Sucede, porém, que as carreiras do Cais das Colunas terminam às primeiras horas da noite e as dos ferry-boats cessam à 1 hora e 30 minutos. Depois desta hora toda a referida zona sul do Tejo, e nomeadamente toda a população de Almada, deixa de ter contactos directos com Lisboa.
Parece realmente chocante este estado de coisas!
E daí o bem se compreender o clamor que a sua manutenção vem levantando nos largos milhares de portugueses que vivem na Outra Banda e que têm a sua vida normal e os seus interesses em Lisboa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pode dizer-se que depois da 1 hora e 30 minutos não há razão justificativa para se circular entre as duas margens, mas tal argumento só seria de aceitar se fechássemos os olhos às condições actuais da vida moderna ou quiséssemos recuar no tempo a outros hábitos, outros costumes ou a realidades diferentes da vida comercial o industrial do momento que se vive.
A própria drenagem de produtos para os mercados de Lisboa sei que sofre atrasos o prejuízos com esta paralisação de tráfego, que nada justifica num serviço público.
Pode também dizer-se que é fácil a qualquer obter a viagem Cacilhas-Lisboa, pois, ficando de prevenção um ferry-boat, pode requisitá-lo quem o quiser utilizar mediante o pagamento da pequena sobretaxa de 100$.
Se isto é aceitável para um ou outro caso de urgência, nada significa como segurança, comodidade e certeza de um serviço público. A população precisa de ter ligações normais com Lisboa, que assegurem o desenvolvimento de Almada e de toda a região à que está ligada, sem recorrer a um serviço extraordinário, que pode resolver uma aflição, mas está longe de poder ser tomado como uma garantia normal e certa.
A empresa concessionária - como já disse - mantém uma tripulação a bordo para o serviço extraordinário; pequeno será o aumento de despesa se fizer com ela mais quatro ou cinco carreiras, tantas são as necessárias para cobrir o espaço que vai da 1 hora e 30 minutos às

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6 horas e 30 minutos. E creio que ninguém poderá, de boa fé, falar, em relação a este serviço, em exploração deficitária...
E, já que falo nestas ligações entre Cacilhas e o Cais do Sodré, quero também solicitar do Governo providências para a forma como se faz o embarque e desembarque.
As pontes de acesso servem para os carros e para os passageiros. Estes entram e saem dos barcos sem qualquer espírito de disciplina, invadindo o espaço destinado aos carros, ocasionando dificuldades quase impossíveis de vencer e não raro insultando os condutores por não poderem fazer os impossíveis que os peões entendiam que deviam fazer. Mas mais grave do que tudo isto é ainda a circunstância de os passageiros se lançarem para o barco quando ainda dele estão saindo os carros ou procurarem desembarcar quando o barco ainda não atracou. A entrada com o barco em andamento é, então, coisa vulgar e usual.
Destes factos têm resultado imensos desastres e não são já poucas as vidas que se têm perdido com este uso e abuso.
Tudo isto decorre sem a intervenção disciplinadora de qualquer dos tripulantes ou de qualquer agente da autoridade.
Suponho que actos como os que acabo de relatar não são já dignos da nossa época e estão bem longe, felizmente, do sentir disciplinado que se observa no nosso povo ao tomar ou abandonar qualquer dos outros meios de transporte colectivo existentes no País.
Fico confiado em que não terei de voltar a este assunto, tão modesto é o pedir e tão fácil o remediar.
Apoiados.
O Governo vai certamente tomar prontas providências para fazer desaparecer os males apontados. E, já que não foi possível assinalar o XXV ano da Revolução Nacional com a ponte de Lisboa à Outra Banda, que o Governo assegure entre aquelas duas importantíssimas zonas populacionais uma cómoda, segura e constante ligação fluvial.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Pinho Brandão: - Sr. Presidente: pedi a palavra antes da ordem do dia para chamar a atenção do Governo e especialmente do Sr. Ministro da Economia para a exigência, não sei neste momento se legal se abusiva, que desde há anos se vem fazendo às pequenas indústrias de moagem de milho, às chamadas azenhas accionadas a água, das quais a Comissão Reguladora das Moagens de Rama ou a Federação Nacional dos Industriais de Moagem vem cobrando taxas mensais, variáveis umas para as outras, conforme a capacidade de laboração, mas que em todo o caso constituem um encargo pesado e que essa pequena indústria com grande dificuldade comporta.
Suponho, Sr. Presidente, que estas taxas se destinam ao pagamento dos encargos resultantes das expropriações das moagens de trigo que, por excederem a capacidade de farinação necessária ao consumo do País, foram encerradas e desmontadas, em execução do artigo 48.º do Decreto-Lei n.º 24:185, de 18 de Junho de 1934.
Se esta suposição corresponde à verdade, e eu suponho que sim, a exigência do pagamento das referidas taxas aos industriais das azenhas a que me referi, destinadas exclusivamente à farinação de milho, é o que há de mais injusto e constitui uma autêntica violência, a que urge pôr termo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - De facto, e como se verifica do citado Decreto n.º 24:185, foi autorizada a Federação Nacional dos Industriais de Moagem a expropriar, mediante indemnização, as fábricas de moagem que não fossem necessárias ao consumo do País até ao limite correspondente a 30 por cento da capacidade de laboração das moagens em 18 de Julho de 1934, como resulta do artigo 48.º daquele diploma.
Ora se as taxas cobradas desses pequenos industriais se destinam directa ou indirectamente a pagar os encargos resultantes das expropriações autorizadas pelo citado artigo 48.º, como parece resultar do artigo 58.º do referido decreto, constitui o facto uma violência, porque essas azenhas não beneficiaram nem podiam beneficiar do encerramento das fábricas expropriadas.
Tais fábricas expropriadas eram de farinação de trigo e por isso o seu encerramento, imposto por uma excessiva capacidade de laboração das fábricas de farinação de trigo então existentes, só ia beneficiar estas fábricas; ora as azenhas a que me venho referindo destinam-se exclusivamente à farinação de milho. Por que razão, pois, se vem exigir destas azenhas o pagamento mensal de taxas destinadas ao pagamento dos encargos resultantes das expropriações das fábricas de farinação de trigo que excediam a capacidade do consumo do País, se o encerramento destas veio apenas beneficiar as restantes fábricas de farinação de trigo?
Esta exigência, Sr. Presidente, é profundamente injusta e para ela chamo a atenção esclarecida do Sr. Ministro da Economia, a fim de que lhe seja posto termo, acabando-se com estes encargos, que oneram sobremaneira estas pequenas azenhas.
Apoiados.
De resto, Sr. Presidente, não está certo que o Decreto n.º 38:143 tenha eliminado do quadro do condicionamento industrial as moagens sem peneiração mecânica, e, consequentemente, tenha tornado livre o exercício da indústria de moagem sem peneiração mecânica, e se mantenha a exigência do pagamento das referidas taxas por parte das pequenas azenhas.
Há lei que obrigue os industriais dessas pequenas azenhas ao pagamento dessas taxas? Se há, Sr. Presidente, revogue-se essa lei, por injusta e imoral.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: o Sr. Deputado Carlos Moreira, na sessão de 10 do corrente, trouxe a esta Assembleia a pretensão do concelho de Mesão Frio em ordem a ser ampliada a sua área territorial à custa do de Baião.
Pelo que disse o ilustre Deputado, o caso está afecto ao Sr. Ministro do Interior, em cuja justiça todos nós confiamos.
Tendo ouvido apenas a versão de uma das partese não estando pendente qualquer projecto ou proposta de lei, à Assembleia não interessava senão arquivar o desabafo dos povos de Mesão Frio, aqui transmitido por um distinto parlamentar.

O Sr. Carlos Moreira: - Eu desejava que V. Ex.ª pudesse acrescentar às suas palavras aquilo que consta da leitura do expediente de hoje, em que se vê. não ser um desabafo dos povos de Mesão Frio, mas sim das próprias cinco freguesias do concelho de Baião, que, através dos seus elementos representativos - regedor, junta de freguesia, pároco e habitantes -, pretendem passar do concelho de Baião para o de Mesão Frio, onde estiveram durante sete séculos.

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O Orador: - Mas a Assembleia Nacional não está procedendo a nenhum referendo.

O Sr. Carlos Moreira: - Mas está a receber e a transmitir as aspirações dos povos.

O Orador: - Como era natural, o desejo expansionista de Mesão Frio não agradou a Baião. Em telegramas recebidos hoje pelos Deputados do círculo do Porto protesta-se contra aquela reclamação, dizendo-se num, subscrito pelo Sr. Presidente da Câmara de Baião, que a boa fé do Sr. Deputado Carlos Moreira foi iludida pelos termos e facilidades da exposição dirigida ao Sr. Ministro do Interior pelo presidente da Câmara de Mesão Frio.
E Baião solicita dos seus Deputados a necessária e imprescindível intervenção a favor da integridade territorial do seu concelho, ameaçada pelas pretensões de Mesão Frio, que apoda de "ilegítimas e insólitas".

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: não tenho outros elementos para combater a tese do Sr. Deputado Carlos Moreira além dos. que o discurso de S. Ex.ª me fornece.
Louvo inteiramente o proémio municipalista da charla do ilustre Deputado (se me é permitido usar o termo caro ao Sr. Correio-Mor).

O Sr. Carlos Moreira: - Já vejo que a palavra entrou na moda...

O Orador: - No entanto, formulo este reparo: porque se quedariam os povos de Mesâo Frio conformados e quedos durante 114 anos? Parece que os séculos de anterior posse não poderão ser invocados desde que o silêncio posterior à alteração é tão longo e significativo.
Isto por um lado.
Por outro, temos de reconhecer que a argumentação jurídica do ilustre Deputado não é plausível.
S. Exa. traz à colação os artigos 7.º e 12.º, n.º 3.º, do Código Administrativo vigente.

O Sr. Carlos Moreira: - Não sei em que razões se fundamenta o Sr. Deputado Sá Carneiro para afirmar à Câmara que só agora os povos das cinco freguesias manifestaram o seu desejo de voltar a fazer parte do concelho de Mesão Frio, nem para que interessa tal facto.

O Orador: - Estou certo de que, se reclamações houvera, o Sr. Deputado Carlos Moreira não deixaria de referi-las.
Isto por um lado.
Pelo primeiro, as circunscrições administrativas só por lei podem ser alteradas; o segundo comete ao Governo competência para resolver as dúvidas acerca dos limites das circunscrições administrativas.
O ilustre Deputado, tendo aliás o cuidado de ressalvar opiniões em contrário, inclinou-se para a aplicação, por analogia, do artigo 12.º, n.º 3.º
Ora, sem quebra do muito respeito pelo saber jurídico do ilustre Deputado, que com muita distinção advogou noutros tempos e advoga ainda agora, não posso concordar com essa opinião.
Trata-se, evidentemente, de alterar a área de duas circunscrições municipais.
Não considero aplicável ao caso o artigo 12.º, n.º 3.º, mas sim o artigo 7.º

O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª dirá porquê.

O Orador: - Por uma razão muito simples. Porque o artigo 12.º visa apenas a excluir a competência dos tribunais comuns para delimitar freguesias, declarando essa atribuição exclusiva do Governo.
Aqui não se trata de delimitar freguesias; tratar-se-ia, sim, de transferir cinco freguesias dum concelho para outro.
O concelho de Baião tem determinadas freguesias e o de Mesão Frio tem outras.
V. Ex.ª pretende a transferência de cinco das freguesias daquele concelho para este. O problema de delimitação não surge aí, mas sim o da própria área das circunscrições concelhias.
Parece-me que nesse ponto V. Ex.ª se engana, o que é próprio da natureza humana.

O Sr. Carlos Moreira: - É possível que eu esteja, como V. Ex.ª, enganado.

O Orador: - Em face das minhas palavras, V. Ex.ª deve considerar que não tem razão.

O Sr. Carlos Moreira: - Não me parece que V. Ex.ª possa dar à sua conclusão carácter de tanta evidência.

O Orador: - Suponho que é inteiramente evidente.

O Sr. Carlos Borges:-Sobre delimitações tem V. Ex.ª razão. Agora, quanto ao fundo, talvez tenha razão Mesão Frio.

O Orador: - Sr. Presidente: espero que os munícipes de Baião nos forneçam mais elementos o quero crer que . o caso venha de novo à Assembleia.
Ele pode e deve ser aqui versado, visto nesta tribuna deverem acolher-se as aspirações formuladas sobre problemas de interesse local e de interesse geral.

O Sr. Carlos Moreira: - Mas é que eu não tive outra intenção que não fosse levar ao conhecimento do Governo a aspiração dos povos destas cinco freguesias, que pretendem regressar à sua ca.sa.-ma.ter, e creio que isso é o interesse fundamental que nos deve mover.

O Sr. José Meneres: - Isso foi já do tempo dos avós.

O Sr. Manuel Vaz: - Não só pertenceram como têm todo o interesse em pertencer.

O Orador: - Mas pode haver um interesse nacional superior ao das freguesias.

O Sr. Carlos Moreira: - Julgo bem que não, mas aguardemos a demonstração de V. Ex.ª

O Orador: - Repito o que já disse: espero elementos, de que neste momento não disponho, para trazer de novo o assunto à Assembleia.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão, na generalidade, a proposta de lei sobre a revisão da Constituição o do Acto Colonial.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sócrates da Costa.

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O Sr. Sócrates da Costa: - Sr. Presidente: aprovei a proposta da Comissão de Legislação e Redacção sobre a antecipação da revisão constitucional, com o fundamento de que ela ora oportuna o necessária para a satisfação das aspirações do Estado da índia.
E agora vejo, com desvanecimento, que a proposta de lei respeitante à integração das disposições do Acto Colonial na Constituição amplifica a alma da Pátria, levando aos povos do ultramar os seus ideais, para ai consolidar o estado social que existe, fundado na ordem, nas liberdades possíveis e no trabalho dos homens, essencial á sua felicidade, tanto na esfera temporal como espiritual.

Vozes: - Muito bem!

O Orador : - Com efeito, essa integração melhor realça a unidade política da Nação Portuguesa e acaba, deste modo, com o malfadado equívoco de que o Império não é unitariamente português, mas de natureza colonial, ao serviço da metrópole, o que tanto feria a dignidade e o patriotismo de muitos cidadãos portugueses do ultramar.
Apoiados.
Depois, a supressão das expressões "domínios ultramarinos", "colónias" e "império colonial" e o emprego, em vez delas, das designações tradicionais de "províncias ultramarinas" e "ultramar" não é um mero jogo de palavras, mas antes a clara revelação, do verdadeiro sentido da política da Nação Portuguesa, que pelo processo de colonização - não receio empregar este termo visa a incorporar no seu seio as comunidades ultramarinas.
E, se bem interpreto a proposta do Governo, o alargamento das vias de descentralização, tanto nas atribuições de ordem legislativa como executiva, facilita a satisfação das dignas e legítimas aspirações do povo do Estado da Índia, com o ajustamento dessas atribuições, em diploma especial, aos negócios daquele Estado, sob as directrizes que, segundo as sábias palavras do Sr. Presidente do Conselho, e imprimiram os antepassados à sombra da bandeira portuguesa".

O Sr. Mário de Figueiredo: -V. Ex.ª dá-me licença?
Estou autorizado a dizer que V. Ex.ª interpreta bem o pensamento do Governo Português.

O Orador: - Fortalecido com a afirmação que acaba de fazer o meu antigo professor, pessoa por quem tenho a maior consideração, o que representa nesta Assembleia a opinião do Governo, ou continuo:
Que directrizes são essas?
São as que, a meu ver, emergem inconfundíveis da espantosa obra de Afonso Albuquerque e mostram que para o Estado Português é já muito velha essa "missão sagrada de civilização" a que se refere o artigo 22.º do Pacto da Sociedade das Nações, produto da primeira Grande Guerra, como inspiradora das chamadas novas concepções coloniais, nesse pacto proclamadas.
Daí o particular relevo das palavras do Sr. Presidente do Conselho proferidas na abertura do ano político, em que, reconhecendo, embora, deficiências e até erros na acção histórica, S. Ex.ª tem a orgulhosa sinceridade de se ufanar dela e de concluir que, mesmo quando Portugal precise de ajudas, pode dispensar tutelas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Em boa verdade, os progressos da autonomia financeira e administrativa, que estão na base das ditas concepções do Pacto, tendem a estes dois fins últimos e distintos.:

1.º A independência completa da comunidade colonial, logo que ela se encontre preparada, tanto económica como politicamente;
2.º A incorporação total da comunidade colonial no Estado colonizador, com o gozo dos mesmos direitos que a comunidade metropolitana.

Isto quer dizer que o status inferior, que a palavra "colónia" exprime, acaba por dois modos diferentes:
ou pela independência ou pela associação total a que é uso chamar-se assimilação.
Esta segunda finalidade atinge-se, como toda a gente sabe, pela educação e preparação da comunidade colonial para ela tomar parte no Governo o no sistema social o económico da metrópole.
E estas soluções diferentes resultam de duas concepções diversas da actividade colonizadora.
A independência é fatal para os que nessa actividade colonizadora dão primazia aos interesses materiais.
Ao passo que o termo normal da mesma actividade é a associação ou integração quando a potência que a exerce coloca acima de tudo a pessoa humana. É o sistema português.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Na época dos descobrimentos o povo lusitano tinha já gravada na alma essa simpatia universal que lhe permitia ter da fraternidade humana, não apenas uma vaga noção, mas uma espécie de experiência vivida.
Por isso, Afonso de Albuquerque chegou á Índia e entrou em contacto com os povos civilizados que aí encontrou, não como um vulgar conquistador, mas antes domo portador dessa experiência.
De modo que esse encontro do Ocidente com o Oriente, operado pelos portugueses em Goa, sob a forma de uma associação ou sociedade de facto, transformou-se quase subitamente em uma associação ou sociedade de direito. Afonso de Albuquerque instituiu em Goa primeiro passo para a assimilação um senado municipal, com a orgânica do de Lisboa; a justiça o as finanças, no respeitante aos interesses locais, foram confiadas aos naturais de Goa; foram respeitados os costumes orientais compatíveis com o direito das gentes; conservou-se a organização agrária dos multisseculares comunidades aldeanas como parte integrante da vida local, o hindus entraram a desempenhar funções públicas nu tesourarias o feitorias.
Foi assim que Portugal, no período da sua heróica expansão, se estabeleceu na Índia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quaisquer que tenham sido da injustiças cometidas no decurso da ocupação, o sempre difíceis de justificar na sua origem, o tempo, porém, que por si só nada faz, mas dentro do qual tudo ao faz, segundo a fórmula de Grotious, vem demonstrar ao mundo de hoje que o encontro do Ocidente e do Oriente, realizado pelos portugueses em Goa, aí criou um núcleo social de tendências nitidamente universalistas, que para o bem da própria Humanidade, só pode viver o progredir em cooperação cada vez maior e mais estreita com o Estado Português.
Citarei um facto apenas para justificar esta afirmação.
0 facto é este:
Quando Portugal, sob pressões do princípio da chamada ocupação efectiva, agitado, com duvidosas intenções, na Conferência de Berlim de 1885, ganhou pela segunda vez os seus territórios africanos, muitos médicos formados pela Escola Médica de Goa e não menos sacerdotes saldos do Seminário de Rachol, impelidos pela lusitanidade, cooperaram na arriscada e heróica missão civilizadora da Nação Portuguesa.

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À face deste e doutros factos semelhantes, não é lícito duvidar-se de que Portugal criou em Goa algo de espiritual que só no seio da Nação Portuguesa poderá ser útil à falada "missão sagrada de civilização", tão exaltada agora pelo citado Pacto da Sociedade das Nações.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: não tenho a estulta pretensão de dar a VV. Ex.ªs qualquer novidade com as reflexões que fiz.
Pretendo apenas recordar o alto pensamento da inconfundível política de Afonso de Albuquerque como introdução às breves considerações que vou fazer sobre as legítimas e patrióticas aspirações dos meus conterrâneos, ou seja dos portugueses do Estado da Índia.
Há que separar, antes de mais nada, o trigo do joio. É necessário aclarar a perspectiva, reduzindo à sua insignificância as manifestações antipatrióticas de uns poucos, que, por falarem com frequência e em voz alta, sob as excitações do exterior, dão a ilusão perturbadora de serem muitos e representarem a opinião da maioria dos goeses.
Efervescências dessa natureza há em toda a parte.
Se há uns tantos goeses que se dão à fantasia de pensar que se tornam mais indianos sendo menos portugueses, também aqui, no centro da Nação, não falta uma outra espécie de antipatriotas, que, renegando-se a si próprios, procuram apoio exterior para a solução de problemas sociais, que está afinal na melhor compreensão do património moral da Nação a que pertencem.
As atitudes destes e dos outros tomam, por vezes, formas ofensivas que irritam. Mas as irritações e as medidas repressivas que sugerem não podem só por si ser uma solução.
O verdadeiro remédio, o remédio profundo e eficaz, é desmascarar os agitadores das paixões com a satisfação das aspirações daqueles que desejem sinceramente enriquecer o património económico e moral da Nação.
Apoiados.
É certo que os acontecimentos da Índia provocaram uma grande perturbação no espírito de alguns dos meus conterrâneos. Mas, logo que o Sr. Presidente do Conselho declarou que, no desenvolvimento da política do Estado Novo, expressa nesta fórmula: "a integração cada vez mais perfeita e completa de todas as províncias dispersas na unidade da Nação Portuguesa", seriam satisfeitas as suas aspirações, voltou a calma que momentaneamente se perdera.
Poderia demonstrá-lo com citação de vários factos, mas, para não fatigar mais a benévola atenção que VV. Ex.ªs vêm prestando às minhas modestas considerações, limitar-me-ei a apreciar a corrente da emigração a que se referiu o ilustre Deputado Dr. Manuel Vaz.
O boletim trimensal da Repartição da Estatística do Estado da Índia de Abril a Junho de 1949 mostra que dos 066 emigrantes 120 eram hindus e os restantes 446 católicos.
Destes só 7 foram para a vizinha Índia e os outros, quase na totalidade, foram procurar ocupação na África Portuguesa e Inglesa. E dos hindus só 79 foram para a vizinha Índia, espalhando-se os outros pelo mundo ocidental.
Isto mostra que os meus conterrâneos, cristãos ou hindus, impregnados de lusitanidade, com plena confiança no Estado Português, procuram fora de Goa o mesmo ambiente que aí se formou no decurso de quatrocentos anos.
Exceptuados, portanto, certos transviados, que nem são úteis a Goa nem aos ideais de paz do Primeiro-Ministro da Índia, pândita Nehru, aqueles que se prezam de ser genuinamente goeses mantiveram-se, hoje como ontem, fiéis à sua Pátria, que é Portugal, ao formular as queixas ou ao manifestar as suas aspirações, que estão dentro das tradições portuguesas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A vaga tendência de desconcentrar o Poder num regime de assimilação, alargando as atribuições das autoridades locais, vê-se esboçada no artigo 15.º e seus parágrafos do Acto Adicional de 1852.
O próprio Decreto de 1 de Dezembro de 1869, a que se chamou a lei fundamental da administração ultramarina, pouco mais atendia às peculiaridades de cada província ultramarina, pois pensava o seu autor, Rebelo da Silva, que, por as províncias ultramarinas estarem representadas em Cortes, nada tinham a invejar às colónias favorecidas das outras nações.
Se é certo que a instituição dos comissários régios, em 1896, representa o passo mais aberto da nova tendência dês centralizadora na administração das províncias ultramarinas, o verdadeiro ponto de partida para a legislação que depois se publicou, na República, em 1914, 1920 até ao regime do Acto Colonial, é a reorganização da província de Moçambique, feita nos derradeiros tempos do reinado do martirizado Rei D. Carlos.
Depois, a República fez, logo de entrada, a afirmação categórica de que dotaria o domínio colonial com o self-government.
É o que se lê na p. 164 do notável relatório da proposta da lei orgânica das províncias ultramarinas, apresentada ao Congresso pelo antigo Ministro das Colónias Dr. Artur de Almeida Ribeiro, a que se referiu o meu ilustre colega Sr. Deputado Castilho de Noronha.
Diz o ilustre Ministro que, ainda que pela designação de self-government se tenha querido exprimir sómente uma descentralização graduada de harmonia com as condições peculiares de cada colónia, essa promessa, só por si, constitui uma afirmação positiva que nunca antes fora feita e capaz de incitar a bem fundadas reclamações.
Na verdade, self-government exprime o tipo de autonomia perfeita dos domínios ingleses na fase colonial.
Neste sistema a potência colonizadora encaminha pró-gressivamqpte a colónia para a independência, concedendo-lhe hoje uma larga descentralização administrativa, dando-lhe amanhã plena competência legislativa, até a deixar ligada à metrópole por ténues laços voluntários, por ela aceites.
Pois bem, Sr. Presidente e Srs. Deputados! O Estado da Índia não tomou a promessa do self-government no seu verdadeiro sentido; interpretou-a antes em conformidade com o seu patriotismo, como o citado Ministro demonstra com a transcrição do trecho do manifesto publicado por um instituto daquele Estado, que passo a, ler. É assim:

Sendo uma verdade bem demonstrada, que a decadência presente da Nação Portuguesa pode ser combatida fomentando-se o progresso das suas colónias, a nossa gratidão impõe-nos o dever de concorrer para esse patriótico fim por via do engrandecimento deste país.
Porém, de que meio nos serviremos para conseguir um adiantamento capaz de se reflectir salutar-mente na metrópole? Os conferentes crêem que o melhor meio consiste na ingerência larga dos filhos do país na administração local, na descentralização administrativa da Índia Portuguesa.

Ora depois, disto, no regime descentralizador de 1914, o Estado da Índia deu sobejas provas do seu tradicional patriotismo, revigorando a sua dependência política, na prática de autonomia administrativa, na legislação, no

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governo e administração, na organização financeira e até no regime comercial.
Esta autonomia, depois acentuada pelo regime de 1920, isto é, pelas bases orgânicas aprovadas pelo Decreto n.º 7:008, de 9 de Outubro do dito ano, foi cerceada pelo regime do Acto Colonial.
Por outro lado, a circunstância de a orgânica do Estado da índia ter sido regulada conjuntamente com as dos territórios coloniais propriamente ditos causou certos melindres.
E daqui algumas queixas o a exposição de aspirações.
Mas os anseios de há oitenta e sete anos não diferem muito dai aspirações de hoje.
De facto, o que agora se pretendo é que a orgânica do Estado da Índia não seja regulada conjuntamente com as dos territórios em regime de indigenato, para que os seus naturais possam dignamente afirmar - notem bem VV. Ex.ªs -, não só aos vizinhos, mas ao mundo inteiro, que política o socialmente eles são plenos cidadãos portugueses, com ingerência real e efectiva na administração pública.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Será justo que aos naturais do Estado da índia, admitidos nos mais altos cargos públicos em todos os territórios de Portugal, se não conceda uma acentuada autonomia financeira e descentralização administrativa na sua própria terra, mormente quando elos desejam, pela prática dessa autonomia, afirmar-se cada vez mais portugueses diante dos que, com falsas miragens, pretendem esmagá-los?
A mim, pessoalmente, agradaria mais que, salvaguardada a autonomia financeira e a correlativa descentralização administrativa, Estado da índia tivesse um regime semelhante ao que a Câmara Corporativa sugere para o arquipélago de Cabo Verde, mas pela forma preconizada pelo antigo Ministro Dr. Vieira Machado na declaração do seu voto.
Mas acima dos meus desejos estão as bases do regime administrativo do Estado da índia, aprovadas pelo seu Conselho de Governo, em que assentará decerto o futuro estatuto ou carta orgânica daquele Estado.
Sinto ter fatigado a atenção de V. Ex.ª Sr. Presidente, e da Assembleia.

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - Poucas palavras mais, para terminar.
Referindo-se ao artigo 45.º da proposta de lei da revisão da Constituição, pondera a Câmara Corporativa, no seu douto parecer, que, dentro do princípio da comunidade de direito da integração do Acto Colonial no texto da Constituição, aquele artigo contém a regra normativa do Estado em África, na China e na índia, onde outras religiões são professadas por grandes núcleos de súbditos portugueses, constituindo maioria nos seus territórios.
Eu professo a religião católica, que é a da metade da população do Estado da índia, professando a outra parte a religião hindu.
Desde que a religião católica não passe a ser religião oficial estou convencido de que o grande espírito de tolerância da população hindu, que também adora Deus sinceramente, a seu modo, não pode ficar perturbado com o preceito daquele artigo 45.º
Isto dito, eu presto homenagem aos doutos pareceres da Câmara Corporativa e agradeço as palavras do Sr. Deputado Manuel Vaz, bem como o interesse que revelou o Sr. Deputado Mendes Correia pelo Estado da índia.
E, finalmente, faço votos para que a carta orgânica do Estado da índia seja em breve mais um passo na consolidação do Estado Novo, fiel detentor das nobres tradições da Nação Portuguesa.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. António Maria da Silva: - Sr. Presidente: de todas as propostas de lei trazidas a esta Câmara nenhuma é mais importante do que esta.
Trata-se da discussão para a revisão da lei funda. mental da Nação, reguladora do exercício do poder soberano e da forma da organização do Estado.
É nela que se determinam a natureza e as funções do Governo e os direitos e deveres do povo português desse povo composto de gente nobre, heróica e bondosa,
da grei lusitana, que não só está reunida na metrópole e nas ilhas adjacentes, mas também se encontra espalhada por todas as parcelas dos nossos vastos territórios do ultramar, contribuindo enormemente para valorizar o nosso património nacional e honrar e prestigiar o nome português no mundo internacional.
Desde a transição do regime absoluto para o regime liberal, instituído em Portugal pela infiltração no Pais das ideias liberais francesas, nas primeiras décadas do século XIX, desde que foi posta em vigor a nossa primeira Constituição, em 33 de Setembro de 18-92, desde que a soberania, que era um atributo dos reis, passou a pertencer à Nação, pelos seus representantes legais, o estatuto basilar do País, sob a denominação de Constituição ou Carta Constitucional, foi, por vezes, objecto de revoltas, revoluções o golpes de estado para a sua modificação.
Implantada a República, a Constituição de 1911 expulsou Deus da nossa pátria, quebrou os vínculos indissolúveis do sacramento do matrimónio, separou a Igreja
do Estado, pretendeu afastar os portugueses do cumprimento da sublimíssima moral de Cristo, daquela eterna e imutável moral do Mártir do Gólgota, que formou o carácter do nosso povo, tornando-o digno, honrado, simples e bondoso.
Aquela nefasta Constituição, tão inadaptável para o País, estabeleceu um Parlamento com tão latos poderes que até podia destituir o próprio Presidente da República e fazer cair o ... Ministério, sempre que a maioria parlamentar o quisesse. Uma Constituição de tal natureza, tão inadequada às condições e ao carácter do nosso povo, resultou, como se provou, numa pavorosa crise financeira e económica e numa desastrosa indisciplina social, que feriu de morte o nosso querido Portugal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas Deus não consentiu que um país que nasceu cristão e que tinha por lema do seu Governo, na brilhante época dos Descobrimentos, a propagação da fé e da religião, Deus não consentiu que um pais que chamou tanta gente para junto de Cristo perecesse pela desorientação de um punhado de portugueses que quiseram introduzir em Portugal doutrinas ultra-liberais, contrariando o sentimento do bom povo português crente e católico.

vozes; Muito bem!

O Orador: - 0 nosso glorioso Exército salvou o povo da descristianização e o País da sua fatal derrocada.

Vozes : - Muito bem!

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O Orador:- A Revolução Nacional de 28 de Maio de 1926 anulou a Constituição de 1911 o estabeleceu o Governo da Ditadura, regime transitório, que vigorou até 19 de Março de 1933, data em que foi aprovada, em plebiscito nacional, a actual Constituição.
Segundo as características deste importantíssimo diploma, o Poder Executivo não está na completa dependência do Poder Legislativo e foi por isso que se tornou possível a organização de governos estáveis, sempre com o nosso sábio estadista Salazar à testa, trazendo tantos o tão grandes benefícios ao País e ao seu povo. .

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Se outros motivos não houvesse para dar o meu voto à proposta de lei que estamos discutindo, bastava este para ela o fazer, como o faço neste momento
com as considerações que acabo de expor.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Com referência ao Acto Colonial, notável obra do Estado Novo que contém os preceitos fundamentais da legislação em matéria colonial, esta nossa lei constitucional do direito colonial vai ser modificada e incorporada no título VII do próprio texto da Constituição.
0 citado diploma, como todos nós sabemos, posto em vigor pelo Decreto-Lei n.0 22:465, de 11 de Abril de 1933, sofreu algumas alterações pela Lei n.º 1:900, de 21 de Maio de 1935.
Agora, porém, entro as modificações nele introduzidas encontra-se a substituição da designação de "colónias" por "províncias", aos nossos territórios de além-mar.
Por insignificante que possa parecer a muitos esta alteração de nomenclatura, ela vai, todavia, tornar mais efectiva a fusão entro a metrópole e os nossos territórios ultramarinos.
Províncias oito as nossas parcelas do continente europeu o províncias vão ser também todas as nossas paralelas de Portugal espalhadas pelo Mundo. Feliz alteração esta.
Assim, a maior preocupação do Estado Novo de organizar o nosso país com a reunião de todas as suas parcelas situadas nos quatro continentes do Mundo Europa, Ásia, África e Oceânia vai tornar-se uma realidade.
Todas elas juntas o com a mesma designação vão formar o nosso glorioso Portugal, "uno, indivisível o imprescritível", como deseja o actual supremo dirigente 4a política portuguesa.
Nunca em tempo algum da nossa história, nunca como nestes últimos vinte o cinco anos de regência do Estado Novo, as nossas terras do ultramar tiveram tão eficaz apoio o mereceram a dispensa de tantos cuidados " atenções por parte da Mãe-Pátria.
Até às duas primeiras décadas. do actual século o valor e a utilidade das nossas colónias eram quase que completamente desconhecidos na metrópole.
Os nossos territórios das duas costas de África eram apenas o lugar de desterro dos condenados à pena maior e motivo de preocupações dos nossos antigos governantes quando alguma tribo das regiões ainda não subjugadas completamente se revoltava contra a nossa soberania.
Macau e Timor ficavam tão longe que quase se não podia lá chegar.
Só a nossa Índia, mais progressiva e adiantada que as outras províncias ultramarinas, era conhecida o tratada com maior carinho, tendo-lhe sido dada a denominação de "estado", como igualmente se denominavam os nossos territórios do Brasil e do Maranhão.
Bem diferente é a posição das nossas parcelas do Portugal de hoje.
Todas elas prosperam e progridem, num ritmo acelerado cada vez mais crescente, à sombra de uma mesma bandeira e protegidas por um mesmo estatuto basilar, fonte imanente de leis subsidiárias especiais, respeitando os usos e costumes dos povos de várias raças o de várias crenças que nelas habitam.
Os princípios fundamentais do Acto Colonial são apenas dois:
Fundir a metrópole e as colónias num todo único e dar às colónias a maior autonomia possível, compatível com o seu desenvolvimento.
A primeira parte já é uma realidade. A segunda acompanha o desenvolvimento de cada colónia.
Deve ser, portanto, um anelo de todos os portugueses que cada parcela de Portugal se desenvolva cada vez mais e a sua independência, tanto económica como financeira o administrativa, seja ampliada consequentemente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -0 facto de o Poder Executivo e o Legislativo das colónias se encontrarem absolutamente concentrados na metrópole tem sido a cansa primordial do antigo atraso dos nossos territórios.
Não há ninguém hoje no País que não pense que quanto mais liberdade se der a acção dos nossos distintos governadores coloniais maior será a prosperidade e o desenvolvimento das nossas terras de além-mar.
Desta forma o factor de capital importância para a continuação do ritmo progressivo dos nossos territórios de além-mar está na acertada escolha; dos seus governadores e dos altos funcionários, que, com eme superior dirigente e com as forças vivas locais, se esforçam pelo progresso de cada colónia, que é sempre bem amada pelos que ali nasceram, vivem e ganham o pilo de cada dia.
A autonomia cada vez maior das nossas terras do ultramar é uma aspiração justa e legítima dos seus naturais.
Dá-la, como já consta do disposto no Acto Colonial, e prometer ampliá-la, consoante o seu desenvolvimento, como igualmente se acha expresso no mesmo diploma, é uma visão larga do Estado Novo, que tem por chefe Salazar e por cooperadores outros tantos estadistas que possuem em alto grau a arte de bem governar.
Todos os filhos de Portugal residentes na metrópole e espalhados pelo mundo português estão atentos a tudo que se passa nesta mais alta assembleia legislativa do País, onde os legítimos representantes do povo vêm discutindo nestes dias a revisão da lei reguladora das normas da organização da Nação.
Em matéria tão importante a voz de Macau não podia deixar de ser levantada pela boca do seu humilde representante para demonstrar que a situação da linda Cidade do Nome de Deus é bem diferente de todas as outras parcelas de Portugal.
Macau não foi descoberta, não, foi conquistada, foi perpetuamente cedida a Portugal pela China, em reconhecimento da heroicidade dos nossos valorosos navegadores na exterminação de piratas que infestavam os mares do Sul da China nos meados do século XVI.
A política portuguesa em Macau, desde há quatro séculos, tem sido a de estreitar cada vez mais as relações amistosas entre as duas, grandes nações o entre os dois povos.
Portugal, nação de tradições gloriosas, que deu lições de honra, de dignidade e de heroicidade à humanidade, tem na China uma parte de génio lusitano, que não foi arrancado, mas presenteado pelo ex Celeste Império, como disse, em sinal de gratidão e de amizade.

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Daquela cidade portuguesa fizeram os nossos maiores um centro de propagação da fé e de difusão da civilização ocidental para todo o Extremo Oriente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Foi ali que os europeus, americanos e chineses foram apresentados uns aos outros e se conheceram.
Como se sabe, ex-Celeste Império fechou-se, por séculos, dentro das suas famosas muralhas e Portugal abriu as suas portas através de Macau e trouxe, pela mão amiga dos valorosos lusos, os chamados filhos do céu ao conhecimento dos outros povos.
Foi em Macau que todas as nações do Mundo começaram a entabular negociações comerciais com os chineses, esse povo laborioso, inteligente e artista.
Presentemente as maiores potências do Mundo estão à compita envidando os melhores dos seus esforços para conquistar a amizade e a simpatia da China, nação de uma população densíssima, para o consumo das suas mercadorias.
Mas eu não subi a esta tribuna para falar da nossa velha amiga China; as minhas considerações vieram a propósito de estar Macau situado geogràficamente nesse pais de 500 milhões de habitantes.
O meu empenho é focar a posição dos portugueses de Macau perante o estatuto basilar do País, mas vou fazê-lo em duas palavras, porque a Câmara deve estar cansada de tantos discursos sobre o mesmo assunto.
Urge, portanto, que se dê aos macaenses iguais direitos e garantias que estão consignados na nossa Constituição para todos os portugueses de sangue.
Os chineses que ali nasceram suo muito nossos amigos, mas não se consideram nem se sentem portugueses.
Termino as minhas considerações por renovar o meu pedido, já feito nesta Câmara, de satisfazer a justa e legitima aspiração dos filhos de Macau de conhecer a Mãe-Pátria.
Fico-me por aqui, mas não desejo descer desta tribuna sem manifestar a minha maior admiração pelos ilustres membros da Câmara Corporativa, que nos dois magistrais pareceres acerca da proposta de lei que estamos discutindo me deram uma excelente lição de direito constitucional.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muitio cumprimentado.

O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Sr. Presidente: a pretexto ou por motivo da revisão constitucional, que ora temos em presença, vários Srs. Deputados a esta tribuna têm vindo, com o brilho dos seus talentos e a autoridade da sua convicção sincera, fazer declarações niais ou menos perturbantes, que têm tido o epíteto de depoimentos ou desabafos.
Permita V. Ex.ª, Sr. Presidente, consintam VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, meus ilustres colegas, que também faça o meu depoimento e dê um pouco largas a certo necessário desabafo.
Pelo decurso da discussão levantada à volta de possíveis alterações constitucionais tem-se corrido o perigo de se criar um desagradável ambiente lá fora com a base falsa de que, embora não esteja posta uma questão de regime, se tende para a controvérsia de ideologias opostas, que levaria por seu turno, a pôr a questão do regime
Nós aqui dentro sabemos bem que se trata apenas de afluxo externo de convicções individuais, que, graças a Deus, não correspondem a qualquer sintoma de diferenciação, e ainda muito menos desagregação, dos homens responsáveis e todos ilustres, com excepção da minha humilde pessoa (não apoiados), que fazem parte desta Assembleia Nacional.
Portanto, não há questão levantada, mas apenas palavras ditadas pelo cérebro e pelo coração de quem as proferiu.
E digo pelo cérebro e pelo coração porque acredito firmemente na sinceridade de quem as lançou desta tribuna.
São cavaleiros andantes da moderna época, que se batem generosa e galhardamente pela sua dama: a monarquia.
E por isso só são dignos de apreço e de profundo respeito.
É também legítimo que eu possa afirmar, sem ter causa para ruborizar, que também defendo e proclamo a justiça da minha dama - a República, regime em que vivemos e que está proclamado no artigo 5.º da Constituição, sobre o qual nenhuma proposta governamental de alteração foi apresentada.
E disse que não tenho causa para ruborizar por isso que não colaborei em desmandos da primeira República, antes repudiei o seu jacobinismo e toda a balbúrdia parlamentarista e revolucionária dos partidos infrenes.
Que se saiba, há, de facto, uma proposta de alteração do artigo 5.º, do Sr. Deputado Mendes do Amaral, que virá a ser aqui debatida na oportunidade, mas que visa a aditar um novo conceito quanto à administração descentralizada.
Há certas verdades que necessitam de ser afirmadas ou repetidas, para que a questão - se algumia questão houve ou há, que não vejo - retome os seus naturais gonzos:

1.º Que nenhum de nós, Deputados, foi trazido a esta Câmara por perfilhar este ou aquele credo político.
Fomos eleitos como homens da Nação para serviço da Nação. Somos uma espécie de boni homines dos velhos municípios, que se devotam à causa que servem, sem outro galardão que não seja servir e servir desinteressadamente;
2.º Que esta Assembleia é até por designação oficial classificada de "nacional", exactamente porque os seus membros curam de e têm efectivamente à sua guarda altos interesses da Nação;
3.º Que a Assembleia Nacional, por força do artigo 71.º da Constituição, é um dos órgãos da soberania da República Unitária Portuguesa (artigo 5.º), o que evidentemente não significa que todos os seus membros sejam ou devam ser republicanos, mas que seria absurdo e ilógico que todos fossem monárquicos;
4.º Que esta Assembleia Nacional é um grande exemplo de abnegação e sacrifício, principalmente dos que não são por ideias e princípios afectos a regime republicano;
5.º Que esta Assembleia é uma afirmação de nobre e leal solidariedade em volta de uma grande e patriótica causa;
6.º Que este milagre de aproximação de elementos díspares na forma ideológica, mas estreitamente homogéneos nas altas aspirações que servem, se deve à força irresistível do prestígio de duas eméritas figuras - Carmona e Salazar -, que pelos seus actos têm sido guia e exemplo para os portugueses, que põem acima do espírito de facção o seu grande amor à causa da Pátria.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Para encerrar este desagradável capítulo das minhas considerações de hoje seja-me lícito, Sr. Presidente, fazer uma rápida e respeitosa referência a algumas afirmações anteriormente produzidas por alguns Srs. Deputados.
O Deputado ilustre Sr. Dr. Caetano Beirão, no seu desabafo de há dias, aliás impregnado daquela elegância aristocrática e cavalheirismo que são apanágio do seu brilhante espírito, manifestou a sua decepção, que é como quem diz desapontamento, por as alterações à Constituição propostas pelo Governo não terem aquele alcance em profundidade - eu direi de largueza - que S. Ex.ª natural e logicamente esperava - eu digo, com a devida vénia, ambicionava.
Ora, eu confesso que ouvi com surpresa tal afirmação, quando é certo que o Sr. Presidente do Conselho, perante os membros da Assembleia Nacional na sala da biblioteca, com a sua sempre irrepreensível lealdade de atitudes e clareza de dicção, não deixou a menor sombra de dúvida de que as alterações a propor não seriam de fundo quanto à Constituição actual, a não ser no caso, a estudar, da escolha do Chefe do Estado, designadamente do Presidente da República. Maiores alterações visariam, sim, o Acto Colonial.
Onde, pois, o motivo para decepção? A política do Governo tem procurado ser sempre objectiva, tal como nos é dado observar.
E o Governo, bem seguro ao leme desta nau que é a Nação, que, sob o ponto de vista metropolitano, parece pequena, mas de facto é grande e difícil de marear, como é da natureza das coisas humanas, segue logicamente a rota que as circunstâncias internas e externas prudentemente aconselham.
Dir-se-á, ou, antes, dirão os que têm os olhos postos num futuro diferente: e depois?
E depois... o futuro a Deus pertence, conforme os homens o merecerem pelos seus actos do presente.
Também o não menos ilustre Deputado Sr. Dr. João Aineal, pessoa da minha mais viva e sincera simpatia, falou de situação transitória do Estado Novo, como se de Governo provisório se tratasse.
Será provisório o que a Revolução Nacional de 28 de Maio trouxe, pela mão vigorosa e nobre do nosso exército, de renovação e alívio ipara a Nação, com o aplauso quase unânime da mesma Nação?
Será provisória toda esta obra de um quarto de século, grandiosa quer no campo material quer no campo espiritual?

O Sr. João Ameal: - Eu disse que podia tornar-se provisória se não fosse adoptada a solução que indiquei.

O Sr. Morais Alçada: - Mas a quem é que se deve essa obra: a dois homens e à doutrina inovadora ou à magia particularista da palavra "república" ?

O Orador: - Ao regime; depois é que surgiram os homens. Não há nada definitivo. Permanente só existe lano Alto. Nas linhas inferiores é tudo transitório.

O Sr. Morais Alçada: - Humanamente transitório.

O Orador: - Os homens são transitórios. As situações podem não ser transitórias...

O Sr. Jacinto Ferreira: - Nós desejamos que não sejam.

O Orador: - E porque seria que o Exército, que nessa cruciante altura concretizava a consciência da Nação, não depôs o regime da República? Evidentemente porque não era o regime que estava em causa, mas sim os métodos e os abusos do algumas das suas instituições.
E, assim, provisório porquG, embora sujeito às modificações que a experiência e as circunstâncias aconselham? O caleidoscópio a que alguém se referiu é realmente um facto, um maravilhoso facto, que nos pôs perante a vista extasiada a mudança da desordem paru a ordem, da quase falência para o crédito firme, interno e externo, da carência de tanto para a realidade de tanta coisa em tão variados campos.
Mas o caleidoscópio não se aplica apenas à República - que, felizmente, se mudou do avesso - mas a toda a vida, quer dos homens quer das nações.

O Sr. Carlos Moreira: - Todas as coisas viradas do avesso servem sempre mal.

O Orador: - Conforme, mas no caso político nosso ainda bem que nos virámos do avesso.
Que extraordinário caleidoscópio é todo o evolucionar da nossa vigorosa e brilhante história, desde o berço de Portugal! E o Sr. João Ameal sabe-o melhor do que eu, porque é, pelos livros que já publicou, um historiador esclarecido e probo, a quem presto neste momento, e com sincero prazer, as minhas homenagens.
Sr. Presidente: terminadas estas breves palavras de legítimo desabafo, volverei a minha atenção pana a proposta do Governo de alterações à Constituição.
De uma maneira geral, concordo -com a proposta em discussão, porque não altera na essência a Constituição em vigor.
Focando apenas os pontos principais, começo por me referir ao artigo 74.º da proposta, que acho bem, desde que fique esclarecida a forma de eleição, que não deve por nenhum princípio ficar relegada para a lei ordinária.
Assim, convém de facto a inclusão da expressão: "por sufrágio directo pelos cidadãos eleitores".
Quanto a mim, seria preferível a eleição indirecta pelas duas Câmaras em conjunto - Assembleia Nacional e Câmara Corporativa -, se essa forma de eleição não viesse, como viria fatalmente, atingir em cheio a independência dos órgãos da soberania: Assembleia Nacional e Governo, passando este à dependência indirecta desta Câmara.
No que respeita à selecção de candidatos à Presidência da República, alguma coisa realmente se deve fazer no sentido de se evitar o chamado "golpe de estado constitucional".
Se alguém, ou alguma facção, se resolver algum dia a modificar o statu quo, que o faça pela via do verdadeiro golpe de estado, que então se verá como a Nação reage, e estou certo que reagirá pelo bom senso, o que tanto monta a dizer: pela determinação das circunstâncias que imperarem.
Mas golpes de estado utilizando ou traindo a Constituição, à sombra da qual se faz uma eleição para a chefia da Nação, seria o cúmulo do absurdo.
Portanto, há que acautelar a manutenção da ordem e as instituições que a Constituição preconiza e defende.
Eu receio que o sistema de filtragem através do Conselho de Estado tenha também os seus perigos, por se arvorarem em vítimas os candidatos rejeitados, com todo o cortejo de nefasta propaganda à sua volta.
Como, porém, os inconvenientes surgem sempre de qualquer solução que se adopte, o sistema da intervenção do Conselho de Estado arrastará o menor.
A mutabilidade dos dez membros do Conselho nomeados pelo Chefe do Estado, preconizada no artigo 83.º, tem as suas vantagens com "a substituição possível de metade, porque quem tem a responsabilidade máxima

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do Poder necessita de se apoiar também em elementos da sua confiança pessoal.
Também julgo de vantagem, por ter absoluta lógica, que o Conselho, nos termos do § 2.º do artigo 84.º da proposta, reúna por direito próprio, fazendo-se no referido parágrafo a conveniente alteração.
Por último, merece ainda a minha atenção e reparo o que se pretende fixar no artigo 93.º
O corpo do artigo, tal como aparece na proposta, manteria a confusão que se estabeleceu entre lei e decreto-lei, quanto à competência para tratar das matérias constantes das alíneas que lhe são inerentes.
Ora, tais problemas foram sempre, por tradição, atribuições de uma assembleia desta natureza, principalmente no que respeita ao seu aspecto político. Por isso mesmo a redacção do parecer da Câmara Corporativa do corpo do artigo é preferível, porque faz desaparecer a dúvida e confusão. Assim: "Constitui matéria da exclusiva competência da Assembleia Nacional a aprovação das bases gerais sobre...".
Quanto às matérias das alíneas, aliás matéria vasta, complexa e, portanto, discutível, só me aventuro a pôr o reparo da supressão da doutrina da alínea b), onde se indicava como prerrogativa da lei "a criação e supressão de serviços públicos".
Eu sei que esta fórmula iria restringir a acção do Ministério do Ultramar, uma vez que o Acto Colonial virá a ser incorporado e a esse campo aquela disposição seria extensiva.
Mas julgo a solução facílima, desde que se acrescentassem duas simples palavras: "a criação e supressão de serviços públicos na metrópole".
Não vejo como esta Assembleia não tenha competência efectiva para se pronunciar no aspecto político quanto a esta matéria, quando as outras alíneas envolvem problemas por vezes mais transcendentes e até de carácter técnico ou especializado, como seja a organização da defesa nacional.
Se tivéssemos de chegar à conclusão de que esta Assembleia Nacional não tinha, pela sua heterogeneidade ou sistema de funcionamento, competência efectiva para se ocupar daquele e de outros problemas que lhe são adstritos, teríamos então de enfrentar nesta fase constituinte a remodelação do funcionamento da própria Assembleia.
Por mim não o vejo necessário, porque, se alguma falha tenho notado no seu funcionamento, é a da falta de tempo para versar tão variados assuntos. Mas, seleccionadas as matérias de importância capital, a Assembleia pode pôr a sua marca consciente e útil em todos os problemas a versar, porque ela é constituída, tal como o Governo, por personalidades da mais alta competência dos vários sectores da vida pública, excepção feita à minha modesta e apagada pessoa.
Não apoiados.
O Sr. Presidente do Conselho, no seu discurso de 12 de Dezembro, falou vincadamente da colaboração indispensável desía Assembleia, na qual depositava a sua confiança.
Ora, confiança e colaboração só podem ter como base o prestígio desta Assembleia pelo exercício total da sua função constitucional.
E o prestígio desta Assembleia Nacional, não obstante astmalsinações dos seus detractores, firmar-se-á cada vez mais através da sua leal e patriótica acção em defesa de altos interesses nacionais que lhe estão confiados.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi inuíbo cumprimentado.

O Sr. Augusto Cerqueira Gomes: - Sr. Presidente: de todos os problemas relativos à ordem constitucional o que mais vivamente tem interessado o País e a Câmara é, manifestamente, o magno problema da fundamentação do poder soberano do Estado, questão do mais forte sentido ideológico e das mais graves consequências práticas. E é sobre ele que pretendo dizer algumas palavras.
Mas, antes de entrar pròpriamente no assunto, para que o problema seja posto em bons termos, para que as palavras tenham sentido e as ideias adequação aos problemas, importa assentar claramente em algumas questões prévias.
Só assim poderemos evitar confusões, que, além do mais, tornariam este confronto de ideias completamente estéril.
A primeira questão é já relativa à natureza da política e ao espírito com que devem ser afrontados os problemas de ordem política.
A política é, ao mesmo tempo, filosofia, ciência e arte. É filosofia porque implica uma concepção geral do Homem e do Mundo. É ciência porque repousa sobre factos e leis induzidos da observação e da experiência histórica. E é arte pelo sentido de oportunidade e de medida que impõe na ordem das realizações práticas.
Comporta assim elementos de liberdade e elementos de necessidade.
E, na medida em que é ciência e implica elementos de necessidade, está acima do puro idealismo. Se tem, de subordinar-se aos princípios superiores da metafísica, também tem de contar com certos determinismos, realidades e leis, no sentido já definido por Montesquieu, como as relações necessárias derivadas da natureza das coisas. O que quer dizer que na política têm pouco sentido as quimeras, as superstições, os devaneios e os lirismos. É preciso afrontá-la com o sentido das realidades.
A segunda questão é sobre a importância da política. Há quem minimize a importância da política: E alguns o fazem nesta hora, mais que nunca, em nome do primado doutros problemas: o económico, o social, o cultural.
É manifestamente um erro de entendimento.
Poucas questões como as de ordem política interessam tanto ao homem. Poucas afectam tanto de perto as realidades imediatas da sua vida quotidiana. Poucas envolvem tão gravemente o problema transcendente do seu destino espiritual. A política tem a alta missão de assegurar a prosperidade da Nação, de fazer reinar a justiça e de promover o bem comum.
Mas, além do mais, a política é o meio de concorrer para a solução dos outros grandes problemas sociais. Toda a reforma económica, social e cultural está, em grande parte, subordinada à restauração da ordem política.
A sentença de Maurras - "politique d'abord" -, no sentido em que a enunciou o grande mestre, é uma verdade cada vez mais forte e mais evidente.
A terceira questão é quanto à importância das formas políticas.
Há quem professe a este respeito um certo indiferen-tismo. O mesmo é que negar o valor das instituições.
Proclama-se que o que verdadeiramente interessa é o valor dos homens, e não o das instituições. As instituições - dizem - valem o que valerem os homens.
Erro funesto. Ou, pior, parte da verdade, que obscurece a noção clara da verdade e de uma verdade de sentido profundo.
Não há dúvida de que o valor dos homens influi mo funcionamento das instituições. Mas as instituições influem, ainda bem mais fundamente, sobre os homens - no valor e no rendimento dos homens.

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Influem no valor, porque é através das instituições que os homens principalmente se formam e estruturam sentimentos e hábitos. E há instituições que melhoram e virilizam o homem e outras que o diminuem e corrompem.
Influem no rendimento do homem, porque, para os mesmos homens, tal como são em cada lugar e em cada tempo, há instituições que apoucam e outras que favorecem o rendimento humano em energia, em probidade, em duração.
Demais, o problema está mal posto. As instituições é que são feitas para o homem, e não o homem para as instituições. O homem é um ser frágil, a toda a hora tentado para o mal. O papel das instituições é precisamente amparar o homem na sua fraqueza: estimular-lhe às virtudes, refrear-lhe as más tendências e, quantas vezes, pôr os egoísmos ao serviço do comum.
Thierry Maulnier clama, lucidamente: "Se o homem tem necessidade de apoios, não devem dar-se a estes apoios mais eficiência e mais força? E que são estes apoios senão as instituições? E que são as instituições senão um meio de valer à ignorância, aos desfalecimentos, às imprevidências dos homens? Temos de repetir eternamente esta verdade tão simples, que as instituições são feitas para amparar as fraquezas dos homens, e não os homens para amparar a fraqueza das instituições?".
A grande sabedoria está em confiar os mais altos valores humanos, não à inconstância dos sentimentos do homem, não ao fluxo e refluxo das suas vontades incertas e dos seus caprichos, mas em entregar o depósito desses bens a instituições sólidas e duráveis que prendam o homem ao seu serviço.
Estão neste caso as instituições políticas.
É por isso que a democracia constitui um erro mortal, pois que implica, para bem funcionar, que os homens sejam sábios e sejam santos; quer dizer: que não sejam homens. E, em vez de os amparar na sua fraqueza, pede-lhes que a amparem eles com a sua virtude.
E é por isso que o sistema que atribui o encargo dos mais altos interesses sociais a uma instituição de si una, contínua, autónoma, e faz coincidir o interesse pessoal, familiar e dinástico com o interesse comum representa uma grande conquista da história e da civilização. O simples egoísmo basta então para assegurar o bom governo. E, se ao egoísmo se alia a virtude, tanto melhor para o bem da cidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E, ainda como questão prévia, duas palavras sobre a oportunidade deste debate de princípios, pois é de princípios que se trata.
Não vejo sinceramente em que possa ser contrário ao interesse nacional apreciar os problemas que lhe dizem respeito, desde que o encontro de ideias seja feito com dignidade, com elevação e com cortesia.
Não nos divide nem nos agrava a nós, e é bem certo que continuamos a manter as mesmas relações de boa camaradagem, de colaboração e de concórdia nacional. E não pode dividir nem escandalizar a opinião pública, para quem o alto nível do nosso debate só pode constituir uma lição de zelo nacional, de tolerância e de respeito mútuo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Vejamos agora, concretamente, o nosso problema político:
Todos terão, porventura, verificado que a Nação aguardava com grande interesse a proposta do Governo sobre a revisão constitucional.
E não será preciso grande penetração para verificar que esse interesse - em muitos ansiedade - se concentrava vivamente sobre o aspecto particular da Constituição no que respeita ao modo de designação dos órgãos da soberania.
É um aspecto apenas da ordem política. Mas é um aspecto fundamental, decisivo, porque sobre ele assenta toda a construção do Estado.
Como se põe, em geral, este problema para muitos portugueses?
Quase toda a boa gente portuguesa reconhece abertamente que o País anda bem governado. Critica, rabuja, clama muitas vezes e, não raro, com azedume. Denuncia erros, deficiências, atropelos; umas vezes sem razão, porque inexistentes ou inevitáveis; outras com a razão toda, porque verdadeiros e, muitas vezes, bem escusáveis. Mas, no fim de tudo, olha o longo caminho andado na via do resgate, contempla a obra realizada, no seu conjunto gigantesco e sente verdadeiramente que estamos a viver uma grande hora de prosperidade e de engrandecimento da Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - São já perto de vinte e cinco anos de ordem e de paz social, numa terra há muito caída na desordem inveterada e no meio de um mundo desorientado e convulso. É a competência, a dignidade e o sentido nacional na política e na administração pública.
A força armada restaurada em espírito, em disciplina, em técnica e em eficiência material. É a ordem financeira inabalável. É a obra de engrandecimento material, sem precedentes na nossa história. É a definição da ordem corporativa, em linhas sadias e fecundas. É a estrutura do Poder, em condições de governar. É o renascimento da nossa mentalidade imperial. É uma política internacional de prestígio e de afirmação nacional, que nos permitiu atravessar em paz as horas mais sombrias, sem sacrifício da terra e da honra. É o ambiente de prestígio externo, que nos transformou, quase de repente, de escárneo do Mundo em exemplo do Mundo.
E, com tudo isto, é a superação do sentimento de inferioridade da nossa decadência irremediável. É a restauração do nosso orgulho, da confiança nos nossos destinos e o regresso ao rumo perdido da nossa vocação universalista, colonizadora e apostólica.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A Nação reconhece estas realidades. E, ainda que alguns as percam de vista, na sua ânsia de perfeição, esquecidos de que se não devem pedir absolutos à vida, esquecidos de que, neste mundo decontingências, a realidade anda sempre distante do sonho, esquecidos das dificuldades dos nossos problemas nacionais, ainda que muitos, magoados por alguma injustiça ou despeitados por certos pormenores, desertem, desiludidos ou hostis, a verdade é que, nos lances supremos, em que tudo está à prova, a razão e o bom senso recuperam a sua realeza e todos saem, como já se viu, a cumprir galhardamente o seu dever de portugueses.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O que cada vez mais inquieta a Nação, o que, sobretudo, no espírito de muitos de mais viva consciência e mais clara razão política, se levanta, como interrogação ansiosa, é o grande problema, o problema decisivo do futuro, um futuro que pode muito bem começar amanhã.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - É firme a terra que pisamos? Tem este grande esforço construtivo e este anseio ainda maior de renovação condições seguras de durar, garantia de projecção o de continuidade?
E a resposta, para quem vê sem névoas no espírito e tem a coragem ao afrontar a verdade nua, só pode, ser uma, e é, decididamente, que não.

O Sr. Carlos Borges:- Que sim, desde que haja unidade, como tem havido até agora.

O Orador: - São precários os alicerces da nossa obra. Batamos a construir sobro areia.
E, senão, analisemos friamente, olhando a questão na ordem dos factos e na ordem dos princípios jurídico-políticos; mas olhemos desassombradamente, sem sofismas, nem ilusões, nem tibiezas de pensamento e de expressão.
Estamos a meditar o destino da nossa terra e devemos a nós próprios é aos outros a verdade límpida das grandes horas.
No plano das realidades, a situação política repousa sobre um conjunto de razões meramente casual e de razões já de si mesmo transitórias.
Do lado do País - a disposição para aceitar certas disciplinas e sacrifícios, ditada pela reacção do instinto de conservação, ante algumas circunstâncias históricas. Primeiro: o espectáculo da desordem e ao descalabro nacional e a ameaça incessante ao seu retorno, sempre suspensa, como pesadelo sombrio, sobre a vida da Nação, Depois: a pressão ao ambiente internacional o os perigos da convulsão mundial do comunismo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Do lado da Nação ainda: a mentalidade nacionalista das gerações formadas, directa ou indirectamente, pela doutrinação do integralismo lusitano - alto e construtivo movimento de ideias políticas, que tão decisiva influência exercem nos destinos da Nação. Dessas gerações saiu não só uma grande corrente de apoio á Revolução Nacional, sobretudo o apoio ardente e comunicativo da mocidade, mas também uma boa parte do seu escol dirigente.
E, finalmente, junte-se a isto a posição do Exército, pondo a sua força ao serviço do resgate nacional, numa alta compreensão do seu dever e bem servir.
Mas a maior razão está do lado dos dirigentes. E foi o advento ao chefes superiores, de estatura verdadeiramente excepcional, nomeadamente as duas figuras mais altas do movimento nacional.
Um, o homem justo. Outro, o homem forte.
Um, símbolo da força. Outro, do direito.
Um, a dignidade, a isenção, a simpatia irradiante, a feição paternal do Poder, no alto do Estado. Outro, a inteligência luminosa, a vontade perseverante, a serenidade imperturbável, o génio político, a um tempo mestre e estadista, homem de pensamento e homem de acção. E que tudo deu, numa alta renúncia ao monge, ao serviço do bem comum.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - São razões frágeis e transitórias que as voltas da vida levam no seu tumulto ou se desfazem breve na poeira do tempo.
As gerações que presenciaram o calvário da Pátria e as que se formaram no apostolado integralista vão alto já na curva da vida e não tardarão a sumir-se de todo o silêncio dos túmulos.
A união do Exército pode desfazer-se num momento de desorientação aos espíritos e, demais, não é função normal da força armada servir de esteio a situações políticas nem se compreendem situações políticas sistematicamente apoiadas na força armada.
Apoiados.
Os homens são pobres mortais e as individualidades verdadeiramente superiores são tão excepcionais que não é sensato contar para nossa salvaguarda com uma sucessão interminável de génios. Mesmo que os houvesse, não seria a engrenagem eleitoral que os havia ao encontrar e levar às culminâncias do Poder. Do ventre da democracia não saem homens desta estatura. Os grandes que agora temos chegaram ao alto do Governo por caminhos bem diversos. Um, conquistou o lugar da espada nua a escorraçar a democracia solta que mortificava a Pátria. Outro, impôs-se pelos seus grandes méritos a um escol responsável que o levou ao Poder em lance apertado da vida nacional. A consagração popular veio depois, como galardão. E veio na hora própria, porque o lugar da multidão é seguir, o não preceder, ser governada, e não governar.
Apoiados.
Se, em última análise, a causa nacional repousa fundamentalmente sobre a existência e os méritos de dois homens superiores, ou mesmo do um, o julgamento da nossa situação pode resumir-se naquela sentença de Balmos aplicada à vida política, sentença breve e decisiva, eloquente e forte, como é sempre o clarão das grandes verdades: "homem necessário é sinónimo de situação falsa e, portanto, frágil".

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ninguém de juízo não assentará sobre alicerces tão precários a sorte de uma grande obra e o futuro ao uma pátria.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Se agora passarmos à análise da situação, na ordem aos princípios não iremos colher maiores garantias ao segurança. muito ao invés.
Na verdade, a nossa ordem política repousa, legalmente, sobre a eleição. Os órgãos da soberania são designados por sufrágio popular, o que define inequivocamente um poder de base democrática.
A democracia como muito bem condensou o Prof. Mário de Figueiredo numa clara síntese, tão própria do seu alto e lúcido espírito, síntese retomada e sancionada plenamente pela palavra ao Salazar, a democracia não é, na verdade, uma doutrina política mas uma técnica de designação dos governantes.

Vozes:- Muito bem!

O Orador: - Sendo, assim, a base do Poder de feição electiva, o Estado está, em princípio, assente sobre o terreno movediço e inconsistente das vontades, das opiniões, dos caprichos da opinião, sobre a força anónima e irresponsável do número.
O mesmo é dizer que a nossa ordem política tem na sua base o principio da sua desagregação, o vício incurável que a levará fatalmente á ruína.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Poder-se-á alegar que não é tão nocivo o sistema político electivo, pois há anos nos tem permitido viver com dignidade e realizar uma obra nacional de grande envergadura. Bastou que se encontrassem homens de méritos para o servirem convenientemente.
Alegação insubsistente e radicalmente sofistica.

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Primeiro, mesmo que o sistema funcionasse normalmente e dentro da sua dialéctica, a condição necessária ao seu bom rendimento já o condenaria sem apelo. Um sistema político que para funcionar bem reclama individualidades superiores é um mau sistema de governo. A política sensata é a que prevê I para os homens médios. E a superioridade, essa virá por acréscimo. Para mais, não é a eleição o meio adequado para a escolha do merecimento. Os grandes homens que nos comandam não foram designados e investidos pelos meios próprios do mecanismo democrático.
Mas isto não é ainda tudo, nem é o principal. O principal é que a engrenagem só tem permitido governar porque está peada no seu funcionamento, contrariada na sua lógica, impedida de dar os seus frutos naturais. E como? Uma série de freios, de meios de contensão, foi aplicada nos pontos vitais do sistema. É a filtração do eleitorado, a limitação da liberdade de imprensa e dos outros meios de "perturbação e desnorteamento da opinião pública, os estorvos à actividade partidária, a redução dos períodos eleitorais e a repressão dos seus excessos e atropelos. Agora ainda se propõe outro freio: o da aprovação prévia das candidaturas presidenciais pelo Conselho de Estado.
Assim se tem governado, não com o sistema, mas governado apesar do sistema e porque este foi travado, detido, na sua dialéctica.
Um sistema político que só permite governar porque se conseguiu dominá-lo como um louco em camisa de forças é um mau sistema de governo.
Mas ainda não se julgue que esta contensão é normalmente possível. Aqui tem-no sido pelas circunstâncias excepcionais do momento: o estado de espírito do País e a qualidade dos homens que detêm as alavancas do Poder - a sua sagacidade, a sua subtileza e a sua grande autoridade. Quando estas condições desaparecerem, o sistema, agora reprimido, voltará, a galope, como dizem os franceses, ao seu natural, rebentando todos os freios que lhe constrangem os movimentos. E voltará porque os freios são contra a sua lógica, são contranatura.
E assim, desfeitas amanhã as razões transitórias que nos sustentam, se o País não resvalar, de pronto, para a desordem, empurrado pelo tumulto da rua, resvalará progressivamente, pelos malefícios do sistema electivo que tem na sua base. Seria o retorno da anarquia, do descalabro, do reinado das facções partidárias - a ignomínia que nos revoltou a todos, patriòticamente, no levante nacional do 28 de Maio.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Foi pela contensão da engrenagem democrática que a Situação pôde assegurar ao Poder as condições necessárias à sua eficiência: a unidade, a continuidade, a independência e, com isto, a sua força e o seu prestígio. Mas estas condições não as tinha o mecanismo electivo de seu natural. Muito ao contrário. E foram criadas, contra o espírito do sistema, pelo valor e a arte política de um homem superior.
O que é sensato, o que se impõe como necessidade insofismável é instituir outro mecanismo político - um que tenha em si mesmo, na sua essência, na sua lógica, aquelas condições indispensáveis para governar, no alto sentido da palavra.
Alguns viam a solução numa mudança da forma de sufrágio: a substituição do sufrágio individualista pelo sufrágio orgânico.
É mais uma ilusão política, ilusão perigosa, porque só pode retardar a verdadeira solução, a verdadeira e única solução.
Não há dúvida de que o sufrágio orgânico é o que verdadeiramente pode exprimir as realidades vivas da Nação. Não há dúvida de que é ele o que teremos de instituir e está na linha da nossa doutrina. Há entre as concepções sociológicas e as formas de sufrágio um nexo indissociável. Para o individualismo, que considera a sociedade como a soma aritmética de indivíduos autónomos, o sufrágio lógico é o sufrágio inorgânico. Para nós, que a concebemos como associação de grupos, um todo orgânico de sociedades menores, o sufrágio adequado é o sufrágio orgânico.
Mas a verdade também é que a Nação não está ainda estruturada na sua feição orgânica. O prolongado império do individualismo dissociou e atomizou a nossa constituição nacional. É preciso deixar recriar a verdadeira consciência dos grupos e esperar que ganhem consistência os órgãos que os enfeixam e os exprimem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em parte por nossa culpa, em parte pela natureza das coisas, a nossa organização corporativa vai ainda muito atrasada e não pode já partir do seu seio uma representação conveniente.
Por isso o sufrágio orgânico, se está na lógica dos nossos princípios, não está ainda indicado pelas realidades da vida nacional.

O Sr. Carlos Borges: - Então não há sufrágio?

O Orador: - Mas o principal não está aqui. Mesmo que uma verdadeira representação orgânica fosse possível, mesmo que os interesses vivos da Nação pudessem genuinamente exprimir-se, nunca por meio deles poderiam designar-se convenientemente os órgãos soberanos do Estado. O sufrágio orgânico é bom no seu lugar, para a escolha dos que hão-de reger legitimamente a actividade própria dos grupos e para os representar devidamente junto do Poder.
O Poder, esse tem de estar colocado acima dos grupos e dos interesses particulares. Tendo por função coordenar, harmonizar e superar todas as forças e antagonismos sociais, não pode ser uma emanação dessas forças e desses antagonismos.
Ontem foram as lutas das classes e dos partidos. Agora seriam as coalizões dos grupos e dos interesses. É verdade que os delegados dos partidos são apenas expressão de interesses parasitários, enquanto os delegados dos órgãos corporativos representam interesses legítimos. Mas, apesar de legítimos, são interesses particulares, e o Estado é o interesse comum. No seu papel de árbitro o Estado tem de considerar e coordenar os interesses legítimos, mas em posição soberana e independente de todos.

O Sr. Manuel Lourinho: - Mas a mecânica do sistema ainda não está explicada.

O Orador: - A organização corporativa não só não resolve de nenhum modo o problema da designação do Poder, mas antes torna mais necessária a organização do Poder em alicerceis sólidos, que garantam ao Estado força unificadora e coordenadora, estabilidade e independência.
Organizar corporativamente a Nação é organizar egoísmos, torná-los mais fortes. E, por isso, importa dar ao Estado, para bem exercer a sua função de árbitro soberano, garantias de estar acima das forças sociais.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Visto o problema desassombradamente, sem a deformação de paixões, sem o medo de concluir, só há uma solução adequada para o nosso problema político: é a restauração da nossa realeza tradicional. E o restabelecimento da monarquia hereditária, de poder pessoal, limitada às funções próprias do Estado, mas soberana no seu domínio, em vivo contacto com a Nação organizada, através dos seus representantes legítimos.

O Sr. Carlos Borges: - Eu gostava que me mostrassem um projecto completo dessa organização política, para eu me convencer!

O Orador: - Só o Poder monárquico pode assegurar ao Estado a unidade, a continuidade e a independência. Só a instituição monárquica pode garantir um Poder responsável, forte e ao mesmo tempo moderado, humano, paternal. Só a realeza pode incarnar a Nação na sua permanência e na continuidade dos seus destinos históricos.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Tifo Arantes: - Sr. Presidente: nesta discussão da generalidade da proposta de alterações à Constituição fizeram-se, a propósito do modo de designar o chefe supremo da Nação, algumas afirmações, que, pela sua insistência, tiveram talvez, fora desta Câmara, uma repercussão que me parece conveniente tentar reduzir às suas justas proporções.
Esse é o motivo determinante das palavras simples que voai proferir, sem ter procurado averiguar se elas representam mais do que uma opinião pessoal.
É geralmente sabido que existem no seio desta Assembleia Deputados de vários matizes políticos - uns republicanos, outros monárquicos, uns confiantes nas virtudes do sufrágio, outros descrentes, etc.

O Sr. Carlos Borges: - Monárquicos de vários matizes.

O Sr. Morais Alçada: - Republicanos também os há presidencialistas e parlamentaristas.

O Orador: - Contudo, a força de alguns princípios fundamentais comuns a todos nos irmana: o amor à Pátria, a moral cristã, o repúdio do comunismo e a lealdade a Salazar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Compreendi perfeitamente que, havendo na Constituição um artigo sobre o qual terá de incidir uma votação acerca da eleição do Chefe do Estado, alguém fizesse dentro desta Assembleia a tal respeito reservas concretas, já que o Regimento desta Câmara não permitia, mais tarde, nem abstenções nem declarações de voto.
Que uma voz representativa desse pensamento - e nele não faltam as vozes mais qualificadas - se levantasse para esclarecer semelhante posição afigurava-se-me, portanto, absolutamente justificado.
Mas o que, salvo o devido respeito, já não me pareceu tão feliz foi a insistência, repito, com que a mesma nota foi ferida.

O Sr. Cortês Pinto: - Parece-me que V. Ex.ª está discorrendo, embora com a sua brilhante inteligência, fora do plano das realidades. V. Ex.ª parece não aceitar a afirmação, feita aqui há poucos dias pelo Sr. Dr. Mário de Figueiredo, que tem nesta Câmara uma posição particularmente qualificada, de que não existem nesta Câmara maiorias ou minorias, isto é, que não reconhece a existência de partidos. Ora, se não existem partidos, como queria V. Ex.ª que os monárquicos actuassem por forma que implica a existência dos partidos que não existem? Cada um fala naturalmente de acordo com a sua inteligência e seus pontos de vista.

O Orador: - Embora não haja partidos diferenciados dentro desta Câmara - e foi esse, creio eu, o pensamento do Sr. Prof. Dr. Mário de Figueiredo -, todos nós sabemos, quer cá dentro, quer lá fora, que há determinadas pessoas que professam determinadas ideias; portanto, se uma dessas pessoas focasse um determinado ponto de vista, em matéria de semelhante melindre, todos compreenderiam que a posição era geral.

O Sr. Morais Alçada: - O problema é apenas este: de integração ou não integração de um elemento a mais ou a menos na pureza do nacionalismo português. Logo a questão continua a ser perante a Nação e, com os seus elementos integradores, se prende às tendências aqui manifestadas.

O Orador: - O meu ponto de vista é este: é que não é oportuno, politicamente, virem para aqui duas, três, quatro, cinco, seis ou sete pessoas bater todas a mesma tecla, ainda que com muito brilho, tanto mais que as coisas que disseram não convencem ninguém aqui dentro.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª não se canse. Aquilo não passou do um desabafo...

O Orador: - Mas é que eu também tenho o direito de desabafar, e quero fazê-lo.

O Sr. Carlos Moreira: - Eu creio que V. Ex.ª erra quando supõe que pode fixar-se um limite de número às pessoas que querem expor as suas ideias.

O Orador: - Ninguém coarctou a VV. Ex.ªs tal direito. Mas tenho a opinião, repito, de que foi, politicamente, inoportuna a insistência de alguns de VV. Ex.ªs
O meu desacordo é sòmente quanto a essa insistência.
Mas, prosseguindo:
Reconheceram os ilustres Deputados que do assunto se ocuparam que o problema do regime não estava posto e alguns que não era, portanto, o momento adequado para o discutir.
Mas, se a discussão era inoportuna, pena foi que não se adoptasse a atitude mais lógica, que era realmente a de não prolongar a discussão.
Bem basta que haja problemas internacionais gravíssimos na hora presente e certos problemas graves na ordem interna que temos inevitavelmente de enfrentar para que não compliquemos ainda mais a vida com a criação de outros problemas que não têm necessariamente de ser postos agora.

O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª quer sobrepor-se à disciplina da Câmara?

O Orador: - Faço parte desta Câmara; portanto, julgo-me no direito de poder exprimir o meu juízo acerca do modo de actuação dos seus Deputados.

Trocam-se vários apartes, que não foi possível registar.

O Sr. Presidente: - Chamo a atenção da Câmara. O Sr. Deputado Tito Arantes fez a afirmação de que, dadas as dificuldades de ordem externa e interna do momento presente, lhe parecia não ser de aconselhar juntar-se a esses mais um outro problema. S. Ex.ª está

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13 DE ABRIL DE 1951 841

no seu direito, exprimindo o que pensa. Peço, portanto, que deixem o orador continuar no uso da palavra.

O Orador:- Todos conhecem os argumentos seculares com que se defende, em teoria, a supremacia do regime monárquico sobre o republicano ou do regime republicano sobre o monárquico.
Não creio que a sua invocação nesta Casa seja de molde a converter alguém, até porque, geralmente, na posição política de cada um entram 50 por cento de elementos emocionais.
Aliás, hoje em dia atingiram tamanha acuidade os problemas sociais na ordem interna - e os problemas do imperialismo moscovita no plano internacional - que a questão do regime monárquico ou republicano dentro de cada país está de momento relegada para um segundo plano.
Vemos monarquias entibiarem-se na luta contra o comunismo e repúblicas empunharem o gládio em defesa da civilização ocidental. Anda tudo trocado!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, aquilo que em Portugal se tem revelado decisivo não são as formas, de regime: são os sistemas de representação e a autoridade ou a fraqueza do Poder.
A monarquia parlamentar de antes de 1908, apesar de possuir um grande rei, revelou-se um péssimo regime.
A República Corporativa de 1951, graças aos dois chefes que a servem e aos homens que os têm rodeado, tem-se imposto como um regime incomparàvelmente superior.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quer isto dizer que o sistema republicano se avantaja ao monárquico?
De modo algum. Agora o que incontestavelmente demonstra é que hoje em dia, acima da questão dos regimes, há outros factores mais preponderantes.
Apoiados e não apoiados.

O Orador: - Àqueles Srs. Deputados que acabam de dizer "não apoiado" desejo fazer-lhes a seguinte pergunta : na opinião de VV. Ex.ªs a monarquia parlamentar de antes de 1908 era um regime superior à actual República Corporativa?

Vozes: - Não era.

O Orador: - Já VV. Ex.ªs vêem que a questão, portanto, não é só de regimes...
Mas tudo o que se criou 6 provisório, disse-se; e temos de encaminhar-nos para as soluções definitivas.
Creio que no triste momento histórico em que vivemos não pode haver a aspiração de criar nada de definitivo.
Criar um provisório bom, que dure, já é um objectivo plenamente satisfatório.
E nestes vinte e cinco anos de "provisório" tomou corpo em Portugal uma doutrina e criou-se uma obra que não têm paralelo nos cem anos "definitivos" que os antecederam.
Compreendo, apesar disso, perfeitamente II preocupação que se manifesta, e de que partilho, quanto à sucessão de Carmona e Salazar - visto que, infelizmente, não são eternos.
Mas seria, como alguns inculcam, a mudança do regime o remédio providencial para esse mal?
Não me parece.
O Sr. Marechal Carmona tem presidido aos destinos da Nação com uma tal dignidade, independência, inteligência, diplomacia, coragem e bondade que certamente não se encontrará outro Presidente que o equivalha.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas porque, à face da Constituição portuguesa, o maior dinamismo na condução superior dos negócios do Estado compete ao Governo, e dentro deste ao Presidente do Conselho, é obviamente na sucessão deste que reside a dificuldade mais insuperável.
Salazares aparecem na história de cada povo de séculos a séculos.
A mudança da forma de regime podia pois resolver um dia o problema dolorosíssimo da sucessão do mais alto magistrado da Nação; mas o que ela nunca resolveria era o problema da sucessão do actual Presidente do Conselho!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E essa é, diga-se o que se disser, a maior incógnita da vida portuguesa.
Não creio, por isso, que os ilustres Deputados a que especialmente me refiro conjurassem necessariamente os perigos que receiam com a solução que preconizam.
Perigos realmente existem.
Mas vencíveis, se Deus quiser, só a longo prazo.
Não antecipemos por conseguinte esse vencimento.
É possível que entretanto a situação no Mundo se esclareça ou que clareie mais a situação interna.
Demos tempo ao tempo!

O Sr. Jacinto Ferreira: - Há uma diferença: nós preocupamo-nos com o futuro; V. Ex.ª com o passado e o presente...

O Orador: - Realmente. É que eu entendo que não se pode atingir um futuro longínquo sem se atravessar vitoriosamente â hora actual.
E lembre-se V. Ex.ª, Sr. Deputado Jacinto Ferreira, que é mais novo do que eu, de que foi com essas ideias que num determinado momento houve um Monsanto...

O Sr. Jacinto Ferreira: - Para honra nossa!

O Orador: - De qualquer modo, estamos certos de que, quando o momento for azado, todos teremos a isenção e o patriotismo necessários para sobrepor a qualquer convicção ou sentimento particulares o superior interesse da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Até lá, porém, julgo que não se presta um bom serviço ao País acentuando divergências que antes devíamos procurar atenuar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Contra o que talvez pareça., não estou emitindo um juízo de valores entre monarquia e república; defendo na hora actual a manutenção da república, pelas mesmas razões por que defenderia a manutenção da monarquia, se esse fosse o regime vigente.
Temos um inimigo comum que não desarma e nos espreita, dentro e fora de fronteiras.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não trabalhemos para engrossar as fileiras hostis. O Estado Novo tem sido servido, com igual exemplaridade, por republicanos e monárquicos. Mantenhamos essa união, que tem sido fácil e fecunda.
Se nos dividimos, enfraquecemo-nos.
E todos não somos demais para salvar Portugal!
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

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842 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 97

O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito para usar da palavra na generalidade. Considero, portanto, encerrado o debate na generalidade.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Pedia a V. Ex.ª que consentisse na publicação no Diário das Sessões das propostas de alteração apresentadas pela Comissão de Legislação o Redacção, à proposta do Governo, para efeito de toda a Câmara ter conhecimento dessas propostas.

O Sr. Presidente: - Serão publicadas no Diário das Sessões as propostas a que V. Ex.ª se refere.
Amanhã haverá sessão à hora regimental, tendo como ordem do dia a discussão na especialidade da proposta de lei de revisão da Constituição e do Acto Colonial.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas o 46 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abel Maria Castro da Lacerda.
António Calheiros Lopes.
António Jacinto Ferreira.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco ao Amorim.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Jorge Botelho Moniz.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Paulo Cancela de Abreu.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Cruz.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
José Dias do Araújo Correia.
Luís Maria Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.

0 Redactor - Luis de Avillez.

Proposta a que se referiu o Sr. Deputado Mário de Figueiredo no final da sessão:

Propomos:

1) A eliminação do artigo 1.º da proposta;
2) A substituição do texto proposto pelo artigo 2.º da proposta pelo seguinte, sugerido pela Câmara Corporativa:

Art. 2.º O Estado não aliena por nenhum modo que por parte do território nacional ou dos direitos de soberania que sobre ele exerce sem prejuízo de rectificação de fronteiras, quando aprovada pela Assembleia Nacional.
§ 1.º Nenhuma parcela do território nacional pode ser adquirida por Governo ou entidade do direito público de país estrangeiro, salvo para instalação de representação diplomática ou consular, se existir reciprocidade em favor do Estado Português.
§2.º Nos territórios ultramarinos a aquisição por Governo estrangeiro de terreno ou edifício para instalação de representação consular será condicionada pela anuência do Ministro do Ultramar A escolha do respectivo local.

3) A substituição do texto proposto p81o artigo 4.º da proposta pelo seguinte:

4.º Defender a saúde pública.

E, como consequência, a eliminação do corpo do artigo 40.º da Constituição, passando a artigo o seu § único.
4) A substituição do texto proposto pelo artigo 5.º da proposta pelo seguinte:

Art. 8.º Constituem direitos, liberdades e garantias individuais dos cidadãos portugueses:
1.º 0 direito á vida a integridade pessoal;
1.º-A 0 direito ao trabalho, nos termos que a lei prescrever.

5) A substituição do texto proposto pelo artigo 6.º da proposta pelo seguinte, sugerido pela Câmara Corporativa;

Art. 9.º Ninguém pode ser prejudicado na sua colocação ou emprego permanente por virtude da obrigação de prestar o serviço militar ou era resultante de serviço na defesa civil ao território.

6) A substituição do texto proposto pelo artigo 9.º da proposta pelo seguinte:

Art. 45.º É livre o culto público ou particular da religião católica como da religião da Nação Portuguesa. A Igreja Católica goza de personalidade jurídica
podendo organizar-se de harmonia, com o direito canónico e constituir por essa forma associações ou organizações, cuja personalidade jurídica é igualmente reconhecida. 0 Estado mantém em relação à Igreja Católica o regime de separação,
com relações diplomáticas entra a Santa Sé e Portugal, mediante recíproca representação e concordatas ou acordos aplicáveis na esfera, do Padroado e outros em que sejam ou venham a ser reguladas matérias de interesse comum.
Art. 46.º 0 Estado assegura também a liberdade de culto e de organização das demais confissões religiosas, cujos cultos são praticados dentro do território português, regulando a lei as suas manifestações exteriores, e pode reconhecer personalidade jurídica às associações constitucionais em conformidade com a respectiva disciplina.
§ único. Exceptuam-se os actos de culto incompatíveis com a vida a integridade física da pessoa humana e com os bons costumes, assim como a difusão de doutrinas contrárias à ordem social estabelecida.
0 Presidente da Comissão de Legislação e Redacção, Mário de Figueiredo.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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