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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 113
ANO DE 1951 14 DE DEZEMBRO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 113 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 13 DE DEZEMBRO
Presidente: Ex.mo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos. Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 112, com rectificações apresentadas pelo Sr. Deputado Pinto Barriga.
O Sr. Deputado Sousa Rosal fez rectificações ao Diário das Sessões n.º 112.
O Sr. Deputado Sá Carneiro anunciou um aviso prévio.
Os Srs. Deputados Manuel Domingo» Busto e Elisio Pimenta trataram de problemas de interesse para o Minho.
Ordem do dia. - Continuou a discussão, na generalidade, da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para o ano de 1952. Usaram da palavra os Sm. Deputados Jacinto Ferreira, Sousa Meneses, Vaz Monteiro, Cerqueira Gomes e Cortês Lobão.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 5 minutou.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 45 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Finito dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves Metades Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Tasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
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Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Metades da Costa Amarai.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José dos Santos Basca.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estuo presentes 76 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 112.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer as seguintes rectificações ao Diário das Sessões n.º 112:
A p. 46, col. 2.ª, 1. 37.ª a 41.ª, onde se lê: «Pode divergir-se... considera:», deve ler-se: «Deste relatório pode divergir-se; mas, mesmo quando dissinto - e técnica e politicamente talvez isso comigo tenha acontecido -, não posso deixar de testemunhar a minha admiração. Por agora, plenamente de acordo com o relator quando considera:»;
A p. 47, col. 2.ª, 1. 1.ª a 3.ª, onde se lê: «Requeri nota... com a justiça...», deve ler-se: «Requeri tabelas das taxas médias, que só na especialidade me chegarão de certeza, para, segundo o meu ponto de vista, criticar com a justiça costumada ...» ;
E a p. 48, col. 1.ª, 1. 12.ª, onde se lê: menagerial system», deve ler-se: «managerial system»; e 1. 15.ª, onde se lê: «... Finanças. O imposto...», deve ler-se: «... Finanças, mas o imposto ...».
O Sr. Presidente: - Como mais ninguém pede a palavra, considero-o aprovado com a reclamação apresentada.
O Sr. Sousa Rosal: - Sr. Presidente: por não ter podido ler antes de aprovado o Diário das Sessões n.º 111, de 12 do corrente, não me foi possível desfazer oportunamente as seguintes gralhas, que notei: a p. 30, col. 2.ª, 1. 1.ª, onde se lê: «num cesto o receio», deve ler-se: «um certo receio»; na mesma página e coluna, penúltima linha, onde se lê: «os amar», deve ler-se: «a amar»; e na p. 31, col. 2.ª, 1. 2.ª e 3.ª, onde se lê: «especulação natural e sentido prático», deve ler-se: «especulação intelectual sem sentido prático».
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para anunciar um aviso prévio o Sr. Deputado Sá Carneiro.
O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: pedi a palavra para, nos termos do artigo 22.º, alínea c), do Regimento, enviar para a Mesa o seguinte aviso prévio:
Em suplemento ao Diário do Governo de 6 de Agosto passado, publicou-se a Lei n.º 2:049, que contém a nova organização dos serviços de registo e do notariado.
E logo em suplemento ao Diário do Governo de 8 do dito mês saiu o Decreto-Lei n.º 38:385, cujo artigo 6.º, sem qualquer justificação preliminar, revogou o § 2.º do artigo 11.º, o § 1.º do artigo 7.º e o § 5.º do artigo 14.º daquela lei.
Deixaram assim de ser mantidos os cartórios notariais existentes nas freguesias que não sejam sede do concelho à data da publicação do Decreto-Lei n.º 37:666, de 19 de Dezembro de 1949; nem sequer subsistem até vagarem!
Não recordarei, porque está ainda na lembrança de todos nós, a viva discussão que o problema suscitou.
Por minha parte, como relator da proposta na Comissão de Legislação e Redacção, defendi o melhor que pude a solução contrária à que a Assembleia adoptou.
Todavia, votada e promulgada a lei, todos - incluindo o próprio Governo - deveriam acatá-la; se da execução dessa parte da lei adviessem perturbações graves para o serviço - que não se vislumbram- ou encargos financeiros incomportáveis, o Governo tinha duas soluções:
a) Uma - sem dúvida a mais elegante -, a de apresentar uma proposta fundamentada, a fim de a Assembleia reconsiderar, e ela não recusaria decerto a aprovação que, com justos motivos, lhe pedisse o Governo de Salazar, a quem mais uma vez tributo a minha profunda admiração;
b) Outra - que apenas seria aconselhável em caso de urgência-, a de publicar um decreto-lei, precedido de um relatório em que se mostrasse a impossibilidade de manter o disposto na citada lei.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não se descortina, porém, a menor urgência no caso.
Pelo Decreto-Lei n.º 37:666, os cartórios notariais fora da sede do concelho subsistiam até vagarem.
O Governo entendia, pois, que a supressão imediata deles não era aconselhável.
Para que extingui-los agora de uma só penada?
Os povos que confiadamente se dirigiram à Assembleia foram vítimas da nossa votação, pois, em vez da supressão a distância, ela foi imediata e radical!
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Constitucionalmente nada obsta a que o Governo promulgue decreto-lei em contrário a uma lei votada pela Assembleia.
Todavia, no exercício das faculdades constitucionais, há regras de cortesia, e até de bom senso, que limitam os diversos poderes do Estado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A revogação daqueles preceitos volvidos apenas dois dias sobre a publicação da lei pode ser interpretada como falta de consideração do Governo pela soberania da Assembleia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E sei de Deputados que, por esse motivo, deixaram de comparecer às sessões.
Formulando este aviso prévio, proporciono ao Governo o ensejo de dar à Câmara -como lhe cumpre - a satisfação devida por aquilo que, ao menos na aparência, constitui um fundo agravo.
De momento, nada acrescentarei.
Aguardo a designação de dia para este aviso ser discutido.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Manuel Domingues Basto: - Leva-me a usar da palavra, em ligeira intervenção antes da ordem do dia, o decreto-lei sobre o plantio da vinha.
Com data de 23 de Novembro do ano corrente publicou-se no Diário do Governo o Decreto-Lei n.º 38:525, com que se pretende unificar a legislação vária e dispersa em matéria vitivinícola e, modificando o condicionamento do plantio da vinha, promover o aperfeiçoamento da qualidade dos vinhos nacionais.
Para ser-se justo, têm do se louvar os intuitos do Governo e de reconhecer que o Sr. Ministro da Economia procurou, com igual empenho, fugir da liberdade anárquica do plantio, grandemente nociva à economia nacional, tanto como dos rigores do condicionalismo que levassem a intervenção do Governo além do que é indispensável para que, partindo das realidades vitivinícolas, a todos se dê justa satisfação, num equilíbrio de conjunto.
Quando a imprensa anunciou que o Governo, pela pasta da Economia, ia legislar em tal matéria e só tornou do conhecimento público o projecto que ia ser apresentado ao estudo da Câmara Corporativa, algumas vozes se ergueram nesta Assembleia a reclamar que o projecto não fosse publicado sem os Deputados, representantes das várias regiões do País, e atentos às suas realidades vitivinícolas, se pronunciarem sobre ele.
Entendeu o Governo não dever atender esses desejos da Assembleia Nacional, e certamente terá fortes razões a justificar esta atitude.
Sem desprimor, e acatando essas razões, seja-me lícito afirmar que, declarando-se no preâmbulo do decreto-lei em referência ter-se partido das realidades vitivinícolas das regiões do País para se chegar a uma solução de interesse comum e de bem comum, nenhum mal poderia haver, antes toda a vantagem, em que os justos interesses de cada região vitivinícola fossem expostos e defendidos nesta Câmara, para que a solução de conjunto não desconhecesse a verdadeira fisionomia vitivinícola de todo o País e de cada uma das suas regiões.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Disse-se então, não sei com que fundamento, que o decreto-lei não viria a Assembleia Nacional, a fim de evitar que dentro dela se lançassem as regiões umas contra as outras.
Não compreendo, Sr. Presidente, nem me explico, semelhante receio. O mal não está em que cada região vinque o melhor possível o seu fácies específico o em que na solução de conjunto esse fácies seja respeitado ë, por esse respeito, integrado no plano nacional.
Tão pernicioso é o erro que, deturpando os regionalismos, faz deles apenas egoísmos regionais em briga com o bem comum, como a pretensão do resolver os problemas nacionais abstraindo das necessidades peculiares de cada região e esquecendo-as na solução de conjunto.
Nenhum Deputado está aqui para sobrepor os interesses da sua região aos de qualquer outra, mas apenas para que esses interesses não fiquem diluídos, pulverizados, sem o seu justo lugar no conjunto e na solução comum.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Porque penso que neste caso se aproveitaria com a colaboração da Assembleia Nacional, com toda a franqueza o digo e perante ela o declaro.
Com a mesma franqueza, ainda, perante ela .e à face do País, afirmo que tenho sérias dúvidas se o decreto-lei publicado sobre o plantio da vinha concorrerá para que se realize o fim desejado de cuidar mais da qualidade dos vinhos do que de aumentar a produção, mesmo a produção de vinhos de inferior categoria.
Sempre me bati, na imprensa, em palestras, em conferencias, para que na organização e arranjo vitivinícola do País se preferisse a qualidade à quantidade, por me parecer que temos vinhos a( mais de inferior qualidade e não temos feito tudo quanto devia fazer-se para acarinhar e estimular a produção, a preços de concorrência com vinhos de outros países, dos nossos vinhos nobres, que os temos, e de nobreza autentica, em várias regiões do País.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Foi em obediência a este critério que há anos me esforcei junto dos viticultores da região que represento nesta Câmara - a região dos vinhos verdes - para que fizesse, sem esperar as determinações da lei, nem expor-se às multas dos desobedientes, a enxertia dos produtores directos americanos.
Pude, contudo, verificar com amargura que noutras regiões do País havia viticultores que se valiam de toda a sua influência para que na dos vinhos verdes a enxertia fosse imposta à força de medidas draconianas e de pesadas multas, não pelo desejo de melhorar a qualidade dos vinhos e manter as castas regionais, mas apenas pelo interesse egoísta e pela injusta pretensão de inundar a região dos vinhos verdes de vinhos iguais ou inferiores, aos dos produtores directos americanos - os conhecidos «mata-ratos», dos doutras regiões para a dos vinhos verdes.
Sr. Presidente: o problema mantém-se hoje na mesma posição de então ...
A não ser em épocas anormais, produzimos vinhos a mais de inferior qualidade do que os necessários para o consumo nacional e não temos vinhos de qualidade, a preços de concorrência, para a exportação.
Temos sacrificado ao vinho e ao lucro imediato dele proveniente outras culturas mais necessárias à economia nacional e de preço remunerador e justo para o agricultor; tem-se sido demasiado indulgente em consentir que a vinha de fácil produção dos terrenos fundos, alagadiços, sujeitos a erosão e inundações, faça, dentro do País, desleal e injusta concorrência à vinha de terre-
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nos secos e de encosta, naturalmente indicados, pela sua constituição e por esta particular circunstância de exposição ao sol, para a cultura da vinha.
Como já afirmei, o Governo e, em particular, o Sr. Ministro da Economia merecem louvores pelo intuito no novo decreto-lei manifestado e pelo sentido de equilíbrio que o decreto revela.
Terão de ir, porém, esses louvores ao ponto de afirmar que se acautelou suficientemente o perigo de uma enxurrada no País de vinhos de inferior qualidade, que mais cedo ou mais tarde virá agravar o mal da quantidade de vinhos sem mercado nem colocação nem consumo V Muito desejaria podê-lo afirmar, mas não o posso em boa consciência fazer...
Há no decreto-lei algumas injustiças, que não posso explicar nem compreender.
Permite-se, mediante requerimento pago e a uns tantos centavos por cada pé de videira, que possa ser concedida licença para plantação nova de bastantes milhares de pés em terrenos não indicados e noutros menos indicados para a cultura da vinha. Na região demarcada de Bucelas dá-se margem para que a plantação se torne possível, mesmo em terrenos férteis, desde que 75 por cento da enxertia se faça na casta «Arinto».
Vai-se até permitir novas plantações em «terrenos sujeitos a forte assoreamento ou erosão ou em terrenos frequentemente inundáveis», embora sob a condição de serem «zonas vitivinícolas, susceptíveis pelas suas condições enológicas de produzir vinhos de boa qualidade e onde outras culturas não tenham possibilidades económicas de exploração».
Seja-me Lícito perguntar se a vinha é a melhor cultura para evitar as inundações, e em terrenos inundáveis não é outra que não a vinha a plantação indicada para evitar o assoreamento e a erosão.
Disse um dia Salazar que em política o «que parece é».
O princípio é ainda aplicável à política vitivinícola. Todos sabemos o que isto parece, embora de facto o não seja.
Esta indulgência, excessivamente larga com determinadas regiões, oferece, no decreto-lei sobre plantio da vinha, singular contrasto com o rigor usado para com a região demarcada dos vinhos verdes.
É nela, sem distinção de sub-regiões, terminantemente proibida a plantação da vinha contínua, mesmo que seja mediante requerimento e a uns tantos centavos por cada pé de videira.
Ora acontece que há na região demarcada dos vinhos verdes a sub-região de Monção, onde se produz uma casta especial de vinho branco, o «Alvarinho», para que tiveram de fazer-se *leis e regulamentos especiais, tão nobre e inconfundível é, entre os vinhos portugueses, o vinho branco «Alvarinho».
Há no concelho de Monção algumas freguesias, como Sago, Moreira, Cambeses, Pinheiros e Troviscoso, uma parte de Mazedo e da freguesia da vila, e outros tractos de terreno em algumas freguesias mais do concelho que deviam produzir intensamente e quase exclusivamente vinho «Alvarinho». Terrenos secos, areentos ou de encosta, neles todas as outras culturas oferecem insuficiente compensação do trabalho e das despesas do granjeio e produzem um vinho branco «Alvarinho» de tal categoria que parece ser dali que se exportaram os primeiros vinhos finos para Inglaterra.
Há anos, um notável enólogo francês, em estudo de vinhos no nosso pais, dizia-me, encantado com o «Alvarinho», exclusivo dessa zona vitivinícola:
A massa vinícola é a melhor que encontrei. Garanto-lhe que com ela podem obter-se, pelos modernos processos de vinificação, vinhos capazes de bater as melhores e mais afamadas marcas de vinhos franceses.
Pois nem sequer nessa zona privilegiada o decreto-lei permite vinhas contínuas, quando nela se não devia cultivar senão a vinha e a casta nobre com que nesse terreno se obtém o vinho «Alvarinho». Terá de repetir-se que para o decreto-lei uns são filhos e outros enteados? Que pena, Sr. Presidente e Srs. Deputados,- que a região demarcada dos vinhos verdes, e em particular a sub-região de Monção, seja para a Câmara Corporativa, para os enólogos portugueses e para o decreto-lei sobre o plantio da .vinha «o Portugal desconhecido» de que falou Léon Ponsard.
Está assim justificado o meu critério pelo qual afirmei me parecer de grande utilidade para a economia do País que o decreto-lei sobre o plantio da vinha tivesse vindo à Assembleia Nacional.
Haveria com isso ocasião de lançar no problema estes e outros elementos que deveriam ser considerados antes da publicação do decreto-lei no Diário do Governo.
Antes de terminar quero ainda dar o meu apoio à doutrina exposta no preâmbulo do decreto, em que o Governo afirma que a melhor qualidade de vinhos há-de promover-se mediante a fundação de «cooperativas de vinicultores».
As cooperativas, não apenas de vinicultores. mas de todos os ramos da produção agrícola, são indispensáveis tanto ao melhoramento dos produtos como para assegurar ao lavrador a justa remuneração do seu trabalho e a possibilidade de continuar no exercício da sua profissão.
O comercialismo ganancioso arrebata ao lavrador, sobretudo nas regiões de pequena propriedade, o que justamente lhe pertence pelas despesas e trabalhos do granjeio. É no vinho e no milho, é nas carnes e nos gados, é no leite e na manteiga.
As afirmações do preâmbulo do decreto-lei sobre plantio da vinha dão-nos a esperança de que as cooperativas agrícolas serão de futuro tratadas com mais justiça e amparadas com o auxílio do Governo.
Porque isso vem de encontro a um ou mais pontos do aviso prévio que há dois anos anunciei a esta Assembleia sobre a crise das populações de Entre Douro e Minho, termino fazendo votos porque o Governo estimule a criação de cooperativas agrícolas e lhes dó o justo e merecido lugar na lei do condicionamento industrial, que vai ser discutida nesta Câmara.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito comprimentado.
O Sr. Elísio Pimenta: - Sr. Presidente: um dos mais complexos problemas da economia agrária é, sem dúvida, o da vinha.
É que ele reveste aspectos económicos, sociais e até políticos de tão grande importância para u vida do País que o simples anúncio de qualquer alteração legal no seu condicionalismo provoca interesse e - porque não dizer? - inquietação de norte a sul.
A região dos vinhos verdes, essa velha província de Entre Douro e Minho, dividida, «num tempo em que a divisão administrativa se adaptava melhor à identidade do terreno, de clima, de produção agrícola, de raça e de afinidades morais», no dizer de Campos Monteiro, citado pelo ilustre escritor e jornalista que é o Sr. Conde de Aurora - a quem eu deste lugar quero felicitar calorosamente pela sua magnífica campanha a favor da restauração da nossa velha província -, a região dos vinhos verdes, dizia eu, não se podia que dar indife
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rente perante o projecto de regulamentação do plantio da vinha, cujo parecer o Governo solicitou da Câmara Corporativa.
Eu próprio, no cumprimento do meu mandato de procurador às Cortes por um dos círculos dessa região do noroeste português, e invocando a, honrosa qualidade de modesto lavrador, me fiz eco da inquietação de cerca de 100:000 produtores, representando uma produção de 400:000 pipas, que, se acolheram o novo projecto com expectativa, favorável, como acentuei, se sentiram também justamente lesados nos seus interesses legítimos.
E digo expectativa favorável porque o Governo teve a louvável preocupação de consultar a Câmara técnica e muita gente se convenceu de que o diploma, depois de publicado, não deixaria de passar por esta Câmara, como desejo aqui manifestado muitas vezes.
Não era lícita, na verdade, a indiferença perante* um projecto de regulamentação que, favorecendo certas regiões do País, poderia trazer a ruína a uma grande massa de lavradores do Minho.
As minhas palavras de então foram de confiança no Governo, e na acção do Sr. Ministro da Economia.
Essa confiança e a esperança de que tudo o que se apresentava com ?nau aspecto fosse considerado e revisto não foram iludidas: se o diploma publicado no dia 23 de Novembro passado não satisfez todas as reclamações apresentadas pelos grémios da lavoura da região, reproduz, no entanto, algumas das mais importantes sugestões, que foram levadas à Câmara Corporativa e incluídas depois no texto do decreto.
Vejamos rapidamente - e outro não é o meu propósito ao usar hoje da palavra - o que a lavoura minhota pediu e no que foi atendida.
A autorização para a plantação de certos produtores directos -proibida sem restrições no projecto do Governo- constituía a primeira das reclamações apresentadas.
A questão não é nova, e ninguém com responsabilidades na minha região deixaria de aprovar sem reservas tal proibição, que, aliás, vinha de longe, se se tratasse de plantações destinadas à produção directa, à produção do chamado vinho americano.
Mas, como é óbvio, não era isso que se pretendia.
O que se pediu, e foi aceite, foi a permissão do plantio de certos produtores directos, como, por exemplo, o Jacques, já suficientemente experimentados e considerados insubstituíveis como porta-enxertos, e apenas como porta-enxertos.
A própria Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes, segundo me consta, muito embora entenda que a solução não é a melhor nem a mais conveniente, não encontra outra, de momento, pelo menos enquanto não forem postos ao dispor da lavoura as formas culturais que satisfaçam ao condicionalismo regional.
Mas o problema aqui é outro: é o da criação urgente de organismos técnicos de viticultura, que tanta falta fazem ... e tanto demoram.
Seria, então, «possível encontrarem-se «cavalos» que substituíssem com vantagem os híbridos porta-enxertos americanos, hoje indispensáveis.
Ainda bem, portanto, que a reclamação foi atendida e o decreto autoriza a concessão de licenças para que determinados produtores directos sejam utilizados como porta-enxertos, nos casos especiais em que a adopção de outros não seja técnica e econòmicamente viável.
Mas se é assim, e muito bem, porque não autorizar a produção em viveiro, compra, venda, cedência e trânsito desses produtores directos?
É claro que todas estas autorizações têm de ser convenientemente fiscalizadas, sob pena de se voltar aos produtores directos, origem do detestável vinho americano ...
Passemos ao segundo ponto.
O projecto, como o diploma, não autoriza vá a plantação de vinhas contínuas na região dos vinhos verdes.
Porque constituía uma excepção ao princípio estabelecido para as restantes regiões-vinícolas e, ainda mais, porque, até certo ponto, atentava contra as próprias características regionais, que parecia desconhecer, a disposição provocou certa reacção.
Mas aqui temos também de distinguir.
A vinha alta, em ramadas ou lameiros contínuos, em quinteiros e eirados, e sobre poços, caminhos e cursos de água e em todos os espaços insusceptíveis de qualquer outra cultura, com castas de grande expansão vegetativa, é claro, constitui, além do mais, uma tradição regional, e a sua inexplicável proibição feria gravemente os interesses legítimos dos pequenos lavradores para quem o vinho, que não tira lugar ao pão - ao pão que muitas vezes as leiras mão produzem para o consumo familiar de todo o ano - é a compensação do trabalho de sol a sol e muitas vezes a possibilidade de aquisição do próprio pão.
Nesta parte também o novo diploma rectificou o que não parecia medida justa e que, portanto, não devia estar nas intenções do Governo.
Mas porque se não deve idêntica satisfação ao pedido, formulado concretamente pelos grémios da lavoura, para que se autorizasse a plantação da vinha em terrenos verificadamente reconhecidos como inaproveitáveis para a exploração económica de qualquer outra cultura?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Que considerações poderiam ter levado o legislador a recusar a possibilidade do aproveitamento de terras de encosta -por exemplo: terrenos com as características mencionadas no n.º I da tabela anexa ao decreto, facilmente sujeitos à erosão e insusceptíveis económicamente de outras culturas - para a cultura da vinha, com castas e processos regionais, quando se consentiram novas plantações em determinados terrenos que a muitos se afiguram melhor destinados a aproveitamento florestal? E novas plantações que em nada poderão contribuir para o apuramento da qualidade e virão até provocar um aumento de produção, o que indubitàvelmente está em oposição com os louváveis intuitos do diploma, que visa principalmente a melhoria dos tipos e qualidades pela escolha dos terrenos e pela selecção de castas adequadas.
Se se vai correr o risco de um aumento substancial da produção de vinhos sem qualidade apurada, porque não correr o mesmo risco de um aumento da produção,
sempre menor, de vinhos com características típicas regionais?
Não, eu não posso acreditar naquilo que já ouvi dizer: que, contra as intenções do Governo e do Sr. Ministro da Economia, se procura a região dos vinhos verdes para escoante da produção de vinhos de outras regiões, mais ainda, do que o que se está já a fazer no Porto e nos concelhos limítrofes.
O Sr. Melo Machado: - Com a produção de 400:000 pipas não é possível nenhum escoamento de vinho para lá.
O Orador: - Eu respondo a V. Ex.ª Na cidade do Porto e nos concelhos limítrofes entram grandes quantidades de vinhos doutras regiões. Não esqueçamos que uma das razões que a Câmara Corporativa aponta
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para que sejam permitidas novas plantações de vinha é a do aumento populacional.
Ora, se há região onde a população tenha aumentado extraordinariamente - a região de maior - densidade populacional do País - é precisamente a província de Entre Douro e Minho, com os distritos do Porto, Draga e Viana do Castelo.
Parece-me que isto responde à objecção de V. Ex.ª
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Autorizar o aproveitamento de terrenos em determinadas regiões e «proibi-lo noutra» é atentar contra a mais elementar justiça, aquela que se deve a todos os produtores, aos produtores de todas as regiões.
A Câmara Corporativa diz-nos, é certo, no seu notável parecer, e ao tratar, na especialidade, do artigo 2.º do projecto do diploma, que em outro lugar se faria referência à pretensão apresentada de ser facultado à região dos vinhos verdes instalar povoamentos, contínuas.
Mas a verdade é que nenhuma referência expressa faz no seguimento das considerações.
E pena foi que se não tivesse considerado o caso das sub-regiões, como a de Monção, onde se produzem excelentes vinhos de mesa com características, ainda há dias definidas por portaria do Sr. Subsecretário da Agricultura e justificada fama que vai atém fronteiras.
Mas é assunto a que ainda lia momentos se referiu com o brilho costumado o Sr. Deputado Manuel Domingues Basto.
A sua intervenção, nesse ponto, impede-me de ir mais longe ...
Em resumo, Sr. Presidente: a lavoura da minha região pode estar grata ao Governo por haver atendido as principais reclamações contra disposições que reputava lesivas dos seus interesses legítimos.
Naquilo em que o não foi - e que lhe parecia justo e razoável e sem colisão com interesses alheios - tem fundadas esperanças de que a experiência dos tempos próximos - a experiência, a eterna mestra da vida! - convencerá da razão e da justiça que continuam a assistir-lhe.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão, na generalidade, a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1952.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jacinto Ferreira.
O Sr. Jacinto Ferreira: - Sr. Presidente: as considerações que vou produzir a respeito da proposta da Lei de Meios apresentada, este ano à Assembleia Nacional bem poderiam ser englobadas sob a. rubrica de breves comentários.
Contém ela disposições bastante diferentes das exaradas em análogo documento dos dois últimos anos, o que, se representasse apenas uma fuga ao espírito rotineiro, já devia ser motivo de congratulação para todos nós e para o País.
Há, porém, ao lado disto, inovações, e a algumas delas me quero referir, embora com a brevidade que exige uma simples apreciação de aspectos gerais.
Começarei pelo que respeita às acumulações, que são a pedra de escândalo de tanta gente.
Segundo o que dispõe o artigo 6.º da proposta, poderemos cindir o pensamento desta em três pontos essenciais, a saber:
I) O Governo propõe-se proceder à revisão do regime de incompatibilidades e acumulações;
II) Propõe-se igualmente colectar de um modo especial as acumulações de mais de um cargo público ou particular, ou o exercício de profissão liberal acumulado com qualquer dos referidos cargos;
III) Esta colecta especial sé se efectivará se os rendimentos auferidos excederem 240 contos anuais e, mesmo neste caso, será limitada ao máximo de dez unidades da escala do imposto complementar.
A intenção de se proceder à revisão do regime de incompatibilidades e acumulações é altamente louvável e só merecedora de encómios, pois, além de tudo o mais, vai ao encontro de um princípio exarado na Constituição.
Não pensa de igual modo a Câmara Corporativa, e aduz muitas razões em defesa das acumulações, mantendo assim a tradição inaugurada o ano pagado.
Terá razão? Vamos ver.
As acumulações podem ser divididas em três grupos principais:
I) De mais de um emprego público;
II) De um cargo público com actividades particulares ;
III) Do exercício de uma profissão liberal com qualquer cargo público ou particular.
De acordo com o parecer da Câmara Corporativa, também afirmo que a solução perfeita seria eliminar-se definitivamente o primeiro grupo. Vou mesmo mais além, e gostaria até de ver eliminado da legislação tudo o que constituísse extensão de cargos, para não ficarem portas abertas às interpretações subtis ou às excepções, sucessivamente mais numerosas. Mas com isto já aquela Câmara não está de acordo.
Um funcionário para cada cargo; um só cargo para cada funcionário - este deverá ser um lema de administração pública, pois não é crível que a mesma pessoa seja capaz de, satisfatória e simultaneamente, exercer dois cargos ou dirigir dois serviços públicos.
A fazer-se tal como estou expondo, a ganharia a eficiência dos serviços e ganharia a saúde dos próprios servidores», e, além disso, evitar-se-ia que nos fôssemos afundando cada vez mais no poço da mentira dos vencimentos.
Estou de acordo neste ponto com a Câmara Corporativa, mas já não posso manifestar igual sentimento a propósito do discurso com que se pretende justificar as a limitações, pelo menos transitórias, que constituiriam a solução do problema, condicionada pelas realidades portuguesas».
Parte do princípio o ilustre relator de que se deve condescender, em face da exiguidade de vencimentos para se manterem de certas categorias de funcionalismo (que escapou à sua observação serem afinal exactamente aquelas onde menos abundam as acumulações), e em face também das aspirações dos que têm méritos para a conquista de mais conforto na vida.
Isto seria aceitável, mas, mesmo assim, de legitimidade duvidosa, se não existisse um outro problema que no parecer se considera como sendo de lana-caprina e que é o desemprego.
De facto, nas suas páginas pode ler-se que, neste ano de 1951, o desemprego é praticamente inexistente em
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Portugal, o que está longe de corresponder à realidade dos factos.
Foi aqui frisado nesta tribuna que o desemprego intelectual - aquele que não pode figurar nos registos do Comissariado, mas que também dele não pode receber protecção - é hoje no nosso país um problema agudo.
E se nestes seis meses decorridas ele se modificou foi para pior, com a saída das Faculdades de movas legiões de licenciados.
E, excluindo os intelectuais, poderá alguém afirmar que não existe desemprego?
Não pode. Porque se as inscrições nos registos oficiais são reduzidas, isso poderá derivar, em grande parte, na descrença nas providências adoptadas, as quais se limitam, a ser úteis, quando o são, para os trabalha dores manuais.
Não parece, portanto, que seja. de recomendar condescendência quanto vá este tipo de acumulações, desde que se mantenha aberta, para os funcionários competentes, a porta das actividades particulares.
Por isto mesmo não podemos aplaudir a intenção de se reprimir as actividades privadas do funcionalismo, quanto a nós inteiramente legítimas, especialmente para os que não são, mercê da sua categoria, obrigados a um dia útil completo de permanência no respectivo serviço.
Que poderá, neste aspecto, interessar ao Estado que um seu servidor dirija uma empresa comercial, dê consultas, ou lições, se dessas actividades não resultar qualquer situação de incompatibilidade com o seu cargo oficial?
Só devia reparar-se no facto quando essa prática ocorresse em tão elevado grau que revestisse aspectos imorais. Mas então não seria a qualidade de funcionário que lhe gravaria a imoralidade; quando muito poderia agravá-la.
As actividades particulares exercidas por funcionários públicos talvez ainda beneficiem o Estado, pelo treino que aqueles poderá daí advir. É o caso de um professor de Medicina exercer clínica, de um consultor jurídico ter cartório aberto, de um engenheiro de obras públicas prestar assistência técnica a trabalhos particulares.
É legítimo - e assim tem sido julgado até agora - que cada qual empregue como entender, e sem prejuízo das funções que desempenha, o tempo que delas lhe ficar livre.
Como é legítimo também que o Estado impeça a corrupção desta liberdade e obste a que a actividade secundária se transforme em primária, pelos proventos de 100, 110 e mais contos mensais ganhos ao serviço de empresas nacionais ou estrangeiras.
Funcionários nestas condições hão-de, por força julgar de somenos importância a função pública que exercem, e só não serão levados o abandoná-la por considerarem que os lugares particulares de que são detentores lhes foram oferecidos em virtude da sua posição oficial ou das suas relações nos meios oficiais.
Ora são exactamente estas grandes acumulações as. que o parecer da Câmara Corporativa defende, por serem - segundo afirma - baseadas na experiência e no valor de quem as usufrui.
Se nesta frase pudéssemos substituir valor por peso e experiência por influência, creio que ela ficaria bastante mais próxima da verdade.
Mas tudo isto perde o sentido ante a intenção do Governo de transformar em matéria colectável as situações anormais resultantes do abuso das acumulações.
Porque se abre um dilema: ouse procura eliminar as acumulações por serem um mal político e social, ou se lança sobre elas um imposto e se tornam em benemérita fonte de réditos públicos.
Aqui, colectar será perpetuar, porque o fisco as tomará então sob a sua protecção, zelando assim os interesses do erário público.
Imposto, em caso algum, nem mesmo a título provisório, dada a tendência que o provisório sempre tem mostrado para se tornar definitivo.
Por mim chego a pensar que o propósito anunciado de rever as acumulações não é senão um pretexto para as tributar. Pois será crível esta intenção da parte de uma entidade que tem sido nos últimos tempos um dos maiores fomentadores de acumulações? Não vale a pena citar factos, não só porque isso é sempre odioso e nada resolve, mas também porque todos terão presentes um ou outro na memória.
Talvez se trate de um acto de contrição do Poder. Mas então aguardemos a manifestação do propósito de não reincidência.
O alargamento da base de isenção do imposto profissional dos empregados por conta de outrém é um acto de humanidade que bem merece louvor caloroso.
Arrancar impostos a quem não ganha, o suficiente para viver (poder-se-á viver com decência auferindo 1.000$ por mês?) é verdadeiramente doloroso.
A compreensão governamental deve, sem dúvida, merecer o reconhecimento dos beneficiados, até porque,, em muitos casos, os vencimentos têm sido conservados abaixo do que desejariam patrões e empregados, apenas com o fim de fugir à tributação. E nisto reside a explicação de a cada alargamento do limite de isenção corresponder um maior rendimento do imposto. É que os ordenados baixos podem então subir até à base do novo limite, e os altos acompanham a subida proporcionalmente. É este um exemplo vivo de como muitas vezes o fisco estanca as fontes de receitas, na sua ânsia de tributação, e perturba fortemente a vida normal dos cidadãos.
Mais ainda poderia ser feito neste capítulo pelas entidades patronais se a contribuição de 15 por cento para a previdência social fosse diminuída em relação aos vencimentos mais elevados, pois quanto mais a empresa, paga aos seus servidores mais absurdamente tem de pagar para a previdência.
Mas isto é já outro assunto, embora estreitamente ligado no campo social a este do imposto profissional.
Pretende também o Ministério das Finanças reduzir o número das publicações oficiais e o seu custo.
Quanto a isto diz o parecer em discussão que «só importará impedir duplicações ou excrescências, assim como desperdícios de papel ou luxos excessivos de apresentação». (Foi naturalmente para colaborar já na economia de papel que o parecer tem só noventa páginas de prosa). A isto permito-me eu "acrescentar: importa também que a diminuição das publicações oficiais não vá colidir com o nível científico do País, já tão baixo em todos os campos. A produção científica em Portugal é quase toda de origem oficial, porque não há fundações mecenais capazes de sustentarem os grandes encargos da investigação científica. E mesmo a generalidade das grandes empresas particulares está longe de usufruir lucros» suficientes para manter estudos, experimentais privativos.
Reduzir publicações oficiais num país tão pobre nelas pode equivaler a baixar o nível intelectual, a inferiorizar o conceito em que somos tidos perante os ramos similares do estrangeiro e até mesmo a enfraquecer o nosso nível literário, já tão fraco que se chega a não haver quem mereça receber os prémios oficiais instituídos.
Poder-se-á, sem perigo financeiro, eliminar essa alínea do citado artigo, para que ninguém seja levado a encontrar nela indícios de mentalidade adversa à cul-
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tura, à actividade intelectual, às superiores manifestações do espírito.
Por mim não sei que pensar da austeridade administrativa de um Governo que manda poupar 50 ou 60 contos em publicações oficiais, científicas ou literárias e vai depois malbaratar algumas centenas deles na. Feira. Popular, com a construção de pavilhões privativos de alguns Ministérios.
Finalmente, outro assunto de celeuma são as providências projectadas a respeito do funcionalismo, especialmente quanto a vencimentos. Promete a proposta um novo suplemento sobre o vencimento-base, cuja percentagem só as possibilidades do Tesouro acabarão por indicar. E mais longinquamente admite-se também a possibilidade de a melhoria se tornar extensiva aos aposentados, aos reformados, bem como aos reservistas e aos pensionistas.
Houve em tempos em Portugal uma lei considerada intangível - a Lei da Separação. E tudo o que fosse bulir-lhe era considerado traição aos imortais princípios.
Hoje em dia também existe um decreto intangível - o 26:115 -, e, ainda que todos os dias se demonstre à saciedade as iniquidades e as desigualdades dele resultantes ou, pelo menos, à sua sombra cometidas, nada tem conseguido levar à respectiva correcção ou à alteração das disposições que se têm mostrado gravosas para tantos.
São numeroso os casos de injusta apreciação de categorias de funcionários, desde os formados por Universidades até aos humildes tratadores. Mas as representações feitas jazem no fundo ide qualquer gaveta, se não foram já enviadas a qualquer arquivo para dar alimento à traça e aos ratos, seus assíduos leitores. Isto quanto a casos colectivos; porque no que respeita aos individuais, um deles referente a um chefe ide secção do Ministério da Economia, até já foi aqui tratado pelo nosso falecido colega Garcia Pereira, e o próprio Ministro concordou em que havia uma flagrante injustiça. Apesar de tudo, a vítima continua a sofrer os efeitos da reconhecida injustiça.
O caso dos professores primários é de bradar aos céus, mas deixei a outros o encargo de o tratarem, porque o que eu dissesse a tal respeito poderia ser classificado mais uma vez de demagogia. Tem-se argumentado que não há dinheiro para acudir aos encargos que resultariam do benefício dos vencimentos de uma tão numerosa classe, mas eu penso que para fazer a guerra e paru distribuir justiça tem sempre que haver dinheiro, sob pena de os Estados se desacreditarem aos alhos dos súbditos.
A intangibilidade das leis jurídicas, como a sua inflexibilidade, tantas vezes expressas lia casuística absurda da «lei igual para iodos», é a causa frequente das injustiças que os tratadistas sempre denunciaram com a fórmula summum jus, summa, injuria - escreveu não há muito um culto autor português.
Pelo Decreto-Lei Será esta a distância conveniente? Não estará já desactualizado o Decreto-Lei n.º 26:110, não obstante a sua intangibilidade? Porque não se inclui o suplemento no vencimento-base e se não estabelecem novas tabelas? Talvez haja nisto alguma intenção reservada. Suponhamos que o Governo da Nação quer fugir às aposentações que muitos funcionários, com tempo suficiente e com -saúde deficiente, requereriam se isto fosse tornado uma realidade. É que muitos não tem ido para a aposentação voluntária só porque disso lhes resultaria uma quebra de 30 por cento nos seus meios de vida. Se é esta a intenção, está certo o método. Mas se mão é, resultam dele fortes inconvenientes para os serviços, com quadros preenchidos por funcionários cansados, doentes e mal dispostos, pela actividade forçada a que têm de se submeter. Mas se não é, resulta igualmente grave prejuízo para a colectividade, porque não se dá a natural substituição de funcionalismo, e a juventude desespera e esteriliza-se pelos cafés, semi poder valorizar, em grande parte, as suas aptidões. Mas se não é, prejudica-se a intenção com que foi redigido o artigo 17.º dessa proposta, que limita as entradas de novo pessoal nos serviços públicos, certamente para não agravar os dispêndios e defender o equilíbrio orçamental. E se todo o enunciado do seu artigo 18.º se destina a preparar a criação, num futuro próximo, de ura novo corpo de adidos, formado à custa dos funcionários corporativos provenientes de organismos a extinguir, ainda esta distinção entre vencimento-base e suplemento contraria o aparecimente das necessárias vagas mós quadros permanentes da Administração, as quais, sem prejuízo de quem quer que fosse, absorveriam uma parte dos deslocados. Por mim, sem querer incitar à ingratidão, preferiria que, em vez de se focar no vencimento, se lançasse as vistas para o abono de família. Nestes períodos de acuidade económica não são os indivíduos que sofrem, mas sem as famílias, e tanto mais quanto mais numerosas são. Os solteiros ou os casados sem filhos resolvem ais suas dificuldades cortando uns passeios ou umas distracções. Mas as famílias têm muitas vezes que ir rebuscar ao essencial. Sabemos muito bem os encargos que acarreta para o erário público o abono de família, mas isso não é agora para aqui chamado, uma vez que o Tesouro se propõe abrir de novo a sua bolsa. O subsídio é manifestamente exíguo, e ainda traz cravado no «seu seio o espírito de mesquinhez, procurando-se todos os pretextos para não o dar. É o caso dos filhos estudantes quando perdem o ano. Pode ter sido por doença que isso não interessa: perdeu o ano, perde o pai o subsídio. Quer dizer: a somar aos prejuízos e preocupações, de uma doença, porventura longa, e à perturbação que deriva de um ano perdido nos estudos, a caixa de abono vem trazer uma diminuição de proventos. Como padrão de protecção à família é simplesmente de se lhe tirar o chapéu. Bom seria que nas providências sobre o funcionalismo se incluísse a revisão da situação dos funcionários simplesmente contratados, cujo futuro se apresenta desguarnecido de garantias. E também a de outra classe de servidores, que nem sei se poderão ser chamados funcionário: refiro-me aos empregados nos organismos de previdência, os quais, sem garantias algumas, nem sequer têm visto os seus vencimentos acompanhar a subida dos atribuídos aos funcionários do Estado e dos corpos administrativos. É que não fiquem esquecidos os aposentados do ultramar. É certo que eles vencem pelo
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orçamento privativo das suas províncias, mas estão cá muitos deles, arrasados, e sofrem as dificuldades de cá.
Das reclamações aqui anteriormente apresentadas, ainda desta vez não foi possível atender a uma revisão do imposto sobre a gasolina -•- verdadeira tributação sobre instrumento de trabalho, a qual iguala na sua incidência tanto as necessidades do pobre como as superioridade dos mais abastados.
Continuo convencido de que da transformação deste imposto resultaria fenómeno idêntico ao observado com o imposto profissional, há pouco referido: o aumento substancial da cobrança. E já não entro em conta com o benefício social que desse facto resultaria.
Também nada foi possível fazer-se quanto ao imposto do desemprego, tão mal aceite e tão extensivamente cobrado. Nem mesmo se conseguiu a sua inclusão no Orçamento Geral do Estado. Mas, uma vez que se afirma num documento oficial, com o valor de um parecer da Câmara Corporativa, que o desemprego é praticamente inexistente, duas atitudes são de tomar perante a Nação: ou se declara publicamente que, em boa- verdade, ele é um facto real, e então continuará a justificar-se, como até aqui, a cobrança do respectivo imposto, ainda que a sua aplicação continue a não ser a mais conveniente, ou então o silêncio oficial confirma o que foi escrito, e o imposto deve acabar, a menos que continue a ser cobrado para Satisfazer uma necessidade já não existente.
Não quero abandonar esta tribuna sem manifestar a minha confiança no Sr. Ministro das Finanças e a esperança de que, ao lado do muito que tem feito e se propõe fazer, não deixe de expurgar, na medida em que as condições o vão permitindo, a «nossa legislação fiscal das anomalias e imperfeições nela ainda existentes.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sousa Meneses: - Sr. Presidente: não se pode de facto subir a esta tribuna e entrar na apreciação desta lei sem começar por render homenagens ao Sr. Ministro das Finanças.
Homenagens sobretudo pela confiança que deposita nos recursos do País para nos apresentar esta lei plena de optimismo financeiro, mas a elas, a essas homenagens, temos também de acrescentar agradecimentos pela elucidação que nos traz em apoio das razoes do seu X optimismo, juntando à proposta de lei, para esclarecimento de nós todos, o rigor dos números expressos nos quadros e gráficos que a acompanham.
Por eles, por esses números, se rememora o que à vista de alguns vai já esquecendo, toda aquela relação de dispêndios na seriação das obras realizadas no vasto plano de engrandecimento nacional em execução; toda a soma em dotações seguidas do que foi a iniciação, continuidade e acabamento de todo esse formidável esforço de reconstrução do País; e ainda nesses mesmos números se colhem também as esperanças do futuro, que se apoiam no desenvolvimento e progresso das actividades da Nação que eles mencionam.
Toda essa apresentação de dados numéricos traduz de facto, além da evidencia que o rigor das cifras nos indica, uma admirável confiança nos recursos do País e na vontade dos homens.
Em toda a substância deste trabalho apresentado pelo Sr. Ministro das Finanças ressuma de facto a confiança própria de uma plenitude de saúde financeira, mas, se esta se patenteia na vida nacional, nos mapas apresentados, ela existe também inseparável no optimismo do Ministro, onde se não apreendem exteriorizações de receio.
Merece meditação, de facto, a calma com que tudo se apresenta, a possibilidade das soluções, a necessidade de revisões que simplifiquem o trabalho tributário e facilitem a cobrança, até as próprias restrições; em suma, todo esse plano de remodelação que já se estuda e se completará em devido tempo com o mesmo sossego de acerto.
E é ainda com a mesma calma e confiança que se contam com possibilidades do Tesouro para os encargos do novo suplemento aos vencimentos do funcionalismo, previsto no artigo 19.º, como é também com disponibilidades de gerência que se conta em parte para as necessidades da defesa militar na elevada cifra que menciona o artigo 25.º, sem que transpareça no capítulo dos investimentos públicos desfalecimento ou quebra de continuidade, no que tem sido a política de valorização e engrandecimento nacional consignados nos artigos 20.º, 21.º e 22.º para seguimento de planos de fomento e conclusão no mais curto prazo de obras já iniciadas, tudo isso que melhora a situação de vida do bom povo português nos seus aglomerados rurais, toda essa série de pequenas realizações que se sintetizam nas alíneas do artigo 22.º e cujo somatório é afinal a grandeza da Nação, nessa obra em pleno desenvolvimento confiada à vontade forte e à alta intuição do Sr. Ministro das Obras Públicas.
Não há que discutir as necessidades da defesa nacional, nem há que graduar a quantidade precisa.
Nesse campo é o que for preciso. Mas é para lamentar que no concerto das nações precise manter posições de defesa e fazer tamanho sacrifício de recursos quem não pretende atacar ninguém, vivendo tranquilo na sua casa há 'cerca de dez séculos, completamente homogéneo de raça, crença, costumes e tradições, com o maior respeito pelas instituições e vida dos outros povos e sem dissídios internos de discórdia, além das banais divergências de opinião a propósito de qualquer coisa ou mesmo de pouca coisa.
Ficará para bendizer no futuro que o esforço financeiro agora pedido ao País sirva para nos poupar às investidas da maldade alheia, mas é também conveniente que fiquemos acautelados para os inconvenientes de fragilidade citados na fábula, quando, no turbilhão da corrente, a bilha de barro se encosta à bilha de ferro.
Para os nossos intuitos de nação pacífica e civilizadora, é pesar que se gaste tão avultada quantia em dispositivos que de ano para ano se depreciam, quando ainda há tanto a fazer em benefício dos povos no que respeita ao seu bem-estar e à elevação da sua dignidade social.
E não me sai do pensamento que menos do que a terça parte do que se vai despender seria o suficiente para concluir no meu distrito o que ainda se não começou ou ainda vai muito atrasado e pelo próprio Governo já foi reconhecido como necessário: o cais acostáveis no porto de Angra, única capital de distrito insular que o não tem; o hospital em ruínas, caindo de velho depois dos abalos de terra; as estradas por calcetar, quando atravessam os povoados compactos de belas casas, sujeitando os moradores aos perigos contagiantes da poeira do trânsito, e ainda tudo o mais dessas pequenas aspirações públicas, que vão das escolas do Plano dos Centenários a outras realizações, que é legítimo efectuar para acompanharem o movimento crescente da população e o constante desenvolvimento da ilha, cada vez mais acentuado, pelo trabalho e iniciativa dos seus próprios habitantes.
Tudo isso se conseguiria com menos do que a terça parte - talvez um quinto - do que se vai despender pelo artigo 25.º!
Mas, Sr. Presidente, não foi só a lamúria destes anseios que me levou a subir a esta tribuna.
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Um problema grave levanta para os distritos autónomos das ilhas adjacentes a matéria do artigo 19.º desta lei, e creio que não meto foice em seara alheia apreciando em globo o assunto.
E compreensível, e até de imperativa justiça, que o novo encargo a suportar pelas juntas gerais dos distritos insulares com o aumento de vencimentos aos funcionários dos serviços do Estado a seu cargo - onde entra o enorme peso de todo o professorado do ensino primário, médio e industrial- se estenda igualmente aos funcionários dos seus quadros privativos.
Não se pode, de facto, aceitar que o Governo reconheça a necessidade desse novo suplemento e ele se não generalize a todos os empregados das autarquias locais. Neste campo a justiça- não pode ter apreciação relativa; tem de ser igual para todos os que servem, para todos os empregados, sobretudo os de menores vencimentos. E é essa a primeira omissão da lei que desejaria ver suprida com a aprovação do aditamento ao artigo 19.º proposto pelo ilustre Deputado Sr. Melo Machado.
O problema já debatido quanto às juntas gerais dos distritos autónomos aquando dos anteriores suplementos aos vencimentos encontrou solução parcial nos subsídios concedidos pelo Decreto n.º 36:450, de 4. de Agosto de 1947, e o fundamento dessa excepção baseava-se, de facto, na necessidade de cobrir as despesas com esses novos encargos, que o peso do funcionalismo do Estado a cargo das juntas absorvia das suas receitas ordinárias.
Volta agora justamente o mesmo caso, e foi essa a principal razão que me fez subir a esta tribuna para o tornar a lembrar.
Inclui o próprio artigo 19.º a consideração que «a percentagem será fixada de harmonia com as possibilidades do Tesouro», e isso, que traduz certeza no Orçamento Geral do Estado, não deixará de ser preocupação para os corpos administrativos, desde que se lhes não confiram possibilidades de receita para cobrir os novos encargos. E é essa a segunda omissão da lei, que se podia conter na calma do mesmo optimismo e cuja solução compete agora ao próprio Governo, o que para todos será bem aceite.
Para as juntas gerais dos distritos autónomos, limitadas aos recursos orçamentais que lhe foram atribuídos e ao seu condicionamento a despesas obrigatórias e a planos de obras em execução, o problema tomará vulto de enorme dificuldade se sómente com as suas possibilidades actuais lhe for cometido o encargo da sua solução.
Sr. Presidente: eu penso que há cada vez mais motivos para obrigar a reconsiderar uma revisão do Estatuto dos Distritos Autónomos, mesmo para se acabar com o desgosto de voltar a estas objecções.
Já vão decorridos doze anos que o estatuto foi instituído pelo Decreto n.º 30:214, de "22 de Dezembro de 1939, e isto constitui tempo bastante, nos incidentes da vida nacional que decorreram durante este período, para formar juízo sobre as dificuldades que se reflectiram sobre as juntas gerais e sobre as possibilidades com que ficaram no campo das receitas que lhes foram atribuídas e das despesas obrigatórias que lhes foram fixadas.
Não se encontra na lei em discussão referência especial ao regime administrativo em que vivem as ilhas adjacentes e, se 6 certo que no estatuto se condiciona o seu modo de gerência segundo as normas oficiais, é certo também que estão sempre sujeitas à influência dos tempos e das perturbações da vida nacional, não só porque muitos dos serviços do Estado estão a seu cargo, mas também porque os que lhes são privativos do próprio Estado precisam de receber as directrizes e acompanhar o mesmo ritmo. O regime administrativo em que vivem as ilhas permite facilidades de execução mas não cria possibilidades; estas dependem inteiramente das decisões do Governo.
A previsão do novos encargos que o artigo 19.º vem trazer às juntas gerais é assunto para apreciação e solução superior, com base nos próprios considerandos que justificaram a aprovação do estatuto e antecedem a publicação do respectivo decreto (n.º 30:214. de 22 de Dezembro de 1939) quando dizem:
Desde que o Governo entrega às juntas gerais serviços que no continente estão a seu cargo, justo é que lhes confie também receitas suficientes para fazer face aos encargos que eles acarretam.
Seguindo o douto parecer da Câmara Corporativa, a situação das juntas gerais merece entrar também no «exame sumário das variações que se sucederam na conjuntura a partir da guerra», e bem variaram de facto, como é sabido do todos, pelas próprias circunstâncias de posição em que se encontram as ilhas que aqui represento a pesar nas decisões da política nacional.
No seu desenvolvimento pelo trabalho esforçado da população, no seu progresso pelos impulsos próprios da evolução, no seu enquadramento em tudo que seja servir a Pátria, está à vista dos que lá vão em serviço oficial ou a outro título todo o seu esforço cooperante na segurança e engrandecimento da Nação.
Só por isso, Sr. Presidente, só pelo que tem de real o peso desses factores, que se não podem separar de disposições novamente em apreço, é que e ú aqui subi para esta apreciação no relativo que se prende com a própria lei em discussão e para pedir ao Governo a solução mais consentânea.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Vaz Monteiro: - Sr. Presidente: depois de terem sido ventilados muitos idos problemas enunciados na proposta de lei em discussão, seja-me permitido abordar dois assuntos relativos às nossas províncias ultramarinas.
Um diz respeito à enunciação dos problemas mais instantes e da maior importância nacional para a vida e progresso daquelas provincias: aproveitamento dos seus recursos naturais, colonização e desenvolvimento das suas comunicações e transportes.
Esta anunciação dos problemas principais do ultramar, está feita pelo Governo na proposta da Lei de Meios. E está feita de tal modo que justo será reconhecer o nítido interesse do Governo pelos territórios ultramarinos e a sua clara visão e perfeito conhecimento dos problemas que ao ultramar dizem respeito.
O outro assunto a que me irei referir não se encontra enumerado na proposta da Lei ide Meios, mas estou certo de que o Governo nem por esse facto deixará de o ponderar e resolver, refere-se ao aproveitamento reprodutivo» e socialmente útil da sobrevalorização de produtos da exportação ultramarina.
É um problema de ocasião, do momento presente, que o Governo poderá resolver sem que ele se encontre enunciado na Lei de Meios.
Expostos assim resumidamente os assuntos de que me vou ocupar, começarei por apreciar aquele que se encontra indicado na proposta em discussão.
Comparando a Lei de Meios de 1951 com a proposta da Lei de Meios para 1952, em matéria relativa ao nosso ultramar, nota-se que há em contínuo e crescente interesse do Governo pelo melhor aproveitamento das disponibilidades da economia nacional em meios materiais e de mão-de-obra. E assim é que, ao tratar de investi-
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mentos públicos - alínea a), § 1.ª do artigo 17.ª da Lei de Meios em vigor - o Governo podia inscrever verbas para vários fins, figurando em primeiro lugar o «fomento da produção da metropole e do ultramar pelo mais intenso aproveitamento dos recursos naturais, designadamente no respeitante à energia hidroeléctrica, irrigação e povoamento florestal»; na proposta da Lei de Meios para 1952, e no mesmo capítulo dos investimentos públicos, concede-se ao ultramar a distinção de lhe dedicar uma alínea especial, a alínea d) do artigo 21.º, na qual o Governo marca a sua preferência no ultramar pelo «aproveitamento dos recursos e colonização dos territórios ultramarinos e desenvolvimento do seu sistema de comunicação e transportes».
Por mim, entendo que aplausos são devidos ao Sr. Ministro das Finanças pela sua louvável iniciativa de justamente distinguir o ultramar na sua proposta e de indicar a orientação e guia que o Governo pretende seguir no próximo ano de 1952 relativamente às províncias ultramarinas.
Estou firmemente convencido, Sr. Presidente, de que esta alínea d) do artigo 21.º da proposta de lei, faz as seguintes considerações: «...que desta vez se deu as justas honras de alínea independentemente ao fomento ultramarino, mas deixou de se falar em obras de desenvolvimento sanitário, cultural e social. Estranha omissão... em homenagem ao reprodutivo».
Na verdade, na presente proposta de lei suprimiu-se a alínea c) do § 1.º do artigo 17.º da Lei n.º 2:045, que mencionava a preferência às «obras de desenvolvimento sanitário, cultural e social».
Porém, Sr. Presidente, todas essas obras, cuja inclusão na proposta de lei foi omitida, se devem considerar incluídas dentro da designação genérica de colonização.
O que convém desde notar, como propósito louvável do Governo, é a preferência, em relação ao ultramar, concedida ao aproveitamento dos recursos dos territórios ultramarinos, á intensificação da colonização branca em África e ao desenvolvimento do sistema de comunicações e transportes.
Nesta orientação e ordem de preferências ficarão todos os portugueses conhecendo, se a Assembleia Nacional aprovar a proposta do Governo, a ordem como se deverão fazer os grandes investimentos públicos nas nossas províncias de além-mar.
Não é meu desejo de ser longo nem prender por muito tempo a atenção do VV. Ex.ªs, Sr. Presidente e Srs. Deputados, no desenvolvimento e na demonstração da justa preferência que o Governo deu a estes três assuntos, da maior importância para a nossa acção coloniza d ora no ultramar.
No entanto não deixarei de dizer que, de uma maneira geral, na agricultura reside um dos mais importantes recursos dos territórios ultramarinos e que de facto ela representa uma autêntica realidade u é a sua maior riqueza, à volta da qual gravitam todas as restantes actividades.
se torna realizar obras hidráulicas para se obter energia eléctrica, regar e enxugar as terras cultiváveis.
Desnecessário será encarecer a necessidade de desenvolver o sistema, de- comunicações e transportes em cada província ultramarina. Ouve-se constantemente aos colonos que em África exercem a sua actividade agrícola pedir e solicitar o desenvolvimento daquele sistema.
E que direi eu relativamente à colonização?
Julgo que o (problema nacional da nossa, colonização branca nas províncias ultramarinas de Angola e Moçambique as impõe à consideração dos portugueses e é urgente e imperioso intensificar a sua solução.
Eu tenho a certeza de que o Governo está senhor deste importante problema nacional e o resolverá à medula que as possibilidades o permitam.
E tenho assim que o Sr. Ministro das Finanças na sua proposta da Lei de Meios, a este problema nacional da colonização destinou uma alínea especial, foi certamente pura vincar o valor da sua importância e destacar o interesse que o Governo lhe dedica.
Poderia apresentar vários exemplos justificativos do interesse do Governo pela obra da colonização, mas bastará dizer que recentemente o Sr. Presidente do Conselho resolveu mandar executar a obra de rega da margem direita do vale do Limpopo, na província de Moçambique, onde se calcula ser possível instalar famílias de trabalhadores agrícolas -metropolitanos e daqueles que em África, e especialmente os residentes em Moçambique, possam e queiram dedicar-se ao aumento e valorização da produção agrícola e pecuária.
Merece-me, pois, inteira concordância, e até aplauso a proposta da Lei de Meãos, sobretudo na parte em que se refere ao ultramar.
Como inicialmente prometi, irei agora referir-me rapidamente ao problema das mais valias.
No meu entender, há este problema sério para o ultramar, que, por ser do momento presente e a sua resolução não admitir delongas, eu desejaria ver apontado na presente proposta de lei.
Como é sabido, a guerra da Coreia provocou uma alta de preços em certos produtos agrícolas da exportação ultramarina. A sobrevalorização desses produtos produzirá efeitos benéficos se os produtores lhe souberem dar aplicação socialmente útil e reprodutiva; mas, se as mais valias fórum dissipadas, provocar-se-á o perigo da inflação, que todos os consumidores terão de suportar.
Conviria tomar medirias urgentes destinadas a entesourar as mais valias ou impor a sua aplicação reprodutiva.
O Governo já tomou as necessárias medidas, em relação à metrópole, publicando o Decreto-Lei - n.º 38:400, de 25 de Agosto de 1951, pelo qual ficou o Ministério das Finanças autorizado a tributar a sobrevalorização das mercadorias predominantes na exportação, com base nas variações mensais dos preços nos mercados internacional e interno.
O rendimento assim obtido é entregue ao Fundo de abastecimento constituído pelo Decreto-Lei 11.º 36:501, de 9 de Setembro de 1947. tendo por fim compensar a alta dos preços externos dos produtos essenciais ao abastecimento nacional, de maneira a evitar a alta interna tios preços e combater a inflação dos meios de pagamento.
Não estou, pois, a expor ideias ao sabor da minha imaginação.
No Portugal metropolitano e em muitos outros países se impôs a aplicação útil das mais vadias a que deu lugar a presente conjuntura internacional pós-coreana.
Porque se não aplica no ultramar, devidamente adaptado, o salutar princípio estabelecidos no Decreto-Lei n.º 38:405?
Esperar, neste caso, é agravar a situação.
Enquanto tais medidas se não tornarem extensivas ao ultramar, o custo de vida continuará a subir de maneira a preocupar aqueles que mais directamente sentem os reflexos da inflação provenientes das mais valias
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do comércio externo, sem terem meio de lhes fazei face devido à exiguidade dos seus vencimemtos.
E que boa oportunidade se está a perder para investir o produto da sobrevalorização em obras reprodutivas, em obras de fomento e de povoamento!
Felizmente ainda lemos bom, colonos, que não se deixaram entontecer ao ver os seus produtos inesperadamente sobrevalorizados.
Prevendo que maus dias sucederão a esta subida rápida de preços, resolveram desenvolver e melhorar mecanicamente a sua produção.
Justa homenageou se deve prestar a tais colonos, que, em seu benefício e dos outros, aplicaram ultimamente as respectivas províncias ultramarinhas o excesso de lucros que lhes trouxe a conjuntura actual.
Não será demais prestar justiça à sua prudência, à sua cautelosa administração e ao seu macianalisino; o é dever nosso apontá-los, para que outros, menos avisados, sigam o seu exemplo.
Eu sei que não é indispensável que a proposta da Lei de/Meios faça referência especial a este problema da justa e reprodutiva aplicação das miais vailias; e tanto assim é que o Governo publicou o Decreto-Lei n.º 38:405 sem que, para taoto, a liei de Meios em vigor se refira ao problema. E por esta razão eu confio .tranquilamente em que o Governo saberá, com medidas adequadas e com a maior brevidade possível, acautelar os interesses particulares dos produtores do ultramar e o interesse geral da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Manuel Cerqueira Gomes: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: vai ser rápida a minha intervenção neste debate, pois não quero cansar Camara.
Apresento daqui as minhas homenagens ao Sr. Ministro das Finanças, mas essas homenagens, embora ventidas e fervorosas, não impedem que eu discorde do princípio expendido na proposta- de lei agora em discussão através do seu artigo 6.º, que diz:
Art. 6.º O Governo procederá até 30 de Abril de 1902 a revisão do regime legal de acumulações e incompatibilidade e enquanto este não entrar em vigor fica autorizado a alterar o adicionamento ao imposto complementar a que se refere a alínea h) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 37:771, de 28 de Fevereiro de 1930, sobre as acumulações de mais de um cargo público ou particular, ou do exercício de profissão liberal acumulado com qualquer dos mesmos cargos, desde que os rendimentos excedam 240 contos anuais.
§ único. Da revisão do adicionamento não poderá resultar aumento das taxas vigentes superior a dez unidades.
O Decreto n.º 37:771 reza assim no seu artigo 2.º:
Art. 2.º Os contribuintes do imposto complementar que aufiram anualmente, por virtude de acumulações de mais de um cargo público ou particular ou de exercício de profissão liberal acumulado com qualquer dos mesmos cargos, remunerações globais superiores a 120 coutos ficam sujeitos a um adicionamento. calculado pelas taxas de acumulação seguintes:
a) 10 por cento sobre as importâncias compreendidas entre 120 e 200 contos;
h) 15 por cento sobre as importâncias excedentes a 200 contos.
Ora este artigo do Decreto n.º 37:771 comporta três aspectos:
Primeiro, o da excepção de acumulações para rendimentos provenientes do trabalho. Todas as outras fontes de rendimento não são acumuláveis. Um indivíduo pode ter duas ou três origens de rendimento proveniente de capitais: propriedade rústica, urbana, quota em empresa, etc. Não são acumuláveis. Mas, se exerce dois ou três cargos públicos ou particulares, são acumuláveis os respectivos rendimentos e o imposto complementar onera-os gravemente.
«Não há princípio nenhum de justiça em que se possa estribar esta enormidade», diz o parecer da Camara Corporativa, e está certo.
O segundo aspecto é o que considera 0.01110 cargo acumulável o exercício de uma profissão liberal. Então o exercício de uma profissão é, ou pode ser, assimilado ao exercício de um cargo público ou particular? Anda a volta deste conceito um pendor socializante que me desagrada profundamente. O exercício de profissão liberal não é, nem pode ser, o exercício de um cargo na nossa apreciação.
Cuidado! Há caminhos resvaladiços e de doutrinação pouco certa.
Terceiro aspecto: a prática deste princípio constitui um verdadeiro excesso, e eu podia citar muitos casos demonstrativos do que afirmo, refiro apenas um, que me foi lembrado por um professor da Faculdade de Medicina a que pertenço.
Trata-se de um cirurgião distinto, cujo imposto profissional ascende a 270 contos. É professor universitário, e como tal percebe 60 contos, o que dá" a totalidade de 330 contos.
Estes 330 contos são dados como acumulação, e por eles tem de pagar o imposto complementar correspondente a rendimentos acumuláveis. E como o imposto, se passar a vigorar o novo adicionamento agora proposto, subirá dos 27 contos actuais para 36, este senhor recebe 60 contos por ser professor de Medicina e pagará 36 por ser professor e cirurgião.
E preciso disciplinar o problema das acumulações? Está certo.
Eu sinto-o, como todos o sentem, sem todavia agitar o problema com uma mão cheia de escândalos. Não sei fazer demagogia. Mas, até lá, esperemos. O que está feito não é bom, mas não o tornemos ainda pior, agravando taxas de uma maneira geral, sem termos em conta casos particulares.
Eis porque reputo o princípio merecedor de ser rejeitado, porque é injusto, é antidoutrinário e presta-se a excessos na aplicação de muitos casos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Cortês Lobão: - Sr. Presidente: apreciamos a segunda proposta da Lei de Meios, apresentada a esta Assembleia pelo nosso antigo colega Dr. Águedo de Oliveira. Já a anterior proposta se fazia acompanhar de valiosos elementos de estudo.
A presente está mais esclarecida.
Louvando o Sr. Ministro das Finanças por mais este trabalho, que traduz clareza, firmeza e desejo de justiça, eu agradeço os elementos de estudo enviados, que durante muitos anos foram reclamados desta tribuna, mas que só desde há dois anos nos são fornecidos.
Sr. Presidente: não se afasta a nova proposta da orientação da proposta anterior.
Pretende continuar, mantendo intransigentemente o equilíbrio orçamental, base de toda a nossa política financeira, a obra de engrandecimento há longos anos iniciada.
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Na arrecadação das receitas mantêm-se sensivelmente as disposições anteriores, alteradas apenas com um adicionamento ao imposto complementar sobre acumulações de mais de um cargo público ou particular ou de exercício de profissão liberal acumulada com qualquer dos mesmos cargos, desde que os rendimentos excedam 240 contos, podendo resultar aumento das taxas vigentes até dez unidades.
Li com muita atenção o parecer da Câmara Corporativa, procurei neste capítulo a justificação à sua proposta de eliminação do artigo 6.º, mas, com certeza, por deficiência minha, não encontrei os argumentos que me convencessem.
Ao contrário das razões apresentadas pelo relator, mais me firmaram a ideia de que o Governo estava no bom caminho, e se a proposta do Governo por alguma coisa pecava era pela brandura.
E justa esta tributação, que só atinge uma minoria.
Defendi sempre o princípio de que não deve ser permitido o açambarcamento de lugares.
Deve haver mais justiça para muitos, com um sacrifício fácil de alguns fortemente protegidos.
Respeito aquelas excepções que se justificam.
A experiência, porém, indica que em muitos casos não se vão procurar as competências e os valores, mas simplesmente se movimenta o favor ou a simpatia pessoal.
Desde 28 de Maio de 1926 nos temos batido por este salutar princípio, e por isso nos regozijamos vendo-o anunciado agora pelo Governo.
Todos os louvores são poucos por esta medida salutar.
É verdade que o Governo manda proceder até 30 de Abril à revisão do regime legal de acumulações e incompatibilidades; oxalá tenha tempo de o fazer.
Mas também é verdade que o curto prazo de tempo pode não permitir que essa revisão se faça, e então assistíamos à passagem de mais um ano sem ter solução uma medida já anunciada e que desde há muito se impunha.
A reforçar estas considerações, recordo as grandes dificuldades que tem havido para dar cumprimento ao artigo 14.º da anterior Lei de Meios, referente à utilização dos automóveis dos serviços do Estado, e que pela presente proposta, no seu artigo 15.º, é prorrogado até 31 de Março de 1952, e outra prorrogação virá ainda.
O que nos dá plena satisfação no artigo 6.º é o princípio ali enunciado da revisão do regime legal de acumulações e incompatibilidades.
Era essa revisão justa que muitos dos veteranos da velha guarda desejavam ver realizada como princípio salutar.
Tudo o mais no artigo 6.º procura ir buscar aos rendimentos mais elevados, e, portanto, aos mais protegidos, uma pequena parte dos lucros arrecadados.
Sr. Presidente: neste momento não deixarei de levantar aqui um assunto que, não estando ligado à proposta em discussão, julgo ser oportuno pôr à consideração do Governo.
Está este representado por delegados seus em várias companhias, empresas, sociedades e indústrias onde tem interesses e que necessita controlar.
São, portanto, estes delegados os seus informadores.
Não seria justo tornar obrigatória -o que hoje julgo ser facultativo- a entrega ao Estado de, pelo menos, um relatório anual acerca da actividade do organismo que representam e as sugestões que entendam propor?
Para prestígio, para valorização do lugar, não seria justo que um serviço já a funcionar, possivelmente no Ministério das Finanças, se encarregasse de receber das referidas empresas, sociedades, etc., a importância das remunerações e gratificações dos vários delegados, onde
estes iriam receber essas remunerações, em vez de, como hoje sucede, receberem directamente dos organismos?
Vozes: - Muito bom, muito bem!
O Orador: - Limito-me a pôr o problema, sem outro fim que não seja o desejo de procurar valorizar a função e de afastar de certas críticas mordentes, e muitas vezes injustas, algumas figuras de prestígio do Estado Novo.
Se não é crível, se isto não passa do campo da fantasia, que se atire para o caixote do lixo e ... passemos adiante.
Voltando à análise da proposta, vejo que continua a enunciar o são princípio do controle sobre os vários serviços e uma rigorosa economia nesses serviços, e mantém ainda para o próximo ano o princípio, difícil de aceitar, de não poderem, salvo casos especiais, ser providas as vagas de pessoal civil dos Ministérios.
Sabemos e vemos pela proposta que o País teve de contrair responsabilidades externas, mercê da sua situação dentro da comunidade europeia, responsabilidades grandes para um país pequeno e de fracos recursos, mas grande em prestígio e habituado a cumprir.
São imposições a que têm de se sujeitar todos os países livres nesta Europa doente, para se defenderem da onda avassaladora dos bárbaros que a ameaçam.
Mas, apesar de todos estes encargos, que o País aceita porque é para sua defesa, reconheceu o Governo a necessidade inadiável de olhar mais uma vez para o seu funcionalismo.
E assim, pelo seu artigo 19.º, atribui aos funcionários e mais servidores do Estado na efectividade do serviço mais um novo suplemento sobre as remunerações base, cuja percentagem será fixada de harmonia com as possibilidades do Tesouro e podendo ser extensiva aos aposentados, reformados, na reserva e pensionistas.
Será muito? Será pouco?
Uma coisa é certa: será o máximo que as disponibilidades do Tesouro possam suportar.
Esta é a linguagem clara, séria e honesta que traduz a proposta.
Este suplemento vem remunerar o trabalho produzido.
Pena é que as disponibilidades do Tesouro não permitam encarar o problema grave, e que apenas está enunciado, do abono de família, que continua à espera de uma solução - e digo estar apenas enunciado porque não é com 70 máximo por filho e ainda agravado com várias restrições, e a verba global de 43:000 contos, que se pode ajudar um funcionário chefe de família com vários filhos, sem outros recursos além do seu vencimento, a sair das tremendas dificuldades em que se encontra.
Impõe-se uma revisão deste grave problema, através do abono de família ou por qualquer outro processo, mas que leve ao mesmo fim.
Continuando na análise da proposta, o Governo dará preferência à conclusão de trabalhos iniciados e às realizações tendentes a melhoramentos agrícolas, povoamento florestal e colonização interna, empreendimentos hidroeléctricos, instalação de indústrias-base, desenvolvimento de comunicações e transportes.
Dará auxílio financeiro aos aglomerados rurais para abastecimento de água, electrificação e saneamento, povoamento florestal, estradas e caminhos.
Um vasto programa de realizações que merece a minha inteira aprovação.
Tem, pois, o meu voto.
Não desejava terminar as minhas considerações sem fazer uma referência a um assunto que aqui foi abordado durante a discussão desta proposta de lei, assunto que desde há muito me tem interessado.
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Refiro-me à fixação de colonos, tratada pelo nosso ilustre colega Dr. Manuel Vaz.
Desde há muitos anos, sempre que tenho oportunidade, e desta tribuna, tenho pedido ao Governo que. logo que possível, estude este problema.
Entendo que fixar um colono à terra é fazer desaparecer um revoltado.
Tenho defendido que, à parte uma ou outra experiência particular, no momento presente compete ao Estado essa tarefa; não só aproveitando baldios, mas também evitando o alargamento do latifúndio, com todas as suas consequências graves, adquirindo e reservando propriedades vendidas forçadamente pelos bancos ou caixas de crédito onde estavam hipotecadas.
Principiou o Governo pelo caminho fácil e mais certo: fazer o reconhecimento dos baldios e- reservar os que achou em condições de serem colonizados.
Tenho satisfação de ver esta obra já em marcha e em breve transformados alguns baldios do País.
Tenho o maior respeito pela opinião do meu ilustre colega Dr. Manuel Vaz.
Faço justiça à seriedade e sinceridade das suas afirmações.
Não estou, porém, de acordo com S. Ex.ª quando entende que se deve desistir da colonização interna, por ficar muito cara a fixação do colono à terra.
Foi com esta ideia que fiquei da exposição que S. Ex.ª fez nesta tribuna, à parte umas críticas à actuação da Junta de Colonização Interna.
A mini o que interessa é a fixação do colono à terra.
Não discuto aqui se a instalação de casais já fixados pelo Estado, através da Junta de Colonização Interna, ficou muito cara.
Não discuto se a orientação seguida foi ou não a melhor.
Uma coisa afirmo, porque tenho como certa: nunca pode ser barata a fixarão de um colono, pela razão simples de que não se lhe deve dar a terra e abandoná-lo a si próprio, sob pena de fracasso certo.
Ilustro com um facto passado e que conheço em detalhe.
Possuía a Câmara de Serpa um baldio de muitos milhares de hectares.
Em 1908 apareceu uma empresa a propor à Câmara o arrendamento do baldio a largo prazo, para exploração agrícola do mesmo.
Não quis a Câmara enveredar pelo caminho do arrendamento e, depois de várias questões que não interessa aqui citar, resolveu a Câmara parcelar o baldio e atribuir a cada chefe de família do concelho a gleba correspondente, que, se a memória não me falha, era de 5 hectares.
Estas glebas foram demarcadas' no terreno e, assim, todos os chefes de família receberam pôr aforamento 5 hectares de terra.
Mas, porque faltou o resto, que era a assistência, o capital, as alfaias e o. alojamento, passados dois anos encontrava-se agrupada uma grande parte das glebas, e hoje, onde está a melhor terra do baldio, encontram-se grandes propriedades, que se formaram comprando glebas a 4A e 5A e algumas a troco de um copo de vinho.
Foi um insucesso completo.
Deve-se elo às razões já citadas.
Hoje, como ontem, o colono não pode ser abandonado.
É isto que torna cara a colonização.
Apesar de todas as dificuldades e resistências, eu entendo que devemos continuar com esta obra de largo alcanço económico e social.
Corrijamos, sim, se houver e onde houver erros.
Apesar de todas as cautelas, pode haver erros; estude-se a forma de os emendar, mas é preciso continuar.
Quem conhece os problemas da terra sente que isto é uma necessidade inadiável, e ainda bem que o Governo o reconhece dando preferencia à colonização interna no seu artigo 21.º
No caso concreto de Moritalegre julgo que a resistência havida com a colonização têm partido principalmente, não dos mais necessitados, mas dos mais abastados e influentes no meio e que até há pouco exploravam o baldio.
Hoje a situação modificou-se ali, e onde ontem estavam os abastados e influentes estão hoje em grande parte trabalhadores rurais.
Tenho a certeza de que o meu ilustre colega Dr. Manuel Vaz desconhece este detalhe.
Termino, como comecei, louvando o Governo, no Sr. Ministro das Finanças, por este trabalho claro, firme e justo e faço votos para que a classe sacrificada dos funcionários mais modestos sinta melhoria um certo alívio na sua precária situação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Amanhã haverá sessão, tendo por ordem do dia a continuação do debate, na generalidade, sobre a lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1952, e, se for possível, iniciar-se-á a respectiva discussão na especialidade.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 5 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Américo Cortês Pinto.
António de Almeida.
António Talheiros Logras.
António Pinto de Meireles Barriga.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Jorge Botelho Moniz.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel de Magalhães Pessoa.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Paulo Cancela de Abreu.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
António Carlos Borges.
António de Sousa da Câmara.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos Mantero Belard.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorimi.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Luís Augusto das Neves.
Joaquim de Moura Relvas.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Pinto Meteres.
Manuel França Vigon.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA