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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 123
ANO DE 1952 19 DE JANEIRO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 123 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 18 DE JANEIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 8 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 121. Com uma alteração proposta pelo Sr. Deputado Pimenta Prezado foi aprovado o Diário das Sessões n.º 122.
O Sr. Presidente anunciou estar na Mesa uma proposta de lei sobre atribuição de responsabilidade civil e financeira em caso de desvio ou alcance de dinheiros ou valores do Estado, dos corpos administrativos, de pessoas colectivas de -utilidade pública e dos organismos de coordenação económica.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Bartolomeu Gromicho, para se referir à situação da chamada «biblioteca da Manizola», e Pinto Barriga.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta do lei relativa ao condicionamento industrial. Usaram da palavra os Srs. Deputados Bustorff da Silva e Carlos Mantero.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Finto.
Américo Cortês Finto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
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Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Cardoso de Matos.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 77 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 8 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 121 e 122 do Diário das Sessões.
O Sr. Pimenta Prezado: - Pedi a palavra para fazer a seguinte alteração ao Diário das Sessões n.º 122:
Na p. 209, col. 2.ª, entre as 1. 51.ª e 52.ª deve ser intercalado o seguinte período: «Para a rapidez e feliz elaboração desse relatório muito contribuiu a dedicada e competente colaboração dos delegados de saúde distritais, entre os quais se contam os que no desempenho interino da função foram recentemente sujeitos a concurso, que pelos seus resultados e repercussão nos serviços de saúde bem merecem a justa atenção do Governo da Nação».
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto mais nenhum Sr. Deputado desejar usar da palavra sobre os números do Diário em reclamação, considero-os aprovados com a alteração apresentada ao n.º 122.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Encontra-se na Mesa uma proposta de lei sobre atribuição de responsabilidade civil e financeira em caso de alcance ou desvio criminoso de dinheiros ou valores do Estado, dos corpos administrativos, das pessoas colectivas de utilidade pública ou dos organismos de coordenação económica.
O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Sr. Presidente: em 26 de Abril de 1950 tratei em pormenor da situação da biblioteca da Manizola, organizada pelo falecido conde da Esperança e ainda hoje instalada em algumas salas do palacete da quinta daquele nome, nos arredores da cidade de Évora. Fiz-lhe nova, embora rápida, referência em minha intervenção do 7 de Março de 1951.
Volto agora pela terceira vez ao tema, e provavelmente pela última, na talvez ilusória convicção de que alfim se encontre a solução ambicionada e necessária com a aquisição pelo Estado do vasto e opulento núcleo biblioteca e arquivístico da Quinta da Manizola.
De resto, o Estado, pelos Ministérios da Educação e das Finanças, deu muito recentemente provas de mui elevada compreensão e decisão em caso muito semelhante e também muito importante: a aquisição por compra do núcleo António Daniel de Sousa para enriquecimento da biblioteca do Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo.
Fora esse problema levantado nesta Câmara pelo nosso ilustre colega Dr. Manuel Múrias, em 12 de Abril de 1950, com a louvável intenção de evitar que o martelo leiloeiro provocasse irremediável e perniciosa dispersão de tão grande riqueza bibliográfica.
E evitou. Está S. Ex.ª de parabéns; estão de parabéns os serviços do Secretariado e só merecem louvores todas as altas entidades que, em feliz hora, facilitaram ou intervieram na magnífica aquisição.
Por especial gentileza de um funcionário do Secretariado, tive há dias o grande prazer espiritual de visitar a sala onde se encontra, em provisória arrumação, essa maravilhosa colectânea de belos livros.
Independentemente do valioso contexto dos livros, da antiguidade e raridade de muitos, regala a vista o aspecto, digamos, panorâmico ou de exame em pormenor das encadernações luxuosas e artísticas de todas as espécies da colecção.-
No entanto, que sensação de tristeza ali senti ao rever mentalmente a complicada história, ou seja, a triste situação em que se encontra o problema da biblioteca da Manizola, que se arrasta há mais de duas décadas.
Visitei há poucos dias essa decantada biblioteca, reunida tão paciente e prodigamente pelo distinto bibliófilo conde da Esperança, em quatro ou cinco salas, uma delas bastante vasta, todas pejadas até ao tecto de um recheio de cerca de vinte mil volumes, oitocentos dos quais arrolados pelo Estado, entre impressos e manuscritos de grande valia.
Já aqui dei em tempos uma lista dos principais, alguns dos quais são espécies raras.
Mas não vale a pena renovar pormenores. O que interessa é afirmar, pelo que vi recentemente, que a biblioteca, fechada meses e meses, portanto sem arejamento, nem iluminação, sem desinfecção, nem simples ratoeiras, sem mãos técnicas a arrumá-la e a conservá-la, corre o risco da perda total de valores irrecuperáveis para a cultura. Livros há, e até manuscritos preciosos, que só mãos de mestre podem recuperar.
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Não tenho, graças a Deus, tendência, por temperamento, para o pessimismo. Contudo, às vezes quase estou inclinado a dar razão aos eborenses supersticiosos, que atribuem, por crendice inveterada no espírito dos naturais, todos os infortúnios da cidade a uma célebre caveira de burro, que julgam enterrada, para malefício, na Praça do Giraldo, malefício que terminará quando for um dia encontrada e desenterrada ...
Oxalá a solução do caso da biblioteca da Manizola possa contribuir para desanimar a citada e jocosa crendice popular.
Assim, atrevo-me a solicitar do Governo, especialmente dos Ministérios da Educação e das Finanças, que seja nomeada uma comissão de técnicos para proceder à revisão do arrolamento, que me dizem não estar completo, e conjuntamente à avaliação do núcleo, com vista à sua aquisição por compra para o Património Nacional.
Não é demais acentuar que não é de uma questão eborense apenas que se trata, mas sim de um problema importantíssimo da cultura nacional.
Bem haja quem o quiser resolver.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: a nossa orgânica político-administrativa fundamenta-se muito mais sobre uma desconcentração administrativa do que propriamente sobre uma descentralização, entendida esta como revestida de uma certa autonomia. A característica marcante da centralização administrativa é a existência de uma tutela. É bem claro o artigo 127.º do nosso estatuto fundamental.
Para a existência de um pluralismo que impeça a centralização de se tornar opressiva, que defenda uma certa descentralização na desconcentração, é indispensável que os artigos do Código Administrativo tenham uma compreensão nítida da parte de quem os executa, de modo a que essa desconcentração descentralizada não se transforme numa centralização que a nossa orgânica repele porque pretende um certo equilíbrio entre os órgãos da administração local e o Poder Central.
A orgânica das Câmaras Municipais de Lisboa e Porto dá uma amplitude enorme aos presidentes das câmaras. Essa noção de equilíbrio e de pluralismo de competência é absolutamente de observar e de rigorosamente fiscalizar.
Há muito tempo que desejaria tratar num aviso prévio, de esclarecimento, que não de crítica, este assunto. De esclarecimento porque os actos do Sr. Ministro do Interior, que tem tido para mim gentilezas que demoram na minha gratidão e além de tudo o mais porque a sua actuação neste particular não merece reparo. Dizia eu que já há muito tempo desejaria lançar um aviso prévio sobre a forma de actuação dos nossos corpos administrativos na matéria política e de administração económica, mas um assunto de salto apressou a minha intervenção : um pequeno incidente travado na Câmara Municipal de Lisboa entre um Sr. Vereador e o Sr. Presidente, em que este se recusou a dar novamente a palavra àquele para explicações.
Neste incidente não viso a pessoa do presidente, por quem pessoal e politicamente tenho a mais alta consideração, mas o problema em si: a quebra de equilíbrio entre um delegado da tutela e a vereação, isto é, a interpretação do artigo 101.º do Código Administrativo, que diz:
Leu.
O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª dá-me licença? E não há foro próprio para apreciação de factos desta natureza?
O Orador: - Não há disposições internas que permitam reclamar. A esta Câmara pertence-lhe examinar os actos sobre que possa ter interferência o Executivo.
Repare V. Ex.ª bem no artigo 101.º, que diz:
Nas reuniões ordinárias podem discutir todos os actos praticados pelo presidente no exercício da sua competência, e os votos que dessa discussão resultem serão submetidos à apreciação do Ministro do Interior.
Da segunda parte deste artigo verifica-se que só pode ser apreciado o facto pelo Sr. Ministro do Interior quando der ensejo a votações. Não vai tão longe a centralização ...
O Sr. Mário de Figueiredo: - Se V. Ex.ª me dá licença para esta observação, sempre me atreverei a fazê-la: é que a quem V. Ex.ª tem competência para pedir responsabilidades, na ordem lógica das suas considerações, é ao Ministro do Interior, e não ao presidente da Câmara Municipal de Lisboa.
O Orador: - VV. Ex.ªs chegaram um pouco tarde ao pé de mim, e, como além disso eu falei um pouco baixo, não ouviram bem o que eu disse.
O Sr. Carlos Moreira: - Tenho estado alento às considerações de V. Ex.ªs
O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu ouvi tudo perfeitamente, pois cheguei aqui logo que V. Ex.ª iniciou as suas considerações.
O Orador: - Não é em relação ao presidente da Câmara Municipal de Lisboa que eu ponho o problema.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª não pode negar a quem preside a uma sessão o direito de dirigi-la como entende.
O Orador:- O que eu examino é as circunstâncias em que o caso se deu.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas que elementos tem V. Ex.ª para se julgar bem informado acerca do que se passou?
O Orador: - As informações publicadas nos jornais, e quando for publicada a acta poderemos então ver melhor.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Até que o Ministro tome posição sobre a matéria, V. Ex.ª não deverá pronunciar-se, porque, como disse, é sobre a actuação dele, e não do presidente da Câmara, que se exerce o seu direito de fiscalização como Deputado.
O Orador:- Eu não estou responsabilizando o Sr. Ministro do Interior, mas apenas pedindo informações ao Sr. Ministro do Interior.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Não é possível que o Ministro do Interior não tome conhecimento do que se passou, e V. Ex.ª antecipou-se ao tratar do assunto antes de saber qual seria a posição tomada por esse membro do Governo.
Não podemos julgar aqui a questão sob o ponto de vista jurídico, mas sim sob o ponto de vista político, porque nós não somos técnicos de Direito ou tribunais; somos Deputados.
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Nós o que aqui discutimos são questões de responsabilidade política.
O Sr. Proença Duarte: - V. Ex.ª, Sr. Dr. Pinto Barriga, não conhece a acta da sessão a que se referiu e, por isso, não sabe, rigorosamente, o que ali se passou.
Quando há votação é que sobe à apreciação do Sr. Ministro do Interior.
O Orador: - Desde que há censura, parece-me que os relatos da imprensa devem corresponder inteiramente ao que se passou naquela sessão.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Isso é uma afirmação absolutamente inadmissível, pois a censura não tem nada que ver com a veracidade dos factos que se relatam.
O Orador: - De facto, o que me interessa não é o que se passou agora em Lisboa, mas sim o que se passou e passa em muitas outras câmaras municipais, em que se pretende dominar pela presidência da câmara as vereações, vencendo assim as liberdades municipais.
O que eu discuto são problemas de coordenação administrativa - é a «fuherização» das câmaras municipais pelo domínio absoluto da presidência sobre a vereação; e nisto é que me parece consistir o desequilíbrio da nossa orgânica, que não é isso que tem em vista.
Eu referi-me às relações entre a Administração e a Câmara.
É um problema de ordem geral. De resto, devo dizer que não é um problema para mim de aspecto político, mas sim de aspecto de administração geral. Quando eu ponho o problema em relação ao Município de Lisboa é apenas um exemplo que posso dar e que poderei generalizar a outros municípios.
Tenho, repito, pelo Sr. Presidente da Câmara de Lisboa a maior consideração e por isso encabecei, desde logo, na minha intervenção, ao iniciá-la, palavras de louvor e consideração.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Não diga V. Ex.ª que não está a pôr uma questão política. V. Ex.ª está a referir-se a um conflito entre o presidente da Câmara e um vereador. E isto que é ?
O Orador: - Eu comecei por dizer que não visava pessoas, mas a execução do sistema. O conflito a que me referi pode interessar politicamente ao Sr. Ministro do Interior. A mim o que me interessa é apenas como um desequilíbrio entre a delegação da tutela e a vereação. Sr. Presidente: o Sr. Deputado Mário de Figueiredo tem, pela sua qualidade de leader, condições especiais para verificar dos melindres políticos da minha intervenção.
Não quis pôr um problema político, quis salientar um desequilíbrio na nossa orgânica administrativa, e, por isso, vou dar por findas as minhas considerações, para, numa sessão ulterior, pôr o problema, como aviso prévio, focar o assunto na sua plenitude de técnica administrativa - em que a nossa orgânica não descentraliza com autonomia -, inteiramente alheado do incidente a que aludi como um mero exemplo numa generalidade de casos a citar.
Tenho dito.
O orador foi cumprimentado.
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa ao condicionamento das indústrias.
Tem a palavra o Sr. Deputado Bustorff da Silva.
O Sr. Bustorff da Silva: - Sr. Presidente: nas considerações que vou fazer adoptarei orientação inteiramente oposta às doutas e eruditas lucubrações dos ilustres Deputados que me precederam nesta tribuna.
No aspecto teórico ou filosófico do condicionamento não seria fácil dizer tanto ou melhor.
Prefiro, portanto, levar a efeito uma análise despretensiosa e objectiva, o mais terra a terra possível, da história do condicionamento, com a sua origem, as sucessivas transformações sofridas, os seus méritos e os seus defeitos - até concluir por fazer ressaltar a finalidade da proposta de lei em discussão, o espírito que a domina e as objecções que entendo do meu dever opor-lhe.
Na evolução do sistema do condicionamento em Portugal destacam-se com nitidez três fases distintas.
Nasce em 3 de Janeiro de 1931, com a publicação do Decreto n.º 19:354, da autoria do nosso distinto e saudoso colega Dr. Antunes Guimarães.
No relatório desse diploma escreve-se que o condicionamento visava:
A evitar a desnacionalização das indústrias, as consequências deletérias da sua má distribuição geográfica, o exagero ou a falta de concorrência, os insucessos por falta de bases técnicas ou de recursos financeiros, procurando acautelar a classe obreira dos perigos que tantas vezes lhe acarreta a vida precária de estabelecimentos industriais levianamente instalados.
Do exame do texto do diploma conclui-se que se tratava essencialmente de uma medida imposta pela força das circunstâncias, com um carácter tímido e transitório.
O Estatuto do Trabalho Nacional, promulgado pelo Decreto n.º 23:048, de 23 de Setembro de 1933, não contrariou os propósitos do Decreto de 1931. Ao contrário. Acentuou o direito e a obrigação do Estado de coordenar superiormente a vida económica e social.
E assim fomos vivendo até 1937, época em que se inicia a segunda fase do condicionamento, que se prolonga até 1948.
É o período do condicionamento intensivo, cuja orientação foi quase exclusivamente atribuída ao Conselho Superior da Indústria.
O Governo envia a esta Assembleia Nacional a proposta de lei cuja discussão na generalidade teve inicio na sessão de 6 de Abril de 1937.
Discutem a generalidade da proposta os ilustres Deputados Araújo Correia, José Luís Supico, Antunes Guimarães, Sebastião Ramires e entra-se na discussão na especialidade.
Falam os Deputados Sebastião Ramires, Proença Duarte, Botelho Neves, Querubim Guimarães, Franco Frazão, Melo Machado e Pinto de Mesquita.
Há propostas de emendas, a que adiante me referirei, que são reprovadas.
E em 17 de Maio desse ano de 1937 o Governo promulga a Lei n.º 1:956, em cuja base II se dá grande amplitude ao regime de condicionamento.
O condicionamento intensivo autorizado pela lei votada nesta Assembleia perdura até 1948.
Neste ano procurou remediar-se muito do mau que havia na legislação condicionadora. Reformou-se o Conselho Superior da Indústria e procurou-se evitar os excessos de uma burocracia que a maior parte das vezes não se encontra à altura das funções.
E recentemente, pelo Decreto-Lei n.º 38:143, foram eliminadas do quadro das indústrias abrangidas pelo
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condicionamento industrial anexo ao Decreto n.º 36:443, de 30 de Julho de 1947, as modalidades industriais constantes da relação anexa ao aludido decreto-lei, e o condicionamento ficou reduzido àquele mínimo de indústrias em que a sua subsistência é, na realidade, indispensável.
Deve-se esta medida ao nosso ilustre colega Dr. Ulisses Cortês, actual Ministro da Economia, que na sua actuação vem dia a dia revelando a inteligência, a coragem, o sentido das oportunidades e a competência de que, quando entre nós, deu sucessivas e brilhantes provas.
E, como consequência lógica e remate natural duma orientação assim definida, surge agora a nova proposta de lei sobre condicionamento industrial, cuja discussão na generalidade prossegue.
Sr. Presidente: quem ouvisse despreocupadamente algumas das considerações produzidas nesta tribuna no decurso do presente debate poderia formar a errónea opinião de que a nova proposta é contra o condicionamento industrial.
Não é, nem seria legítimo que fosse.
Apuradas as contas da existência de um instituto com mais de vinte anos de existência, depara-se-nos um saldo final nitidamente positivo.
Reconhece-o o Sr. Ministro da Economia no relatório, da proposta, quando escreve:
Pensa o Governo que são a* manter, em suas linhas gerais, os princípios definidos nessa lei, mas que há necessidade de alterar algumas das bases e de introduzir outras, tanto para reduzir o condicionamento aos seus naturais limites como para assegurar a plena realização dos seus fins.
Confirmou-o o ilustre presidente da Comissão de Economia, Sr. Deputado Melo Machado, quando, na sessão de 10 do corrente, esclareceu que:
A proposta não faz tábua rasa da situação anterior nem pretende impensadamente adoptar um caminho inteiramente oposto àquele que se tem seguido.
E, em boa verdade, não podia nem devia concluir-se de outro modo.
Ao contrário do que possa supor-se, o condicionamento industrial não provocou a redução ou concentração das unidades industriais.
Os números evidenciam que, mesmo neste aspecto, do condicionamento resultaram nítidas vantagens.
Dei-me ao trabalho de cotejar os elementos constantes de três quadros publicados com a proposta de lei, enviada à Assembleia Nacional, sobre fomento e reorganização industrial, aqui discutida em Janeiro de 1945 e depois convertida na Lei n.º 2:005, de 14 de Março de 1945, com os elementos publicados num outro quadro que se encontra a p. 781 do Boletim da Direcção-Geral dos Serviços Industriais n.º 156, ano 3.º
E os resultados verificados são impressionantes e concludentes.
Desmentindo as generalizações que aqui tenho ouvido desenvolver nestes últimos dias, o condicionamento industrial praticado em Portugal durante mais de vinte anos não reduziu, de um modo geral, as unidades fabris, impedindo a concorrência, não limitou o número dos trabalhadores ou operários, não repousou em doce inércia, cómoda e negadora dos progressos da indústria, visto que aumentaram em mais de 100 por cento muitos dos equipamentos industriais, e esta valorização necessariamente corresponde à respectiva melhoria e ao acréscimo.
QUADRO I
[Ver tabela na imagem]
(a) Em 1951 existem cinco, sendo uma de cimento branco, no valor total de 440:000 contos.
(b) Em 1951 estão praticamente a laborar mais duas fábricas de adubos azotados com o valor de equipamento de 330:000 contos.
QUADRO II
[Ver tabela na imagem]
(a) Trabalham vinte e duas fábricas em regime caseiro.
QUADRO III
[Ver tabela na imagem]
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença?
Gostava de saber se o valor desse equipamento corresponde à desvalorização da moeda ou se se trata de equipamentos novos.
O Orador: - A desvalorização da moeda não pode explicar a diferença de valores.
Os números que cito são oficiais; não os fui buscar a qualquer associação de interessados, e sem eles não é possível discutir um problema desta magnitude.
O Sr. Carlos Borges: - Não se trata de discutir a veracidade dos números que V. Ex.ª apresenta, mas o facto é que eles não podem deixar de nos impressionar, e por isso pergunto: donde veio tanto dinheiro para se passar da classe dos 80 para a dos 400?
O Orador: - Esse dinheiro veio do progresso realizado.
O particular, ao sentir que a indústria estava acautelada na sua justa finalidade, aplicou nela os seus capitais, em vez de os aplicar numa casa de penhores ou montar uma leitaria na Baixa.
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O Sr. Carlos Borges: - Eu estou a ver o problema com a mentalidade de uma dona de casa, ao passo que V. Ex.ª está a discutir com a mentalidade de um grande financeiro.
O Orador: - Também digo, com toda a franqueza, que isto me impressionou.
Repito: o condicionamento industrial não só não reduziu o número de fábricas como, em muitos casos, o aumentou; não reduzia o número de operários e, antes, em quase todas as empresas fabris relacionadas forçou a aplicação de maior número de obreiros; em todos os exemplos considerados o valor do equipamento industrial subiu importantemente.
O Sr. Manuel Vaz: - V. Ex.ª dá-me licença?
Dos números que V. Ex.ª leu pode depreender-se que as coisas continuam sensivelmente na mesma. O pessoal umas vezes aumentou outras diminuiu, o equipamento e o número de unidades fabris também variaram, e o que é certo é que se verificou um aumento de capital, que só pode ser devido aos lucros escandalosos.
O Orador: - V. Ex.ª, ao ler estes números, verificará que se equivoca ao insistir em que não houve elevação do número de fábricas, do número de operários e do valor dos equipamentos.
O Sr. Luís Augusto das Neves: - Era bom que V. Ex.ª acompanhasse a evolução dos preços com a do condicionamento ...
O Orador: - Não o fiz. Não me repugna confessar a omissão porque entendo que uma coisa não afecta a outra.
De resto, VV. Ex.ªs tiveram em dois anos sucessivos a prova pública e convincente dos enormíssimos progressos realizados pela indústria nacional nos últimos vinte anos.
Quem poderá ter esquecido as Feiras das Indústrias Portuguesas realizadas em Belém, com referência aos anos de 1949, 1950 e 1951, sob o lema «Caminhando para uma vida melhor»!
Ao aplaudir as iniciativas e os resultados aí postos à vista de milhares de portugueses, aplaudia-se, talvez despercebidamente, o triunfo do condicionamento das indústrias, iniciado em 1931.
Suponho, por consequência, axiomático que o condicionamento é indispensável ao progresso económico do País; que este progresso só poderá obter-se através da orientação dos investimentos; que o instrumento jurídico dessa orientação é o condicionamento.
O Sr. Botelho Moniz: - Tem V. Ex.ª a certeza de que os produtos expostos nessas exposições eram todos de indústrias condicionadas, ou se os mais importantes seriam, porventura, de indústrias que trabalham em regime de liberdade?
O Orador: - Todos os produtos de natureza metalúrgica pertenciam a indústrias condicionadas. Quanto aos mais, não posso precisar; mas pense V. Ex.ª que a exposição teve lugar em 1949, 1950 e 1951... E até há bem pouco mantivemo-nos em regime do apertado condicionamento.
O Sr. Botelho Moniz: - A maioria dos produtos ali expostos eram de indústrias em regime de liberdade.
O Orador: - É possível. O condicionamento nunca foi um colete-de-forças; mas operou o efeito salutar de dar confiança a novos capitais, que vieram a investir-se na indústria.
O Sr. Botelho Moniz: - É que uma das justificações do condicionamento foi a existência de um grande número de unidades fabris criadas sem necessidade, quero dizer, em regime de concorrência. E, quando não havia as garantias do condicionamento, a iniciativa privada também obteve os capitais necessários, e em tal número que até se montaram fábricas a mais.
O Orador: - E o que era o panorama industrial antes do condicionamento?
O Sr. Botelho Moniz: - Conforme as indústrias ... Eu é que não pedi o condicionamento.
O Orador: - E eu também não.
A proposta de lei em discussão não repele, portanto, o principio do condicionamento; antes traduz a ansiedade de moderar exageros e acudir a falhas, na preocupação de uma mais perfeita aplicação ou execução do sistema.
Quem comparar a base II da Lei n.º 1:956 com a base III da proposta em discussão concluirá que afinal se trata de uma e mesma coisa.
Sr. Presidente: das considerações que agora terminei não é lícito deduzir ser meu intento fazer o elogio incondicional ... do condicionamento.
Foram já aqui apontados erros, falhas ou vícios a que cumpre acudir com medicina eficaz.
Mas esses provieram muito mais da acção, da má acção dos homens, do que do próprio sistema. Ó defeito não está no condicionamento, mas na forma como, por vezes, se lhe deu aplicação. Na síntese feliz de um dos colegas que me está escutando, o problema é de simples medida.
Ora essa medida cabe na regulamentação do diploma, sendo quase impossível incluí-la convenientemente nas próprias bases.
Com pequenas disposições de somenos, tenho quase a certeza de que será fácil assegurar ao sistema uma execução que a todos satisfaça.
Enunciarei rapidamente algumas delas para que o Sr. Ministro as considere e aproveite ao publicar os decretos regulamentares que nalgumas das bases anuncia:
Um dos defeitos maiores do actual regime legal do condicionamento é o da falta de respeito pelos prazos estabelecidos.
Se melhorou, por exemplo, o sistema dos prazos para as reclamações dos interessados, pela sua redução, a verdade é que há ainda no Decreto n.º 86:945 expressões vagas que importaria substituir (por exemplo, no artigo 4.º, § 3.º, diz-se: «assim que receberem» e «enviará imediatamente»), e em muitos casos omissão de prazos.
Porque não fixar um prazo de três dias para o expediente desse artigo ? E o prazo de oito dias para a publicação da súmula dos pedidos no Boletim da Direcção-Geral dos Serviços Industriais?!
Conviria estabelecer um prazo pequeno para o pedido aos interessados dos elementos ou provas do artigo 9.º do Decreto n.º 36:945.
Porque não reduzir a quinze dias o prazo do § único do artigo 10.º?
Porque não estabelecer um prazo curto para a providência do artigo 11.º, quando se julgar necessário?
Não seria conveniente estabelecer também prazos para a execução do artigo 12.º e seu § único?
E, encerrados os processos, com todos os pareceres burocráticos e o do Conselho Superior da Indústria favoráveis, não seria conveniente fixar um prazo curto para a sua recusa fundamentada?
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Ministro, Subsecretário ou director-geral não deveriam, por essa escala, resolver os processos nesse prazo ?
E, dado o despacho final, porque não fixar também prazo curto para a sua publicação, mesmo onerosa, no Boletim da Direcção-Geral, como já o é no Diário do Governo, pois é da data da publicação neste que se contam os prazos para a instalação?
O prazo para os pedidos de prorrogação está bem determinado no regulamento actual e justifica-se pela necessidade de evitar interrupções nos trabalhos de instalação. Mas não deveriam ser resolvidos esses pedidos dentro dos trinta dias que o artigo 18.º fixou? Sem isso a fixação do prazo nada significa.
Aos interessados devia ser dado conhecimento dos pareceres do Conselho Superior da Indústria, quando contrários aos pedidos, para, no prazo de uma semana, o máximo, poderem responder-lhe, contribuindo assim para um completo conhecimento da questão por parte de quem haveria de pronunciar-se sobre ela em última instância.
De todas as decisões da Direcção-Geral poderiam os afectados por ela recorrer para o Ministro, que, no prazo de um mês, as resolveria.
E de todas as decisões deste último deveria haver recurso para o Conselho de Ministros, antes de o haver para o Supremo Tribunal Administrativo.
Sr. Presidente: reconhecida a vantagem da manutenção do condicionamento, rapidamente anotadas questões de carácter regulamentar, que por vezes desacreditam o sistema ou criam justificadas más vontades e protestos, cumpre-me passar ao exame das bases da proposta em discussão.
Quanto às cinco primeiras, caminho na esteira da nossa Comissão de Economia e nada tenho a opor.
Mas já a base 6.ª, essa, obriga-me a solicitar a atenção de VV. Ex.ªs para as rápidas anotações que passo a fazer.
Existem englobadas na aludida base duas regras distintas :
A primeira, alusiva a indústrias consentâneas com o trabalho no domicílio; a segunda, que cria doutrina nova quanto às chamadas indústrias tributárias da agricultura e aos estabelecimentos complementares de exploração agrícola.
Estudemos uma e outra, separada e cautelosamente, pois bem o merecem.
As indústrias caseiras - e quando a elas aludo tenho em vista as que verdadeiramente o são - merecem-me a maior simpatia.
Nada tenho a opor ao elogio ou à exaltação que aqui se fez dos méritos dessas indústrias e aplaudo sem hesitar o carinho com que as descreveu há dias o ilustre Deputado Rev. Manuel Domingues Basto.
Mas o que deve entender-se por indústria caseira?
Em Portugal e no estrangeiro são inúmeras as tentativas para encontrar uma definição que impeça abusos; o sucesso porém não tem correspondido à boa vontade dos legisladores.
Entre nós, a primeira definição legal que encontrei foi a contida no artigo único do Decreto n.º 23:630, de 5 de Março de 1934.
O despacho ministerial publicado no Diário do Governo de 25 de Novembro de 1943 mantém essa definição.
E o Decreto n.º 36:279, de 15 de Maio de 1947, intenta melhorar e aperfeiçoar o conceito.
No relatório escreve-se:
... a amplitude dada à doutrina da base IV da Lei n.º 1:956 tem sérios e graves inconvenientes. Aquela base manda que seja defendido o «trabalho caseiro e familiar, autónomo», e não a indústria caseira. A diferença entre uma e outra coisa é grande e até em certas circunstâncias as pode tornar antagónicas.
E o artigo 2.º explica:
Para aquelas actividades industriais em que não esteja por diploma especial definido o exercício do trabalho caseiro e familiar, autónomo, a que se refere a base IV da Lei n.º 1:956, entende-se como tal o que é exercido na própria residência por pessoas da mesma família até ao 3.º grau da linha recta ou da transversal de qualquer dos cônjuges e que com eles vivam em regime de economia familiar e sejam portugueses de nascimento.
No artigo 4.º preceitua-se que no trabalho caseiro e familiar, autónomo, podem ser usadas máquinas accionadas por motores de qualquer espécie, mas a potência total instalada não pode exceder 10 C.V.
Pois a experiência ensina que limitações baseadas pelos laços de sangue ou na força motriz são precárias, insuficientes.
Tem-se criado nas cidades e vilas deste pais uma infinidade de autênticos focos de exploração do trabalho familiar, mascarados ou travestidos de indústrias caseiras e fraudando desavergonhadamente os intuitos do legislador.
Habilidosos sem escrúpulos adquirem máquinas que alugam ou confiam a núcleos familiares que as apresentam como suas próprias.
Forçam-nos ao pagamento de avultadas quantias na miragem de que representam prestações do preço de compra da maquinaria, mas, na realidade, nada mais são que a usura sob o disfarce do aluguer.
E pai, mãe, filhos e terceiros, disfarçados em parentes, trabalham dia e noite, sem observância das condições de sanidade, do direito ao repouso, das limitações das horas de trabalho ou do salário mínimo. Escravidão miserável!
O Sr. Manuel Domingues Basto: - Essas não as defendi eu.
O Sr. Carlos Borges: - Mas apanham-se com facilidade.
O Sr. Botelho Moniz: - Não se apanham com facilidade, não, Sr. Deputado.
O Orador: - O abuso é tal e tamanho que no Diário de Noticias de 14 do Dezembro próximo passado vem publicado o seguinte anúncio:
Indústria de pregos
Vende-se indústria caseira mecânica, em laboração, constando de uma máquina moderníssima e um polidor, incluindo todos os pertences. Produção semanal, 10 mil quilogramas. Desde o Telhar 8 ao n.º 13/15. Tem habitação. Resposta ao Rossio 11, ao n.º 1891.
Atentem VV. Ex.ªs neste escândalo - indústria caseira, vende-se - e ponham a sua atenção neste número: produção semanal, 10 mil quilogramas.
Ele vem confirmar os seguintes dados, que tive o cuidado de colher junto de entidade idónea.
Somente em determinada vila do Norte a soi-disant indústria caseira trabalha e põe à venda 500 toneladas de prego por ano!
A concorrência à indústria legalmente organizada faz-se com uma margem que excede os 25 por cento do produto.
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Nesta conformidade impõe-se facultar ao Governo os meios e as directrizes para ama reacção forte e definitiva contra abusos de semelhante jaez.
Penso que, aprovando a proposta que passo a ler, facilitamos a tarefa do Sr. Ministro da Economia.
VV. Ex.ªs fazem-me a justiça de acreditar que não desconheço que a apresentação desta proposta melhor caberia no decorrer da discussão da especialidade. Optei, porém, por apresentá-la desde já, acudindo à justa indicação do ilustre presidente da nossa Comissão de Economia e para que todos tenham tempo de meditar e tomar posição.
E entro agora, Sr. Presidente, no campo mais árduo e no capítulo mais desagradável da minha intervenção.
Sei que desagradarei a amigos, a parentes, a companheiros dilectos ... Que se lhe há-de fazer?!... Sem interesses pessoais nas indústrias conexas ou complementares da produção agrícola, embora pequeno lavrador, muito mau lavrador e nada industrial, adoptei neste debate a posição ontem apontada pelo ilustre Deputado Sr. Botelho Moniz e deixei-me orientar por aquilo que sinceramente suponho corresponder ao conceito da utilidade social, do interesse geral, superior aos interesses da lavoura, da indústria ou de quaisquer particulares.
E apurei o seguinte:
Desde há muito que a lavoura procura exceptuar do condicionamento aquilo que aprouve designar por «estabelecimentos complementares da exploração agrícola».
Quando se discutiu nesta Assembleia a proposta de lei que veio a ser convertida na Lei n.º 1:956 o debate na generalidade prolongou-se por duas sessões, no decorrer das quais ocuparam a tribuna os ilustres Deputados a que já tive oportunidade de aludir.
Na sessão de 6 de Abril de 1937 o Sr. Deputado Sebastião Ramires proferiu um discurso, no qual, a certa altura, passou a interrogar:
... quando se trata dum condicionamento, eu pergunto a mim próprio o que se deve entender por indústria agrícola.
É simplesmente extractiva?
É apenas o aproveitamento dos produtos da terra?
É a exploração de produtos originários da terra ou pecuários?
É a transformação desses produtos originários da terra ou da pecuária?
O proprietário não terá o direito de aproveitar o seu produto até ao consumo, tirando dele o rendimento que pode produzir, ou terá de se subordinar a um estranho?
Quer dizer:
O lavrador é um vendedor de azeitona ou de azeite?
É um vendedor de lãs ou fios de lã?
É um vendedor de arroz ou um indivíduo que transforma o arroz pronto a ser consumido?
Vende resinas ou aguarrás, colofónias, etc.?
Mas vamos à hipótese que V. Ex.ª citou: o lagar de azeite.
Com efeito, o debate nessa altura incidiu principalmente sobre os lagares de azeite, a produção do vinho e seus derivados e o fabrico do vinagre.
Intervindo já na discussão da especialidade, o ilustre Deputado Sr. Proença Duarte apresentou uma proposta de emenda que visava a ampliar ou assegurar os objectivos da lavoura e citou um caso concreto: o da montagem de uma instalação de descasque de arroz na qual o lavrador despenderia 60 ou 70 contos e que, com uma quase modesta colheita de 1:000 moios, poderia, com as taxas de descasque estabelecidas, adquirir e amortizar num ano!
O falecido engenheiro Pedro Botelho Neves - o meu amigo Botelho Neves, espírito brilhante e alma generosa, que passou pelo Mundo deixando um rasto de simpatias e de demonstrações de generosidade - acudiu à discussão obtemperando que:
Se fosse permitida a instalação livre de descasques de arroz, uma das belas obras conseguidas através da organização corporativa e do condicionamento das indústrias estava totalmente perdida, ou, melhor, comprometida no seu futuro.
Ninguém ignora que o condicionamento das indústrias, impedindo a instalação dos descasques do arroz, permitiu a organização de todas as actividades que ao arroz dizem respeito. Assim, condensou-se numa só entidade a importação desse produto.
De maneira que, como consequência imediata, a protecção que se quis dispensar fez com que a produção dobrasse e o País beneficiasse. Foram muitos contos de réis que se economizaram.
No dia imediato, 7 de Abril, a discussão prosseguiu, com vivacidade e repetidas intervenções.
O Sr. Engenheiro Franco Frazão - autoridade indiscutível no assunto -, que fora um dos firmantes da proposta do meu distinto colega e amigo o Sr. Deputado Proença Duarte, acusou Botelho Neves de se haver equivocado ao aludir ao descasque de arroz como indústria agrícola. O interpelado objectou que se o fez «foi porque o próprio Sr. Proença Duarte o citou» (p. 503). E, com a sua inegável competência, o Sr. Engenheiro Franco Frazão prossegue nas suas considerações, afirmando que «a legislação vigente declara de maneira terminante que o descasque de arroz não é uma indústria agrícola».
O Sr. Carlos Borges: - Então o que é?
O Sr. Proença Duarte: - Eu até posso ler a V. Ex.ª a proposta de aditamento. Esta proposta, que V. Ex.ª não leu, é concebida nos seguintes termos:
As indústrias ou modalidades industriais quer. montadas por agricultores, não sejam exclusivamente destinadas à laboração da sua própria produção.
Foi esta a proposta de aditamento que subscreveram o Sr. Engenheiro Franco Frazão e outros Srs. Deputados que já aqui não estão. O Sr. Engenheiro Franco Frazão, que disse que na nossa legislação, até esse momento, não estava incluída a indústria do descasque de arroz, não afirmou que fosse seu critério que ela não devesse lá estar, mas, querendo simplesmente dar uma definição, rebuscou nos diplomas legais e não encontrou em nenhum a do descasque de arroz, o que não quer dizer que em seu conceito ela não devesse lá estar incluída. Ele procurou apenas esclarecer quais as indústrias que, segundo a lei vigente, eram consideradas complementares da indústria agrícola.
O Orador: - Vou fazer a leitura do Diário das Sessões, para vermos o que então se passou, e talvez que isto responda às considerações de V. Ex.ª
A p. 503:
À objecção do Sr. Botelho Neves sobre descasques de arroz, tenho a dizer que isso não é uma indústria agrícola ...
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Cinco linhas adiante:
A legislação vigente declara de maneira terminante que o descasque de arroz não é uma indústria agrícola; creio que nem sequer pode existir o perigo ... de poderem existir confusões.
Após a leitura destas passagens, pode V. Ex.ª continuar a persistir na sua limitação ...
Tratava-se - insisto neste ponto - de um dos signatários da proposta Proença Duarte.
Prosseguiu a discussão, com novas referências aos casos dos vinhos, dos azeites, das lãs.
E a Assembleia Nacional acabou por rejeitar a proposta do Sr. Dr. Proença Duarte e por aprovar o texto da Lei n.º 1:956, sem sombra de dúvida excessivo relativamente a certas actividades agrícolas.
Mas o tempo produziu os seus efeitos. O Sr. Ministro da Economia, com o seu alto espírito, quis acudir a ansiedades que reputou legitimas.
E o Decreto-Lei n.º 38:143, de 30 de Dezembro último, já por mim citado, libertou do condicionamento um sem-número de modalidades industriais, nomeadamente a moagem de cereais sem penetração mecânica (moagem de ramas) (n.º 9); os lagares de azeite (n.º 13); a indústria de aguardente (n.º 15); o fabrico de pastas alimentícias para gado (n.º 17); os vinhos espumantes e espumosos gasificados (n.º 18); a produção industrial do vinagre (n.º 19).
Numa síntese, excepção feita da «moagem de cereais com penetração mecânica e do descasque de arroz», a lavoura está neste momento em situação legal que lhe permita transformar livremente os seus produtos.
No decorrer da presente discussão sucessivos oradores usaram do slogan: «a lavoura deve ter o direito de, só ou associada a outros, transformar os seus produtos».
Muito bem!
Mas a lavoura «não deve ter»; já tem o direito de transformar os seus produtos.
A única intervenção que lhe está vedada é na moagem de ramas e no descasque de arroz.
Após a leitura que fiz do preceituado no Decreto-Lei n.º 38:143, persistir no slogan é insistir na inutilidade de «arrombar uma porta aberta», perfilhando a expressão aqui há dias reiteradamente repetida pelo meu prezado amigo Sr. Deputado Melo Machado.
E, então, chegado a este ponto, também não faço questão fechada.
Deseja a lavoura que a lei se modifique de modo a permitir-lhe que concorra com a moagem de espoadas ou com as fábricas de descasque de arroz?
Óptimo!
Deixemos de parte o problema de alta indagação consistente em averiguar se o descasque de arroz é ou não indústria agrícola.
Esqueçamos a advertência do Sr. Engenheiro Franco Frazão de que legalmente o não é.
Fixemo-nos objectivamente nos factos: em 1937, por grande ou pequena maioria, mas por maioria, esta mesma Assembleia Nacional rejeitou a proposta do ilustre Deputado Sr. Proença Duarte e deliberou em termos inteiramente opostos ao da pretensão ora ressuscitada.
Há motivos para modificar a decisão da Assembleia Nacional?
No decorrer destes escassos catorze anos deram-se factos; verificaram-se circunstâncias que aconselham que onde se disse branco ora se diga preto.
Se há - modifique-se a lei.
Mas se não há... lavo daí as minhas mãos.
De ânimo franco e consciência aberta, contentar-me-ia com a indicação, pelo ilustre presidente da nossa Comissão de Economia ou de qualquer outro Sr. Deputado, desses factos concretos que explicam uma reviravolta de opinião desta Assembleia Nacional operada em menos de três lustros e quando um grande número de Srs. Deputados que dela faziam então parte nela continua a ter assento.
Mas dêem-me factos; não palavras. Res non verba.
E, ainda perante esses factos, reconhecida a sua relevância, passemos a apurar se é económica e legalmente possível aquilo que ora se intenta levar a cabo.
Quanto à moagem de espoados, o caso liquida-se com meia dúzia de palavras:
O artigo 48.º do Decreto-Lei n.º 24:185, de 18 de Julho de 1934, estabelecia que «a Federação Nacional dos Industriais de Moagem, ouvido o conselho geral e mediante aprovação do Ministro da Agricultura, poderá expropriar, com indemnização, as fábricas de moagem que não sejam necessárias ao consumo, até ao limite correspondente a 30 por cento do total da capacidade de laboração actual».
Estas fábricas seriam desmontadas e não poderiam laborar, pagando-se as indemnizações em obrigações emitidas pela Federação Nacional dos Industriais de Moagem. A amortização seria feita mediante uma quota a pagar pelos agremiados sobre o trigo que viessem a receber.
Fez-se, efectivamente, esta avaliação, através de duas comissões nomeadas para o efeito, as quais seleccionaram também as unidades a desmontar. Foram expropriadas, com indemnização, cento e oito fábricas e dezassete quotas incorporadas, representando uma capacidade de laboração de 1.542:815 quilogramas diários. Para liquidar as indemnizações fixadas a Federação Nacional dos Industriais de Moagem emitiu um empréstimo, amortizável em vinte anos, de 51:978 obrigações de 1.000$, autorizado pela Portaria n.º 8:648, de 5 de Março de 1937. (Da representação da Associação Industrial Portuguesa a S. Ex.ª o Presidente do Conselho, acerca do Decreto-Lei n.º 38:143).
Estes 52:000 contos não foi afinal a moagem que os pagou.
Saíram das economias privadas de todos os consumidores de pão - e as pessoas abastadas não constituem a maioria desta «classe» ...
Seria absurdo, gritante de leviandade ou de injustiça, destruir de uma penada os êxitos obtidos, criando o ambiente para uma futura necessidade de novas amortizações de fábricas, com todos os gravames correspondentes.
Concordemos, pois, em que a moagem de ramas está fora de causa.
E os descasques de arroz?
A lavoura não deve esquecer que toda a legislação sobre o comércio de arroz visa, em última análise, à sua defesa e beneficio.
Este slogan, sim, é que não me cansarei de repetir: aã lavoura não deve esquecer que toda a legislação sobre o comércio de arroz visa, em última análise, à sua defesa e beneficio».
A afirmação não é minha -embora com ela absolutamente concorde -, é de S. Ex.ª o Presidente do Conselho e do Sr. Dr. Pedro Teotónio Pereira, no relatório do Decreto-Lei n.º 27:149, de 30 de Outubro de 1936, que regulou o comércio de arroz.
E nesse relatório diz-se mais:
Sob a pressão da concorrência estrangeira, os produtores de arroz nacional viam a cotação deste cair vertiginosamente e não cobrir as avultadas despesas da cultura.
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E mais adiante:
Propositadamente deixou-se a maior liberdade aos produtores na venda do arroz à indústria. Desde que hajam feito o manifesto e a seguir registem a transacção na Comissão Reguladora nada mais se lhes exige. E só no caso de não conseguirem a venda directa, ou tratando-se de pequenos produtores, essas operações devem ser realizadas por intermédio da Comissão Reguladora e do Grémio dos Descascadores. Desta forma o produtor continuará a procurar comprador para o seu arroz, como se se tratasse de qualquer outro produto.
Não basta que a lavoura manifeste o seu desejo veemente no sentido de concorrer com a indústria do descasque de arroz.
É preciso que acrescente que está disposta e em condições económicas que lhe permitam assumir a parte correspondente nos encargos que hoje pesam apenas sobre o industrial.
Imaginam VV. Ex.ªs que esses encargos são pequenos?
Pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 27:149 compete à indústria do descasque de arroz:
... a compra do toda a produção do arroz continental em casca, ao preço estabelecido pela Comissão Reguladora e até ao limite do consumo anual.
Nas épocas próprias, recolhido o arroz, o produtor entrega-o à indústria, que lho tem de pagar nas condições que li.
Isto representa um encargo nunca inferior a 500:000 contos anuais.
O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª dá-me licença ? Se um produtor de arroz montar um descasque, julgo que, por esse motivo, a indústria uca desobrigada de comprar a sua produção. Logo, esto argumento de V. Ex.ª não serve.
O Orador: - Tenha V. Ex.ª paciência; não se antecipe. Aguarde que conclua a minha exposição.
O Sr. Amaral Neto: - Como é que se atingem esses 500:000 coutos, e como se admite a possibilidade de se subir a 1.000:000, se a última colheita, a maior de que há memória, deu cerca de 135.000:000 de quilogramas, que, ao preço médio de pouco mais de 2$70 por quilograma, mal excedem 400:000 contos, e nada indica, que possa vir alguma vez a ser duplicada?
O Orador: - A última colheita atingiu as 120:000 toneladas de arroz em casca e o consumo anda por 4:500 toneladas mensais, ou seja 54:000 toneladas anuais. Estes números obtive-os ontem à noite no Ministério da Economia.
O Sr. Amaral Neto: - Uma circular do Grémio dos Industriais Descascadores de Arroz, datada, salvo erro, de 27 de Outubro de 1951, informava a indústria de que a distribuição de arroz para os meses imediatos seria baseada num contingente mensal de cerca de 6.500:000 quilogramas, o que, se se fizer a multiplicação, dará à roda de 80:000 toneladas por ano. E eu tenho provas de que é assim. V. Ex.ª talvez não ignore que tenho noções directas da indústria de arroz e sei que, pelo menos em certas regiões do Pais, é possível levar mais longe a entrega de arroz ao consumo, desde que cessem as peias que ainda se exercem para o abastecimento do mercado, através do modo de distribuição ao comércio.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - V. Ex.ª está falando apenas de possibilidades e de probabilidades.
O Sr. Amaral Neto: - Estou falando de certezas. V. Ex.ª pode pedir ao Sr. Presidente do Grémio dos Industriais Descascadores de Arroz informação acerca do modo como se escoou a reserva de arroz relativa a 1951, isto é, como a maior parte das fábricas conseguiu escoar a sua reserva logo que foram dadas facilidades de venda.
O Orador: - Como ia dizendo, a última colheita atingiu as 120:000 toneladas de arroz por descascar, ou seja 80:000 a 90:000 toneladas de arroz descascado.
O consumo do País anda neste momento pelas 4:500 toneladas mensais, ou seja por 50:000 a 60:000 toneladas anuais.
O arroz nacional é vendido a preços que não permitem a exportação.
Encontramo-nos perante um excesso de produção de 60:000 toneladas anuais, que vai no pendor de atingir o dobro do consumo nacional.
Talvez não seja este o mais azado momento para impulsionar ou facilitar o acréscimo de uma produção que caminha a passos agigantados para a crise por excesso, economicamente, a mor parte das vezes, mais grave que a da carência
Daqui fica feito o aviso, para que amanhã não surjam protestos, quando se procurar acudir à crise com uma política de redução de preços que provoque o acréscimo de consumo, e o Governo não venha a ser atacado porque não protege as fontes de riqueza nacional...
Sr. Presidente: no cauteloso estudo que fiz do problema impressionou-me ainda uma outra objecção - e talvez mais grave - às aspirações de que se trata.
O arroz tem o sen preço tabelado.
Na fixação do preço da tabela é levada em conta a chamada «taxa de laboração».
Nessa taxa de laboração consideram-se, como é óbvio, todos os encargos inerentes ao exercício da actividade industrial do descasque de arroz.
Como industriais que são, as empresas descascadoras suportam contribuição industrial e as contribuições municipais inerentes, estão ligadas aos compromissos dos contratos colectivos de trabalho, descontam para a previdência e têm de manter encargos gerais de administração incomparáveis com os de qualquer particular lavrador.
Tudo isto, o somatório de todos estes encargos, é levado à conta na determinação da taxa de laboração, por sua vez incluída no preço tabelado.
E eu pergunto: autorizada amanhã a lavoura a descascar o arroz e a vendê-lo ao público ao preço tabelado, iria cobrar uma parte desse preço correspondente a despesas que não fez e a encargos que não suportou?
A isto como se chama?
Observar-se-á que haveria o remédio simples de vender o arroz produzido pela lavoura a preço inferior ao descascado pela indústria ...
Seria o caos. O mesmo produto tabelado a preços diversos no mesmo mercado e no mesmo momento! Cá me quer parecer desacerto, e dos maiores.
E com estes reparos termino as minhas considerações, enviando para a Mesa a seguinte proposta, que os atende.
A Câmara conhece agora o problema na sua estrutura de facto, terra a terra, com os prós e os contras de cada uma das suas modalidades.
Entende que importa alterar radicalmente o que aprovou em 1937?
É o seu direito.
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Mas que do Diário das Sessões fique constando quais os factos que impuseram a nova doutrina e quais as soluções que se apontam para os riscos que acabo de evidenciar.
Não será pedir demais.
Um último reparo, Sr. Presidente:
Associo-me com o maior entusiasmo às justíssimas considerações aqui tão brilhantemente produzidas pelos Srs. Deputados Engenheiro Magalhães Ramalho e Prof. Amorim Ferreira.
É, com efeito, indispensável estabelecer uma intima coordenação entre o regime de condicionamento nos diversos territórios do Império, para que num deles se não faça o que noutro se irá desfazer.
Conhecemos as dificuldades constitucionais que a efectivação desta aspiração implica.
Mas não importa.
Que ela chegue ao Governo como uma sugestão da Assembleia Nacional, a que cumpre dar execução pelos departamentos próprios.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Carlos Mantero: - A proposta de lei do condicionamento industrial tem particular interesse para os que de perto vêm acompanhando a evolução do Estado moderno, a sua transformação e o âmbito sempre crescente das suas intervenções e tem grande importância para a vida económica do País pelas repercussões benéficas ou prejudiciais do novo espírito e da nova lei sobre a segurança dos capitais e do trabalho, sobre os preços e a balança de pagamentos, sobre a moeda e o crédito, sobre o nível de vida e o salário.
Não me proponho tratar a fundo de todos estes aspectos da questão, mas apenas fazer ressaltar mais uma vez a transcendência da lei sobre a qual esta Câmara é chamada agora a pronunciar-se.
E muito difícil ser objectivo numa matéria que nos é submetida sem um meticuloso e exaustivo inquérito industrial a informá-la. Somos assim forçosamente levados a pronunciar-nos em tese sobre muitos pontos, sobre os méritos de uma mais ampla ou mais restrita liberdade, de uma maior ou menor intervenção do Estado, em suma, sobre os méritos da industrialização e as suas limitações em Portugal.
A proposta desvia-se do espírito de 1937, em que foi concebida a primeira lei estatutária do condicionamento industrial, no sentido de uma certa atenuação dos rigores disciplinares. Com efeito, naquele tempo o condicionamento era tido como um elemento ao mesmo tempo complementar e acessório da organização corporativa, ampliava os seus poderes ou funções ao serviço de um pensamento ou de uma política que se inspira no poderio do Estado e na sua função orientadora e reguladora da vida económica e social.
Na proposta que estamos apreciando parece haver o desejo de desmobilizar de certo modo a economia nacional, ainda que conservando o Estado para si uma poderosa armadura, que lhe permita regular amplamente o exercício da iniciativa privada num sector tão importante como é o da produção industrial. Senhor de dispor quantitativa e qualitativamente sobre ela, árbitro da conveniência da renovação dos estabelecimentos ou da criação de indústrias novas, continuam, em última análise, nas suas mãos os destinos dessa poderosa força criadora que é a iniciativa privada.
Ë sobre aquela limitada desmobilização a que me referi e sobre uma possível diminuição do papel da organização corporativa, com o consequente aumento dos
poderes centrais do Estado, que se levantam divergências em determinados sectores. Eis um aspecto da proposta da especial competência desta Câmara política.
Durante os dezoito anos passados de corporativismo o sistema desviou-se consideravelmente da ideia original de autodirecção. As intervenções directas do Estado no funcionamento dos organismos e das empresas e a tendência das actividades para se entrincheirarem em sistemas fechados ou exclusivos acumularam tantos problemas insolúveis fora da ordem natural que parece inevitável ter de recorrer-se a ela, repetindo mais uma vez a eterna alternação da autoridade com a liberdade, numa rectificação cíclica de posições que a incapacidade inerente a todas as instituições humanas de estabelecerem e garantirem a justa medida da liberdade ou os limites harmónicos da disciplina impõe.
Para analisarmos este aspecto crucial da proposta é conveniente não perder de vista as perspectivas históricas. Antes da guerra despontara apenas o movimento de renascimento industrial entre nós. Durante a guerra e nos anos imediatamente subsequentes ele tomou novo e poderoso alento, com a instalação e ampliação de numerosas unidades e a aplicação sucessiva da Lei de Reconstituição Económica. Em plena guerra e no período da reconstrução europeia o problema da concorrência internacional não se punha para a indústria portuguesa. Tinha ao seu dispor o mercado interno e o mercado internacional. O clima, por toda a parte, era de restrições e de total intervenção do Estado - o clima da mobilização económica.
A indústria vivia descuidada atrás da tríplice muralha, que parecia inexpugnável, do condicionamento, das pautas e do licenciamento do comércio externo. Com os acordos derivados do Plano Marshall as importações do grupo de países da O. E. C. E. foram libertadas de peias quantitativas, derrubando-se parcialmente esta muralha protectora. Não fosse o incidente económico do rearmamento maciço e teríamos assistido a um feroz assalto da concorrência internacional entrando por esta brecha. Tivemos dela uma séria ameaça antes da guerra da Coreia.
Mas, como as coisas estão, a concorrência afastou-se, por agora, das nossas fronteiras e uma situação grave se criou, a que me referi o ano passado: a insuficiência das nossas importações. O desequilíbrio do comércio com o grupo da O. E. C. E. determinou o aumento crescente do nosso saldo na União Europeia de Pagamentos, o que nos força a favorecer por todos os meios as importações de produtos originários destes países, mesmo em prejuízo do preço.
Fiéis às paridades das moedas escriturais, temos assistido impotentes à saída de produtos nossos contra pagamento naquelas moedas, para, lá fora, serem reembarcados para diverso destino contra dólares reais, que naqueles mercados têm melhor cotação do que a moeda escriturai. Assim, pois, o País fica credor de dólares escriturais e o intermediário estrangeiro senhor dos bons dólares americanos. E que, quando uma moeda tem um câmbio oficial superior ao seu valor real (e este é o que lhe atribui o mercado internacional, directa ou indirectamente), ela tende a acumular-se nas mãos da entidade que a compra por tal alto câmbio. E, afinal, a velha lei de Gresham a operar. Sempre que o câmbio de uma ou mais moedas se afasta da paridade internacional dos preços das mercadorias a arbitragem de produtos é inevitável. Uma moeda tende a valer, sempre menos do que a sua paridade ouro quando não é livremente conversível.
Nesta conjuntura temos uma irresistível tendência a exportar e uma forte necessidade de importar.
O Governo antecipou-se, em parte, aos perigos que para a indústria pudessem advir de uma situação
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fortemente importadora, publicando o Decreto-Lei n.º 37:977 e disposições subsequentes que elevaram consideravelmente as taxas da pauta de importação.
A indústria, certas indústrias, temem, porém, que ao cessar, ou, melhor, ao recalcar-se o ímpeto do rearmamento se entre num período de dura concorrência internacional, que a capacidade de produção do Mundo, extraordinariamente aumentada, tornará particularmente séria. Se esta concorrência externa fosse ainda agravada por um recrudescimento da concorrência interna, nascida da maior possibilidade de instalação de novas unidades produtoras, poderia chegar-se rapidamente a um estado de sobreprodução que a lei prevê, mas que o Governo só poderia verificar depois de se ter produzido e corrigir quando já tivesse provocado estragos mais ou menos consideráveis.
Por outro lado, é inegável que o Mundo sente-se agitado neste momento por um poderoso movimento de ideias favorável à maior liberdade da iniciativa privada, a certa desmobilização económica (que só o rearmamento impede que seja mais extensa). Dir-se-ia que o mundo ocidental quer ainda agarrar-se a um sistema de ideias bem diferenciadas da mística totalitária, para opor ao poder ilimitado do Estado a dignidade insuperável da pessoa humana, com as suas liberdades ou direitos naturais, que Deus lhe concedeu na sua infinita sabedoria e a Natureza lhe não pode tirar.
Limitados na produção de matérias-primas minerais e orgânicas, limitados na produção de produtos alimentares, com uma alta densidade de população e um índice de crescimento elevadíssimo, com o nível de vida das populações a deslizar visivelmente em vastas regiões do País, com as possibilidades de emigração reduzidas durante largo período e, mais tarde, o sério decréscimo dos nossos rendimentos invisíveis, portanto dos meios de pagamento para as nossas importações, é natural que entre nós se tivesse desenvolvido a ideia de que encontraríamos na industrialização do País a possibilidade de utilização produtiva do nosso potencial demográfico. Acrescendo a produção, não só para consumo interno, mas também, e sobretudo, para exportação, criaríamos novos meios de pagamento para as nossas importações, que serão de crescer proporcionalmente mais do que a nossa população se quisermos elevar o nível de vida nacional.
O estudo do nosso comércio externo não mostra que tenhamos podido contar nos últimos vinte anos com as importações para elevarmos o nível de vida das populações. Com excepção da importação de aparelhos, máquinas e ferramentas, todas as restantes classes baixaram per capita no decénio de 1941 a 1950, comparado com o decénio de 1921 a 1930.
Apesar do grande esforço e sacrifício feitos para desenvolvermos a nossa indústria, as quantidades de matérias-primas importadas sofreram um declínio de 10 por cento per capita.
O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª dá-me licença?
Desejo simplesmente fazer tuna observação. Em alguns casos fomos buscar precisamente à metrópole aquelas matérias-primas que antigamente importávamos. Cito um exemplo:
No primeiro decénio a que V. Ex.ª se referiu a importação de enxofre bruta era total. Não havia matéria-prima portuguesa. Hoje toda a matéria-prima é produzida em Portugal, o mesmo se dando com outras. Houve um melhor aproveitamento dos bens nacionais.
O Orador: - Não há dúvida nenhuma quanto ao enxofre.
Deve V. Ex.ª notar que o fenómeno de ordem geral se mantém constante, pelo menos desde o princípio do século. Se bem que as quantidades absolutas tenham aumentado, as quantidades por habitante, que são as que me estou referindo, diminuíram. Não parece, por isso, que o caso do enxofre, ocorrido nos últimos vinte anos, possa, por si só, explicar o fenómeno.
Se, na verdade, os números absolutos das nossas importações de matérias-primas são maiores, os números relativos mostram um decréscimo por habitante, e são estes os que contam, porque traduzem o maior ou menor bem-estar das populações. Por contra, a nossa importação de aparelhos, máquinas e ferramentas subiu, em conjunto, 47 por cento, simultaneamente com o decréscimo de 28 por cento na importação de manufacturas diversas e de 14 por cento em substâncias alimentares, o que expressa claramente o grande sacrifício feito com a aparelhagem industrial ido País à custa da importação de bens de consumo corrente e do que eles podem significar para o bem-estar das populações.
Também os fios e tecidos sofreram redução considerável. Aqui a quebra atingiu 61 por cento. As fiações e tecelagens, ao que parece, vão satisfazendo quantitativamente, por forma crescente, as necessidades do mercado interno e ultramarino, apesar de no último meio século nunca termos estado dependentes em grande escala, na metrópole, do abastecimento externo em tecidos.
A propósito desta indústria seja-me permitida uma pequena digressão exemplificativa do artificialismo económico em que vivemos.
Não tinham os nossos produtos grande procura lá fora até há pouco. Exportaram-se durante e depois da guerra fio e tecidos em pequena quantidade, mas foi sobretudo em 1949 e 1950, com a inclusão de contingentes de fio e tecidos de algodão em numerosos acordos comerciais, nomeadamente nos acordos firmados com a França, a Suécia, a Finlândia, a Holanda e a Dinamarca, que este negócio começou a tomar vulto.
Em 1950 fizeram-se exportações maciças para o estrangeiro, que atingiram cerca de 5.800:000 quilogramas de fios e tecidos, no valor de 288:000 contos. O fio foi exportado ao preço médio de 34$30, a ajuizar pelos valores estatísticos, e os tecidos a 54$30 o quilograma, enquanto o algodão em rama importado do estrangeiro nos custou em média 35$70 e o colonial apenas 12$50.
Quer isto dizer que, se considerarmos o preço do algodão em rama importado do estrangeiro, o fabrico de manufacturas de algodão para exportação para o estrangeiro nos deu avultado prejuízo e, se considerarmos o preço do algodão de Angola e Moçambique, a valorização do produto pela sua industrialização em Portugal rendeu, pelo menos quanto ao fio, menos do que poderíamos ter obtido pela exportação pura e simples do algodão em rama.
Assim, o nosso poder de compra externo não foi acrescido com tais exportações e o poder de compra no ultramar, diminuído da diferença entre os preços mundiais do algodão e o preço por que o nosso foi pago aos produtores, mais de 20$ em quilograma naquele ano, qualquer coisa como uns 128:000 contos nas 6:400 toneladas empregadas no fabrico dos 5.800:000 quilogramas de manufacturas exportadas para diversos países, ou 640:000 contos de poder de compra subtraído às províncias ultramarinas num só ano, se considerarmos o diferencial do preço sobre a totalidade das 32:000 toneladas que Angola e Moçambique nos forneceram, 640:000 contos que o ultramar poderia ter gasto, em grande parte, na metrópole em produtos alimentares, estimulando a agricultura, e em produtos manufacturados das mais variadas indústrias, incluindo a própria tecelagem, com grande benefício para a economia industrial e vantagem para os preços no
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mercado interno, porque um acréscimo do volume de vendas determinaria, por certo, uma redução dos custos unitários de produção.
Assim se provocaria a elevação do nível de vida, tanto na metrópole como no ultramar, o duplo propósito de uma economia sã na sua função coordenadora e reguladora da vida económica e social das diversas unidades territoriais de Portugal de aquém e de além-mar. Como as coisas se têm passado viciando os terms of trade com as províncias ultramarinas, com graves reflexos sobre a produção algodoeira.
Vozes: - Muito bem, muito bom ! .
O Orador: - Há mais a propósito da economia dos algodões. Sabe a Câmara qual era o consumo médio de artefactos de algodão por habitante no (primeiro decénio do século, de 1901 a 1910? 2 kg, 540!
(Sabem qual foi o consumo do decénio de 1941 a 1950? 2 kg, 350 - uma redução de 8 por cento por habitante.
A Câmara tirará destes números as necessárias ilações.
O Sr. Botelho Moniz: - Isso não significa que o poder .de compra do habitante tenha diminuído; significa, sim, que o tecido de algodão foi substituído por outros tecidos. Veja V. Ex.ª a invasão feita no mercado pela seda artificial, que, de isso, se produz hoje também internamente.
O Orador: - Não creio que, o maior uso dos tecidos sintéticos possa, por si só, justificar esta redução no consumo dos produtos de algodão, quando seria antes de esperar um aumento de consumo de algodão num país em que o nível de vida tem ainda muito que crescer. De resto, a utilização de fibras sintéticas não se pode considerar generalizada a toda a população e deve ser tomada sobretudo como um sucedâneo da seda natural. Por outro lado, as quantidades totais de tecidos sintéticos consumidas hoje são menores do que a diferença verificada no consumo das manufacturas de algodão por habitante.
Mas voltemos u fisionomia do nosso comércio externo. Mais grave, "porém, do que o aspecto das importações é o tias exportações, pelo significado que elas têm como parcela mais apreciável do poder de compra internacional da Nação. Com efeito, é esta a função económica essencial .das exportações: prover os meios de pagamento às importações - cedermos aquilo de que não necessitamos para adquirirmos aquilo de que carecemos.
As exportações são o que nos sobra e as importações o que nos falta. Para a vida e bem-estar são estas que contam.
A redução quantitativa per capita do total das exportações foi de 4õ por cento entre o primeiro e último decénio do meio século decorrido.
Mas, tomando de novo como termos de comparação o decénio de 1921 a 1930 e o -decénio de 1941 a 1950, constatamos que a queda no volume relativo das exportações se concentrou nas matérias-primas e nas substâncias alimentícias - 38 a 40 por cento, respectivamente. Esta redução tem particular significado por se tratar dos dois principais grupos da nossa exportação, com 96 por cento das quantidades totais absolutas de 1921 a 1930, e ainda agora, nos últimos dez anos, com mais de 89 por cento.
No nosso decadente comércio externo nota-se, porém, um sintoma animador: o notável aumento de 82 por cento na exportação per capita de manufacturas diversas e de 163 por cento em aparelhos, máquinas e ferramentas, parecendo confirmar-o sentido natural da nossa industrialização para as indústrias de exportação, que são
aquelas que a extensão da área de consumo e as leis da especialização podem justificar. Com efeito, parece que serão aquelas indústrias capazes de concorrer no mercado internacional em qualidade e preço, as que, sobretudo, oferecem sadias condições de produção e, por isso, garantias de estabilidade, e não as que carecem da tripla protecção do condicionamento, licenciamento das importações e dos direitos proibitivos.
Apresenta-se assim o problema do planeamento industrial-definir o sentido em que, integrado no planejamento económico geral, deve desenvolver-se a indústria nacional.
A lei de condicionamento industrial quer ser o instrumento daquele planeamento. Mas de que plano? Parece que deveríamos começar por planear, sob pena de continuarmos a amontoar problemas insolúveis se o condicionamento não for integrado num vasto sistema.
A Lei de Reconstituição Económica foi uma tentativa de plano de conjunto, e, por isso, melhor se ajustou à função característica do Estado moderno o planeamento por oposição ao dirigismo, levado a extremos, em que o Mundo anda enredado, verdadeiro manto de retalhos cerzido em situações anormais e que quase sempre encobre a incapacidade de planear.
Estamos, contudo, ainda longe de termos realizado, ou, porventura, simplesmente concebido, o planeamento superior da economia nacional que considere a totalidade dos nossos vastos territórios como parte integrante de um todo político-económico, com as suas imensas possibilidades de matérias-primas, de mão-de-obra e, até, com certa potencialidade de consumo, que se irá efectivando à medida que se for elevando o nível de vida dos nossos dezoito a vinte milhões de habitantes, consumo variado pela diversidade dos climas e que, por isso mesmo, há-de imprimir carácter próprio à nossa economia industrial.
Vozes: - Muito bem, muito .bem!
O Orador:-Tudo isto se passa num momento em que o Mundo Ocidental anda empenhado na maior competição da história: a prova de resistência de dois sistemas económicos rivais. O que puder levar mais longe e por mais tempo o rearmamento preventivo sem interferir sensivelmente com o nível de vida das populações, aquele que puder realizar o rearmamento numa economia em expansão (expanding economy}, terá vencido o adversário.
Nesta emergência põe-se ,com especial agudeza o problema da produtividade. É nela que o nosso sistema económico da livre empresa terá de encontrar as reservas de potencial de produção que hão-de permitir realizar aquele grandioso objectivo.
Enfrenta, por isso, a indústria portuguesa este problema grave para ela. Chamada a cooperar no vasto movimento mundial para o aumento da produtividade, ou soçobra ante um Mundo que não recua perante os problemas da técnica aplicada que ela envolve, ou caminha a par do avanço geral.
Até que ponto e em que condições poderá a nossa indústria aumentar a produção por hora de trabalho humano?
São ponderosas questões que têm de ser encaradas desde já e resolvidas prontamente porque o tempo corre veloz e a oportunidade passa.
O ilustre Deputado Calheiros Lopes, referindo-se aqui à produtividade e ao pleno emprego, deu-nos a entender que existe uma relação directa entre ambos e que a produtividade crescente conduz ao pleno emprego. Não penso assim.
A experiência americana não indica que a produtividade crescente que se tem verificado por forma constante na indústria dos Estados Unidos tenha conduzido
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aquele país ao pleno emprego. É que nenhuma relação existe, por si só, entre produtividade crescente e pleno emprego. Pode até o aumento de produtividade conduzir a uma redução do número de pessoas empregadas.
O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª dá-me licença?
Não podemos argumentar com o exemplo americano, visto que a América do Norte é, no Mundo, o país mais avançado industrialmente. Nós, em Portugal, somos, por infelicidade nossa, um país industrialmente atrasado, em que há muitas indústrias susceptíveis de instalar-se, onde portanto o desenvolvimento industrial, mesmo neste país de grande mecanização, pode realmente contribuir para diminuir o desemprego.
O Orador:-Parece-me que o Sr. Deputado se está referindo à produção, enquanto eu estava desenvolvendo o meu raciocínio sobre o conceito de produtividade. São duas coisas diferentes. Num caso trata-se de uma noção absoluta, no outro de uma noção relativa. Quando se fala de produtividade pensa-se no volume de produção por hora de trabalho humano, e não no volume total produzido, sem referência a este factor.
O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª dá-me licença?
Como V. Ex.ª calcula, eu conheço a diferença que existe entre produtividade e produção, e tanto que pedi a atenção de V. Ex.ª para o facto de as indústrias estarem a ser, mesmo em Portugal, extremamente mecanizadas, o que evidentemente melhora a sua produtividade.
Ora, havendo indústrias novas a instalar, evidentemente que os operários que possam ficar libertos das actividades que exerciam têm colocação nessas novas indústrias, não havendo portanto desemprego.
O Orador:-Mas é preciso que essas indústrias se possam montar em condições de utilidade económica.
O Sr. Botelho Moniz: - Felizmente que isso está acontecendo.
O Orador:-Com efeito, a produtividade crescente não implica o aumento de horas de trabalho e, por consequência, do número de trabalhadores utilizados na produção. Mais adiante direi quais são, em meu entender, as vantagens reais de que beneficia uma economia em produtividade crescente.
O pleno emprego, que é uma das embaladoras utopias do nosso tempo, depende da redistribuição do rendimento social. É, portanto, um problema com diversas soluções, todas elas mais ou menos ligadas a sistemas socialistas ou ainda mais avançados. Redistribuindo o rendimento social pode, em tese, chegar-se ao pleno emprego, mas à custa do nível de vida das populações e do progresso económico, isto é, sacrificando a formação de novo capital.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-A produtividade tem que ver com o nível de vida. É precisamente neste campo que a produtividade tem uma função decisiva. Quando a produção quantitativa de cada hora de trabalho aumenta, aumenta simultaneamente o nível de vida, desde que reverta a favor do salário parte daquele aumento de produtividade.
Permiti-me fazer estes comentários porque reputo perigoso criarem-se em torno de um conceito económico ou de um facto económico esperanças que não correspondam à função ou que não possam derivar do facto.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-No meio da confusão em que andamos o comércio tem sido a grande vítima. Mais perto dos consumidores, que são a generalidade dos homens, do que os governos ou os produtores, ele sente melhor do que eles os anseios e sofrimentos do povo, ele é o primeiro a verificar, através dos preços, dos consumos e do abastecimento dos mercados, as repercussões de más orientações económicas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Culpado dos erros e desmandos alheios, tem sido esbulhado dos seus negócios e liberdades. Por um lado a invasão de diversos e poderosos organismos, chamando a si muitas das tradicionais funções do comércio, por outro lado o desbordamento da indústria para o campo comercial, saindo da sua função produtora, aumentaram a desordem reinante.
O Sr. Botelho Moniz: - Parece-me que o comércio não pode queixar-se de que a indústria venda os seus produtos directamente, porque, assim como o comércio é constituído por homens, também a indústria é constituída por homens, e ambos têm, perante as leis do País, os mesmos direitos.
Nada impede que o comerciante seja industrial, assim como nada deve impedir que um industrial seja comerciante.
A tal diferenciação de actividades, em que muito se fala, e que é uma diferenciação jurídica, não deve existir na prática.
O industrial, quando monta uma casa para vender os seus produtos, e desde que reconheça os direitos dos outros comerciantes, se entra em concorrência, muitas vezes beneficia o próprio comércio por lhe dar um termo de comparação.
O argumento de V. Ex.ª estaria certo se o comércio armazenista funcionasse realmente como armazenista.
O armazenista deveria comprar à indústria a sua produção e distribuí-la, mas, na maior parte dos casos, actualmente o armazenista é um mero intermediário entre a indústria e o comércio retalhista, sem qualquer empate de capital.
O que seria justo era que o armazenista auxiliasse a indústria comprando a sua produção e mobilizando os seus capitais.
O Orador:-V. Ex.ª, Sr. Deputado, acaba de tocar num ponto sério da nossa economia.
De facto, o comércio armazenista sofreu nos últimos trinta e cinco anos rudes golpes que destruíram uma parte dos capitais flutuantes da Nação.
Foram, a meu ver, três as causas principais: as desvalorizações sucessivas da moeda, a intervenção em certos sectores de diversos organismos substituindo-se ao comércio e o preço fixo.
A redução forçada do seu campo de acção, por um lado, e, por outro, as descapitalizações, a perda de parte dos capitais, a que a levaram a quebra da moeda e o preço fixo antieconómico, tornando impossível a reconstituição dos stocks por preço inferior ao preço de venda, explicam o facto a que V. Ex.ª se referiu.
A situação assim criada provocou a perda de grandes quantidades de capital flutuante e entregou noutras mãos a guarda e gerência de outra parte considerável.
O Sr. Botelho Moniz: - Quando um industrial vai vender directamente ao consumidor usa de um direito que toda a gente tem em Portugal.
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mica do comércio é a distribuição, significando tal distribuição, na opinião corrente, não a função económica assim designada, que tem que ver com a repartição da riqueza ou do rendimento social, mas a simples função mecânica de levar os produtos de casa do produtor a casa do consumidor, com balcões de permeio.
Contudo o comércio exerce, de facto, uma função económica fundamental - criar, guardar e administrar o capital flutuante da Nação e constitui o precioso mecanismo do preço real.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Mal vai a sociedade que o tentar amesquinhar ou suprimir, porque provoca a ruína com os preços antieconómicos e, com a destruição da fonte viva dos capitais flutuantes, a perda do defensor estrénuo e hábil gerente das reservas permanentes de bens prontos para o consumo, em que assenta a continuidade e segurança de toda a vida.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Quando o comércio ú esbulhado daquelas funções ou restringido inconvenientemente no seu exercício, assiste-se à delapidação dos capitais flutuantes, à desordem nos preços e à míngua nos mercados.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Não podem os organismos tutelares ou a indústria substituir-se com vantagem ao comércio. A indústria desvia-se da função produtora com as suas implicações de técnica aplicada, avoluma riscos com os quais não pode facilmente arcar por falta de competência especializada ou carência de propósito funcional e desvia capitais que mais utilmente empregaria no desenvolvimento da produção ou no aperfeiçoamento das próprias instalações e dos processos fabris. Os organismos tutelares entram, sem as condições naturais requeridas, num campo, donde terão de sair mal, mais cedo ou mais tarde.
Sem querer entoar hinos, eu não posso deixar de acentuar que o comércio português, intimamente ligado desde a origem à formação e desenvolvimento da nacionalidade, tem sido, através dos tempos, a mais poderosa força da nossa expansão no Mundo.
Ainda hoje encontramos o comerciante português por toda a parte rodeado de prestígio. Preponderante no Brasil e em vastas regiões da África, sempre presente no Oriente, numeroso nas Antilhas, disperso pelo Mundo inteiro, vemo-lo labutar sem desânimo em climas incríveis, nos contrafortes adustos dos Andes, na Amazónia ardente ou nas regiões tórridas que o Orenouco banha.
, Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-É este comércio português, parte essencial da Nação, que eu não vejo acautelado na lei do condicionamento industrial, e temo que, na sua aplicação, ela possa dar motivo a novas queixas por novas ofensas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-À parte certas alterações na redacção de algumas bases sobre as quais talvez ainda tenha ocasião de pronunciar-me durante a discussão na especialidade, e na convicção de que a voz do comércio será ouvida e aquelas ofensas se não darão, estou disposto, por mim, a aceitar a proposta do Governo, pelo que ela significa ou possa significar de maior liberdade de concorrência, de menor intervenção hierárquica. Sou pela responsabilidade, que aumenta com a autonomia, com a consciência dos próprios riscos. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente:-Vou encerrar a sessão. A próxima será na terça-feira, dia 22, com a mesma ordem do dia de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António Jacinto Ferreira.
Carlos Mantero Belard.
Henrique dos Santos Tenreiro.
José Dias de Araújo Correia.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
António Joaquim Simões Crespo.
António Raul Galiano Tavares.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amorim.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
Vasco de Campos.
O REDACTOR, - Luís de Avillez.
Propostas enviadas para a Mesa no decorrer da sessão:
Proponho que na primeira parte da base VI e entre as palavras c autónomo II e "conforme B seja aditada a frase: "desde que não afectem o equilíbrio do respectivo sector fabril e", de modo a ficar com a redacção seguinte:
Nas indústrias consentâneas com o trabalho no domicílio serão isentos do condicionamento e protegidos os estabelecimentos de trabalho caseiro e familiar, autónomo, desde que não afectem o equilíbrio do respectivo sector fabril e conforme foi determinado no decreto a que alude a base anterior.
O Deputado, António Júdice Rustorff da Silva.
Proponho que no final da 2.ª regra da base VI se acrescentem as palavras "salvo o que estiver determinado
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na legislação dos respectivos organismos de coordenação económica", ficando assim com a redacção seguinte:
Também serão isentos de condicionamento, nas indústrias tributárias da agricultura, os estabelecimentos complementares da exploração agrícola destinados u preparação e transformação dos produtos do próprio lavrador ou de cooperativas agrícolas, salvo o que estiver determinado na legislação dos respectivos organismos de coordenação económica.
O Deputado António Júdice Rustorff da Silva.
Proposto de lei a e se referiu o Sr. Presidente no decorrer da sessão:
1. O artigo 45.º do Regimento do Tribunal de Contas, aprovado pelo Decreto n.º 1:831, de 17 de Agosto de 1910, estabelece, para o caso de alcance ou desvio criminoso de valores pertencentes ao Estado e a outras entidades de carácter público, um regime de responsabilidade que, perante as realidades insofismáveis da vida, não pode deixar de qualificar-se de extremamente severo e consequentemente injusto.
Ocorrido o facto criminoso, a responsabilidade civil não recai unicamente sobre o respectivo agente; estende-se aos gerentes ou administradores, embora absolutamente estranhos ao crime, e ainda que tenham exercido a vigilância que normalmente e razoavelmente deve ser exigida. Tal como se acha redigido o texto legal, pode afirmar-se que os gerentes e membros dos conselhos administrativos suportam quase sempre o peso da responsabilidade civil e financeira pelo alcance que outrem praticou; só em casos muito excepcionais é que conseguem libertar-se. Basta assinalar que um dos requisitos da isenção é que a perda dos dinheiros ou a destruição dos valores seja efeito de força maior.
O exagero é flagrante.
2. Importa estatuir uma doutrina mais humana e mais equilibrada. Não pode, é claro, ir-se até ao ponto de frustrar a função de fiscalização que aos administradores incumbe exercer sobre os que têm a seu cargo os dinheiros ou valores; mas também não é legítimo pretender que os membros dos conselhos administrativos se coloquem em estado de alerta permanente isto é, estejam de tal modo atentos e vigilantes que o alcance só venha a produzir-se por efeito de força maior.
Temos de situar-nos dentro das realidades. Há que ter em conta, por exemplo, a circunstância de que muitas vezes a actividade principal dos administradores está a grande distância da função fiscalizadora. Não é legítimo exigir uma fiscalização financeira, acabada e perfeita, da parte de quem, pela índole da sua função dominante, não está em condições de a poder exercer.
3. O nosso sistem legal de responsabilidade assenta, em regra, sobre uma condição subjectiva: a culpa. É esse princípio que vai agora aplicar-se ao caso de alcance.
Determina-se que os gerentes e administradores só respondem se forem convencidos de culpa grave. Mas é bem de ver que o mesmo comportamento objectivo é
mais ou menos grave, mais ou menos desculpável, consoante a natureza da função essencial dos administradores. Por isso se comete ao Tribunal de Contas, como verdadeiro órgão jurisdicional, o poder de livre apreciação do grau da culpa, segundo as circunstâncias do caso concreto.
Há-de reconhecer-se que esta atribuição está na linha de rumo das modernas reformas processuais e, na lógica dos direitos e garantias individuais, previstos na nossa lei fundamental.
Nestes termos se apresenta a apreciação da Assembleia Nacional a seguinte proposta de lei:
BASE I
Em caso de alcance ou desvio criminoso de dinheiros ou valores do Estado, dos corpos administrativos, das pessoas colectivas de utilidade pública ou dos organismos de coordenação económica, a responsabilidade civil e financeira recairá sobre o agente ou agentes do facto criminoso.
Estender-se-á, porém, aos gerentes ou membros dos conselhos administrativos estranhos ao facto:
a) Se, por ordem sua, a guarda e arrecadação dos valores tiverem sido entregues à pessoa que praticou o desvio, sem que ocorresse a falta ou impedimento daqueles a quem por lei pertenciam tais atribuições (culpa in ellegendo);
b)) Se, por indicação sua ou nomeação, pessoa já desprovida de idoneidade moral, e como tal tida e havida, foi designada para o cargo em cujo exercício praticou o facto criminoso (culpa in ellegendo);
c) Se houverem procedido com culpa grave no desempenho das funções de fiscalização que lhes estão cometidas (culpa in vigilando).
§ Único. O Tribunal de Contas avaliará, no seu prudente arbítrio, o grau da culpa, em harmonia com as circunstâncias do caso, e tendo em consideração a índole das principais funções dos gerentes ou membros dos conselhos administrativos.
BASE II
As regras do artigo anterior são aplicáveis à determinação da responsabilidade a que se refere o artigo 443.º do Decreto n.º 19:908, de 15 de Junho de 1931, ainda que se trate de casos já julgados pelo Tribunal de Contas.
Verificando-se a ultima hipótese, poderão os interessados, no prazo de sessenta dias, a contar da entrada em vigor deste decreto-lei, requerer a revisão do julgamento, para o efeito da aplicação do que neste artigo se prescreve.
| 1.º Havendo execução pendente, será suspensa logo que se junte ao processo documento comprovativo do facto de ter sido requerida a revisão.
§ 2.º Se a decisão condenatória for revogada em consequência da revisão, far-se-á o reembolso das importâncias pagas.
Ministério das Finanças, 16 de Janeiro de 1952.- O Ministro das Finanças, Artur Águedo de Oliveira.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA