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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 124

ANO DE 1952 23 DE JANEIRO

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 124 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 22 DE JANEIRO

Presidente: Ex.mo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mo Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 123.

Leu-se o expediente.

O Sr. Presidente, informou que recebera, da Presidência do Conselho, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Decretos-Leis n.ºs 38:601, 38:604, e 38:605.

O Sr. Deputado Magalhães liam alho esclareceu uma intervenção que fizera, há tempos sobre, casas para

Ordem do dia. - Continuou o debate acerca da proposta de lei relativa ao condicionamento industrial. Falaram os Srs. Deputados Matos Taquenha, Elisio Pimenta, Mascarenhas Gaivão e Sá Carneiro.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 55 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Alberto Rodrigues de Araújo.
Albino Soeurea Finito dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Bartolomeu Gromicho.
António Caleiros Lopes.
António Cortes Lobão.
António Júdice Rustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
António de Sousa da Câmara.
Artur Proença Duarte.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elisio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vidaor.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Liana.
Herondano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
João Alpoim Borges do Canto.

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João Luís Augusto das Neves.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Cardoso de Matos.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Numes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente:-Estão presentes 67 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente:-Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 123.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer rectificação ao Diário em reclamação, considero-o aprovado.

Deu-se conta do seguinte

Expediente Exposições

Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Ao abrigo da alínea a.} da base II da Lei n.º 1:956 e seus Decretos regulamentares n.ºs 36:443 e 36:945, tem u indústria de panificação estado submetida, e está, ao condicionamento industrial, dado que a capacidade de produção das padarias existentes excede mais de três vezes as necessidades do consumo do País.

Não obstante os diversos preceitos legais exigidos e que há a respeitar para a instalação de novas padarias, muitas têm sido autorizadas.

Os pareceres dos grémios dos industriais de panificação, dados ao abrigo do artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 32:189, de 11 de Agosto de 1942, em muitos casos desfavoráveis, especialmente quando se trata de pedidos para localidades com escassas dezenas de habitantes e normalmente abastecidos por padarias próximas, depósitos e vendas ambulantes, não têm sido respeitados.

Assim, só no curto espaço que vai de Agosto de 1948 a Julho de 1950 foram deferidas 1:147 novas autorizações para instalação de padarias, que mais parcelaram de forma antieconómica a indústria de panificação.

Cerca de 90 por cento das novas instalações efectuadas no domínio da lei de condicionamento industrial levantam o justificado protesto da indústria estabelecida, que se vê a braços com n, mais dura crise e que não chega a laborar um décimo da sua capacidade fabril.

Não obstante o condicionamento industrial vigorar em relação à indústria de panificação desde o início da sua promulgação, ele não tem tido a necessária eficiência, podendo atribuir-se a essa circunstância a causa de uma parte da situação aflitiva que a indústria e o seu pessoal atravessam.

A relação do condicionamento industrial com a situação antieconómica da indústria provém, como é intuitivo, do f acto de a pulverização de padarias para além de um certo limite ser causa de uma produção a preço mais elevado, pelos graves desperdícios que acarreta. Isto sem termos em linha de conta o rendimento do capital e a reserva aconselhável para o reapetrechamento e progresso da indústria. A indústria de panificação encontra-se entre nós em estado rudimentar, com estabelecimentos pobres em cerca de 95 por cento, com um operário vivendo em .más condições, porque o próprio patrão, apesar do trabalho árduo que tem de suportar, já vive muito mal. E teima-se muitas vezes em não considerar esse importante facto demolidor da situação da panificação e de fabrico em condições económicas desfavoráveis, que é a autorização de novas padarias em lugares omde elas hão de considerar absolutamente ser necessárias.

Não deverá esquecer-se que das 6:241 padarias existentes .no País, 2:679 -que correspondem a 42 por cento do total- cozem menos que uma saca de farinha diária. Sabendo-se que todas as padarias que cozem menos de seis sacas de farinha diárias dificilmente subsistem, e que são em número inferior a 10 por cento as que atingem ou ultrapassam esta cozedura, poderão assim avaliar-se os graves inconvenientes do tão grande parcelamento desta indústria!

Deverá legislar-se no sentido de dar à indústria uma nova organização, de aproveitar os modernos sistemas - apetrechamento, fabrico e transporte-"de molde a permitir economizar as muitas calorias, trabalho, capital e esforço que se perdem e que a ninguém aproveitam.

O artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 31:545, de 30 de Setembro de 1941, prevê a concentração de padarias, porque reconhece como indispensável o encerramento das consideradas desnecessárias ao abastecimento público.

Porém, as concentrações de iniciativa particular, tentadas em algumas localidades e impostas por duras dificuldades e como único meio de subsistência, vêem-se a braços com a falta de protecção por parte das entidades que deferem novas instalações para os mesmos locais, o que vai destruir a obra feita com imensa dificuldade e sacrifício.

Requere-se, portanto, muito ilustre Presidente, um condicionamento industrial eficiente - a abranger a panificação e a aplicar-se em todo o âmbito das. presentes necessidades. Sem dúvida que o preço do pão - muitas vezes demonstrado não permitir um lucro justo, e na maior parte dos casos hoje mesmo qualquer lucro-, não sendo fácil de alterar, e muito menos na difícil situação que se atravessa, tem de ser defendido com medidas acertadas que ponham a indústria a coberto do risco de eliminação, que corresponde sempre, neste caso, a perda de capital e de trabalho, mesmo encarado no ponto de vista, social. Interessa constituir uma indústria equilibrada economicamente, que produza em condições

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aceitáveis, para que possa servir bem o público, em condições de higiene, qualidade e preço; uma indústria a que se conceda aquele mínimo de vida que lhe permita pagar aos seus operários um salário adequado às exigências consideradas humanamente suficientes e contribuir para obras sociais destinadas à protecção das crianças e dos inválidos ou acidentalmente doentes.

Sr. Presidente: o Grémio da Panificação e a indústria que representa desejam que se fabrique bom pão e que o público seja bem servido. Para tanto, será indispensável que as farinhas melhorem de qualidade. Será ainda necessário que se possa pagar a pessoal técnico competente e que se valorizem pela concentração e reapetrechamento as unidades industriais existentes.

lato só será possível, em conclusão, se a indústria de .panificação for sujeita a um condicionamento industrial que ofereça as necessárias garantias, e o decreto que o regulamente, neste sector, não se poderá limitar a linhas gerais e abstractas que possam conduzir aos desastrosos efeitos da situação presente.

Crentes de que este magno problema vai merecer a boa atenção de V. Ex.ª, Ex.mo. Presidente, e da muito ilustre Assembleia Nacional, a que doutamente preside, pedimos licença para nos subscrevermos com a maior estima e a mais elevada consideração.

A bem da Nação.

Lisboa, 18 de Janeiro de 1952. - Grémio dos Industriais de Panificação de Lisboa, o Presidente da Direcção, José da Silva Baptista.

De vários ex-graduados da Polícia de Segurança Pública demitidos por motivos políticos no sentido de que a anã situação seja revista em face da Lei n.º 2:039.

Telegramas

Da Câmara Municipal de Vila de Rei sobre a proposta de lei do condicionamento das indústrias.

Do Grémio da Lavoura de Alpiarça no mesmo sentido.

O Sr. Presidente:-Foram recebidos na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho; em cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os n.08 9, 12 e 13 do Diário do Governo, respectivamente de 14, 17 e 18 do corrente, que contêm os Decretos-Leis n.08 38:601, 38:604 e 38:605.

Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Ramalho.

O Sr. Magalhães Ramalho: - Sr. Presidente: apenas algumas palavras para um muito sincero agradecimento e uma rectificação.

Com base num artigo publicado no jornal O Gaiato de 24 de Novembro passado, que começava assim:

Não surgiu inesperadamente a questão das casas dos pobres. Nós contávamos com a tempestade. Tinha de dar-se. E deu-se.

e terminava:

Já não peço à Câmara que ajude; já me contento que não estorve.

fiz daqui um muito sentido apelo com vista a removerem-se quaisquer dificuldades de ordem legal que enfraquecessem ou obstassem a uma rápida expansão por todo o País dessa maravilhosa obra de caridade que tem por norte a divisa de a um lar para cada pobre», que é a obra das Casas para Pobres».

O meu apelo foi ouvido por quem de direito. Só há poucos dias, porém, tive conhecimento desse facto por

intermédio de uma muito amável e completa informação de S. Ex.ª. o Ministro das Finanças, nosso ilustre e prestigioso companheiro de trabalho nesta Assembleia.

Eu desejo, por isso, e antes de mais nada, apresentar os meus mais sinceros agradecimentos por todo o interesse e boa vontade tão devotadamente postos ao serviço do esclarecimento rápido da questão que aqui pus em 12 de Dezembro passado.

Com base, porém, nesses elementos oficiais, julgo também de meu elementar dever esclarecer mais completamente o assunto e rectificar as ideias com que, por equívoco, fiquei ao ler o artigo a que me referi.

O movimento da «Obra das Casas para Pobres», hoje mais conhecida por «Património dos Pobres», teve o seu início em Janeiro de 1951 e viu o sen regulamento aprovado por provisão de S. Exª. Rev.mª o Sr. Bispo do Porto de 3 de Outubro do mesmo ano.

Segundo o artigo 11.º desse regulamento, essa obra iniciar-se-ia na freguesia de Paço de Sousa, sendo porém pensamento do seu inspirador e fundador - o também bem conhecido e bondoso padre Américo- que ela se propagasse e estendesse às outras freguesias do País, logo que tal se tornasse possível.

Começada a obra sem dinheiro, ela já hoje conta no seu activo com onze famílias instaladas em casinhas próprias e mais oito a instalar dentro de dois meses, em casas já construídas, ou em construção, em quatro freguesias junto a Paço de Sousa, em Miranda do Corvo e no Tojal (Loures)!

As habitações são erguidas individualmente -não em bairros-, em nesgas de terreno oferecidas nos sítios onde os pobres, vivam em más condições, são providas de uma cozinha e de um a três sobrados, conforme os casos, custando como média, entre todas, qualquer coisa como 12 contos, obtidos por meio de donativos -a maior parte anónimos! - do continente, do ultramar e do estrangeiro.

. Embora nada se ache expressamente legislado nesse sentido -e era essa precisamente uma das intenções do meu apelo -, as câmaras municipais e as secções de finanças têm dado, no entanto, no geral, todas as facilidades a essa obra e suponho que também a outras congéneres existentes em Vila Franca de Xira, Avelada e não sei se em mais algum outro ponto do País.

Apenas uma câmara municipal, com um embargo de uma obra por motivo de certas formalidades, deu origem à reclamação de que aqui me fiz porta-voz em 12 de Dezembro passado. Esse mesmo incidente, porém, foi rapidamente solucionado, e em termos de os respectivos trabalhos poderem prosseguir sem mais dificuldades.

É me muito agradável, por isso, poder prestar estas informações a VV. Ex.ªs e, aproveitando a oportunidade, esclarecer como VV. Ex.ªs também decerto já o compreenderam que aqueles valores a que aqui me referi em 12 de Dezembro representavam uma estimativa de encargos totais com a construção e recheio de uma pequena casa para pobres, feita por qualquer particular, e não pela obra de que me tenho estado a ocupar.

Tal, porém, como estava redigido o artigo em que me baseei, parecia que assim não era, e dai a razão do meu equívoco, de que peço as maiores desculpas.

Eu continuo a aplaudir, no entanto, calorosamente, esse palpitante anseio de caridade sem limites do padre Américo, quando, olhando para além dos interesses da sua própria obra, nos diz:

Nós não temos queixa. Porém, na qualidade de procurador dos pobres, eu muito desejaria que as câmaras de todo o País prestassem facilidades a todo o homem pobre que se aventure a construir pelos seus meios ou com esmolas a sua casinha.

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O problema é tecnicamente mais difícil que o do simples apoio ou auxílio a uma instituição de assistência. Não é, porém, impossível de ser encarado através de qualquer diploma legal especial, em que se contemple mais esse aspecto - que não é dos menos relevantes - do problema da habitação e da protecção aos desprotegidos da sorte ou economicamente mais débeis.

O interesse e carinho com que as questões desta natureza costumam ser superiormente olhadas entre nós - sirva como exemplo o caso que originou esta minha intervenção - dão-me quase a certeza de que a sugestão a que me refiro não deixará de ser também devidamente ponderada por quem de direito e, se o pedido for deferido, será caso para pensar que, com o meu engano involuntário, se verificou mais uma vez aquela verdade luminosa do Evangelho:

Há mais alegria no Céu por cada, pecador que faça penitência do que por noventa ë nove justos que a não necessitem de fazer.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

Ordem do dia

O Sr. Presidente:-Continua em discussão, na generalidade, a proposta de lei sobre o condicionamento das indústrias.

Tem a palavra o Sr. Deputado Matos Taquenho.

O Sr. Matos Taquenho: - Sr. Presidente: vai longo o debate sobre a proposta de lei de condicionamento das indústrias, o que de si mostra bem o interesse despertado por tão importante factor da vida nacional.

A esta tribuna têm subido especializados na técnica, no direito e na economia, cada qual procurando esclarecer a complexidade do problema e os riscos que podem advir de soluções menos profundamente examinadas. Pressentiram-se teses que se entrechocam, que quase se contrapõem: condicionamento apertado ou permitindo concorrência que seja estímulo de progresso. Fez-se história recente para, sobre factos passados, concluir qual a orientação sobre o futuro.

Se é certo que a história se repete, não é menos verdade que os homens teimam em não aprender as suas lições. Faremos nós também um pouco de história, «em, aliás, a preocupação de convencer.

Pretendeu o movimento de Maio de 1926 libertar o País dos males de que então sofria, de uma doença grave que o tinha minado até ao mais profundo dos seus alicerces. Enraizara-se a maleita, tornara-se crónica ao longo de bons cento e cinquenta anos e neste, como em todos os outros casos de doenças crónicas, a terapêutica era difícil de aplicar, bem mais que nos casos de doenças apenas agudas que afectem um só órgão. Por fases sucessivas se operou.

No Ministério das Finanças procedeu-se por forma a pôr o doente a respirar livremente, liberto de opressões que o asfixiavam, que o mantinham em completa impotência. Obtido este primeiro efeito salutar por reflexas, melhoraram imediatamente alguns órgãos mais da Administração, não se verificando, porém, que fora dela os homens na sua maioria tivessem compreendido que de facto se tinha operado uma revolução que atingira tudo e todos. Na verdade, apenas uma escassa minoria tinha o espírito orientado fora das ideias que o liberalismo consolidara, não obstante a gravidade dos malefícios resultantes e de que a grande maioria sofria.

Estavam restauradas as finanças, mas a economia continuava doente e no social os sintomas eram alarmantes, pois este ressente-se e sofre em consequência. Fora possível restaurar as finanças com o traçado da Sala do Risco, era a obra de um homem de ideias claras e definidas, executadas apenas pelos responsáveis da Administração .

Já assim não aconteceria com a economia, que, tunda entregue a si própria,, continuava a viver nas mais precárias circunstâncias. Antes ainda de operada a revolução nos espíritos, sem se partir de premissas assentes nas nossas condições geoeconómicas, procurava-se uma vida que tinha como base a existência daquilo que na verdade não existia.

O ramo industrial sofria de males profundos; entre muitas razões, deficiente montagem, técnica precária, capitais desinteressados, falia de mercados, pessoal sem instrução profissional, etc. O Governo em 1931 promulgava, pelo Decreto n.º 19:354, as primeiras medidas salvadoras deste importante sector da economia nacional, as quais não eram mais que soluções de emergência, transitórias portanto, mas que significavam o primeiro passo intervencionista do Estado, quando ainda na Constituição Política não estavam assentes as grandes linhas que dariam o novo rumo à Nação.

Facto curioso, digno de se irão «perder de vista: os espíritos liberais, os individualistas, abraçaram a lei do saudoso Dr. Antunes Guimarães com ânsia de náufragos, sendo a maior preocupação não ficar fora do condicionamento. Na verdade, o condicionamento de 19-31 serviu o interesse do industrial mais ainda que o nacional, pois o libertou da livre concorrência, desregrada, incontrolada, causadora, ao fim e ao cabo, da ruína dos mais débeis, que abria caminho para a formação dos grupos poderosos, dominadores em absoluto, ao mesmo tempo que punha em risos os operários, sempre aia iminência de desemprego.

Entretanto estudaram-se a nova Constituição e o Estatuto do Trabalho Nacional - que engloba, pode dizer-se, o estatuto da política económica - , os dois diplomas que vêm dar a nova linha de rumo à Nação, que os promulgou em 193(3. Estes diplomas, com outros mais, fazem parte de uma intensa actividade legislativa daquela época, que se baseou na força criadora de ideias tendentes a libertar o País da orientação demo-liberal, e forçosamente teriam de ser o ponto de partida para as reformas .necessárias ao enquadramento das actividades na nova orientação.

Desapareceu o trabalho mercadoria, e de então em diante passaram a propriedade, o capital e o trabalho a desempenhar uma função social, em regime de cooperação económica e solidariedade. O individualismo, até então expressão suprema dos interesses, foi reduzido na sua omnipotência até ao necessário para não ofender os interesses da comunidade, que são os da Nação. No entanto, o Estado proclamou que reconhece na iniciativa privada o mais fecundo instrumento do progresso e da economia da Nação.

Não há contradição alguma nas duas proposições; há apenas uma limitação, subordinação do particular, ao geral, assente embora na iniciativa do indivíduo, e não do Estado, que deve renunciar a explorações de carácter comercial ou industria!, mesmo quando se destinem a ser utilizadas no todo ou em parte pelos serviços públicos, só podendo estabelecer ou gerir essas explorações em casos excepcionais, para conseguir benefícios sociais superiores aos que seriam obtidos sem a sua acção.

No discurso pronunciado no Porto em 16 de Março de 1933 disse o (Sr. Presidente do

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independente, que nada tem que ver com o interesse colectivo nem com a moral, e supusemos que podia ser finalidade dos indivíduos, dos estados ou das nações amontoar bens sem utilidade social, sem regras de justiça na sua aquisição e no seu uso. Nós adulterámos a noção do trabalho e a pessoa do trabalhador. Esquecemos a sua dignidade de ser humano, pusemos diante de nós o seu valor de máquina produtora, medimos-lhe ou pesámos-lhe a energia, e não nos lembrámos sequer de que ele é elemento da família e que nele só não está a vida, mas na mulher, nos filhos, no lar. só golpe desmembrámos o núcleo familiar, aumentámos a concorrência dos trabalhadores com o trabalho feminino e não lhe demos em salário o correspondente à produtividade da boa dona de casa e à utilidade social da exemplar mãe de família.

E mais adiante:

Impelimos o Estado primeiro para a passividade absoluta, que nada tinha ou queria ter com u organização da economia nacional, e depois para o intervencionismo absorvente, regulando ele a produção, a repartição, o consumo das riquezas. Sempre que o fez, onde quer que o fez, esterilizou as iniciativas, sobrecarregou-se de funcionários, agravou desmedidamente as despesas c os impostos, diminuiu a produção, delapidou grandes somas de riqueza privada, restringiu a- liberdade individual, tornou-se pesado, insuportável inimigo da Nação.

As frases transcritas são o que os novos conceitos económicos contidos na Constituição de 1933 e no Estatuto do Trabalho Nacional procuraram evitar, são a razão de ser de um intervencionismo moderado, tendente a salvaguardar o interesse nacional, deixando, no entanto, liberdade possível ao indivíduo, sem sobreposições que diminuam os seus legítimos direitos conferidos pela Constituição.

O referido decreto de 1931, como medida de emergência que foi, em face da legislação de 1933, deveria, dentro da lógica e da nova situação jurídica, integrar-se nos conceitos económico-sociais, o que veio a suceder pela promulgação da Lei n.º 1 :956, de 17 de Maio de 1937. Pode, portanto, dizer-se que esta lei foi o primeiro instrumento jurídico que deu corpo à integração da actividade industrial dentro de fórmulas corporativas, embora no início da sua organização, que ainda hoje se encontra sem o seu fecho natural e necessário.

O tempo e os factos demonstraram que a Lei n.º 1:956 não bastou para dar a .almejada saúde ao corpo industrial, e entrou-se em repetidas providências, sem um critério definido, demonstrativo das hesitações que terão a sua origem na falta de um plano que definisse clara e concretamente qual a orientação a seguir por parte do Governo, um autêntico estatuto da indústria, como foi estabelecido para o trabalho.

Dissemos atrás que em 1931 a preocupação dos industriais era de que ás suas indústrias ficassem a coberto do condicionamento; porém em 1937 já a situação mudava e apenas ficou permanente quanto a algumas delas, para nos anos a seguir, por diplomas regulamentares, ser novamente generalizado o condicionamento a quase todas. Em 1940 a situação ocorrente levou o Governo a tomar atitude nova, mas com o mesmo objectivo de terapêutica industrial, e procurou um remédio eficaz ou pelo menos adjuvante, através da concentração industrial, tentada pela Lei n.º 2:005. Em 19.47 muda-se de rumo novamente, tacteia-se uma redução no condicionamento, que se acentua agora na proposta em discussão.

Há que concluir, há que reconhecer que ainda se não sabe o que se quer em assunto de tanta importância para uma sólida política económico-social, hoje fundamental para a vida das nações. Paralelamente, tem de se verificar que se perderam quase vinte anos para definir uma política que encorajasse os capitais nacionais, arredios a aplicarem-se em empresas industriais, não se devendo omitir que as referidas incertezas de rumo mais dúvidas levantaram no espírito dos capitalistas.

Temos como indiscutível verdade o que Salazar disse em 25 de Junho de 1942:

Para já basta dizer que a organização corporativa tem sido o instrumento necessário à execução da nova política económica. Anda muito longe das realidades do momento quem supõe poder hoje produzir, negociar, viver fora da organização corporativa. Há ainda a escolha do tipo; já a não há do facto. Hoje não existem industriais ou agricultores- há a indústria ou a agricultura, a produção do ferro ou dos cereais.

Eu compreenderia ainda dentro da atmosfera de imoderados ganho* para os quais- desapareceu o obstáculo da concorrência, que alguns patrões aceitassem mal a disciplina da corporação. Mas é me difícil de .entender que, também no meio de operários, e de empregados, se manifestem de vez em quando hostilidade** e desconfiança das virtudes do sistema. Sem dúvida, o estatismo, o comunismo, o liberalismo têm razão de ver no corporativismo português um inimigo mortal. Mas. não podem vê-lo aqueles u quem a organização corporativa, reconhecendo-os, integrados na economia ,da Nação, quis integrar de pleno direito no Estado, e que «través da organização- corporativa lograram a decisiva vitória de tornar .solidário o social do económico, com o consequente reconhecimento da sua dignidade que idade de colaboradores.

Aqui ficou a resposta para aqueles que pudessem formular dúvidas sobre se o condicionamento das indústrias deve ou não "ficar subordinado à orgânica corporativa. Este deverá ser o espírito do legislador, não se afastando da ética que teimamos em querer ver manter, porque p que vai pelo Mundo cada vez mais. demonstra " que, na verdade, fomos precursores, e não devemos perder posições. E, na realidade, este foi também o espírito do legislador da Lei n.º 1:956.

Há, no entanto, Sr. Presidente, fundadas .razões para descontentamentos pela -execução dos diplomas referentes imperiosa e firmeza.

Queremos fazer inteira justiça às boas intrusões que determinaram o titular da pasta da Economia, muito ilustre membro desta Assembleia, que procurou numa maior liberdade encontrar solução para diminuir a asfixia da iniciativa privada, mas, nosso ver, ainda se não vislumbra, pela proposta de lei em discussão, a almejada finalidade de dar vida estável à indústria, proporcionando-lhe os meios necessários, a que se desenvolva por forma a absorver uma parte do excedeu-te demográfico periodicamente em crises de desemprego involuntário, nem a conseguir na generalidade impor-se pela qualidade dos seus produtos, não obstante o muito que, na verdade, tem melhorado.

No fundo, a proposta pouco mais é que libertar mais o que por várias vezes se tem condicionado, isto é, caminha no sentido «Io que se abandonou em 1931, embora com alguns licenciamentos, o que é bem pouco para curar tantos males. Reafirma muito do que ide fun-

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damental contém a Lei n.º 1:956, anãs na verdade com outro espírito.

Pelo contrário, o parecer da .Câmara Corporativa reflecte a mesma orientação da Lei n.º 1:956, sente-se nele a influência que terá tido o seu relator, que tem boas razões .para conhecer de perto o espírito do legislador de 1937, que/por sua vez bem conhecia a melhor interpretação da já referida legislação de 1933.

Se as novas legislações se compreendem para acertar o que o tempo ou os acontecimentos desactualizaram, se no decurso de uma evolução de política económica há que reajustar por uma ou mais vezes aquilo que nem sempre se pode ou não convém fazer de um >só jacto, para evitar grandes perturbações, o que está em causa é a instituição, e não os princípios informadores.

Ora desde 1933 para cá os princípios são os mesmos, mas sobre eles se tem legislado de formas diferentes, por formas que quase se opõem, exactamente porque falta o já referido estatuto que defina sem hesitações as bases da vicia industrial e ainda porque se trabalhou com espíritos diferentes.

A burocracia, sempre insatisfeita com a papelada, as licenças, os prazos., as mil peias para os mais insignificantes actos, tem a sua quota-parte de responsabilidade - nada pequena- nos descontentamentos resultantes do condicionamento. Sem as intervenções constantes e quantas vezes impertinentes da complicada burocracia, sem um muito conhecido autoritarismo de alguns serviços, que transformaram em actos transcendentes insignificantes pormenores, quantas vezes de manifesta vantagem para as instalações, não se teria criado um estado de espírito que anda confundido com os males atribuídos ao condicionamento.

Sentiu-se nesta Assembleia, bastantes vezes, as susceptibilidades de alguns serviços quando se aprecia a sua acção, mas, embora correndo o risco de mais uma vez desagradar, é necessário que afirmemos caberem-lhes responsabilidades grandes no actual estado de coisas.

A libertação que a proposta traduz representa o caminho encontrado para aliviar a iniciativa particular rio tremendo peso do fardo burocrático. Mas será realmente solução para o que se torna necessário, ou corre-se o risco de mais uma vez se perder terreno?

Sem sermos técnico nem jurista, apenas como homem da rua, com a experiência que dá a luta cruenta com a Terra, a Natureza e ultimamente o próprio homem, sentimos que o remédio que se procura não está na libertação, mas antes na falta de uma regulamentação clara, e adequada a cada ramo industrial ou indústria especificada, encarados não apenas na sua aparente singeleza, mas no complexo em que quase todos eles se integram, tão simples que não permita aos serviços grandes divagações em matéria de exigências.

No estudo aqui apresentado pelo nosso colega engenheiro Magalhães Ramalho foram mencionados casos altamente significativos, que levam a concluir da existência de várias indústrias cuja capacidade excede em muito as necessidades nacionais, o que implica necessariamente medidas que dificultem a criação de novas instalações, sim que estas medidas tenham de significar uma protecção que dê lugar à estagnação do actualmente existente. Mais ainda: torna-se necessário que as regulamentações forcem a que as instalações condicionadas se modernizem e sigam tão de perto quanto possível a actualização dos preços de venda dos seus produtos. Só assim se justificará um condicionamento que não pode ter em vista um cómodo dormitar sobre u prelecção conferida.

Não nos parece grandemente procedente a preocuparão de uma libertação que facilite aos novos ingressarem na indústria, como meio de lhes abrir possibilidades de acção neste campo. Seria assim se pudéssemos constatar que estávamos em pleno desenvolvimento, ou seja que todos os ramos da indústria estavam montados ou que todos seriam condicionados de uma só vez. 0ra nem um nem outro dos casos se apresenta; consequentemente, é bom mesmo que os novos procurem outros ramos ainda inexplorados, para não acontecer como com as leitarias, que fizeram a sua época, como actualmente são as pastelarias e casas de chá, que largamente utilizam os serviços dos mestres-de-obras, que não têm mãos a medir para alterarem fachadas e interiores dos estabelecimentos, que se transformam sucessivamente, depois de sucessivas falências.

E bom que se crie um espírito mais fecundo em imaginação e que se não continue com o (hábito de cada um ter de repetir aquilo que faz o vizinho.,

Sr. Presidente: segundo o Boletim n.º 156 da direcção-geral dos Serviços Industriais, há 79 fábricas de moagem de trigo de farinha espoada, que dão trabalho a 3:837 operários. Já aqui foi esclarecido que estas fábricas utilizam apenas três oitavos da sua capacidade de produção, e também foi recordado que o seu número está consideravelmente reduzido e é consequência de terem sido expropriadas com indemnização 108 fábricas que se tinham instalado antes do condicionamento. Esta redução do número de unidades importou num dispêndio de 52:000.000$, que os consumidores de farinha estão a pagar desde 1937 e cuja amortização integral se fará em vinte anos.

Parece no entanto que este exemplo e os sacrifícios que importou, já foram, esquecidos, porquanto da publicação do Decreto-Lei n.º 38:143, de 30 de Dezembro de 1950, resultou que até hoje, isto é, em cerca de um ano, fossem requeridas mais de 3:000 novas instalações, de moagens de ramas com um ou dois casais de mós. Interesse analisar também a posição desta industria, para se entender bem todo o significado da liberdade de movimentos concedida.

O que existia anteriormente avalia-se assim: ao abrigo do Decreto-Lei n.º 26:695, de 16 de Junho de 1936, inscreveram-se na Comissão Reguladora das Moagens de Ramas para laborar trigo, só ou juntamente com outros cereais, 9:293 instalações, das quais 795 consideradas fábricas, por terem força motriz própria, representando um total de 18:500 casais de mós, com uma capacidade de laboração anual de 3:500.000:000 de quilogramas de cereal, empregando as fábricas cerca de 1:500 operários e os moinhos e azenhas aproximadamente 8:500 pessoas. Ao abrigo do Decreto-Lei n.º 31:452, de 8 de Agosto de 1941, inscreveram-se para laborar milho e centeio mais 26:893 instalações, que, evidentemente, também podem laborar trigo, as quais totalizam 36:500 casais de mós, a que corresponde uma laboração teórica da ordem dos 5:500.000:000 de quilogramas de cereal, tendo a laboração efectiva no ano de 1950 sido de 309.000:000 de quilogramas.

Sobre tudo isto, como atrás dissemos, o decreto referido, de* 30 de Dezembro de 1950, permitiu, como se disse, mais cerca de 3:000 novas instalações, para as quais não houve complicação alguma de ordem burocrática, nem demoras, nem nada que entravasse as aspirações dos novos industriais. Tudo se passa com simplicidade tão aliciante que neste caso nada há a dizer aos serviços. E ao abrigo» do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 36:443, de 30 de Julho de 1947, que diz: «... o pedido de licença, feito em duplicado, será apreciado sem quaisquer outros trâmites processuais e considera-se deferido se, no prazo de quinze dias, a contar da entrada na, sede daqueles organismos, não for comunicado qualquer despacho ao requerente». Por outras palavras: em se satisfazendo o permanente apetite de papel selado tudo está arrumado, pois os serviços nada

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têm a responder depois da entrada do requerimento em duplicado; basta arquivar para que apareça uma nova unidade classificada como industrial.
Perguntamos a nós próprios, que não somos industrial, se o precedente aberto para tentar salvar da falência a moagem de espoadas, à custa de um encargo de 52:000 contos para os mesmos que vão pagando toda a farinha que consomem, não será de invocar em breve para salvar da falência a totalidade das moagens de ramas, visto que algumas já têm falido, e que mais uma vez se tenha de repetir para as de espoadas, visto que entraram já em vida difícil, como no decorrer deste debate já aqui foi afirmado.
Evidentemente, Sr. Presidente, que nenhum destes males provém da existência de um condicionamento, mas sim da forma como ele se faz, como se regulamenta, como se cumpre a regulamentação ou, antes, como se não cumpre, através de excepções, como aqui tem sido referido.
Não há certamente nenhum partidário da libertação das indústrias, mesmo quando ela se mostre conveniente em certos aspectos, que possa aprovar situações jurídicas que levem aos números atrás apontados.
Aceitamos sem dificuldade que a luta é capaz de estimular a iniciativa, que pode levar a uma selecção de valores, que são os que triunfam na vida industrial ou em qualquer outro campo de acção, mas a economia de um país é problema sério em demasia para campo aberto a toda a natureza de experiências e tentativas, na sua maioria condenadas a malogro.
Conhecemos de perto muitas das instalações a que nos vimos referindo, tanto o seu apetrechamento como a pessoa do industrial - passe a expressão -, como os seus conhecimentos técnicos e também o analfabetismo de muitos, como ainda a ausência de capital de tantos. Mas estas instalações assim formadas constituem, na verdade, uma unidade industrial? Serão indústrias caseiras, como julgamos já aqui foram classificadas?
Não; certamente não cabem em nenhuma destas classificações. Se em 1952 fosse feito um estudo a sério das indústrias portuguesas para a realização do inquérito ordenado há vinte anos, certamente não poderiam tomar lugar entre as organizações industriais capazes de assegurar o abastecimento público.
Não mós move nenhuma má vontade contra quem procura por este sistema angariar os meios de vida, mas a verdade é que o abastecimento público não pode assentar em velharias,, que, longe de tenderem para desaparecer, pelo contrário, nascem como cogumelos. Preocupa-nos igualmente a situação de alguns milhares de portugueses que vivem daquilo que está ultrapassado pelo tempo e que virá a desaparecer, quer se queira quer não. Preocupa-nos outro aspecto ainda, pois não esquecemos um espectáculo bem doloroso verificado em duas aldeias do distrito de Beja há cerca de oito meses. Apareceu uma doença desconhecida que ocasionava fortes perturbações gástricas, ao mesmo tempo que os doentes eram rapidamente quebrados por grande anemia, debilitando-os ao ponto de terem de ficar nos leitos. Famílias inteiras se encontraram nesta situação. Segundo o médico local, verificava-se rápida destruição dos glóbulos vermelhos, o que dava aos doentes um aspecto verdadeiramente lamentável. A doença generalizou-se e estendeu-se a uma outra aldeia vizinha. Intervieram as autoridades de saúde, que verificaram terem todos os doentes comido pão fabricado com farinha procedente da mesma fábrica de ramas, embora nem todos que dela se serviam tivessem adoecido. Feita uma visita de inspecção à fábrica, que se compunha de um único casal de mós, foi verificado que principalmente uma das mós apresentava em larga superfície reparações feitas com chumbo. Postas as autoridades na pista de uma intoxicação pelo chumbo, dada a raridade deste caso, foi estudado e verificado posteriormente que os sintomas, que os doentes apresentavam correspondiam exactamente a tal natureza de intoxicações. Não chegaram, no entanto, a uma conclusão precisa, concludente, mas o que é certo é que dezenas de doentes tiveram de ser auxiliados com alimentos, medicação, assistência médica, etc., e ainda hoje muitos deles, os mais atacados, continuam a sofrer. O dono da instalação, quando interrogado sobre a razão de ser do chumbo nas mós, explicou que se dedica àquela actividade há trinta e dois anos e que sempre viu fazer aquelas reparações com chumbo, embora saiba que há um cimento especial para o fim em vista, mas que, sendo caro, é geralmente por todos os moleiros substituído pelo chumbo.
Seja como for, ficou a suspeita, e nesta matéria não há inspecções, como seria para desejar, visto que a farinha é consumida tal como é entregue.
Conhecemos de há muito uma má vontade contra as moagens de ramas, que certamente se filia na concorrência que fazem à moagem de farinhas espoadas. Sabemos mesmo que, desde que se iniciou a incorporação de cereais panificáveis na farinha de trigo, muitas fábricas de ramas não conseguem farinar completamente a incorporação e que esta não fica mais que triturada, sendo arrastada na peneiração juntamente com a sêmea. Sabemos que, em consequência desta circunstância, certo peso de farinha em rama produz menos quilogramas de pão que igual peso de farinha espoada. Sabemos ainda que nas zonas rurais, onde a base da alimentação é o pão, o trabalhador não ,pode viver de pão branco, de pão fino, mas sim tem de comer o belíssimo pão chamado de toda a farinha, que já existia antes das moagens modernas. É o pão pesado que os alimenta, o pão que não tem categoria que chegue para por ele se avaliar do grau de desenvolvimento de um país, como modernamente pretendem que se avalie aqueles que suo exportadores de trigo. Mas é o pão que alimenta, como a pesada broa de milho alimenta substancialmente outras zonas do País.
Sr. Presidente: entendeu o Sr. Ministro da Economia que, para atender «à magra economia do nosso lavrador», deveriam ficar fora do condicionamento as indústrias complementares da exploração agrícola.
Desde há muitos anos que muitos Srs. Deputados se esforçam nesta tribuna por demonstrar que, não obstante os «espadas» que a lavoura possui, é de facto uma actividade de lucros incertos e precários, em consequência de condições geoclimáticas que o homem não consegue vencer nem dominar. A afirmação da proposta de lei dá necessariamente aos homens da terra a satisfação platónica de ver reconhecer uma verdade que a discussão decorrente mostra ter sido recebida por formas diferentes, ocasionando largas demonstrações do nosso colega engenheiro Calheiros Lopes, que revelam vasta erudição sobre quanto se tem feito em países estruturalmente diferentes do nosso, desde a densidade populacional, passando pelo nível de vida há muito já bastante elevado, com solo e subsolo ricos e clima favorável à exploração agrícola, por melhor distribuição pluviométrica.
Do que me foi possível deduzir, tão vasta argumentação tem em vista manter na situação presente a indústria do descasque de arroz. Logrou a lavoura conseguir com regadios abastecer as necessidades nacionais em arroz, cultura rica, menos contingente que a do sequeiro. Fácil foi montar-se uma indústria, que se tornou próspera, com matéria-prima nacional e metropolitana. Segundo a insuspeita opinião da nossa cozinheira, que ignora a existência de condicionamentos da indústria e a origem dos géneros que confecciona,

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havia antigamente -certamente quando se consumia arroz importado- várias qualidades de arroz que permitiam aos sucessores de Vatel cozinhar pratos diferentes, qualidades estas conhecidas por Veneza, Carolino, Glacé, e ainda outras, como o arroz da terra, que ao tampo seria o nacional. Porém hoje, que felizmente estamos libertos da importação, todo o arroz é igual, os velhos pitéus não são possíveis e, embora difira no preço, é todo igual e ainda acrescido da característica de todo ele ser vendido com pedras que não ficaram na debulha nem no descasque. Trata-se, evidentemente, de uma indústria ainda na infância e que carece dos aperfeiçoamentos técnicos tão preconizados.
Os resultados obtidos com esta indústria, que teve o condão de quase ter realizado o moto contínuo através da casca, que, sendo o fim da indústria, é ao mesmo tempo o princípio, por se ter transformado em força motriz, leva necessariamente a que os beneficiários possam afirmar em plena convicção, como o fez o nosso colega engenheiro Calheiros Lopes:

Numa época em que o problema fundamental a resolver, malgré tout, é o da industrialização, até justamente no plano de defesa contra o comunismo do Oriente, pretender regressar a formas arcaicas é positivamente abandonar as realidades por sonhos...

Ora realidades são as regulares produções das culturas de regadio, as contingentes produções do sequeiro, os baixos rendimentos da lavoura reconhecidos pelo Sr. Ministro da Economia, a garantia de matéria-prima às indústrias transformadoras dos produtos da agricultura, quer dos de regadio, quer dos de sequeiro, pela, importação que crobrirá as faltas da produção interna.
Sonhos são as esperanças da maioria da lavoura, que é a do sequeiro, tanto da grande como da pequena, de poderem um dia ver uma real compensação para os seus esforços e riscos, semelhante à que aufere a indústria do descasque de arroz.
Não se julgue, porém, que nos pesa que esta ou aquela actividade aufira lucros; o que lastimamos é que nu lavoura de .sequeiro esses lucros, como o reconhece o Sr. Ministro da Economia, repetimos, dificilmente se obtenham, e no entanto se tenha repetidamente de ouvir o dom estridente das buzinas dos «espadas» da lavoura, mas postas a tocar pela mão de tantos que nunca arriscaram nada na terra.
E não se imagine que pretendemos para a exploração da terra vantagens que se negam à indústria; o que se pretende é que se não radiquem ideias menos verdadeiras e que induzam afinal em erros prejudiciais. A melhor técnica, o melhor apetrechamento, convêm e importam igualmente à indústria e à lavoura; ambas têm a ganhar com a sua aplicação, mas no final as resultantes é que já não têm o mesmo paralelismo.
No caso do arroz, atingida a suficiência nacional pela produção interna, uma vez que se trata de uma cultura de regadio, a indústria, quando montada para as necessidades internas, tem a sua vida garantida. No caso do trigo, em que estamos longe de ter assegurado a cobertura das necessidades internas, é necessário recorrer a importações e, por uma forma ou por outra, a laboração desta indústria transformadora está igualmente garantida até ao montante do abastecimento interno. Uma e outra trabalham tudo quanto a terra produziu, recebem para transformar o que o lavrador salvou no imenso jogo eterno com a natureza, alheadas de todos os contratempos, de todas as pragas, de todos os riscos, que são o pão nosso de cada dia dos lavradores.
Ao contrário, o lavrador «não tem uma única certeza sobre os resultados da sua exploração, quando ela seja de sequeiro, embora uso a mais perfeita técnica e se sirva do mais moderno apetrechamento, desde que o tempo, factor primordial, lhe corra desfavorável.
Não é portanto sobre as incertezas da lavoura, mas sim sobre as certeza «da indústria transformadora, que o Sr. Engenheiro Calheiros Lopes pretende fomentar a indústria. Julgamos que poderá ter razão, enquanto se refira a produtos alimentares indispensáveis, ou quando trate das indústrias necessárias à manutenção da exploração agrícola, como adubos, ferragem agrícola, etc. Já assim não acontecerá com outras, que estão imediatamente dependentes dá capacidade de compra do País, em que a maior parte da população vive da terra, e portanto tem fraco poder aquisitivo. Como já aqui o temos afirmado, a esta população é necessário acudir, melhorar o seu nível de vida, o que «é possível com a elevação dos rendimentos da terra, visto que na terra ocupa a sua actividade. Aqui, julgamos, está a chave do problema, e só depois de resolvido este a indústria terá possibilidade de desenvolvimento pelo consumo garantido dos seus produtos.
Sr. Presidente: subindo a esta tribuna depois do nosso colega Botelho Moniz, tendo a representação de um círculo em que todas as actividades dependem da terra, não poderia deixar de lhe agradecer, em nome dos meus eleitores, as palavras de justiça que teve para com os homens que esforçadamente procuram desentranhar as riquezas da terra desde tempos imemoriais e o reconhecimento da situação precária em que se debate a grande maioria deles. Na verdade, é na terra que se encontram não só as riquezas materiais, mas também as espirituais, manancial inesgotável das virtudes da Raça.
Lavrador era D. João IV, e, no grande esforço a realizar depois de sessenta anos de dominação estrangeira, à terra se foi pedir e buscar o restaurador da nacionalidade. Pode ser ingrata, mas é sempre fiel guardiã das virtudes que fizeram e mantiveram a nacionalidade.
É, sem favor, o Sr. Deputado Botelho Moniz uma autoridade em assuntos industriais, habituado a lutar segundo os exemplos que nos deu no seu discurso de há dias; no entanto não se impressionou desfavoravelmente com a defesa da lavoura que o Governo entende ser justa, não receia que o lavrador invada o campo do industrial, não se assusta como o Sr. Engenheiro Calheiros Lopes, que nos disse «não dever ser enxertado em qualquer reorganização da indústria, como sector autónomo e independente que é, e não deve deixar de ser, o problema da lavoura».
Mas corre a indústria o risco de ver invadido o seu campo pela lavoura? Tem aqui sido afirmado muitas vezes que a lavoura não tem dinheiro (embora possa ter «espadas»), mas que tem dívidas, e grandes. Ë uma verdade que ninguém nega. Não se faz indústria sem dinheiro, e não é nu situação actual que ela se abalançaria a largos empreendimentos nesse sentido, como os não tentou quando vivia mais desafogada. As tentativas tímidas que a lavoura tem esboçado para industrializar alguns dos seus produtos têm tido sempre triste resultado, pois são espíritos totalmente diferentes o do lavrador e o do industrial. São dois lutadores congènitamente diferentes. Sobre o lavrador pesa uma ancestralidade de fatalismo, que lhe deu a paixão da terra, que o subjuga e não lhe consente outros amores, embora conte sempre com as ingratidões da sua bela.
Pode, portanto, o Sr. Engenheiro Calheiros Lopes estar tranquilo que por parte da lavoura não haverá inovação dos domínios industriais. Poderá antes pôr-se o problema ao invés; os domínios da lavoura foram invadidos ou a ela foram gradualmente sendo arrancados alguns produtos que industrializava, aliás em bem precárias circunstâncias.

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Os velhos lagares, onde se pisava a uva, transformaram-se em grandes adegas industriais. Os pequenos lagares de azeite viram aparecer os grandes lagares industriais. As engordas de poucos nos montados viram aparecer, as «n gorda s industriais, abastecidas tanto quanto possível de forragens que se negam, à lavoura.
O lavrador viu, compreendeu que a vida para ele tinha mudado, vai aproveitando aquilo que ainda lhe deixam ficar, mete-se no seu fatalismo e, continua a produzir o mais e melhor que pode e sabe, para entregar à indústria os seus produtos, quantas vezes através de vários intermediários, e recebendo em troca, em muitos casos, uns preços que quase são uma esmola.
Bem haja o Sr. Ministro da Economia por reconhecer a necessidade que a lavoura tem de poder transformar alguma coisa daquilo que com tantos riscos e incertezas, logra produzir.
Sr. Presidente: temo-nos alongado em demasia; mais umas palavras para rematar estas modestas considerações, para marcar posição na política económica imperial.
A proposta em discussão refere-se apenas à indústria metropolitana, e nada diz com relação à ultramarina, naturalmente por que esta última depende do Ministério do Ultramar, onde se encontra regulada, a partir do Decreto n.º 20:509, de 11 de Abril de 1930. Parece, no entanto, evidente, desde que o Acto Colonial se acha integrado na Constituição Política, que um diploma como o que se vem discutindo tivesse possibilidade de se ligar desde já com as indústrias ultramarinas e com a produção local de matérias-primas.
Não se carece de inovações, pois já o Acto Colonial, no seu artigo 34.°, estabelecia: «A metrópole e as colónias, pêlos seus laços morais e políticos, têm na base da sua economia, uma comunidade e solidariedade natural, que a lei reconhece». No artigo 35.° estabelecera-se: «Os regimes económicos das colónias são estabelecidos em harmonia com as necessidades do seu desenvolvimento, com ajusta reciprocidade entre elas e os países vizinhos e com os direitos e legítimas conveniências da metrópole e do Império Colonial Português».
Isto quer simplesmente significar que as economias metropolitana e ultramarina hão-de considerar-se complementares na formação do todo económico nacional, tal como o todo político se realizou pela integração do Acto Colonial na Constituição actualmente em vigor.
Desejamos dar o nosso completo aplauso à forma como o nosso colega Prof. Amorim Ferreira colocou o problema quanto à economia ultramarina.
Referiu o Sr. Engenheiro Magalhães Ramalho dificuldades que chegaram ao seu conhecimento para a colocação de bons produtos da indústria nacional, por restrições postas por repartições oficiais, especialmente no ultramar, dando-se preferência a produtos estrangeiros.
Necessariamente que actos desta natureza estão fora do que é lógico, do que é natural, ainda que mão houvesse legislação apropriada, como, graças a Deus e aos cuidados dos governantes, temos.
Porque até nós também chegam ecos dessa natureza, porque os reputamos atentatórios dos verdadeiros interesses nacionais, dos legítimos interesses privados, do prestígio das nossas possibilidades, do esforço criador, que tem jus a decidida protecção, daqui os apresentamos à consideração de S. Ex.ª o Ministro do Ultramar, distinto e ilustre membro desta Casa.
Existem em Portugal duas empresas que se dedicam à preparação de vacina antivariolosa, ambas estabelecidas há longos anos e cujos produtos, sempre sob fiscalização da Direeção-Geral de Saúde, estão acreditados como eficientes.
Uma das empresas, que em breve completará setenta anos de existência, entendeu dever tentar alargar- a sua actividade às nossas províncias ultramarinas, e para tanto lançou-se nos estudos e investigação da forma de obter vacina seca, que, em virtude do clima quente em que teria de ser aplicada, dava, maiores garantias de conservar a necessária virulência. Sem protecção alguma oficial, a expensas próprias, foram visitadas instalações congéneres na América do Norte. Itália, França e Suíça, onde se nào revelou a forma de obter a secagem da vacina. Alguns anos de trabalhos, dispêndios e insucessos levaram finalmente a conseguir o objectivo em vista.
Com grande sucesso a indústria nacional logrou levar produto seu, eficiente e garantido, a todo o nosso ultramar, e durante doze anos consecutivos, sem reclamações, forneceu esta vacina aos serviços de saúde e higiene da província de Angola.
De súbito são suspensas as remessas, sem aviso prévio, sem reclamação que justificasse tal atitude, sem alegação dos motivos que a determinavam. O industrial naturalmente tinha constituído as suas reservas, imobilizado o seu capital para poder acudir, não só às remessas normais, mas ainda a pedidos de emergência, como cumpre em vacinas desta natureza.
Verificou-se que se tinha feito substituir a vacina nacional pela estrangeira, e, perante a necessidade de explicarem a sua atitude, os serviços referidos alegaram vagamente a existência de abaixamento de virulência c a cor escura de alguns comprimidos.
Surpreendida a empresa pêlos motivos alegados no que toca à virulência, ouviu todos os outros consumidores não só de Angola como das restantes províncias, e em documentos escritos certificou-se de que apenas a anomalia se verificara nos serviços de saúde da província de Angola, que tinha aberto concurso para o respectivo fornecimento sem dele dar conhecimento ao seu habitual fornecedor. Quem puder que entenda...
Quanto à cor escura, foi plenamente justificada tecnicamente e ainda importava quanto à eficiência da vacina.
Decididamente, Sr. Presidente, não é assim que se defende o esforço nacional, pois este acto, sem razão, representa o descrédito de um bom produto nacional, acreditado durante doze anos- na metrópole e no ultramar, e não foi cometido por uma empresa particular e concorrente, mas sim por serviços oficiais.
Vamos terminar.
Fazemos votos porque o Governo, tão breve quanto possível, possa, sobre o muito que foi dito neste debate, rever todo o problema do condicionamento, encarado sob bases imperiais e assente num inquérito industrial que tome em consideração o que na verdade, interessa à unidade nacional, visando bem de frente os problemas económico-sociais.
Tenho dito.

Vozes:- Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Elísio Pimenta:- Sr. Presidente: a apreciação na generalidade da proposta de lei sobre o condicionamento das indústrias foi feita já com tão grande amplitude, e nào menor brilho, pêlos ilustres Deputados que subiram antes de mini a esta tribuna que a Assembleia não pode deixar de estar perfeitamente esclarecida e orientada.
No entanto, permito-me roubar alguns breves minutos a V. Ex.ª Sr. Presidente, e à Câmara, para dizer também o que sobre ela penso e comigo pensam alguns portugueses que pouco ou nada percebem de

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economia política, salvo aquela que aprenderam com a experiência do trato da terra, revolvida por sucessivas gerações, em busca de riqueza, que é a riqueza da própria Nação.
Para mim, e pura esses portugueses, a proposta tem essencialmente uma grande virtude: o reconhecimento de legítimos direitos da lavoura e do lugar que lhe pertence na economia nacional.
E digo mais: a aprovação da proposta é indispensável à vida futura da lavoura, que sem ela muito dificilmente poderá seguir novos rumos que garantam mais pão e mais sustento à população, favoreçam o aumento do nível de vida de uma parte importante dessa população e restabeleçam o próprio prestígio de um dos sectores da organização corporativa.
Reconhece-se na proposta que a acção da lavoura não deve limitar-se à simples extracção dos produtos da terra, que vai mais longe, até à colocação no mercado dos seus próprios produtos transformados, e, sobretudo, que a associação dos produtores agrícolas, através das cooperativas, é um elemento fundamental da valorização da agricultura.
Creio que esta afirmação de uma política do Governo tem real conteúdo e as claras palavras do notável relatório que acompanhou a proposta, no sentido de se estimular a actividade associativa da lavoura, dão-nos u certeza de que se caminha para uma nova época, em que a lavoura -sempre presente para todos os sacrifícios nos momentos difíceis das nossa vida económica será finalmente compreendida como o elemento mais importante da economia nacional. Até porque acontece às vezes, tantas vezes mesmo, louvar-se a lavoura e as suas tradicionais virtudes de trabalho, de poupança, de honradez e de inexcedível persistência, sem se lhe atribuir o verdadeiro significado, antes como processo para melhor se entrar em campo que só a ela pertence e só a da compete lavrar.

Vozes:- Muito bem, muito bem !
O Orador:- O que quererá dizer-se, por exemplo, como há pouco li em exposição enviada à Câmara por um importante organismo industrial, que a lavoura precisa de valorizar o mais possível os seus produtos e que as medidas tomadas na proposta são de interesse para a economia do País, quando a própria exposição é a negação da possibilidade dessa valorização?
E os protestos de admiração pelo trabalho agrícola e de carinho e até de amor pela lavoura que tantas vezes ouvimos, sem que as sonoras palavras correspondam obras que as justifiquem!
Mas vejamos, Sr. Presidente, rapidamente, se as medidas previstas na proposta de lei, dentro da linha de considerações que me propus fazer, são ou não de interesse para a economia nacional.
O problema principal a resolver por qualquer indústria que pretenda viver e progredir é o da colocação dos seus produtos.
Se não puder colocar no mercado os produtos que fabrica, e a preços convenientes - isto é, vender e vender bem -, essa indústria não tem possibilidades de viver e muito menos de progredir.

Vozes:- Muito bem!
O Orador:- Produção industrial para exportação ou concorrência no mercado nacional com produtos de importação:
Não interessa, por agora, para o ponto de vista que estou a defender, considerar qualquer desses aspectos do problema.
O que me parece que está fora de toda a dúvida é que muitas indústrias portuguesas só poderão existir, e muitas outras viver com estabilidade e desafogo, se conseguirmos aumentar o poder de compra da população e, consequentemente, melhorar o seu nível de vida.
Eu direi com o Sr. Prof. Ferreira Dias: «... no caso português, em que não é razoável encarar outro mercado para a indústria que não seja o interno, pode dizer-se que a agricultura é a grande cliente daquela, pela sua posição dominante na economia nacional, e a indústria só tem vantagem em que esta viva próspera, porque não interessa a ninguém ter fregueses sem desafogado poder de compra».
Na verdade, quando a maior parte da população portuguesa, essa massa rural de pequenos e médios proprietários e de jornaleiros, se puder alimentar melhor, comprar mais roupa para se vestir e «para se aquecer, habitar em casas melhor construídas, viajar por essas estradas e caminhos de ferro do nosso Portugal, tiver acesso a certas pequenas comodidades e distracções, que são conquistas legítimas da Humanidade, renovar e aperfeiçoar os seus instrumentos e utensílios de trabalho, em suma, quando puder comprar o que precisa para viver com um nível superior àquele em que hoje vive, sem que isso resulte de uma ilusória elevação de preços que sacrifique a restante parte da população, então a indústria portuguesa será aquilo que todos desejamos.

Vozes:- Muito bem!

O Orador:- Mas como criar maior riqueza que a todos aproveite, como aumentar o poder de compra dessa massa rural.
Pelo aumento da nossa área cultivável?
Sem dúvida. Mas temos a considerar que a área cultivável do País está na sua quase totalidade aproveitada, bem ou mal, mas aproveitada.
Por outro lado, os Governos do Estado Novo têm feito notáveis esforços para fomentar o aumento e melhoria da produção agrícola.
Muito há a esperar, certamente, para o aumento e melhoria da produtividade do solo português, das grandes e pequenas obras de hidráulica agrícola, dos aproveitamentos hidroeléctricos, da colonização interna, do povoamento florestal, estando bem orientado, da instalação de novas indústrias para a produção de adubos azotados, etc.
Na verdade, também a política de preços, o aperfeiçoamento dos meios técnicos de cultura, a técnica oficial ao serviço da lavoura, o melhoramento dos equipamentos, a preparação profissional, não esquecendo, porém, em tudo isso que a nossa economia agrária assenta na pequena e média propriedade, são factores a considerar para o aumento do nível de vida da gente do campo.
Mas o que me parece é que somente quando a lavoura puder ocupar plenamente o seu lugar, tirando dos produtos que semeia ou planta e que depois colhe, à custa de enormes canseiras e trabalhos e não menor tenacidade, todas as utilidades de que os mesmos são susceptíveis e que estejam evidentemente ao seu alcance, quando se vir livre de formalidades e burocracias inconvenientes, que travam o seu desenvolvimento, e se vir livre também dos intermediários dispensáveis, que chamam a si o que a ela se torna necessário para viver decentemente, então já o poder de compra aumentará, já poderá comprar o que a indústria fabrica.
Este facto real, mas antieconómico, como o classificou em 1942 o Sr. Presidente do Conselho, de uma boa parte da nossa agricultura não ser industrial, foi por S. Ex.ª posto em relevo ao dizer que ela «não trabalha para o lucro, produz para viver pobremente e alegremente gastar o excesso de outras rendas».

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Eu ponho dois exemplos para ilustrar o que acabei de dizer: o primeiro da vinicultura e o outro nos lacticínios.
Numa região do País, afamada pêlos vinhos que produz e que não há ainda muito foram aqui falados nesta Assembleia, a propósito de outro condicionamento, e do plantio da vinha, tais vinhos são fabricados com uvas de casta, e somente com essas. Mas o lavrador, o pequeno lavrador, regra geral não fabrica o vinho, vende as uvas ao industrial, impossibilitado como está, por falta de técnica, de tirar do fabrico o rendimento exigido pelo apuro da qualidade. Isto dá em resultado vender, as uvas a preços que regulam pêlos do vinho de qualidade vulgar, mas que o industrial, a quem sem dúvida a expansão do vinho muito deve, transforma no precioso néctar, que coloca no mercado a preço muitas vezes por cento superior ao que deu pelas uvas.
Isto é, a mais valia da excepcional qualidade do vinho pouco ou nada aproveita à lavoura, salvo se não resistir à tentação de o beber...
No dia, que não estará distante, em que os agricultores, libertos de dificuldades de ordem formal e estimulados pelo Estado, com o auxílio da técnica e até do capital, se associarem para em comum transformarem as uvas em vinho, o seu nível de vida aumentará consideravelmente, pois o lucro, que agora fica nas mãos de um ou dois, era repartido por todos.
O outro caso dias respeito a uma das indústrias que mais têm reagido contra certas disposições da proposta de lei, parecem que poderá ser colocado viu paralelo com o anterior.
Os industriais de certa região do País estão a comprar leite produzido em outra região situa-la a 200 quilómetros de distância, que transporiam todos os dias em camiões. Até há pouco o negócio ova feito assim: compravam o leite, com uma percentagem média de 4,5 por cento de gordura, a 1$30 casa litro, transformavam-no nas suas fábricas e iam depois, vendê-lo numa grande cidade situada a outros 200 quilómetros ao preço de 3$60.
Hoje adoptam outro processo, certamente ainda mais lucrativo: compram o leite já desnatado, mas ainda com certa percentagem de gordura, a $30 cada litro e, depois de o misturarem nas fábricas com outro da sua região, vendem-no em natureza na referida cidade e pelo mesmo preço de 3$60.
Julgo que não são precisas quaisquer considerações ... Outro aspecto que me parece de interesse focar:
Tenho por vexes ouvido louvar os benefícios levados pêlos estabelecimentos industriais aos meios onde se instalam.
Terá a indústria, na verdade, contribuído para o aumento do nível de vida das populações desses meios?
Creio que é fácil sustentar-se a afirmativa.
Porém, e sem querer generalizar, e reputando-me a uma das regiões anais industriais do País, mas que é ao mesmo tempo importante região agrícola e o argumento tem mais calor quando as duas características coexistirem, não tenho dúvidas em afirmar que o nível de vida dessas populações ,no geral não corresponde aos lucros, pelo menos aparentes, que certas indústrias têm obtido.
Ao lado da proletarização progressiva das populações rurais, com todos os seus inconvenientes, a terra está a concentrar-se nus mãos de alguns industriais poderosos, incapazes, por via de regra, de continuarem a manter aquele benéfico ascendente paternal que era atributo tradicional do velho lavrador enraizado e assento da estabilidade social.

Vozes:- Muito bem!

O Orador:- Isto não quer dizer que me coloque dentro do ponto de vista daqueles que sustentam que a industrialização do País é uni mal.
Por forma alguma.
O que quero dizer é que, no meu entender e no entender das pessoas a que me referi no início das minhas considerações e que de economia política só têm as noções da experiência, onde for possível manter ou estimular e facilitar a criação de indústrias complementares da agricultura pêlos próprios lavradores ou pela associação de lavradores, muitos, senão todos, os inconvenientes que apontei da industrialização de regiões com características rurais perderão o seu valor.
E a propósito de pequenas indústrias, que, não sendo propriamente rurais, servem a terra, permito-me referir um caso em que tive directa intervenção e que por si só mostra bem quanto o condicionamento industrial aplicado a essas indústrias onerava o industrial, o consumidor e a própria. Administração.
Uma pequena azenha com um casal de mós, em região de propriedade fraccionada e cuja motorização fora autorizada durante o período da estiagem por reconhecida impossibilidade de labora cã o hidráulica. O proprietário, homem pobre, como os demais da freguesia, no louvável intuito de melhorar o rendimento e a qualidade da moagem, fez umas pequenas obras no edifício e aproveitou a ocasião para deslocar o engenho uns 4 metros do local primitivo e substituir as mós em más condições. Por denúncia de um industrial vizinho, industrial no verdadeiro sentido da palavra, pois dirigia uma fábrica de certas proporções e envolvendo interesses consideráveis, mas a quem a pequena azenha fazia concorrência, surgiu o indispensável fiscal e selou as mós, paralisando a sua laboração.
O caso eternizou-se pela s sucessivas intervenções de toda a hierarquia dos serviços respectivos. Quer dizer: durante longos meses, que quase foram aos dois anos, prejuízo para o infeliz moleiro, que ficou som o seu ganha-pão, e prejuízo para o público, que para moer o seu milho se teve de entregar nas mãos do denunciante, liberto da concorrência.
E prejuízo também para o Estado: depois de muito papel gasto e de muita actividade despendida na interpretação do facto, que a, alguns dos agentes se afigurava de extrema gravidade, para se saber se a mudança e substituição das mós de um engenho rural implicava alteração no regime do condicionamento, foi o próprio Ministro da Economia quem teve de resolver a questão, com excelente bom senso, deva dizer-se, revelado nas oportunas considerações que lançou no despacho.
Razões teve, na verdade, S. Ex.ª o Ministro actual, a quem louvores são devidos pela proposta, para dizer no relatório do Decreto-Lei. n.º 38:14-1 que o condicionamento de certas modalidades industriais implica lamentável desperdício de tempo e de actividade, obrigando importantes serviços do Estado a desviarem-se de outras tarefas de mais alto interesse nacional, que devem constituir a sua finalidade dominante.
A lavoura precisa, para produzir mais e melhores produtos, elevando assim o nível de vida dos que a ela se dedicam, de se adaptar a uma organização técnica e economicamente mais perfeita do que aquela em que tem vivido, e só o poderá fazer através de uma associação que estabeleça mais íntima ligação de interesses entre os produtores e transforme os seus processos rotineiros de trabalho.
Não serão disso exemplo as adegas corporativas, fomentadas pela Junta Nacional do Vinho, os lagares sociais e as cooperativas de lacticínios?
E não há que recear que a libertação das indústrias complementares da actividade agrícola possa trazer perturbações no mercado dos produtos transformados.

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A experiência de catorze anos mostra bem que as objecções que se fizeram em 1037 à isenção dessas indústrias do condicionamento industrial não tinham razão de ser.
A própria Câmara Corporativa é de opinião de que não há inconveniente em manter-se a doutrina da parte final da base II da Lei n.° 1:956, e de parecer idêntico são os organismos industriais que representaram sobre a proposta.
Julgo que se poderá ir mais longe sem preocupações.
A possibilidade do condicionamento está de tal maneira limitada pela proposta a indústrias ou modalidades industriais que revistam determinadas características que se torna difícil, senão impossível, incluir as indústrias complementares da agricultura, destinadas à transformação dos produtos dos próprios lavradores, individualmente ou associados, em qualquer das alíneas da base III.
E poder-se-á perguntar, como, aliás, já aqui se perguntou e respondeu, se essas indústrias seriam porventura susceptíveis das obrigações que a proposta de lei impõe às indústrias ou modalidades industriais condicionadas.
A lavoura é a fonte principal da riqueza do País.
Valorizá-la será valorizar toda a economia da Nação.
A aprovação da proposta de lei constitui um dos elementos mais eficazes para essa valorização, e o Governo merece todos os louvores por a ter trazido a esta Assembleia.
Tenho dito.

Vozes:- Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Mascarenhas Gaivão:- Sr. Presidente: em primeiro lugar rendo a V. Ex.ª as minhas respeitosas homenagens.
A VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, peço desculpem os breves momentos que lhes vou roubar. Para quem não tem a experiência da política, e muito menos dotes de oratória, seria de boa prudência abster-se de subir a esta tribuna, onde espíritos tão lúcidos e de tanto prestígio têm debatido o problema que aqui me traz.
Como homem de trabalho apenas e com a experiência de uma vida inteira em Moçambique ao serviço da actividade particular, são as credenciais com que me apresento a fazer o meu depoimento. Com tão fracas qualidades seriar como digo, prudente limitar-me a ouvir as brilhantes lições que VV. Ex.ªs, deste mesmo lugar, me têm dado. Atrevo-me, porém, a fazer o meu depoimento, na certeza da antecipada benevolência de VV. Ex.ªs
Sr. Presidente: na apreciação de uma proposta de lei com a transcendência desta, que estabelece normas de condicionamento industrial, parece a todos os títulos desejável se não esqueça que somos um país com largos domínios ultramarinos, vastas províncias, vastos territórios que têm características económicas próprias, inconfundíveis e que é necessário ter em conta quando se legisla sobre matéria complexa como esta, acerca da qual se têm manifestado na Assembleia alguns dos espíritos mais brilhantes e bem informados que a compõem.
Muito se tem falado da unidade económica de todo o território português no Mundo, unidade que se tem julgado complementar da unidade política e da unidade moral que tão profundamente se revelam em todo o quadro da vida portuguesa. Trata-se, porém, de uma expressão que pode e deve manifestar um estado de tendência, que tem de ser interpretada com inteligência e sentido das realidades sempre que se trate de definir uma política económica baseada em princípios e métodos aplicáveis a todo o território nacional.
Podemos aspirar a uma política económica unitária, quer dizer, uma política económica que vise a integrar todos os interesses e a manifestar por todas as economias, metropolitana e ultramarina, o mesmo grau de respeito e atenção. Mas uma (política de unidade economia que desconheça as condições diversas de cada território e pretenda sobrepor-se às realidades insofismáveis da geografia, do clima, e por consequência das razões de vizinhança e das produções naturais de cada parcela do território nacional, não poderia conduzir à unidade, mas à divergência, cada vez mais profunda e irremediável.
Quando ouço falar de coordenação económica entre a metrópole e as províncias do ultramar, posso entender, Sr. Presidente, que no campo da produção e do consumo se procure ajustar interesses recíprocos, sempre que eles se apresentem, ajuntáveis e se aproveitem todos os meios para fortalecer a economia comum pelo desenvolvimento máximo de cada um dos elementos territoriais associados. Quando, porém, coordenação significa subordinação económica de um território ou de um grupo de territórios aos interesses doutro ou doutros, quando por coordenação se entende que, para além e acima do direito de um território a desenvolver a sua riqueza, há que contar com limites que são impostos pelo exclusivo interesse de uma das parcelas do agregado nacional, então má, e se está a trabalhar para a unidade económica, mas a criar razões para antagonismos conducentes a divisões, que poderão vir a ser - bem contra a vontade de todos nós - acentuadas e profundas.
Será bom que no regime de condicionamento industrial que vier a estabelecer-se não se percam de vista estas realidades.

O Sr. Melo Machado: - Estou plenamente de acordo com as considerações de V. Ex.ª, mas permito-me acentuar que esta lei de condicionamento é para cá e não visa, de maneira alguma, ao condicionamento nas províncias ultramarinas.

O Orador:- O condicionamento industrial encontra a sua razão de ser nas sociedades economicamente evoluídas, quando se trata de ajustar a produção e o consumo, quando se torna necessário evitar que se acentue o desequilíbrio entre factores, económicos, com prejuízo da ordem económica, dos capitais investidos, da qualidade e preço dos produtos e do trabalho.
Nos meios ultramarinos, no início ou mesmo em plena evolução, quando tudo é desejo de aumentar a riqueza, de desenvolver a produção, de arrancar do solo e das indústrias transformadoras o máximo proveito, quando os recursos parecem ilimitados e a terra se apresenta apta a realizar todos os sonhos de grandeza, a expressão condicionamento industrial parece dificilmente ajustável às circunstâncias, se não for convenientemente explicada. Ali não há concorrências prejudiciais: todas as actividades encontram aplicação e podem somar-se; não têm a necessidade de guerrear-se e eliminar-se que existe em meios mais pequenos ou saturados.
As condições especiais dos meios ultramarinos - em que são escassas as iniciativas, raros os capitais e não abunda o trabalho - aconselham a concessão das maiores facilidades às actividades individuais. Terras ainda por descobrir, se nos reportarmos à imensidade dos seus recursos intactos, à maravilha inimaginável das suas riquezas inexploradas, temos de admitir, como necessidade, que no ultramar encontrem local próprio ao seu desenvolvimento as mais arrojadas iniciativas individuais, as ambições que comandam os grandes génios da aventura, aplicados às explorações agrícolas, industriais e comerciais, e que dificilmente poderão mani-

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festar-se e coexistir com regras apertadas de regimes de condicionamento.
Sem intuitos de esgotar matéria tão vasta como a abrangida pela proposta em discussão na Assembleia, senti-me na necessidade de trazer a este debate, como representante de Moçambique, alguns esclarecimentos que podem contribuir para fixar ideias acerca do regime conveniente na fase actual das indústrias ultramarinas.
Podemos classificar estas indústrias em três grupos:

1.° Aquelas cuja produção é inteiramente absorvida por mercados estrangeiros;
2.° As que colocam os seus produtos em mercados estrangeiros, mercado metropolitano e noutros mercados ultramarinos;
3.° As que produzem exclusivamente para o mercado nacional. Entre estas últimas, seria possível ainda distinguir as que seriam susceptíveis de passar ao tipo misto, que classifiquei em segundo lugar. Reconheço, todavia, serem as que oferecem menos interesse, pouco devendo influir no teor destas considerações.

Não se entenderia que fossem sujeitas a limitações indústrias que têm mercado assegurado em países estrangeiros, que se criaram e desenvolveram com o objectivo de servirem clientes fora do território nacional e que são importadoras de divisas estrangeiras, depois de deixarem em mãos portuguesas remunerações de trabalho e dividendos, de terem contribuído para o desenvolvimento económico geral e para as receitas públicas.
Quanto às indústrias do segundo tipo, basta o facto de dependerem em parte de mercados externos para aconselhar a maior prudência ao impor-lhes qualquer forma de condicionamento. Trata-se de indústrias que não poderiam ficar na dependência exclusivamente do mercado nacional: todas as limitações correm o risco de prejudicar o desenvolvimento da produção, impedindo ou dificultando o abastecimento do mercado externo, com todos os prejuízos, para a indústria e para a província ultramarina, que daí proviriam. Neste grupo estão compreendidas algumas das mais ricas produções industriais de Moçambique e também de outras províncias do ultramar. Existe ainda o direito de esperar que será em regime de liberdade que estas indústrias conseguirão desenvolver as suas relações com o estrangeiro, com benefício das condições em que abastecem o mercado nacional; as indústrias ultramarinas que apenas produzem para o mercado metropolitano são naturalmente aquelas que melhor suportariam a coordenação do seu regime de vida ao da metrópole.
Não deverá esquecer-se, no entanto, que o meio ultramarino é diverso, mais largo e prometedor, e que as próprias empresas industriais, quando lhes não faltam meios de acção e espírito empreendedor, regulam a produção pelas necessidades dos mercados com que contam, mas nunca põem de lado a ideia de descobrir novas correntes para os seus produtos.

O Sr. Carlos Moreira:- V. Ex.ª dá-me licença?
V. Ex.ª, na sua argumentação, quer abranger apenas as indústrias que actualmente existem no ultramar português, especialmente em Moçambique, ou deseja abranger mesmo aquelas indústrias que venham porventura a estabelecer-se? - e V. Ex.ª conhece que estão em vias de instalação algumas novas indústrias.

O Orador:- Eu abranjo todas aquelas que seja conveniente estabelecer ali, porque, é evidente, há outras para que não há motivo ou razão para estabelecer.

O Sr. Carlos Moreira:- Mas V. Ex.ª defende absoluta liberdade de instalação para aquelas?

O Orador:- A liberdade absoluta não ...

O Sr. Carlos Moreira:- Quer dizer: é uma liberdade relativa. Muito obrigado a V. Ex.ª pela elucidação.

O Orador:-O que eu pretendia afirmar, em síntese, Sr. Presidente, é que ao elaborar um regime de condicionamento industrial extensivo ao ultramar se não perca de vista o condicionamento natural das indústrias ultramarinas, desde as possibilidades quase sem limite que o meio oferece à necessidade de respeitar e dar incentivo à livre actividade individual, permitindo ao homem mostrar-se à altura da obra que o espera ao defrontar-se com o potencial de riqueza das terras africanas.

O Sr. Botelho Moniz: - Acho muito justa a aspiração das nossas províncias ultramarinas no sentido de que nelas se instalem indústrias que sirvam o mercado local.
Todavia, quando se trate de exportação, quer para a metrópole, quer para o estrangeiro, eu entendo que é errada a criação de qualquer indústria que vá ferir interesses legítimos já criados ou não tenha condições de produtividade.
Dentro da própria província ultramarina, por exemplo, o aproveitamento de oleaginosas não deve realizar-se em prejuízo dos produtores locais.
Além disso, muitos mercados, para onde se tenta vender o produto manufacturado, já possuem em geral indústria própria, motivo por que se abstêm de o comprar e preferem a matéria-prima.
Em vez de óleos industriais desejam, sim, a semente oleaginosa, para darem trabalho às suas próprias indústrias. Quando, por meios artificiais, se procura impedir a exportação dessas sementes e obrigar os estrangeiros a adquirir óleo, acontece o que aconteceu na Argentina, onde, pelo facto de o Governo não consentir a exportação da matéria-prima, o país, durante largo período, passou a não exportar nem sementes nem matéria-prima.
É este o caso típico do óleo de linhaça.
A proibição de exportação da semente argentina fomentou a produção no Canadá) nos Estados Unidos e no México. Os compradores de matéria-prima passaram a adquiri-la nestes países, e a Argentina, repito, nem exportava óleo nem semente.
E esse é o risco que correm as nossas províncias ultramarinas.

O Orador:- Eu quero dizer a V. Ex.ª que, no que respeita à indústria que V. Ex.ª focou, me parece que o caso não pode ser visto tal como V. Ex.ª o pôs, exactamente porque a metrópole apenas consome uma parte mínima do produto.

O Sr. Botelho Moniz:- Porque não nos deixam comprar mais...
Para tal efeito usa-se de meio artificial, que é o de não nos consentirem que possamos pagar pelo produto o mesmo preço que paga o estrangeiro.

O Orador:- V. Ex.ª conhece que tanto a África do Sul como a Rodésia têm tomado um grande incremento, aumentando imenso a sua população e, consequentemente, o consumo de vários produtos, quer sejam industrializados, quer não.
E pergunto agora: havia razão para que uma matéria-prima produzida em Moçambique viesse à metrópole para ser aqui industrializada e novamente voltar, através

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de Moçambique, para depois poder ir. para a Rodésia ou África do Sul?
Eu pergunto ainda: numa época como aquela em que vivemos, não se há-de dar oportunidade às províncias ultramarinas de industrializarem os seus produtos que, claro está, sejam susceptíveis de serem industrializados lá?

O Sr. Botelho Moniz:- V. Ex.ª dá-me licença?
Pode arruinar-se pura e simplesmente a economia dum rasto sector agrícola da província de Moçambique se porventura se fizer com que os produtores de oleaginosas entreguem à indústria local oleaginosas a preço baixo para defender parasitismos industriais ou criar artifícios de concorrência.

O Orador:- Eu esclareço. Há uns seis anos, pouco mais ou menos, a província de Moçambique produzia 40:000 toneladas de amendoim. Desde que se obrigou a mandar para a metrópole tal oleaginosa a um preço muito inferior ao da cotação internacional, desapareceu o amendoim de Moçambique.

O Sr. Botelho Moniz:- Era fatal. Desapareceu igualmente para a indústria da metrópole e para a indústria ultramarina, neste caso sem culpa duma e doutra.

O Orador:- E até para os próprios indígenas comerem.

O Sr. Botelho Moniz:- E para que houvesse igualdade na miséria, determinou-se que 50 por cento do contingente de mendubi de Moçambique viesse para a metrópole em óleo e só a outra metade em género. Com a redução de produção de jinguba e com a exportação do óleo moçambicano a indústria da metrópole ficou duplamente prejudicada.

O Orador:- É justamente para esse ponto que eu quero chamar a atenção da gamara, para ver se se poderá modificar a situação.

O Sr. Botelho Moniz: - Isso agora é ponto de vista errado dos produtores de matérias-primas coloniais. A fixação de preço baixo não se fez em benefício da indústria da metrópole; fez-se simplesmente em benefício do Fundo de Abastecimento, para evitar o aumento dos preços no mercado interno.
Sabe V. Ex.ª o que aconteceu aqui nas indústrias de óleos industriais e de sabões?
Ultimamente foram aumentados, com toda a justiça, os preços das oleaginosas ultramarinas destinadas ao fabrico de óleos industriais e de óleos comestíveis. Porém, a esse aumento justificado em beneficio das províncias ultramarinas não correspondeu qualquer elevação no preço de venda no mercado interno da metrópole, porque as diferenças de preço das oleaginosas, e só essas, ficaram a cargo do Fundo de Abastecimento. As indústrias de óleos e sabões, que desde 1946 não têm as suas taxas de laboração actualizadas, não conseguiram obter qualquer aumento de lucro. Pelo contrário: todas estas indústrias metropolitanas estão vivendo em dificuldades, porque se elevaram os encargos sem haver compensação para eles.

O Orador:- Agradeço muito as explicações de V. Ex.ª e ficamos elucidados no que respeita à indústria dos óleos na metrópole, mas temos outro exemplo, o que se passa com os algodões.

O Sr. Botelho Moniz:- Não conheço, em pormenor, a maneira como são estabelecidos os preços quer do fio quer dos tecidos de algodão. Sei apenas o que se passa relativamente ao algodão em rama.

O Orador:- Para a produção ultramarina essa indústria não corresponde aos sacrifícios que aquela faz em seu benefício.

O Sr. Botelho Moniz:- A diferença de cotações entre algodão ultramarino e estrangeiro não reverte para a indústria porque para calcular o preço do fio se estabelece o preço médio entre o algodão ultramarino e o algodão estrangeiro. Este é comprado por preços astronómicos. Somente graças a essa média de preço e também, salvo erro, à intervenção do Fundo de Abastecimento os preços do? tecidos não têm subido mais.

O Orador:- Estou a falar a VV. Ex.ªs apenas com os conhecimentos que trago relativamente a Moçambique e agradeço, portanto, os esclarecimentos de VV. Ex.ªs
Uma outra circunstância se impõe ainda à nossa consideração. As relações de vizinhança com países ou colónias estrangeiros criam condições e obrigações que não é possível ignorar. Cada território ultramarino - por mais que proclamemos o princípio da nossa unidade económica - não pode fugir a solidariedades impostas pela geografia, pelas relações de boa amizade e até pêlos seus interesses com os países vizinhos.
Até que ponto uma política de estreita coordenação e de condicionamento industrial, que não fosse orientada com o mais estrito sentido prático, poderia perturbar relações económicas que são, ao mesmo tempo, naturais e de conveniência?
As relações económicas entre a metrópole e o ultramar têm de ser encaradas sob um ângulo diverso do que tem sido usado até agora. Não podem os produtos ultramarinos continuar sujeitos ao pagamento de um ónus pesadíssimo em benefício da metrópole.
Quero dizer, assim, que não será legítimo que o condicionamento da indústria metropolitana e a coordenação dá economia portuguesa se estabeleçam na base de sacrifícios que terão de ser suportados pelo ultramar, pêlos produtos ultramarinos da agricultura, impondo-lhes preços abaixo dos alcançados nos mercados mundiais, permitindo lucros que por vezes irão enriquecer certas indústrias indevidamente, visto que a mia laboração se mantém à custa de um condicionalismo artificialmente conseguido e que, em última análise, talvez seja possível condenar como antieconómico.
Encarada sob outro aspecto esta questão da subordinação ou exagerada dependência em que a economia ultramarina tem sido colocada em relação à metrópole, é preciso notar-se que, além de suportarem o aviltamento dos preços dos géneros chamados coloniais, os produtores ultramarinos têm de abastecer-se na metrópole de artigos que poderiam encontrar em mercados estrangeiros a preços mais favoráveis e -quantas vezes!- de melhor qualidade. Esta política de projecção à indústria metropolitana vai reflectir-se ainda desfavoravelmente no custo da, produção do ultramar. Temos, assim, uma situação paradoxal: a economia metropolitana força o produtor ultramarino a vender-lhe os seus produtos a preços inferiores aos do mercado e fornece-lhe mercadorias a preços superiores aos do mercado, preços que contribuem para elevar o custo da produção.
A situação que resulta deste quadro, Sr. Presidente, é já bastante grave para, dispensar que se acrescentem outros factos. Mas quero ainda dizer que os produtos ultramarinos, pagos na metrópole a preços antieconómicos e de favor para o interesse metropolitano, são ainda, em certos casos, onerados com taxas de vária natureza destinadas a fundos de compensação.
Justo é fazer-se uma referência especial aos desejos manifestados ultimamente pêlos Srs. Ministros do Ultramar e da Economia no sentido de aliviarem o am-

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biente em que se vinha vivendo no que respeita a fixação de preços dos produtos, ultramarinos destinados à indústria metropolitana.
Ainda há pouco foi feita uma revisão de tais preços, que, muito embora represente um acto de boa vontade de SS. Ex.ªs com relação aos produtos coloniais, carece ainda de maior amplitude.
É o prolongamento deste estado de coisas, que não é justo nem proveitoso para o conjunto da economia nacional, que se torna necessário evitar.
Defina-se uma economia nacional unitária, estabeleça-se um regime de condicionamento industrial, realize-se a coordenação das nossa? actividades económicas, em conjunto, mas não exclusivamente à custa de sacrifícios do ultramar.
O ultramar considera injusto que seja apenas ele a contribuir, que seja apenas ele a suportar os encargos de certos preços políticos mantidos na metrópole, e os que permitem produzir barato certos produtos da industria nacional.
Feitas estas considerações, em que me limitei a aspectos essenciais desta grave questão e, para não cansar a Assembleia, me abstive de apresentar exemplos e números que, eloquentemente, demonstrariam que as minhas palavras só pecam pela moderação, tenho de concluir definindo aquilo que me parece ser o interesse do ultramar em face da proposta em discussão: não se encare este problema do condicionamento industrial, que é inseparável da coordenação económica., com excessivo geometrismo.
O regime que venha a fixar-se deverá ser bastante livre, justo e maleável, tendo em conta as realidades ultramarinas: livre, para não impedir o desenvolvimento de países novos; justo, para não subordinar esse desenvolvimento a conveniências somente da metrópole; maleável, para se adaptar a circunstâncias novas que se apresentem, não só no mercado nacional, como nos países vizinhos, com os quais os territórios ultramarinos mantêm estreitas relações económicas, como na economia mundial.
Pareceria inverosímil pensar-se em sujeitar as nossas províncias ultramarinas a regras de condicionamento industrial aplicáveis à velha economia da metrópole.
Acima da fórmula teórica da unidade económica - se quisermos evitar erros graves, difíceis de remediar -, devemos considerar a realidade económica.
Só o respeito pelas realidades poderá conduzir-nos a uma fórmula económica unitária que promova o desenvolvimento de todos os recursos imperiais e, adaptando-se às circunstâncias, por igual sirva os interesses do presente e acautele os caminhos do futuro.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sá Carneiro:- Sr. Presidente: é sempre com timidez que abordo qualquer problema económico.
Os meus conhecimentos de economia política quase não avançaram e, em alguns pontos, recuaram desde o ano distante de 1915, em que fui aluno do Prof. Marnoco e Sousa e, por sua doença e morte, do Prof. Oliveira Salazar. Destes mestres conservo recordação saudosa; quanto a autores, além das lições, apenas me lembro de ter gostado de Brouillet, economista com bom estilo, que integrava o êxodo das populações do campo para a cidade no fenómeno, mais amplo do que aquele, do «nomadismo dos civilizados».
Mas esta proposta de lei sobre condicionamento industrial apaixonou tanto o Pais que eu não quis deixar de estudar o assunto, no pouco tempo de que para o efeito dispunha.
Já aqui dissertaram, com perfeito conhecimento de causa e forma por vezes empolgante, ilustres Deputados.
E outros, também economistas distintos, poderiam ocupar-se do problema e (não vai nisto sombra de censura), deveriam versá-lo, para nossa completa elucidação.
Ainda esta manhã li o segundo artigo sobre condicionamento, publicado num jornal do Porto por um nosso eminente colega, economista e matemático insigne.
Mas, uma vez que nem todos os economistas se resolvem a tratar do caso, não se leve a mal que um leigo faça breve incursão na matéria.
Discute-se, na generalidade, a proposta de lei sobre condicionamento industrial e mais nada.
No entanto, veio a lume nesta discussão - e muito apropositadamente - o Decreto-Lei n.° 38:143, de 30 de Dezembro de 1950, espécie de prelúdio da sinfonia que é a proposta.
Não se veja nestas palavras sombra de ironia.
Sou velho amigo e admirador do Sr. Dr. Ulisses Cortês, a cujas altas qualidades de inteligência e devoção patriótica aqui se tem feito justiça.
Tenho acompanhado a sua acção inteligente na gerência da difícil pasta da Economia. E, além de todos os seus dotes, um existe que o impõe também à minha consideração: o seu bom espírito de jurista, a fidelidade com que acata e faz cumprir os julgados dos tribunais - do que eu próprio tenho sido testemunha.

Vozes:- Muito bem!

O Orador:- Os leves reparos que, no decurso desta minha intervenção, faço à proposta em nada diminuem a muita consideração e estima que o seu autor merece.
Revertendo, porém, àquele decreto: no seu preâmbulo consigna-se que, não obstante se encontrar em estudo a revisão da lei do condicionamento industrial, nada impedia que se libertassem desde logo algumas modalidades da indústria que não podem, em rigor, figurar no quadro anexo ao Decreto n.° 36:443, de 30 de Julho de 1947.
Quer dizer: antecipando-se à futura lei, por esse decreto, o Governo restringiu o condicionamento então existente, por julgar que as actividades a que se referia o artigo 2.° -no qual se encontra a legislação revogada - deveriam incluir-se na regrada liberdade de iniciativa, que entendia convir estimular e defender.
Essas actividades ficaram reintegradas no regime comum, sujeitas ao «princípio da livre empresa, base da nossa economia».
E vem depois a enumeração das indústrias: na classe da alimentação, as moagens de cereais sem penetração mecânica (azenhas, moinhos de vento e pequenas moagens de rama), os alambiques para fabricação de aguardente, os lagares de azeite, o fabrico de pastas alimentícias para gado, a protecção de vinhos espumantes e espumosos e o vinagre; na classe dos têxteis, as oficinas de acabamento e estampagem de tinturaria; por fim, alude-se à indústria de malhas.
Dava-se, assim, o primeiro passo no caminho da libertação de indústrias até então condicionadas e prometia-se ir mais longe.
Não foi requerida a ratificação- desse diploma, publicado durante o funcionamento da Assembleia; mas a discussão dele justificava-se plenamente, não só porque, transitado o decreto em julgado (perdoe-se-me o fraseado jurídico), como que ficava assente o princípio da libertação, mas também atenta a enumeração dos diplomas revogados.
Tomada essa revogação à letra, a indústria de moagem de farinhas espoadas, se não fosse a existência de outros diplomas, ficaria desde logo em regime de liberdade plena, visto terem sido revogados os §§ 6.° e 10.°

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da base v do Decreto n.° 12:051, de 31 de Julho de 1926, o Decreto n.° 16:717, de 6 de Abril de 1929, os artigos 34.° e 42.° do Decreto n.° 22:872, de 24 de Julho de 1933, e os artigos 10.° a 14.°, 16.°, 17.°, 20.° e 21.° do Decreto n.° 28:746, de 7 de Julho de 1938.
Não foi essa, claramente, a mens legis, como se alcança do passo do relatório alusivo à libertação da moagem de cereais sem penetração mecânica. Nem se admitiria que, sendo facto público e notório o excesso de fábricas de farinhas espoadas e tendo-se gasto, ainda há poucos anos, algumas dezenas de milhares de contos na expropriação de fábricas - a qual não foi tão radical como deveria ser -, se estabelecesse a absoluta liberdade dessa indústria.
O certo é que logo surgiram pedidos para instalação de fábricas com grande capacidade, tornando-se necessário entravar o andamento desses pedidos.
No exercício da minha profissão venho assistindo ao choque de duas ideias a dos industriais de moagem, que anseiam por ampliar a capacidade das suas fábricas (a linha de trituração), e a da Federação Nacional dos Industriais de Moagem, que a todo o risco se opõe a esse desiderato.
Como advogado de alguns industriais, tenho pleiteado com a Federação, não para aumentar a capacidade - o que seria ilegal -, mas para mostrar que a capacidade indicada já existia à data da publicação do citado Decreto n.° 12:051.
A disciplina a que estão sujeitas as fábricas de farinhas espoadas, agremiadas- na Federação referida, cujo estatuto fundamental é o Decreto n.° 24:185, de 18 de Julho de 1934, criou para elas regime especial.
A meu ver, esta foi não liberta nem condiciona a referida indústria, que vive à margem do condicionamento, regida por diplomas que, não obstante a revogação daqueles outros, obstam em absoluto ao aumento da sua capacidade.
Todavia, para que nenhuma dúvida subsista a tal respeito, envio para a Mesa a proposta de acréscimo de uma base que consigna essa tese, a meu ver isenta de dúvida.
Não deixarei de notar que a pequena moagem seria a maior vítima do aumento da capacidade da actual indústria.
As unidades que se montarem de novo - é essa a tendência - seriam colossais.
Convém impedir que, com as variações de critérios, se admita o seguimento de pedidos de ampliação de fábricas de moagem ou de montagem de novas unidades.

O Sr. Melo Machado:- V. Ex.ª dá-me licença?
É só para dizer a V. Ex.ª que, nas condições da base III, essa é uma das indústrias que estarão condicionadas.

O Orador:-Mas o condicionamento da indústria de moagem seria um perigo. Deve continuar-se no regime actual de proibição de novas instalações, nos termos da legislação em vigor.
O Sr. Proença Duarte:- Se se votar aqui a lei de condicionamento industrial, parece que o poder regulamentar estabelecerá para cada indústria o regime especial.

O Orador:-O regime que deve manter-se, quanto a essa indústria, é o da proibição.

O Sr. Proença Duarte: - Mas esse regime de proibição pode figurar num novo regime a entrar em vigor.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Se bem entendo, o Sr. Deputado Sá Carneiro não quer o condicionamento até X, mas até X + 1. Quer dizer, quer constituído o monopólio do existente.

O Orador:-É que condicionamento supõe possibilidade de aumentar as fábricas, e tal possibilidade não existe na moagem.

O Sr. Mário de Figueiredo:- Ainda não percebi o raciocínio de V. Ex.ª Condicionamento quer dizer licença para aumento ou criação de novas unidades industriais. V. Ex.ª não quer condicionamento porque este torna possível ou não novas autorizações e V. Ex.ª não quer admitir a possibilidade de novas autorizações. Deseja que para essa indústria se mantenha o monopólio ou o exclusivo. Não estou a ensinar e, por isso, não emprego estas palavras no seu sentido técnico.

O Orador:- Monopólio que já existe de direito e no interesse geral.
O Sr. Proença Duarte:- Esse regime que V. Ex.ª pretende não poderá ser estabelecido em decreto regulamentar, ao abrigo do que dispõe a base VII da proposta?

O Orador:-Eu entendo que bastam os diplomas existentes, mas convém ressalvar a vigência deles.

O Sr. Proença Duarte: - Mas, para não sermos nós aqui, Assembleia Nacional, a colocar uma indústria em regime especialíssimo, o Governo poderia publicar um decreto regulamentar, ao abrigo, como já disse, da base VII da proposta de lei em discussão.

O Orador:-O caso ó diverso do de exclusivo por certo prazo e não cabe na base VII.
Não me proponho apreciar toda a economia da proposta do Governo.
Vem ela precedida de um lúcido relatório, em que se define condicionamento como o sistema que torna dependente de prévia autorização do Governo a montagem, reabertura, modificação ou transferência de estabelecimentos fabris.
Salvo todo o respeito, haveria vantagem em dizer: «de certos estabelecimentos fabris».
É que, como no relatório se frisa, o condicionamento é excepcional; só as indústrias que nos decretos publicados nos sessenta dias posteriores aos cento e oitenta a que alude a base XVII sejam declaradas nesse regime ficam condicionadas.
O condicionamento, que precedeu a Constituição Política e constituiu depois exercício da obrigação imposta ao Estado pelo artigo 31.° do estatuto fundamental, não agrada à generalidade das pessoas.
Por isso, é com certo sentimento de alívio que se encara a perspectiva da sua limitação.
Mas constituirá condicionamento propriamente dito tudo o que se inclui na base III ?
Ouso asseverar que não. A base VII refere-se às indústrias autorizadas em regime de exclusivo.
Mas esse regime, se obsta à instalação de outras unidades do mesmo ramo, é mais do que condicionamento, é exclusivismo.
O relatório da proposta admite que, através do condicionamento, se estimule a criação de empresas naquelas indústrias de que porventura os particulares se desinteressem, se não lhes forem dadas garantias: é a hipótese da alínea c) da base III.
Repito que, se a garantia a que se alude é a do exclusivo, o caso se integra na base VII.

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23 DE JANEIRO DE 1962 253

O condicionamento supõe a possibilidade de serem montados novos estabelecimentos mediante as condições que a regulamentação estabelece.
O exclusivo é incompatível com a sua montagem.
Considero de aplaudir a supressão das alíneas b) e d) da base n da Lei n.° 1:956.
O Governo tem na sua mão o processo de impedir que se importe equipamento fabril de origem estrangeira e custo elevado que não interesse à economia nacional, bem como a entrada no País de materiais ou matérias-primas de origem estrangeira.
A natureza da indústria é que pode impor o condicionamento - não a origem das máquinas usadas e das matérias-primas empregadas.
Também a transferência da propriedade de empresas de nacionais para estrangeiros deve ser alheia ao condicionamento; constitui problema da nacionalidade de capitais, acerca do qual esta Assembleia votou a Lei n.° 1:904, de 1943, ainda não regulamentada.
A transferência do local de indústria sujeita ao condicionamento é que pode, segundo a proposta, depender de autorização, sendo irrelevante a mudança de proprietário.
A proposta protege, em justa medida, o trabalho caseiro e familiar.

Vozes:- Muito bem!

O Orador:- A isenção do condicionamento nas indústrias tributárias da agricultura abrange os estabelecimentos complementares da exploração agrícola, destinados à preparação e transformação dos produtos do próprio lavrador ou de cooperativas agrícolas, segundo a emenda da nossa Comissão de Economia.
Não se alude aos grémios da lavoura porque, esses, infelizmente, estão sujeitos a contribuição industrial, por força do Decreto n.° 26:806,, de 18 de Julho de 1936, com prejuízo das funções que a lei atribui a esses grémios.
Dai a dúvida sobre se eles necessitam de licença de comércio ou indústria, nos termos do artigo 710.° do Código Administrativo.
Tenho sustentado sempre que esses grémios não constituem empresa e é essa a jurisprudência unânime da Relação do Porto, como se declara no douto Acórdão de 6 de Outubro de 1951, publicado na Revista da Relação do Porto, ano I, p. 128.
Tal uniformidade não existe na jurisprudência da Relação de Lisboa, onde prevalece a opinião contrária à que adopto.
Algum reparo merece a base X, onde, a meu ver, se minimiza o valor das licenças e alvarás.
Não me alongarei a este respeito.
Quero, porém, afirmar o que é do conhecimento geral: que o alvará tem valor primordial no conjunto do estabelecimento fabril.
O condicionamento industrial, com a consequente valorização dos alvarás, teve repercussões jurídicas de vulto.
Apontarei apenas o problema cruciante da qualificação dos contratos tendo por objecto a exploração de estabelecimentos. Ora feitos sob a denominação corrente de arrendamentos, ora apelidados, por forma vaga, de contratos de cedência de exploração, tais convénios são objecto de decisões contraditórias dos nossos tribunais superiores.
É que é tal o valor do alvará que o do prédio, algumas vezes, passa a segundo plano; e daí a dúvida de o contrato ser de arrendamento, embora concorram todos os requisitos do artigo 1.° do Decreto n.° 5:411.
Porque entendo não se tratar de simples redacção, envio para a Mesa uma proposta de alteração da base X.

O Sr. Mário de Figueiredo:- Não consigo acompanhar bem V. Ex.ª sobre a razão por que não quer as palavras «são mera condição administrativa».

O Orador:- Trata-se de figura jurídica de tal importância que me parece não dever reduzir-se a mesma à categoria de simples condição administrativa do exercício da indústria.

O Sr. Mário de Figueiredo:- Diz-se na base I que o principio é o da liberdade, mas há indústrias condicionadas que não podem alargar-se ou montar-se de novo senão mediante autorização. Qual é a condição para que essas indústrias possam funcionar? E a concessão da licença que se faz através do alvará.
Sendo assim, o que é o alvará mais do que uma condição administrativa?
O que se quer afirmar é que ele não é de per si um valor negociável.

O Orador:- Não é negociável isoladamente, mas tem valor tão grande que pode alterar a essência de contratos de que o estabelecimento seja objecto.

O Sr. Mário de Figueiredo:- Isso é uma questão para outro círculo: um círculo de juristas, e não a Assembleia.

O Orador:- Eu mantenho tudo o que está na base; só corto as referidas palavras, por as considerar inconvenientes.

O Sr. Mário, de Figueiredo:- A questão da qualificação jurídica do acto fica na mesma, sem alterar uma vírgula.

O Orador:- Qual foi o espírito do legislador ao incluir na base essas palavras ?

O Sr. Mário de Figueiredo:- Segundo a minha ideia, foi a de que o alvará de per si não constitui um valor negociável e que, portanto, é apenas uma condição administrativa.
Entendo que essas palavras são convenientes para obtemperarem a uma prática inadmissível, que é a de se. buscarem alvarás, não para que os seus titulares se tornem industriais, mas meros especuladores sobre eles.

O Orador:- Mas a supressão das referidas palavras de modo algum prejudica o objectivo da base, que é o de punir as fraudes e especulações.

O Sr. Mário de Figueiredo:- Eu só estou surpreendido por V. Ex.ª nas suas considerações não ter citado o voto do Digno Procurador à Câmara Corporativa que assinou vencido, onde a questão, em geral, é posta com uma nitidez e justeza impressionantes.

O Orador:- Tem V. Ex.ª razão, tanto mais que esse Digno Procurador se encontra presente. E eu, na essência, estou de acordo com ele, como adiante direi.

O Sr. Mário de Figueiredo:- Eu digo isto independentemente desse facto, até porque nem sabia da sua presença...

O Orador:- É que, na verdade, não está muito visível ...
Antes de terminar, farei breve referência ao desacordo com a proposta ministerial manifestado em alguns pontos do douto parecer da Cismara Corporativa.

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254 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 124

Esta não levou a bem que a proposta não mantivesse a referência que na base i da Lei n.° 1:906 se faz aos artigos 7.° e 8.° do Estatuto do Trabalho Nacional.
A base I da proposta inspira-se no artigo 4.° daquele estatuto e a Câmara Corporativa conserva a, essencialmente, no texto que sugere.
Compreendo que o ilustre relator do parecer tenha por aquele estatuto a justa ternura que se filia no sentimento da paternidade.
Entendo, porém, que a proposta não visou desrespeitar os mesmos princípios, que, aliás, são constitucionais.
A concorrência a que no relatório da proposta se alude como economicamente útil não pode ser a concorrência desenfreada que o estatuto veda e continuará a vedar, depois de votada esta lei.
Ilustres Deputados que me precederam mostraram já que o problema do condicionamento é independente da organização corporativa, pois esta tanto pode. abranger as actividades condicionadas como as não condicionadas.
Por isso aplaudo a supressão da alínea final da base n da Lei n.° 1:956, sobre o «condicionamento inerente».
Tem, pois, razão o nosso ilustre colega Dr. Pacheco de Amorim quando, na sua tribuna de O Comércio do Porto defende a proposta da acusação de «herética».
Sr. Presidente: no parecer, se me é permitido dizê-lo, também se dá ao termo «condicionamento» sentido impróprio, pois se considera como tal a simples regulamentação das indústrias. Ora tal regulamentação respeita ao exercício da actividade, que pode não estar condicionada; e, segundo a base I da proposta, filia-se em motivos de urbanização e condições mínimas de técnica, higiene, comodidade e segurança.
O Estado tem o pleno direito, incumbe-lhe a obrigação de fazer essa. regulamentação, que é estranha ao condicionamento.
Sr. Presidente: feitas à proposta as ligeiras observações que expus, é óbvio que não posso negar-lhe o meu voto.
Cuido que as duas propostas que faço -uma de alteração da base X e outra de introdução de uma base nova - serão de aceitar; por isso as submeto à consideração da nossa Comissão de Economia e à votação desta Assembleia.
A proposta, depois de convertida em lei, dará satisfação aos interesses nacionais e será bem recebida pelo público, sempre desejoso de ver restabelecido -tanto quanto possível- o livre jogo das actividades económicas lícitas.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente:- A próxima sessão será amanhã, à hora regimental, com a mesma ordem do dia. Está encerrada a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Cruz.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Jacinto Ferreira.
Armando Cândido de Medeiros.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
João Mendes dia Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
José Dias de Araújo Correia.
Manuel Colares Pereira.
D. Maria Baptista dos Soutos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Miguel Rodrigues Bastos.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
António Carlos Borges.
António Joaquim Simões Crespo.
António Raul Galiano Tavares.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Carlos de Assis Peneira de Melo.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Grames.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
Vasco de Campos.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

Propostas do Sr. Deputado Sá Carneiro enviadas no decurso do seu discurso na ordem do dia:

BASE X

As licenças e alvarás são condição do exercício da indústria e são inseparáveis...

BASE NOVA

As disposições desta lei não prejudicam os preceitos legais vigentes que vedam o aumento de capacidade e a instalação de novas unidades destinadas u moagem de farinhas espoadas.
O Deputado, José Gualberto de Sá Carneiro.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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