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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 104
ANO DE 1951 28 DE ABRIL
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 104 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 27 DE ABRIL
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira.
José Guilherme de Melo e Castro
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 102.
Deu-se conta, do expediente.
O Sr. Presidente saudou o Sr. Presidente do Conselho e Chefe do Estado pelo 23.º aniversário da sua ascensão ao Poder como Ministro das Finanças.
O Sr. Deputado Silva Dias ocupou-se da defesa da frente interna perante o perigo do comunismo russo.
O Sr. Deputado Ribeiro Cazaes falou sobre a, defesa, civil do território.
O Sr. Deputado Pinto Barriga, anunciou um aniso prévio sobre o magno problema do papel na economia portuguesa,.
O Sr. Deputado Melo Machado manifestou-se contra a determinação do encerramento das tabernas às 22 horas.
O Sr. Deputado Mendes Correia referiu-se à mensagem enviada pelo arcebispo de Calcutá ao patriarca das Índias.
Ordem do dia. - Concluiu-se a votação das propostas de lei de alteração à Constituição Política e ao Acto Colonial.
Iniciou-se depois a discussão do projecto de lei do Sr. Deputado Carlos Moreira e outros Srs. Deputados acerca da protecção e defesa da Língua.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Carlos Moreira e Américo Cortês Pinto. O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 hora» e 55 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputadas:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
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António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Finto de Meireles Barriga.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sonsa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente:- Estão presentes 74 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 102.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, considero-o aprovado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos fornecidos pela Administração da Imprensa Nacional em satisfação do requerimento do Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Está também na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho e para os fins do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Diário do Governo n.º 81, de 25 do corrente, que insere o Decreto-Lei n.º 38:232.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: passa hoje o 23.º aniversário da ascensão ao Poder, como Ministro das Finanças, do Doutor António de Oliveira Salazar, que neste momento ocupa no Pais, como Presidente do Conselho e Chefe do Estado, não só a mais alta magistratura política, mas o mais eficaz e positivo comando da Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - A mesma fatalidade que nos privou da sombra benfazeja e paternal do saudoso Presidente da República investiu o Doutor Salazar, Deus sabe por quanto tempo, nas responsabilidades máximas de Chefe supremo do Estado. Grato seria, sem dúvida, à Câmara comemorar relevantemente este aniversário. Mas a Nação está ainda de luto.
A Nação sangra ainda de justa saudade. Respeitemos esse luto e essa saudade. E sem quebra do pesar nacional e do nosso e porque, meus senhores, temos de levantar de novo o espirito da Nação abatido para as inevitáveis lutas da vida, saudemos hoje, relembrando a longa jornada percorrida em vinte e três anos de trabalhos, o homem que há vinte e três anos, entre as esperanças frementes da Nação, assumiu a gerência das desequilibradas finanças portuguesas; e que entre as esperanças confiantes da Nação assumiu, há pouco, as altíssimas funções de Chefe do Estado. Afirmemos-lhe o nosso respeito, a nossa dedicação, o nosso apoio, a nossa inteira confiança.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente.: - ... a nossa confiança em que o Chefe do Estado de hoje seja na condução superior do Estado o mesmo timoneiro seguro que reabilitou a gestão financeira e a administração pública do País. Nunca como neste aniversário a Nação formulou os mais ardentes votos pela sua saúde e longa vida. E esta Assembleia une os seus votos profundos, no mesmo anseio, aos da Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Silva Dias.
O Sr. Silva Dias: - Sr. Presidente: constitui preocupação dominante de todos os governos do mando ocidental, na atormentada época em que vivemos, a
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defesa da frente interna perante o perigo do comunismo russo, que presentemente é denunciado pelas grandes potências como inimigo comum.
Não é de hoje nem de ontem a nossa atitude perante esse tenaz e mortal inimigo da civilização. Talvez por mais libertos do que outros de determinadas conveniências e utopias, nós pudemos desde há muito, conhecendo a natureza da sua ideologia, apontá-lo como uma espécie de avariose mental da cultura europeia e, sentindo-o na sua actividade desagregadora e demolidora, combatê-lo como fautor de guerras civis e provocador de conflitos internacionais.
Fomos e temos sido, num mundo desorientado pela prossecução de quimeras e eivado de preconceitos ideológicos que permitiram os estranhos conúbios políticos de várias frentes comuns e frentes populares, anticomunistas declarados e militantes.
Por isso tomámos posição contra a admissão da Soviécia na extinta Sociedade das Nações, denunciando a perigosa aventura de se fingir acreditar na colaboração pacifica de um governo que, através do Comintern e servindo-se de todos os meios, prosseguia os seus confessados objectivos da revolução mundial.
Também na guerra civil de Espanha, contra a animosidade de uns e a incompreensão de outros, em plena euforia das frentes populares, nos cansámos por fazer ver e demonstrar qual o verdadeiro carácter do conflito internacional que se travava num terreno nacional e que tremenda responsabilidade nele cabia à Rússia Soviética.
Numa nota oficiosa publicada nos jornais de 23 de Setembro de 1936 o Sr. Presidente do Conselho pôde afirmar:
O comunismo está a travar na península uma formidável batalha, de cujo êxito dependerá em grande parte a sorte da Europa, razão por que por ela se interessam e nela tentarão intervir, na medida permitida em cada Estado, todas as ideologias afins.
E ainda, quando nos primórdios da segunda guerra mundial, muito antes mesmo de o Estado totalitário soviético se juntar às potências democráticas para combater os Estados totalitários da Alemanha e da Itália - oh ironia das coisas! -, já depois de Ribbentrop ter sido agraciado em Moscovo com a Ordem de Lenine, Salazar, coerente com a posição assumida em circunstancias análogas, proclamou a fidelidade aos a princípios eternos da verdade e da vida sociais, que constituem a herança moral da civilização cristã, sob cujo influxo se formaram as nações da Europa e da América, e acrescentou:
Nem nós podemos crer - e bastas vezes o temos afirmado - que uma nação como a Rússia, que exactamente renegou esses princípios, seja quem vem - piedoso Cirineu - ajudar a restabelecê-los na Europa Ocidental...
O que a Rússia pretendeu com a sua intervenção na segunda guerra mundial está bem patente aos olhos de todos, e de tal maneira que julgo não ser preciso avivar os traços do quadro.
Agora os jornais de todos os povos para aquém da pesada cortina de ferro que «de Stetin até Trieste caiu sobre a Europa», assim como os discursos dos seus estadistas, o clamor das rádios e mil e uma publicações, espalham e vulgarizam como trágica e iniludível evidência o que nós há tanto tempo, quase sós, afirmávamos e prevíamos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Isto é: que o comunismo não é uma doutrina política, social e económica como qualquer outra, mas um conceito do Mundo e uma religião secular que pretende forjar uma nova natureza do homem e da humanidade, e que, portanto, é incompatível com os conceitos fundamentais da nossa civilização.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E que os partidos comunistas, nos países onde ainda os suportam como coadjuvantes das democracias, mais não são do que agentes da política externa do imperialismo russo, dada a identidade comprovada e incontestável dos comandos do partido comunista russo e do Governo Soviético com os da III Internacional - o Comintern de ontem transmudado no Cominform de hoje.
A estratégia adoptada para alcançar o almejado domínio do Mundo, a cujo eficiente desenvolvimento se têm prestado, pelo menos até há pouco, bastantes ideólogos e alguns Governos, foi magistralmente analisada por Júlio Monnerot no excelente livro Sociologie du comunisme. Ela consiste na apurada sincronização de um trabalho de destruição do chamado mundo capitalista com um trabalho de construção do mundo socialista.
Assim, nos países do tal mundo capitalista o Politburo russo, manejando, como lhe convém, através da III Internacional, os partidos comunistas, os aparelhos subversivos complementares e os simpatizantes, explora o que na gíria da dramaturgia bolchevista se chama «as contradições inelutáveis do capitalismo». Isto quer dizer que se inventam conflitos sociais onde não existem, se agravam os que facilmente poderiam ser resolvidos, se leva o operariado a fazer exigências absurdas, se declaram greves apenas por motivos de táctica revolucionária, para que sofra a economia da Nação, aumente o preço de custo da produção, encareça a vida, se dificulte a exportação, empobreça a colectividade, recaiam os males consequentes sobre todos, o Governo se desacredite e o Estado burguês entre em colapso ...
Entretanto, e conjugada harmònicamente com esta manobra de subversão do Ocidente, o mesmo Politburo russo, no seu mundo socialista, impondo aos trabalhadores uma disciplina férrea que não admite o mínimo reparo, quanto menos greves, e manejando uma policia política feroz e omnipresente, que leva à conta de sabotagem qualquer desfalecimento e à de traição a mais leve dúvida, prossegue afanosamente, por meio de sucessivos planos quinquenais, a industrialização do país para «ultrapassar o capitalismo», conforme apregoam, mas na realidade para bolchevizar o Mundo.
Vozes: - Muito, bem!
O Orador: - O impressionante relato de David Dalin, The Real Soviet Rússia, elucida-nos e à consciência universal dos imortais princípios acerca dos vastos e extraordinários poderes da polícia política, a M. V. D. actual, outrora cognominada Checa e G. P. U., à qual está confiada, entre outras obras públicas, a construção de estradas e caminhos de ferro, e que, para tal fim, se serve da desumana e aviltante exploração daqueles que, por divergências políticas e após as inúmeras purgas do regime - mais de 20.000:000 de desgraçados, segundo insuspeitos depoimentos -, foram sumariamente condenados a trabalhos forçados e vegetam como gado económico, produtor de mais valias, nos vários campos de concentração do paraíso soviético.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Este esforço de sincronização do empobrecimento económico e desarmamento moral das nações do Ocidente com o progresso industrial e o fortaleci-
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mento militar do império russo resulta, conforme os planos do Cominform, na medida em que o permitem as reservas morais dos povos, a capacidade defensiva das instituições políticas e sociais, a unidade nacional e a vontade de resistir dos Governos.
E assim é que a III Internacional se incorpora e encabeça todas as campanhas ideológicas e projectos de frentes que se propõem manter a democracia nos povos latinos, e com tanta mais fúria patrioteira quanto mais avançada se encontra a decadência dessa democracia pela proliferação de partidos e o paroxismo de luta de classe, que tornam impossível a formação de qualquer governo estável e profícuo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O verdadeiro significado da luta, contra os fascismos consiste na aversão a qualquer tentativa, embora desesperada, de unificação nacional que se oponha ou entrave a interferência cancerosa do comando-moscovita. O totalitarismo integral do bolchevismo não admite a concorrência de outro totalitarismo que lhe não esteja subordinado, porque, neste caso, passará logo a ser ... uma pacífica e progressiva democracia popular!
Os planos da III Internacional só poderão ser frustrados por meio da defesa enérgica e implacável da frente interna dos povos ameaçados, de forma a evitar a terrível conjuntura da subversão nacional com a invasão estrangeira, como foi tentado sem êxito em Espanha, mas resultou nos países da Europa Oriental e Central, hoje transformados em míseros satélites do império russo.
É este perigo que temos de conjurar, descobrindo, vigiando e vencendo todos os inimigos internos que, consciente ou inconscientemente, se transformaram em aliados e cúmplices dos inimigos externos da nossa civilização comum.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Sr. Presidente: com quem conta a III Internacional em cada país para executar o seu plano de domínio do Mundo através da subversão interna?
Forque não desejaria exceder o tempo regimental que me é concedido, procurarei responder sucintamente a esta pergunta.
Se a guerra, segundo o conhecido tema de Clausewitz, é a outra forma de continuar a política, a III Internacional, que adoptou e completou este pensamento, considera, na sua actividade subversiva, a política como a outra forma de continuar a revolução mundial.
Para tal fim, o Cominform movimenta em cada país verdadeiros exércitos revolucionários, que outra coisa não são os partidos comunistas, cuja constituição e estrita obediência às ordens que dimanam do estado-maior de Moscovo são assaz conhecidas.
A actividade subversiva dos partidos comunistas, desenvolvida nos quadros da democracia naqueles países que os consentem ou de forma subterrânea nos que os eliminaram da sociedade política, é completada e reforçada por um aparelho ilegal, cuja existência muitos desconhecem, porque este trabalha sempre secretamente. A organização deste aparelho ilegal obedece aos seguintes propósitos, marcados pelo próprio Lenine:
Nós devemos ter em toda a parte e sempre os nossos homens, em todas as camadas sociais e em todas as posições, de forma a podermos conhecer as engrenagens internas do mecanismo do Estado.
Os elementos do aparelho ilegal, formados, quando possível, nas escolas revolucionárias tipo da de Lenine, em Moscovo, ou por correspondência, conforme as necessidades tácticas, ao contrário das atitudes dos membros do partido comunista, mascaram a sua ideologia e propósitos e procedem como agentes dum corpo de espionagem- aparentemente muito boas pessoas e prestáveis, comerciantes com farto crédito que são bafejados pela sorte, podendo assim dar a mão a outros mais infelizes, economistas com cultura de vara e meia, caixeiros viajantes da ciência que chegam a fazer conferências na Universidade de Taprobana, professores muito camaradas dos seus discípulos e romancistas que se vêem traduzidos até em sânscrito, etc....
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Tudo isto, porém, partido comunista e aparelho ilegal, desdobrado em tantos aparelhos A, B, C, etc., conforme os meios em que se tem de operar, não seria de temer, e bastaria a polícia para desventrar e aniquilar a organização, se não fossem os aliados e cúmplices, que, mobilizados, estruturados e comandados por aqueles, se transformam numa espécie de tropas mercenárias do Cominform...
Não foi sem razão que Lenine assegurou que elementos da burguesia ajudariam estupidamente a destruir a própria burguesia. A triste figura histórica de Kerenski simboliza o acertado fundamento de tal asserção.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Neste caso a máquina de subversão comunista limita-se a tomar conhecimento, a registar e a arregimentar como aliados e cúmplices aqueles que, com o juízo embebido em abstracções igualitárias do século das luzes, se manifestam descontentes perante os contestados resultados da democracia política e suspiram pela democracia económica, e também os reformistas sociais de todas as castas e feitios que não querem ficar a meio caminho e anelam pelas realizações progressivas das utopias que animaram as doutrinas socialistas do século XIX.
O Cominform apresenta-se e procede como o herdeiro universal de todas as abstrações libertárias, igualitárias e humanitaristas que menosprezam a realidade e, segundo Carlyle, tem por efeito apenas a destruição.
No mesmo sentido trabalham em todos os países as várias Inteligentsias que Lenine cultivava cuidadosamente como os melhores «bacilos revolucionários». Entre estes avultam os filósofos que pretendem enfabular todos os ramos dos conhecimentos humanos segundo os métodos do materialismo dialéctico, especialistas que exploram na política - onde raciocinam e procedem como primários - uma notabilidade alcançada no mundo científico, ensaístas do «muito humano» que transbordam sentimentalidade sem o correctivo de uma sólida cultura filosófica e, sobretudo, os romancistas do social que exploram a imaginação dos sofrimentos alheios e que até às vezes - quem o diria? - se vêem galardoados por algumas academias ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: resta-me ainda dizer algumas palavras acerca das condições indispensáveis à organização de uma defesa eficiente contra o grande inimigo da nossa pátria e da civilização cristã.
Mais do que nunca, nesta emergência, a condição primordial da defesa da nossa frente interna contra as maquinações revolucionárias do comunismo é, sob a égide do Estado forte na Nação corporativamente organizada, a unidade moral dos portugueses.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Com este bem insuperável fortaleceremos e vincaremos o carácter da personalidade portuguesa,, aniquilando à nascença, por falta de ambiente, qualquer veleidade de subversão interna, ao mesmo tempo que valorizaremos a posição do País nos organismos internacionais em que participamos. Sem a unidade moral dos portugueses estaremos à mercê dos desígnios e manobras do inimigo, seremos terreno das suas lutas e tornar-nos-emos motivo de irrisão e estorvo no Mundo.
O comunismo é o grande capitalista dos dissídios e divisões. Por isso somos adversos da democracia de partidos, não só pelas razões históricas que justificam e impõem essa atitude, mas também por ser esse o campo de batalha preferido nos países latinos pela III Internacional.
Connosco estão todos os que consideram e amam a Pátria como um valor eterno, e só são nossos irredutíveis inimigos os que a renegaram.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Uma actividade permanente de doutrinação política, tendente à formação de uma sadia consciência pública, constitui a segunda condição de defesa.
A mentira moral e social do bolchevismo não se torna evidente e repugnante apenas pela simples enumeração dos seus reveses, imperfeições e violências.
Como síntese de várias heresias e panaceia universal para os males do capitalismo, não é difícil demonstrar que os resultados alcançados se apresentam em flagrante contraste com as esperanças alentadas, as promessas feitas e os objectivos apregoados. E que esta espantosa oposição entre a doutrina e a realidade não pode imputar-se a circunstâncias estranhas ao sistema, mas provém precisamente dos seus conceitos errados acerca da natureza do homem e da sociedade.
As subtilezas do materialismo dialéctico, que permitem ao comunista - conforme as conveniências tácticas - afirmar uma coisa ou o contrário dessa mesma coisa, na mira de atingir evolutivamente a síntese profética, não iludem a miséria doutrinária, moral e social a que chegou o bolchevismo.
É bem certo, como dizia Pascal, que qui veut faire l'ange fait la bete, pois o novo tipo humano do comunismo é um ser sem personalidade, um pária e um escravo; a sociedade sem classes e, portanto, sem Estado é hoje uma tirania execrável e a humanidade bolchevista um rebanho de produtores económicos acicatados pelos privilegiados do partido e vigiados pela polícia política. O socialismo pomposamente chamado científico vive apenas como religião secular. O amor a Deus, fundamento de todas as liberdades e direitos, foi substituído pela alienação total da pessoa ao «chefe genial dos povos», o czar vermelho do novo império bizantino.
A que imensa distância tudo isso se encontra da utopia e das profecias de Marx! ...
Não só é fácil, mas também agradável, esboroar esse mundo de falsidades utilizando como ilustração adequada das afirmações produzidas os testemunhos de todos aqueles que conseguiram escapar do paraíso soviético e nos contaram o que lá se passa ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- E em confronto com esta degradação histórica podemos galhardamente mostrar como está certa a nossa doutrina, que, sem promessas miríficas baseadas no processo demagógico de desvairar para matar, procura seriamente superar o liberalismo económico e o socialismo marxista.
Sr. Presidente: a defesa da opinião pública, que, segundo a Constituição portuguesa, é to elemento fundamental da política e da administração do País», representa também uma das mais relevantes condições de defesa da nossa frente interna.
Devido ao desenqnadramento social provocado pelo incremento da revolução técnica e o excessivo urbanismo, vivemos numa época de massas à mercê de nova estruturação, a que correspondeu um desenvolvimento extraordinário de todos os meios de comunicação, entre os quais avultam a imprensa, o cinema e a radiodifusão. Queiramos ou não, vivemos também numa era de propaganda. E se os estados podem fiscalizar os efeitos de algumas das novas técnicas da propaganda, outros, como os da radiodifusão, escapam-lhe inteiramente, porque para estes não existem fronteiras. A radiodifusão constitui uma poderosa arma de guerra psicológica.
Ora o inimigo da nossa civilização, conhecendo a forma psicológica como se comportam as massas, isto é, a sua capacidade de sugestibilidade e excitação quando submetidas a uma acção permanente de obcecação, e adoptando uma teoria e estratégia traçadas pelo próprio Lenine, serve-se cinicamente de todos os meios e sobretudo da rádio, esse jornal sem papel nem distância, para influenciar, desorientar e desvairar as opiniões públicas dos países que pretende contaminar e dominar.
Actualmente nenhum dos países do mundo ocidental descura a sua defesa neste campo de batalha. Algumas cifras elucidam-nos suficientemente a respeito do que se empreende, não já na estrita defesa interna da opinião pública de vários países, mas no combate internacional ao comunismo.
Assim, o Presidente Truman pediu há dias ao Congresso a concessão de um suplemento de 97.000:000 dólares para completar a rede de emissoras destinadas a contrabater a propaganda soviética, o que eleva o total da verba atribuída à Voz da América no ano corrente para 207.500:000 dólares. A BBC, por seu lado, comunicou que o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Grã-Bretanha recomendaria ao Parlamento a adjudicação de uma verba adicional de 100:000 libras destinada às emissões para o estrangeiro, perfazendo dessa maneira um total de 4.500:000 libras.
Nós também, na medida das nossas possibilidades, perante o perigo comum, temos de defender melhor a nossa opinião pública, esclarecendo-a e informando-a de forma a que a mentira não obscureça nem se sobreponha à verdade.
Vozes: - Muito bem!
Q Orador: - Sr. Presidente: vou terminar, não sem deixar de afirmar que, para cumprir a tarefa marcada pelo Sr. Presidente do Conselho no seu último discurso e levar a bom termo a campanha iniciada pela União Nacional, será necessária a conjugação de esforços que tendam a evitar e que o comunismo deforme as inteligências e as vontades da massa neutra» com suma acção intensiva de aliciação das inteligências à volta de um sistema de ideias que o repitam».
Com uma equipe formada por pessoas que conheçam a doutrina do inimigo e as suas manifestações proteiformes, um plano de acção estudado de acordo com as realidades nacionais, uma eficiente coordenação entre os organismos do Estado encarregados da formação da mocidade e esclarecimento da opinião pública e uma mobilização de todas as boas vontades, nós conseguiremos, todos juntos, dominar e vencer o grande inimigo do momento.
Tenho a certeza de que a vitória será nossa.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Ribalro Cazaes: - Sr. Presidente: não me é possível falar agora, com a altura que merece, do assunto que o Sr. Deputado Silva Dias acaba de tratar tão brilhantemente.
Mal avisado andará quem sobre ele se debruçar sem a calma da reflexão, sem o estudo cuidadoso da experiência sofrida e o conhecimento, tanto quanto possível exacto, do progresso técnico, sem o sentido das realidades do mundo de hoje, em que não se encontra limitação alguma ao desenvolvimento dos ataques das forças do mal.
Na verdade, a organização da «frente do interior», até mesmo pela simples visão retrospectiva das notícias publicadas sobre desgraças que alguns países sofreram na última guerra, dá a toda a gente a certeza de que não é problema que se olhe ligeiramente, antes de transcendental importância, a que está inteiramente ligada a sobrevivência dos povos.
Apoiados.
Mas, ao ouvir falar em a f rente interna», não posso ficar silencioso e indiferente, pelo respeito e gratidão que devo a muitos milhares de homens que comigo serviram e a quem me honrou confiando-me a missão do comando da defesa civil do território, quando tal serviço foi criado.
Portugal pode reinvindicar a honra de ser o primeiro país que se apercebeu da imperiosa necessidade da organização da « frente do interior D como meio indispensável de resistir e vencer, numa visão clara das possibilidades da guerra total, isto é, da guerra sem limitados campos de batalha e sem limitados meios de destruição, que os povos haviam de suportar, face ao assombroso incremento da técnica e ... da maldade humana.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Hoje já os peritos militares dos vários países são de opinião dê que na terceira guerra mundial se deverá enfrentar um conceito de guerra inteiramente novo com o desenvolvimento do desgaste feito pelas 5.ª colunas e pelas armas nucleares, electrónicas e biológicas - as chamadas armas N.º E. B. - tudo levando a admitir que as primeiras quinhentas horas de luta poderão decidir da vida dum povo.
Isto, só por si, sem mais largas considerações, permite-nos compreender que a defesa nacional não pode prescindir da organização da «frente interna».
Na última guerra, a Inglaterra, com a sua Home Guard, foi o mais vivo exemplo da importância de tal organização e, eu afirmo, como então o fiz, que a nossa velha aliada pôde alicerçar ali, mais do que nos seus canhões e nas suas esquadras, a resistência e a vitória.
A França, por outro lado, olhando descuidadamente a organização da sua «frente interna», apesar de possuir um exército bem equipado e instruído, cedo sentiu que estava perdida.
E o interior? - bradava um chefe militar ao assumir o comando das suas tropas.
Os exércitos da França precisavam de movimentar-se e não tinham espaço para manobrar, queriam avançar e eram apunhalados pelas costas, resistir e verificavam a sabotagem por toda a parte, desde as munições às almas, enfim, a retaguarda não correspondia aos esforços hercúleos que necessitavam de desenvolver contra a apocalíptica avalanche das tropas germânicas.
Portugal, através da Legião Portuguesa, deu, em Maio de 1940, o seu primeiro passo, publicamente, para a organização da «frente interna», numa demonstração, próximo de Lisboa, em colaboração com o Exército, com a aeronáutica, com as autoridades civis e com a população da localidade.
Emprestou a esse acto especial importância a presença de dois ilustres homens públicos: os Srs. Dr. João Pinto da Costa Leite, então Ministro das Finanças e presidente da Junta Central da Legião Portuguesa, e tenente-coronel Fernando dos Santos Costa, então capitão e Subsecretário de Estado da Guerra.
A eles se deve, acima de tudo, o que daí em diante se fez.
Desejo aproveitar esta oportunidade para lhes render, por isso, as minhas homenagens de profunda gratidão como português e como soldado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não foi difícil assim ir mais adiante e devo confessar que o mais duro trabalho consistiu no afastamento dos que possuíam títulos e diplomas, mais para brilhar do que para produzir, no esmagamento dos comerciantes das máscaras e abrigos, na neutralização dos pregadores do «passivismo» e duma certa paz que todos conhecemos.
Terminei com duas simples palavras as ligeiras considerações que julguei conveniente fazer, depois do primeiro exercício de defesa civil: «Deixem-nos trabalhar».
E trabalhou-se muito - sem descanso e com fé inquebrantável.
Muitas medidas de carácter militar vertebralizaram os trabalhos em curso, e, embora nem todos se tenham logo apercebido dos largos passos dados, e que seria longo enumerar, a verdade é que o povo português sentiu o incessante labor e a f é que nos animava.
Em Setembro de 1941 apresentei perante a Junta Central da Legião Portuguesa as bases dum projecto de lei sobre a defesa civil do território, e em Abril de 1942 o Decreto-Lei n.º 31:956 regulava definitivamente o assunto.
De Agosto a Outubro montou-se mós Açores e Madeira a organização da «frente interna» e, ao apresentar à Junta Central da Legião Portuguesa o meu relatório sobre os trabalhos efectuados, declarei não poder continuar com o comando que me fora confiado por entender que o interesse nacional impunha que a defesa civil do território fosse o subtítulo da Legião Portuguesa.
Pensava eu que esse patriótico organismo poderia, assim, ser (nacionalizado, isto é, considerado como elemento indispensável da vida da Nação, pois ficara abundantemente demonstrado que, através da defesa civil do território, era possível conjugar os esforços de todos, independentemente do credo que possuíssem, fazendo, desta forma, de cada português um soldado.
Depois... Não é agora ocasião de falar mais no assunto, mas dada a (gravidade e importância do problema, tenho pena que a intervenção do Sr. Deputado Silva Dias não comporte um aviso prévio.
Antes de terminar, julgo do meu dever afirmar que vão por caminho errado os que só buscam em livros e diplomas, em experiências doutrem ou interesses que não tenham na base o bem comum, a solução dos múltiplos problemas, que urge resolver, de organização da «frente interna».
A defesa civil do território alicerça-se, sobretudo, como sempre afirmei, numa mobilização das almas e é com a alma que temos de servi-la.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A Legião Portuguesa tem um altíssimo dever a cumprir e só ela pode montar devidamente a D. C. T., porque legionário é antónimo de funcionário, porque ser legionário é dar-se todo pelos outros.
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Na sua própria estrutura encontrará, por isso, a Legião o fogo necessário para alimentar as energias de que necessita.
Deus ilumine os homens que a comandam, mostrando-lhes o caminho a seguir.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: nos termos regimentais, desejo tratar em aviso prévio do magno problema do papel na economia portuguesa.
No desenvolvimento deste aviso prévio tentarei provar:
1) Que há uma certa tendência altista, por especulação, comparativamente injustificável, do papel de impressão, que é absolutamente contrária à liberdade d>e pensamento e que nem se qualifica em face dos dados estatísticos, devidamente ponderados, respeitantes à importação da respectiva pasta ë nem mesmo à face dos preços e mercados internacionais, devendo, portanto, ser severamente reprimida;
2) Que a normalização e fixação das características dos papéis não obedecem nem a imperativos de técnica de produção nem aos interesses gerais da economia, mas antes prejudicaram os consumidores, para beneficiar desequilibradamente os produtores e certos comerciantes;
3) Que as Portarias n.º 12:574 e 12:741 - em boa técnica jurídico-constitucional para serem apenas aplicadas rebus sic standibus - não conseguiram nem economizar divisas nem tão-pouco assegurar uma duradoura e honesta estabilização de preços nem ainda uma regulamentação de relações comerciais, com perfeita equidade corporativa, entre produtores, comerciantes e consumidores;
4) Que essas portarias, salvo melhor opinião e a muita consideração que me merecem os seus autores, prática e doutrinalmente descorporativizaram-se, em face da baixa substancial de preços que se verificou no mercado internacional, redundando numa aberta protecção aos industriais, sem ter assegurado, em contrapartida, aos consumidores, por um mecanismo automatizado de revisão de tabelas, a correspondente baixa de valores que chegaram, quanto à primeira portaria, a metade dos que estavam fixados à sua data e, quanto à segunda, inscreveram sempre, pelo menos, até Setembro passado, com índices preçários internacionais inferiores a esses valores;
5) Que a posição da imprensa, sobretudo da pequena imprensa, e dos editores não deve nem pode suportar a alta de preços solicitada pela indústria que indiscutivelmente deve ou, pelo menos, deveria ter reservas acumuladas, por favor dos tabelamentos que, de certa maneira, podem suportar uma solução de compensação, em benefício dos preços do papel de impressão que não representa mais do que 20 por cento da produção total nacional;
6) Que, a admitir uma revisão de tabelamento, reconhecendo a situação altista, o diploma legal que a consagrar deve delinear um bom mecanismo de revisão e só deve ser decretada, depois de uma zelosa informação de stooks, competente e constantemente fiscalizados;
7) Que, ao anunciar e realizar este aviso prévio, só tenho em vista coadjuvar o Ministério da Economia, dando ocasião a sugestões ventiladas e controvertidas publicamente, que melhor o habilitem às soluções que o caso requerer e que a comprovada e inteligente experiência do titular da respectiva pasta ministerial de. certeza nos assegurará.
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: muito poucas palavras.
Tanto se tem dito e escrito a propósito da importância económica da viticultura que, na verdade - tão fácil é, aliás, constatá-lo -, não vale a pena demonstrá-lo. A grande teoria dos números e das citações é absolutamente escusada para um problema que é do conhecimento geral.
A viticultura pesa na economia nacional, tanto no mercado interno como na exportação. E, porque é uma cultura colonizadora - não há crise do trabalho onde quer que a vinha seja a cultura principal dominante -, pesa também pelo trabalho que dá a muitas centenas de milhares de braços que emprega durante todo o ano.
O viticultor tem, por consequência, a consciência do valor que representa na economia do País e do papel social que desempenha. Não pode, por consequência, compreender, Sr. Presidente, que o tratem e ao seu directo e indispensável colaborador, que é o comércio, tanto grossista como retalhista, com menos equidade e menos justiça.
Vem isto a propósito, Sr. Presidente, do Decreto n.º 37:837, que estabeleceu o encerramento das tabernas às 10 horas e que proibiu a venda do vinho depois dessa hora.
Proibiu, Sr. Presidente, a venda do vinho, que dá que fazer e representa o trabalho e o pão de centenas de milhares de trabalhadores portugueses, mas não se proíbe a venda da cerveja, que é um produto meramente industrial, e - o que é muito pior! - permite-se a venda do Wchisky e outros Álcoois estrangeiros, duplamente prejudiciais, porque levam divisas e podem dar ocasião ao alcoolismo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Este flagelo, Sr. Presidente, não existe nos países consumidores de vinho. E em Portugal o alcoolismo, como problema que merece preocupação, não existe, precisamente porque a bebida dominante é o vinho.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Parecia, Sr. Presidente, que, antes de se tomarem medidas que se repercutam num dos sectores económicos mais importantes do País, se devia ter ouvido algumas, pelo menos, das numerosas instituições corporativas que regem este assunto. E, porque isso se não fez, Sr. Presidente, necessariamente surgiram várias reclamações e se dirigiram ao Governo muitas representações, que ato hoje não obtiveram deferimento.
Evocarei, Sr. Presidente, mais uma vez aquela conhecida máxima do sapateiro de Braga: a ou se bebe de tudo, ou haja moralidade».
As tabernas, graças à fiscalização sobre elas exercida, já não são aqueles antros repugnantes que antes eram. Hoje já muitas são lavadas, higiénicas e até atraentes.
Também quero constatar que me parece ter desaparecido quase completamente o etilizado habitual e permanente. Hoje é raríssimo encontrarem-se pessoas nessas condições.
Quero, por consequência, dizer, Sr. Presidente, que me parece que se devem atender algumas das reclamações apresentadas e dar-lhes satisfação.
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Suponho, Sr. Presidente, que nas cidades, onde a injustiça é mais flagrante e porque nelas a fiscalização é mais activa, o decreto não é necessário. Nas outras localidades parece-me também justo que, ao fixar-se a hora de Verão, se difira por igual período a hora do encerramento desses estabelecimentos, não só pelos motivos óbvios que ocorrem naturalmente, mas ainda por outro que me atrevo a apresentar à consideração de VV. Ex.ªs e do Governo.
Há nos meios agrícolas aqueles trabalhadores que vivem independentemente da sua família. É o que na minha localidade, e não sei se o termo é usado noutras, se chamam os e malteses».
Essa gente durante todo o dia não pode comer senão pão e conduto; e a única refeição quente que podia tomar era na taberna local, ao regressar à noite do trabalho. Simplesmente, no Verão, em que às 22 horas ainda é dia, o trabalhador, quando chega à localidade, encontra fechada a taberna e vê-se impossibilitado de tomar a única refeição quente durante o dia de trabalho.
Parece-me, Sr. Presidente, que, atendendo a esta circunstância e à importância excepcional que tem a produção vinícola no nosso país, e ainda ao aspecto pouco animador do mercado internacional do vinho, temos de olhar para o mercado interno, lembrando-nos de que o vinho nestes últimos anos não tem dado preocupações aos governantes e à economia nacional, devido ao trabalho inteligente e exaustivo da Junta Nacional do Vinho e ainda à circunstância de não ter havido nestes últimos anos duas colheitas grandes consecutivas.
Espero, pois, que estas minhas considerações apoiando estes contribuintes modestos, mas numerosíssimos - creio que são mais de 30:000 -, e ainda o interesse geral que representa a viticultura consigam que o Governo atenda, pelo menos em parte, as reclamações apresentadas sobre este assunto.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: não é necessário sublinhar nesta Assembleia a transcendência do significado nacional e espiritual de um facto a que a imprensa deu ontem um justo relevo. Aliás é um acontecimento que tem em si próprio a precisa eloquência para nos encher a todos de legítima satisfação e de verdadeiro desvanecimento patriótico. Refiro-me à mensagem enviada pelo arcebispo de Calcutá, monsenhor Périer, ao Sr. Patriarca das Índias, D. José da Gosta Nunes, «m nome da hierarquia e do povo católico da Índia, ao encerrar-se a Conferência dos Bispos Católicos da Península Industânica, mensagem em que se relata a aprovação pela Conferência, na sua sessão inaugural, de uma moção na qual se presta homenagem à acção espiritual e missionária levada a efeito pelos sacerdotes portugueses na Índia, implantando e desenvolvendo ali a igreja católica e promovendo mesmo a formação de um clero de origem indiana, cuja acção cristã tem sido notável.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Creio que toda a Câmara se regozija com essa mensagem, na qual o arcebispo de Calcutá pede ao patriarca das índias para transmitir também o Reconhecimento dos prelados católicos de toda a Índia ao Governo e à nação portuguesa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Senhores: o mais forte alicerce do Estado português da Índia é de natureza espiritual, está na fraternidade de sentimentos e aspirações que se estabeleceu entre portugueses da metrópole e os naturais dessas regiões, em que se desenvolveu uma civilização elevada, que o universalismo da nossa política ultramarina e do nosso sentir profundo conseguiu fundir com o que há de mais alto, de mais luminoso e de mais belo na nossa própria civilização.
O chamado imperialismo de Afonso de Albuquerque foi tolerante e afectuoso com os verdadeiros indianos, respeitador e defensor dos «seus direitos, mas severo e enérgico para com os potentados intrusos que a sua espada invencível subjugou. Tão estreitamente se fundiram na acção portuguesa no Oriente o patriotismo luso e a fé cristã que no recente Colóquio de (Estudos Luso-Brasileiros de Washington afirmei ser a mesma coisa falar-se de cultura portuguesa ou de cultura luso-
-cristã ao tratar da expansão cultural portuguesa no Mundo. Por papiá cristão ainda hoje é a língua portuguesa conhecida em muitos pontos do Oriente.
Também em Washington se proclamou ser a afectividade um dos traços psicológicos fundamentais da cultura portuguesa. E essa base psicológica de simpatia, de fraternidade, de compreensão emotiva, que serve de raiz e de timbre indestrutíveis à soberania lusa no Estado da Índia Portuguesa.
Nenhum indiano de origem se sente no Portugal metropolitano como um estranho, e isto porque está de facto em sua própria casa, se sente aqui, no meio de nós, como um irmão, como um membro da grande família portuguesa. Tendo visitado já países estrangeiros de além-mar, em que há núcleos mais ou menos numerosos de indianos, verifiquei sempre com alegria que eles sentem nos representantes consulares de Portugal como nos outros portugueses uma solidariedade e um apoio que contrasta frequentemente com sentimentos diversos de outros grupos populacionais.
Esta minha observação pôde ser confirmada por todos os que tenham visitado os mesmos países, onde, infelizmente, existem discriminações raciais contrárias ao sentimento português de fraternidade cristã.
Apoiados.
Tendo manifestado a minha satisfação pelo acontecimento ocorrido com a reunião do episcopado católico da índia, não quero deixar de me referir ainda a outro facto, que é para todos os portugueses motivo de regozijo, pelo que traduz, embora num campo distinto do religioso.
Desejo aludir ao extraordinário êxito obtido pela Sociedade Coral e Folclórica dos Goeses de Bombaim no festival que organizou nesta cidade indiana em benefício dos sinistrados da catástrofe sísmica do Assão e das inundações de Caxemira, no começo do corrente ano, assim como noutras exibições através da grande nação que é a Nova Índia.
Dirigido e organizado pelo distinto artista e professor Sr. Antsher Lobo, com a colaboração valiosa de sua esposa, soprano de merecimento, e de muitos jovens goeses cristãos dos dois sexos residentes em Bombaim, o labor daquela (Sociedade, fundada em 1941, é, sem dúvida, duma projecção política que merece o caloroso aplauso de todos nós. Li as descrições e os comentários da imprensa e das mais notáveis personalidades de Bombaim e vi fotografias impressionantes de beleza e interesse artístico e folclórico.
O vice-reitor da Universidade de Bombaim, Sr. Wadia, escreveu, por exemplo, que as melodias e cantos populares que ouviu lhe evocaram diferentes origens nacionais e tendem à unificação de culturas no sentido duma «cultura universal comum».
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O universalismo da cultura portuguesa está expresso nessas canções e danças do Concão exibidas por aquele meritório grupo, que, mantendo na indumentária feminina muito do indiano tradicional, como o sari, apresento no vestuário masculino, sobretudo, e nos instrumentos musicais os traços mais nítidos da influência portuguesa. Como em Macau, esta acção traduz-se pacificamente no estabelecimento de fecundos laços de afecto, psicologia e cultura entre o Ocidente e o Oriente. Nada de exclusivismo, de opressão, de exploração. Apenas nobre solidariedade, cordial simpatia, um mesmo anseio de progresso humano e de vida superior.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - À Sociedade Coral e Folclórica de Goeses de Bombaim, a Antsher Lobo e sua esposa, às formosas jovens e aos galhardos rapazes que colaboram em tão patriótico e simpático empreendimento artístico no seio da grandiosa urbe da Nova Índia, em nobre e alta fidelidade às tradições concanins e à amizade e influência dos portugueses de origem metropolitana, eu dirijo deste lugar a saudação mais calorosa, em que se reúnem os votos pelas propriedades artísticas do seu empreendimento e pelo êxito seguro da sua prestimosa acção no sentido da justa compreensão, em toda a grande Índia, do papel e das intenções de Portugal, do significado da nossa história, da verdadeira natureza da nossa índole e do nosso sentir.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Estou certo, Sr. Presidente, de que no dia em que tão meritório grupo de indo-portugueses possa apresentar-se ao público português metropolitano receberá deste a mais apoteótica consagração, consagração que envolverá, não só o seu valor artístico, como a sua nobre e fecunda integração no pensamento de unidade, afecto, progresso e justiça, que é o honroso título de glória de Portugal na história do Mundo e da civilização.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente:- Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente:- Na sessão do ontem, concluímos a votação da proposta de revisão do Acto Colonial, que passa a constituir o capitulo VII da Constituição.
Vamos agora prosseguir na discussão da proposta de revisão constitucional.
Está em discussão o artigo 30.º Pela proposta de lei, o artigo 134.º da Constituição é substituído por aquele, que a mesma proposta sugere. Sobre este artigo há na Mesa uma proposta da Comissão de Legislação e Redacção, que vai ser lida à Assembleia.
Foi lida. É a seguinte:
Que seja substituído o texto proposto no artigo 30.º da proposta sobre a Constituição pelo seguinte:
Art. 134.º A Constituição poderá ser revista de dez em dez anos, contados desde a data da última lei de revisão, tendo para esse efeito poderes constituintes a Assembleia Nacional cujo mandato abranger o último ano do decénio ou os que se lhe seguirem até ser publicada a lei de revisão.
§ 1.º A revisão constitucional pode ser antecipada de cinco anos se, a partir do início da sessão legislativa correspondente ao último ano do quinquénio, assim for deliberado por dois terços dos Deputados em exercício efectivo.
Também neste caso o decénio se conta desde a data da lei de revisão que então fora votada.
§ 2.º Apresentada qualquer proposta ou projecto de revisão constitucional, quaisquer outros só poderão ser apresentados no prazo de vinte dias, a contar da data daquela apresentação.
§ 3.º Não podem ser admitidos como objecto de deliberação propostas ou projectos de revisão constitucional que não definam precisamente as alterações projectadas.
§ 4.º Uma vez publicada a lei de revisão cessam os poderes constituintes da Assembleia Nacional.
O Sr. Presidente: - Está também em discussão esta proposta de substituição.
Pausa.
O Sr. Presidente:- Visto nenhum Sr. Deputado desejar fazer uso da palavra, vai votar-se a proposta da Comissão de Legislação e Redacção, destinada a substituir o artigo 134.º da Constituição, proposto pelo Governo.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente:-Está em discussão o artigo 31.º da proposta de lei, pelo qual são eliminados os artigos 138.º, 139.º, 142.º e 143.º da Constituição.
Pausa.
O Sr. Presidente:- Visto nenhum Sr. Deputado desejar usar da palavra, vai votar-se o artigo 31.º da proposta de lei.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - No decurso da discussão na especialidade, eu devia ter feito referência a uma proposta do Sr. Deputado Mendes Correia, relativa ao artigo 10.º da proposta de lei. O Sr. Deputado Mendes Correia tinha, efectivamente, apresentado uma proposta referente àquele artigo, no sentido de se inserir entre os parágrafos do artigo 72.º da Constituição mais o seguinte:
Uma vez apresentadas e aceites as candidaturas, o Governo tomará, dentro da lei e com a maior imparcialidade, as providências necessárias para impedir que a discussão pública sobre os candidatos resvale na difamação, no insulto e no desrespeito, incompatíveis com o prestígio indispensável das altas funções que o eleito virá a desempenhar.
Todavia, a proposta do Sr. Deputado Mendes Correia não tem conteúdo legislativo; exprime uma aspiração louvável, mas não tem propriamente aquele conteúdo. Se o tivera, não obstante ter-se já votado o artigo 10.º, como é matéria que pode ser considerada não prejudicada pela votação da Assembleia, estaríamos a tempo de remediar a falta.
Entendo, porém, repito, que a proposta do Sr. Deputado Mendes Correia representava uma aspiração, um desejo perfeitamente louvável e legítimo, mas não tem conteúdo legislativo.
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O Sr. Mendes Correia:- V. Ex.ª dá-me licença?
Estou inteiramente de acordo com o que V. Ex.ª acaba de dizer. Não tenho dúvida em considerar como inexistente essa proposta.
O Sr. Presidente: - Está, portanto, concluída a discussão na especialidade da proposta de lei de revisão constitucional, como a da proposta de lei de revisão do Acto Colonial, que, pela maneira como foi orientada a discussão deste diploma, ficou desde já integrada na Constituição.
A Comissão de Legislação e Redacção terá de arrumar e ordenar as matérias e toda a Assembleia certamente confia na sua provada competência.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Há agora os projectos de lei que foram apresentados por alguns Deputados, também de revisão constitucional.
Os Srs. Deputados Carlos Moreira, Mário de Albuquerque, Cortês Pinto, João Ameal e Délio Nobre Santos apresentaram um projecto de lei assim concebido:
Propomos que dentro do título IX «Da educação, ensino e cultura nacional» seja incluído, a seguir ao artigo 44.º, um artigo novo, com a seguinte redacção:
Artigo novo. O Estado tomará as providências necessárias tendentes à protecção e defesa da Língua, como instrumento basilar da cultura lusíada e da projecção do nome português no Mundo.
Vou pôr em discussão este projecto de lei.
Como contém só este artigo, será posto simultaneamente em discussão na generalidade e na especialidade.
A Câmara Corporativa manifestou já o sen parecer sobre este projecto, parecer que é desfavorável.Está em discussão.
O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente: o projecto de lei que, com a anuência estimada e honrosa dos ilustres Deputados signatários, tive ocasião de apresentar sobre a língua portuguesa foi objecto, nos termos constitucionais, de parecer da Câmara Corporativa.
Não sei, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que mais estranhar: se o intempestivo das razões contra a sua conveniência, se a peregrina conclusão de que não carece de ser regulado o assunto constitucionalmente, em vista do artigo 43.º e seu § 2.º e da Convenção de 29 de Dezembro de 1943.
Não quero tirar tempo à Assembleia demorando-me na análise das razoes aduzidas e que podem sintetizar-se assim: no domínio interno, a política da Língua confunde-se, até certo ponto, com a política do ensino; as escolas que o Estado se obriga a manter e os organismos científicos sobre os quais se exerce a sua acção coordenadora são os instrumentos dessa política; a política da expansão, como a política da unidade da Língua, exercem-se pelas chancelarias, mediante negociações interacadémicas, interuniversitárias e intergovernamentais; Portugal e o Brasil regularam o seu problema linguístico nos termos de uma convenção.
O resto pouco mais é do que um relatório sobre a intervenção da Academia das Ciências e de outros organismos e entidades em matéria lexicográfica, com algumas referências sobre os oscilantes vocabulários e citação de nomes de autores nacionais e estrangeiros de maior ou menor renome.
O Sr. Mário de Albuquerque: - Simples aparato para abrir a boca ao burguês.
O Orador:- Diz V. Ex.ª muito bem, Sr. Dr. Mário de Albuquerque. Tudo certo, só com um defeito: nada interessar aos motivos e fins do projecto.
De facto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não se vê em que medida o artigo em discussão, que preconiza deverem ser tomadas «providências tendentes à protecção e defesa da Língua», possa contrariar ou ofender a política do ensino, a acção coordenadora das escolas, a acção das chancelarias e, para esta, as negociações interacadémicas, interuniversitárias e intergovernamentais.
E o estranho parecer tira esta conclusão:
... sendo assim, não parece a esta Câmara necessário repetir na Constituição Política da Nação Portuguesa aquilo que já está expresso no nosso direito constituído e que, por se tratar de uma língua em regime de condomínio, se encontra no lugar que lhe é próprio: a Convenção entre a Nação Portuguesa e os Estados Unidos do Brasil.
A este propósito apenas um singelo comentário: sempre julgámos, e ainda entendemos, que o essencial que já esta expresso no nosso direito constituído pode ter o seu cabimento conveniente ou necessário no texto constitucional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A adoptar-se a opinião do parecer da Câmara Corporativa, o texto constitucional acabaria quase, por não ter sentido e por desaparecer à míngua de matéria que lhe ia sendo gradualmente absorvida pelo direito constituído.
Por último, que a expressão, de alto significado sem dúvida, de uma convenção entre Portugal e o Brasil se anule ou desvalorize pela circunstância de essa matéria ou análoga ser incluída no texto constitucional é critério tão inexplicável que dispensa quaisquer outras considerações.
Conclui o parecer afirmando que «Portugal, fiel aos compromissos internacionais que assumiu, orgulha-se de partilhar com o Brasil tão honroso encargo (administrar o morgadio da Língua)».
A este ponto damos o nosso inteiro acordo, só com a diferença de que, onde o parecer vê ou teme unilateralidade ou exclusivismo, vemos nós mútua colaboração entre Portugal e a grande nação irmã, na defesa e protecção deste belo património comum, dando-lhe assento e guarida no nosso texto constitucional e solenizando até, dessa forma, o significado e sentido da resolução desta Assembleia de 13 de Março de 1944 relativa à Convenção sobre a Língua entre Portugal e o Brasil.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Sr. Presidente: pode dizer-se que a lei histórica segundo a qual, de duas civilizações em contacto ou em luta, a mais adiantada vence nas instituições e na cultura, embora tenha ficado vencida pelas armas, tem aplicação verificada e evidente quanto aos idiomas dessas duas civilizações ou povos. Se a vitória, porém, acompanha o mais poderoso e o mais culto, maiormente a sua língua se impõe naturalmente ao uso dos vencidos.
Assim aconteceu com a expansão das legiões romanas, que viram acompanhada a sorte das armas pelo domínio seguro e firme da sua língua e das suas instituições.
O direito de Roma e a língua latina foram incontestavelmente os dois mais poderosos influentes na romanização das terras europeias onde chegaram as águias do Capitólio.
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Basta atentar nas relações jurídicas dos povos da Europa e na formação dessas línguas novilatinas, em que o galaico-português ocupa há muitos séculos lugar proeminente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O latim evolucionou e transformou-se no uso e fala desses povos do Império, para os quais foi ainda, através da Igreja, o grande instrumento da expansão do Cristianismo nascente e triunfante.
E tal era a força do latim na sua aceitação pelos povos com quem comunicaram os seus naturais, que nem a vitória dos bárbaros nem o longo domínio dos árabes conseguiram mais do que limitada influência através da introdução de alguns vocábulos nos idiomas ou dialectos peninsulares.
Mais tarde é ainda, ao renascer das obras clássicas (gregas e latinas), com o estudo cuidadoso da língua grega e sobretudo da latina que os idiomas novilatinos mais se enriquecem ao passo renascentista das letras, das ciências e das artes. E não esqueçamos o papel dominante dos portugueses pelo cultivo das ciências ligadas aos Descobrimentos e pelo alargamento do conhecimento do Mundo através de expedições terrestres e das viagens marítimas.
No evoluir da nossa história a Língua acompanha, no seu progredir e desenvolvimento, o ritmo da mesma história. E tal é a sua força de conquista que ela entra nos vocabulários dos próprios povos com cultura e civilização próprias. Acompanhando, nas mais longínquas paragens, até ao Japão, os vestígios das construções que aí deixámos, na arte militar como nos templos e nas próprias habitações, também a Língua deixou vincada a passagem dos nossos soldados, missionários e mercadores.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Quer dizer que a Língua Portuguesa acompanhou a bandeira das quinas por todo o Mundo, e ainda hoje é, em muitos lados, traço verificável do nosso antigo domínio ou das nossas velhas relações.
Foi instrumento da Fé e do império, servindo-me da alta e fiel expressão do cantor das nossas glórias.
Sr. Presidente: por estas razões, além de outras que poderiam ainda enunciar-se, merece a Língua ser protegida e defendida. E considerada no projecto que se discute instrumento basilar da cultura lusíada e da projecção do nome português no Mundo.
Temos, realmente, a nossa cultura, de que nos orgulhamos, valiosa parte de um património de cultura europeu. E. a menção dos nossos feitos nessa obra que teve um Luís de Camões e um João de Barros, altíssimos expoentes dessa expansão, também espalhou pelo Mundo o nome português. Depois, quando nos remetemos, por imposições várias, a um papel mais modesto do que o da época de Seiscentos, não deixámos de continuar a nossa obra de cultura e de civilização. E quer nas relações com velhos povos, quer no desenvolvimento de novos territórios, ou ainda na criação de novas nações, em que culmina o Brasil, a Língua tem sido, ainda, com a Fé, o grande instrumento da unificação espiritual dos Portugueses espalhados pelo Mundo.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Mário de Albuquerque: - V. Ex.ª dá-me licença?.
Mas se por haver, por causa do Brasil, um condomínio, não podemos fazer da Língua matéria constitucional, também não podemos fazer matéria constitucional a Fé. Reconhecer a obrigação de Portugal de defender a Língua não significa de forma alguma negar ao Brasil o direito e o dever de a defender também. Pelo contrário, só desejamos colaborar com o Brasil como irmãos.
O Orador:- Agradeço a V. Ex.ª o contributo que acaba de dar-me.
E, como ia dizendo, assim nas nossas terras de África ou do Oriente ou mesmo nas terras alheias onde moureja com honra a gente portuguesa.
Repare-se, para não citar mais casos, nas florescentes colónias de portugueses que vivem e labutam na terra amiga da América, projecção desta velha Europa e refúgio seguro da nossa comum civilização!
Sr. Presidente: já Rodrigues Lobo, no século XVI, punha na boca dum dos personagens dum diálogo travado em A Corte na Aldeia estas palavras sobre a Língua: a Tem de todas as línguas o melhor: a pronunciação da latina; a origem da grega; a familiaridade da castelhana; a brandura da francesa; a elegância da italiana.
Só um male tem e é que, pelo pouco que lhe querem seus naturais, a trazem mais remendada que capa de pedintes.
E hoje não anda pouco estragada, menos porventura pela ignorância de quem a fala e escreve do que pelas intromissões de modas arrebicadas ou do calão, que já atingiu as classes sociais mais elevadas. E fino e moderno ... E a verdade é que o vício alastra como escalracho daninho! ...
No prefácio às Fábulas e Folhas Caídas, Almeida Garrett afirma-se crente e firme convencido de que a língua portuguesa a tudo serve, a todo o estilo se presta. E, falando propriamente do apólogo e do conto, acrescenta que lhes é eminentemente próprio o dialecto português, pela singeleza do seu dizer e por uma certa malícia popular e mordente.
Avisando, porém, aos que navegarem no seu rumo, incita-os a que saibam que as imitações dos estrangeiros são perigosas sempre e quase sempre infelizes, quando se não põem bem diante dos olhos os únicos tipos verdadeiros, que são a natureza, a índole da língua e os modos de dizer do povo em cujo idioma se escreve.
Eis, em resumo, Sr. Presidente, um verdadeiro programa de salvaguarda da pureza e vernaculidade da Língua.
Um dos seus maiores cultores - o padre António Vieira -, a seguir à dedicatória do 1.º tomo dos seus Sermões, esses riquíssimos minérios do mais fino ouro pelo que respeita à linguagem, no dizer de Camilo Castelo Branco, dirigindo-se ao leitor, nesse ano de 1679, escreveu: «Valeu-me sempre tanto a clareza que, só porque me entendiam, comecei a ser ouvido, e o começaram a ser também os que reconheceram o seu engano e mal se entendiam a si mesmos».
Neste autorizado elogio da clareza vai o reconhecimento da mais vincada qualidade da nossa língua por quem jamais foi excedido no seu cultivo.
Impõe-se, assim, a sua protecção e defesa no livro, na imprensa, no cinema, na radiodifusão, nos cartazes, nos anúncios, através de medidas eficazes, não só de sentido correctivo ou repressivo, mas ainda em acção preventiva, por meio de actividades orientadas, com carácter de permanência e de unidade, para esse fim.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. João Ameal: - Isso, de resto, parece-me, está de acordo com o que o Sr. Presidente do Conselho chamou a defesa da personalidade nacional.
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O Orador:- A intervenção de V. Ex.ª vem inteiramente a propósito e em valioso reforço do que eu vinha dizendo.
O Sr. Délio Santos: - Parece evidente que essa defesa deve pertencer ao Estado, e não a outro organismo, ou, melhor, deve pertencer principalmente ao Estado.
E, se nós examinarmos bem o problema da Língua e se aceitarmos, por um lado, que a Constituição deve consignar a intangibilidade do território nacional, é indubitável que a intangibilidade da Língua - que às vezes tem mais valor que o território para salvar a alma das nações e das pátrias - também deve ser consignada na Constituição.
O Orador: - Cumpre-me agradecer a V. Ex.ª o valioso contributo que acaba de prestar às minhas modestas considerações.
Mas, continuando, direi ainda que creio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a importância da matéria não poderá ser regateada e que, pelos seus fundamentos e projecção, não lhe será recusado cabimento justo e oportuno dentro das disposições do estatuto político fundamental.
Bem o merece essa jóia do nosso património espiritual e intelectual, veículo de portugalidade através do Mundo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cortês Pinto:- Sr. Presidente e Srs. Deputados: parecerá porventura de natureza puramente sentimental e vaga o artigo referente à protecção e defesa da Língua que se pretende fazer inserir dentro de uma série de artigos nitidamente objectivos e positivos, destinados a estruturar a constituição política de uma pátria.
Pois bem, Srs. Deputados: a política da Inteligência, que neste artigo se contém, representa, além de tudo o mais, um valor de ordem positiva, de natureza concreta e de interesse material indiscutível para a Nação!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ao ter a honra de assinar esta proposta, eu senti, Sr. Presidente, senti verdadeiramente na profundidade da minha consciência, que tudo quanto havia de mais sensível na minha inteligência e na minha alma comungava nesse momento com oito séculos de História Pátria. Oito séculos em que Portugal realizava, não apenas a sua própria história, mas ainda, e em grande parte, a História do Mundo.
Senti por outro lado o frémito de quem se encontra face a face com os mistérios insondáveis do destino ao recordar nesse momento as palavras que eu escrevera- há cerca de quinze anos num breve estudo sobre a Língua Pátria. As palavras 'eram estas: e A Língua é a mais importante constituição política de uma nação!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Estas palavras ganham ainda maior significado quando na Constituição se vai integrar o Acto Colonial, abrangendo assim num só diploma a organização política de Portugal inteiro.
Mal eu pensaria, meus senhores, que quinze anos depois de haver escrito estas palavras haveria de ter a honra de subir os degraus desta tribuna, com o fim de as proclamar bem alto, perante os representantes políticos da minha pátria!
Tenho-os em frente de mim, vindos de toda a parte do Mundo. Desde as ilhas ocidentais, descobertas e povoadas de almas pelos navegadores e povoadores do grande Mar Oceano, até aos que vieram de longínquos continentes, lá onde cresce e floresce, em meio ide línguas gentílicas e exóticas, a semente espiritual da Língua e da etnia portuguesa. Representam Portugal desde as terras de África, pela primeira vez europeizadas pelos nossos antepassados, até às da Índia e da China, onde a alma de Portugal dá testemunho, perante o mundo inteiro, de como se cumpre uma missão em serviço de Deus, para grandeza da Pátria e benefício de toda a humanidade. E ainda aqui se não encontram representadas todas as regiões do Universo por onde os Portugueses souberam espalhar e fixar nas almas e na linguagem as vozes da língua-mãe.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: -Chegou o momento de, perante os representantes de Portugal inteiro, eu poder justificar a necessidade de introduzir na Constituição Política Portuguesa um artigo a consignar o dever de defesa e protecção da Língua e dizer que é bem ali o seu lugar, porque em boa verdade nunca foi tão oportuno o momento de repetir as palavras com que há tantos anos exprimi o meu pensamento: e A Língua é a mais importante constituição política duma nação»! E proclamá-las não só para que se consigne uma verdade, depois duma convicção reflectida, mas sobretudo para que essa verdade esteja sempre em vivência e prestes a transformar-se em acto, de maneira que dela possam resultar as mais largas consequências no sentido de fomentar a cultura nacional, libertando-a de quantas dificuldades lhe estão constantemente empecendo o caminho.
Instrumento basilar da cultura portuguesa, assim classifica a nossa língua o novo artigo que se pretende incluir na 'Constituição Política do Estado. É evidente que assim é. Porém, em boa verdade, mais do que um instrumento de cultura nas cinco partes do Mundo, a Língua Portuguesa é a forma sensível da própria alma de Portugal e a melhor garantia da- integridade do corpo da Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Todos os outros artigos constitucionais são susceptíveis de se modificarem ou de serem eliminados. Alteram-se as revisões da Constituição, revoluções políticas substituem-nos. Tudo ali pode ser transitório, e muitas coisas precisam mesmo de o ser. Só uma é necessário que permaneça cara que a Pátria não soçobre até nas mais trágicas vicissitudes da sua vida multissecular: é o espírito do que vai contido neste artigo - a defesa da influência espiritual da Língua.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E porque a História é a grande mestra da vida, e dela devemos colher os ensinamentos duma experiência bem vivida para aproveitar no presente e preparar o futuro, permitam-me VV. Ex.ªs que eu lhes recorde alguns factos capazes de nos elucidarem sobre o valor bem concreto e real da Língua para a constituição e resistência duma nacionalidade.
Há um passo admirável e digno de ser meditado nesta hora, decorrido há justamente trezentos e setenta anos nas Cortes realizadas em Tomar com o fim de redigir uma nova Constituição para a Nação Portuguesa.
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Num dos momentos mais críticos para a vivência da Pátria, quando a organização política do Estado vai fazer perigar o futuro da Nação, que pela primeira vez era regida por um chefe que falava uma língua estranha, passa-se na sociedade portuguesa alguma coisa que eu reputo da mais alta transcendência para ressalva da integridade da alma e do futuro da Nação. E quando, perante o inevitável colapso da nossa independência, conseguimos ver coroadas de êxito as diligências-efectuadas pelos três Estados do Reino para garantir a inviolabilidade da Língua Portuguesa, fazendo-a respeitar de tal maneira que nem mesmo na linguagem oficial ela poderia ser substituída pela do rei estrangeiro.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Como é admirável meditar neste instinto subtil que, perante o inevitável da crise consumada, procura prevenir o futuro ressalvando a integridade da Língua Pátria, certo de que nela havia, como no verbo divino, o sinal da Ressurreição.
A sensibilidade portuguesa sentia que, embora o corpo morresse, a alma - que é imortal - o poderia ressuscitar. Compreendia que era a virtude da Língua quem melhor poderia preservar ia alma para além de todos os elementos corruptos e que, se ela não morresse, mais tarde ou mais cedo a voz de Portugal pronunciaria o a Levanta-te e caminha!» da Restauração.
O Sr. Mário de Albuquerque: - Isso deu-se em 1581; pois em 1951 há ainda quem o não compreenda!
O Orador: - Infelizmente.
Depois das Cortes de 1581 várias regalias se foram perdendo a pouco e pouco. Os foros e privilégios outorgados pela Constituição de 1582 começaram a ser desrespeitados.
Tudo quanto parecia mais apropriado para manter a estrutura do Estado Português - garantia de que só os nacionais seriam investidos em todos os cargos civis, militares e eclesiásticos; segurança de que seriam totalmente portuguesas as guarnições de todas - as praças; privilégio absoluto de cunhagem da moeda, com proibição da circulação de todo o dinheiro estrangeiro; impedimento de doações territoriais ou quaisquer jurisdições de direito real, a quem não fosse português; existência de um Conselho de Portugal, totalmente constituído por nacionais; autonomia administrativa intangível e absoluta do Estado -, tudo isso foi inoperante ou por desrespeito das cláusulas por parte dos estadistas estrangeiros ou por traição daqueles magnates portugueses que, por adopção da língua estranha, haviam corrompido ou mantido a corrupção da sua própria alma.
Porém, embora todas estas cláusulas se afigurassem do mais alto valor objectivo para manter a estrutura e garantir o (corpo da Nação, era no espírito daquela pequenina cláusula, respeitante ao reconhecimento da intangibilidade da Língua, que se mantinha a força da qual havia de renascer a independência da Pátria.
Puderam os monarcas estranhos faltar a todos os privilégios, destruir todas as liberdades. Mas porque não cuidaram de destruir a Língua, a alma de Portugal permaneceria intacta, e dela haveria novamente de renascer o corpo da Nação.
O Sr. Ribeiro Cazaes: - Quer dizer: a Língua é um elemento da defesa nacional.
O Sr. Mendes Correia: - E de coesão.
O Sr. Mário de Albuquerque:- E de comunhão com o Brasil - comunhão que justamente procuramos servir e defender com o presente artigo.
O Orador: - O valor do fenómeno linguístico posto em relevo neste capítulo XV das Cortes de Tomar acautelava um dos três aspectos da Língua: comum, literária e oficial. Esta linguagem literária, cujo valor se pretende inconscientemente diminuir, substituindo-a totalmente pela transposição escrita da linguagem falada, constitui uma das formas mais indispensáveis para a resistência de uma nacionalidade. A confusão que pretende estabelecer-se enferma de um superficialismo intelectual e estético gravemente comprometedor.
Os patriotas portugueses sentiam bem o valor psicológico da linguagem literária. E a essa intuição magnífica se deve o papel realizado pelos Lusíadas na cultura do espírito da Restauração. De facto é curioso notar que é justamente depois da perda da independência que o poema passa a ser lido com mais alto e profético fervor. Logo em 1584 se publica, segundo Eleutério Cerdeira, uma edição clandestina dos Lusíadas. Já Teófilo Braga, com a sua admirável sensibilidade nacionalista, havia insistido na exaltação do sentimento patriótico realizado através do poema. Para os conspiradores os Lusíadas representavam a bíblia do nacionalismo. João Pinto Ribeiro, o grande organizador da conspiração de 1640, dedicava longas horas ao comentário do poema. Quase que se promove o endeusamento do poeta, pondo-o ao lado de Nun'Álvares no altar erguido em todos os corações pela mística da Pátria. Os versos dos Lusíadas eram parafraseados em todos os escritos.
Sugestionado pela força espiritual desenvolvida pela leitura das suas estrofes, Rodrigues Lobo escreve um novo poema épico sobre o Condestabre.
E na arrancada do 1.º de Dezembro de 1640, a comandar os conspiradores que restauravam Portugal, o povo português tinha o seu representante carnal no duque de Bragança, o Céu tinha o seu representante místico na lembrança de Nun'Álvares, e a Língua tinha o seu capitão épico na presença espiritual de Camões.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ai dos estados que, absorvidos em dado momento pela acção unificadora das grandes organizações políticas, deixam decair a sua língua, assimilando a língua estranha. Esses não mais ressuscitarão. Em contrapartida, se a língua comum se cultiva entre os estados fraccionados e desorbitados do seu núcleo original, o destino mais ou menos longínquo voltará a agregar numa organização comum todos aqueles que, embora dispersos, mantiveram as expressões ida alma aglutinadas pela mesma língua.
É curioso verificar o que se passa fora de Portugal cerca de quatro séculos depois do colapso da nossa independência. A Áustria e a Hungria formavam uma monarquia dual. Porém, na Áustria falava-se a língua alemã. Na Hungria uma língua independente. E esta simples circunstância havia de decidir dos destinos dum império que não mais se reconstituiria depois da primeira guerra mundial. Foi da inexistência duma língua unitária que, embora os homens procedessem inconscientemente no que diz respeito à influência essencial desta razão oculta, derivou a solução política destinada a aniquilar o império.
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mais uma vez se afirmava como a mais importante constituição política de uma nação.
Desta forma, depois de recomposta a carta política da Europa, enquanto a Áustria se fundia no grande Reich Alemão, mercê da força aglutinante da Língua, a Hungria regressava à sua independência ancestral, porque o seu idioma jamais fora dominado pela língua alemã.
Assim é que Monsenhor Seipel, numa entrevista concedida a um redactor da Libre Parole, em 1923, sobre o futuro político da Áustria, previa, com uma consciência perfeita de estadista que sabe olhar para além do momento que passa, que mais cedo ou mais tarde a sua pátria seria fatalmente atraída pelo Estado Alemão. E entre várias razões expunha, como a primeira de todas, a seguinte: «Bem vê ... falamos uma língua e só essa. Não temos, como os checos e os húngaros, uma língua que sirva de anteparo ao nosso patriotismo». Refere-se depois às tradições literárias. Só a seguir invoca os motivos de ordem económica.
E para meditar, «Sr. Presidente e meus Senhores, esta lição a extrair da História Contemporânea!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se lançarmos agora a nossa visão mais longe, para avaliarmos a grande hegemonia política da Língua, veremos que, em meio do caos medieval, é a força imanente dos idiomas que vai afeiçoando e organizando os futuros Estados, através de agregações e desagregações constantes.
Olhemos para a França: Joana d'Arc inicia o primeiro ciclo estrutural duma verdadeira nacionalidade francesa, segregando do corpo heterogéneo da Nação todos quantos falavam uma língua estranha. Ela é, por graça de Deus, a paladina da linguagem. Por seu intermédio, a Língua estabelecia a -essência duma nova constituição política da França, que se destinava a absorver todas as outras instituições medievais - estas instituições solidamente firmadas na bravura dos homens, na força das armas e na construção dos castelos e praças fortes, mas a cuja estrutura faltava, porém, este elemento de organização, mais eficiente do que todas as forças de ordem material.
Mais tarde, Luís XI, embora vencendo pela astúcia onde Joana d'Arc vencia pela virtude e pela graça de Deus, completa o grande-ciclo da unificação francesa com a derrota dos príncipes da Borgonha. O heróico e generoso Carlos, o Temerário, senhor dum principado de língua francesa, nada poderia fazer contra esta força indómita e fatal, oculta e inconsciente, que preside à organização das sociedades humanas, sob a constituição política da Língua.
Não haveria uma justiça imanente se uma causa superior não exigisse a morte do Justo, que foi sacrificado pelo destino em holocausto ao triunfo dessa constituição política natural.
Acima do caso particular da grandeza de alma do vencido e da perfídia moral do vencedor, eleva-se a força colectiva do domínio espiritual que através da língua ia desenvolvendo e afeiçoando o instinto gregário duma grande nação. A Casa de Borgonha tinha e ser vencida só porque na Borgonha se falava a língua francesa.
Sr. Presidente: alguma coisa de semelhante nos havia de mostrar a história da Itália, numa observação onde mais avulta ainda a influência da língua na constituição das nações.
O processo aqui é de muito mais longa evolução, simplesmente porque a unificação da fala se não realiza espontaneamente, evolucionando, muito peio contrário, num sentido inverso. Porque se trata duma influência
literária e de certa maneira artificial, a obra política só virá a concluir-se num prazo muito mais longo.
A uma multiplicidade de dialectos corresponde no decorrer dos séculos uma multiplicidade de pequemos Estados. Por isso mesmo a própria soberania nem sempre é autóctona, pertencendo periodicamente e durante muitos anos a nações estrangeiras. Porém, uma obra de génio, a Divina Comédia de Dante, elevará o esplendor da linguagem florentina à maior altitude espiritual que uma obra de arte jamais atingiu! A beleza do Toscano de Florença começa a obra do Destino, insinuando-se na alma dos intelectuais e artistas de todos os Estados. Até que, dois séculos depois, e já em plena Renascença, o cardeal Bembo acaba por transformá-la decisivamente na língua comum da cultura italiana.
A sua beleza e admirável adaptação à expressão da alma e da inteligência vai começar a pouco e pouco a realizar o profundo labor das línguas na criação de uma unidade espiritual e política.
É necessário vencer, torna-se imprescindível dominar, os múltiplos dialectos falados por gente ignara, a quem se não pode comunicar senão muito lentamente, com o progresso da instrução popular, a língua predestinada à constituição do grande Estado italiano. Porém, o triunfo da Língua será inexoravelmente certo.
Repúblicas patrícias e burguesas, Ducados, Reinos, Suseranias de nações estranhas, têm os seus dias contados, sem se aperceberem da grande evolução que se vai cumprindo ocultamente no decorrer das gerações.
Enquanto os interesses materiais dos Estados se digladiam, orientados pela astúcia dos seus Macchiavelli, conduzidos pela ousadia dos seus condottieri, pela indomável energia dos Gattamelata, dos Colleone, dos César Borgia, ninguém se apercebe de que os maiores condottieri de quantos se batem pelo triunfo da Grande Itália sobre os Estados parcelares são Bembo e Dante Allighieri, os dois caudilhos fantasmas, cujas sombras dominam o Destino, empunhando de Além-Túmulo e através dos tempos os fachos de luz espiritual da Língua, por entre as brumas onde mal aflorava o sentimento pleno duma consciência nacional totalmente sentida.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Paladinos da linguagem, indiferentes às vicissitudes episódicas das batalhas, eles vão preparando através das gerações exércitos de almas para o triunfo da Grande Itália.
Não foi Garibaldi quem unificou os Estados italianos. Ele foi apenas um instrumento fortuito, certamente bem inferior é, grandeza do Destino, que dele lançou mão para que se cumprisse a grande obra da Língua, essa língua que de longe vinha organizando a constituição política de uma nação que atingira enfim o último termo da sua evolução linguística.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: alguma coisa de semelhante se passara entre os vários reinos, ducados e até cidades, em que a Renascença vinha encontrar divididas as populações germânicas, que outros tantos dialectos mantinham desagregados.
Foi um fenómeno também de ordem linguístico-literária, e aqui (particularmente de ordem literário-religiosa, que lançou as bases da estrutura unitária do Estado Alemão. Foi a tradução da Bíblia feita por Lutero no dialecto literário e aristocrático da Saxónia e da Turíngia o que originou o fermento da unidade germânica, unidade que politicamente não foi conseguida senão em parte por Bismarque, o chanceler que realizou
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o triunfo dos (partidários da chamada pequena Alemanha. Foi Hitler quem em nossos dias veio ligar a pequena Alemanha com o partido pró-austríaco da grande Alemanha.
Levou quatro séculos a levedar o fermento político da linguagem que Lutero lançara na alma dos povos germânicos, ao dar, embora inconscientemente, o passo decisivo para a unificação dos estados parcelares.
Desculpem VV. Ex.ªs esta digressão, que só aparentemente se afasta da essência do problema português. Porque em boa verdade ela põe em nítida evidência que não é só pela evolução espontânea duma língua que se atinge a grandeza dum Estado e deixa-nos entrever que, da mesma maneira que a nobreza dum idioma pode tender para a formação duma pátria nova, também a sua degradação pode tender para a decadência duma pátria antiga.
A Nação cumpre zelar a integridade e pureza da Língua, porque uma língua que perde a sua dignidade concorre para o abastardamento da alma nacional.
O culto da Língua é uma forma segura, autenticada pelos sucessos da história, para manter a integridade e fortalecimento das nações.
O Sr. Délio Santos: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Tenha a bondade.
O Sr. Délio Santos: - Faço apenas um pequeno apontamento. É que me parece que ninguém nega o direito que o Estado tem de defender a Língua. Todavia, há uma discordância neste ponto: uns entendem que esse direito de defesa da Língua é de natureza consuetudinária, isto é, que não necessita de ficar expresso na lei fundamental do Pais, enquanto outros entendem dever ficar expresso na própria Constituição.
Nós sabemos que o direito consuetudinário pode ter um papel importante na vida dos povos, mas todos reconhecem as vantagens do direito positivo. Os princípios fundamentais devem ser expressos na Constituição. E este é um dos mais importantes.
O Orador: - Isso diz respeito à discussão na especialidade. Por agora estamos a tratar o problema na generalidade, a analisar o papel que as línguas representam na estrutura, permanência e garantia da independência duma nação.
O Sr. Délio Santos: - Exactamente; o que eu pretendia mostrar era a vantagem de o direito de defesa da língua ficar expresso na Constituição.
O Orador: - Lancemos novamente o olhar para a nossa própria História.
Durante cinco séculos em Portugal e sete séculos em Espanha o árabe mantém o domínio da sua força e até a superioridade da sua civilização. Eles são mais sábios do que as populações que dominam. Eles têm grandes bibliotecas, quando os outros mal sabem ler. Eles têm uma literatura, quando os outros mal sabem escrever. Têm grandes astrólogos e matemáticos, quando os outros mal conhecem a aritmética. Grandes médicos, quando os outros possuem apenas rudes curandeiros. Estudam os filósofos, quando os outros mal conhecem a literatura patrística.
Uma só coisa lhes falta: desromanizar as línguas. Tal como sucedera durante o domínio visigótico, a adopção de maior ou menor número de palavras árabes não modifica a linguagem que os romanos haviam introduzido na alma dos montanheses da Ibéria ao atraí-los das serranias escarpadas para a paisagem espiritualizada e apaziguadora dos vales e das planícies. E verifica-se até que
os árabes introduziam nos seus próprios cancioneiros canções escritas em aljamia, compostas em língua de romance.
Através de todas as invasões, quer arianas quer árabes, era o espírito latino que continuava a conduzir os povos peninsulares, porque os romanos, sim, haviam conseguido fecundar a alma dos povos, dando-lhes a expressão anímica da sua própria linguagem. Essa linguagem de tal modo apta para o triunfo que através dela se ampliaria a todo o Mundo, não apenas a civilização latina, mas ainda a mais alta de todos as instituições humanas: a do Reino de Cristo. Foi a alta perfeição espiritual atingida pela língua do Lácio que fez transferir para Roma a própria sede temporal do Reino de Deus.
Entre os vários povos da Península um existia cuja coesão se manifestava sobremodo notável e demonstrava, até na vocação para criar uma língua própria, quanto nele havia de aptidão para formar e manter uma nação independente. Este povo de Portucale tão rapidamente evolucionava na criação do próprio idioma que tornava possível que o filho do seu primeiro Rei escrevesse uma canção capaz de atravessar oito séculos de história sem que em toda ela se encontre um único arcaísmo!
Um dia virá em que este país comece pela primeira vez a realizar a descoberta metódica e científica do Mundo. E no momento oportuno surge na história portuguesa um homem - El-Rei D. Manuel I - que, mercê duma visão superior da política da inteligência, resolve, mais do que descobrir e assenhorear-se de novas terras, estabelecer por novos mundos o prolongamento espiritual e temporal da Pátria Portuguesa.
Como o faz? Procurando instituir a Língua como elemento primário para a expansão política do Estado e aportuguesamento das raças longínquas. Logo em 1504 envia para o Congo muitos mestres de ler e de escrever. Em 1512 manda para Cochim uma arca de cartilhas, para que Afonso de Albuquerque comece a preparar o futuro, fecundando com o ensino da Língua a alma das crianças.
Em 1515 sai de Lisboa a primeira tipografia que no Mundo embarca para além dos mares, levando para o Oriente o mais eficaz instrumento para a expansão cultural da Língua. E seguem com ela duas mil cartilhas para o ensino do Português na Abissínia, considerada então como o primeiro ponto de apoio para a fixação de Portugal no Oriente.
De toda a parte vêm príncipes e magnates para Portugal, a frequentar o Colégio de Santo Elói, grande escola metropolitana para a portugalização dos grandes influentes da África e da Ásia.
D. João III segue-lhe os passos. Por toda a parte se fundam colégios para o ensino da língua portuguesa.
Em 1545 ordenava El-Rei que se abrissem escolas em todas as ilhas de Goa. Já de há muito nas Molucas António Galvão dava o maior incremento ao ensino da nossa língua.
Funda-se em Goa a primeira Universidade de todo o Oriente. Outra em Macau. Instalam-se tipografias. Publicam-se livros bilingues em vários idiomas orientais na Índia e no Japão. Não é possível, nem mesmo em breve resumo, dar notícia de todo este pasmoso movimento da expansão e fixação de Portugal no Mundo pelo ensino da língua pátria, movimento cuja história procurei revelar mais pormenorizadamente num estudo de conjunto em obra publicada.
Neste momento desejo apenas fazer notar que os homens que lançaram aos quatro ventos do Mundo as sementes que haviam de fazer florir Portugal em terras longínquas, e lançaram em todos os continentes as raízes duma pátria universal, esses tiveram o admirável ins-
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tinto ou a genial compreensão de que, em boa verdade, a Língua seria a mais profunda instituição política da Pátria.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Bem o compreendera João de Barros quando escrevia no Diálogo em Louvor da nossa Linguagem:
As armas e padrões portugueses postos em África e em Ásia, e em tantas mil ilhas fora da repartição das três partes da Terra materiais, são e pode-as o tempo gastar, pêro não gastará doutrina, costumes linguagem que os portugueses nestas terras deixarem.
Mais do que pelas armas, foi pela Língua que Portugal realizou a verdadeira expansão no Oriente. E de tal forma o fez que ainda em nossos dias, quando o juiz e poeta Alberto Osório de Castro passou de viagem por Malaca em direcção a Timor, ouviu na igreja, nas lojas e até nos escritórios da Companhia Inglesa dos Estreitos vozes de malaqueses e malaquesas que lhe falavam na nossa língua. E o mesmo acontece por toda a Oceânia, onde ainda hoje os reis indígenas são proclamados oficialmente em língua portuguesa!
A Universidade Portuguesa de Goa já no fim de Quinhentos contava mais de dois mil estudantes, vindos de todos os países do Oriente. E até alguns de países ocidentais! Ali se instruíam, depois de aprenderem a língua portuguesa, estudantes que entre si falavam dezasseis línguas asiáticas!
Pois actualmente, «Sr. Presidente, nestas mesmas terras da Índia, a que a Língua tem dado uma nacionalidade portuguesa tão. magnificamente afirmada perante o Mundo, começa a não haver escolas que garantam a continuidade da nossa língua!. Os portugueses de Damão que pretendam seguir um curso, mesmo apenas secundário, têm de trocar o nosso idioma por um idioma estrangeiro para cursarem as escolas mais próximas, que são as de Bombaim, onde irão assimilar uma língua e uma cultura estranhas!
Porém, não é só em Damão que o caso se passa. A quase totalidade dos portugueses da Índia está fazendo a sua educação numa língua estranha. O hábito de cursarem escolas estrangeiras e a propaganda que daí dimana desabitua os luso-indianos de frequentar as nossas próprias escolas. Fecharam-se os dois liceus municipais de Margão e Macupá. E isto é grave, porque, ao passo que desaparecem as escolas portuguesas, informa-nos o Dr. Sebastião Correia, ex-reitor do Liceu de Goa, encontram-se pletóricas de alunos as muitas escolas inglesas espalhadas por toda a nossa Índia! De Goa, as English High Schools lançam filiais até nas próprias aldeias! Em 600:000 habitantes, apenas 400 alunos frequentam o liceu português! O resto da população escolar frequenta escolas inglesas!
Não se pode dizer que a Inglaterra não tivesse aprendido bem a lição da política da linguagem que nós demos na Índia há mais de cinco séculos, e que agora nesse mesmo Estado que ali fundámos está sendo utilizada contra nós, e de tal maneira que as novas gerações já quase não sabem falar português!
Apoiados.
E como entre a Língua e a alma existe uma influência reciproca, um ciclo sem fim, cujos elos são alternadamente a alma e o verbo, o verbo e a alma, segue-se que o próprio espirito lusíada continuará a bater em retirada se não houver perante os nossos domínios do ultramar uma política eficaz da Língua (apoiados) que seja o corolário lógico do conhecimento desta verdade, cujo largo alcance político é necessário abranger na sua mais larga
expressão: a A Língua é a mais alta constituição política de uma nação 9.
E é por lhe faltar essa constituição que a tentativa de autonomia estadual indiana está condenada a uma falência de realização, pelo menos na actualidade, e durante muito tempo oscilará entre o caos étnico e as influências estrangeiras do bárbaro do Norte, que explora o seu nacionalismo (ao qual falta a estrutura de uma língua unitária) para combater o poderio da mesma nação que, apesar de tudo, lhes protege as ambições no Extremo Oriente!
A existência de 179 línguas com as suas 044 variantes impede por completo a homogenia indispensável à unificação política. E embora muitos desses dialectos sejam de quase nula importância, permanecem sempre dois grupos de raízes distintos - sanscritóides e dravídicas -, que dificilmente se conjugarão para uma unidade nacional. Nestas condições, e enquanto se não realizar a unidade linguística que substitua o inglês, faltará a maturidade necessária para realizar com a comunidade da língua uma autonomia intrinsecamente perfeita. E, apesar do tumulto do momento, a acção da língua não permitirá que a Inglaterra perca tão cedo a partida.
Desnecessário será frisar a importância de que estas considerações se revestem ao meditarmos no futuro da Índia Portuguesa, encarando este aspecto do problema que se refere à defesa da nossa língua e duma cultura a que ela sirva de base.
Sr. Presidente: fenómeno idêntico a este, que na Índia atingiu no actual momento histórico particular relevo, é o que de ano para ano se vem acentuando na nossa província de Moçambique. As novas gerações vão estando sujeitas de cada vez mais à atracção cultural das escolas superiores da África do Sul.
E todos aqueles que, através da história do Mundo, souberem olhar para os graves fenómenos sociais de que a Língua se revela geradora poderosíssima, persistente o fatal, compreenderão quanto é de temer para o futuro a influência dominadora que através da cultura pode ser exercida por uma língua estranha. E avaliarão da importância que para a constituição política de uma nação colonial representa o proceder de acordo com o mandato contido no novo artigo cuja inclusão se propõe a esta douta Assembleia.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- O problema de atracção cultural dos portugueses de Moçambique haverá, mais tarde ou mais cedo, de se resolver pela criação de escolas superiores na província ou pela facilitação de deslocamentos e estágios nas Universidades metropolitanas. E que o seja antes mais cedo do que mais tarde.
Apoiados.
As mesmas considerações devemos ter presentes ao atentarmos no auspiciosíssimo futuro de Angola, se bem que aí o problema da desnacionalização não tenha por enquanto motivos que se imponham. Há que criar em Portugal o grande lar universitário dos portugueses de além-mar, facilitando-lhes as viagens, pois semelhante encargo para o Estado será no futuro altamente producente.
Sr. Presidente: as condições da vida moderna estão dando uma feição inteiramente nova ao aspecto ecuménico do Mundo. A difusão dos povos através das linhas terrenas das fronteiras vai dispersando pelo Mundo fora multidões de indivíduos de diferentes estados, que umas vezes se diluem nos meios sociais que os absorvem, outras vezes se organizam aqui e além em núcleos étnicos mais ou menos importantes, que se vão incrustando nas metrópoles estranhas ou em domínios ou províncias separados da terra que os viu nascer.
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Sucedendo ao primitivo conceito nómada de comunidades raciais, foi-se organizando o Mundo em parcelas territoriais, onde se fixaram em estreita ligação com o solo diferentes grupos desagregados dos primitivos blocos humanos.
O fenómeno antropogeográfico vai agora iniciar as influências determinativas das subdivisões das raças, ao sabor das condições materiais e espirituais da paisagem: rios, montanhas, mares, constituição geológica e agrária, clima físico e espiritual da paisagem.
Originou-se assim, ao lado do sentimento instintivo da comunidade do sangue, um novo conceito social em que se ligavam os liames hereditários do sangue aos laços naturais da terra ocupada. O sentimento racial funde-se com o sentimento geográfico.
Desta identificação da raça com a terra, graças à qual se foram cristalizando diversos grupos populacionais desprendidos do caos anti-estrutural da horda, vem a definir-se mais tarde o conceito de pais como terra de senhorio circunscrita por linhas geográficas ou agrárias naturais.
Entretanto a língua primitiva entrara em evolução, ganhando novas formas ao sabor das influências de adaptação do indivíduo às constantes ou variantes naturais do meio e das actividades que ele suscita. Até que mais tarde, preenchidas as zonas intermédias pela expansão das populações, voltam a encontrar-se ombro a ombro os grupos que se haviam desagregado e a comunicar alma com alma as línguas agora diferenciadas, mas que na sua trama conservam a estrutura essencial donde derivam.
O germe da noção de pátria começa então a revelar-se como um instinto de defesa da autonomia a que se haviam habituado os grupos antropogeográficos.
Porém, desde esse momento, também o instinto gregário do homem começa a esboçar a tendência para a fusão dos núcleos cujas evoluções linguísticas tiveram mais afinidades, enquanto se conserva em defesa instintiva para os núcleos tangenciais cujas formas dialectais provieram de hordas diferentes. E são aqueles núcleos cuja língua evolucionou com maior perfeição e riqueza, denunciando assim uma superioridade espiritual e funcional, os que sé impõem ao Destino para o exercício da hegemonia sobre os outros.
Entra a simplificar-se a estrutura social. E ao cabo de longa evolução as línguas dirão a última palavra para a grande obra das autonomias sociais realizadas em grandes nacionalidades. A distribuição ecuménica do Mundo tende para realizar aquele aspecto cartográfico admiravelmente diferenciado, que justapõe a geografia política aos traçados e relevos dos mapas geográficos, em grandes sínteses de complexos antropogeogràficamente equilibrados: um mapa espiritual em coincidência com um mapa terreno.
Porém, a expansão por novos mundos e o aproveitamento de novas linhas e meios de comunicação entre os mundos antigos e modernos (obra que principalmente se deve à acção portuguesa na época dos descobrimentos e aos progressos científicos e industriais dos últimos séculos) fez surgir ao lado do conceito de «pátria», de origem antropogeográfica, um novo conceito - o da «etnia» -, conceito eminentemente psicológico, na essência do qual existe como elemento gregário (além da hereditariedade do sangue e ligada ou não com ela) a afinidade espiritual e cultural da Língua.
Com o desenvolvimento e progresso das províncias afastadas da unidade territorial das metrópoles foram perdendo sua razão de ser as designações de «conquistas», que se baseavam na anexação ou sujeição pelas armas, e as de «domínios», baseadas na supremacia económica e política. Nasce a de commomwealth, que só baseia na comunidade de interesses.
Os tempos passam. Mas em dado momento as vicissitudes da história fazem flectir a hegemonia económica e desarticular os interesses das regiões afastadas da nação-mãe. E nalguns dos antigos domínios, como, por exemplo, na Austrália, quando já não existe sequer a razão de ser de uma dependência económica, pode dizer-se que só por virtude da língua as novas metrópoles permanecem ligadas à comunidade.
Mais do que uma commonwealth, é o que nós chamaremos a commonidiom, a «comunidade idiomática», o laço que mantém as nações distantes no sistema constelar de um império.
Populações importantes de portugueses oriundos do próprio berço da Nação se encontram disseminadas pelas cinco partes do Mundo e mais ou menos ligadas à Mãe-Pátria enquanto mamarem com o leite o fluido espiritual da alma-mater.
Nalguns estados da América do Norte os enormes núcleos populacionais de origem portuguesa começam a deixar corroer o elo espiritual que liga o indivíduo à cadeia ancestral das gerações que lhe deram o ser. E ai de nós! que as gerações em cujas almas se vai perdendo o fermento espiritual da Língua a breve trecho fundirão e modelarão as suas almas no cadinho alheio de uma língua estranha.
Quando novas bocas se desadaptarem da índole articular e fonética da nossa língua, então já não serão portugueses muitos dos netos dos nossos, avós. Porque, se é certo, como diz Henri Berr, que a língua é psicologia em acto, a um acto diferente corresponderá inevitavelmente uma diferenciação das almas.
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- É certamente em obediência a esta realidade que os alemães, os ingleses e os franceses não abandonam o ensino da língua nos países estrangeiros, procurando que aqueles dos seus filhos que têm probabilidades de se fixarem para sempre em longes terras recebam ali a sua cultura através da língua-mãe.
O Colégio Alemão de Lisboa, desaparecido após a derrota, e o chamado Liceu Francês, que se encontra actualmente em construção (e para mais ostentando um nome que em Portugal é apanágio dos estabelecimentos de ensino oficial), e não cito mais para não me alongar em citações idênticas, dão realidade prática a este conceito da influência psicológica da língua e da necessidade de fixar por meio dela a nacionalidade dos filhos dispersos pelas pátrias estranhas.
É este o problema que está reclamando a nossa atenção, não só no que diz respeito à Índia Portuguesa e a Moçambique, não apenas no que se refere às nossas províncias ultramarinas, mas ainda no que interessa às grandes massas populacionais portuguesas dispersas pelas ilhas de Hawai e por tantos estados dos países americanos.
A única maneira que Portugal tem de continuar a perpetuar a sua existência no Mundo é a que derivar da política de factos realizada em torno destes conceitos.
O Sr. Délio Santos:- V. Ex.ª dá-me licença?
Pelo que diz respeito ao Governo Francês, ele compreende bem as suas obrigações, porquanto, não só mantém esses estabelecimentos de ensino, mas vai até ao ponto de remunerar os seus professores muito melhor do que aqueles que ensinam na própria França.
Em contrapartida, os portugueses que vivem nos Estados Unidos da América do Norte encontram-se perante dificuldades tremendas para poderem ensinar a sua língua aos filhos, pois não têm possibilidades de arranjar professores por falta do apoio das entidades oficiais portuguesas.
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O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª esse interessantíssimo esclarecimento, que é altamente significativo.
Sr. Presidente: eu quis apenas, ao justificar a minha assinatura na proposta em discussão, pôr em evidência que o problema da Língua tem raízes mais fundas do que as de uma simples sensibilidade literária. Que não se trata de considerações apenas de ordem subjectiva, mas antes de uma tentativa bem concreta e objectiva para valorização de realidades que é perigoso menosprezar.
Muito haveria a dizer sobre o assunto. Não devo, alargar por mais tempo as minhas considerações. Entretanto não deixarei de instar pelo interesse do Estado, para a defesa da Língua Pátria no próprio continente; defesa da sua prosódia, a cada passo adulterada; defesa da sua sintaxe, a cada passo desnacionalizada; defesa do seu carácter, que é necessário não deixar abastardar; defesa da sua pureza, que se vai poluindo; defesa da sua dignidade, que se vai envilecendo; auxílio aos que trabalham denodada e desinteressadamente no estudo e propaganda cultural da Língua. É necessário proteger os livros e publicações especializadas, de entre as quais mencionarei, pela sua regularidade e pela obra já realizada, o Ocidente e a Revista de Portugal, cuja modesta situação económica é vítima da sua própria dignidade, por não explorarem os filões sensacionais em que se compraz a morbidez ou superficialidade dos interesses do grande público.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Mendes Correia: - Tarefa da maior devoção patriótica a dessas revistas.
O Orador: - Agradeço muito o aparte de V. Ex.ª com o qual estou absolutamente de acordo.
É necessário possibilitar os trabalhos referentes ao estudo da Língua; facilitar à Sociedade de Língua Portuguesa uma larga expansão em todos os sectores da vida nacional. É necessário, enfim, ter sempre presente e lembrar com os olhos fitos em Portugal inteiro, na Europa, na África, na Ásia, na Oceânia e nos agregados étnicos da América, a verdade contida nesta máxima: «A Língua é a mais importante constituição política de uma nação».
O Sr. Ribeiro Cazaes: - V. Ex.ª dá-me licença? - Há instantes falei sobre a defesa civil do território. V. Ex.ª disse ser necessária muita coisa para defender a nossa língua; pois bem: trabalhando na D. O. T., numa terra bem próxima do continente, em que muito se falava uma língua que parecia estar na moda, vi-me na necessidade de dizer, para modificar esse mau procedimento, melhor, essa antipatriótica atitude: «Não desejo andar com um dicionário na mão para me fazer compreender na minha própria terra».
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mais uma nota interessante a acrescentar às minhas considerações e que muito agradeço a V. Ex.ª
Sr. Presidente e Srs. Deputados: apresentada a proposta da inclusão deste artigo, aguardava eu serenamente o parecer da douta Câmara Corporativa, bem certo de que, se havia problema acerca do qual fossem impossíveis quaisquer divergências, problema que reunisse na sua aprovação mais sólidas garantias de unanimidade, era este verdadeiro problema de união nacional, cuja defesa se propõe enunciar no estatuto fundamental da Nação. Pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, perplexo,
tive ocasião de verificar que é verdadeiramente inesgotável a fonte dos nossos pasmos!
A Comissão reprovava!
E ao ler, surpreso, os nomes que subscrevem o parecer, mais pasmei ainda ao reconhecer que é possível conciliar estas duas coisas aparentemente paradoxais: ter o maior respeito pelas pessoas que compõem um grupo e vermo-nos constrangidos a não poder respeitar de maneira alguma a opinião colectiva que as mesmas pessoas exprimem.
Antecede o parecer um longo aparato erudito, no qual bem se revela a elegância de forma e a cultura vastíssima do seu ilustre relator. Porém, ao verificar as conclusões, tive de voltar a ler a transcrição que do artigo proposto se fazia no próprio corpo do parecer, com a suspeita de que por lapso nele se tivesse introduzido qualquer erro de transcrição que estabelecesse o nexo lógico, visivelmente inexistente, entre a letra da proposta e a conclusão do parecer.
Li e verifiquei a ausência da mais pequena alteração!
Vejamos agora as objecções fundamentais da decisão reprovadora:
1.º É desnecessária a inclusão deste artigo, «porque o que tinha de ser regulado na Constituição já o foi: é o que respeita ao ensino (artigo 43.º e seu § 2.º), em que se inclui naturalmente o ensino da Língua».
Vejamos o que diz o artigo 43.º: que o Estado manterá escolas oficiais e institutos de alta cultura. E o que diz o § 2.º: que o Estado fomentará o desenvolvimento, ensino e propaganda das artes e ciências. E pronto. É isto que o parecer considera o plano suficiente para a defesa da Língua!
O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª dá-me licença? Parece depreender-se daí que as escolas podem intervir nos cartazes e nos anúncios dos cinemas, dos teatros, etc.
O Orador: - Pois parece...
Com a generalização que se pretende atribuir aos artigos citados, com tal conceito de condensação sintética das ideias, bem poderia substituir-se a Constituição inteira por um artigo único e sem parágrafo nenhum: e Ao Estado compete a defesa e progresso da Nação». É inegável que tudo quanto se possa desejar ali se encontra implícito.
Risos.
Em face da letra de tal artigo e seu parágrafo, pergunto: será então no âmbito das escolas que se dá o fenómeno da palpitação e da vivência total das línguas o das literaturas? Falar-se-á sempre na vida comum segundo as normas didácticas escolares? Terão sido os institutos de ensino, com as suas análises gramaticais, quem preparou a obra camoniana ou comunicou a essência de beleza ou de ternura, de entusiasmo ou de paixão, toda a gama da radiação afectiva a que a Língua prestou a comoção verbal e a plasticidade artística?
É da escola que parte o movimento literário que incessantemente vai influindo a linguagem culta quotidiana?
Será a influência da escola, mais do que a dos livros, a dos jornais, a dos teatros, a do animatógrafo e a das emissoras, o que mais eficazmente conduz para bem ou para mal o purismo, a sintaxe e a ortoépica da Língua? Não serão as chamadas secções de falar e de escrever, nas revistas e nos jornais, preciosas fontes de ensinamento para o grande público e duma expansão mais larga do que a das escolas, porque ensinam os que li andam, os que já de lá saíram e todos quantos lá não aprenderam o suficiente? O zelo e aprendizagem da Língua não pode por forma alguma restringir-se apenas ao âmbito da vida escolar.
A Língua tem uma vida ultra-sensivel e de reacções permanentes.
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Dificilmente se encontrará departamento em que mais necessidade tenha o pretor de se ocupar de coisas mínimas!
As simples páginas de anúncios concorrem mais eficientemente para corromper a Língua do que as páginas literárias e os compêndios escolares para a purificar e manter. Todas as escolas juntas não suprem a má escola da vida. Por isso é necessária uma acção mais ampla, que não só proteja as actividades que a servem na escola e fora da escola, mas ainda que a defenda dos males que diariamente a viciam e lhe vão desnacionalizando e poluindo o carácter.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Porque em boa verdade a Língua precisa das duas coisas: de protecção e de defesa.
Depois da exposição que tive a honra de fazer a VV. Ex.ªs sobre alguns dos múltiplos aspectos de tão alto problema, VV. Ex.ªs compreenderão bem quão longe se encontra o parecer do espírito da nossa proposta.
O espírito que a determinou exprime justamente a necessidade de não limitar o largo, profundo e variado panorama dos problemas da Língua a este plano elementar, que apenas poderá satisfazer plenamente as pequenas nações que não têm possibilidades de projectar a sua alma em almas irmãs disseminadas por todo o Universo! Porém, nós temos posições a defender.
Temos de interpretar e medirar numa experiência da política da inteligência realizada há quase cinco séculos e que nos cabe a honra de termos iniciado pela primeira vez no Mundo e com tal perfeição que durante anos até as nações estrangeiras se viam obrigadas a escrever, imprimir e falar a nossa língua para poderem ter qualquer comércio espiritual ou económico com as nações de todo o Oriente.
Impõe-se-nos a necessidade de revigorar esta tradição política, de olhos postos no futuro, com o mesmo sentimento de perenidade com que os nossos antepassados espalharam a alma da Pátria pelo Universo inteiro.
Nós temos um país espalhado por todos os velhos continentes e por todos eles temos de defender um património que nos foi legado. Nós temos na quarta parte nova uma nação irmã que nos dá altíssimos exemplos de amor e de estudo pela língua comum. Quem tem uma língua que foi um dos maiores elementos de civilização da Renascença, e ainda hoje palpita em todos os cantos do Mundo, não pode limitar o conceito da sua defesa à vaga expressão do artigo 43.º, que nem em si, nem muito menos no seu parágrafo, contém o espírito do que se pretende abranger no artigo proposto.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Acrescenta o parecer que o que não se encontra na Constituição está expresso na Convenção de 1943. Que convenção é esta? A Convenção Ortográfica! Mas, salvo o devido respeito, o parecer continua inteiramente fora do espírito e da letra do artigo proposto.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Confunde-se um problema geral com um simples aspecto de pormenor. A Convenção Ortográfica não representa um princípio. Por muito importante que seja - e sem dúvida que o é -, não significa mais do que um caso de técnica aplicada a um dos muitos objectivos parcelares que no aditamento se contêm.
De resto, ainda que houvesse na verdade um corpo de diplomas legislativos completo, isso não explicaria que se considerasse desnecessário enunciar no texto da Constituição os princípios que os determinaram.
O fim da Constituição não é o de dispensar diplomas legislativos, mas o de professar os grandes princípios a que deve obedecer a vida espiritual e material da Nação.
O Sr. Bartolomeu Gromicho:-Afinal de contas isso era exactamente como se para se ser católico fosse necessária a Concordata; para falar português não é necessário existir a Convenção Luso-Brasileira.
O Orador: - Agradeço o aparte de V. Ex.ª, que corresponde a uma observação que apresentarei no decorrer das minhas considerações.
Analisemos agora a segunda objecção do parecer. Consiste em considerar o aditamento inoportuno, porque o Brasil pode não gostar! E pode não gostar porquê? Por causa do condomínio da Língua.
Voltemos a ler o artigo proposto:
O Estado tomará as providências necessárias tendentes à protecção e defesa da Língua, como instrumento basilar da cultura lusíada e da projecção do nome português no Mundo.
Mas então não será o Brasil a primeira nação a regozijar-se e a louvar-nos por este enriquecimento do espírito da nossa Constituição, que se destina a realizar um interesse comum ? Existirá na redacção do artigo alguma coisa que colida com os interesses da nação irmã e não seja, muito pelo contrário, da maior conveniência para a projecção do Brasil no Mundo?
Se a circunstância de o Brasil falar a mesma língua pudesse ser razão para se melindrar com o nosso propósito de defendermos e propagarmos a língua-mãe, haveria realmente motivos para que não consignássemos na Constituição qualquer reconhecimento de preferência pela Igreja Católica, por ter receio de melindrar o Estado do Vaticano! E o receio basear-se-ia na realidade de um senhorio mais alto do que o do simples condomínio.
Poderia a América do Norte achar que a Inglaterra a ofendia se consignasse na sua Constituição Política a protecção e propaganda da língua comum?
Pois o parecer é de opinião que o aditamento «pode ser interpretado como possível preparação do regresso de Portugal à política de isolamento que produziu o erro de 1911, quer dizer, como indício de que o nosso país, por qualquer razão, prefere administrar sozinho o morgadio da Língua».
Perante estas palavras textuais pergunto, de cada vez mais surpreendido: haverá no aditamento que se propõe alguma coisa susceptível de ser interpretada como um desejo de que o Brasil não nos exceda mesmo no valor dos seus trabalhos e iniciativas em prol da língua comum? Esta suave e poderosa língua de que falava Olavo Bilac! Leio e releio o texto, e não posso extrair-me à impressão de que a final o que o parecer condena, e muitíssimo bem, não é o artigo proposto, mas sim a letra de um artigo hipotético que ninguém propôs e contra o qual os signatários deste são os primeiros a protestar calorosamente.
A Convenção -diz noutro passo o cauteloso parecer- «entrega a defesa, expansão e prestígio da Língua Portuguesa não apenas à guarda de uma nação, mas ao zelo fraterno de ambas».
Pois se tão honrosa incumbência ficou entregue ao zelo de ambas, como se pode achar intempestivo o zelo de Portugal?
O Sr. Silva Dias: - Julgo mesmo que a preocupação da defesa da Língua transcende a Nação Portuguesa, porque ela é na actual conjuntura cultural uma forma de cidadania moderna no Mundo.
O Orador: - É a defesa das etnias e do sen valor moral e económico.
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O Sr. Silva Dias: - Isso mesmo foi defendido há pouco tempo numa Universidade americana por Winston Churchill.
O Orador: - Temos de reconhecer que ao apresentar a proposta, longe de procederem intempestivamente, os signatários o fizeram dentro do espírito do artigo 1.º da própria Convenção, e apenas será legítimo esperar do Brasil a fraterna colaboração que ali mutuamente nos prometemos. Não parece de considerar, como no parecer se preconiza, que qualquer das nações haja de sujeitar constantemente as suas iniciativas a qualquer acordo prévio, porque é evidente que a obrigatoriedade de acordos prévios apenas se pode e deve esperar em tudo quanto implique imposições de normas gramaticais de qualquer espécie.
Sr. Presidente: quando na Academia Brasileira de Letras se levanta a voz antorizadíssima de Cláudio de Sousa, pronunciando estas palavras: «Sejamos orgulhosamente portugueses no falar»; quando o Ministro da Educação do Brasil, Dr. Gustavo Capanema, no seu memorável discurso de 29 de Janeiro de 1942, proclamou e reconheceu, como diz o ilustre relator do parecer, a existência de a uma só língua portuguesa em todas as partes do Mundo»; quando com estes eminentes brasileiros estão os grandes homens que honram verdadeiramente a cultura do Brasil, e com ela a própria cultura portuguesa; quando só com citações dos grandes brasileiros se encheriam muitos volumes de uma formosíssima antologia em louvor da língua portuguesa; quando há tão poucos dias ainda o professor universitário Assis Chateaubriand levantou em Portugal um hino em louvour da língua das nossas pátrias, propondo-se levar ao Brasil um grupo de jovens portugueses para vibrarem, em conjunto com rapazes brasileiros, na exaltação comum do nosso idioma e da nossa história; eu pergunto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, eu pergunto o que poderiam pensar de nós os nossos irmãos de além-mar se vissem que a Assembleia Nacional se negava a reconhecer a necessidade de defesa e dignificação da língua que portugueses e brasileiros têm prestigiado com a altitude das suas almas e a beleza literária das suas obras-primas, obras que constituem uma das mais nobres e ricas literaturas do Mundo!
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador: -Srs. Deputados: já não é apenas por considerações de ordem estritamente nacional, mas ainda como preito de homenagem ao Brasil - nação irmã a que nos. ligam os mais íntimos laços de sangue e de espirito -, que peço a VV. Ex.ªs que nos prestigiemos e prestigiemos esta Câmara aprovando o aditamento que tivemos a honra de vos propor. A causa é de nós ambos, de Portugal e do Brasil! E, se não pudesse considerar-se impertinência levar os nossos extremos pela nação irmã ao ponto de nos propormos na Constituição Política de Portugal cuidar dos interesses que ela sabe zelar tão bem como nós outros, proporíamos que onde no aditamento se fala na projecção do nome português se acrescentassem duas palavras para juntar ao nome de Portugal o nome do Brasil.
Dada, porém, a impossibilidade de o fazer, quero que, pelo menos, fique expresso nesta Assembleia que, ao procurar introduzir na Constituição Política do Estado uma disposição em louvor da Língua Portuguesa, sentimos que as nossas palavras punham a alma e os interesses de Portugal em comunicação da mais íntima simpatia com 60 milhões de almas espalhadas por toda a superfície da Terra, em cujas bocas palpita e canta, soluça e reza, beija e sorri, discorre e sonha, vibra e domina, o espírito eterno que, em ligação com a mais bela de todas as línguas românicas, lançou por toda a superfície do Globo a grande família portuguesa. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente:- Não está mais ninguém inscrito sobre este projecto de lei.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Peço a palavra!
O Sr. Presidente: - Darei a palavra a V. Ex.ª na sessão de amanhã.
A próxima sessão é amanhã, à hora regimental, com á mesma ordem do dia da sessão de hoje e mais a discussão das Contas Gerais do Estado e das contas da Junta do Crédito Público.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram, durante a sessão:
António Raul Galiano Tavares.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Mendes da Costa Amaral.
Jorge Botelho Moniz.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
António de Almeida.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Tasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Herculano Amorim Ferreira.
João Alpoim Borges do Canto.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel de Sousa Meneses.
Miguel Rodrigues Bastos.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA