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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 125
ANO DE 1952 24 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
V LEGISLATURA
SESSÃO N.° 125, EM 23 DE JANEIRO
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs. Castão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMARIO:- O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 18 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Duarte Silva, para esclarecer alguns pontos de uma sua recente intervenção, e Miguel Bastos, que enviou para a Mesa um requerimento dirigido ao Ministério das Comunicações.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei sobre o condicionamento das indústrias. Usaram da palavra os Srs. Deputados Proença Duarte, Vaz Monteiro, Calheiros Lopes e Amaral Neto.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente:- Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortas Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Calheiros Lopes.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
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Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José Pinto Meneres.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente:- Estão presentes 82 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 18 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Direcção Associação Industrial Portuense que tem acompanhado mais vivo interesse discussão ilustres Deputados sobre projecto de lei condicionamento industrial e anotado as apreciações da imprensa acerca este importante assunto julga dever solicitar esclarecida atenção V. Ex.ª e todos ilustres Deputados para a exposição enviada essa Assembleia em 2 de Fevereiro de 1951.- Presidente Direcção engenheiro Mário Borges.
Direcção Associarão Industrial Portuguesa vem acompanhar uniu maior atenção debates sobre proposta lei condicionamento de fundamental interesse para economia geral Nação ponto Este problema está indissoluvelmente ligado estrutura industrial do País vírgula desenvolvimento fabril alcançado vírgula possibilidades industrialização futura vírgula criação maior riqueza e valorização trabalho nacional com vista melhoria nível vida e ocupação excedente população em crescente aumento ponto Após vinte anos condicionamento industrial apresenta com efeito valioso activo realizações traduzido abertura novas indústria* vírgula ampliação modernização existentes vírgula aumento notável população operária e melhoria suas condições vida e ainda importante valorização exportações ponto Ao considerar defeitos legislação ou aplicação não podem confundir-se aspectos essenciais com pormenores ou esquecer grandes resultados positivos- representados melhoria economia nacional os quais podem ver comprometidos com alterações estrutura condicionamento nos sectores em que os interesses gerais justifiquem sua existência o que pode averiguar-se mediante conhecimento dados oficiais inquérito industrial cada vez mais necessário ponto Perturbação qualquer alteração não atenda todos dados problemas pode conduzir solução acarreta graves inconvenientes económicos e sociais vírgula mormente risco desemprego ponto Problema é menos ordem leal do que execução proporcionando serviços oficiais meios adequados trabalho e promovendo efectiva coordenação de esforços todos os sectores vírgula crédito industrial próprio e eficiente vírgula automação técnica ponto Ofereço maior interesse resolução problema condicionamento ultramar que não pode ser separado metropolitano ponto Direcção Associação Industrial Portuguesa confia que a Assembleia Nacional que votou leis 1:956 e ,2:003 colherá dos acontecimentos justa lição comportam ponto O Presidente da Direcção da Associação Industrial Portuguesa Francisco Cortês Pinto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Duarte Silva.
O sr. Duarte Silva: - Sr. Presidente: porque alguém, que muito considero, me manifestou o receio, a meu ver infundado, de que algumas palavras que proferi na minha intervenção de há dias possam ser tomadas como envolvendo uma censura à forma como o Governo, e em especial os Ministros do Ultramar, têm encarado a situação do Porto Grande, pedi a palavra para declarar expressamente que estava longe da minha intenção um tal propósito e que julgo que as minhas palavras não autorizam semelhante interpretação.
Devo mesmo afirmar que sempre encontrei, quer da parte de S. Ex.ª o Ministro e o Subsecretário do Ultramar, quer da parte dos seus antecessores, o maior interesse pêlos problemas de Cabo Verde, e especialmente pelo futuro do Porto Grande.
Simplesmente pretendi frisar que neste assunto pesa sobre todos nós uma grande responsabilidade e que me parece necessário encetar quanto antes as obras convenientes para a valorização do Porto Grande, o que, aliás, creio estar no pensamento de S. Ex.ª o Ministro.
Tenho dito.
O Sr. Miguel Bastos: - Envio para a Mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro que pelo Ministério das Comunicações me sejam fornecidos, com a urgência possível, os seguintes elementos:
1) Número de carreiras diárias entre o Barreiro e o Terreiro do Paço nos anos de 1930,1940, 1950 e 1951;
2) Número de barcos utilizados no transporte de passageiros entre o Barreiro e o Terreiro
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do Paço, sua designação, data de construção e de entrada ao serviço e sua lotação média, discriminando-se os lugares em recinto coberto e em recinto descoberto, com referência aos anos de 1930, 1940, 1950 e 1901;
3) Número de bilhetes vendidos para o trajecto Barreiro - Terreiro do Paço em 1930, 1940, 1950 e 1951.
Ordem do dia
O Sr. Presidente:- Continua em discussão, na generalidade, a proposta de lei relativa ao condicionamento das indústrias.
Tem a palavra o Sr. Deputado Proença Duarte.
O Sr. Proença Duarte: - Sr. Presidente: a proposta de lei em discussão tem um fim acentuadamente económico e aparece nesta Assembleia como imperativo do interesse nacional para marcar o verdadeiro sentido do que deve ser o condicionamento industrial e pôr termo aos excessos, desvios ê adulterações praticados por .via regulamentar e administrativa à sombra da Lei n.° 1:906, que originaram incerteza, prejuízo e injustiças de vária ordem e criaram animadversão contra o Poder e o sistema político em que este se estrutura.
Quando outras vantagens não tivesse, como efectivamente tem, a apresentação desta proposta do lei à Assembleia Nacional teria tido a grande vantagem do proporcionar as críticas que aqui se tom feito à forma como se executa a Lei n.° 1:956.
E parece oportuno dizer que, se o poder regulamentar e administrativo, ao publicar decretos regulamentares e tomar decisões administrativas, o fizesse em harmonia com a discussão das bases legais feita na Assembleia Nacional, uns e outras melhor se ajustariam ao espírito dessas leis e ao interesse colectivo que por elas se pretendeu satisfazer.
Mas, Sr. Presidente, infelizmente verifica-se muitas vezes que o poder regulamentar e os órgãos da Administração actuam tão somente para manifestarem a sua oposição e falta de respeito pelo que nesta Assembleia se deliberou.
Daí resulta, por vezes, o mal-estar e inconformidade políticos.
Os votos e deliberações da Assembleia Nacional devem inspirar- a regulamentação e execução das leis aqui votadas.
É evidente que a regulamentação e execução da Lei n.° 1:956 se não fez em conformidade com o espírito e ânimo dos que a votaram e aprovaram.
Para tal se concluir basta ver a série de diplomas regulamentares sobre ela publicados, uns incluindo, outros excluindo as mesmas indústrias do quadro das sujeitas a condicionamento.
Como já aqui foi dito, também se não entende o espírito que presidiu à concessão de determinados alvarás e à permissão de aumento de capacidade de laboração a indústrias já estabelecidas.
A acrescer ao que já foi dito quero referir o despacho normativo de 15 de Dezembro de 1951, publicado no Boletim da Direcção-Geral dos Serviços Industriais de 26 desse mês, sobre pedidos de instalação de novas unidades de descasque de arroz, quando requeridos por produtores agrícolas, nos termos do Decreto n.° 36:945, de 28 de Junho de 1948.
Este despacho sugere desde logo as seguintes dúvidas:
a) Tais pedidos ficam ou não sujeitos aos pressupostos do condicionamento industrial?
Parece que não, porquanto nele se diz que devem merecer deferimento.
b) Se não ficam sujeitos aos pressupostos do condicionamento, qual o critério ou razões determinantes que levaram a fixar em 2:100 toneladas, ou seja 2.100:000 quilogramas, o mínimo de produção para poder ter um descasque de arroz, quando é sabido que não haverá em Portugal mais de três ou quatro produtores desta quantidade?
E então porque é que todos os demais produtores, que não atingem esta quantidade de produção, não hão-de poder ter o seu descasque, como podem ter uma debulhadora e o seu secador?
Este despacho parece considerar que os descasques não estão sujeitos ao condicionamento industrial, pois diz que os respectivos pedidos para sua instalação devem merecer deferimento: mas, por outro lado, nós vemos que os descasques do arroz estão incluídos no quadro das indústrias condicionadas anexo ao Decreto n.° 30:443, de 30 de Julho de 1947, regulamentar da base I da Lei n.° 1:956.
Estão ou não estão?
O decreto regulamentar diz que sim; o despacho procede como se não estivessem.
Pelo que deixo referido se vê quanto era indispensável que uma nova proposta de lei viesse a esta Assembleia Nacional, para que se fixassem preceitos legais claros o insofismáveis, dentro dos quais devem proceder, em tal matéria, os órgãos com poderes regulamentares e os da Administração a quem compete a execução das leis.
Pena é que esta proposta de lei não venha mais detalhada, de forma a não deixar vasto campo ao poder regulamentar, até para evitar desvios como o do Decreto n.° 30:586, de 12 de Julho de 1940, que deu competência aos fiscais dos organismos de coordenação económica e corporativos para levantarem autos sobre transgressões do condicionamento industrial!!!
Esta proposta de lei é o lógico desenvolvimento do Decreto-Lei n.° 38:143, de 30"de Dezembro de 1950, que o Governo teve necessidade de publicar, porquanto, como se afirma no relatório do decreto, importava «reintegrar no regime comum as indústrias que mais flagrantemente dele se encontram afastadas, com preterição das normas fundamentais da legislação vigente e do princípio de livre empresa, base da nossa economia».
Este decreto marcava um pensamento e uma orientação, pois no relatório se afirma: «Haverá, sem dúvida, que ir mais longe nesta orientação; mas parece aconselhável aguardar a definição do novo regime legal do condicionamento».
Isto ó revelação de espirito jurídico e legalista.
No relatório deste decreto expressis verbis se afirma que ele se publica para excluir do quadro das indústrias condicionadas aquelas que nele se encontram «que mais abertamente carecem dos requisitos legalmente indispensáveis».
É o Governo a afirmar num decreto-lei que há indústrias incluídas no quadro das condicionadas que lá estão ilegalmente.
O Governo actua para reintegrar o assunto no regime legal.
Mas, simultaneamente, afirma que é preciso ir mais longe; portanto, que é preciso modificar o próprio regime legal.
Para tanto apresentou à Assembleia, órgão legislativo por excelência, esta proposta de lei para modificar o regime legal vigente.
E o facto de o Governo reconhecer que há necessidade de modificar o regime legal vigente é para ser
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devidamente ponderado por esta Assembleia, porquanto é o Governo que, estancio em contacto directo e permanente com os interesses em causa e podendo através deles formar melhor juízo sobre qual o interesse colectivo, toma a iniciativa de apresentar para revisão uma anterior disciplina jurídica, que fora estabelecida também por sua iniciativa.
Há, portanto, qualquer coisa de novo nesta proposta de lei, qualquer coisa de diferente do que está na lei vigente.
O que será?
Por mim considero que coisa nova é a afirmação clara e indiscutível de que o princípio-regra, em matéria de actividade industrial, é a liberdade da iniciativa particular na instalação de novas unidades industriais e na modificação e transferência das existentes.
O condicionamento industrial constitui excepção ao princípio geral.
Este princípio-regra geral está em perfeita concordância com os conceitos económicos da Constituição, tão claramente definidos pelo Sr. Presidente do Conselho no seu discurso proferido na sede da União Nacional em 16 de Março de 1933.
Ai se diz:
Impelimos o Estado, primeiro para a passividade absoluta, que nada tinha ou queria ter com a organização económica nacional, e depois para o intervencionismo absorvente, regulando ele a produção, a repartição, o consumo das riquezas.
Sempre que o fez, onde quer que o fez, esterilizou as iniciativas, sobrecarregou-se de funcionários, agravou desmedidamente as despesas e os impostos, diminuiu a produção, delapidou grandes somas de riqueza privada, restringiu a liberdade individual, tornou-se pesado, insuportável, inimigo da Nação.
Noutro passo desse discurso diz ainda:
O Estado deve manter-se superior ao mundo da produção, igualmente longe da absorção monopolista e da intervenção pela concorrência. Quando pelos seus órgãos a sua acção tem decisiva influência económica o Estado ameaça corromper-se. Há perigo para a independência do Poder, para a justiça, para a liberdade e igualdade dos cidadãos, para o interesse geral, em que da vontade do Estado dependa a organização da produção e a repartição das riquezas, como o há em que ele se tenha constituído presa da plutocracia dum país. O Estado não deve ser o senhor da riqueza nacional nem colocar-se em condições de ser corrompido por ela.
Parece-me ser legítimo tirar destes princípios a ilação de que do Estado Português deve depender o menos possível a faculdade de cada um exercer qualquer actividade industrial, para evitar os perigos enunciados e que já tão eloquentemente nesta discussão foram também desenvolvidos pelo Sr. Deputado Botelho Moniz.
E o Sr. Presidente do Conselho é, para mim, o mais autorizado tratadista de que entendo dever socorrer-me em assuntos de interesse nacional. Firmei-me nesta maneira de ver desde que ele apareceu na política portuguesa.
Pois o que é o condicionamento industrial?
É, como se diz na base II da proposta:
... a regulamentação por parte do Governo do exercício da iniciativa privada, tornando dependentes de sua prévia autorização todos ou alguns dos actos nessa base enunciados ...
Está a ver-se o perigo que representa para o Poder, para a justiça, para a liberdade e igualdade dos cidadãos e para o interesse geral a necessidade de uma tal prévia autorização.
O que vimos e ouvimos no decorrer destes quinze anos de quase ilimitado condicionamento industrial dá-nos bem a medida desse perigo, de que também o Governo se apercebeu, pelo que a ele procura obviar apresentando esta proposta de lei, concebida em novos termos, mais expressos e insofismavelmente conformes aos conceitos económicos da nova Constituição.
Quer isto dizer que nos devemos decidir por uma liberdade económica sem limites?
Indiscutivelmente que não, pois se o fizéssemos atraiçoaríamos os princípios basilares por força dos quais aceitamos estar aqui.
Ainda nenhum Sr. Deputado aqui se pronunciou por tal liberdade, antes todos tom reconhecido a indispensabilidade de um condicionamento industrial no momento que passa.
Por mim igualmente afirmo que deve existir determinado condicionamento industrial.
As divergências manifestadas reportam-se tão somente às dimensões, aos limites desse condicionamento.
Mas mantenho afoitamente, como já o fiz em 1937, a posição de que o condicionamento deve ser restringido ao mínimo.
Na interpretação do que seja a defesa do interesse colectivo parece-me adequado utilizar a regra de hermenêutica: «odiosa restringenda».
É indiscutível que o condicionamento é odioso para quantos querem entrar de novo na actividade industrial condicionada e mesmo para aqueles que, instalados nela, pretendam aí movimentar-se livremente, tomar novas iniciativas, ensaiar novos processos, ampliar ou aperfeiçoar utensilagens, realizar, enfim, qualquer coisa nova. Portanto, deve o condicionamento limitar-se ao mínimo indispensável para a realização do interesse colectivo.
E louvores a Deus que possa emitir opinião neste debate somente inspirada pelo interesse colectivo, pois me tem concedido bem maiores mercês do que as de que sou digno ou alguma vez pensei alcançar.
Dizemos que o condicionamento deve restringir-se ao mínimo indispensável.
Ocorre desde já perguntar qual é esse mínimo indispensável.
Parece que a resposta sé pode alcançar-se através da determinação dos fundamentos económicos do condicionamento.
O condicionamento é, na economia, um meio e não um fim; é um elemento da técnica económica, de que sé se lançará mão para casos de emergência da vida económica.
A indústria comparticipa na vida económica e pode em determinados momentos carecer de ser tratada pelo Estado por processos terapêuticos excepcionais, ou seja, passar a viver, não segundo a regra geral da liberdade da iniciativa privada, mas segundo uma regra especial de emergência indispensável para um momento de crise ou de necessidade de maior impulsionamento.
Esta regra especial de vida, como processo terapêutico, pode não ser de aplicar a todas as modalidades industriais, mas sé em relação a algumas.
Por isso há que considerar o condicionamento quando se pretende estabelecer em relação:
a)A indústrias novas a instalar no País;
b)A indústrias já existentes.
Quanto às indústrias novas, como são desconhecidas e de resultados incertos no meio em que vão instalar-se, requerem que, de inicio, enquanto não firmam os seus
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passos, se lhes criem condições especiais para poderem enquadrar-se e marchar no respectivo meio económico.
Fixa-se-lhe, assim, um condicionamento especial de vida.
Quanto às indústrias já existentes, para determinar se carecem de condições especiais de vida para uma melhor e indispensável cooperação na vida económica, há que considerar se elas são ou não das que sofrem uma nefasta concorrência das similares estrangeiras no nosso mercado.
Se sofrem essa concorrência esmagadora por cansas irremovíveis que as inferiorizam, então há que estabelecer-lhes um condicionamento especial, se este for a única solução para as impulsionar e aperfeiçoar, de modo a poderem colocar-se em situação de suportar essa concorrência.
Porém, para determinar se uma certa modalidade industrial carece ou não de ser tratada pelo condicionamento, parece indispensável que primeiro se inquira detalhadamente das causas da sua interioridade que obstam a que cumpra a Sua função no complexo da vida económica, para então se lho fixar o adequado condicionamento.
Isto é o mesmo que dizer que, antes de fixar o condicionamento apropriado a cada modalidade industrial, há que proceder a inquérito industrial dessa modalidade, pois só assim pode saber-se se dele carece ou não e, em caso afirmativo, qual a modalidade que deve revestir.
Só assim me parece legítimo estabelecer o condicionamento das indústrias.
Considero, Sr. Presidente, que a proposta de lei em discussão satisfaz os pontos de vista que deixo expostos.
Na verdade, estabelece como regra geral na actividade industrial o princípio da liberdade de iniciativa particular e como excepção o condicionamento industrial do exercício dessa iniciativa particular.
Mas a proposta exclui desde logo da possibilidade de condicionamento certas actividades industriais. São as enunciadas na base VI, ou seja:
a) Os estabelecimentos industriais de trabalho caseiro e familiar autónomo;
b) Os estabelecimentos complementares da exploração agrícola destinados à preparação e transformação dos produtos do próprio lavrador ou de vários lavradores associados.
Sr. Presidente: sobre a justiça do princípio consignado na primeira alínea desta base VI creio que nada de melhor se pode dizer do que foi dito pelo nosso saudoso colega Dr. Antunes Guimarães, com um sentido agudo das realidades e um bom senso insuperável, quando aqui se discutiu a proposta governamental depois convertida na Lei n.° l 956, acrescida das notáveis considerações também então feitas pelos Srs. Deputados Dinis da Fonseca e Mário de Figueiredo, tendo este feito nítida distinção entre o que sejam indústrias caseiras e desconcentra cão de fábricas.
Mas creio que agora, na referida alínea da base VI, mais explícita e vincadamente se traduzem os princípios que então eles definiram e defenderam.
Quanto ao principio consignado na segunda alínea, não posso deixar de lhe dar o meu inteiro aplauso, porquanto não só traduz quanto aqui defendi em 1037, mas até o amplia e por forma mais justa e equitativa.
Na verdade, tive a honra de propor, com outros Srs. Deputados, um aditamento, em que se estabelecia que só ficavam sujeitas a condicionamento industrial:
As indústrias ou modalidades industriais que, montadas por agricultores, não sejam exclusivamente destinadas à laboração da sua própria produção.
Esta proposta de aditamento foi, na verdade, rejeitada por maioria de um voto.
Pois agora a proposta governamental consigna o princípio que informava essa proposta de aditamento.
Sr. Presidente: a minha proposta de aditamento referia-se a indústrias ou modalidades industriais montadas por agricultores.
Portanto compreendia já a hipótese de vários agricultores se associarem para laborarem industrialmente a sua própria produção.
Assim se evitava a injustiça, já aqui referida, de só os grandes agricultores poderem montar tais indústrias.
Considero, portanto, perfeitamente moral e indispensável que na lei se consigne expressamente a faculdade de vários lavradores se associarem para esse efeito.
Mas esta isenção de condicionamento não pode ficar dependente, de forma alguma, da circunstância de essas actividades se acharem ou não organizadas comparativamente, como propõe a Câmara Corporativa na base III, nem do que propõe o nosso colega Dr. Bustorff da Silva na sua proposta de aditamento à base VI, em que subordina tal isenção ao «que estiver determinado na legislação dos respectivos organismos de coordenação económica», que é, mutatis mutandis, o mesmo que propõe a Câmara Corporativa.
Na verdade, esta isenção é absolutamente justificável, quer sob o ponto de vista de justiça distributiva, quer sob o ponto de vista económico, quer sob o ponto de vista social.
Sr. Presidente: o Sr. Dr. Carlos Hermenegildo de Sousa escreveu na revista Indústria e Técnica n.º 24, do ano de 1948-1949, a p. 10, o seguinte:
A agricultura tem os seus problemas dependentes da sua própria mecanização, e exige hoje, para compensar os seus fracos rendimentos, a sua industrialização, ou seja a transformação industrial dos seus produtos.
Este seu pensamento repetiu-o e desenvolveu-o o autor no último congresso da União Nacional realizado em Coimbra e ainda agora no último número da Brotèrin.
Nada mais justo.
O lavrador, na exploração dos produtos agrícolas, corre riscos que não pode prevenir nem dominar. A produtividade da sua exploração depende em grande parte das condições climatéricas, contra as quais são impotentes os aperfeiçoamentos da técnica agrícola, e nem mesmo os pode transferir para uma companhia de seguros.
Por isso não há razões que justifiquem que ele seja impedido de levar esses produtos, obtidos tão frequentemente com avultados prejuízos, a qualquer grau do valorização de que possa auferir lucro.
Pois se qualquer industrial que não correu nenhuns riscos pode vir comprar-lhe esses produtos para os valorizar pela sua indústria e obter os correspondentes lucros, porque recusar ao lavrador que sobre eles execute essa mesma operação industrial.
Porque impedir ao lavrador que transforme em azeite a sua azeitona, em vinho ou aguardente as suas uvas, em arroz descascado o seu arroz em casca, em lã lavada a lã suja das suas ovelhas, em queijos ou manteiga o leite dos seus rebanhos, em fio as suas produções de linho ou de cânhamo, etc. ?
O Sr. Bustorff da Silva:- Eu classifiquei-o como imprudência económica, e não como delito antieconómico.
O Orador:- V. Ex.ª sabe muito bem que a lavoura arrozeira, quando a sua produção exceder o consumo normal, saberá ela própria autolimitar-se, não necessitando que lhe estabeleçam limitações.
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O Sr. André Navarro:- Essa autolimitação não virá liquidar completamente zonas, como a do Mondego e a do Vouga, que vivem hoje, largamente, à custa do arroz?
O Orador:- V. Ex.ª, como técnico distinto que é, gabe muito melhor do que eu o que poderá passar-se, mas tenho a impressão de que, quando se verificar o excesso de produção do arroz nessas zonas, essas terras mais altas, que têm menos condições para a cultura do arroz, e que produzem, portanto, mais caro, serão as primeiras a acabar com essa produção.
O Sr. Assis e Melo:- Mas então ficarão estéreis, porque elas não dão mais nada.
O Orador:- Dão florestas.
O Sr. Assis e Melo:- Não dão, não senhor.
O Orador:- Então isso será à custa delas e não do interesse colectivo, e não pedirão às outras actividades para as socorrerem.
A actividade da indústria propriamente dita, como actividade diferenciada sobre os produtos do lavrador, justifica-se para além das possibilidades do préprio lavrador.
Mas até essas possibilidades não há princípio do justiça comutativa ou distributiva que justifique que o lavrador não extraia do seu produto todo o lucro que este possa dar.
Então, se amanhã houver um excessivo número de debulhadoras industriais, há-de proibir-se ao lavrador que por si debulhe o seu trigo ou o seu arroz, ainda mesmo que essa actividade se encontre organizada corporativamente.
A debulha dos cereais, o descasque do arroz, a monda da azeitona e das uvas foram feitos pelo lavrador antes de existirem as correspondentes actividades industriais diferenciadas.
O Sr. Délio Santos:- Não posso aceitar o raciocínio do V. Ex.ª por uma razão simples: é que, se V. Ex.ª dizer o raciocínio ao contrário, verá que ele leva também a situações igualmente absurdas.
Suponha V. Ex.ª, por exemplo, a hipótese do agricultor que deseja serrar todas as suas árvores. Se ele for o proprietário de uma grande floresta, pode, assim, ir contundir com o interesse nacional e com o interesse colectivo. Ele não tem o direito de delapidar a sua propriedade.
O Orador:- Não é isso que está em causa, nem é o que estou a discutir.
É certo que o lavrador não tem o direito de abusar da sua propriedade, mas assiste-lhe o direito de transformar as suas árvores nas madeiras indispensáveis para poder trabalhar na sua própria vida agrícola.
O Sr. Délio Santos:- Não me insurgi contra a opinião de V. Ex.ª, mas sim contra um raciocínio que aparentemente estaria exacto, mas que levaria a uma situação absurda.
Se V. Ex.ª vai para o caso-limite numa hipótese, também tem de demonstrar as consequências do caso-limite contrário.
Não estou, por conseguinte, a dizer que não aceito a opinião de V. Ex.ª; não concordo, porém, com a legitimidade do raciocínio.
O Orador: - Mas atenda V. Ex.ª a que os meus raciocínios e os argumentos que estou produzindo tendem simplesmente a demonstrar o princípio que de entrada
enunciei, isto é, que o condicionamento das indústrias deve ser muito mitigado, e não um condicionamento rígido.
E neste sentido que estou a apresentar a minha argumentação, e V. Ex.ª, ao analisar os meus raciocínios, não pode desprendê-los daqueles pressupostos que estabeleci logo de entrada.
Não estou a discutir o jus utendi et abutandi do proprietário.
Aprecio um problema inteiramente diferente e é em relação ao que estou discutindo que raciocino e argumento.
Portanto, sob o ponto de vista da justiça a que todo o homem tem direito, não se justifica um condicionamento extensivo ao lavrador para trabalhar os seus produtos. Onde nos conduziria o princípio levado até aos últimos limites...
Isto não implica que o condicionamento não exista nas correspondentes indústrias diferenciadas, sem prejuízo da livre iniciativa do lavrador nesse campo de actividade.
Encare-se agora o problema sob o ponto de vista económico e social.
As actividades económicas existem para dar satisfação às mais prementes necessidades da vida económica das populações, para lhes facultar vida confortável, para lhes proporcionar um mais elevado nível de vida.
Por isso a vida económica deve organizar-se de maneira tal que estes objectivos se alcancem para toda a população, por forma que todos os indivíduos tenham um nível de vida compatível com a sua dignidade humana.
Portanto deve facultar-se a todas as actividades os meios de melhorar a situação dos que a elas se dedicam, protegendo até, se for necessário, as que se encontram num mais baixo nível económico.
E quando se considerar este aspecto da economia nacional não devemos deixar de ter presente que entre nós as populações rurais são as que, com uma excessiva diferença, se encontram vivendo em mais baixo nível económico.
Não é, pois, legítimo ao legislador criar regimes jurídicos que restrinjam às populações rurais possibilidades de melhorar a sua situação económica.
Já aqui vi argumentar que deixar ao lavrador liberdade de exercer as actividades industriais transformadoras dos seus produtos seria agravar a sua situação, pois que isso iria provocar uma alta dos salários rurais.
Isto significa que se considera que os salários industriais são mais elevados que os salários rurais e que se não deve fazer coisa que possa provocar a aproximação de uns e outros, e provocar uma alta dos salários significa que os salários industriais são mais elevados do que os salários rurais ...
O Sr. Mário de Figueiredo:- V. Ex.ª dá-me licença?
Serem os salários industriais mais elevados do que os rurais não demonstra por forma alguma que o nível de vida das populações que vivem da indústria seja superior ao das populações que vivem da agricultura.
Eu digo a V. Ex.ª: de um modo geral, nas nossas aldeias não há miséria, enquanto nos meios industriais, onde há salários mais elevados, há muita miséria. Porquê?
Deixo a V. Ex.ª a resposta, porque ela paira no espirito de todos nós.
O Orador:- Estou referindo-me ao nível de vida material, e este, em relação ao trabalhador rural, é inferior ao nível de vida material dos trabalhadores indus-
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triais; agora se V. Ex.ª considera a vida material e moral, eu direi a
V. Ex.ª ...
O Sr. Mário de Figueiredo:- Estou u referir-me à vida como pessoa humana.
O Orador:- A vida, integralmente como pessoa humana, nos seus aspectos moral e material, é muitíssimo mais elevada no trabalhador rural do que no industrial. Agora, Sr. Deputado Mário de Figueiredo, a consideração de V. Ex.ª, feita através do seu aparte, é na verdade um problema vastíssimo e para ser considerado e estudado desenvolvidamente.
Mas, olhando as coisas sé à superfície, direi a V. Ex.ª que o operário industrial, que V. Ex.ª diz que vive com mais privações do que o trabalhador rural, é solicitado para despesas e dispêndios que o trabalhador rural não tem.
Nós sabemos bem o que se passa, por aquilo por que passámos e por aquilo por que passaram os nossos pais nas nossas aldeias: não tinham outras preocupações que não fossem a de educar os seus filhos, privando-se de todos os gozos materiais e pensando apenas no futuro dos seus filhos.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador:- Os operários das grandes concentrações e centros urbanos pretendem cinema, futebol, diversões, e aqui é que reside a diferença de nível de vida, porque as solicitações são diferentes.
O Sr. Manuel Lourínho:- E V. Ex.ª entende que a circunstância de o operário das grandes concentrações industriais desejar recrear-se não é também um direito à vida?
O Orador:- Evidentemente que é um direito à vida, mas tem de sofrer as restrições que daí lhe advêm.
O Sr. Manuel Domingues Basto:- V. Ex.ª dá-me licença?
Pretendo sé reforçar as considerações de V. Ex.ª Eu sou pároco num meio onde há uma agricultura intensa e também muita indústria. O lavrador tem uma remuneração muito inferior à do operário da indústria; simplesmente a vida do lavrador é mais mourejada, adaptando-se melhor às circunstancias.
Ainda há pouco tempo, no inquérito que se fez para o fomento agrícola, se verificou que em terras do Minho há famílias de pretensos proprietários cujos membros vivem com um escudo por dia. E eu creio que não há nenhum operário da indústria com família cujos membros tenham idêntico rendimento.
O Sr. Manuel Lourinho:- Isso não quer dizer, no entanto, que o nível de vida do operário da indústria, seja suficiente para atender ao nível do custo de vida.
O Sr. Carlos Meneies:- Mas isso é uni aspecto absolutamente diferente.
O Orador:- Pois eu penso precisamente o contrário: que é preciso instalar nos meios rurais actividades económicas cujo rendimento permita a elevação dos salários dessas populações, no clima em que nasceram e se criaram, e que é mais sadio, mais moral e, sem dúvida, mais segura garantia da conservação das energias e virtudes da grei do que as grandes aglomerações urbanas e as grandes concentrações industriais.
Ê não se diga que estas indústrias complementares da indústria agrícola ficando anexas à exploração agrícola representam prejuízo para a economia nacional.
Os factos demonstram que assim não é.
A indústria diferenciada ou especializada, como queiramos chamar-lhe, que sé trabalha produtos agrícolas para os apresentar ao consumo, não aumenta a quantidade desses produtos, não embaratece o preço de venda ao consumidor, não lhe melhora a qualidade nem os apresenta com melhores qualidades nutritivas do que o lavrador-industrial.
Em geral até acontece o contrário de tudo isto.
Os produtores do azeitona que a transformam em azeite não têm uma utensilagem industrial menos perfeita do que os simples industriais, nem apresentam azeite de inferior qualidade e com menos propriedades nutritivas do que estes.
O mesmo pode dar-se com o produtor de uvas fabricante de vinhos, com o produtor descascado de arroz, etc.
O que pode acontecer, e normalmente acontece, é que o produtor transformador do seu produto se satisfaz com menor lucro industrial do que o simples industrial.
Mas não vejo que daí advenha prejuízo para a economia nacional ou para o bem-estar social.
Portanto, todas as considerações que já aqui se fizeram tendentes a demonstrar as vantagens de uma completa e absoluta diferenciação de actividades, para se obter uma maior perfeição técnica da nossa indústria de forma a poder competir com a indústria estrangeira, para obter uma maior produção e um mais baixo preço de custo, não são aplicáveis às indústrias complementares da indústria agrícola, que constituem o primeiro grau, nem chegam a ser a instrução primária da actividade industrial propriamente dita.
E a mesma consideração pode aplicar-se aos estabelecimentos de trabalho caseiro e familiar.
Pode perguntar-se: quais são os limites a estabelecer para que o lavrador possa trabalhar industrialmente o seu produto?
O primeiro limite que a lei logo lhe estabelece é que a sua actividade industrial sé há-de confinar ao seu produto; não pode adquirir os dos outros. Portanto, ele sé exercerá uma actividade industrial economicamente compatível com a quantidade que produz, e não se abalançará às complexas transformações, que exigem grande especialização técnica, avultados investimentos em maquinaria e despesas de instalação e grande quantidade de produtos para que a exploração industrial seja economicamente viável.
A limitação do exercício da actividade industrial do lavrador estabelece-se automaticamente por forca das leis naturais da vida económica.
Não carece de que estabeleçam limites artificiais.
Para além das suas possibilidades é que surgirá então o industrial propriamente dito.
A lavoura não pretende invadir o campo da indústria; pretende apenas que lhe deixem livre o campo da sua legítima actividade.
O proprietário rural engenheiro, ou agrónomo, ou formado em Ciências Económicas e Financeiras, ou nem outro curso superior, que não tenha suficiente rendimento agrícola pode prender-se à torra e nela ficar se tiver possibilidades de extrair dos seus produtos algum lucro industrial.
Se isso não lhe for permitido, veremos muitos desses ir em demanda do emprego público, disputar o lugar a outros, para fazer dolo a base da sua vida e da agricultura um suplemento do vencimento.
O Sr. Deputado Bustorff da Silva, a propósito do condicionamento destas indústrias, lançou daqui um aviso à lavoura arrozeira, prevenindo-a das funestas consequências que para ela podem resultar do aumento de produção que está realizando.
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Deixou-me a impressão de que considerava quase um delito antieconómico o que se estava a passar neste sector de actividade agrícola.
Não tenha o Sr. Deputado preocupações a este respeito, porque, se a produção exceder o consumo interno, a pressão que o excesso exerça ou leva à conquista dos mercados externos, o que seria uni bem para a economia nacional se os conseguisse, ou ela autolimitará essa produção à sua própria custa e sem sobrecargas pedidas a outras actividades nacionais.
Sr. Presidente: concluo as minhas considerações sintetizando-as desta forma:
a) A proposta de lei revela um profundo sentido das realidades nacionais e de oportunismo económico e político, como tantas outras iniciativas que têm sido tomadas pelo Sr. Ministro da Economia;
b) O condicionamento das indústrias em Portugal deve ter forma mitigada e carácter excepcional e temporário, e não forma rígida, permanente e totalitária;
c) As indústrias consentâneas com o trabalho do domicílio, autónomo, e as indústrias complementares da indústria agrícola, quando se destinem à prepararão e transformação dos produtos do próprio lavrador ou de vários lavradores associados, devem ser isentas do condicionamento industrial e deixadas à livre iniciativa particular.
E, porque a proposta de lei em discussão satisfaz estes objectivos, dou-lhe a minha plena concordância e votá-la-ei na generalidade e na especialidade tal como se encontra redigida.
Tenho dito.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Vaz Monteiro:- Sr. Presidente: pedi a palavra por motivo do ofício dirigido ao ilustre Presidente da Câmara Corporativa pelo Digno Procurador àquela Câmara Sr. Engenheiro João Mendes Ribeiro acerca de algumas considerações por mim feitas na sessão n.° 118, de 10 de Janeiro corrente, quando fiz uso da palavra, sobre o condicionamento das indústrias.
O ofício a que me refiro foi enviado a V. Ex.ª, Sr. Presidente, com o pedido de publicação, e realmente foi publicado no Diário das Sessões da Assembleia Nacional n.° 122, de 18 do corrente.
O Digno Procurador à Câmara Corporativa é representante da indústria de fiação e tecelagem de algodão.
Para mais rápida elucidação da Assembleia Nacional eu posso resumir a matéria do referido ofício a que terei de me referir nas quatro alíneas seguintes:
a) Os números por mim apresentados necessitam de ser justificados para não estabelecerem confusão em vez de elucidarem;
b) Somente o algodão egípcio é quatro vezes mais caro do que o nacional;
c) O lucro do importador é cerca de f03 por metro ou por 100 gramas de tecido;
d) A indústria não vende os seus tecidos ao quilograma.
Realmente eu disse que l quilograma de algodão-caroço custa presentemente, no máximo, 2$80; l quilograma de algodão em rama C.I.F. cais de Leixões 16$30; l quilograma de algodão em rama na fábrica 19$; l quilograma de algodão tecido 56$, e não justifiquei a maneira como chegara a estes preços.
Quis então dar o valor dos preços com o fim de a Assembleia Nacional ficar a conhecer o custo da produção e através deles se aperceber das diversas fases pelas quais passa o algodão desde a compra no ultramar até ser para já vendido depois de manufacturado na metrópole. Sem tomar muito tempo à Assembleia Nacional, eu quis evidenciar que sem um estudo pormenorizado feito por funcionários competentes não será possível ao Ministro da Economia conhecer o custo da produção.
Mas agora, em presença do referido ofício, verifico que deveria ter discriminado os diversos elementos que foi necessário colher para se elaborar um estudo do qual resultou ficarem a conhecer-se aqueles preços.
E o que vou fazer.
Quanto aos preços pelos quais se paga o algodão em caroço ao produtor indígena não há quaisquer dúvidas, porque, conforme informei ma referida sessão, eles estão fixados e ultimamente foram aumentados de 50 por cento por despacho do Ministro do Ultramar de 18 de Maio de 1951, publicado no Diário do Governo.
Partindo do preço de compra ao produtor indígena e sabendo-se que para se obter l quilograma de fibra são necessários 3kg,125 de algodão-caroço, como já na sessão passada informei, posso apresentar dois quadros, um justificando a obtenção dos preços C.I.F. do algodão ultramarino; e outro, partindo do preço médio C.I.F., justificando a formação dos preços de venda do algodão à indústria, vendido a pronto.
Formação dos preços C. I. F. do algodão ultramarino
[Ver Tabela na Imagem]
Por tipos de algodão:
I ............................... 16$30
II .............................. 15$80
III ............................. 14$65
IV .............................. 13$60
V ............................... 12$10
VI .............................. 11$10
Neste quadro figuram seis tipos de algodão em fibra, sendo cada, tipo homogéneo segundo o padrão oficial.
Não foi arbitrariamente nem desconhecendo o assunto que este estudo se fez.
O estudo tem base séria. Merece a maior confiança.
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No quadro haveria várias considerações a fazer. Mas para não prender por muito tempo a atenção de VV. Ex.ªs referir-me-ei apenas a duas verbas: às despesas gerais de administração e a compensação de fretes marítimos, pagos pelo Fundo de Abastecimento, e à venda das sementes.
As despesas gerais de administração, avaliadas em 2$26(-3) por cada quilograma de algodão, parece, julgo eu, que deverão estar avaliadas muito por alto; mas somente os exportadores conhecem as verdadeiras despesas da sua organização.
Quanto à importância a recebei1 pelas concessionários em compensação de fretes marítimos e ao desconto do valor das sementes, direi o seguinte: aquela verba de $65(5) desdobra-se em duas, sendo uma de $45, a pagar pelo Fundo de Abastecimento, e outra de $20(5) a descontar no preço do algodão. Quer dizer: os concessionários pagam-no ultramar $45, que vão onerar o preço do algodão, mas depois recebem essa importância do Fundo de Abastecimento, para compensar o aumento de fretes marítimos.
Esta mecânica é complicada e merece ser revista.
A importância de $20(5) é descontada no preço do algodão, porque os concessionários, depois da operação do descaroçamento, ficam com as sementes, que vendem, e a cujo valor se atribui $50(5).
Vejamos agora a formação do preço de venda do algodão à indústria a partir do preço médio C.I.F. de 45$37(5)
Formação do preço de venda do algodão à indústria a partir do preço médio
C.I.F. de 45$37(5)[Ver Tabela na Imagem]
Preços por tipos de algodão:
I ..................... 19$00
II .................... 18$50
III ................... 17$30
IV .................... 16$20
V ..................... 14$60
VI .................... 13$50
Quer neste segundo quadro, quer no anterior, os preços foram obtidos por seis tipos de algodão em fibra, de conformidade com os padrões oficiais.
Os preços foram obtidos pêlos respectivos organismos e merecem a maior confiança, pois são utilizados como elementos de apreciação pelos Ministérios da Economia e do Ultramar.
Algumas considerações, embora ligeiras, será necessário fazer à sua esquematização para melhor se compreender.
A alínea b) "Taxas para o Fundo de Abastecimento" desdobra-se em quatro taxas, cujo destino vou indicar.
No acto do despacho são atribuídos ao Fundo de Abastecimento $60(8) por quilograma, porque se destinam $05 para a Junta de Exportação do Algodão Colonial e $02(0) para o Estado.
De $60(8) há a destinar $45 para os concessionários, como já anteriormente disse.
E daqui resulta que o Fundo de Abastecimento vem a receber finalmente $15(8) por cada quilograma de algodão.
Mas outros encargos há na formação do preço médio C.I.F. de 15$37(5) que merecem referência especial.
Por exemplo: o imposto sobre o algodão para o Estado incluído na alínea e), que vem do antecedente, consignado a determinada despesa que hoje já não tem justificação. Como justificação não tem o encargo de $09(2) para a Bolsa de Mercadorias. Os corretores da Bolsa de Mercadorias do Torto recebem $09(2) por cada quilograma de algodão sem se saber porquê. Não é necessário recorrer nem se recorre à Bolsa de Mercadorias, porque os preços do algodão estão já estabelecidos. Este encargo parece que deveria igualmente ser suprimido.
Não será preciso alongar-me mais para se reconhecer a necessidade imperiosa que há de nova regulamentação para se suprimirem encargos que oneram o preço do algodão e para simplificar a complicada mecânica da compensação de fretes marítimos.
Expostas, estas observações, e depois de ter indicado os elementos de formação dos preços C.I.F. Leixões e de venda do algodão à indústria, cabe-me agora informar a Assembleia Nacional sobre os outros assuntos que mereceram reparo ao Digno Procurador à Câmara Corporativa Sr. Engenheiro João Mendes Ribeiro.
No seu ofício diz que o lucro do importador é "cerca de $30, líquido, por quilograma, o que pode traduzir-se num aumento de $03 por metro no custo dum tecido de 100 gramas".
No quadro atrás indicado foi-lhe atribuído o lucro de $77(7). Parece pois haver aqui uma divergência. Mas ela não deve existir. No ofício indica-se o lucro líquido, ao passo que no quadro indica-se o lucro, sem atender à despesa que o importador terá de fazer com a sua organização comercial. Atribui-se ao importador o lucro de 4,0 por cento, que foi fixado pelo Sr. Ministro da Economia sobre o valor do algodão despachado.
A importância do seu lucro líquido não interessa saber para se obter o preço de venda a indústria. Basta saber o que vai onerar aquele preço. Nem eu conheço as despesas da organização comercial do importador.
Aqui é que terei de confessar o desconhecimento a que o referido ofício alude. E não admira que assim seja. porque só os importadores de algodão conhecem bem o seu caso, as suas despesas.
Relativamente à cotação do algodão exótico fácil será repor tudo no seu devido lugar. E desde já devo dizer que é justificado o reparo feito por aquele Procurador, Sr. Engenheiro João Mendes Ribeiro.
A cotação do algodão do Egipto é muito elevada. Mas este algodão, pela sua qualidade e alto preço, só é empregado em tecidos muito finos. Não é algodão que tenha equivalência ao nosso algodão ultramarino. A este tem equivalência o algodão do Brasil? o dos Estados Unidos da América, cuja cotação regula, respectivamente, por 45$ e 38$. O nosso algodão tem o preço médio C.I.F. de l5$37(5), como já anteriormente indiquei. Como é sabido, varia constantemente a cotação internacional.
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O Sr. Melo e Castro: - Consta que já se fizeram experiências no nosso ultramar de algodão do tipo egípcio, o que é motivo para nos regozijarmos.
O Orador: - Mas não se produziram ainda grandes quantidades.
O Sr. Melo e Castro: - Mas são experiências apreciáveis.
O Sr. Mascarenhas Gaivão: - Na verdade já se têm feito algumas experiências nesse sentido, com resultados apreciáveis.
O Orador: - Quando em fins de 1950 e princípios de 1951 foi necessário importar 3:400 toneladas de algodão exótico, devido à falta de algodão nacional para o nosso consumo, o Governo chamou a si o encargo de pagar pelo Fundo, de Abastecimento a diferença de preço, que foi de cerca de 24$ por quilograma.
Que a indústria algodoeira não vende os seus tecidos ao quilograma não é informação que por nós fosse desconhecida.
Estranha o Digno Procurador Sr. Engenheiro João Mendes Ribeiro que eu tivesse chegado à conclusão de atribuir o preço de 55$ por quilograma ao algodão depois de manufacturado.
Todos sabemos que é grande a variedade de. tecidos de algodão exportados para o ultramar.
Exportam-se panos crus, panos pintados, estampados, alinhados, assim como riscados, cotins, camisolas para indígenas, cobertores, etc. E é evidente que cada tecido tem o seu preço.
Mas eu tomei tudo no seu conjunto para obter um só preço.
Que lista interminável de preços eu teria de apresentar «para cada pano ou artigo de algodão exportado para o ultramar, se não recorresse a um só preço médio.
Normalmente exportam-se, por mês, cerca de 400 ou 500 toneladas dos mais variados tecidos de algodão.
Portanto, para se obter um único preço que represente a média geral, teremos de considerar o conjunto ide toda a variedade de tecidos exportados e considerar esse somatório em tonelagem, visto ser assim que se efectua a exportação.
No cálculo que se fez teve-se, pois, em atenção a variada composição de tecidos. «Coisa facilmente demonstrável e só de difícil compreensão para quem desconhece a matéria destes assuntos», como se diz no ofício.
Conhecendo-se o peso dos tecidos e o seu valor, uma simples operação de aritmética dá-nos o valor de cada quilograma.
Feito este cálculo, obtém-se uma média geral dos preços, que oscila entre 55$ e 60$ por quilograma.
E como VV. Ex.ªs sabem, 100 gramas correspondem a 1 metro de tecido, o que nos leva a poder dizer que o preço por metro de tecido exportado é de 5$ ou 6$.
Eis, pois, a justificação que (c)rã necessário apresentar a VV. Ex.ªs em virtude dos reparos feitos no ofício que foi enviado à Assembleia Nacional.
Mas, Sr. Presidente, agora apresenta-se um outro problema.
Se o preço dos tecidos é aquele que acabo de indicar, qual será a razão por que eles são vendidos no ultramar a preços tão altos?
Responderei que a razão reside no número de intermediários que há mo ultramar.
O Sr. Carlos Moreira: - Se V. Ex.ª me dá licença, eu direi que a expressão mais própria será: «que pululam no ultramar».
O Orador: - ... até o tecido ser vendido no interior. O tecido é recebido primeiramente pelos depositantes e depois passa pelos armazenistas, pelos retalhistas e pêlos aviados, que o vendem aos indígenas do interior.
Assim se compreende que o tecido seja vendido no interior de África a preços tão elevados.
Mas a resolução do problema que resulta deste sistema de comércio intermediário pertence ao ultramar, e não à metrópole. Assim como lhe pertence também resolver o problema da produção do algodão em condições mais económicas e razoáveis.
O Sr. Melo e Castro: - E de melhor remuneração ao produtor.
O Orador: - A produção do algodão precisa de ser mecanizada, principalmente pela exigência imperiosa de se poupar mão-de-obra, que tanta falta se faz sentir noutras culturas mais rendosas e igualmente necessárias ao consumo, sem contudo diminuir a produção actual do algodão.
Aproveitando a máquina para desbravar o terreno e para as operações do algodão em tudo que os técnicos indiquem a sua viabilidade, evitar-se-ia grande dispêndio de mão-de-obra.
Evitar a dispersão do comércio e as lojas de negócio dentro das concessões e modificar o sistema actual da produção do algodão são problemas que, se pedem avidamente a sua resolução, só no ultramar podem ser observados e meditados para se alcançar a solução mais aceitável.
Queixa-se o ultramar do exagero do preço dos tecidos de algodão e comenta-se e atribui-se esse exagero à indústria de fiação e tecelagem. Quando a verdade é que esta actividade industrial está condicionada e, por isso mesmo, mais submetida à vigilância dos preços. Apontam-se os relatórios das contas daquelas empresas com lucros que causam espanto. Mas, Sr. Presidente, sem assumir a defesa de lucros espantosos feitos à custa do consumidor, eu tenho de dizer uma palavra que mais se aproxime da realidade.
Nas acusações que se fazem à indústria algodoeira há a considerar o factor psicológico, que tem a maior importância.
Durante a guerra, nos anos de 1944, 1945 e 1946, os industriais desacreditaram-se com os preços que passaram a denominar-se «extra».
Hoje sofrem-lhe as consequências.
O ambiente que então se criou pela falta do produto deu motivo à desenfreada especulação e originou os preços «extra».
Fizeram-se fortunas, ganhou-se muito, mas o descrédito atingiu os industriais. Estes têm, portanto, de se reabilitar, e até lá têm de arcar com o odioso que pesa sobre eles.
Hoje o ambiente é completamente diferente. Não é propício à especulação. Os produtos têm o preço fixado e não há quem os pague por preço superior.
Mas outro problema se levanta.
A produção da matéria-prima será bastante para o consumo nacional?
Responderei afirmativamente, mas terei de prestar uns esclarecimentos.
Ò consumo nacional, incluindo a metrópole e o ultramar, é de 30:000 toneladas de algodão.
A campanha algodoeira no ultramar nos anos de 1951 e 1952, cujo produto está a desembarcar na metrópole, calcula-se em 32:500 toneladas, pertencendo 28:000 à província de Moçambique e 4:500 à província de Angola.
Pelos números que acabo de apresentar verifica-se haver neste ano produção para o consumo nacional.
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Mas então como se explica que os industriais comprem algodão estrangeiro mais caro do que o nosso?
A razão está em que a nossa indústria tem uma capacidade para 48:000 toneladas e a produção ultramarina ainda não atingiu esse número.
O Governo, tendo «m atenção a existência de mais de 400 fábricas que precisam de estar em labora cão, autorizou a compra de algodão exótico, precedente dos Estados Tímidos da América ou de qualquer outro país estrangeiro, para o fabrico de produtos destinados ao consumo nacional, imas não poderão ser vendidos por preços superiores aos artigos têxteis fabricados com algodão das nossas províncias ultramarinas. E a exportação de tecidos só é permitida quando fabricados com o algodão exótico ou com a percentagem de 30 por cento de algodão nacional.
São muitos e variados os problemas sobre o algodão que se apresentam à consideração do Governo.
Como será possível ao Governo tomar providências relativas à indústria e aos preços da matéria-prima e dos produtos industrializados se as empresas industriais não facultarem aos funcionários em missão de estuda os elementos indispensáveis ao conhecimento das condições técnicas e económicas das explorações fabris, especificadamente dos custos de produção?
Por mim dou plena aprovação à base XI da proposta do Governo, pois estou inteiramente convencido de que, procedendo deste modo, defendo o interesse nacional.
Se for aprovada aquela base XI da proposta, o Sr. Ministro da Economia ficará - habilitado a conhecer o preço da produção, e portanto em condições de poder controlar os preços de maneira que a indústria possa obter o seu lucro, sem ser excessivo, e o consumidor possa comprar o produto pelo justo preço. E só isto me interessa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Calheiros Lopes: - Sr. Presidente: subi novamente à tribuna para fazer umas considerações muito rápidas.
O nosso colega Sr. Engenheiro Amaral Neto, na. sessão do dia 18, quando discursava o Deputado Sr. Dr. Bustorff da Silva, fez aqui referências ao Grémio dos Industriais de Arroz que, na minha qualidade de presidente da direcção desse organismo, julgo conveniente esclarecer. De facto, apesar de o Sr. Engenheiro Amaral Neto ter declarado possuir noções directas da indústria do arroz, a sua interpretação dos factos decorrentes na actual campanha, com as vendas de arroz descascado pela indústria, não foi apresentada por S. Ex.ª em todo o seu rigor e extensão. E por isso permita-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, que esclareça o que realmente se passa.
O Sr. Amaral Neto: - Os três pontos a que V. Ex.ª terá de responder são estes: primeiro: se há ou não uma circular do Grémio dos Industriais de Arroz sobre os contingentes serem baseados na média de cerca de 6.500:000 quilogramas por mês; segundo: se há ou não possibilidade de pôr esta questão, se existe a certeza de que a distribuição mão pode ser aumentada, pergunta, esta de carácter subjectivo e cuja demonstração seria interessante que se fizesse; terceiro: V. Ex.ª demonstrar-nos, porque tem os dados estatísticos relativos à indústria do arroz, se sim ou não a reserva de 22.000:000 d« quilogramas se gastou com um pouco mais de celeridade - do que aquele que estava previsto logo que foram dadas determinadas instruções a tal respeito pela Intendência-Geral dos Abastecimentos.
São estes, repito, os três pontos que V. Ex.ª tem a demonstrar.
O Orador: - Vou já fazer essa demonstração.
E, por isso, permita-me V. Ex.ª Sr. Presidente, que esclareça o que realmente se passa.
A indústria, conforme aqui tem sido dito e repetido, adquiriu à lavoura praticamente a totalidade, do arroz que esta tinha para vender. Estão aqui à disposição de VV. Ex.ªs os números respectivos, que atingem cerca de 132.700:000 quilogramas. A quantidade prevista no plano elaborado como (todos os anos se pratica) pela Comissão Reguladora do Comércio do Arroz era de 128.000:000 de quilogramas.
A circular do Grémio a que o Sr. Deputado Amaral Neto fez aqui referência, não de 27, mas de 30 de Outubro de 1951, dava conhecimento aos industriais das instruções sobre o regime de condicionamento para a campanha vigente, aprovadas por despacho de S. Ex.ª o Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria, e segundo as quais a indústria poria mensalmente à disposição da Intendência-Geral dos Abastecimentos, para ser por esta entidade distribuído ao comércio, um contingente desdobrado em duas modalidades: o chamado «contingente normal», que a Intendência determinaria segundo as médias das compras pêlos armazenistas nos meses de Janeiro a Setembro últimos, e cujo levantamento seria obrigatório, e os denominados «extracontingentes», em que, sem qualquer limite, se forneceria aos armazenistas qualquer quantidade de arroz que estes pedissem. Este foi, repito, o regime que, sob proposta da Intendência, S. Ex.ª o Subsecretário de Estado aprovou e foi comunicado pelo Grémio aos industriais na circular de 30 de Outubro, citada pelo Sr. Deputado Amaral Neto.
Dizia também a referida circular que, em virtude de se desconhecer naquele momento ainda, o que seria o contingente mensal normal, o Grémio previa-o em cerca de 6.500:000 quilogramas e indicava esse quantitativo à Intendência para ser distribuído ao comércio - até porque era essa a quantidade que conviria sair das fábricas mensalmente para, segundo o plano elaborado pela Comissão Reguladora, se chegar ao final da campanha apenas com o saldo, a constituir em reserva, de 17 milhões de quilogramas de arroz em casca. Desde que as vendas mensais não atinjam aquele contingente, a reserva a transitar para a campanha próxima terá de ser maior.
Isto mesmo se explica na circular do Grémio, nos termos seguintes:
Não estando ainda apurado o quantitativo certo dos contingentes normais a distribuir pêlos armazenistas (a que acresceram os fornecimentos de contingentes extraordinários), previmos, para os quatro primeiros meses, 6.499:930 quilogramas ... É necessário observar que não se pode garantir, por enquanto, que a Intendência emita, desde já, boletins dos totais que indicamos, etc. ...
Mostra-se, portanto, o carácter de previsão, sem compromisso, que tiveram as indicações dadas, pelo Grémio aos industriais e aqui trazidas pelo Sr. Deputado Amaral Neto.
Infelizmente as realidades não corresponderam a essas previsões. O contigente normal que o comércio é obrigado a levantar das fabricas, fixado de acordo com o despacho que atrás, citei, segundo a média das compras de Janeiro a Setembro, não vai além de 4.200:000 quilogramas. E os pedidos de fornecimentos extracontingentes, que poderiam preencher a diferença para o total de 6.500:000 quilogramas que precisamos de en-
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tregar mensalmente, foram aumente em Novembro, quando o mercado se podia considerar esgotado, de 1.903:050 quilogramas, baixando no mês seguinte para 937:600 quilogramas.
Tenho aqui os números, fornecidos pela Intendência, referentes àqueles dois primeiros meses da campanha de vendas. São os seguintes:
Novembro:
Contingentes normais ........... - 4.063:200
Contingentes extraordinárias ... - 1.903:050
Soma ... 5.966:250
Dezembro:
Contingentes normais ........... - 3.745:500
Contingentes extraordinários ... - 937.650
Soma ... 4.683:150
Deve notar-se que estes meses de Inverno são justamente aqueles em que normalmente há mais consumo dg arroz.
Estamos, pois, em presença de uma crise de consumo - manifestada até pela redução que um dos grandes clientes da indústria, a Manutenção Militar, fez nas suas aquisições, que eram, em média, de 200 toneladas mensais e estão presentemente em 40 toneladas por mês.
Logo, ao contrário do que pensa o nosso colega Sr. Amaral Neto, não são as peias que ainda se exercem no abastecimento do mercado que influem nesta tremenda baixa de vendas de arroz; são, segundo creio, outros factores de natureza económica a social, tais como a abundância de batata, feijão e grão a baixo preço e a diminuição de poder de compra dos consumidores.
O Sr. Amaral Neto: - O que é que come o consumidor se vai à loja e lhe dizem que o arroz só virá daí a um mês?
O Orador: - Hoje os serviços funcionam normalmente. O fornecimento do arroz pode não ser instantâneo, imediato, mas o produto aparece sempre e pode considerar-se de uma maneira geral dando inteira satisfação.
O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª está bombardeando a Assembleia com uma, série de números que, como números, esclarecem muito, mas podem não dar uma imagem completa das realidades.
Quando V. Ex.ª diz que a Intendência-Geral dos Abastecimentos satisfaz os pedidos destes contingentes, sugere-me duas respostas:
Primo: é indubitável que, quando- o consumidor se dirige a um estabelecimento pedindo um determinado género e lhe dizem, que ele não existe à venda, esse consumidor tem de ir buscar outros géneros para seu sustento. Não vai, evidentemente, guardar o seu apetite para daí a um mês ou a um ano, à espera que a Intendência forneça à loja o referido género.
Secundo: V. Ex.ª sabe que, pela própria grandeza da máquina administrativa da Intendência, passa um prazo relativamente extenso entre o pedido de um contingente extra e a satisfação dele, podendo durante esse prazo as lojas estar vazias do género que o consumidor pretende adquirir.
O Orador: - A razão por que alguns retalhistas, por vezes, não têm arroz à venda é a de não poderem, por falta de meios, pagá-lo no devido tempo.
Aproveito já agora a circunstância de ter sido trazido pura este debate - o que absolutamente em nada me contraria, diga-se - o nome do Grémio dos Industriais de Arroz - mais um desses grémios tão cordialmente detestados pelos amantes da liberdade e do individualismo - para chamar a atenção da Assembleia para o papel que sem falsas modéstias, julgo primordial que esse organismo tem desempenhado no satisfatório funcionamento da organização corporativa do sector arrozeiro. Sem instalações luxuosas, com sede num 4.° andar da Bua Augusta, sem ter nunca disposto de automóveis, nem ter nunca inscrito nos seus orçamentos verbas para despesas de representação, ignorada e modestamente, este Grémio tem a plena consciência de, por todos os meios ao seu alcance, ter facilitado sempre a vida da lavoura, como o testemunha, além de outras provas, o que disse há anos numa conferência pública o Sr. Presidente da Comissão Reguladora do Comércio do Arroz:
Pelo enunciado que fiz vêem VV. Ex.ªs a larga contribuição de trabalho com que o Grémio dos Industriais de Arroz pôde auxiliar a campanha da Comissão Reguladora, campanha de valorização de um produto agrícola sujeito a transformação industrial e cuja venda para consumo está, evidentemente, subordinada, seja boa ou má a matéria-prima, e muito mais neste último caso, à maior ou menor perfeição com que essa matéria-prima é laborada.
Esta acção de cooperação do Grémio dos Industriais de Arroz é, sem dúvida, determinada por disposições legais, mas todos sabem a importância que tem no funcionamento de um sistema de regulamentação a existência ou a falta de espírito de convicção, de integração, de boa vontade, de entusiasmo em cumprir nos elementos a cargo de quem está essa regulamentação.
Sem esse espírito creio que as facilidades até aqui sempre encontradas pela lavoura para a entrega do seu arroz, pode dizer-se quase todo no acto da colheita, talvez não tivessem sido tantas.
Não basta a existência das disposições legais para que tudo funcione bem. É necessário que quem serve o sistema o estime, o sinta, e que todos os que nele estão integrados o aceitem com disciplina e, mais ainda, com dedicação sincera.
É isto o que se tem passado com o Grémio e, salvo raras excepções, com os industriais agremiados.
E isso tem permitido ao organismo resolver com êxito numerosos problemas que têm afectado, não somente a indústria, mas a própria lavoura. Provam-no a forma como funcionam, desde a sua criação, em 1936, os celeiros mantidos pelo Grémio nos centros de produção, para ali se receber e pagar prontamente todo o arroz dos pequenos produtores. Esse movimento, que atingiu nesta campanha 17.700:000 quilogramas de arroz entrado, no valor de cerca de 52:000 contos, que o Grémio tem de levantar da banca por empréstimo, acarreta uma soma de encargos, preocupações e responsabilidades que todos VV. Ex.ªs avaliarão.
Ainda por outra forma directa, o Grémio coopero com a orizicultura: consiste na parte que lhe cabe no funcionamento do serviço de aquisições, calibragem e fornecimentos de sementes seleccionadas, serviço em que participam a Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas, a Comissão Reguladora do Comércio de Arroz e o Grémio dos Industriais de Arroz. Instalaram-se para este efeito centros de calibragem a cargo do Grémio, em Muge e na figueira da Foz, e por iniciativa do Grémio foi construída em Alcácer do Sal, e vai ser utilizada já este ano, uma ampla instalação para selecção de sementes, onde, sem o menor encargo para o Estado, se despenderam
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cerca de 1:400 contos. Tem sido esta a aplicação dos dinheiros do Grémio dos Industriais, de Arroz.
Creio, Sr. Presidente, que estes factos mostram - e só por isso os refiro - a colaboração prestada pelo Grémio e, consequentemente, pela indústria do arroz a grande tarefa de desenvolvimento da produção arrozeira, de que a lavoura e todos nós devemos orgulhar-nos.
Sr. Presidente: e agora algumas palavras ainda sobre a proposta de lei (base VI) e relativamente à indústria de descasque de arroz, indústria essa que tanto tem sido discutida e a que entendo ser meu dever fazer algumas referências nesta altura. Assim:
A lei básica - por assim dizer o estatuto da indústria portuguesa - é, pode dizer-se, a Lei n.° 2:005, de 14 de Março de 1945.
Ora na base VI, alínea d), estabelece-se que o Governo promoverá a reorganização das indústrias de manifesto valor económico que estejam, na condição de:
Excesso de equipamento para as necessidades do mercado.
E na base VII, alínea d), determina que a reorganização industrial será feita pelas formas enumeradas, entre as quais a «expropriação de instalações excessivas».
Mas já no regime ainda vigente de condicionamento industrial (Lei n.° 1:956, de 17 de Maio de 1937) se estabeleceu a sujeição àquele regime das indústrias ou modalidades industriais.
... que disponham .de instalações com capacidade de produção muito superior ao consumo normal do País ou possibilidades de exportação.
E este princípio é mantido, apenas com melhoramentos de redacção, na proposta de lei n.° 511 (condicionamento das indústrias), cuja base III, alínea a), corresponde precisamente à mesma alínea da base II daquela Lei n.° 1:956, substituindo-se (o que em certo modo atenua) a palavra «muito» pela palavra «consideràvelmente».
É interessante notar que o parecer n.° 15/V da Câmara Corporativa mantém integralmente a redacção do corpo da base III e sua alínea a) daquele projecto de proposta de lei.
É, pois, uma ideia firme do nosso legislador condicionar as indústrias ou modalidades industriais que dispuserem de instalações com capacidade ide produção «excessiva», ou seja «muito» ou «consideràvelmente superior ao consumo normal do País ou às possibilidades de exportação»; ou, como ainda diz a Lei n.° 2:005, com «excesso de equipamento para as necessidades do mercado».
Mas existirá este «excesso» em relação à indústria de descasque de arroz?
Ninguém põe tal facto em dúvida, ele está reconhecido em vários documentos oficiais. Citaremos, exemplificativamente, o preâmbulo do Decreto n.° 30:906, de 23 de Novembro de 1940, em que se diz:
A capacidade de laboração das fábricas de descasque de arroz devidamente instaladas excede muito as necessidades do País. Por este motivo, não é permitida a instalação de novas fábricas e tem de limitar-se o trabalho das existentes por meio de quotas de laboração, para evitar que, entregando-se a uma concorrência desregrada, se arruínem sucessivamente.
O Decreto n.° 31:392, de 15 de Julho de 1941, ao determinar a capacidade de laboração das instalações de descasque de arroz e as respectivas quotas de rateio, refere-se a esta indústria chamando-lhe:
... uma indústria de capacidade excessiva em relação às necessidades do consumo.
Por isso mesmo, o diploma orgânico do Grémio dos Industriais de Arroz (Decreto n.° 33:562, de 29 de Fevereiro de 1944), prevê expressamente no n.° 10.° do artigo 6.°:
... a amortização de fábricas de descasque, moinhos e azenhas, de acordo com os interesses do aperfeiçoamento técnico e económico da indústria.
Também em 16 e 22 de Junho de 1943 proferiram SS. Exas. o Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria e da Agricultura despachos do mesmo teor, em que se reproduz a afirmação anterior do grande excesso de capacidade das fábricas de descasque, «o que obriga a indeferir todos os pedidos de novas montagens ...».
No mesmo sentido foram proferidos os despachos de S. Ex.ª o Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria de 18 de Julho de 1945 e 29 de Janeiro de 1946.
Foi ainda o reconhecimento desta situação que levou o Governo a nomear, por portaria de 20 de Outubro de 1947, uma comissão para proceder ao estudo da reorganização da indústria.
A provar ainda a capacidade excessiva desta indústria temos um exemplo concreto: pelo Decreto n.º 32:316, de 10 de Outubro de 1942, foi determinada a paralisação (que se manteve durante vários anos) de diversas fábricas do Norte do País e outras reduziram a sua laboração, e as que ficaram a trabalhar as quotas das que paralisaram ou reduziram a laboração fizeram-no com a maior facilidade e sem carecerem de forçar o seu trabalho normal de nove horas diárias. Foi possível também nos anos de 1947 e 1948, em que subsistia esse regime de concentração de fabrico, a indústria fornecer para embarque para a índia, a requisição do Ministério das Colónias, 10:000 toneladas de arroz, dando-se até a circunstância elucidativa de um destes fornecimentos, num quantitativo de 4:000 toneladas, ter sido preparado pelas fábricas nossas agremiadas apenas em quinze dias.
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª pode dizer-me qual é a produção do arroz no Norte? Parece-me que há pouco arroz no Norte.
O Orador: - De memória não posso dar indicação relativa, ao Norte, mas posso dizer-lhe qual a quantidade de arroz registada nas fábricas e nos celeiros do Grémio dos Industriais de Arroz: respectivamente 123.417:145 e 9.225:454 quilogramas.
Efectivamente, Sr. Presidente, ninguém hoje pode negar que foi graças à regulamentação das actividades estabelecidas pela criação da Comissão Reguladora do Comércio de Arroz e do Grémio dos Industriais de Arroz e em virtude da orientação seguida por estes dois organismos, em colaboração estreita com a Direcção Geral dos Serviços Agrícolas, que se viu a produção crizícola subir de cerca de 40.000:000 de quilogramas de arroz em casca que se colhiam em 1933 para além de 130.000:000 que na actual campanha devem ser entregues às fábricas.
A organização tem garantido à lavoura arrozeira o preço justo e certo, a colocação rápida e facilitada por todos os meios - factores essenciais do desenvolvimento da cultura.
Na actual campanha - da qual vão apenas decorridos quatro meses - quase todo o importantíssimo volume da colheita, à roda de 130.000:000 de quilogramas, foi já recebido e liquidado pela indústria à lavoura. As fábricas têm, de forma geral, as suas quotas
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não sòmente preenchidas, mas excedidas, e não pode deixar de ter-se em consideração que, segundo a lei (artigo 5.°, alínea a), do Decreto-Lei n.° 27:149, de 30 de Outubro de 1930), a industria sòmente é obrigada a adquirir o arroz de produção nacional até ao limite do consumo anual.
Ora o consumo anual não pode avaliar-se em mais de cerca, de 60.000:000 de quilogramas de arroz fabricado, ou seja uns 90.000:000 em casca, aliás sujeitos a grande redução nesta campanha, cujas vendas só se iniciaram em l de Novembro e porque se está lutando com uma crise de desinteresse do comércio e, presumìvelmente, do consumidor pela compra do arroz, e as fábricas não estão a vender o que seria necessário para o seu descongestionamento.
É lícito agora pôr a seguinte interrogação:
Seria possível à indústria desempenhar, como desempenhou, esta valiosa tarefa de levantamento anual, rápido e seguro, do arroz produzido pela lavoura sem a existência da organização corporativa?
Só por desconhecimento se pode responder afirmativamente.
Outra questão se encontra dependente desta: Poderia a organização funcionar como funcionou, satisfatòriamente, se a indústria de descasque não estivesse sujeita ao condicionamento industrial?
O Sr. Melo Machado: - Suponho que o Grémio tem pedido para se fazer uma concentração maior das fábricas.
O Orador: - Há uma diferença. Quem tratou desse assunto foi uma comissão - onde estavam presentes técnicos oficiais representantes das actividades, e de vários Ministérios -, nomeada segundo a Lei n.° 2:005, que chegou à conclusão de que as fábricas instaladas fora de zona orizícola deveriam ser deslocadas para as zonas orizícolas, principalmente para o Sado. Foi, portanto, essa comissão, e não o Grémio, que propôs que as fábricas mal localizadas e econòmicamente em más condições fossem transferidas para os centros orizícolas mais importantes do País.
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª fazia parte dessa comissão?
O Orador: - Sim senhor. E devo dizer que o relatório foi aprovado por unanimidade.
Continuando:
É convicção minha que os dois sistemas estão intimamente ligados, e um não pode actuar cabalmente sem o outro. A multiplicação das fábricas, a concorrência nesta conjuntura de escassez de capitais ainda mais certa, não poderiam de forma alguma deixar de afectar as condições de trabalho, a estabilidade, o crédito de que a indústria tem desfrutado, e só se conseguirão manter se cia continuar condicionada, isto é, limitada a capacidade existente, já excessiva, tanto em relação ao consumo como à produção de arroz, como se prova com os seguintes números:
Soma da capacidade atribuída às fábricas de descasque de arroz pela Direcção-Geral dos Serviços Industriais, segundo o mapa publicado no Diário do Governo n.° 188, 2.ª série, de l5 de Agosto de 1951 (capacidade legal, bastante inferior à efectiva) - 56:150 quilogramas por hora.
Logo: 56:l50 quilogramas x 9 horas x 300 dias de trabalho útil - 151.605:000
quilogramas por ano.
A verdade é que, morto desta maneira o princípio da separação das actividades, caminhar-se-ia para a pulverização e ruína da indústria, a organização perderia
um dos seus mais regulares e bem experimentados elementos - e a própria orizicultura, exceptuados os novos industriais, e mesmo estes apenas durante algum tempo, debater-se-ia, dentro de alguns anos, nas crises de concorrência, de indisciplina de produção, de insuficiência de laboração, falta de meios para o cumprimento de encargos sociais, tudo isto situações por que já passámos em Portugal e de que o sector económico arrozeiro foi salvo pela organização corporativa e pelo condicionamento industrial.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Permita-me, Sr. Presidente, que volte a dizer o que já disse na sessão de 17 de Janeiro (Diário das Sessões n.° l21):
que há a fazer, portanto, não é confundir as funções e actividades, é, como condição basilar do levantamento da agricultura, seguir a política dos preços, estimular a produção pela garantia do preço e da colocação, melhorar o equipamento, aperfeiçoar os meios técnicos da cultura, encorajar a formação profissional, facilitar a vulgarização da técnica agrícola e facultar, em moldes positivos, o crédito agrícola. Estes são, em resumo, os meios essenciais de dar condições de vida à lavoura e de a fazer progredir.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Esta tem sido, devemos reconhecê-lo, a acção da organização corporativa, que só carece de ser aperfeiçoada e coordenada em todos os seus ramos, quer o da produção, quer o da indústria, quer o da distribuição dos produtos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Cita-se a crise da lavoura e todos sabem que a cultura do arroz tem sido a cultura mais remuneradora, de modo algum concorre para a má situação económica dos que a praticam, e põe-se claramente o problema da industrialização própria deste produto.
E, se a necessidade da industrialização dos próprios produtos se pode pôr, .não é certamente com relação à produção orizícola, que, como se sabe, não é deficitária.
E também não se venha dizer que concedendo instalações fabris a dois, quatro ou seis se estabelece uma disposição protectora da agricultura, em geral, mas apenas em benefício de alguns, e poucos, grandes produtores.
A totalidade dos restantes continuará como estava, ou ainda pior, em face da desorganização e enfraquecimento que resultariam para a indústria actual.
Isto por um lado.
Por outro, conforme já disse, a cultura orizícola é justamente uma das mais compensadoras. Os que se dedicam ao cultivo do arroz são portanto exactamente aqueles que não careceriam de acumular com a sua qualidade de agricultores e de industriais para obter uma margem de lucro compensadora.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É lícito perguntar, Sr. Presidente: seria conveniente aos interesses gerais do País investir capitais em novas instalações desnecessárias e inúteis, malbaratando divisas-ouro na aquisição de maquinismos, quando essas divisas tão
preciosas são para novas indústrias de que o País carece e para a renovação das instalações que o necessitam?
r. Presidente: o que mais custa ainda é verificarmos que se defendo o dispêndio de divisas para aquisição de maquinismos de que já existe excesso no País. Essas máquinas seriam adquiridas às casas construtoras de
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países onde - por estar condicionada, tal como entre nós, a indústria de destaque - não têm, por assim dizer, consumo interno, isso explicando certas actividades de propaganda de colocação no nosso país. Porque a indústria era excessiva suspendeu-se ali, sem consideração pelos fabricantes, de maquinismos, a montagem de mais fábricas de descasque; aqui pretende-se abrir as portas à importação desses maquinismos, de que, consideradas em globo, as nossas instalações possuem excesso.
Mostra-se assim a inutilidade e o erro que constituiria o aumento do potencial industrial do Pais no que respeita as indústrias a que me estou referindo. Devemos, pois, reservar todos os nossos recursos de ouro para a aquisição de maquinismos destinados às indústria novas de que o País é deficitário.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador:- Cabe, além disso, perguntar se do ponto de Vista social da instalação de descasques pêlos produtores agrícolas resultaria maior emprego de braços e se contribuiríamos assim para a satisfação do que é hoje preocupação geral - o pleno emprego.
É evidente que não; além da tendência para a utilização pêlos agricultores, mesmo nas suas actividades industriais, de pessoal rural da própria casa agrícola, deve reflectir-se que a distribuição da mesma quantidade de matéria-prima por mais unidades e mais capacidades de fabrico traria consigo a redução dos períodos de laboração das antigas unidades, que, em vez de trabalharem, como presentemente, oito ou dez meses por ano, passariam a estar mais tempo paradas. E, se actualmente mantêm os salários integralmente durante todo o ano a todo o seu pessoal, não é de supor que pudessem continuar a suportar tal encargo com maior redução das horas de trabalho anuais.
Pelo contrário, a instalação de indústrias novas no País - utilização que me parece a mais acertada para as nossas possibilidades de gasto de divisas- contribuiria positivamente para o emprego de maior número de operários e, portanto, para caminharmos para o pleno emprego, a que atrás me referi.
No que respeita à economia do consumidor (ainda que em rigor este aspecto nunca deva ser examinado isoladamente), nem neste plano teríamos vantagens reais e duráveis com a libertação das indústrias (ou a sua libertação para os produtos do lavrador que pretenda ser industrial), porque da redução da laboração efectiva de cada unidade industrial tem de resultar fatalmente o encarecimento do custo da transformação do produto. Quer dizer: aumentando o desnível entre a capacidade legal de laboração fabril e a produção efectiva e normal, elevar-se-ia, evidentemente, o custo de industrialização. E, dado que as indústrias como a da moagem e descasque de arroz têm taxas de laboração estudadas pêlos organismos respectivos de coordenação económica e aprovadas pelo Governo, facilmente se conclui que nos estudos dos custos de laboração não poderiam, mais tarde ou mais cedo, deixar de ser considerados os aumentos efectivos provocados pela laboração reduzida das unidades fabris.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador:- E, para terminar:
Parece-me, Sr. Presidente e meus colegas, que as considerações que acabo de fazer autorizam seguramente este juízo sintético acerca da parte final da base VI: ela nega e contradiz os próprios princípios teóricos e finalidades práticas que pretende atingir.
Com efeito, qual o pressuposto teórico da lei? A defesa e organização, no plano nacional, de uma categoria económica, de um elemento da sua estrutura económica, em vista do perfeito equilíbrio funcional de todos eles.
Não se pretende de forma alguma comprometer um desses elementos pela sua absorção por outro; reconhece-se, pelo contrário, que a diferenciação funcional é hoje um princípio orgânico e activo da estrutura económica.
Pois bem: bem entendida a base VI na sua parte final, verifica-se que ela tende, e se resolve, à eliminação de um sector importantíssimo da indústria. Talvez mesmo um dos seus mais importantes sectores: o da indústria que labora produtos da terra, visto que a laboração de produtos da terra alcança realmente uma vastíssima o completa actividade industrial.
Quer dizer: a parte final da base VI traduz, na profundidade da sua significação, a condenação implícita do elemento industrial da estrutura económica, o que é incompatível com o próprio espírito de onde partiu.
Isto é evidente.
Por outro lado, e quanto à finalidade prática que com o condicionamento se pretende atingir, já se vê do que fica exposto que ela sai importantemente frustrada com a aplicação da parte final da base VI, pois, na verdade, se subtrai ao regime do condicionamento um sector que pode vir a ser vastíssimo.
No dia em que todos os lavradores, individual ou associadamente, industrializassem a sua produção, arruinar-se-iam ás indústrias especificadamente consideradas como categoria económica, e pela sua ruína eliminavam-se praticamente.
E isto o que se pretende?
E isto o que serve os interesses superiores dá economia nacional, numa época em que só especializadamente se podem dominar conhecimentos e exercer actividades com rendimento útil?
Sejamos lógicos, sejamos coerentes e afrontemos o problema sem prejuízos, para reconhecer afoitamente esta verdade íncontrovercível: com a parte final da base VI ficariam virtualmente comprometidos os pressupostos teóricos e as finalidades práticas do condicionamento.
Por isso, só uma coisa é lógica e aconselhável: que ela se elimine, tanto mais que nem por isso ficarão comprometidos os interesses dos produtores que forem compatíveis com os interesses da economia nacional e o seu equilíbrio funcional, pois lá está o Governo para em cada caso e em cada momento verificar se a pretensão individuada é ou não prejudicial ao sistema económico.
Mas se não se quer ir tão longe nas consequências lógicas doa princípios donde se parte, então que se conforme a lei com eles no máximo possível.
Por que forma? A única que, aliás, está intimamente ligada à primeira parte da base VI: liberte-se do condicionamento a lavoura para a laboração dos seus produtos, anãs limitadamente às necessidades do seu próprio consumo, como se tem feito já para outros géneros, tais como as farinhas em rama.
De contrário, repito, é, além do mais, afastar a produção do seu lugar próprio na estrutura económica, é fazê-la comerciante e industrial, contra tudo o que, na teoria do sistema e na prática das necessidades colectivas, se tem sempre entendido e continua a entender.
Tenho dito.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: não era minha intenção intervir no debate na generalidade
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sobre a proposta de lei que está em discussão, porque, concordando com ela quanto ao duplo propósito de manter o condicionamento e de o aliviar em certas restrições, via abundantemente expostas as mesmas razões que me possuem por outras e melhores bocas.
Vozes: - Não apoiado.
O Orador: - Depois de chamado pessoalmente ao debate pelo orador que me antecedeu, depois mesmo de ter asseverado que não desejava subir a esta tribuna numa questão de pormenor, reconheci ser preferível fugir à primeira intenção, para não deixar o sentimento de que fora com meras gratuitidades que me permitira interromper a notável oração do Sr. Deputado Bustorff da Silva.
Parece-me que o ilustre orador que acaba de me preceder andou, muito confundido. Começou por confundir o sentido das minhas intervenções e acabou por confundir condicionamento comercial com condicionamento industrial, mostrando à Assembleia, e através dela ao País, os perigos que supõe advirão com o condicionamento industrial para, certo sector de actividades, e que, em realidade, só se tornariam possíveis com a suspensão do respectivo condicionamento comercial, isto é, das condições de preços, de vendas e de qualidades.
Julgo que S. Ex.ª quis dizer que, se o condicionamento industrial for acompanhado de atenuações do condicionamento comercial, resultará de facto uma situação perigosa e ruinosa para todo o sector interessado.
Todavia, S. Ex.ª não demonstrou, nem a mini nem à Assembleia, que a supressão do condicionamento industrial implica a supressão correlativa ido condicionamento comercial, como consequência necessária ou apenas acessória.
O Sr. Calheiros Lopes: - Diz V. Ex.ª
O Orador: - Confesso que estou confiado no conhecimento que o Sr. Ministro ida Economia tem destas questões e em que as mesmas hão-de merecer-lhe o maior interesse, e, em consequência, estou seguro de que nada de mal advirá pura um sector que tanto tem trabalhado em boa ordem económica para o proveito geral.
O Sr. Deputado Calheiros Lopes julgou-se pessoalmente invocado no debate porque eu, num aparte que dirigi ao Sr. Deputado Bustorff da Silva, disse a S. Ex.ª que deveria informar-se sobre determinado ponto junto do Sr. Presidente do Grémio dos Industriais de Arroz, do qual poderia obter pormenores com certo interesse relativamente à suposição que eu tinha de que as coisas podiam não se passar precisamente como o Sr. Deputado Bustorff da Silva fora levado a crer.
A alusão a um cargo cujo titular estava no meio de nós, se envolvesse censura ou acinte, poderia justificar a presença do Sr. Deputado Calheiros Lopes, nesta tribuna, para se desonerar da acusação feita ou implicada.
Mas eu quis dizer apenas que o Sr. Deputado Bustorff da Silva poderio procurar uma fonte segura e próxima para se confirmar nas minhas hipóteses, e nada mais pretendi com os termos da minha observação.
Porém, como S. Ex.ª veio ao debate, competia-lhe fazer a prova de que o fundamento dos meus apartes estava errado. E isso pedi logo no princípio da intervenção que acabou de fazer e parece-me que não o conseguiu. S. Ex.ª pretendeu apenas demonstrar que não se vendia mais arroz porque não era possível com o sistema em vigor.
O Sr. Calheiros Lopes: - Perdão. Não pretendi demonstrar o que V. Ex.ª acaba de dizer. Apenas apresentei o problema dentro da realidade.
O Orador: - Ora, dentro do condicionamento estabelecido e em frente das faltas que outrora se verificavam dos produtos, foi necessário estabelecer um mecanismo em que não é fácil verificar de antemão se estão ou não esgotadas as possibilidades de generalizar e aumentar o consumo do arroz no nosso meio.
O Sr. Deputado Bustorff da Silva nas suas considerações pretendeu demonstrar que o País estava em risco de grave perigo pelo facto de terem sido admitidos ao descasque do arroz mais alguns industriais...
O Sr. Melo Machado: - Industriais ou lavradores?
O Orador: - ... mais alguns lavradores transformados em industriais. Ora, salvo o devido respeito, não me parece que esteja comprovado justamente esse perigo pelo facto de passar a haver um maior número de transformadores do produto.
Quis dizer apenas que não me parecia que estivesse feito tudo o necessário para assegurar o máximo de escoamento de arroz no público. Não sei, Sr. Presidente, depois de tanto número citado pelo Sr. Deputado Calheiros Lopes, como hei-de esclarecer o assunto, visto não desejar transformar este debate numa discussão de pormenores.
Nestas circunstâncias parece-me que o que tenho a fazer é perguntar ao Sr. Deputado Calheiros Lopes se tem a certeza de que fez a prova negativa do que constituiu a minha intervenção. S. Ex.ª está convencido de que é absolutamente impossível aumentar o consumo do arroz, o que me não parece justificado, desde o momento em que intervém nesse comércio um organismo originariamente criado com o fim especial de limitar a distribuição do artigo, organismo que não tem porventura a flexibilidade necessária para fazer marcha atrás e inverter os termos em que tem trabalhado e que pela sua mesma organização burocrática contribui para demorar as vendas com a demora dos trâmites legais.
O Sr. Calheiros Lopes: - Eu disse que há contingentes extraordinários e por eles podem ser satisfeitas todas as quantidades requisitadas.
O Orador: - Quanto a mim esses contingentes extraordinários são mais um facto a contribuir para o atraso e podia apresentar a V. Ex.ª numerosos casos de comerciantes que se queixam das demoras na distribuição desses contingentes.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª está a fazer entender-se perfeitamente, mas há um ponto em que desejaria ser esclarecido.
VV. Ex.ªs falaram em contingentes normais e contingentes extraordinários. Eu pretendia saber, dada a massa de produção que sabemos possuir, para que é necessária uma concepção especial para se atribuir o chamado contingente extraordinário.
O Orador: - Desde que foi regulada a produção, a indústria e o comércio de arroz, não se pode vender o produto sem conhecimento do organismo coordenador respectivo - a Comissão Reguladora do Comércio de Arroz.
Essa precisa de ter informação de todas ás transacções, e tinha-a, de facto, antes do período da guerra, mas depois as respectivas atribuições foram de certo modo, e em parte, duplicadas pela Intendência-Geral dos Abastecimentos.
Nada nos permite dizer que os consumos estabelecidos em tempos de falta são os consumos únicos que se podem conceber, pois nada nos diz se a grande massa de comerciantes está ou não habilitada a aumentar as suas vendias.
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Mas sobre esse princípio estabelece-se uma base de compra. Além disso, e desde há poucos meses, introduziu-se um factor novo: o fornecimento extracontingente.
O comerciante está livre de pedi-lo ou não, mas se o deseja fazer oficia à Intendência, e esta faz passar pelas suas várias engrenagens o pedido do comerciante. Depois de despachar esse pedido, avisa tal ou tal industrial de que pode ser satisfeita a pretensão.
Mas, por sua vez, o industrial tem de expedir um documento, que é enviado ao comerciante: a confirmação de venda, e só depois de esta assinada e devolvida pelo comerciante se faz finalmente a distribuição do arroz.
Como ha pouco afirmei, pode acontecer na prática que muitas vezes o consumidor entra, para uma loja a fim do comprar qualquer coisa de que precisa para esse dia ou para o seguinte e então pergunta ao comerciante se tem arroz.
- Não tenho - responde este.
- Então - diz o consumidor - dê-me batatas, ou este ou aquele artigo.
Notando então que está falto de arroz, o comerciante pede o tal contingente extra e, embora tudo marche sur des roulettes, como há várias roulettes - os tais requerimentos, despacho dos mesmos, envios, devoluções, etc. -, quando elas chegam a parar já decorreu algum tempo e o consumidor não comprou aquilo de que necessitava primitivamente.
Todo o fundamento dos meus apartes reside nesta noção: que p sistema não é hoje em dia bastante flexível e com base nele não se pude afirmar que o consumo possível seja só de 4.000:000 quilogramas por mês e mais aquelas migalhinhas dos extras.
Na prática sucede, por exemplo, isto: sei de um comerciante que tem um contingente normal de oito sacas por mês e pediu oitenta de contingente extra; dez vezes mais, note V. Ex.ª a proporção! Pois teve de esperar quase um mês para finalmente o receber!
E o caso, se é típico, não é de modo algum único; quando muito, especialmente significativo pelas proporções do pedido, índice do muito que pode haver a reajustar na noção das capacidades de vendas.
Quer dizer: esses oitenta sacos de arroz que o tal pedia a mais teriam podido consumir-se um mês mais cedo.
Extrapolemos agora para os milhares de casos que, como este, se dão por todo o País, e vejam VV. Ex.ªs se o meu asserto não teve razão de ser.
O Sr. Calheiros Lopes: - O sistema de vendas é estabelecido superiormente.
Tenho em meu poder uma confirmação de venda de um armazenista a um industrial e que finalmente se recusou a receber a mercadoria, confirmação essa que mostro a VV. Ex.ª
O Orador: - Mas que qualidade de arroz era essa?
O Sr. Calheiros Lopes: - «Gigante», que é uma qualidade dentro dos padrões estabelecidos oficialmente, cuja quantidade é da ordem de cerca de 40 por cento da produção total.
O Orador: - Ah, então sim!
Vozes: - Isso é outra coisa.
O Orador: - Eu não quis deixar de dar a VV. Ex.ªs, pela muita consideração que me merecem, a prova de que não tinha falado ao acaso e que não era capaz de defender a intenção dos meus apartes.
Se falasse no assunto amanhã, com mais documentação e pormenorização, seria dar-lhe uma importância maior do que aquela que ele realmente tem neste campo do condicionamento industrial - neste campo, notem bem VV. Ex.ªs
Essa questão do arroz «gigante» também é muito curiosa.
Esse arroz custa 1$30 mais, em cada quilograma, do que o arroz chamado «corrente».
Há hoje em dia, superiormente estabelecidos, como diria o meu ilustre colega e amigo Sr. Engenheiro Calheiros Lopes, oito tipos diferentes de arroz.
Seis dessas qualidades só se podem vender em saquinhos pequenos.
O Sr. Calheiros Lopes: - Aí é que V. Ex.ª têm razão de se considerar tantos tipos de arroz. V. Ex.ª sabe a minha opinião sobre o assunto.
O Orador: - Incidentalmente devo dizer que esses saquinhos custam à roda de $80 cada um, a pesar no valor o género.
Além destes tipos, há então os dois restantes, que são entregues pela indústria em sacos de 75 quilogramas, para poderem ser retalhados, à vontade, e representam, de facto, o abastecimento do mercado normal, que não busca luxos.
Essas duas qualidades são as chamadas «mercantil» e «gigante».
Na preparação industrial do arroz há bagos que se partem, e que se chamam trincas, a que o público dá o nome de migalhas. Têm apenas o inconveniente de se desfazerem um pouco mais na cozedura e de darem do produto impressão mais desagradável, mas o seu poder alimentar é o mesmo.
O valor de venda do arroz é em parte estipulado pela percentagem de trincas que nele existe. Até o ano passado o arroz dos tipos «mercantil» e «gigante» era vendido ao público ao mesmo preço.
O Sr. Calheiros Lopes: - Embora se pagassem ao produtor a preços diferentes, havia um sistema de compensação de preços. Nesta campanha foi estabelecida uma nova modalidade, correspondendo os preços do arroz em branco aos preços do arroz em casca.
O Orador: - Isto sucedeu até 31 de Outubro de 1951. Para a nova campanha foi considerado vantajoso incluir todos aqueles tipos, e o arroz «gigante» sofreu um aumento de 1$30 por quilograma na venda a retalho.
Além disso, pretendeu-se que o arroz «gigante» não tivesse trincas, limitando-se as tolerâncias à pequena proporção de 5 ou 6 por cento, enquanto que o arroz «mercantil» poderia ter até 23 por cento.
O ano agrícola teve a particularidade de dar arroz quebradiço, de forma que a percentagem de trincas foi na prática muito superior à percentagem que estava estabelecida.
Isto deu como resultado que o armazenista tem dificuldade em vender o arroz «gigante», visto custar 1$30 a mais do que o «mercantil» e ter trincas em elevada quantidade, igualando-se-lhe, pois, quase, em aparência. Foi talvez por isto que o armazenista citado pelo Sr. Deputado Calheiros Lopes se recusou a receber a mercadoria...
O problema, realmente, não tem nada que ver com o condicionamento industrial, resumindo-se a isto: não está assegurada ao comércio do arroz descascado aquela facilidade de abastecimentos que seria necessária para escoar uma grande colheita; mas todas as dificuldades, sérias e graves, que daqui advêm e advirão nada têm que ver, repito, com os factos do condicionamento industrial.
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O que se torna indispensável é que o arroz seja posto mais facilmente à disposição do comércio, e portanto também mais facilmente à disposição do público.
O Sr. Deputado Bustorff da Silva chamou a atenção da Assembleia para a gravidade da situação que se desenha e para iodas as dificuldades que se aproximam para a produção, se não forem tomadas prontamente providências para facilitar o rápido escoamento do arroz. Com isto concordo plenamente e, inserindo-me na linha das opiniões daquele Sr. Deputado, dou também o alarme para um estado de coisas carregado dos mais sérios riscos.
E para concluir afirmo que, se não tomei neste debate acessório, em relação ao descasque de arroz, posição mais definida, foi porque pretendi apenas lembrar que se poderia talvez vender mais arroz e que, enquanto não se fizer a experiência de novas modalidades, não é possível conseguirmos a resolução do problema, porque os dados estatísticos que possuímos são relativos a um passado de restrições, a um passado de contingentamentos influenciados pela psicose da falta.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bom, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. O debate continuará na sessão de amanhã, devendo terminar nesse dia a discussão na generalidade. Está encerrada a sessão.
Eram 10 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
José Garcia Nunes Mexia.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sonsa.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
António Carlos Borges.
António Joaquim Simões Crespo.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
Proposta de emenda, enviada para a Mesa no decurso da sessão, sobre a proposta de lei do condicionamento das indústrias:
Propomos que seja elevado de cento e oitenta dias para trezentos e sessenta dias o prazo fixado pela base XVII para se proceder à revisão dos condicionamentos actualmente existentes.
Lisboa e Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 23 de Janeiro de 1952. - Os Deputados: Francisco Cardoso de Melo Machado, Sebastião Garcia Ramtres, Joaquim Mendes do Amaral, Jorge Botelho Moniz, António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA