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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 122
ANO DE 1952 18 DE JANEIRO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 122 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 17 DE JANEIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 120.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Pimenta Prezado ocupou-se da campanha, que é necessária e urgente, para extinção da, doença, causada, pelo carbúnculo.
Ordem do dia. - Continuou a discussão da proposta, de lei relativa ao condicionamento industrial. Falaram os Srs. Deputados Botelho Moniz e Manuel
Vaz.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 7 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam, os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Finito dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Finito.
Américo Cortês Finito.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António Finto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira, Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azeredo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elisão de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
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Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Lindares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
oaquim Diais da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Galvão.
José Grama Numes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Liana Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco de Campos.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 87 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário, das Sessões n.º 120.
ausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado, deseja fazer qualquer reclamação, considero-o aprovado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Enviado pela Presidência 4o Conselho, para os uns do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, encontra-se na Mesa o Diário do Governo n.º 7, 1.ª série, de 11 do corrente, que insere o Decreto-Lei n.º 38:600.
Deu-se conta do seguinte
Expediente Exposição
(Enviada por S. Ex.ª o Presidente da Câmara Corporativa a S. Ex.ª o Presidente da Assembleia Nacional, com o pedido de publicação).
Porto, 15 de Janeiro de 1952. - Exmo. Sr. Presidente da Câmara Corporativa - Excelência. - Pelo que li no Diário das Sessões de 11 do corrente verifiquei que o ilustre Deputado Sr. Tenente-coronel Vaz Monteiro, nalgumas considerações que apresentou aia Assembleia. Nacional, sobre a proposta de lei do condicionamento das indústrias, as fizera em parte relacionar com números indicativos, os quais, não acompanhados das puas justificativas razoes, anão só se desvirtuam como se
prejudicam por deficiência de esclarecimento quanto à saia equivalência.
Como Procurador, representando aquela indústria que justamente serviu de exemplo àquele ilustre Deputado, não podia aceitar em silêncio que S. Ex.ª conclua e faça concluir erradamente, partindo de números, postos em evidente destaque para servirem de indicadores, quando, bem ao contrário, eles não representam, em boa verdade, miais que meras resultantes finais da soma de inúmeras parcelas de que o próprio Estado, os organismos de coordenação económica, as instituições de previdência, os trabalhadores e a indústria têm de viver.
Pela antecipada justiça que me merece a comprovada isenção daquele ilustre Deputado, é de lamentar que lhe houvessem facultado alguns números, cautelosamente dentro da verdade, é certo, mas propositadamente tocando, uns os limites máximos e perdendo outros o seu significado, porquanto, tirados por uma média sem as limitações que lhes emprestasse a indispensável virtude, não elucidam, antes confundem.
Basta dizer, limitando-nos aos números, que S. Ex.ª salientou na sua análise o diferencial de preço do algodão estrangeiro como sendo de quatro vezes o custo do colonial, quando, em boa vendado, o algodão americano de qualidade equivalente - para equivalência ide preços, não se pode dispensar a equivalência de qualidades - tem a cotação de 35$ na sua máxima actual e 28$ na sua mínima de Julho e Agosto passado.
Aquelas quatro vezes mais apenas se verificam no algodão egípcio, de qualidade única no Mundo e que é altamente mais cairo em relação a qualquer outro algodão de qualquer origem.
Quanto, aos encargos com intermediários, a não ser os impostos e taxas alfandegárias e as importâncias cobradas pela Junta de Exportação do Algodão e pela Comissão Reguladora do Comércio de Algodão em Rama, resta o lucro do importador, cerca de $30, líquido, por quilograma, o que pode traduzir-se num aumento de $03 por metro no metro de um tecido de 100 gramas.
Não seria certamente esta a substancia, redução que o ilustre Deputado desejaria.
Quanto ao preço de venda dos tecidos, fixado, pelo ilustre Deputado em 55$ o quilograma, cumpre-me elucidar que nem a indústria vende os seus tecidos ao quilograma, nem, dada a infinita possibilidade da sua composição, em conformidade e na dependência, de um elevadíssimo número de factores, de operações e de características inerentes à sua fabricação, podemos qualquer relação entre um maior preço, por e um maior lucro por metro.
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Coisa facilmente demonstrável e só de difícil compreensão para quem desconhece a matéria destes assuntos.
Apenas aguardo a satisfarão de poder servir, e deixo ao elevado critério de S. Ex.ª a oportunidade e o destino desta carta, aproveitando o momento para mais uma vez apresentar a V. Ex.ª as minhas mais respeitosas homenagens.
De V. Ex.ª, muito respeitosamente, João Mendes Ribeiro.
Telegrama
Da Cooperativa Abastecedora dos Industriais de Panificação, a pedir que na discussão da proposta de lei sobre o condicionamento das indústrias sejam considerados os interesses daquela indústria.
Ofício
Da Casa do Povo de Benavila, a apoiar o discurso proferido pelo Sr. Deputado Pimenta Prezado acerca da inauguração da ponte de Vila Franca de Xira e da revisão do problema das estradas do distrito de Portalegre.
Petição
De João Pedro Ruivo, a pedir que seja discutido na sessão legislativa decorrente o projecto de lei n.º 58, da iniciativa do Sr. Deputado Tito Arantes, sobre alterações à lei do inquilinato.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Pimenta Prezado.
O Sr. Pimenta Prezado: - Sr. Presidente: no estado actual da Ciência, conhecem-se aproximadamente duzentos e cinquenta agentes vivos capazes de produzir doenças no género humano.
São duzentos e cinquenta inimigos que é necessário combater, e legiões de cientistas dedicados estudam o modo de vida desses inimigos, as suas zonas de influência, os seus sistemas defensivos, o seu modo de entrincheiramento, numa palavra: procuram conhecê-los em todos os seus pormenores, traçando planos estratégicos para um combate eficaz.
Uns desses inimigos estão completamente conhecidos e até definitivamente vencidos. Outros são conhecidos nos mais insignificantes pormenores da sua vida e o combate é muito difícil ou até impossível e de tal forma dispendioso que o seu extermínio completo fica sempre muito aquém das melhores intenções, longe dos objectivos que pretendemos atingir. Ainda existem inimigos, talvez do mesmo grupo, devastadores e implacáveis, que se conhecem apenas pelos seus efeitos perniciosos, profundamente modificadores das taxas obituárias e para os quais não se conseguiu até agora arma mais ou menos atómica que os domine.
Alguns estão dominados em certas zonas da Terra, mas ainda noutras produzem grandes desgastes, umas vezes porque ainda não se enfrentou a sério o seu problema de combate, outras por deficiência de condições económicas, por falta de educação do povo ou outras causas de difícil enumeração.
Não vou fazer perder tempo a VV. Ex.ªs, Sr. Presidente e Srs. Deputados, com a referencia a problemas de conhecimento geral. Venho especialmente chamar a atenção da Assembleia Nacional e por seu intermédio, do Governo da Nação para um desses agentes nocivos, conhecido desde 1840, podendo mesmo dizer-se que o seu conhecimento é ao mesmo tempo, e até certo ponto, um estado das novas teorias da etiologia das doenças infecciosas, de que os trabalhos dos grandes investigadores Pasteur e R. Kock constituíram a primeira fase.
Vou referir-me ao carbúnculo, cujo agente é uma bactéria conhecida pelo nome de bacillus anthracis, ou bacterídia carbunuculosa de Davaine.
A doença provocada nos humanos tem características especiais que não interessa referir. Basta dizer que o ataque do bacilo é algumas vezes mortal, e quase sempre perigoso, levando o doente a acamar, obrigando-o a perda de dias, deixando cicatrizes desgraciosas e até algumas mutuantes.
Esse agente infectante ataca também muitos animais, especialmente a cabra, a ovelha, o boi e o porco, e é por intermédio deles que o homem se infecta também.
Em muito países a doença pode considerar-se extinta, como na Inglaterra e países nórdicos.
Em Espanha não conheço dados estatísticos oficiais, mas sei da sua existência com certa frequência.
Da França conheço um artigo de um módico que relata uma série de 38 casos, com 13 mortos (34 por cento de mortalidade).
Na Rússia, entre 1924 e 1925, deram-se 31:688 casos, mas não se apura a mortalidade.
Nos Estados Unidos, em 1940, relataram-se 79 casos, com 11 mortos (12 por cento), e 172 casos em 1929, com 10 por cento de mortalidade.
Vejamos agora o que se passa em Portugal.
Muitos de VV. Ex.ªs sabem que a doença é bastante frequente em grande parte do País e talvez alguns de VV. Ex.ªs, tal qual como eu, não lhe terão suportado a agressividade.
A doença chegou a tal difusão que no Liceu da Guarda, em 1934-1935, 11 por cento dos alunos tinham cicatrizes do carbúnculo.
Em 1947, quando eu desempenhava as funções, interinamente, de delegado de Saúde do distrito de Portalegre, fui encarregado oficialmente de proceder a um inquérito, primeiro passo para uma campanha profiláctica.
Encaminharia a escolha, possivelmente, o desempenho de iguais funções de inquiridor de uma ou outra zoonose e talvez também o ter publicado trabalhos sobre a doença.
Em 16 de Setembro de 1947 inicia-se o inquérito sobre a disseminação do carbúnculo no País e em 18 de Agosto do ano seguinte levo à Direcção-Geral de Saúde o resultado desse inquérito.
Responderam os 271 subdelegados de saúde de Portugal continental e mais 95 médicos da clínica livre.
No curto espaço de onze meses distribuíram-se circulares, coleccionaram-se respostas, ordenaram-se os números, apuraram-se conclusões, elaborou-se extenso relatório, que veio a ser publicado em 1950.
E o que se apurou sobre a disseminação da doença?
Chamo a atenção do VV. Ex.ª, Sr. Presidente o Srs. Deputados: apurou-se que, em média, são anualmente atingidas mais de 8:000 pessoas pela acção agressiva do bacilo do carbúnculo; em números precisos, 8:087! Evidentemente que o número apurado de casos peca por defeito. Sabe-se bem, pode-se afoitamente afirmar que muitos doentes não vão procurar os médicos: são tratados por curandeiros, essa praga daninha, vergonha do País.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E quanto a mortalidade? Apurou-se apenas a existência de 278 casos, em média, anualmente, número também muito longe da verdade. Só num concelho do distrito da Guarda (Sabugal) o número de atingidos anualmente é superior a 1:000 e o de mortos calcula o subdelegado de saúde em 30 por ano.
Eu sei, pelo conhecimento que adquiri no estudo da doença e na larga prática do seu tratamento, que ela
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não é muito mortal no País; sei também que a gravidade quanto à mortalidade veio diminuindo com a descoberta dos hodiernos antibióticos. Eu sei, eu sei, mas, para evidenciar perante a Assembleia Nacional a minha intervenção, não quero entrar em linha de conta com os 34 por cento da estatística francesa, nem mesmo com os 12 por cento dos Estados Unidos; reduzamos a taxa apenas a õ por cento e chegaremos à conclusão de que o País é desfalcado anualmente em 400 pessoas por uma doença absolutamente evitável. Daí este meu apelo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Conhecendo-se os caracteres biológicos do bacilo e de uma sua forma de resistência, o esporo, conhecendo-se a sua contagiosidade e as suas regras de profilaxia, sabendo que noutros países a zoonose está absolutamente debelada, temos o direito de perguntar porque não está ainda o problema resolvido no nosso país?!
Quando fui encarregado do inquérito foi-me também ordenado estudar e propor medidas de profilaxia, apor em prática para o combate à doença.
No relatório apresentaram-se conclusões que mereceram aprovação.
Mas fez-se mais: publicou-se um folheto de divulgação de conhecimentos de profilaxia, elaborado por um representante da Direcção-Geral dos Serviços Pecuários - o intendente de Pecuária de Castelo Branco - e por mim.
Fiz no Porto, a convite da Liga de Profilaxia Social, uma conferência sobre a campanha a encetar.
Mas o problema do carbúnculo em Portugal tem ainda um outro aspecto, que não pode deixar de ser encarado: o desgaste que a doença provoca na nossa riqueza pecuária. Pelos elementos recolhidos na Direcção-Geral dos Serviços Pecuários, transcritos também no relatório, se averigua que entre os anos de 1941 e 1946 morreram em média anualmente 3:300 cabeças de gado, com números à volta de 200 bovinos, 2:000 ovinos e 500 caprinos. Evidentemente que estes números -podemos afirmá-lo - estão muito aquém da verdade. Mas por este simples apontamento se avalia o prejuízo na economia pecuária.
Somado esse prejuízo ao número de perdas de vidas humanas e dias de trabalho, mesmo que não se entre em linha de conta com cicatrizes desgraciosas e até mutuantes, avalia-se o valor da campanha que urge executar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Evidentemente, se a doença é comum ao homem e aos animais e se o contágio se dá dos animais para o homem, só um trabalho em conjunto dos serviços da Direcção-Geral de Saúde e da Direcção-Geral dos Serviços Pecuários poderá chegar a resultados satisfatórios, tanto mais sabendo-se que a primeira grande medida profiláctica é a vacinação dos gados.
Para o ajustamento das medidas a pôr em execução para a eficaz campanha fizeram-se algumas reuniões dos dirigentes da saúde humana e pecuária.
Pode mesmo dizer-se que toda a máquina estava pronta a funcionar para a execução dessa campanha tão necessária e que até o nosso brio nacional impõe.
E é difícil? Posso afirmar a VV. Ex.ªs que não é, com a certeza que me dá o conhecimento do problema.
Será de êxito assegurado? Posso afirmar que sim. É exemplo convincente o que se passa nos distritos alentejanos, em que se tem feito apenas a vacinação preventiva dos gados, desprezando outras medidas profilácticas de importância, e o decréscimo é evidente no número de casos de doença humana e nos gados.
E nem sequer é uma campanha dispendiosa.
O óbice da preparação duma vacina portuguesa parece-me se resolveria com um pouco de boa vontade.
Não quero maçar VV. Ex.ªs a apresentar soluções que estão escritas, estudadas, comprovadas; entendo que nesta Assembleia se devem apenas pôr os problemas sem descer a minudências técnicas; essas encontram-se nos livros, nos trabalhos especializados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Também omito nomes, mesmo das pessoas que mereceriam elogiosas referências pela sua acção de interesse nesta campanha, esboçada apenas.
Pela posição que ocupei na saúde pública, carreira que me foi abruptamente interrompida, pela responsabilidade de ter sido quem dirigiu o inquérito como imperativo de quem há muito vem dedicando toda a sua atenção ao problema, como lavrador que sou e médico rural que fui, entendi que não devia terminar o meu mandato nesta Assembleia sem chamar a atenção do Governo para essa campanha fácil, de êxito assegurado, pouco dispendiosa, para a extinção de uma doença de há muito desaparecida dos quadros nosológicos de outros países.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa ao condicionamento das indústrias.
Tem a palavra o Sr. Deputado Botelho Moniz.
O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: quase ao final da sua equilibrada e notabilíssima oração, o nosso colega engenheiro Magalhães Ramalho pronunciou estas palavras optimistas, que espero sejam proféticas:
Oxalá que, através de maiores facilidades de crédito e duma política fiscal mais justa - que saiba compreender e estimular o emprego dos capitais e seus rendimentos nos empreendimentos socialmente mais úteis -, o ano de 1952 venha a ficar assinalado na história da Revolução Nacional como o início de um novo período em que mais fortemente se procuraram valorizar todas as fontes de produção imperial, inclusive, portanto, a nossa indústria, tão incompreendida ainda, infelizmente, por muitos, nos seus problemas, nas suas possibilidades e nos rumos do seu destino ...
Sinceramente acredito que a proposta de lei em discussão contribuirá para valorizar a indústria portuguesa, para a libertar de peias burocráticas, para simplificar o acesso a melhores processos técnicos e, principalmente, para permitir o desenvolvimento da iniciativa privada, quero dizer, a selecção (Los empreendimentos mais aptos, social e económicamente preferíveis.
Bem haja, por ela e pelos seus intuitos, o ilustre Ministro da Economia, Dr. Ulisses Cortês.
Perante o problema do condicionamento industrial, acho-me em posição curiosa: partidário da livre concorrência, serei acusado de, por meio dela, pretender, em beneficio de grandes agrupamentos fabris, a eliminação dos concorrentes frágeis. Se defender a continua-
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ção daquele condicionamento - considerado justamente excessivo -, dir-me-ão que, como quase todos os já instalados, procuro viver comodamente, liberto de lutas industriais, defendido pela barreira intransponível das corporações fechadas, dessa barreira nefasta e odiosa que impede o acesso aos novos e lhes fecha as portas do futuro.
Preso por ter cão e preso por não o ter. Ou a história do rapaz, do velho e do burro. O rapaz sou eu. Os outros figurantes ficam à escolha de VV. Ex.ªs
Perigos da limitação de concorrência:
Como resposta, permitir-me-ei repetir aqui a narrativa feita por mim numa das últimas reuniões da Comissão de Economia. Trata-se de lição recebida há anos e nunca mais esquecida.
O caso passou-se na América:
Uma grande organização industrial recebeu a noticia de que poderia adquirir, em condições favoráveis, a única empresa concorrente importante. O chefe supremo reuniu os seus colaboradores directos a fim de conhecer a opinião de cada um em relação ao projecto de compra.
Todos concluíram pela vantagem do negócio. O director técnico alegou que poderiam aproveitar-se boas patentes usufruídas pela sociedade em venda. O chefe da contabilidade demonstrou quanto se economizaria, quer em gastos gerais, quer noutros campos, através da concentração industrial. O director dos serviços comerciais encantou-se com a facilidade de trabalho dos seus agentes e revendedores e descreveu, entusiasmado, os méritos da operação sob o ponto de vista dos novos lucros a obter.
O velho chefe supremo, arguto, experiente e habituado às lutas pela vida, ouviu-os com sorriso amarelo. E, ao final, justificou assim a sua decisão:
- Vocês querem viver comodamente. Sem serem obrigados a pensar, a estudar novos métodos, a travar novas batalhas, a progredir constantemente sob pena de serem vencidos. Não me serve o negócio. Perderíamos em aptidão mais do que lucraríamos em dinheiro.
Eis a mentalidade verdadeiramente criadora. Eis a forja onde se temperam os bons dirigentes fabris. Confiam em si próprios, em vez de pedirem muletas oficiais. Podem sofrer crises graves e atravessar momentos de desânimo. Raramente são vencidos e derrubados - quando sabem pensar por si próprios, decidir por si próprios, trabalhar por si próprios - lutar com energia, com fé, com saber e com amor pelas suas realizações.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ao pronunciar estas palavras, não me deixo mover por aquele liberalismo emocional a que se referiu o nosso ilustre colega engenheiro Magalhães Ramalho. Existe em mim, cada vez mais arreigada, grande dose de liberalismo raciocinado, fruto de estudos doutrinários comparativos, de observações da vida prática e de uma experiência económica que - mal de mim! - cada dia vai a tornar-se mais velha.
Entretanto, descansem os adeptos do condicionamento: por agora é liberalismo inofensivo.
A espécie humana peca por orgulho desmedido. O homem acha-se em revolta franca contra muitas das leis da natureza. Nega, por exemplo, a necessidade da selecção natural. Caridosamente, trava-a quanto pode, protegendo os mais fracos e os menos aptos. Que isto se pratique nas Misericórdias, nos hospitais, nos asilos, nas escolas, na legislação de assistência social - óptimo.
Mas se se fizer da indústria um grande asilo, se a própria sociedade humana se condenar à inércia das iniciativas, à insuficiência técnica de produção e ao nível baixo de vida por não ousar sacrificar alguns ao benefício geral - acabaremos por ser conduzidos a consequências desastrosas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Condicionamento: mal necessário. Na época perturbada que internacionalmente vivemos, admito o condicionamento fabril, mas apenas como remédio amargo e perigoso, tomado em doses mínimas e por períodos muito limitados. Isso me leva a votar a proposta governamental, cujo espírito de liberalização é digno de louvor.
Ao fazê-lo nem atraiçoo os grandes princípios corporativos nem me torno cúmplice de flutuações inoportunas da orientação administrativa.
Condicionamento e corporativismo:
Quanto ao corporativismo, não devemos confundi-lo com condicionamento industrial.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - São coisas absolutamente distintas, que podem ou não coexistir.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O condicionamento restringe-se a certas indústrias basilares e limita-se ou pode limitar-se unicamente à instalação nova, às transferências de local ou de propriedade ou à transformação ou substituição de maquinaria de certas espécies de unidades fabris.
A corporação reúne e organiza todas as actividades afins, económicas ou não, na defesa dos legítimos interesses comuns.
Se for corporação fechada, que dificulte ou impeça o acesso dos novos, cairá no pluripólio, que originou a Revolução Francesa. O progresso económico e social torna-o hoje ainda mais perigoso que em 1789. Terá contra si o ódio e a revolta dos excluídos. Será uma espécie de fruto proibido que tentará todos aqueles que ainda lhe desconhecem o amargor.
Para tranquilidade pública, em matéria de corporações e de condicionamento julgo preferível deixar a porta aberta aos novos. Permitirá que se convençam à sua própria custa de que a indústria e o comércio não são fontes permanentes de lucro. Far-lhes-á aprender que ambas as actividades, pura serem produtivas, necessitam não só de capital mas também de saber, aptidão, trabalho directivo e persistência.
Grande parte das queixas e das críticas acerbas que nos últimos anos se apresentaram contra o Estado Corporativo partiu da confusão existente entre condicionamento industrial e corporações. Outras foram originadas também no facto de determinados grémios obrigatórios haverem funcionado durante muito tempo como corporações fechadas.
As soluções reais do problema industrial:
A meu ver, a crise fabril não se resolve pelo condicionamento. De que serve condicionar a indústria metropolitana se não se condicionar a ultramarina?
Que contra-senso se comete limitando, directa ou indirectamente, a produção nacional, ao mesmo tempo que se abrem as portas das alfândegas a todos os produtos estrangeiros europeus, na tentativa de nos pagarmos de créditos internacionais mal parados?
De que serviu proclamarmos a necessidade de produzir mais e melhor se as emergências da União Europeia de Pagamentos nos forçam, simultaneamente, a sus-
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pender as exportações e a dar incremento à importação maciça do estrangeiro?
Porque se fala tanto em capacidade de produção se não existe, se não só cria capacidade comercial, interna e externa, de colocação dos produtos?
Estará errado todo o condicionamento que não atender, além da capacidade produtiva, à arte - que é também ciência - de vender as mercadorias fabricadas. Erro crasso o, de não se considerarem a qualidade, o preço, as condições de crédito e os processos de venda que beneficiem o comprador. Basear o condicionamento unicamente na existência de certo número de máquinas é desconhecer o valor dos homens que dirigem o trabalho dessas máquinas, é nivelar por baixo, é igualar o bom e o mau, o útil e p inútil, ò inerte e o progressivo, o hábil e o inábil. É, em suma, conceder a tranquilidade ao parasita.
Não, não e não!
O problema da indústria portuguesa não se resolverá pela limitação ou pela asfixia das actividades novas.
Animemo-nos de coragem para combater. Isso nos preocupemos demasiadamente com as baixas que houver na batalha. E lancemo-nos à conquista de mercados novos, internos e externos. Criemos as condições de vida convenientes aos aumentos de consumo metropolitano e ultramarino. Batamos o estrangeiro com as mesmas armas que ele emprega contra nós. Não necessitamos apenas de saber ser industriais. Teremos, talvez principalmente, de ser comerciantes e banqueiros. É graças ao manejo hábil, rápido e oportuno das compensações, dos cambiais, das arbitragens de moeda, etc., que as exportações se realizam e se obtém as divisas mais adequadas. Ai de nós se não soubermos ser comerciantes e banqueiros numa luta internacional onde os próprios estados não hesitam em patrocinar artifícios e habilidades próprios de oportunistas de «mercado negro».
Para conquistar mercados, internos e externos, é indispensável baratear a produção.
Para baratear a produção necessitamos, pelo menos, das condições seguintes:
1.ª Bons processos técnicos, industriais, comerciais e bancários;
2.ª Força motriz a baixo preço;
3.ª Matérias-primas suficientes a cotações de concorrência ;
4.ª Dinheiro barato;
5.ª Laboração a plena capacidade e consequente tendência para a concentração fabril, quando conveniente;
6.ª Atenuação dos encargos fiscais.
Salvo excepções pouco numerosas, nenhuma destas condições se acha realizada nas indústrias nacionais. E o conjunto dos seis elementos apontados é coisa que não existe nem nunca existiu.
Apoio entusiasticamente, no que respeita à condição 1.ª, quanto a processos técnicos das indústrias, a proposta do nosso colega engenheiro Magalhães Ramalho para que seja criado o Laboratório de Engenharia Industrial. Mas não basta. É preciso também que a actual Comissão de Coordenação Económica, que tão bons serviços vem prestando, se transforme (permita-se-me linguagem expressiva) em laboratório de habilidades comerciais, para estudo dos problemas de colocação internacional dos produtos portugueses; que o Governo e a banca ponham os olhos no que se passa em Amsterdão, em Zurique, em Tânger e em Nova Iorque, e que se defendam os mercados internos, mas sem barreiras aduaneiras excessivas.
No que se refere à condição 2.ª, neste país, em que a hulha branca tem de ser a principal fonte de energia, cabe ao Governo realizar política revolucionária: facultar às centrais hidroeléctricas, sem encargos de juros, os capitais necessários à amortização das instalações, de forma a permitir-lhes o fornecimento de electricidade às indústrias a tarifas idênticas às correntes no estrangeiro.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Como fazer, electroquímica, ou mover grandes unidades, pagando o kWh entre, duas a dez vezes o preço internacional?
No que toca à condição 3.ª (facilidade de obtenção de matérias-primas), abandono da tributação imposta ainda actualmente ao ultramar de fornecer à metrópole matérias-primas a cotações inferiores às mundiais. E, simultaneamente, resposta firme aos países que, para colocarem os seus produtos manufacturados, nos negam os meios de os fabricarmos economicamente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quanto à condição 4.ª (dinheiro barato), não se suponha que pretendo a inflação. Quero, sim, que as indústrias basilares não sejam forçadas a onerar toda a produção nacional, que delas depende, porque a banca oficial, ainda mais cara que a privada, lhes exige juros do 4 por cento.
Relativamente à condição 5.ª (laboração a plena capacidade), recordo que o condicionamento industrial, tal como está sendo executado, criou a igualdade na miséria: indústrias que funcionam a um quarto, ou a um terço, do seu rendimento fabril constituem verdadeiro cancro na vida económica nacional. Sofre o fabricante e sofre o consumidor.
Quanto a algumas, não me falem no espantalho do desemprego, porque se acham fortemente mecanizadas. Para as restantes, também não seria difícil encontrar remédio a prazo curto, porque há numerosas fábricas novas que vão entrar em laboração e há muito a fazer noutros ramos industriais a criar.
Finalmente, no relativo à condição 6.ª (política fiscal), adopto a solução que julgo estar implícita nas palavras do ilustre Deputado Magalhães Ramalho com que abri os meus comentários. Nas indústrias-base, como tal definidas oficialmente, a contribuição deve ser suavizada, para que as fábricas subsidiárias possam beneficiar dessa suavização.
O emprego dos rendimentos das indústrias-base em novos investimentos fabris, classificados úteis, deve ser premiado com isenções fiscais semelhantes às que o Estado inteligentemente adoptou em relação aos lucros considerados de guerra.
Quem ouvisse desatento estas considerações poderia arguir-me de me afastar do problema do condicionamento industrial. Não teria razão.
Na verdade, pretendi demonstrar que para a indústria portuguesa existem outras condições de vida muito mais importantes. E julgo que bastariam para a libertar dum intervencionismo pormenorizado, que sòmente serve de peia, sem constituir remédio útil, quer para o fabricante quer para o consumidor.
No estado actual do Mundo, ninguém pode evitar o dirigismo. Mas deve desejar-se que ele apenas funcione em planos superiores, sem entrar nos detalhes que confundem, demoram, complicam e atiram para cima do Estado funções que não devem pertencer-lhe, sob pena, de se corromper, de se hipertrofiar e de provocar desagrado geral.
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Repare-se, ainda, que, em matéria ide condicionamento, ao enunciar a condição 3.ª (laboração a plena capacidade), apesar de liberal, fui intuito móis além que os adeptos fervorosos do sistema que até agora «aqui se pronunciaram. Porquê? Porque, em vez de atender u interesses individuais ou ao benefício particular, sou guiado pelo conceito de utilidade social. Entendo que certo número de unidades fabris, naturalmente as pior apetrechadas ou situadas, deveria ficar colocado em reserva, trabalhando apenas as restantes. Claro está que os seus proprietários seriam indemnizados ou interessados nas unidades que ficassem trabalhando.
A execução do condicionamento não tem oferecido garantias de segurança:
Passo agora a abordar outro aspecto da questão. Pode enunciar-se desta forma: o condicionamento industrial, conforme tem sido executado entre nós, merece a defesa calorosa que ouvimos apresentar ao nosso querido colega engenheiro Calheiros Lopes?
Por outras palavras: tem ultimamente existido, com continuidade e segurança, verdadeiro condicionamento industrial em determinados ramos fabris onde se dizia, existir ou onde era ainda indispensável como remédio transitório?
Utilizemos nova maneira de perguntar: as flutuações de critério, de que é injustamente censurada a proposta de lei, não teriam sido anteriores a ela e não teriam demonstrado assim a necessidade de legislação nova?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Respondo: o condicionamento industrial, na forma como estava sendo executado, não merece defesa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não existia continuidade nem segurança para a indústria na sua aplicação.
Foram tais as flutuações de critério, anteriores à proposta de lei, que esta se tornou indispensável para prestígio do Estado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Apontemos alguns exemplos daquela carência de continuidade e de segurança:
A indústria de moagem; de farinhas espoadas vivia em estado de concorrência caótica, sem vantagem para ninguém. Instituída a Federação Nacional dos Industriais de Moagem, a brilhante acção organizadora do seu notável presidente, Albano de Sousa, e o espírito de compreensão dos associados forneceram-nos o primeiro bom exemplo de corporativismo e auxiliaram grandemente o Estado na resolução de numerosos problemas, que vão desde a mais fácil colocação dos trigos nacionais até à aquisição de exóticos e realização de receitas importantes para o Fundo de Abastecimento, que tem garantido à lavoura os bónvs de adubos do Ministério da Economia.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Apesar de haver melhorado de situação comparativamente a passado já remoto, a moagem de farinhas espoadas está hoje pagando caro o condicionamento industrial.
Realizou-se o sacrifício pesadíssimo de imobilizar e amortizar algumas unidades, mas nem assim conseguiu trabalhar a pleno rendimento.
Acha-se, praticamente, a um terço da capacidade. E queixa-se, com amarga justiça, de que a taxa de moagem é insuficiente.
Pois bem: como se isto não bastasse como regime de insegurança e arrelia, a liberalização recente das moagens reduziu fortemente o fabrico de espoadas, aliás com prejuízo do rendimento em farinhas e das compensações a entregar para o Fundo de Abastecimento.
Outro exemplo - este típico, como os restaurantes do Bairro Alto, e saboroso, como os pitéus regionais:
Um fabricante de sabão, que designarei pelas letras S. L., enviou a alguns Sr. Deputados - nanja a mim - uma representação, datada de 15 do corrente, em que diz que a capacidade de produção de sabão é cinco vezes, superior ao consumo e «protesta contra deficiências, de condicionamento na sua, indústria. Pede que a sua quota de laboração seja aumentada, em detrimento dos concorrentes. Abstrai do valor comercial que estes adquiriram à custa, de sacrifícios e privações durante anos, em que outras fábricas, como a de S. L., encerraram voluntariamente.
Fui procurar elementos à fonte mais autorizada, para averiguar da veracidade das alegações.
Ei-los:
Escreve-me o Sr. Joaquim Duarte Simões, gerente da importante firma Macedo & Coelho, Lda., e vogal representante dos industriais de sabões na Comissão Reguladora das Oleaginosas e Óleos Vegetais:
Lisboa, 17 de Janeiro de 1952. - Meu caro Botelho Moniz. - A carta da firma Syder, Lda., cuja cópia me enviou, é, evidentemente, uma habilidade para aproveitar a confusão que parece existir nas ideias dos Srs. Deputados sobre o condicionamento industrial.
Não tem qualquer fundamento, porque as quotas não foram estabelecidas apenas em função das capacidades de produção das fábricas. Entraram no seu cálculo outros factores: o volume das vendas e as contribuições pagas nos anos anteriores, o número de operários, o capital invertido, etc. (vide inquérito feito pelo delegado do Ministério do Comércio e Indústria de 3 de Julho de 1939).
E nem podia ser de outra forma, visto que as quotas definem a proporcionalidade do valor das fábricas em relação às necessidades da economia nacional e fixam nessa proporção a medida em que a cada uma compete satisfazê-las.
Ora o valor das fábricas em relação à economia não pode ser medido apenas pela sua capacidade de produção, visto que essa capacidade só é útil quando activa.
Naquela data da fixação das quotas havia fábricas que trabalharam sempre, desempenhando a sua função com continuidade, e outras que estavam paradas ou só trabalhavam intermitentemente.
Se considerarmos duas fábricas, com a mesma capacidade de produção, uma tendo trabalhado intermitentemente, só nas épocas favoráveis, outra trabalhando sempre, em todas as circunstâncias, é evidente que não se lhes podia artibuir a mesma quota, porque não representam, realmemte, o mesmo valor para a economia nacional. Enquanto uma era um valor efectivo da produção, com que o País podia contar em todas as emergências, a outra era um elemento parasitário, trabalhando só quando o trabalho não oferecia, riscos, e com o qual o País não podia contar nas épocas difíceis.
Havia, então, dezasseis fábricas que trabalhavam permanentemente e trinta e duas que só trabalhavam intermitentemente. A da firma Syder, Lda., pertencia ao segundo grupo.
Não tem, portanto, qualquer razão e não é legítimo pretender, como muitas outras têm preten-
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dido, que se lhe dê, graciosamente e sem riscos, o que não foram capazes de conseguir por ai próprios, quando em liberdade económica o podiam ter feito.
lato, porém, não significa que a fixação das quotas tivesse sido um trabalho perfeito. Não foi.
Cometeram-se algumas injustiças e há quem tenha razão de queixa, mas não a firma Syder, Lda., porque não tinha posição que a justifique e porque já conseguiu uma autorização que lhe concede uma quota de fabrico superior a qualquer das maiores fábricas do País, o que, à face do condicionalismo vigente (condicionamento, situação criada às outras fábricas, etc.), constitui um dos muitos e grandes erros que se tom cometido na orientação desta indústria.
Se pretende maior quota, porque não utiliza a citada autorização, que a tornaria a maior fábrica do País?
Cita ainda o Decreto n.º 36.443, com duas passagens que se vê claramente serem destinadas a impressionar a sensibilidade dos ilustres Deputados a quem foram dirigidas. Uma diz: «O condicionamento ... não serve para defesa injustificada de posições exclusivistas que beneficiam unicamente alguns»; a outra fala na violação do Estatuto do Trabalho Nacional e da Constituição.
A primeira é nitidamente o espectro do monopólio que se apresenta para arrepiar os seus ilustres colegas. Tranquilize-os, dizendo-lhes que já foram concedidas mais de vinte autorizações (não tenho presente o número certo) para novas fábricas, incluindo unia à própria firma Syder, Lda. Onde está, portanto, o exclusivismo?
A outra - a violação da Constituição- não os deve ter impressionado menos. Sossegue-os, explicando-lhes os motivos por que muitas fábricas tiveram de parar a sua laboração, que, como o meu amigo sabe, são muito diferentes dos insinuados.
Se quiser, pode também dizer-lhes que o mesmo decreto que Syder, Lda., cita diz claramente que uma das condições a ter em conta para a execução do condicionamento é a importância das fábricas perante a economia nacional.
De resto, a situação em que a indústria se encontra neste momento não permite que se perca tempo com a revisão de quotas ou quaisquer outros detalhes de valor secundário, porque há problemas importantes que exigem solução urgente, como sejam o abastecimento das matérias-primas e as condições de trabalho das fábricas. Para esses e que temos de insistir pela atenção de quem de direito os pode resolver, porque são problemas de interesse nacional.
A revisão das quotas, interessando apenas a alguns, não afecta em nada a economia da Nação e pode aguardar melhor oportunidade.
É o que se me oferece dizer-lhe sobre o assunto com a brevidade que deseja.
Um abraço do amigo muito obrigado. - J. D. Simões.
Assim, verificam-se duas coisas espantosas:
1.ª Que esse fabricante, que pede aumento de quota, nem sequer consegue vender as quantidades de sabão que o condicionamento actual lhe permitiria fabricar;
2.ª Que a mesma firma, tão ciosa do condicionamento em seu benefício, entende que as restantes fábricas não são dignas de direitos iguais. E assim requereu, e por despacho de 9 de Janeiro de 1948 foi-lhe autorizada, a substituição da sua instalação actual de saboaria por uma de fabrico contínuo de 50 toneladas diárias. Foi-lhe concedido o prazo de vinte e quatro meses para efectuar a construção.
Significa isto que o Estado, em pleno regime de condicionamento da indústria de sabões, que possui capacidade de produção cinco vezes superior ao consumo, concedeu a um dos mais pequenos industriais existentes, em prejuízo de algumas dezenas de outros e sem beneficio para a economia geral, autorização para montar nova fábrica com capacidade diária, de 50 toneladas, correspondente a 600:000 caixas de 30 quilogramas, por ano, ou seja, nada mais, nada menos, que metade do consumo normal da metrópole.
Metade para um, a outra metade para toda a indústria já existente.
Mas, como se isto não bastasse, a firma Syder, Lda., ao fim do prazo de vinte e quatro meses ... não instalou a fábrica, demonstrando assim a sua ineptidão. Pois muito bem: logo em 18 de Abril de 1900 foi-lhe concedida prorrogação de prazo, por mais vinte e quatro meses. Os requerimentos doutros industriais que pretendiam igual transformação foram indeferidos.
Quem não queira acreditar leia o Diário do Governo n.º 148, 3.ª série, de 28 de Junho de 1950.
Esta espécie de condicionamento de funil, que vigora em beneficio duns e em prejuízo doutros, deste condicionamento que não é igual para todos, e que só serve para encarecer os produtos, torna-se muito mais prejudicial à indústria e ao consumidor que a livre concorrência.
Conseguir uma excepção ao condicionamento, uma entrada de favor, é coisa tentadora, porque a indústria continua condicionada, e o recém-chegado, a partir da sua própria instalação, move as mesmas influências com que furou o condicionamento para tapar a entrada a outrem, isto é, para evitar novos furos. Acho bem que se abra a porta a todos. Protesto que se abra a um e logo a seguir se feche a sete chaves para os restantes, incluindo os que já eram industriais mais antigos e melhor apetrechados.
Em regime de liberdade de instalação e de consumo saturado aparecem sempre menos candidatos, porque nem o negócio é julgado tentador, nem existem probabilidades de se fazer chantagem com alvarás.
Ainda outro exemplo:
Acerca da base VI da proposta governamental e das suas justas disposições, relativas à isenção de condicionamento dos estabelecimentos complementares da exploração agrícola, está a travar-se peleja rija entre alguns industriais e alguns lavradores.
Merece a pena? De que serviu o condicionamento da indústria de descasque de arroz se, ainda recentemente, apesar de também haver excesso de capacidade produtiva, foram concedidas duas novas autorizações de instalação?
Muitos outros exemplos poderiam ser citados. Estes bastam para demonstrar ineficácia da execução do condicionamento e a incerteza, insegurança e injustiça dela resultantes.
Na sua ânsia de realizar a felicidade alheia, o homem não descansa. Mas, às vezes, os remédios tornam-se infelizmente inaproveitáveis, porque os problemas são vistos muito de longe, muito do alto. Para amenizar, contarei outra história simbólica.
Um Estado todo poderoso, que já havia feito tudo pelos homens, decidiu proteger também os bichos contra as agruras da vida e os malefícios da selecção natural. Como nas épocas de neve os animaizinhos e animaizões da fauna nacional não tinham facilidade de obter alimentação nos pastos que habitualmente frequentavam, o Es-
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tado-Messias decidiu enviar-lhes socorros por avião. Na sua missão generosa, o piloto ia perscrutando a vastidão gelada e deserta, em busca de bichos necessitados. E acabou por descobrir um bando deles, grandes e muito peludos, a caminhar pesadamente pela solidão nevada.
- São ursos, pensou.
E atirou-lhes do avião, lá do alto, muito do alto, donde tinha visão de conjunto, um grande fardo de feno.
Primeiro simbolismo: o fardo pesado do Estado caiu em cima de um dos beneficiados. O pobre bicharoco estatelou-se no chão, tornou, a levantai-se, estrebuchou, e acabou por morrer. Os outros, em vez de fugirem, puseram-se a olhar para as nuvens, donde esperavam suposto maná celestial. Todavia, em vez de agradecerem, começaram a fazer gestos esquisitos. O avião baixou, o piloto pôde então mirá-los de perto e ver com surpresa que, em lugar de ursos, eram homens vestidos de peles, para se abrigarem do frio. Nem só de abafos vive o homem. Haviam sido imprevidentes quanto a reservas de alimentação. Estavam esfomeados, esperando auxílio de outrem! E tiveram de comer o feno do Estado protector.
Moralidade «del cuento»: há benefícios que são mortais, outros contraproducentes, outros que erram o alvo. E quem não quer ser urso não lhe vista a pele.
Quando o Estado força e activa o lançamento de empreendimentos fabris - cabe-lhe resolver as dificuldades e emendar os erros.
Mas quem, no exagero da iniciativa privada, criou excessos de instalações fabris, não apele para o Estado. Lute, pense, decida, trabalhe por si próprio, com perseverança e espírito de previdência - qualidades que nos distinguem dos ursos, dos leões o dos macacos.
Convém que nos habituemos a resolver os nossos próprios problemas sem auxilio dos Estados-Messias e dos manás celestiais.
A base VI da proposta:
Por isso mesmo encaro com simpatia profunda os esforços da lavoura para que sejam isentos do condicionamento os estabelecimentos complementares da exploração agrícola. Não me interessa saber onde estão os automóveis mais potentes e mais brilhantes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Oxalá possam existir, em grande número, em poder de industriais e lavradores, porque constituem índice de riqueza. É com riqueza, e não com invejas, que havemos de construir o futuro de Portugal.
Interessa-me, sim, o direito incontestável de preferência que deve ser concedido ao produtor de uma matéria-prima, para a melhorar industrialmente, em complemento das instalações que possui.
Interessa-me também que se assegure maior número de dias de trabalho ao operário rural, evitando-lhe quanto possível desemprego periódico, má remuneração média, deslocações no interior do País, abandono dos campos pelas cidades e emigração para o estrangeiro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Interessa-me, ainda, que não se criem situações de desigualdade entre grandes e pequenos lavradores quanto ao aproveitamento industrial dos produtos agrícolas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A exclusão dos benefícios da base VI das associações de lavradores não seria lógica nem moral.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ou todos, ou nenhuns.
Por coerência, o parecer da- Câmara Corporativa, favorável ao condicionamento, deveria aplicá-lo também aos agricultores isolados. Visto que não o fez, e achou preferível admitir a excepção para uns, há que aceitá-la para os outros, os mais pequenos, aqueles que só na associação, na cooperativa, podem encontrar defesa contra conluios de compradores dos produtos agrícolas.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Proença Duarte: - Mas sem a restrição da base III. Se esta base for aprovada como está, se todas as actividades organizadas corporativamente ficarem sujeitas ao condicionamento industrial, implicitamente todas as indústrias agrícolas que pertencem a actividades organizadas corporativamente ficam sujeitas a esse condicionamento. Isto segundo o parecer da Câmara Corporativa.
O Orador: - Mas não da proposta do Governo. Julgo que a Câmara Corporativa se limitou a aceitar uma disposição já existente.
O Sr. Proença Duarte: - Aí é que está o mal.
O Sr. Melo Machado: - Mas nós não somos obrigados a aceitar o parecer da Câmara Corporativa.
O Orador: - Contra estes justos princípios de complemento das explorações agrícolas e maior resistência na luta pela vida apresentou-se o argumento solene da necessidade de «diferenciação das actividades».
«Diferenciação das actividades» -palavrões sonoros, sem significado prático aplicável ao caso. Por que motivo um industrial não poderá dedicar-se também à agricultura, ou um lavrador deixar-se tentar pela miragem da indústria? Que impedimentos legais existem? Que inconvenientes técnicos ou económicos? Se o exercício de uma actividade fabril constituir erro, deixemos ao lavrador o direito de se convencer pela sua própria experiência. É menos perigosa para a segurança pública a perda de uns patacos em tentativas falhadas que o estado de rebeldia ou de descrença gerado pelas proibições violentas.
Mas não tenham os industriais receio da concorrência excessiva dos lavradores. Estes são homens prudentes, cautelosos, que dão valor ao dinheiro, que se habituaram a poupá-lo e a defendê-lo. Vivem quase constantemente em dificuldades, ora de maus preços ora de produções fracas.
Finalmente, porque amam a terra sobre todas as coisas, mal lhes chegam os capitais para a adquirir e a valorizar.
Aqueles que teimam em considerar erro isentar a lavoura dos malefícios do condicionamento direi que os consumos evoluem e os supostos erros de hoje são, frequentemente, as grandes verdades de amanhã. Não se olhe a solução do problema como vitória da agricultura sobre a indústria. Encare-se à luz mais alta da necessidade de transigência e de colaboração, a bem da harmonia nacional e dos interesses da maioria da população portuguesa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A formação integral das corporações e a oportunidade da proposta de lei:
Respondendo a algumas objecções aqui apresentadas por oradores que me precederam, direi que urgia resolver o problema do condicionamento e não era aconse-
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lhável, nem necessário, que fossem as corporações a decidir sobre tal matéria.
Não há dúvida de que a orgânica primária e secundária está ainda incompleta. Mas existe, funcionando a pleno rendimento, a mais alta expressão do sistema: chama-se Câmara Corporativa. Os Dignos Procuradores emitiram, com a proficiência de sempre, o seu douto parecer. Por definição constitucional, a Câmara Corporativa estuda e aconselha. Cabe à Assembleia Nacional decidir.
Um professor ilustrado, que nos honra com a sua presença entre nós. esquecido deste preceito constitucional, afirmou aqui que o nosso corporativismo era de papel ou de papelão porque ainda lhe faltavam as corporações.
Em rigor, só algumas faltam. Mas, existissem ou não existissem, enquanto a Constituição não fosse modificada, sempre a decisão pertenceria ao Poder Legislativo - Assembleia Nacional ou Governo -, e nunca às corporações. E bom é que assim aconteça; bom é que acima das corporações exista ò árbitro político, representante integral dos interesses nacionais, para que fique melhor assegurada a imparcialidade das resoluções.
Humanamente, naturalmente, a corporação, mesmo no grau mais alto da função corporativa, pode ser orientada pelo espírito de classe.
Por isso, apesar dos admiradores de Mainolesco, acho bem que a Casa dos Vinte e Quatro seja hoje a Casa dos Vinte e Cinco ...
Finalmente, graças a Deus, o último capítulo:
Nova fórmula de execução do condicionamento:
Apoiando quase inteiramente as notáveis conclusões do Sr. Deputado Magalhães Ramalho, trago-lhe aqui a confirmação pública do aplauso que já lhe manifestei nas sessões da Comissão de Economia, acerca da sua sugestão de que se limite o período de validade do condicionamento.
A fórmula que eu desejaria parece-me, entretanto, mais viável e segura:
a) Estabelecimento do principio de fixação de prazos mínimos (função de amortização das instalações) e de prazos máximos para duração do condicionamento legal de cada ramo industrial, com especificação das características técnicas mínimas das respectivas unidades fabris;
b) Proibição formal da concessão de alvarás durante o prazo mínimo, salvo quando viesse a demonstrar-se que a indústria instalada era insuficiente em capacidade, deficiente em processos técnicos ou em qualidade e preço dos produtos e inapta a melhorar as condições de produção;
c) Possibilidade de revisão do condicionamento de todo o ramo industrial e de instalação de novas unidades, a partir da terminação do prazo mínimo;
d) Obrigatoriedade de revisão do condicionamento de todo o ramo industrial e de deferimento de instalação de novas unidades consideradas úteis na data de terminação do prazo máximo.
Depois de meditar sobre o assunto, prefiro esta modalidade a limitação do prazo de validade de cada alvará, por esta se prestar a insegurança e atropelos. Mas admito perfeitamente que, como punição por falta de cumprimento das obrigações legalmente determinadas e em consequência de julgamento ria jurisdição competente, se proceda à anulação do alvará de uma unidade fabril, mesmo antes de terminar o prazo mínimo de condicionamento.
Creio que esta fórmula dará melhor satisfação aos partidários do condicionamento que o regime actual, ou o da proposta em discussão, por assegurar direitos que hoje não existem. Em boa verdade, o condicionamento acha-se sempre à mercê do critério pessoal ou do poder discricionário do Ministro.
A existência de prazo máximo de duração do condicionamento asseguraria aos candidatos a industriais o direito, que hoje não possuem nas indústrias condicionadas, de, oportunamente, entrarem por si próprios e de cabeça erguida na actividade industrial, em vez de o conseguirem, sub-repticiamente, através de protecções e medidas, de excepção.
A experiência tem demonstrado que sem existência clara e insofismável de um prazo mínimo de duração do condicionamento não haverá forças que resistam à persistência das tentativas de invasão do território condicionado.
E a mesma experiência demonstrou também que, uma vez instalados, os invasores passam ser os adeptos mais enérgicos do condicionamento que eles próprios criticavam asperamente.
Necessitamos:
Lei clara, lei igual para todos, lei que não possa sofismar-se, lei que prestigie a Administração, lei que seja fácil de executar e não feche definitivamente as portas às futuras aspirações justas dos candidatos a industriais.
Mas lei que aplique o condicionamento ao menor número possível de ramos industriais, ficando estes claramente definidos. Lei que, por isso mesmo, deixe toda a liberdade, compatível com as circunstâncias, à iniciativa privada.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Manuel Maria Vaz: - Sr. Presidente: de uma maneira geral, a proposta do Governo merece a minha concordância.
O parecer da Câmara Corporativa, aliás doutamente redigido, preocupou-se quase exclusivamente com o aspecto teórico e puramente doutrinário da questão.
E antes de o analisar detidamente, logo à primeira vista afigurou-se-lhe a desnecessidade de novos preceitos legislativos para realizar com urgência e fidelidade o que é lei do País e pensamento do Governo há tanto tempo, segundo as suas próprias expressões.
Daqui se conclui que, segundo o pensar da Câmara Corporativa, há coisas a realizar com urgência, há coisas u realizar com fidelidade, há coisas que estão há muito no pensamento do Governo.
Quanto a estas, suponho eu, ingenuamente talvez, que a entidade mais idónea para julgar se a lei antiga, isto é, a Lei n.º 1:956, é ou não o instrumento mais adequado aos seus propósitos, à realização do seu pensamento, é o próprio Governo.
Ele é que sabe o que quer, ele é que sabe o que pretende, melhor do que ninguém, melhor do que a Câmara Corporativa.
E nestas condições e por essa mesma razão é a ele que compete equipar-se com a ferramenta que julgar indispensável para a boa execução do trabalho que traz na mente.
Ora ele deve ter pesado todas estas circunstâncias e concluído pela insuficiência, total ou parcial, da Lei n.º 1:956.
Uma vez que ele optou pela solução de substituir esta lei por outra da sua iniciativa, é lógico concluir que ele julgou a lei actual sem a virtualidade precisa para realizar a obra que projecta.
Suponho, Sr. Presidente, ser esta conclusão de uma evidência cristalina e com ela estou absolutamente de
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acordo. A Lei n.º 1:956 já não satisfaz. É um estorvo ao desenvolvimento normal da economia da Nação.
Uma lei será boa ou será má consoante forem bons ou maus os resultados da sim execução.
A árvore só se conhece pelos frutos que dá, diz o povo, e com razão.
Uma lei pode ser em teoria admiravelmente concebida e como doutrina primorosamente redigida, mas se na execução não concretiza em factos os objectivos que com a sua publicação se pretenderam atingir, o admirável da concepção e a pureza da doutrina não a salvam de se considerar como abortada.
A árvore teria florido em esperanças, mas os frutos tombaram de pecos.
Ora a verdade dos factos, focada com serena imparcialidade, leva-nos à conclusão de que a Lei n.º 1:956 não correspondeu inteiramente ao que dela se esperava. Daí a necessidade de a substituir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para o demonstrar ponhamos, como fez a Câmara Corporativa, a questão dos princípios informadores da lei, tão miúdamente analisados no seu muito douto parecer, o que passo a fazer resumidamente, para não me alongar em demasia.
Estamos num regime de economia dirigida. Seguimos neste «ponto a tendência geral da época, ante o fracasso do liberalismo económico, que se mostrou incapaz de restaurar o equilíbrio da vida económica dos povos, arrasada, destruída pela devastação dos dois últimos conflitos mundiais e apavorada ante as perspectivas de unia próxima convulsão, mais devastadora ainda.
Estamos ainda, como em 1934 já afirmava o Sr. Presidente do Conselho, no «limiar de unia nova época ... aurora de um novo dia».
A par das dificuldades de natureza puramente económica, surgiu, com não menor ímpeto, o problema social.
As massas operárias, do chamado «proletariado», começaram a ter a nítida consciência do seu valor numérico e, consequentemente, da força que esse número lhes dava; começaram a ter a consciência do seu valor humano, que o liberalismo económico lhes negava, como hoje anais rudemente lho nega o colectivismo russo.
Com uma diferença apenas:
O primeiro, em regra, só por coacção lhes fazia concessões.
O segundo, promete-lhas todas, som na prática lhes conceder nenhumas.
O fenómeno social pesa hoje e consideravelmente na vida dos povos em todo o Mundo.
Tanto, pelo menos, como o fenómeno económico, ao qual, de resto, se acha intimamente ligado.
Sr. Presidente: estamos num regime de um Estado forte, sem ser omnipotente, perante a massa humana, sem ser a fonte da moral e da justiça, sem considerar a força como a razão de ser de todos os direitos que assegura respeitar, de um nacionalismo que não agride, que não é exclusivo, que não é odioso e que se apega, como afirmou Salazar, à noção de pátria, por instinto de coração e imposição de inteligência.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E estamos num regime de economia dirigida.
Mas que dirigismo é o nosso?
Na orgânica do Estado Português a vida económica da Nação é um elemento da organização política do Estado, por intermédio da organização corporativa, visto
ele ser, por definição constitucional, unitário e corporativo (artigo 5.º).
Tudo o que interesse fundamentalmente à vida da Nação deve obedecer a uma direcção única, e esta é a do Estado, árbitro supremo e supremo defensor dos interesses nacionais.
«Aparece, assim, quase como um axioma que o Estado deve dirigir a economia da Nação», afirmou Salazar.
Mas como? Como? - perguntou ainda ele.
C) Estado Português «não quer arrogar-se papel exagerado na produção e pretende valorizar ao máximo a acção da iniciativa individual - mola real de uma vida social progressiva», respondeu o eminente doutrinador o criador do regime actual.
Esta afirmação, de per si, responde com uma eloquência, esmagadora ao .reparo feito no douto parecer da Câmara Corporativa, quanto ao relevo dado na base 1 da proposta governamental à iniciativa privada.
«Antes de mais nada, e primeiro que tudo, é preciso salvar, no interesse particular e público, a iniciativa particular», afirmou Salazar.
Desta doutrina parece que muita gente anda esquecida .
E a Lei n.º 1:956 afogou -literalmente afogou- a iniciativa particular, embrião de todas as actividades e fonte geradora de todas as organizações económicas, grandes ou pequenas, aqui e em todo o Mundo.
O parecer da, Câmara Corporativa afirma a certa altura:
O condicionamento subsiste apenas como regulador excepcional dos direitos soberanos da iniciativa privada.
Não subsiste como isso apenas, como daqui a pouco demonstrarei, mas ele, de facto, é o regulador dos direitos - vá lá, se a palavra agrada- soberanos da iniciativa privada, afirmo eu, com Salazar.
O irónico comentário tem a mais a palavra «apenas». Sem ela, com ironia e tudo, estaria certo. E quanto a soberania, simplesmente observo que ela não é absoluta, pois acha-se limitada pelo interesse superior da Nação.
Mas que espécie de dirigismo é o nosso?
Responde ainda u minha interrogação o próprio Salazar.
Perdoem-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a extensão da citação, mas julgo-a absolutamente necessária:
Seja qual for a interferência dos órgãos corporativos na feitura das leis -estudo e preparação, como na nossa Constituição Política; deliberação, como pode ser noutros sistemas-, a verdade, é que, mesmo sem a existência de preceitos genéricos e só por entendimentos bilaterais sobre quantitativos e condições da produção, preços e regalias do trabalho, u economia nacional pode ter suficiente direcção. Não duvido, porém, de que em certos momentos a autoridade suprema intervirá, porque não será uma e a mesma coisa dar direcção à economia e satisfazer com ela o interesse geral.
Frisem-se estes pontos: «só por entendimentos bilaterais ...». Não duvido, porém, de que em certos momentos a autoridade suprema intervirá ...».
E assim temos aqui dois dirigismos:
a) O da economia autodirigida;
b) O do Estado - em certos momentos.
E surge assim o condicionamento corporativo, que a Lei n.º 1:956 crismou de «inerente» e que o parecer da
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Câmara Corporativa quer a todo o transe que se enxerte na proposta que se discute; e, ao Lírio deste, o condicionamento estadual ... o da autoridade suprema.
A Lei n.º 1:956 misturou tudo.
Aquele, o corporativo, define-o com exactidão o parecer ao declará-lo como «representando um ordenamento e uma hierarquia de funções».
«No caso particular das indústrias foi preciso - diz ele - estabelecer limites entre elas, definir regras que levaram a saber-se com (precisão em que consistiam as suas necessidades, estudar os ciclos de produção e estabelecer, numa palavra, o seu regime especial».
Mas não foi este o condicionamento do Decreto de 1931. Não devia ser este o condicionamento da Lei n.º 1:956. Não é este, o condicionamento da proposta de lei em discussão.
O que se discute não é o tal condicionamento inerente, consequência directa da organização corporativa.
O que se discute é o condicionamento estadual; é aquele que o Estado terá de fazer «em certos momentos», nos tais momentos a que se referiu Salazar; o condiciona mento função de Estado; o condicionamento imposto pela autoridade suprema, quando esta entenda «não ser uma e a mesma coisa dar direcção à economia e satisfazer com ela o interesse geral».
Isto é ainda de Salazar.
Os dois condicionalismos não são uma e a mesma coisa, portanto.
O primeiro organiza si economia e orienta-a corporativamente, no plano económico. Organizar é ordenar; ordenar é limitar, e limitar é condicionar.
O segundo dirige-a, quando preciso excepcionalmente portanto, para um fim mais alto, no plano nacional: o interesse geral.
Não os confundamos.
Das confusões nada de bom restrita; só podem nascer equívocos, e alguns dos defeitos mais salientes da Lei n.º 1:956 deles provieram.
E eu suponho que, neste ponto, o douto parecer da Câmara Corporativa se equivocou. Confundindo, baralhando duas coisas, duas instituições, que são, por sua natureza, muito diferentes, embora tenham um objectivo comum, o interesse geral, que o primeiro prossegue através da organização das actividades particulares e o segundo defende por imposição governativa.
Sr. Presidente: eu acredito plenamente no sincero receio manifestado pelo parecer de que a proposta conceba o condicionamento de que trata como uma instituição de carácter provisório, e não como uma instituição de fins permanentes a atingir no complexo da nova orgânica económica e social da Nação.
Admito o receio da Câmara Corporativa, mas não o perfilho.
Suponho ainda aqui haver confusão, que vou tentar desfazer.
Se considerarmos o condicionamento estadual, no seu aspecto de função de Estado, de direito e obrigarão deste, de coordenar e regular ,superiormente a vida económica da Nação, não há dúvida de que esta função tem um Carácter de permanência indiscutível, até porque ela lhe é atribuída constitucionalmente.
Esta função permanente do Estado tem a mais larga extensão.
Estende-se a toda a vida económica do País.
É um direito que subsiste em potência, mesmo quando não exercido.
Sob este aspecto, o condicionamento é permanente.
Mas se considerarmos o condicionamento, não como função do Estado, mas apenas no sentido restrito do exercício dessa função, não é menos evidente que este exercício não pode ter, porque não tem mesmo, carácter de permanência. A intervenção do Estado dá-se só quando ela se torna precisa, nos limites dessa necessidade e enquanto ela subsistir.
É permanente a possibilidade de o exercer. É transitório, mais ou menos transitório, o exercício dessa possibilidade.
A necessidade nacional marca-lhe o começo e o fim.
Foi assim no decreto de 1931; foi assim na Lei n.º 1:956, para o que basta confrontar as bases I, II, XI e XII, e é assim na presente proposta de lei.
Ainda se o considerarmos quanto aos seus fins, não há dúvida, de que tanto naqueles dois diplomas como na presente proposta eles são, evidentemente, permanentes.
E são no porque esses fins são, nem mais nem menos, os que se acham consignados no artigo 29.º da Constituição, ou sejam os de:
Realizar o máximo de produção e riqueza socialmente útil e o de estabelecer uma vida colectiva de que resultem poderio para o Estado e justiça entre os cidadãos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: perdoem-me ainda o abusar um pouco mais.
Eu disse inicialmente que a Lei n.º 1:956 não realiza integralmente todos os fins que com ela se tiveram em vista.
E, de facto, assim foi. Asfixiou as iniciativas privadas, em primeiro lugar. Asfixiou ou, serviu de pretexto para essa asfixia.
Eu sei de alguns casos em que esta tentou expandir-se, sem o conseguir, e se uma ou outra vez alcançou o que pretendia foi através, de muitas canseiras, de muitos trabalhos, de muitas despesas e, até, de certas habilidades.
Ao pretenderem realizar o seu intento esbarraram com a lei, invocada pela burocracia ... esbarraram com o egoísmo de certas actividades que, à sombra do condicionamento, procuravam formar casta, fechando-se no círculo dos interesses criados, numa má compreensão dos condicionalismos orgânico e estadual, tornando-se inacessíveis a novas actividades, no afã de evitar concorrentes.
A burocracia é em todo o Mundo a mesma coisa: ronceira e rotineira. É tardia em ver e demorada em agir.
Não acelera: retarda; não facilita: dificulta.
O egoísmo dos homens não consente partilhas, quando as pode evitar. O monopólio ou situações monopolóides tentam, gerando ambições. A culpa disto não seria só da lei, mas ela era, pulo menos, um pretexto.
Por outro lado, facilitou as grandes concentrações industriais - boas em certas circunstâncias -, que, aliás, os serviços públicos, numa nem sempre correcta interpretação dos textos, facilitaram, mesmo quando talvez não devessem. E viu-se de um momento para o outro surgirem fortunas, surgirem novos-ricos, sem se beneficiar o consumidor. A partir do seu condicionamento, algumas organizações do País, de enfezadinhas que eram, passaram a medrar, o que estaria bem, mas a medrar desmesuradamente, o que, está mal, o só não chegaram ;: rebentar de enfartamento, como a rã da fábula, porque engorgitamentos desta natureza parece que não fazem mal ao peito. Dispenso-me de exemplificar. Mas não há dúvida do que em alguns casos - não muitos, felizmente - a plutocracia apareceu, se a plutocracia é - e creio que o é - como a definiu Salazar:
O plutocrata não é nem o grande, industrial nem o financeiro; mas uma espécie híbrida, intermediária entre a economia e a finança, mas a «flor do mal» do pior capitalismo. Na produção não lhe interessa a produção, mas a operação financeira a que pode dar lugar; na finança não lhe interessa a regular administração dos seus capitais, mas a
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sua multiplicação, por jogos ousados contra os interesses alheios. O seu campo de acção está fora da produção organizada de qualquer riqueza e fora do giro normal dos capitais em moeda; não conhece os direitos do trabalho, as exigências da moral, as leis da Humanidade. Se funda uma sociedade, é para lucrar aports e passá-la a outros; se obtém unia concessão gratuita, é para a transferir já como um valor; se se apodera de uma empresa, é para que esta lhe tome os prejuízos que sofreu noutras. Para tanto, o plutocrata age no meio económico e no meio político sempre pelo mesmo processo - corrompendo.
Porque estes indivíduos, a quem alguns também chamam grandes homens de negócios, vivem precisamente de três circunstâncias dos nossos dias: a instabilidade das condições económicas; a falta de organização da economia nacional; a corrupção política.
Quem tenha os olhos abertos para o que se passou aqui e para o que se passa lá fora não pode duvidar do que afirmei.
E de tudo isto apareceu um pouco, à sombra do condicionamento existente.
Um inquérito a certas actividades, aquele inquérito a que tão brilhantemente se referiu o Sr. Engenheiro Araújo Correia, nosso ilustre colega nesta Assembleia, na discussão de 1937 e com cuja necessidade estou inteiramente de acordo, o inquérito a que se refere a proposta em discussão, talvez nos desse e talvez nos venha a dar a esse respeito elucidações deveras curiosas. Os tais segredos da técnica que se procuram esconder é possível que revelem a natureza suspeita de muitas dessas técnicas. E, se elas são boas, é do interesse nacional generaliza-las. São parte do património comum.
Por isso menino não perfilho as meias-tintas de um inquérito por declaração, a que se refere o parecer.
Ninguém se confessa senão a um padre. E nem sempre bem.
E, como nótula incisiva deste comentário ao intervencionalismo estadual, as palavras de Salazar, que devem ter-se sempre na lembrança ao condicionar-se uma indústria:
Mal vai quando um grande negócio, lucros avultados, especulações, preços, importações, encomendas, licenças, direitos dependem, por sistema, do parecer de uma repartição pública ou da assinatura do Ministro. A simples suspeição dos particulares envenena a Administração.
Sr. Presidente: ainda uma referência à pequena indústria, ao trabalho caseiro, ao trabalho doméstico, ao trabalho familiar, ao trabalho no domicílio. Eu sei. Tudo isto está condenado a desaparecer um dia. A industrialização, sempre crescente na vida económica dos povos, tentacularmente os absorverá.
Apesar disso, entendo, Sr. Presidente, que todas estas formas de trabalho devem ser permitidas, devem ser protegidas, devem ser acarinhadas, devem ser defendidas. Vai nisso o interesse geral.
Nem só os grandes têm direito à vida. Os pequenos também o têm.
Que me importa, que importa à Nação, que determinadas indústrias se dispersem em mil actividades se dessas actividades todos podem viver, se o interesse geral da Nação não perde com isso e se elas são, regra geral, a forma embrionária dos grandes empreendimentos?
É assunto que deve ser cuidadosamente estudado ao condicionar-se qualquer indústria. Há bocas com fome e braços sem trabalho. Não se lhes tire o que podem angariar.
Sempre que possível, devem ser dadas todas as facilidades aos pequenos produtores - trabalhem em casa, no domicílio ou fora dele, com o pessoal de família ou um núcleo reduzido de assalariados. São formas de trabalho tradicionais, indispensáveis muitas, verdadeiros achados outras, pela beleza ingénua dos seus motivos.
É preciso deixar viver essa gente, repito.
Do contrário, iremos aumentar desmedidamente o número, já hoje grande, dos sem trabalho, dos famintos e quem sabe se dos revoltados, porque casa onde não há pão ... E, além disso, destruir-se-á muito do que é belo, sugestivo, na vida humilde dos campos.
Tenho a impressão de que no nosso país começou a grassar ultimamente uma doença que pode ser perigosa e se traduz numa espécie de mania, a inania das grandezas, porque o é quando ultrapassa certas marcas.
Só se pensa em grandes empresas, colossais empreendimentos, gigantescas organizações. Não se pensa nas pequenas; mas a modéstia foi sempre uma grande virtude.
Parece-me que ainda hoje o é, desde que se não confunda com mesquinhez. E deixemos falar os teóricos. A teoria és vezes serve de capa a muita coisa que não é teórica.
E para concluir, Sr. Presidente, uma última referência às indústrias afins da agricultura.
Todos sabem, porque não é segredo para ninguém, a situação aflitiva em que a lavoura nacional sempre viveu, vive e, por infelicidade nossa, parece ter de continuar a viver indefinidamente.
Tanto a grande como a ;pequena lavoura passam horas de desolada amargura.
Parece que Deus e os homens a abandonaram.
E no entanto ela é e continuará a ser o grande, o inabalável alicerce da nacionalidade.
Ali estão as virtudes de antanho, no amor de Deus, da Pátria e da Família, identificadas aia paixão, da Terra.
Ela produz, cria a matéria-prima de que a indústria, a grande e pequena indústria, se hão-de utilizar. E só o lavrador, porque é lavrador, porque fecunda a terra com o suor do seu rosto, não pode manufacturar aquilo que produz, a menos que isso seja complemento da exploração agrícola.
Eu não me admiro disto. Até já se chegou a recusar-lhe o direito de vender os seus produtos!
Só ele e mais ninguém, a mão ser que deixe de ser lavrador, a menos que abandone a terra e se faça, como os outros, industrial, comerciante ou funcionário. Só o que for complementar. E o que é isso de complementar? Pode chegar a não ser coisa nenhuma. Será conveniente defini-lo com clareza.
A mim parece-me que tem o direito de, livremente, só ou associado a outros produtores, transformar os seus produtos.
Dir-me-ão: mias o lavrador não tem dinheiro, não pode, sobretudo no Norte do País, onde a propriedade se encontra quase pulverizada, montar instalações, pequenas embora, rudimentares se quiserem, mas higiénicas, limpas e dotadas de condições sem as quais os senhores das cidades são capazes de enjoar.
Pois não, não pode; está certo. Não tem dinheiro; é verdade.
O que pode é continuar a viver miseravelmente, sem conforto e até, se o quiserem, muitas vezes sem pão, o que não é tão raro como parece e como muita gente julga.
O que pode é ir cada vez empobrecendo mais, os fartos, sobretudo, pela venda das suas courelas, quando a
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adversidade lhe bate à porta, pela pulverização, cada vez maior, da propriedade de geração paru geração.
O que pode é sofrer e calar.
O que não deve poder, porque não é vantajoso -vantajoso para quem?- nem lógico com a organização corporativa, como afirma o parecer, é associar-se em cooperativas, para da sua fraqueza, junta fazer uma força comum, de relativo valor defensivo; o que não deve poder é criar riqueza para si e proveito para a Nação, e isto em nome dos princípios, que podem muito bem também ser os fins !!!
Já ouvi citar o caso dos lagares de azeite das aldeias, por exemplo.
Ora o caso destes lagares é muito simples. Uma vara, um pio, uma galga, as paredes de um casebre anal seguro, umas seiras, uma caldeira, unia fornalha, um chão térreo, e pouco ou nada mais.
Fazem ali o azeite o seu dono e alguns vizinhos, porque os outros lagares ficam distantes e os modernos estão nas urbes, a muitos, muitos quilómetros de distância, não são baratos nem conhecem amigos. É indústria.
Não há higiene? Talvez não. Mas há água a ferver e a higiene talvez não seja ainda assim tão pouca como à primeira vista parece. O que decerto não há são batas brancas, meninos bonitos e dactilógrafas pintadas.
Mas, enfim, o dono leva o seu azeite e os vizinhos também.
E não me consta que a tão falada falta de higiene tenha em algum, tempo ou alguma vez degenerado em epidemia.
Há lá velhinhos a roçar pelos 100 anos que saboreiam aquele azeite e deliciam-se com ele.
Mas há falta de higiene. Concedemos. O remédio estará em suprimi-lo? Eu suponho que não. Estará em enriquecer ainda mais dois ou três endinheirados à custa do trabalho do lavrador?
A mim parece-me que o remédio estaria em, por intermédio da Junta Nacional do Azeite, facultar-lhe os meios necessários para equipar modestamente o lagar aldeão, facilitar-lhe uma instalação mais higiénica e ensinar-lhe os processos de obter um maior rendimento e um melhor produto.
Mas isso não se faz. O que se faz é obrigá-lo a esportular anualmente uma certa quantia, que ele não sabe bem porquê nem para quê. O que se faz é exigir-lhe uma contribuição que em alguns casos representa a quase totalidade dos lucros que os vizinhos lhe deram no fabrico.
Sr. Presidente: acabei. Já não é sem tempo. A V. Ex.ª e aos meus ilustres colegas peço me desculpem. Mas quando me refiro ao lavrador da minha aldeia e nele a todos os lavradores de todas as aldeias do País sinto invadir-me o coração uma onda de compadecido afecto e de dolorida compaixão pela tristeza da sua vida sem horizontes.
Mas eu creio, creio firmemente, que o Governo de Salazar ainda há-de salvar a lavoura portuguesa, como já em conjunto salvou a Nação.
Não basta organizá-la com princípios. É preciso fomentá-la com meios..
Eu creio, eu creio no milagre.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - A próxima sessão será amanhã, à hora regimental, com a mesma ordem do dia. Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
António de Matos Taquenho.
Artur Proença Duarte.
Carlos Mamtero Belard.
Henrique dos Santos Tenreiro.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
António Abrantes Tarares.
António Joaquim Simões Crespo.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
José Pinto Meneres.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA