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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 126
ANO DE 1952 25 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
V LEGISLATURA
SESSÃO N.° 126, EM 24 DE JANEIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
Guilherme de Melo e Castro
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.° 124.
Leu-se, o expediente.
Por proposta do Sr. Presidente a Assembleia manifestou o seu pezar pela morte da mãe do Sr. Deputado Simões Crespo.
O Sr. Presidente comunicou que recebera o parecer da Câmara Corporativa acerca, do Protocolo Adicional ao Tratado do Atlântico Norte. Também o Sr. Presidente disse ter recebido da Presidência do Conselho duas propostas de lei relativas à organização geral da Aeronáutica Militar e ao recrutamento e serviço nas forças aéreas.
O Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu mandou para a Mesa nota de um aviso prévio acerca da execução da Lei n.° 2:039 e do Decreto-Lei n.° 38:267.
O Sr. Deputado Jacinto Ferreira falou sobre os investimentos financeiros do Estiado em empresas privadas.
O Sr. Deputado Manuel Lourinho ocupou-se das transgressões das leis do trânsito.
Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão da proposta de lei relativa ao condicionamento industrial. Falaram os Srs. Deputados Délio Santos e Melo Machado.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 50 minutos.
CAMARA CORPORATIVA. - Parecer n.° 24/V acerca do Protocolo Adicional ao Tratado do Atlântico Norte.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiras Lopes.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
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Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco de Campos.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 79 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.° 124.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer rectificação ao Diário em reclamação, considero-o aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegrama
De António A. Mariano apoiando as considerações do Sr. Deputado Mascarenhas Gaivão proferidas no seu discurso sobre o condicionamento das indústrias.
O Sr. Presidente: - Comunico à Câmara que faleceu a Sr.ª D. Maria Adelaide Simões Crespo, mãe do Sr. Deputado António Joaquim Simões Crespo.
Creio interpretar os sentimentos desta Assembleia apresentando àquele Sr. Deputado o nosso vivo pesar.
Encontra-se sobre a Mesa o parecer da Câmara Corporativa acerca do Protocolo Adicional ao Tratado do Atlântico Norte.
O parecer vai baixar à Comissão de Negócios Estrangeiros para que tome sobre ele imediata posição, visto que tenciono marcar a respectiva discussão para ordem do dia de uma das primeiras sessões da Assembleia.
Encontram-se na Mesa duas propostas de lei. Uma sobre a organização geral da Aeronáutica Militar e outra respeitante ao recrutamento e serviço nas forças aéreas.
Vão ser enviadas imediatamente à Comissão de Defesa Nacional e à Câmara Corporativa, à qual, em virtude da urgência declarada pelo Governo, fixo o prazo de vinte dias para emitir o seu parecer.
Pausa.
Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: referindo-nos à recente lei da amnistia nem a mim nem aos restantes ilustres Deputados que se têm ocupado do assunto movem quaisquer intuitos políticos.
Inspira-nos sòmente um imperativo sentimento de justiça; e se, porventura, algum ou alguns dos beneficiados com aquela lei não se mostraram dignos de tal beneficio, este facto de nenhum modo justificava a preterição e a abandono dos outros. Pelo contrário.
Por culpa de um ou dois que não a merecessem não podem sofrer centenas que a merecem e há vinte e cinco anos aguardam a hora de justiça, que, para muitos, ainda não chegou. E até aquela eventual circunstância mais flagrante e injusta torna a desigualdade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Por isso, e também porque já o anunciara, envio para a Mesa o seguinte:
Aviso prévio
Mediante aviso prévio, desejo ocupar-me das alterações introduzidas na Lei n.° 2:039, de 10 de Maio de 1950, pelo Decreto-Lei n.° 38:267, de 26 de Maio de 1951, relativos à amnistia e reintegração de funcionários civis e militares, e da forma como estes diplomas foram executados.
Em obediência ao artigo 49.° do Regimento, indico desde já os seguintes fundamentos e razões de discordância:
O Decreto-Lei n.° 38:267 - desnecessário, pelo menos, na parte não regulamentar -, tendo alterado os artigos 2.° e 3.° da Lei n.° 2:039 e declarado até substituído um artigo (o 4.°) - que pura e simplesmente eliminou sem se executar -, e ainda criando a restrição injustificável do § único do artigo 5.°, contrariou profundamente o pensamento, o texto e os fins da Lei n.° 2:039.
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O Decreto-Lei n.° 38:267, e ainda o modo restrito como lhe foi dada execução, originaram a exclusão de grande número de funcionários civis e militares (oficiais, sargentos e praças de todas as corporações) dos benefícios que resultavam de uma lei que tanto dignificou a Assembleia Nacional e foi uma projecção da tolerância, da estabilidade e da força do regime.
Entre os excluídos figuram todos os que, encontrando-se já na aposentação, reserva ou reforma, deviam, como reparação e para o efeito das pensões, ser promovidos aos postos que lhes competiam se não tivessem sido demitidos em leis e decretos retroactivos e por motivos políticos, antes da Revolução Nacional, de que muitos foram precursores e leais colaborantes, no exclusivo e renovado propósito de servirem a Pátria; e permanecem, portanto, numa situação de castigo.
A mesma restrição sofreram os agora reintegrados, e disto resultou serem atribuídos à grande maioria dos oficiais os postos de alferes e tenente, reformados com uma pensão que, apesar de insignificante, todos ou a maioria ainda não recebem.
A boa vontade do Governo, expressada no relatório do decreto pelo desejo de «apagar os últimos vestígios de passadas discórdias», foi, infelizmente, sacrificada especialmente por um exclusivo e estreito critério fiscal, bem acentuado naquele relatório; mas há-de reconhecer-se que era um obstáculo removível, e que sobre o supérfluo ou adiável predominam imperiosamente os deveres de justiça e reparação, consagrados expressivamente e sem reservas na lei em referência.
Pelas razões expostas, e por outras a considerar no debate, impõe-se a revisão urgente do assunto, em ordem a dar-se integral cumprimento, em toda a sua amplitude, à Lei n.° 2:039 e satisfação ao pensamento que a inspirou, com voto unânime da Assembleia Nacional.
Será este o nosso confiado apelo.
Devo acrescentar, Sr. Presidente, que estou desde já habilitado a efectivar este aviso prévio, cumpridas que estejam as formalidades regimentais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Jacinto Ferreira: - Sr. Presidente: o repúdio da posição industrial ou comercial do Estado foi um principio que enformou a ética da situação nascida do 28 de Maio, logo que ela começou a sentir, verdadeiramente, a necessidade de assentar num plano político-administrativo.
Não repudiou o Estado, formalmente, a posição de accionista ordinário de empresas, mas em Dezembro de 1927 o Sr. Presidente do Conselho, então ainda sem responsabilidades de governação, escrevia:
Não se me afigura de aconselhar a política de alargar, por meio de compra de acções, a posição do Estado nas empresas que com ele têm contratos.
Ligar-se o Estado à administração de empresas privadas que envolvem grandes interesses, seus e da Nação, é ficar manietado perante possíveis abusos, assumir responsabilidades que lhe não cabiam e pôr-se em condições de não poder fiscalizar coisa alguma.
Não será lícito, em face destas tão lúcidas palavras, supor-se que ao Estado Novo não agradaria, pelo menos, a posição de accionista de bancos e companhias?
Certo é que, logo de inicio, foram entregues a empresas privadas os Caminhos de Ferro do Estado, o Arsenal, as chamadas «obras do Estado» (construção civil), etc., mas parece que a partir de certa altura se efectua um recuo, aliás de notar em todos os sectores da mentalidade estado-novista, que levou o Estado não só a não se desembaraçar de algumas indústrias, como ato. a adoptar outras já não de larga projecção nacional, mas de interesse reduzido, e que repetidas exposições das indústrias privadas sujeitas à concorrência têm sido impotentes para fazer desaparecer.
Por outro lado, o Estado enveredou abertamente pelo caminho de grande accionista de grandes empresas, e, se isto pôde ser feito há anos, à sombra de excedentes de receita, o que não acontecia em 1927, «porque então o Estado era permanentemente deficitário e tinha uma dívida enorme», também hoje em dia uma tal razão só muito cautelosamente poderá ser invocada, uma vez que o orçamento do Estado, para se apresentar equilibrado em relação a 1952, não pôde comportar, apesar de toda a boa vontade declarada, uma melhoria dos vencimentos do funcionalismo superior em 4 a 5 por cento ao que ele percebia em Dezembro de 1951.
Segundo as Contas Públicas de 1950, o Estado tinha em 31 de Dezembro desse ano perto de 500:000 contos investidos em acções e obrigações, assim distribuídos:
Acções: Conto
Banco de Angola .................................... 46:926
Banco Nacional Ultramarino ......................... 25:000
Banco de Portugal .................................. 19:582
Companhia das Aguas de Lisboa ...................... 10:054
Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses ........ 5:479
Companhia do Crédito Predial ....................... 20:000
Companhia Nacional de Electricidade ................ 38:900
Companhia de Petróleos de Portugal ................. 19:417
Companhia Portuguesa de Celulose ................... 16:000
Companhias da indústria de fósforos ................ 5:650
Companhias da indústria hidroeléctrica ............. 184:956
Sociedade Algodoeira de Fomento Colonial ........... 11:711
Sacor .............................................. 16:668
Sociedades diversas ................................ 8:330
Obrigações:
C. P ............................................ 4:185
Hidroeléctrica do Cávado ........................ 50:000
Naturalmente, o Estado, na sua função de fomentador da riqueza nacional, participa, e muito bem, do capital de empresas nascentes de largo interesse público, para assim tornar possível a sua instalação e inspirar confiança às economias privadas (é o caso, por exemplo, da celulose e das hidroeléctricas); ou acode com os seus fundos a empresas, também de interesse público, em momentos de embaraços administrativos (é o caso do Banco Nacional Ultramarino e do Crédito Predial).
E quando digo Estado não quero que se entenda também organismos oficiais, ou quase oficiais, como, por exemplo, as caixas de previdência, porque a participação destas considero-a eminentemente perigosa. Não só tais organismos não teriam possibilidade de intervir na administração das empresas de que se fizessem accionistas (e ainda que a tivessem exorbitavam das suas funções), como também a natureza e o destino de dinheiros que vão capitalizando tornariam condenáveis, já não digo só o risco, mas ato mesmo as simples possibilidades de flutuação do seu rendimento.
Mas sempre que, ou logo que, o capital privado manifesta confiança nas empresas nascentes ou nas reabilitadas, confiança revelada pelo valor das acções, mercê
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do dividendo distribuído, ou de uma tal perspectiva, «não me parece que seja de aconselhar o alargamento da posição do Estado nessas empresas», nem mesmo a manutenção da posição inicial.
Não será este o caso dos três bancos emissores - Angola, Nacional Ultramarino, e de Portugal?
Não será também o caso da Sacor, da Companhia de Petróleos de Portugal, das indústrias fosforeiras, etc.?
Apesar disto, é patente um apego, que a mim me parece exagerado, em relação a estas posições, das quais o Estado mostra não só não se querer alhear, como até cada vez mais as reforça, caminhando para uma nacionalização mansa, encapotada, mas, afinal, autêntica e inegável.
Cito, para exemplo, o caso do Banco Nacional Ultramarino, e, para melhor compreensão, permito-me fazer um breve resumo histórico:
Em Fevereiro de 1931 os membros do conselho de administração deste Banco puseram à disposição do Governo os cargos que nele exerciam, gesto motivado por grave crise financeira, que punha em risco as possibilidades de pronta solvência dos encargos desse estabelecimento de crédito.
Então o Governo, solicitamente, considerando que esse Banco anão poderia suspender por um só momento as suas operações, pela grande repercussão que tal facto teria na actividade nacional», acudiu-lhe com o auxilio de 100:000 contos e nomeou um conselho administrativo de pessoas de sua confiança.
E que o Governo de então não cometeu imprudência, nem a empresa era temerária, provou-o o facto de sete anos depois o Estado, no relatório do Decreto n.° 28:489, poder anunciar o completo restauro da vida financeira do Banco Nacional Ultramarino e ao mesmo tempo declarar que o erário público não ficara desfalcado em um só centavo com o auxilio prestado.
Igual sorte não teve o capital dos accionistas, o qual foi reduzido a um quinto do seu valor inicial e suplantado pela emissão de quase o dobro em valor de acções preferenciais do Estado, salvador oportuno da instituição.
Também o mesmo não aconteceu em outros países igualmente atingidos pela depressão geral, e é o próprio Decreto n.° 28:489 que no seu preâmbulo nos informa das avultadas quantias perdidas pêlos erários públicos desses países.
Mas, enfim, não se pode, nem ninguém deve, censurar o Estado Português por ter feito recair sobre alguns mais favorecidos de bens o prejuízo que outros Estados em idênticas condições preferiram fazer suportar pela comunidade inteira.
Em virtude do desafogo do Banco, o decreto referido estabeleceu no seu articulado o que designou por segunda fase transitória da sua vida administrativa, mandando atribuir dividendo e anunciando a terceira e última fase, que seria a entrega total dos destinos do estabelecimento aos seus accionistas.
Delicado eufemismo este, aplicado a uma instituição onde o Estado dominava e domina todas as resoluções, pelo predomínio do capital que possui, na proporção de 2,5 para 1,5, e com o reforço da concentração da primeira dessas parcelas em face da dispersão da segunda.
Autorizou este mesmo decreto a elevação do capital social para 50:000 contos, mas essa autorização não só não foi ainda usada, como seria mesmo assim insuficiente para alterar a situação presente. Porque de duas uma: ou os destinos do Banco não estão entregues aos seus accionistas, porque é o Estado que tudo domina, ou então nunca deixaram de o estar depois de existirem acções preferenciais, porque a situação actual é idêntica à anterior.
E mantém-se assim esta situação de um estabelecimento de crédito distribuindo um dividendo condicionado à sua minoria accionista, talvez como prémio de a existência desta guardar para o Banco as aparências de instituição privada.
Pretendeu-se efectuar um novo contrato, e já o relatório de 1940 do conselho administrativo dizia o seguinte:
S. Exa. o Ministro das Colónias encarregou uma comissão, composta de três membros, todos vogais do conselho administrativo, de elaborar um projecto de contrato entre o Estado e o Banco. Por expressa indicação de S. Ex.ª esse projecto foi submetido ao conselho administrativo, para sobre ele, com toda a liberdade, se pronunciar.
O conselho entendeu que devia elaborar um outro projecto, aliás baseado no que foi presente. Este projecto foi entregue a S. Ex.ª o Ministro, aguardando agora que se chegue a acordo sobre o texto definitivo, para ser presente à apreciação dos seus accionistas.
Pois são passados três anos. E que poderemos concluir?
Que o contraprojecto não agradou ao Estado? Que lhe não convém a celebração de qualquer novo contrato?
Há uma terceira hipótese, que eu considero mais aceitável: a de o Estado ter julgado mera superfluidade a celebração de um contrato consigo próprio.
De facto, para quê estabelecer negociações entre o Estado, por um lado, e um organismo que ele domina inteiramente, por outro?
Deseja-se, na realidade, entregar os destinos do Banco aos accionistas, conforme se escreveu no referido decreto? Deseja o Estado, sinceramente, iniciar um retraimento como accionista de grandes empresas?
Pelo artigo 25.° da proposta da Lei de Meios de 1951 foi o Governo autorizado a despender 1.500:000 contos, durante três anos, nas necessidades de defesa militar e a cobrir essas despesas com várias receitas, entre as quais o produto da venda de títulos.
Como Deputado da Nação, permito-me sugerir que, à sombra desta autorização, o Estado se não limite a vender os seus próprios títulos de crédito, mas se liberte igualmente, no todo ou em parte, consoante o indicar o interesse nacional, da sua posição de grande accionista de empresas privadas, entregando-a aos capitais particulares, que, decerto, não hesitarão em a tomar, dado o volume actual dos depósitos bancários, e depondo nas mãos dos accionistas os destinos das empresas, colocando-se na posição de tudo fiscalizar e não assumindo responsabilidades que lhe não cabem.
O interesse comum não será, por isso, afectado, pois, não só, por força de contratos a celebrar, ou já celebrados, o Estado, como representante de todos, fica habilitado a exercer funções fiscalizadoras, como também, por intermédio dos seus delegados, poderá actuar efectivamente na administração.
A S. Ex.ª o Ministro das Finanças dirijo esta sugestão. Convém que o Estado, depois de ter renunciado, em princípio, a ser comerciante e industrial, afirme igualmente o seu propósito de só ser accionista de empresas comerciais ou industriais na medida em que as circunstâncias extraordinárias ou anormais isso lhe imponham.
É bom não esquecer que a vida dos povos não é tecida à custa de situações presentes e que os princípios perigosos revelam toda a sua possibilidade maléfica quando passam, na sua aplicação, de cérebros bem intencionados para outros maldosos.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
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O Sr. Manuel Lourinho: - Sr. Presidente: peço licença a V. Ex.ª para tomar por alguns momentos a atenção da Assembleia com a exposição de um problema que julgo haver necessidade de mostrar à luz da realidade com que se nos apresenta todos os dias.
Sr. Presidente: é um motivo de lamentações, de protestos e, de uma maneira geral, de indignação o que todos os dias acontece no que respeita a acidentes provocados pela viação acelerada, nomeadamente com os acidentes determinados pelo automobilismo. Aos jornais diários sobram-lhes os casos para encher várias colunas do seu noticiário com o que se passa pelas estradas deste país e pelas ruas dos seus aglomerados populacionais.
Parece-me útil que se tomem providências no sentido de disciplinar estas actividades, em ordem a que se não dó um espectáculo de balbúrdia, o que não está, felizmente, há muito tempo nos nossos hábitos de vida.
Suponho que existe legislação bastante para pôr cobro ao destempero que se nota neste capitulo da nossa vida colectiva. Não está actualizada a legislação? Se assim é, façam-se as modificações necessárias e úteis para regular bem esta modalidade dos transportes.
Durante a última época de férias tive ocasião de verificar casos típicos que, posteriormente comparados com outros, deram lugar a que no meu espírito se formasse a convicção da generalidade que passo a expor.
A fúria das velocidades, o desregramento duma normal prudência, a desobediência às prescrições mais úteis e comezinhas, pela parte dos condutores de automóveis, e das leis de trânsito são o pão nosso de cada dia, desde manhã até à noite.
A indisciplina dos peões e a sua não compreensão do direito que cada qual tem sobre o uso da estrada, a par das atitudes mais descompostas, usadas com frequência por comodistas, mal intencionados e incivis, são ainda também, e não em menor escala, motivos de acidentes de viação.
As picardias dos ciclistas, a fúria atómica dos grandes veículos de carga, os ases de farta quilometragem, o desembaraço dos motoristas dos ligeiros e o egossoberanismo do peão fizeram admitir que existe uma fauna extensa de indivíduos formando uma profunda e extensa cortina de perigo, constituída pelos que eu chamo «os loucos da estrada».
Isto é assim, infelizmente, Sr. Presidente. Não necessito de carregar as cores da pintura.
Quem, num domingo de Verão, por volta das 16 horas, se colocar como observador nalguns pontos da estrada Sintra-Praia das Maçãs, para verificar o que ocorre na sua pouco mais do que meia polegada de largura, diagnosticará facilmente, mas com êxito absoluto, o complexo perturbador que acabo de apresentar perante os olhos dos Srs. Deputados.
São os automobilistas de verdes anos, que irrompem como furacões, torneando a estrada de lés a lés; é o motorista desembaraçadíssimo de presunção, mas falho de dotes físicos para bem conduzir; são os que fazem ultrapassagens de risco, em que os pneus cantam e o pavimento fica com profundos arranhões; são os grandes camiões de carga rolando a reboque, ocupando, pelo tamanho e pelo exagerado volume da mercadoria a transportar, todo o espaço que se encontra para distribuir pelos outros; são os condutores tímidos e mal preparados para conduzir um veículo, incapazes, de seu natural, para resolver qualquer problema dos muitos que continuamente aparecem a quem conduz na estrada.
E mais. São os motoristas que apenas medem e reclamam os seus direitos, esquecendo ou desconhecendo os seus deveres.
Ainda pior. São os peões que, num rancor invejoso contra os que conduzem os motorizados, se supõem e se mantêm no direito de ocupar e se demorar na porção de faixa de rolamento pertencente ao motorista.
Ainda mais. São os pais descuidosos ou imprevidentes; que deixam sem vigilância as crianças cruzarem os caminhos destinados para o trânsito de velocidade.
E, finalmente, Sr. Presidente, são todos os contraventores dos regulamentos da estrada que a ocupam indevidamente, provocando desastres nos seus haveres, nas suas vidas, ou nas dos outros.
São os condutores de veículos de marcha lenta ou rápida, não incluídos nos de exploração, que se eximem ao exacto cumprimento das disposições do Código da Estrada quando se supõem fora do alcance das sanções legais.
São, Sr. Presidente, «os loucos da estrada» todos os que acabei de enumerar. Mas, dir-se-á, não se pedem sanções, a aplicar a tais irregularidades?!
Sr. Presidente, é a favor dos que não ficaram catalogados que eu peço protecção!
Para essa protecção não deve haver apenas medidas coercivas contra os culpados. Para que ela seja eficaz devem tentar-se métodos de protecção mais profunda, devendo ir mais além na aplicação de sanções.
Sr. Presidente: no período do encerramento do Ano Santo em Fátima demonstrou-se com exuberância a alta competência dos nossos serviços de policiamento de viação.
Não foi só no plano a executar, foi ainda na forma impecável como ele foi posto na prática. Não foi um milagre, foi uma perfeita organização, uma magnífica prova de competência da nossa Policia de Transito.
Verifica-se, pois, que essa Polícia, especialmente incumbida de tais serviços, é competentíssima. Será possível que pelo seu número insuficiente não resulte perfeita em todo o Pais e a toda a hora? Infelizmente assim será.
Teremos, pois, que a valorizar por outros meios. Como? Aperfeiçoando as relações mútuas entre os diversos ocupantes da via pública.
Tornem-se mais duras as sanções contra aos loucos da estrada». Faça-se o policiamento menos burocrático e mais educativo.
Modifiquem-se as provas de exame de competência para condutores de motorizados em ordem a menos mecânica inútil e falaciosa e a mais texto do carácter.
Façam-se exames somático-neurológicos rigorosos.
Apresentem-se aos condutores textos para avaliação das faculdades físicas de reacção.
Submetam-se os candidatos a provas de agudeza dos sentidos.
Responsabilizem-se os peões.
Sr. Presidente: a leitura atenta do Código da Estrada, os conhecimentos das provas exigidas para o exame de competência dos condutores de motorizados, as disposições penais contra condutores e peões mostram que há necessidade de se pôr em dia, conforme os modernos métodos de orientação profissional e com actualização da responsabilidade para todos os prevaricadores.
Chamando a atenção do Sr. Ministro das Comunicações para este problema, julgo que ele bem merece, para bem do público, que vá além de ficar dormindo no Diário das Sessões da Assembleia Nacional.
Aproveito encontrar-me no uso da palavra para corroborar a exposição feita há dias nesta Assembleia pelo meu Ex.mo Amigo e ilustre colega Sr. Deputado Galiano Tavares a propósito da ligação, por camioneta, das cidades de Portalegre e Castelo Branco.
Parece-me, porém, que se o traçado fosse por Castelo de Vide, Póvoa e Meadas e Montalvão serviria estas populações que se encontram no trajecto, com grande benefício para elas e para a facilidade de troca de relações comerciais que dali adviria.
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Permito-me advogar junto de S. Ex.ª o Sr. Ministro das Comunicações esta justíssima pretensão, que todos os povos interessados agradeceriam.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão, na generalidade, a proposta de lei sobre o condicionamento das indústrias.
Tem a palavra o Sr. Deputado Délio Santos.
O Sr. Délio Santos: - Sr. Presidente: desculpe V. Ex.ª ter pedido para usar da palavra neste debate, cujo tema, tratado com tanta profundeza pelos ilustres oradores que me antecederam, parece, deveria estar completamente esgotado.
O debate, na verdade, tem-se prolongado por um grande número de sessões e algumas análises do problema do condicionamento industrial têm sido de facto notabilíssimas. Não cito nomes para não melindrar a modéstia daqueles que tão brilhantemente e com tanto acerto ocuparam esta tribuna.
O assunto, porém, é do maior interesse nacional e merece o tempo que lhe temos consagrado. Julgo também poder afirmar que item todos os aspectos do problema, apesar da variedade e riqueza das intervenções, foram devidamente focados.
Ouvimos palavras autorizadas a defender os legítimos interesses das indústrias constituídas; ouvimos vozes veementes e sinceras defendendo os direitos da agricultura e, em especial, da lavoura; ouvimos a denúncia justa de alguns casos de desvios do espírito da lei do condicionamento nas suas variadas aplicações, e ainda a denúncia de alguns casos graves para a economia nacional das articulações mal feitas dos diferentes aspectos do problema económico português.
Delinearam-se deste modo, mais ou menos, três correntes que fiaram ouvir o seu ponto de vista: a primeira, a dos industriais, que procuraram defender os seus direitos, quer reclamando uma maior liberdade de actuação nas indústrias, quer defendendo a manutenção do condicionamento vigente; a segunda, a dos agrários, reclamando uma maior liberdade, para que o agricultor possa, se quiser, trabalhar os seus artigos desde a produção agrícola até à sua colocação no mercado; a terceira, a dos que pensam ser a mais importante corrigir a forma como a lei actual tem sido executada, na medida em que se têm verificado desvios da sua finalidade, e fazer desaparecer as tais anomalias de coordenação, que tanto prejudicam a economia nacional.
Penso que seja talvez o momento de trazer a minha achega, que pretende reflectir o ponto de vista de um outro grupo de indivíduos, cujos interesses devem também ser considerados num debate desta natureza.
Não estando ligado, nem directa, nem indirectamente, à agricultura ou à indústria; não tendo o espírito obcecado por circunstâncias ligadas à burocracia dos organismos oficiais; sendo apenas professor do ensino superior, suponho poder, de algum modo, identificar-me com a entidade social dos consumidores, cujos legítimos interesses não podem ser esquecidos nesta Assembleia.
Trata-se, portanto, de carrear uma achega complementar daquelas que foram trazidas antes da minha, a qual, necessariamente, há-de implicar uma tentativa para o esclarecimento de certos conceitos, de cuja confusão fatalmente resultaria uma visão errada do problema e a possibilidade de se tomarem decisões nefastas ao interesse da economia nacional.
Na verdade, durante o debate, sobretudo durante as interpelações feitas aos diversos oradores, pareceu por vezes acontecer que certas afirmações materialmente verdadeiras, com as quais, portanto, todos nós estaríamos de acordo, se faziam derivar de premissas que de modo nenhum as justificavam; por outro lado, de premissas justas surgiam às vezes conclusões que de modo nenhum poderiam estar contidas nelas.
E isto porquê?
Ou porque se confundia um caso de irregular aplicação da lei ou desvio dela com o princípio geral, cuja justiça, e portanto legitimidade, não podia estar em causa; ou porque se considerava o problema de uma maneira muito parcelar, sem, o integrar convenientemente no complexo económico nacional; ou ainda porque se examinava a nova proposta de lei olhando apenas para o passado e esquecendo que ela visa principalmente o futuro. Daqui resultou confundir-se algumas vezes, por exemplo, condicionamento industrial com condicionamento económico; imaginar-se erradamente que o condicionamento industrial, tal como é definido na lei portuguesa, é de essência socialista, e que, portanto, é incompatível com a iniciativa privada e a liberdade individual (o que levaria, naturalmente, a admitir no problema apenas duas alternativas - a de um liberalismo económico ou a de um dirigismo de Estado, embora disfarçado -, dilema que se nos afigura falso).
Supomos que a origem de algumas destas confusões está no parecer da Câmara Corporativa, aliás cheio de interesse sob muitos aspectos, que julgou ver que a lei em discussão se desviava substancialmente, pelo espírito que a inspira, da lei de condicionamento anterior, e no veemente desejo de vermos terminados em definitivo certos abusos mo cumprimento das leis, graças aos quais se mantêm privilégios ilegítimos condenados por uma análise imparcial.
Sr. Presidente: os complexos problemas da economia moderna, de que a indústria é um elo fundamental, em países como o nosso têm de tomar em linha de conta o seu próprio atraso e o condicionalismo económico mundial.
Por isso, só podem ser resolvidos ou fazendo apelo a uma alta preparação educativa do seu povo e a arrojadíssimas iniciativas particulares, que na sua execução não se mostrem indiferentes ao bem colectivo (pela conformação moral daqueles que as tomam e pela maneira como as planeiam e dirigem), ou pela conjugação da iniciativa privada com a prudente mas firme acção orientadora do Estado (que (leve estar consciente das necessidades nacionais e olhar o futuro a unia certa distância).
O que se passou na Dinamarca entre 1870 e 1880 ilustra a primeira hipótese. Naquele país vivia-se, por essa altura, principalmente da exportação do trigo.
A concorrência internacional e u baixa dos preços do produto no mercado mundial colocaram os dinamarqueses perante a necessidade de criar medidas severas de protecção para os seus trigos.
A adopção dessas medidas iraria, fatalmente, um aumento do custo da vida. Qual foi a atitude assumida pêlos agricultores dinamarqueses? Cerca de trinta mil agricultores assinaram um manifesto contra as medidas do Governo, concebido nos seguintes termos:
Nós, camponeses dinamarqueses, não queremos um imposto sobre o trigo; não desejamos, por medidas artificiais, fazer encarecer a alimentação dos nossos compatriotas.
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Em face desta atitude, o Governo não pôs em prática a medida proteccionista, mas, por seu turno, os camponeses transformaram por completo as suas actividades agrícolas, orientando-as no sentido da criação do gado e da indústria dos lacticínios. Eis um exemplo notável e digno de registo. Mas uma revolução deste tipo só foi possível graças ao elevado nível do povo e dos agricultores dinamarqueses, que tinham sido preparados pelas altas escolas populares, promovidas por esse extraordinário pedagogo que foi Grundtwig, a quem os seus compatriotas chamaram o «profeta do Norte».
O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª dá-me licença?
Isso não foi possível apenas pelo nível de educação do povo dinamarquês, mas também pelas condições do solo e do clima, que são diferentes dos da terra portuguesa.
O Orador: - Mas o nosso povo, pelo seu atraso no campo educativo e no dos conhecimentos técnicos, não poderia realizar a revolução industrial necessária se ela lhe fosse imposta.
O Sr. Botelho Moniz: - Muito bem!
O Orador: - Trata-se, pois, de uma condição necessária, embora não suficiente.
A revolução industrial na Dinamarca foi uma consequência prática do ensino superior desinteressado, levado até junto do povo para lhe «levantar a alma, para lhe tornar acessíveis as fontes mais puras da vida moral e intelectual».
Grundtwig nas suas escolas não queria exames nem diplomas, não tinha por objectivo modificar a situação social dos alunos. Desejava apenas que estes, ao deixarem as aulas, retomassem o trabalho que tinham deixado, mas com uma alma diferente: «o único fim que visava, era o engrandecimento do valor espiritual interior de cada um».
Infelizmente, meus senhores, como disse há pouco em resposta ao Sr. Deputado Botelho Moniz, a situação social e educativa da grande massa do povo português não permite contarmos com uma actuação deste género, aliás difícil de imaginar em qualquer outro país fora desse pequeno grupo de pequenos países banhados pelo Báltico e pelo mar do Norte.
Para nós não há senão o outro caminho: a conjugação prudente, mas firme, do Estado, orientador dos esforços multíplices que constituem o agregado social, e da iniciativa privada, de modo a fazer coincidir os interesses económicos das indústrias com os interesses económicos da Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Portanto, embora salvaguardando os direitos da iniciativa privada, temos de reconhecer vantagens no direito de o Estado intervir, estimulando e orientando as diferentes actividades económicas do País, por meio de condicionamentos directos ou indirectos. O caso particular do condicionamento industrial tem, pois, de integrar-se nesta doutrina geral, que a nossa Constituição Política reconhece e que o Estatuto do Trabalho Nacional consigna. O único ponto em litígio poderia ser o do aspecto formal da lei, a fim de lhe darmos uma redacção mais em conformidade com o parecer da Câmara Corporativa ou com o texto legal proposto por S. Ex.ª o Ministro da Economia.
O primeiro ponto a estabelecer - e esse resulta claramente da análise dos textos legais, da leitura do relatório que antecede a proposta, de lei, da discussão do parecer da Câmara Corporativa e do debate travado nesta Assembleia - é o de que não há - contra a opinião de alguns- solução de continuidade no espírito que anima o legislador através das diferentes leis que se referem a este condicionamento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não há, de facto, um espírito novo, mas sim uma consciência mais clara dos desvios que na prática a lei tem sofrido e o propósito firme de os corrigir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O condicionamento industrial que S. Ex.ª o Ministro da Economia, na sua clara visão e no seu louvável intuito, pretende alcançar não pode de maneira nenhuma confundir-se com o condicionamento a que se refere o parecer da Câmara Corporativa. Não se confunde com a política dos preços e a defesa económica dos produtos nacionais. Ultrapassa em muito o âmbito e a competência das corporações...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... e, embora não se confunda com o condicionamento económico, tem de estar intimamente coordenado com ele, o que coloca o problema do condicionamento industrial na exclusiva competência do Governo.
Vozes: - Apoiado!
O Orador: - Eis porque concordo e dou o meu inteiro aplauso à declaração de voto do Digno Procurador Afonso Rodrigues Queiró, insurgindo-se contra a interpretação que pretende fazer desta proposta de lei mais uma tentativa provisória e acidental cio problema do condicionamento industrial português e quer que se veja nela um ponto de inflexão para uma directriz completamente distinta da que tem sido seguida pelo Governo até aqui. «É certo - como diz aquele Digno Procurador - que a organização corporativa se traduz sempre num condicionamento, mas esse condicionamento não é condicionamento industrial, já não pertence aos organismos corporativos autorizar a instalação, modificação ou transferência dos estabelecimentos das respectivas indústrias».
Essa faculdade só deve, de facto, pertencerão Governo, não só pelas razões justamente alegadas por aquele Digno Procurador, mas ainda porque a acção condicionadora da corporação apenas se pode referir a alguns aspectos da indústria já existente, e não aos problemas económicos, que muito devem interessar ao Estado, relativos a empreendimentos futuros de grande alcance nacional.
O condicionamento, não deve visar apenas a defesa daquilo que se tem ganho ao longo de muitos anos de esforços e trabalhos perseverantes. O condicionamento deve ser um instrumento nas mãos do Governo para auxiliar, para estimular o fomento e a riqueza nacionais, levando à criação de novas fontes de bens disponíveis e utilizáveis.
A única dúvida que poderá surgir no nosso espírito é se, na prática, estes objectivos serão alcançados, nem que ocorram novos desvios condenáveis da aplicação da lei, e se será possível corrigir aqueles que se têm verificado até agora. Em meu entender, suponho que sim.
No aspecto formal, creio que o texto proposto pelo ilustre titular da pasta da Economia permite, de facto, evitar esses futuros desmandos e remediar os existentes.
No aspecto prático, a circunstância de termos à frente dos assuntos económicos um homem, com as qualidades
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de inteligência, tacto, bom senso e sentido das realidades práticas que o nosso antigo colega Dr. Ulisses Cortês possui é suficiente garantia de que tudo se conseguirá pela melhor forma possível, sem excessivo intervencionismo do Estado, nem hesitações ou fraquezas da parte deste, sempre que o interesse nacional o exija. Não basta ser economista, é indispensável ser-se também um grande político, e o actual Ministro reúne, numa harmonia notável e em alto grau, estas duas qualidades, tão necessárias para o desempenho daquele difícil cargo.
Vozes: - Apoiado! Apoiado!
O Orador: - As suas notabilíssimas comunicações à imprensa, esclarecendo a opinião pública, feitas com tanta ponderação è sentido das oportunidades, as suas medidas claras e prontas para libertar a economia portuguesa de peias inúteis e que têm merecido os mais entusiásticos e justos aplausos confirmam a minha opinião.
Vozes: - Muito bem! Apoiado!
O Orador: - Disse há pouco que o condicionamento e por conseguinte a lei que se lhe refere, para serem convenientemente examinados, têm de olhar-se no conjunto do complexo nacional.
Por isso, na minha opinião, o condicionamento deverá visar a defesa, através das indústrias, da economia nacional, em função das suas necessidades presentes, é certo, mas também e principalmente em função das suas necessidade futuras, possíveis de prever. O económico é algo que está em constante movimento.
Os interesses económicos do consumidor e os bens de consumo de valor para ele variam com hábitos criados pela civilização e pelos conhecimentos científicos da higiene pública.
Neste campo há um importante papel a ser desempenhado pelas indústrias complementares da agricultura ou com base nela, e é sobretudo neste ponto que a questão do condicionamento industrial tem provocado mais celeuma.
Pergunta-se: deverá reconhecer-se à agricultura o direito de utilizar os seus produtos integralmente, industrializá-los e ale mesmo comercializá-los, explorando a sua riqueza desde o acto propriamente agrícola até à venda directa ao público?
O Sr. Melo Machado: - Porque é que o lavrador não pode fazer isso?
O Orador: - Adiante julgo responder ao que V. Ex.ª acaba de perguntar.
À primeira vista parece tratar-se de um direito inegável do agricultor, de um direito legítimo. Corresponderia esse facto à possibilidade de organização de uma espécie de trust vertical, que oferecesse aparentemente, pelo menos, certas garantias de rendimento, visto suprimirem-se os intermediários inúteis.
Mas eu pergunto a mim próprio se esta maneira de pôr o problema não é uma (maneira viciosa, por não corresponder à realidade dos factos.
É certo que um agricultor que queira moer a sua azeitona em lagar privativo poderá apresentar um azeite, no ponto de vista bioquímico, da mesma qualidade daquele apresentado por um lagareiro especializado. Mas a questão é outra. O problema é fundamentalmente este: terá o agricultor interesse económico em fazê-lo? Poderá ele fazê-lo tão eficientemente como o industrial especializado e com a mesma facilidade? Não o forçará esse empreendimento a um desvio da sua atenção para problemas marginais que o distraiam da sua actividade económica fundamental e em prejuízo desta? A mini parece-me que isso só seria possível e viável na medida em que o agricultor fosse simultaneamente um agricultor e um industrial, que por acidente se encontrassem reunidos na mesma pessoa, mas sem que, de modo nenhum, as suas qualidades de bom industrial fossem inerentes à circunstância de ele ser um bom agricultor.
O Sr. Botelho Moniz: - Julgo que o produtor de determinada matéria-prima deve ter o direito de preferência, em relação a qualquer outra entidade, de melhorar industrialmente essa matéria-prima. E foi dentro dessa orientação, que é também uma orientação económica, que eu pus o problema.
Se esse melhoramento da matéria-prima se executa em regime de concorrência com a indústria pelo aparecimento de um novo industrial, é evidente que ele só pode subsistir se o lavrador transformado em industrial souber ser industrial, souber aproveitar a sua matéria-prima. E, se o souber, contribui iniludivelmente e por direito próprio, por direito superior a qualquer outra entidade, para o progresso económico geral.
O Orador: - Pode realmente ser assim por excepção. Simplesmente eu penso que na prática, normalmente, não é assim.
Em primeiro lugar trata-se de realizar essa actividade industrial em condições tais que corresponda ao que V. Ex.ª acabou de dizer, isto é, melhorar, e não explorar de qualquer maneira e tendo em mira o lucro. Se se quer apenas acrescentar o lucro industrial ao da exploração agrícola, então esta não deve ser isenta do condicionamento, se o interesse nacional assim o exigir.
Na opinião de V. Ex.ª não são levados em linha de conta todos os factores sociais, mas apenas os factores relativos ao agricultor.
O Sr. Botelho Moniz: - Se estivermos em regime de livre concorrência, é evidente que entramos em linha de conta com o complexo total.
O Orador: - O que V. Ex.ª afirmou tem por objectivo invalidar a legitimidade do condicionamento? Julgo que não.
Aquilo de que se trata é: se nós aceitamos um condicionamento que por definição é prudente, é inteligente e tem em mira o interesse nacional, evidentemente que as circunstâncias, concretas na sua complexidade, viriam de novo a transformar de uma maneira geral a actividade industrial num sentido de actuação mais livre se fosse conveniente, mesmo naquelas actividades que dizem respeito aos produtos agrícolas que exigem uma especialização técnica e que estivessem inacessíveis ao agricultor. Mas é preciso não esquecer que dificilmente o agricultor poderá satisfazer às exigências técnicas que essa industrialização requer.
O Sr. Botelho Moniz: - Se ela não for feita nessas condições, repito, morre. E, então, a indústria não tem que ter medo dela.
Eu ocupo lugar directivo numa indústria que é produtora de azeite, e parece que devia estar aqui a defender essa indústria, em detrimento da lavoura, pretendendo que a lavoura fosse obrigada a entregar a essa indústria toda a sua azeitona. Ora eu tenho feito precisamente o inverso, porque considero que ao agricultor deve ser dado o direito de escolha.
Na minha pequena casa agrícola resolvi o problema vendendo a azeitona, em vez de a entregar ao lagar que dirijo, porque isso me conveio mais. É essa liberdade que pretendo para toda a agricultura.
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Já chegámos à conclusão de que o condicionamento pode ser aplicado a uma indústria e não ser aplicado a outras.
Entendo que, em matéria de indústrias complementares da agricultura, a proposta de lei, isentando-as do condicionamento, é aquele regime que V. Ex.ª classificou de mais prudente, e é, de facto, do todos o mais prudente, porque coloca do lado do Estado Novo a grande massa da Nação, que é a lavoura e aquela que sabe compreender melhor os benefícios que lhe prestam, ao contrário de muitas outras, que quanto mais benefícios recebem menos os agradecem.
O Orador: - O que V. Ex.ª acaba de dizer não invalida o raciocínio que eu vinha seguindo. Está um pouco à margem dele.
Eu não sou agricultor nem industrial, mas pela experiência que tenho...
O Sr. Botelho Moniz: - Eu sou as duas coisas, e por isso tenho mais experiência que V. Ex.ª
O Orador: - Como agricultor o como industrial, mas talvez não como consumidor. Conheço alguns agricultores e alguns industriais e, polo que respeita à azeitona, que é uma forma de indústria relativamente simples, como a do vinho, sei que a maior parte deles. agricultores, não mói a sua azeitona nos lagares próprios, vendendo-a a outros lagares ou a particulares, o que significa que, no ponto de vista prático, o agricultor não tem interesse em industrializar o seu produto.
O Sr. Botelho Moniz: - Isso significa, no ponto de vista prático, que ao agricultor deve deixar-se a liberdade de escolha, porque é a maneira de ele poder defender-se. Se tivesse de entregar obrigatoriamente o seu produto à indústria, poderia ser esmagado por ela.
O Orador: - A intervenção do Estado consiste em evitar essas situações de a lavoura ser explorada pela indústria, não sobrecarregando os agricultores com preocupações de ordem técnica, que só incidentalmente eles podem satisfazer. No ponto de vista social, o caminho mais lógico e o que está mais indicado não é o de coarctar a liberdade à agricultura, mas o de satisfazer as suas necessidades naturais, libertando-a de uma preocupação técnica que não lhe interessa, e isso muitas vezes só se consegue com o condicionamento.
O Sr. Botelho Moniz: - Não queiramos fazer a felicidade do agricultor contra a vontade dele. Deixemo-lo fazer-se industrial, se quiser, e se fizer asneiras é por conta dele.
O Sr. Jacinto Ferreira: - Existem na nossa história exemplos disso. Já fomos feitos felizes à força algumas vezes.
O Orador: - O pior é que desse modo caímos naquele erro pelo qual se reconhece legitimidade ao lavrador de fazer tudo o que lhe apetecer, até ao ponto de delapidar a propriedade.
O Sr. Domingues Basto: - Mas isso é outro problema; é o problema da função da propriedade.
O Sr. Carlos Moreira: - Eu tenho a impressão de que se tem posto aqui em evidência o interesse do lavrador e do industrial, sem curar de saber se os desvios, não intencionais, claro, mas por falta de meios, não se reflectem também e sobretudo na economia nacional; assim deveremos defender a economia nacional.
O Sr. André Navarro: - Ouvi com muita atenção as considerações de V. Ex.ª acerca do que se passou na Dinamarca. Sobre o assunto direi que a transformação operada naquele país dada a conhecer à Assembleia a esclarecerá mais convenientemente.
O dinamarquês, quando deixou de ser cerealicultor e passou a dedicar-se à indústria de lacticínios, fê-lo isoladamente ou cooperativamente? Fê-lo cooperativamente, e para isso teve de utilizar industriais práticos. Não o fez individualmente. Todavia, essa revolução cooperativa foi possível na Dinamarca, país pequeno e cora características homogéneas. Mas em Portugal todos sabem o progresso que tem atingido as cooperativas, justamente devido aos caracteres heterogéneos do nosso país. As únicas cooperativas que têm feito alguma coisa são as do Noroeste, isto é, as mútuas de gado. E mesmo assim o pouco progresso alcançado deve-se ao auxílio do Estado.
Se não quisermos falar só do problema no continente, poderemos levá-lo para as ilhas, onde mais ou menos as coisas se têm passado do mesmo modo. Estão aqui Srs. Deputados das ilhas que sabem ser verdade aquilo que digo. No dia em que as cooperativas começarem a trabalhar isoladamente os males agravar-se-ão.
O Sr. Botelho Moniz: - Mas, se as cooperativas estio condenadas ao insucesso, a indústria de lacticínios não deve temê-las.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - No ponto de visto em que me coloco, aquilo que importa ó que o produto fornecido- no mercado seja o mais económico e o de melhor qualidade. Por vezes o mais económico não é o mais barato, mas sim aquele que corresponde a uma maior utilidade, tanto no ponto de vista higiénico como alimentar, e corresponda também a uma maior facilidade no esforço que as donas de casa têm de realizar para dar de comer ao marido e aos filhos. Isto pelo que respeita às indústrias agrícolas relacionadas com a alimentação.
O Sr. Botelho Moniz: - Tudo isso são palavras muito bonitas, mas quando chegamos à prática verificamos que se proíbo o lavrador de trabalhar certo número de produtos, prejudicando-se o consumidor. É o caso da manteiga de Sintra.
O Orador: - V. Ex.ª dá o exemplo da manteiga? Mas o problema das indústrias agrícolas não se reduz nem ao caso da manteiga, nem às moagens que produzem apenas farinha para pão, nem ao descasque do arroz; ó muito mais lato. Já que enveredámos por este caminho, interrompo as minhas considerações e vou abordar imediatamente um assunto que reputo muito importante para o futuro da economia nacional.
Tenho muita consideração pêlos agricultores e a agricultura é uma das maiores fontes da riqueza nacional.
Uma voz: - A maior!
O Orador: - Simplesmente, verifica-se primeiro que a principal causa das reclamações dos agricultores ó o resultado do mau condicionamento económico, e não do condicionamento industrial, coisas muito diferentes. Em segundo lugar digo: naquelas fornias industriais que não estão condicionadas o que é que a agricultura tem feito espontaneamente e com êxito para satisfazer as necessidades do consumidor em produtos ricos, bem apresentados e que correspondam às necessidades da vida moderna?
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O Sr. Botelho Moniz: - Cite-me V. Ex.ª um exemplo negativo - uma coisa que ela não tenha feito. Assim talvez seja mais fácil a resposta. E a lavoura que alimenta o País!
O Orador: - Confesso que sinto um grande pesar quando entro numa loja, numa boa mercearia de Lisboa, e olho para os escaparates e verifico que eles estão cheios de produtos estrangeiros que nós poderíamos preparar e fabricar e pôr ao alcance do consumo nacional. Verifico ainda mais o seguinte: que um grande número de pessoas compra produtos estrangeiros havendo a possibilidade teórica de os comprar nacionais, se eles fossem produzidos em idênticas ou melhores condições económicas e outras.
Do trigo e de outros cereais, por exemplo, não se prepara só o pão, podem-se preparar muitos outros produtos, alguns muito mais ricos de valor nutritivo do que o pão fabricado entre nós ou daquilo que a lavoura poderá fabricar, e de melhor uso doméstico, por se prestarem a variadas, cómodas, agradáveis e higiénicas combinações culinárias.
Hoje em dia há um problema doméstico, complicado na sua resolução, que é o trabalho das donas de casa pela falta das criadas de servir, que tendem a desaparecer ou são de péssima qualidade. Portanto, a dona de casa ou se transforma em criada de servir da família ou procura ter ao seu alcance meios que lhe facilitem a resolução das necessidades domésticas.
O Sr. Mário de Figueiredo: - A teoria de V. Ex.ª acaba no restaurante. Em vez da cozinha cozinhada em casa acaba-se por comprar a cozinha lá fora. É a última expressão do individualismo.
O Orador: - Mas o que eu pretendo evitar é que se vá para o restaurante. Como resolver o problema de uma dona de casa com muitos filhos e sem criados?
O Sr. Mário de Figueiredo: - As condições económicas gerais de ocupação fora de casa para todos é que têm levado à completa desintegração da família. Ou vai ao restaurante cada um dos membros da família por si, ou vai a casa cozinhar o ovo que se recebe da mercearia, em fogões com tempo e temperatura marcados automaticamente, ou come qualquer coisa enlatada que da mercearia vai também. V. Ex.ª está convertendo a cozinha familiar num restaurante!
O Orador: - Mas é precisamente o contrário para o qual me proponho chamar a atenção de VV. Ex.ªs Apontei factos, não apontei teorias.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Se eu falei da teoria de V. Ex.ª queria aludir naturalmente ao pressuposto que está na base das suas considerações. Atrás delas há-de estar um certo princípio.
O Orador: - Não há princípio algum pressuposto; ou melhor: se tiverem de ser estabelecidos esses princípios, devem sê-lo depois de conveniente análise, e não serão esses que V. Ex.ª afirma.
Desaparecendo esse instrumento de trabalho que são as criadas de servir, e V. Ex.ª não pode impedi lo, vamos aliviar o trabalho da dona de casa, como trabalhadora, ou vamos torná-la escrava?
O Sr. Botelho Moniz: - Mas qual é a culpa da agricultura nisto?
O Orador: - Penso que a culpa da agricultura neste caso seria não satisfazer as necessidades do consumidor, pondo ao alcance dele os produtos agrícolas industrializados e preparados de uma maneira conveniente para que a dona de casa tenha o trabalho facilitado, para não ter de ir ao restaurante, e, por outro lado, para ter uma alimentação mais rica e mais saudável, a fim de que a raça e os filhos não definhem.
O Sr. Botelho Moniz: - É precisamente isso que a isenção do condicionamento tornaria possível.
Até agora é que não ora possível, e V. Ex.ª, em vez de acusar a agricultura, está a acusar a indústria.
V. Ex.ª acaba, pois, de aprovar a base VI.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Penso que V. Ex.ª não tem razão.
O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª é que não tem razão, pois, por um lado, aprova a base vi e, por outro, condena-a.
O Orador: - V. Ex.ª é que está interpretando mal as minhas considerações. O melhor será prosseguir no assunto que estava tratando. Talvez o meu pensamento fique melhor esclarecido depois e se verifique que ele não se presta às críticas que V. Ex.ª me dirige.
Dizia eu, sobre as relações da agricultura com a indústria, que só em circunstâncias muito excepcionais poderia verificar-se que um bom agricultor fosse simultâneamente um bom industrial, sobretudo num país como o nosso, onde predomina o regime da pequena propriedade.
O que na prática se verifica, aquilo que interessa geralmente ao agricultor, é vender os seus produtos a uma indústria suficientemente apetrechada para os valorizar econòmicamente. Se isso é assim com a azeitona, por exemplo, que é um produto de industrialização fácil, que não diremos de um sem-número de outros produtos que a agricultura pode fornecer para serem aproveitados para o nosso consumo e para exportação para mercados que um dia poderemos conquistar?
No século XIX possuímos grandes mercados de frutas no estrangeiro, que perdemos - estou convencido - por incúria nossa.
Suponho que não será impassível reconquistá-los para as frutas frescas e secas e ainda para produtos agrícolas industrializados. Mas julgo que a condição prévia indispensável será uma adequada concentração industrial de modo a obter esses produtos, de alto valor nutritivo e de bom gasto, em condições económicas favoráveis.
O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª dá-me licença?
Este problema dos estabelecimentos complementares da agricultura não é apenas um problema industrial. A meu ver é, muito principalmente, um problema de defesa comercial dos produtos agrícolas. Quero dizer: a existência da isenção do condicionamento fornece à lavoura a possibilidade de defesa contra pretensões excessivas por parte da indústria na compra dos produtos agrícolas.
Não é necessário apenas produzir, ter a ciência de produzir, mas também a possibilidade e a facilidade de vender bem, porque para a agricultura de nada serve produzir cada vez mais e melhor se, à medida que cada vez produz mais, menos lhe pagam pelou seus produtos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A este respeito permitam-me VV. Ex.ªs que lhes conte um caso que observei e que me encheu de tristeza.
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Em tempos encontrei nas lojas de frutas de Londres as melhores frutas que jamais vi na minha vida.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Naturalmente apenas no aspecto.
O Orador: - No aspecto e no sabor. Porque simplesmente vi lá a melhor laranja espanhola, os melhores pêssegos da Itália e da França, e então pensei nas grandes possibilidades que nós teríamos se os nossos pomares fossem convenientemente tratados; pensei nas possibilidades que aquele mercado e outros nos poderiam oferecer se os nossos produtos estivessem em condições de poderem concorrer a eles eficazmente.
Teríamos a vantagem não só do aspecto, como do sabor, porque se as laranjas portuguesas fossem convenientemente tratadas seriam superiores às espanholas.
O Sr. André Navarro: - Isso vem mostrar o grande inconveniente de deixar a iniciativa privada, no campo agrícola, actuar sem o devido condicionamento.
Fizemos em larga escala exportação de frutas portuguesas para mercados estrangeiros, como uvas, maçãs e laranjas. Fomos o principal exportador de laranjas e o divulgador da laranja no Mundo. Perdemos esses mercados em virtude da anarquia que reinava na iniciativa dos exportadores.
Em Londres encontravam-se dezenas e centenas de marcas de frutas portuguesas em presença de produtos americanos, que se reduziam a duas marcas, e isto porque os produtores se encontravam aglutinados, formando cooperativas. Só assim se conquistam os mercados.
O Orador: - Entendo o condicionamento industrial na !medida em que esse condicionamento possa facilitar a criação de unidades industriais que preparem os produtos agrícolas escolhidos e em condições de serem econò0micamente viáveis para o consumidor interno e externo.
O condicionamento deve estimular a criação de unidades industriais devidamente apetrechadas, funcionando ao lado de uma agricultura preparada e que lhe possa fornecer os elementos necessários. Acho que isto seria uma fonte de riqueza importante, como é o vinho.
O Sr. Manuel Vaz: -- Mas isso é um problema de produção, e não de condicionamento.
O Orador: - É por isso que eu disse que condicionamento para mini era olhado mais conforme às necessidades futuras do que em relação com os interesses actuais.
O Sr. Manuel Vaz: - Portanto, antes de se defender o condicionamento de uma coisa que não existe, é preciso fomentar a sua existência.
O Orador: - Mas graças ao condicionamento.
O Sr. Manuel Vaz: - Condicionar uma coisa que não existe não pode ser.
O Orador: - Uma das vantagens do condicionamento é facilitar o aparecimento de novas indústrias pela criação de condições favoráveis.
O Sr. Manuel Vaz: - V. Ex.ª refere-se ao condicionamento do comércio, tanto que aludiu ao caso das frutas em Londres.
O Orador: - Aludi ao caso das frutas para mostrar que a agricultura, em assuntos exclusivamente seus e não condicionados, não tem sabido resolver até hoje, por
iniciativa própria, alguns dos seus problemas.
Neste momento o problema dos mercados externos é de muito difícil resolução, pelo estado anormal em que se encontra o Mundo, que pensa quase exclusivamente na preparação pura a guerra. Mas esta situação não será indefinida, o problema da segurança colectiva um dia poderá resolver-se, e então, quando a situação mundial melhorar, as necessidades de alimentação dos povos, que não são apenas de ordem fisiológica, mas psicológica, imporão uma conveniente valorização económica do supérfluo, que será considerado tão necessário como o indispensável.
Todos procurarão, portugueses e estrangeiros, de uma maneira fatal, satisfazer o útil e o necessário, dentro do variado .e do agradável. É desde hoje que devemos planear o futuro, que devemos começar a realizar esse futuro, facilitando, pelo condicionamento, que surja uma indústria agrícola bem apetrechada e ousada na manipulação e apresentação dos seus produtos.
Por isso entendo que ao Estado compete coordenar todas as formas de actividade produtiva, tendo em vista o bem comum de todas as partes do agregado social.
O Estado tem de zelar pela salvaguarda simultânea dos agricultores, dos industriais, dos comerciantes e dos consumidores. O condicionamento industrial está em relação directa com todos estes interesses e não pode abstrair deles.
Considero que uma das mais importantes vantagens da proposta de lei que estamos a examinar é a da reforma que «e pretende realizar não só no campo da indústria, mas também no campo mais lato dos problemas respeitantes à reorganização e fomento industriais.
Considero a redacção de algumas bases da lei como inovações felizes da legislação do condicionamento.
Simplesmente penso que o condicionamento industrial interessa não só aos agricultores, no caso especial das indústrias agrícolas, mas também aos industriais, aos comerciantes e até ao consumidor.
Assim, pergunto se não seria possível arranjar-se uma forma de incluir no Conselho Superior da Indústria um representante do comércio e outro dos consumidores.
Este último poderia ser um cabeça-de-casal, pai de muitos filhos, cuja família vivesse exclusivamente do seu trabalho, para sentir, de uma maneira total, os problemas domésticos e levar até àquele Conselho a voz do consumidor.
O Sr. Botelho Moniz: - Parece-me que essa palavra «consumidor», no caso em que V. Ex.ª a aplica, é mera abstracção, porque o homem vive daquilo que produz. Essa história do consumidor é coisa de que se tem falado muito e tem servido para lançar grande complicação na vida nacional. Esteja V. Ex.ª convencido de que no Conselho Superior da Indústria não há apenas um cabeça-de-casal, mas sim muitos cabeças-de-casal. Quando se tratar da representação de uma indústria, muitos deles darão pancada nesse representante.
O Orador: - Não fico tranquilizado com as considerações de V. Ex.ª, porque não tratei do problema em termos abstractos.
Não se trata de indivíduos economicamente muito bem instalados na vida, com grandes folgas de dinheiro, sem preocupações, ganhando, por exemplo, 30 contos por mês, mas sim de indivíduos que têm de resolver os problemas económicos da sua família com cautela e ponderação.
Os autoconsumidores não são aqueles a que me refiro.
Como infelizmente a sociedade é constituída em grande parte por famílias do tipo que indiquei, pergunto se não será conveniente acautelar os interesses dessas famílias, fazendo-se ouvir os seus anseios, as suas aspirações e
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as suas necessidades dentro de um conselho que teria, como não pode deixar de ser, de corresponder às necessidades da economia nacional no seu conjunto.
Repito: não podemos reduzir o problema das indústrias complementares da agricultura ao descasque do arroz ou à moagem das farinhas. No ponto de vista do consumidor, trata-se de uma parte muito limitada do problema.
Ao consumidor interessam todas as formas de industrialização dos produtos agrícolas que ponham ao seu alcance- produtos alimentares ricos no ponto de vista bioquímico, preparados em condições biológicas e higiénicas convenientes e suficientemente variados para que os problemas das donas de casa encontrem solução fácil e cómoda e para que a saúde pública seja convenientemente acautelada. E isto só se consegue à custa de uma alta especialização, que me não parece fácil de ser obtida por um agricultor que tenha a preocupação de ser um bom agricultor.
O melhor benefício que o Governo poderá prestar à agricultura não reside em abrir-lhe as portas das indústrias agrícolas condicionadas e que se têm revelado produtivas, talvez por esse mesmo condicionamento.
O melhor benefício seria protegê-la mo seu próprio campo, criando-lhe estímulos através inter-relações dos factores económicos, de modo a tornar a agricultura actividade nacional tão importante, economicamente lucrativa no seu conjunto.
A solução do problema agrícola português não pode procurar-se desviando a atenção do lavrador para actividades industriais que exigem a tal alta especialização técnica, mas instruindo-a e orientando-a no sentido da ciência e técnicas agrícolas, como tem sido tentado através da Estação Agronómica Nacional e outras estações agrícolas experimentais, para que ela, a agricultura, tire o máximo rendimento possível de todas as formas convenientes de cultura ao seu alcance. Os problemas agrícolas relativos ao solo, ao modo mais indicado de exploração, às espécies que devem ser cultivadas, etc., são já de si tão complicados que só eles absorverão, para serem bem resolvidos, as possibilidades normais de inteligência e iniciativa de quase todos os agricultores portugueses.
Hoje existe uma ciência aplicada à agricultura, tão completa e tão complexa como a ciência aplicada às indústrias agrícolas.
A complexidade ide ambas deve levar, normalmente, à respectiva especialização de actividades, para que estas sejam verdadeiramente rendosas no aspecto social.
Ao Estado compete, na verdade, coordenar superiormente estas formas de actividade, para que o bem comum resultante dos interesses materiais e espirituais das suas partes seja uma consequência natural e aparentemente espontânea. O Estado tem de zelar pela salvaguarda simultânea dos interesses dos agricultores, dos industriais, dos comerciantes e dos consumidores. O condicionamento industrial está em relação directa com todos estes interesses.
Como conclusão destas considerações, que já vão longas, devo dizer que sou pelo condicionamento, tal como está concebido na proposta de lei, visto ele ser animado por um espírito de grande plasticidade e prudência, sobretudo se ele for executado com isenção e honestidade, tal como o suponho o será desta vez. É a única forma, de orientar as energias da Nação no sentido conveniente, isto é, de aumentar ao máximo a produtividade nacional e o nível de vida do povo português.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente, o relatório da proposta em discussão era suficientemente claro. Quando procurei explicar as intenções da proposta, suponho que fui igualmente claro. Todavia, alguns Srs. Deputados, tanto os que falaram pró, como os que falaram contra, deram a impressão nas suas considerações de que por esta proposta desaparecia o condicionamento. Já fez esse reparo o meu querido amigo e colega Dr. Bustorff da Silva.
Ora esta preocupação não pode existir porque continuam sujeitas ao condicionamento aquelas indústrias que podem ser incluídas na base III, e quanto às outras a intenção é fazer-se um condicionamento mitigado ou ir libertando progressivamente, com todos os cuidados, depois de ouvir o Conselho Superior da Indústria, que se remodelou, de forma a poder acautelar todos os interesses. Podemos, portanto, riscar das nossas preocupações a ideia de que vai acabar o condicionamento e mudar substancialmente as condições de vida actuais da indústria.
Também nesta tribuna - suponho que o nosso colega Sr. Engenheiro Magalhães Ramalho - se fez a censura de não persistirmos suficientemente em qualquer sistema, pois uma vez é condicionamento, outra vez é liberdade.
Ora, Sr. Presidente, quando estava aqui nesta tribuna o Sr. Deputado Caldeiros Lopes, perguntei-lhe quantos anos tinha o condicionamento. S. Ex.ª não soube ou não quis responder-me, e todavia essa resposta estava logo na primeira página do parecer da Câmara Corporativa.
O condicionamento tem vinte anos, que nestes tempos conturbados que temos vivido bem podiam corresponder ao dobro. Durante estes últimos vinte anos subverteram-se impérios, criaram-se nações, mudou a face do Mundo, mas, imutável, intocável, intangível, ficou só o condicionamento industrial!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Suponho, Sr. Presidente, que não há razão para pensar assim. Então em vinte anos não mudou nada nesta matéria? Podemos nós supor que o condicionamento nasceu de um jacto absolutamente perfeito? Não há nada que mudar, nada que alterar; será isto compreensível, admissível?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Suponho que está, por consequência, justificada a necessidade desta lei.
O Sr. Ministro da Economia entendeu que havia alguma coisa a fazer neste problema e determinou-se a apresentar a proposta de lei em discussão.
O Sr. Dr. Rui Ulrich, que foi o relator da Lei n.° 1:956, no parecer da Câmara Corporativa então apresentado a esta Assembleia, diz o seguinte:
O condicionamento industrial é, pois, como toda a economia dirigida, um produto do momento, um fruto da crise, que não representa o triunfo de uma nova teoria económica.
Efectivamente, meus senhores, quando na economia do Mundo se dão constantes mutações, nós podemos cristalizar no sistema vigente, podemos ficar agarrados a uma teoria sem nos querermos nunca afastar dela, embora as teorias mudem de hora a hora?
Suponho que seria um erro assim proceder; há a necessidade de encarar este problema com vistas largas e com a ideia de sermos úteis à economia nacional.
A primeira coisa que eu quero dizer a VV. Ex.ªs, antes que me esqueça, é que, na minha qualidade de lavrador, não tenho o mais pequeno interesse na indus-
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trialização das indústrias complementares, não tenho nada para ser industrializado.
Na discussão aqui feita não vi que nenhum Sr.. Deputado impugnasse a generalidade da proposta. Fizeram-se aqui diversas considerações, mas a impugnação da generalidade não se fez. As propostas apresentadas pêlos Srs. Deputados Vaz Monteiro, Bustorff da Silva e Amorim Ferreira foram já consideradas pela vossa Comissão de Economia.
Não vale a pena estar a dizer neste momento o que a Comissão pensa de cada uma delas, porque isso seria antecipar a discussão da especialidade, mas devo afirmar que essas propostas foram estudadas cuidadosamente e que sobre elas a Comissão formou já o seu parecer.
A Comissão mandou ontem para a Mesa uma outra emenda que não é do conhecimento de VV. Ex.ªs, mas que eu vou dizer qual é.
É que na base XVII, a última da proposta, se propõe o prazo de 180 dias para o estudo das indústrias que devem ser libertadas, e pareceu à Comissão um prazo muito pequeno para se fazer um estudo desta natureza, e, então, a Comissão propôs que esse prazo seja de 360 dias.
A discussão tem decorrido com interesse e elevação, e a prova de que efectivamente a proposta não ataca essencialmente o principio do condicionamento é que os ataques que lhe têm feito vão todos direitinhos à base VI.
E mais nada, praticamente, se tem discutido aqui senão isso.
Quer-se, à viva força de argumentos, naturalmente, impedir que sejam retiradas do condicionamento as indústrias subsidiárias da agricultura.
Ora, Sr. Presidente, desde tempos imemoriais, desde que existe agricultura no Mundo, sempre o lavrador debulhou os seus cereais, transformou as suas azeitonas em azeite, as uvas em vinho e o leite em manteiga e queijo. E suponho também, Sr. Presidente, que antes que existisse no Mundo indústria existia já agricultura, de maneira que, quando se diz que a agricultura pretende invadir o campo da indústria, eu digo que o que sucede é exactamente o contrário. A lavoura foi trabalhando pelos processos bíblicos; quando começaram a aparecer os meios mecânicos o lavrador passou a usá-los.
O Sr. Carlos Moreira: - Eu tenho a impressão de que logo que a agricultura surgiu, ao mesmo tempo os homens procuraram logo transformar esses produtos, tendo assim nascido uma indústria, embora incipiente.
O Orador: - Mas uma indústria agrícola, em todo o caso.
Sr. Presidente: não há, que eu saiba, pelo menos na minha região, lagares de vinhos industriais. Mas há, graças a Deus e à actuação inteligente da Junta Nacional do Vinho, adegas cooperativas que dispõem de mecanismos e de técnica por tal forma desenvolvidos que o pequeno proprietário pode, utilizando-se dessas adegas cooperativas, produzir o seu vinho em condições muitíssimo melhores do que o produzem muitos dos grandes vinhateiros.
Nunca a lavoura formulou a este respeito qualquer reclamação; ao contrário, o que pretende, o que reclama, é que haja mais adegas cooperativas que possam fabricar os vinhos por processos e com meios que o lavrador na sua casa, quando é modesto, não pode utilizar.
Mas há um campo no qual se juntam estes três sistemas, como sucede com o azeite: o lagar individual, o lagar industrial, o lagar cooperativo, e da junção destes três sistemas, contra os quais a lavoura nunca reclamou, resultou melhoria de produtos, maior rendimento e o barateamento da produção do azeite. Suponho que isto são afirmações absolutamente incontestáveis.
Ora o que se passa neste campo também se passa, ou pode passar, noutros.
Contra o que a lavoura protestou foi contra o facto de, ao pretender substituir ou transformar varas, que- só em museus deviam existir, por prensas manuais ou hidráulicas, ser obrigada a requerer, sujeita a inúmeras complicações burocráticas, caras e inúteis, para no fim se chegar à conclusão de que, em virtude do condicionamento, a alteração não podia ser consentida.
A indústria de lacticínios quer existir? Tem todo o direito. Ninguém lho contesta. O que suponho é que não pode nem precisa de impedir que o lavrador possa transformar, por processos relativamente rudimentares, o leite das suas vacas e ovelhas em manteiga e queijo.
VV. Ex.ªs vêem nesta representação enviada pela indústria de lacticínios que ela fabrica manteiga, queijo, produtos dietéticos, leite condensado, caseína, leite em pó e leite industrializado. Pode o lavrador fazer todas estas coisas? Não fica um larguíssimo campo para a indústria? Pois, apesar disso, vejam VV. Ex.ªs que nesta representação se diz mais adiante:
Apenas haverá que tolerar os casos especiais de fabrico de queijos de ovelha e de cabra enquanto não for possível disciplinar esse sector, disperso ou pulverizado.
Vejam VV. Ex.ªs a que chega a ambição de dominar a agricultura ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... e de interferir num campo que não lhe pertence, num campo que desde tempos imemoriais foi sempre nosso e que vem a ser progressivamente invadido pela indústria. Muito ao contrário do que aqui se tem afirmado.
O Sr. Délio Santos: - V. Ex.ª dá-me licença? Eu sou pelo condicionamento na medida em que suponho que ele pode ser um instrumento importante nas mãos do Governo para fomentar e proteger certas formas da indústria.
Em relação ao caso do queijo, pergunto a V. Ex.ª se, como consequência de um inteligente condicionamento, resultasse o fabrico de um tipo de queijo magnífico, não só pura o consumo nacional, mas também para poder competir com o produto importado do estrangeiro, não seria legítimo um condicionamento desse género, para interesse da economia nacional.
O Orador: - E quem impede o desenvolvimento dessa indústria de modo a poderem obter-se as maravilhas que V. Ex.ª pretende?
Veja V. Ex.ª, vem aqui na representação dos industriais de lacticínios: em 1944 fabricaram 776:972 quilogramas de queijo e em 1949 a bagatela de 2.130:611 quilogramas, o que quer dizer que podiam perfeitamente ter satisfeito os desejos de V. Ex.ª
O Sr. Délio Santos: - Todos nós sabemos que a falta de preparação técnica e a falta de iniciativa dos portugueses, em geral, fazem que se pretenda quase sempre imitar as empresas que deram resultado, e eu pergunto se, na hipótese de estas imitações sucessivas porem em perigo os interesses nacionais, não é legítimo condicionar a respectiva indústria.
O Orador: - Eu respondo-lhe com outra pergunta: V. Ex.ª pensa que empresas desta natureza, tão impor-
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tantes, dispondo de tanta técnica, tantas máquinas e fabricando tantos produtos, podem ser influenciadas de alguma forma pela mesquinharia de um ou outro lavrador produzir uma pequena quantidade de manteiga ou de queijo?
O Sr. Domingues Basto: - VV. Ex.ªs só na aparência é que discordam. O Sr. Melo Machado está a falar de realidades e o Sr. Délio Santos está a falar de hipóteses.
O Sr. Délio Santos: - Mas que amanha podem ser realidades, tornando-se necessário que o condicionamento as prepare ou as dificulte.
O Sr. Botelho Moniz: - Se há uma empresa que produz belíssimo queijo e o produto está acreditado no mercado, essa empresa defende-se com uma coisa que se chama marca industrial. Essa marca, que o bom fabricante põe nos seus produtos, deve bastar-lhe na luta contra as imitações.
Sobre esse aspecto a grande indústria não tem receio. Trabalho numa grande indústria, ponho a respectiva marca nos produtos do seu fabrico e trato de os defender pelos próprios meios, que não são os do condicionamento.
O Orador: - V. Ex.ª defende-os porque as condições económicas em que trabalha são melhores.
Eu não posso compreender que a grande indústria não possa lutar com os individualistas. Isto é inconcebível, é a negação da indústria.
O Sr. Botelho Moniz: - Então porque é que a grande indústria de lacticínios tem movido guerra de morte aos que pretendera instalar com cuidados técnicos as suas cooperativas? Apontem agora o aspecto técnico!
O Orador: - Eu ia agora referir que as cooperativas agrícolas citadas na base vi figuram aqui para tornar a lei absolutamente igual para todos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não se poderia admitir, aliás, como a Câmara Corporativa propunha, que ficasse só o lavrador individualmente a poder trabalhar o seu produto industrialmente, o que equivaleria a dar apenas a alguns e aos maiores essa vantagem; o que se quis foi tornar possível a todos essa vantagem, substituindo na base a expressão «e lavradores associados», que pareceu poder dar lugar a confusões, por «cooperativas agrícolas».
VV. Ex.ªs podem dizer que nem todos se aproveitarão das facilidades, imas a lei é assim feita honestamente e quem não quiser aproveitar as vantagens que ela confere não tem de que queixar-se.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quando se diz que a agricultura pretende industrializar os seus produtos não se quer dizer que ela pretende montar uma fábrica de tecidos só porque dispõe de lã. Não é disso que se trata.
O Sr. Mário de Figueiredo: - A dificuldade está em encontrar o critério que nos diga onde é que se deve parar.
O Orador: -a Não digo que isso não é difícil, mas tenho a certeza de que não é impossível.
Em matéria de condicionamento penso que, em lugar de tantos apertos, dificuldades que se põem, de tantas licenças que se exigem, se a nossa burocracia estivesse em condições de o fazer, bastava que se pudesse indicar por cada indústria as condições mínimas que deviam ser exigidas para evitar justamente que se montassem estabelecimentos sem possibilidade de vingar por não corresponderem às condições mínimas tecnicamente indispensáveis.
O Sr. Botelho Moniz: - Creio que está previsto na proposta que o Governo definirá em determinada altura quais serão as indústrias condicionadas.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Não está. Na própria lei se deverá fazer essa definição.
O Sr. Botelho Moniz: - Não se define nominativamente, porque nós aqui só indicamos a fórmula geral, por meio da aprovação de certos requisitos indispensáveis.
Depois, pela aplicação desses requisitos, em decreto que há-de ser publicado, poderá definir-se quais são aquelas que estão isentas de condicionamento, mesmo até sob o ponto de vista agrícola.
O Orador: - A vossa Comissão de Economia irá apresentar uma solução que julgo adequada para este assunto.
No discurso, tão interessante, do nosso colega Sr. Magalhães Ramalho afirmou S. Exa.:
... que o rendimento por cada pessoa empregada ou vivendo da respectiva actividade era para a agricultura 2.350$ e para a indústria 9.327$.
Por consequência, estes dois números traduzem, com toda a simplicidade, a espantosa diferença de rendimentos que há entre aqueles que se entregam à agricultura e os que se entregam à indústria. Portanto, não é de admirar que o lavrador deseje ter o direito de industrializar os seus produtos.
O Sr. Botelho Moniz: - E de que foram esbulhados.
O Orador:- Guardei para o fim o descasque de arroz, até porque parece que não há outra indústria no País senão a de descasque de arroz, tanto aqui se tem falado nela.
Será esta indústria realmente tão importante que mereça, verdadeiramente, o nome de indústria?
Em primeiro lugar devo dizer a VV. Ex.ªs que nas grandes unidades industriais do descasque de arroz o descasque de arroz é acessório da moagem.
Ora, a propósito de moagem, foi aqui afirmado, mais do que uma vez, que o País gastou muito dinheiro em pagar indemnizações a fábricas de moagem que deixaram de funcionar porque estavam em excesso, e nós seriamos conduzidos a acreditar que os industriais foram, porventura, levados, por ingenuidade ou insuficiência, a criar tantas fábricas de moagem e de tal forma que excediam largamente as necessidades do País.
Ora a verdade é que a razão da existência dessas fábricas de moagem não era tão inocente ou tão ingénua como poderia parecer. E, senão, vejamos:
Antigamente o grande negócio da moagem era a importação do trigo exótico, e essa importação era feita conforme o rateio que cabia a cada fábrica. Esse rateio tinha em conta a capacidade de laboração das fábricas. Se laboravam muito, importavam muito; se laboravam menos, a importação era menor.
Aqui têm VV. Ex.ªs como nasceram e como cresceram as fábricas de moagem, inúteis ou quase em todos os casos de capacidade excessiva.
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Se se montaram muitas moagens é porque elas rendiam dinheiro. Até é bom termos este exemplo em consideração para se evitar que possa suceder que, sendo um dos motivos da existência do condicionamento a existência de estabelecimentos fabris em excesso, não venha a suceder que se promova o excesso, para provocar ou justificar o condicionamento.
Aproveitemos o exemplo porque nunca o cuidado é bastante com a natural tendência para estes abusos.
Mas dizia eu que não sei se o descasque de arroz merece categoria de indústria, e disse-o pela seguinte razão: aquilo que se considera impropriamente a debulha do arroz é simplesmente separar os grãos da espiga, e devo dizer a VV. Ex.ªs que, todavia, esta operação de debulha talvez seja mais complicada que a do descasque. Esta operação implica por vezes a existência de secadores para se poder realizar quando a época da colheita decorre chuvosa. O descasque é que é, propriamente, a debulha do arroz.
Mas terão, no fim de contas, os industriais de descasque de arroz razão nas suas observações ou nas preocupações e lamentações aqui apresentadas? Para isso, Sr. Presidente, e peço desculpa de ocupar mais alguns minutos, porque nem todos terão conhecimento do assunto, tenho de contar a história da remodelação por que passou o nosso sistema de comércio interno do arroz.
Em 1933 a Itália, por meio de prémios de exportação, punha em Portugal arroz por metade do preço por que era vendido em Itália. Em consequência disto os nossos produtores de arroz não podiam viver. Então foram ter com o Governo, não com lágrimas nos olhos, como aqui disse o Sr. Engenheiro Calheiros Lopes, porque o Governo nem sequer os viu, por ter essa reclamação sido apresentada pela Associação Central da Agricultura Portuguesa, solicitando protecção legitima para a cultura do arroz que os livrasse de processos ilegítimos de concorrência.
O nosso ilustre colega engenheiro Sebastião Ramires, com a argúcia que lhe conhecemos, pôde encontrar solução e tão bem resolveu o problema que ainda hoje vigoram as disposições que tomou e cujos resultados, particularmente felizes, vou já apresentar a VV. Ex.ªs Em todo o caso, nesses anos em que se fazia a importação de arroz a produção em Portugal era da ordem dos 34.000:000 de quilogramas. A nossa indústria de descasque era a mesma que actualmente existe, pois VV. Ex.ªs ouviram aqui a afirmação de que se não encerraram quaisquer descasques, e trabalhava com os 34.000:000 de quilogramas.
Estabelecidos os princípios para resolver este momentoso assunto pelo Sr. Engenheiro Sebastião Ramires, então Ministro do Comércio, logo a seguir, em 1939, a produção subia para 65.000:000, e foi assim por diante, com 73.000:000, 83.000:000, 73.000:000, 69.000:000 de quilogramas, etc., conforme os anos agrícolas corriam melhor ou pior, até que chegámos agora, em 1951, à produção de 130.000:000, e a mim admira-me que uma indústria que viveu com 34.000:000 de quilogramas, que passou a 60.000:000 de quilogramas e tem hoje 130.000:000 - quatro vezes mais -, ainda se aflija com a ideia de que qualquer lavrador mais abastado, ou, melhor, com grande colheita de arroz, possa montar um descasque para a sua própria produção!
Que influência poderá ter este facto nesta indústria, que viu multiplicado por quatro o número de milhões de quilogramas com que trabalhava?
Espero ter demonstrado que este problema não pode pesar na nossa consciência.
De resto, Sr. Presidente, se há indústria complementar da agricultura é precisamente esta, porque o azeite transforma o produto, o leite transforma o produto, o vinho transforma o produto, ao passo que aqui, no caso do arroz, há apenas a debulha e não qualquer espécie de transformação.
Isto é apenas para pormos o assunto tão claro que não possa haver dúvidas sobre a sua solução.
Ainda outra afirmação eu pretendo fazer: é que não foi o condicionamento da indústria que deu o arroz; o que deu o arroz foi o preço remunerador que ele passou a ter.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O que não se pode é trabalhar para perder, e a indústria, que não está, e com razão, disposta a tal, deve compreender muito bem esto estado de espírito da lavoura.
E, neste aspecto, o que vale e o que fez passar de 34 para 130 milhões de quilogramas a produção foi ter o arroz um preço remunerador. Qualquer que fosse o sistema arquitectado, desde que se garantisse um preço compensador, o produto apareceria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se porventura alguns lavradores, ou mesmo alguma cooperativa, vier a fazer descasque, não acredito que, com este número que acabo de citar, isso possa ser um embaraço para a indústria do descasque de arroz.
Mas, se porventura os lavradores que se resolverem a utilizar a lei forem muitos, talvez ai se possa arranjar algum benefício para o consumidor, que é precisamente aquilo que nós todos devemos desejar.
A lavoura não pretende invadir o campo da indústria, mas não há dúvida de que a indústria invade sem preocupações o campo agrícola e o campo comercial.
Ainda há dias o nosso ilustre colega Sr. Carlos Mantero afirmou, com a sua particular autoridade, que assim sucedia, e eu posso dizer a VV. Ex.ªs que conheço o caso de indústrias mal acabadas de nascer que imediatamente instalam organizações comerciais, através das quais dominam o próprio comércio e o consumidor. A agricultura não pretende dominar nada nem ninguém, mas o que não quer, e isso positivamente não quer, é ser tratada como parente pobre, até mesmo porque os seus sacrifícios lhe devem permitir uma outra situação que não seja a de ser tratada com desprezo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E eu sei que este não é o espírito da maioria dos industriais.
À indústria o que interessa é uma agricultura progressiva e rica, porque nós, os homens da terra, o grosso da população, é que somos os clientes da indústria, vivendo, salvo honrosas excepções, do mercado interno.
Todas estas coisas que eu acabo de dizer não podem ter, de maneira nenhuma, a intenção, nem de longe, de serem desagradáveis à indústria.
O esforço que os nossos industriais fazem é apreciado por todos, e o seu progresso e prosperidade não podem deixar de ser uma aspiração nacional.
Por isso, a base VI, tão discutida nesta Assembleia, quase a única base discutida desta lei, está muito bem e representa um reconhecimento e uma justiça feitos pelo Governo à classe agrícola.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Presidente: - Conforme comuniquei à Assembleia antes da ordem do dia, foram hoje presentes à Câmara duas propostas referentes à Aeronáutica Militar, propostas essas que mandei à Câmara Corporativa e à Comissão de Defesa Nacional desta Assembleia.
Quero agora frisar à Comissão de Defesa Nacional que ambas as propostas me foram enviadas com nota de urgência, e por isso deve a Comissão iniciar desde já o exame das propostas.
Também comuniquei à Assembleia a entrada do parecer da Câmara Corporativa acerca do protocolo adicional ao Tratado do Atlântico Norte, sobre a adesão da Grécia e da Turquia ao mesmo Tratado.
Trata-se também de um diploma com carácter de, urgência o vou marcá-lo para ordem do dia da sessão de terça-feira, para dar tempo à Comissão de Negócios Estrangeiros desta Assembleia de examinar o parecer e tomar sobre o assunto posição.
Convoco, desde já, para esse efeito, a Comissão de Negócios Estrangeiros.
Na próxima semana entrará em discussão nesta Assembleia o projecto do Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu sobre abandono da família.
Este projecto foi enviado à Comissão de Legislação e Redacção e à Comissão de Educação Nacional.
Vou encerrar a sessão, marcando a próxima para amanhã, à hora regimental, incluindo na ordem do dia a conclusão deste debate na generalidade e a discussão na especialidade.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 50 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Pinto de Meireles Barriga.
Castilho Sempa do Rosário Noronha.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Luís Augusto das Neves.
Manuel Colares Pereira.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
António Carlos Borges.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
Proposta de lei a que se referiu o Sr. Presidente no decorrer da sessão:
Relatório
I
Introdução
1. As duas propostas de lei sobre a organização geral da Aeronáutica Militar e recrutamento e serviço militar .nas forças aéreas, que o Governo agora submete à apreciação da Assembleia Nacional, não teriam de ser acompanhadas de amplo relatório justificativo se a discussão acerca dos problemas de defesa nacional, que as mesmas comportam, não aconselhasse que, para conveniente esclarecimento das pessoas que por estes problemas se interessam, se lhes fizesse mais pormenorizada referência.
O artigo 8.° do Decreto-Lei n.° 37:909, de 1 de Agosto de 1950, que criou o Subsecretariado de Estado da Aeronáutica, impôs, para o seu provimento efectivo, a condição prévia da reorganização das forças aéreas, cuja estrutura actual se considera, por circunstâncias várias, inarmónica com as necessidades que a defesa nacional presentemente delas exige.
2. A Aeronáutica Militar portuguesa que, na sequência de providências oportunamente tomadas em relação ao pessoal, material e infra-estruturas, tinha atingido apreciável grau de preparação durante o período de crise da segunda guerra mundial, viu-se depois, por motivos a que foi totalmente alheia, compelida a um abaixamento sensível de forma, que só não atingiu o moral da sua gente devido à boa qualidade dos seus quadros, sobretudo dos seus pilotos e mecânicos. Outros compromissos tomados, em relação às forças terrestres, tornaram impossível a regular renovação e modernização do material.
Mas, mesmo que semelhantes dificuldades não tivessem surgido, outras de natureza externa, cuja remoção estava fora das possibilidades de determinação do Governo, conduziriam seguramente ao mesmo resultado. Perdida ou desorganizada quase totalmente pela guerra a indústria aeronáutica europeia, somente aos Estados Unidos e, em menor escala, à Inglaterra seria possível recorrer para se obter o renovamento da nossa pequena frota aérea. Sabido, porém, que a crise política que surgiu no Mundo logo após o termo das hostilidades levou os dois únicos países produtores ao nosso alcance a restringirem, senão a impedirem totalmente, o comércio de aviões militares com o estrangeiro, não seria pràticamente possível resolver o problema do equipamento das forças aéreas, mesmo que para tanto nos encontrássemos habilitados.
Em contrapartida foi-nos possível beneficiar de um permanente e frutuoso contacto com a aviação americana nos Açores e acordar com os Estados Unidos na realização local de determinadas missões aéreas, facto que nos permitiu, em matéria de navegação aérea de longo curso, colocarmo-nos ao nível das aeronáuticas mais adiantadas. Pode afirmar-se que os aviadores portugueses não conhecem hoje dificuldades de navegação a longas distâncias e se encontram em condições de cruzar mares e continentes em todas as direcções.
Com a maior dignidade, pode também a aviação portuguesa desempenhar nos Açores missões essenciais à segurança aérea mundial e o óptimo serviço da nossa aviação comercial, concebida, orientada e manobrada quase exclusivamente por aviadores militares, não pode deixar de constituir para todos nós motivo de legítimo contentamento.
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3. Se, no domínio da preparação profissional e técnica do pessoal, apenas temos de 'louvar os dirigentes por de tantas dificuldades terem sabido extrair tão evidentes e óptimos resultados, também não poderá afirmar-se com verdade serem da exclusiva responsabilidade dos chefes deficiências, maiores ou menores, porventura encontradas noutros aspectos da preparação militar das nossas forças aéreas.
Em primeiro lugar é preciso atender a que, até agora, a organização do corpo directivo das forças aéreas nacionais não ultrapassou o nível de um comando-geral com funções e categoria equivalentes a um comando de região militar. Sem estado-maior privativo, nem autoridade para definir sistemas, métodos ou doutrinas que a organismos superiores caberia estabelecer, não se poderia em boa justiça exigir mais. Milagre é que, através de tantas dificuldades e integrada num sistema nem sempre permeável às suas ansiedades de perfeição e à sua maneira especial de ser e de servir, a Aeronáutica Militar tenha conseguido tanto.
4. Dos três diplomas que constituem a base de qualquer organização militar - lei da organização geral; lei de recrutamento e serviço militar nas forças aéreas, e lei de quadros e efectivos -, só as duas primeiras, que representam a estrutura geral de um sistema, com as Buas qualidades e defeitos, vantagens e inconvenientes, vão ser presentes à alta apreciação da Assembleia Nacional.
Quanto ao diploma sobre quadros e efectivos, é provável que o Governo venha a assumir dele a responsabilidade, promulgando-o em decreto-lei. Não só a sua elaboração definitiva depende do destino das propostas agora apresentadas, como a respectiva discussão, pela natureza dos problemas e dos interesses, é mais incómoda para a Câmara do que o será no seio do Governo. Aliás seguiu-se processo idêntico relativamente a outras reformas militares.
II
Linhas gerais das propostas
5. A primeira das grandes linhas das propostas submetidas pelo Governo à apreciação da Câmara consiste em que, segundo elas, a organização das forças aéreas não tem um sentido metropolitano restrito.
Porque do ar os horizontes suo incomparavelmente mais vastos, a aeronáutica portuguesa pode enxergar e sentir simultaneamente todos os territórios nacionais, de aquém e de além-mar. Não há que fazer nela distinção entre forças metropolitanas e forças ultramarinas. Na organização, no ordenamento e na acção as forças aéreas portuguesas são independentes do local em que se encontram estacionadas. Por isso o conjunto do território português em todas as partes do Mundo se divide em cinco regiões aéreas com o mesmo significado militar e a mesma harmonia em relação à defesa de todo o território.
Uma previdente e sensata organização dos serviços fará que as regiões se apoiem mutuamente, oferecendo entre si as infra-estruturas indispensáveis à eficaz intervenção das forças aéreas em relação à defesa do conjunto. Nos poucos casos em que tais infra-estruturas se mostrem insuficientes, competirá à política obter no exterior plataformas de rolagem e facilidades que favoreçam o sentido comunitário da defesa aérea em todos os territórios portugueses.
6. Pelas razões anteriormente apontadas em relação à organização, também o recrutamento do pessoal para as forças aéreas não se restringe à área do território metropolitano na Europa. Com o seu carácter universal em relação a todo o território nacional nos diferentes continentes, a Aeronáutica recebe, sobretudo para serviços de manutenção e outros necessários ao funcionamento dos aeródromos, indivíduos de todas as proveniências, sem distinção de raça, de língua ou de religião. Apenas de todos exige o mais puro patriotismo e o comprovado desejo de servir eficazmente as forças aéreas. Mesmo em relação aos quadros, podem nos cursos de aeronáutica ser admitidos todos os indivíduos de ascendência portuguesa, desde que satisfaçam às condições gerais previstas na lei.
Em relação às normas até agora seguidas pode considerar-se esta medida de verdadeiro carácter revolucionário. Supõe-se, no entanto, que em nada afectará o prestígio dos quadros e contribuirá de forma acentuada para o avigoramento do espírito de Portugal entre as populações.
7. Não constitui matéria nova o regime que a proposta prevê relativamente a prazos de duração do serviço militar nas tropas de Aeronáutica.
Diplomas anteriores tinham já fixado três anos como prazo de tempo obrigatório de serviço. Além de se seguir a tendência geral observada em todos os países, não se encontra forma de assegurar em menos tempo a boa preparação de um mecânico ou de um piloto.
Se no nosso país houvesse uma base industrial suficientemente ampla, seria mais fácil o problema do recrutamento e da instrução, visto esta poder utilizar conhecimentos profissionais trazidos da vida civil. Sucede, porém, o contrário e pode até considerar-se o serviço nas fileiras como uma verdadeira escola profissional - quem sabe se a mais proveitosa das escolas- que anualmente fornece ao País muitas centenas de operários e artífices especializados.
Em boa verdade este alongamento de permanência nas fileiras interessa mais do que prejudica aqueles que o sofrem. O homem que passa pelas fileiras fica, de uma maneira geral, a poder dispor, para a sua vida futura na sociedade, de possibilidades de acção e valorização pessoal que de outra forma não poderia alcançar.
Haverá por outro lado que atender, quando se considera este problema, que para uma menor permanência nas fileiras as instituições militares pouco aproveitariam dos pesados encargos contraídos pelo Estado para garantir um mínimo de eficiência às suas forças armadas.
8. Visto que às forças aéreas portuguesas terá de competir essencialmente, além de outras missões especiais de menor volume, a defesa dos pontos ou zonas vitais do território e a cooperação na frente com as forças terrestres e navais, poderão elas, com toda a propriedade, classificar-se em:
Forças aéreas independentes;
Forças aéreas de cooperação.
Em face da exiguidade dos nossos recursos, que não permite a dispersão de meios, aliás sempre inconveniente, parece não poder contestar-se que ao menos as forças aéreas independentes deverão estar totalmente afectas ao Subsecretariado de Estado da Aeronáutica e, por intermédio deste, ao Ministro da Defesa Nacional, que, tendo a seu cargo os altos problemas relativos à defesa geral da Nação, assume a responsabilidade directa da defesa do território na zona do interior, e por isso carece de dispor de todos os meios que para tal defesa concorrem, isto é: defesa civil, forças aéreas, forças de defesa terrestre contra aeronaves, forças de pesquisa e de vigilância do ar, etc.
Uma vez que o Subsecretariado de Estado da Aeronáutica não engloba nem se ocupa dos problemas da Aeronáutica Civil nem sequer dos relativos à iniciação
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no voo, com vista ao futuro recrutamento das forças aéreas, não se afigura fortemente exclusivista a pretensão de reunir sob o poder do Subsecretariado o recrutamento, preparação e mobilização das forças aéreas, a sua administração e disciplina, confiando-lhe simultaneamente a responsabilidade da manutenção do material e o estudo, preparação e utilização das correlativas infra-estruturas.
9. No que se refere particularmente às forças aéreas independentes, não parece assim que o problema seja discutível.
Mas, quanto às forças aéreas de cooperação, deverá ser adoptada posição ou orientação semelhante?
O problema pode apresentar três soluções diferentes, a saber:
a) Forças aéreas de cooperação integralmente descentralizadas e sujeitas, na preparação, na administração e no emprego, aos Ministérios do Exército e da Marinha.
Exigiria, sob muitos aspectos, a existência de meios em triplicado, perder-se-ia o espírito de unidade na força aérea, quebrar-se-ia a coesão moral de um organismo essencial da defesa nacional, com as consequências que, quem conhece o que é ou deve ser uma força militar, sabe sentir e compreender.
Não permitindo os nossos reduzidos recursos tal dispersão de meios, supõe-se que ninguém poderá razoàvelmente defender essa posição.
b) Forças aéreas de cooperação centralizadas e permanentemente afectas, na preparação, na administração e no emprego, ao Subsecretariado de Estado da Aeronáutica.
Se fosse apenas de prever uma guerra na metrópole portuguesa, mesmo sem excluir desta os arquipélagos dos Açores e da Madeira, poderia ser este o sistema financeira e tecnicamente preferível como é sabido de todos os que um dia tiveram ocasião de se preocupar com problemas de administração e não o ignoram aqueles para quem o princípio da economia das forças, tanto no campo da táctica como no da estratégia, continua a ser lei basilar da arte ou da ciência da guerra.
No teatro de guerra obrigatoriamente restrito um sistema orgânico que permitisse ao comando empregar num ponto dado e num momento dado a totalidade ou, pelo menos, a maior parte dos seus sempre escassos meios de guerra aérea seria evidentemente aquele que a prudência impunha e a clarividência aconselharia.
Mercê, porém, de uma inteligente política de amizade peninsular, cujo verdadeiro valor só a história poderá mais tarde compreender e exaltar, mio teremos de pôr no campo das nossas preocupações uma tal hipótese de guerra. A dispersão dos territórios nacionais pêlos diferentes continentes e as próprias circunstâncias da situação político-militar que presentemente se verifica no Mundo impõem-nos que sejam do tipo expedicionário as hipóteses de guerra a prever.
Obrigados, por isso, a manter operações a grande distância, as nossas forças aéreas independentes deverão ficar quase totalmente ligadas ao território continental, para assegurarem a defesa das populações e dos pontos vitais nele existentes. Pelo contrário, as forças aéreas de cooperação terão naturalmente de acompanhar as forças terrestres e navais, ficando assim forçosamente quebradas as possibilidades de unidade de comando e de actuação em conjunto. Exactamente como na hipótese anterior, também não seria aconselhável, neste caso, para o tempo de guerra um sistema que mantivesse concentradas nas mãos de uma única autoridade central a totalidade das forças aéreas, mesmo que se tratasse somente de forças de cooperação.
c) Forças aéreas de cooperação concentradas para efeitos de administração e de preparação e descentralizadas para efeitos de emprego.
Beneficia este sistema das vantagens dos dois anteriores, sem lhes suportar, ou pelo menos sofrendo-os no mínimo, os correlativos inconvenientes.
A preparação e a administração das forças aéreas, tanto de cooperação como independentes, incluindo a preparação do pessoal e a manutenção do material e das infra-estruturas, ficam sempre, em tal hipótese, a cargo do Subsecretariado. Salvo o que directamente deva pertencer aos serviços próprios de cada base ou unidade independente, não há multiplicação, de escolas nem de serviços oficinais; a instrução é orientada por métodos comuns, apenas diferenciados em harmonia com as especializações impostas pela própria natureza da cooperação. Os quadros poderão ter uma base de recrutamento comum ou ser originários das próprias forças terrestres ou navais a quem a cooperação interessa.
Não há duplicação de serviços nem de despesas. Orçamentalmente tudo se apresentará como um todo único, independente e bem definido, embora o Subsecretariado tenha, evidentemente, de acordar com os Ministérios do Exército e da Marinha programas gerais de acção em que se fixem os objectivos da preparação, quer no que respeita a instrução, quer no que aos programas de material se refere.
No que particularmente toca ao emprego, porém, poderão as forças aéreas ficar na dependência dos Ministérios do Exército e da Marinha, isto é, à disposição dos comandos terrestres e navais. Esta subordinação pode verificar-se integralmente apenas em tempo de guerra ou ser posta em prática desde o tempo de paz. Na proposta prefere-se a primeira variante, mas pode-se também, e com toda a propriedade, defender a segunda.
10. Passadas em revista as três soluções possíveis para o problema das forças de cooperação e expressamente referida aquela que se julga preferível, poderá a Assembleia Nacional, com perfeito conhecimento de causa, discutir os fundamentos dos problemas postos e indicar ao Governo qual a modalidade prática que deve merecer a preferência no presente momento.
No aspecto puramente financeiro, e tendo em vista simplesmente a conveniência de ser evitada qualquer duplicação de despesas, poderia ainda ser considerada uma solução que chamasse ao Subsecretariado todos os problemas comuns relativos à instrução do pessoal e à manutenção do material, conservando-se normalmente descentralizados nos Ministérios interessados, mesmo para efeitos orçamentais e de administração, as forças aéreas de cooperação com o Exército e com a Marinha ou somente com uma destas duas modalidades das forças armadas. O certo é que à luz de um razoável sistema
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orgânico tal solução ultrapassaria já a lógica dos princípios e por isso não é pormenorizadamente tratada nem podia ser defendida. Ela é, porém, lembrada também para que a Assembleia a possa fazer incluir na sua apreciação entre as soluções possíveis, se assim o julgar aconselhável.
11. Assente que os problemas de defesa da zona do interior se contêm na competência normal do Ministro da Defesa Nacional, natural é estatuir-se que todos os órgãos da defesa civil ou da defesa aérea que para a protecção e defesa do território concorrem fiquem à disposição daquela entidade.
O problema não carece agora de ser considerado, mas terá de ser resolvido logo que as circunstâncias permitam ao Secretariado-Geral da Defesa Nacional dedicar-lhe a sua atenção. Apenas aqui se esclarece que, se em relação aos órgãos da defesa civil a ligação com o Secretariado deve ser estabelecida a título permanente, em relação à artilharia antiaérea e a outros meios de defesa activa na dependência dos Ministérios do Exército ou da Marinha bastará que fiquem dependentes dos serviços a cargo do Ministro da Defesa Nacional, apenas para efeitos de planeamento e emprego. Até por uma questão de coerência em relação à doutrina adoptada para com as forças aéreas de cooperação, não podia agora defender-se posição diferente.
III
Algumas considerações complementares
12. A propósito de problemas que se encaram nesta proposta e só tangencialmente se podiam visar nas bases da organização da defesa nacional já aprovadas pela Assembleia têm sido feitas afirmações que é agora oportuno examinar para esclarecimento do assunto.
Em matéria de organização militar, como aliás em muitos outros problemas da vida humana, é sempre perigoso ou, pelo menos, pouco prudente pretender tirar conclusões definitivas ou assentar em princípios ou sistemas de acção a pôr em prática por aquilo que se passa neste ou naquele país sem olhar às suas condições particulares, aos seus objectivos e possibilidades nacionais, à sua índole ou à sua história.
Se a guerra é realmente uma expressão particular da forma de actuação política de um estado em relação a outros ou o resultado do entrechoque de ideais ou de vontades opostas, de desejos e de objectivos dos povos que não foi possível conciliar por diplomáticos entendimentos, natural é que cada país, sobretudo aqueles que têm ou podem ter uma política ou uma norma de procedimento positiva no Mundo, procurem organizar e constituir, pela forma que julguem mais adequada ao condicionalismo existente, a força que há-de, em último caso, ser a expressão material e prática dessa política ou dessa forma positiva de procedimento em relação a quaisquer obstáculos.
Cada povo, ou, melhor, cada Nação, produto da vontade da Providência ou dos imperativos geográfico e histórico que os homens favoreceram ou contra os quais foi impossível ou inútil lutar, têm carácter particular, que lhe é imposto pelas próprias condições do meio em que é obrigado a actuar e deriva das suas condições de vida, das suas aspirações no Mundo, do meio físico em que labuta, do seu próprio nível social e de cultura, da mentalidade ou da consciência nacional que lhe foi possível formar.
13. Se os Estados Unidos, por exemplo, desejam orientar a política internacional ou ter uma posição predominante no Mundo, fora do continente americano, e, para defender o seu comércio ou o caminho do seu génio e da sua expansão, tem de assegurar a posse ou a hegemonia dos grandes oceanos, sobretudo do Atlântico e do Pacífico, necessário lhes é possuir uma esquadra de superfície capaz de destruir ou, ao menos, de neutralizar e impedir o passo a qualquer poder naval que procure opor-se à sua passagem. Para que uma tal esquadra possa, com probabilidares de êxito, desempenhar essa missão precisa de ter livre o espaço aéreo em que actua e de, simultaneamente, poder prolongar sobre os navios inimigos a acção dos canhões e dos torpedos, por meio de ajustados bombardeamentos aéreos.
Mas porque esta grande nação, só apareceu à superfície da vida internacional quando já as grandes encruzilhadas marítimas do Mundo se encontravam definitivamente na posse de povos que mais cedo puderam atingir a maioridade, vê-se naturalmente forçada a fazer acompanhar as suas esquadras por um poder aéreo, concretizado em porta-aviões, capaz de lhe garantir em toda a parte a superioridade aérea local e impedir que um eventual opositor opere livremente no espaço atmosférico em que ele próprio se movimenta. Não deveria ser, seguramente, com bases aéreas localizadas nas costas ocidentais ou orientais da nação norte-americana que se poderia assegurar a supremacia aérea na região central dos grandes oceanos Atlântico e Pacifico. Mesmo que por instantes tal fosse possível, não seria prático, a tão grandes distâncias, manter a indispensável ligação militar no tempo e no espaço, no cérebro que dirige e nas almas que executam, entre os navios à superfície e os aviões na atmosfera.
Em tais condições nada espanta que um grande ministro tenha definido ser, entre outras, missão da marinha dos Estados Unidos:
a) Estabelecer e manter superioridade local (incluindo a aérea) na área das operações navais (note-se bem: superioridade local);
b) Conduzir operações aéreas necessárias à consecução de objectivos numa campanha naval;
c) Ser responsável pela vigilância naval, guerra anti-submarina, protecção da navegação e lançamento de minas, incluindo a parte aérea correspondente.
Pequeno que fosse ou tivesse sido o governante, se ele não ignorasse a situação política do seu país e os próprios sentimentos nacionais da comunidade americana, teria dito, por semelhante ou por forma diferente, exactamente o mesmo.
De admirar seria apenas que não tivesse juntado uma quarta alínea redigida pouco mais ou menos nos seguintes termos:
d) Estar apta a desempenhar acções súbitas de guerra em territórios de além-mar, protegendo e apoiando os desembarques e reembarques de forças privativas apropriadas e garantindo a supremacia aérea nas operações localmente executadas por essas forças.
Assim se explicaria a existência a bordo de grandes unidades de fuzileiros navais, organizados em divisões fortemente armadas o manobradoras, aptas mais que quaisquer outras à prática de operações anfíbias, capazes de conduzir com os seus próprios meios, embora em operações de objectivo limitado, acções completas de guerra, e de tal fornia conscientes do seu valor e orgulhosas da sua missão que é frequente ouvir afirmar aos seus componentes:
Marinha, aviação? Apenas partes do todo que para nós trabalha, desde a terra da América até aos confins dos mares e aos píncaros dos ares, na
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certeza de que saberemos erguer bem alto, em toda a parte do Mundo, a bandeira dos Estados Unidos!
14. Valerá ainda a pena citar o caso da Inglaterra? Como admirar que uma marinha que ainda hoje disputa para o seu país o título de rainha dos mares tenha integrados nos seus próprios efectivos grandes porta-aviões, correspondentemente equipados para as missões que lhe são próprias?
E disporá a marinha inglesa integralmente de toda a aviação que pode em determinado momento ser necessária à cooperação com as operações navais em que se encontra empenhada?
O problema é aqui diferente daquele que para os Estados Unidos se apresenta. Pais que há mais de três séculos exerce o domínio do mares, pôde a tempo organizar, ao longo das rotas marítimas que mais directamente interessam ao seu modo de vida, sólidas bases em terra, sempre prontas a apoiar, pela forma julgada mais útil, as operações militares ou navais nacessárias à defesa dos seus interesses.
Para que sobrecarregar o Tesouro com as pesadas despesas que os porta-aviões e outros meios de cooperação comportam se lhe é mais económico, mais simples e possivelmente mais útil escalonar os meios aéreos pelas diferentes bases ao longo das grandes rotas marítimas que mais directamente lhe interessam e entre as quais se conta certamente a grande estrada da metrópole à índia e ao Pacífico através do Mediterrâneo e do Mar Vermelho? Não bastará ao comando naval poder seguir ou mesmo planear e superintender directamente as operações das forças da Real Força Aérea destinadas à cooperação naval, quando esta seja reclamada ou se torne manifestamente necessária?
Com boa razão ninguém poderá responder negativamente. Também ninguém poderá razoavelmente combater as soluções que, para o nosso caso, a proposta comporta, seguramente mais modestas nas intenções, embora relativamente mais custosas nos factos.
15. Não vale a pena discutir se a Alemanha perdeu a guerra submarina por não ter apoiado os seus meios de acção naval pelas asas dos próprios marinheiros ou se a Grã-Bretanha ganhou a batalha de Inglaterra, salvou Londres e assegurou a vitória com as esquadras do ar ou com os navios e aviões do mar. Goering teria sido o grande obreiro da vitória aliada?
Examinando serenamente os factos, não se vê como, razoavelmente, seria possível ao Governo Alemão chegar a solução diferente da que tinha adoptado.
No que se refere estritamente à aviação anti-submarina, não tinha o caso interesse: a Alemanha propunha-se fazer a guerra submarina e não impedi-la.
Se olharmos apenas para o aspecto da aviação embarcada e imaginarmos uma solução que tivesse permitido à nação germânica conduzir para o teatro de guerra marítima poderosos porta-aviões, teremos forçosamente de considerar se, em face da situação geográfica da Alemanha e da predominante situação naval aliada, seria possível ao supremo comando alemão fazer chegar ao mar alto, em admissíveis condições de êxito, um poder naval eficiente, afirmado predominantemente através daquela classe de navios.
16. Quando se examina o problema da hegemonia naval no Mediterrâneo, que tão vital deveria ser considerado pêlos dois partidos em luta na segunda guerra mundial, certamente que ninguém deixará de reconhecer ser diferente o caso da Itália.
Em vez de lançar à carreira os porta-aviões indispensáveis, preferiu Mussolini realizar um programa aéreo que permitisse construir aviões susceptíveis de levar uma tonelada de bombas a qualquer ponto do Mediterrâneo.
Os factos demonstram todavia ter sido possível aos aliados disfrutar de relativa liberdade no grande mar euro-africano. O problema não foi entre nós ainda discutido em profundidade e não interessa à índole meramente objectiva e informativa do presente relatório o seu demasiado alongamento.
17. Enquadrado Portugal em determinado sistema defensivo, livre de perigo imediato a sua fronteira terrestre, em resultado de uma política de sólida amizade peninsular, não há que encarar em abstracto o problema do desenvolvimento deste ou daquele ramo da força armada nem as missões mais ou menos extensas que a cada um deles deve competir. Se o bem da paz tiver de ser perdido para os Portugueses, há que considerar esses problemas em face do condicionalismo politico-militar que está criado.
Desde que, após a segunda guerra da independência, não nos foi possível reconstruir a esquadra, ou na medida em que, em certo período da nossa história, preferiram os reis aplicar o ouro do Brasil em bens materiais, culturais e artísticos a lançar navios no mar, perdida se deveria considerar para sempre a possibilidade de regressarmos como proprietários abastados à casa onde, durante séculos, tínhamos sido quase jónicos senhores. A máquina a vapor, a idade do ferro na construção naval e uma política de inimizade peninsular na Europa que nos deveria fazer deslocar para as forças de terra o centro de gravidade das nossas disponibilidades de tesouraria fariam o resto. Para se não perder tudo e podermos adquirir a segurança de que as estradas da metrópole com as possessões de além-mar nos não seriam definitivamente cortadas houve que recorrer a uma política prudente, seguida inalteràvelmente durante mais de duzentos anos, procurando em alianças e apoios exteriores o poder naval que nos tinha escapado.
As posições-chaves que avisadamente tínhamos associado à metrópole portuguesa a partir do século XV e as possibilidades de comércio oferecidas por um território que ainda hoje equivale em área a quase metade da Europa eram contrapartida bastante para um aliado esclarecido e fiel com quem, nos graves momentos de crise, quase sempre pudemos contar.
18. Perdido um poder naval próprio, correspondente às necessidades das nossas ligações com o ultramar e forçados a basear parte da nossa segurança em acordos de defesa comum, não parece ter valor prático a apreciação das diferentes modalidades dos nossos problemas de defesa como se fôssemos uma unidade capaz de, por si só, resolver todas as dificuldades e arquitectar para elas adequadas ou ajustadas soluções.
Associados com terceiros para em conjunto fazermos face a problemas que não nos são exclusivos, o que acima de tudo importa é mostrarmo-nos perante o Mundo dignos de nós próprios, da nossa ética e da nossa história, assumindo leal e fielmente as responsabilidades que nos são atribuídas.
Porque temos de colaborar na luta anti-submarina e assumir parte da responsabilidade da defesa das comunicações marítimas dentro de determinada zona, verificamos ter de ser superior ao de aviões o número de unidades navais a aumentar ao efectivo. Esta é a situação a enfrentar com solicitude e rapidez, e, sendo deveras embaraçosa a situação da Marinha, no que respeita ao pessoal, agravada ainda pela circunstancia de não ter sido possível organizar reservas navais bastantes, não parece aconselhável que a Marinha gaste as suas reduzidas possibilidades de efectivos em guarnecer
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totalmente uma pequena força aérea que poderia, sem dificuldade de maior,- ser posta à sua disposição pelo Subsecretariado do Estado da Aeronáutica. Para este poderia ainda haver a vantagem de utilizar, em missões de cooperação com as forças navais, os seus pilotos mais experimentados, mais amadurecidos pela longa permanência no ar e mais adaptáveis as enervantes missões de vigilância e pesquisa, mus já sem possibilidades físicas para a prática das violentas manobras da caça. Capital largamente despendido pela Nação na preparação de pilotos não seria perdido tão cedo para todo o sempre. Os mecânicos, os electricistas, os radiotelegrafistas, toda essa categoria de pessoal tão indispensável a uma marinha e que tanto tempo leva a formar, poderia em boa parte ir ocupar nos navios espaços vazios que de outra forma só muito tarde poderão ser preenchidos. Segundo a proposta, porém, e salvo o que respeita à completa integração na sua estrutura, a Marinha continuará a dispor, quando a deseje utilizar, de uma aviação de cooperação guarnecida e comandada por pessoal seu, uma aviação conduzida pêlos comandos navais e tripulada por pessoal com apurado sentido naval, como é sua instante preocupação.
IV
A autoridade do Ministro da Defesa
19. O Decreto-Lei n.° 37:909, de 1 de Agosto de 1950, que dispôs sobre a criação do Subsecretariado de Estado da Aeronáutica, fez depender o seu provimento da reorganização das forças aéreas, mas não fixou a sua dependência em relação a qualquer departamento ministerial presentemente existente. O artigo 2.° da proposta situa-o na Presidência do Conselho, na dependência e sob a responsabilidade do Ministro da Defesa Nacional.
Não seria lógico que, pretendendo-se atribuir independência administrativa e técnica às forças aéreas, ficasse o Subsecretariado fazendo parte da estrutura orgânica normal dos Ministérios, quer do Exército quer da Marinha. Colocá-lo no Ministério das Comunicações, onde funciona a Aeronáutica Civil, também não seria razoável, visto que conduziria aquele departamento a preocupações totalmente diferentes das que normalmente lhe competem. Em tais circunstâncias apresentava-se como solução lógica o da Presidência do Conselho e, visto que integrado nesta existe o Ministro da Defesa Nacional, outra não deveria ser a solução proposta, uma vez que, na organização do Estado, a existência de um Subsecretariado presume sempre a coexistência de um Ministro responsável.
Mas, à face da boa doutrina, será admissível que seja o Ministro da Defesa Nacional a superintender directamente no Subsecretariado?
Para além ou entre os dois tipos de Ministro da Defesa Nacional que em toda a parte se encontram - o de concentração, com superintendência directa e total sobre os três ramos das forças armadas, e o de coordenação, que subentende a autoridade necessária para poder estabelecer a orientação geral e o programa de actividade de todas as forças armadas, incluindo á sua direcção e fiscalização através da superintendência nos respectivos orçamentos - Ministro efectivamente responsável perante os órgãos da soberania e perante o Chefe do Governo por todos os altos problemas que à defesa nacional se referem - qual se entenderá ser a solução entrevista pela legislação portuguesa, através da singela referência que ao caso faz?
O citado Decreto-Lei n.° 37:909, nas alíneas a), d) e e) do § único do artigo 6.°, estabeleceu que ao Ministro da Defesa Nacional cumpre orientar e coordenar os três ramos das forças armadas, orientar os problemas relativos à mobilização civil e coordenar as actividades respeitantes à preparação militar da Nação em harmonia com os tratados e convenções militares. Embora a prática governativa ou da administração não tenha sido suficiente para fixar um complexo de atribuições precisas, não pode duvidar-se de que a orientação legal se definiu no sentido da coordenação. Isto equivale a dizer que, sem se alterar a independência administrativa dos Ministérios das forças armadas nem tocar na superintendência directa dos respectivos Ministros sobre as forças terrestres ou navais, o que pode chamar-se a orientação político-militar ficaria no âmbito da competência da Defesa Nacional. Para ser exercida como?
A coordenação não pode na prática deixar de traduzir-se em exercício de arbitragem e mesmo em poder de iniciativa e de decisão naquilo que importa coordenar. E é evidente que não há que coordenar só os aspectos da defesa nacional fora do âmbito da» forças armadas, mas no domínio destas mesmas, por mais directamente atinentes aos fins em causa.
Ora com a integração das forças aéreas num Subsecretariado e a colocação deste na dependência do Ministro da Defesa dá-se um passo mais para que a situação actualmente existente se precise. A evolução deverá fazer-se no sentido de atribuir ao cargo aquilo que em toda a parte se considera como competência normal de um Ministro da Defesa Nacional e que esquematicamente se exprime como segue:
a) Normas gerais de recrutamento e da instrução; superintendência nas escolas, implantação das forças e bases gerais da sua organização;
b) Elaboração e execução dos programas de armamento e equipamento;
c) Responsabilidade na preparação e elaboração dos orçamentos, assim como na sua gerência;
d) Poderes gerais de inspecção.
O assunto, porém, não tem de ser discutido neste momento e por isso se prefere sobrestar em análise mais demorada e apresentar o texto preferido para as duas propostas que ora se submetem à consideração da Assembleia Nacional:
I) Proposta de lei sobre a organização geral da Aeronáutica Militar;
II) Proposta de lei sobre o recrutamento e serviço militar nas forças aéreas.
Proposta de lei da organização geral da Aeronáutica Militar
CAPITULO I
Disposições gerais
Artigo 1.° A Aeronáutica Militar tem por fim essencial:
a) A defesa do espaço aéreo que cobre o território nacional, na metrópole e nos territórios de além-mar;
b) A cooperação com as forças terrestres e navais.
§ único. A Aeronáutica Militar disporá de forças aéreas para operações independentes e de forças aéreas de Cooperação, podendo estas ser colocadas à disposição dos Ministérios do Exército e da Marinha para emprego pelos respectivos comandos.
Art. 2.° As forças aéreas serão, no plano governamental, administradas por um Subsecretariado de Estado, que funcionará na Presidência do Conselho, na dependência e sob a responsabilidade do Ministro da Defesa Nacional.
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Art. 3.° Quando as Circunstâncias o aconselhem ou imponham, podem ser constituídas, normal ou eventualmente, forças aéreas nos territórios de além-mar. As forças aéreas portuguesas estacionadas na metrópole ou nas províncias ultramarinas podem ser empregadas pelo Governo dentro ou fora do território sujeito à soberania portuguesa, conforme as conveniências nacionais o exigirem.
Art. 4.° A organização das forças aéreas deve respeitar o princípio de unidade da organização militar previsto na Constituição Política. Em tudo que não seja imposto pela normal natureza especializada das forças aéreas será rigorosamente observada a identidade de formação de oficiais e sargentos e a unidade do material.
Salvo também no que se refere à especialização imposta pelas circunstâncias, os princípios que regem a instrução táctica e técnica das tropas e o seu emprego em campanha serão comuns aos vigentes nos exércitos de terra e mar.
É da competência do Ministro da Defesa Nacional mandar aplicar u Aeronáutica Militar as disposições regulamentares em vigor no Exército e na Armada consentâneas com o seu modo particular de actuação, quer em tempo de paz, quer em tempo de guerra.
Art. 5.° As forças aéreas, incluindo o material e infra-estruturas que lhes são próprias, ficam subordinadas ao Subsecretariado de Estado da Aeronáutica.
§ único. Para efeitos de inspecção militar e fiscalização das possibilidades de aproveitamento e de preparação de requisição militar em tempo de guerra, ficam também na dependência do mesmo Subsecretariado as organizações, materiais especializados e infra-estruturas da Aeronáutica Civil existentes no território nacional, na metrópole ou nas províncias de além-mar. Todos os actos de inspecção e de fiscalização em territórios do ultramar, porém, serão executados por intermédio e com u anuência dos respectivos governadores.
CAPITULO II
Divisão aeronáutico-militar do território nacional
Art. 6.° O conjunto do território nacional na metrópole e nas províncias ultramarinas divide-se em cinco regiões aéreas, compreendendo:
A primeira, o território metropolitano, incluindo o dos arquipélagos dos Açores e da Madeira;
A segunda, os territórios do arquipélago de Cabo Verde e da (província da Guiné Portuguesa;
A terceira, o território de Angola, incluindo o enclave de Cabinda, o arquipélago de S. Tomé e Príncipe e o território de S. João Baptista de Ajuda;
A quarta, o território da província de Moçambique;
A quinta, o território do Estado da índia e o das províncias de Macau e Timor e respectivas dependências.
§ 1.° A divisão militar aeronáutica do território nacional tem por fim permitir:
a) A preparação e a execução das operações de recrutamento, instrução e mobilização das forças aéreas, recursos e infra-estruturas aeronáuticas de toda a espécie;
b) A preparação e execução das medidas relativas à defesa aérea do território;
c) O exercício do comando superior das forças aéreas nas respectivas áreas e a execução das missões que às mesmas incumbem.
§ 2.° Dentro de cada região aérea, para efeitos de recrutamento, a aeronáutica militar aproveita a organização territorial em vigor no Exército de terra. Para efeito de operações o território das regiões aéreas pode ser subdividido em zonas, sempre que as circunstâncias o aconselhem ou imponham.
Art. 7.° A preparação e a organização da defesa do espaço aéreo do território das regiões contêm-se nas atribuições do Subsecretariado de Estado da Aeronáutica.
Desde o tempo de paz serão, sob a égide do Ministro da Defesa Nacional, acordadas, entre o Subsecretariado de Estado da Aeronáutica e os Ministérios do Exército e da Marinha as disposições relativas à cooperação com as forças terrestres e navais.
Para efeito de operações, todas as forças e meios de defesa contra aeronaves orgânica e administrativamente dependentes dos Ministérios do Exército ou da Marinha, salvo as que devam ser atribuídas à protecção imediata das- forças terrestres e navais, ficam à disposição do Subsecretariado de Estado da Aeronáutica. Ao Secretariado-Geral da Defesa Nacional compete seguir a preparação das mesmas forças e promover as disposições necessárias ao seu emprego.
Na imediata dependência do Subsecretário de Estado da Aeronáutica exerce a sua acção o chefe do Estado-Maior das Forças Aéreas, a quem cabe o comando superior das respectivas forças e é o primeiro responsável militar pela sua preparação.
CAPITULO III
Organização geral, mobilização e constituição das forças aéreas de campanha
Art. 8.° Para a realização de operações militares, em qualquer ponto do território nacional ou fora dele, poderão constituir-se, sob o mesmo comando, agrupamentos de forças aéreas com a designação de forças aéreas em operações, cuja organização e repartição geral serão determinadas, para cada caso, de harmonia com os objectivos fixados pelo Governo ou definidos nos respectivos planos de defesa.
Poderão ser mandadas ficar na directa dependência dos comandos das forças terrestres e navais forças aéreas constituídas para a protecção e transporte das mesmas forças ou para a cooperação directa nas operações a seu cargo.
Art. 9.° A organização para operações das forcas aéreas terá sempre como base a existência de unidades de aeronáutica e das formações ide serviços indispensáveis à vida em campanha das primeiras. Eventualmente podem ser integradas nas forças aéreas em operações, fazendo ou não organicamente parte delas, unidades de pára-quedistas.
As forças aéreas em operações são normalmente organizadas e constituídas por pequenas unidades, que podem ou não associar-se em grandes unidades para actuação independente.
A brigada aérea será, quando necessário ou conveniente, o tipo de grande unidade normalmente considerado.
As pequenas unidades serão designadas por grupos, esquadras e esquadrilhas.
A composição da brigada aérea e das pequenas unidades normalmente constituídas constará dos regulamentos para o serviço de campanha.
Art. 10.° Em campanha, o comando superior de todas as forças aéreas em operações é exercido pelo general chefe do Estado-Maior das Forças Aéreas.
As brigadas aéreas serão comandadas por generais de brigada. Os grupos, esquadras e esquadrilhas serão, normal e respectivamente, comandados por tenentes-coro-
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néis, majores e capitães. O comando dos agrupamentos de dois ou mais grupos, formando ou não regimentos, pertence normalmente a oficiais com a patente de coronel.
Em qualquer caso os oficiais de aeronáutica investidos em funções de comando são sempre hierarquicamente superiores a todos os militares e funcionários quê façam parte da unidade ou agrupamento entregue à sua jurisdição.
Art. 11.° São atribuições privativas do chefe do Estado-Maior das Forças Aéreas:
a) A elaboração dos planos de acção e de emprego das forças aéreas, de harmonia com os planos gerais de defesa aprovados e as instruções particulares do chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas;
b) O comando superior das operações aéreas necessárias ao desenvolvimento dos respectivos planos;
c) A alteração da ordem de batalha inicial das forças aéreas;
d] A nomeação, exoneração ou transferência do pessoal militar ou civil seu subordinado, com excepção dos generais comandantes de brigada, cuja designação carece sempre do acordo do Subsecretário de Estado da Aeronáutica.
§ único. O Governo definirá para cada caso os limites em que ficarão subordinadas, ou na directa dependência dos comandantes de forças aéreas em operações, as infra-estruturas ou equipamentos de qualquer natureza necessários ao exercício da sua actividade ou ao cumprimento da missão que lhes foi confiada.
Art. 12.° O chefe do Estado-Maior das Forças Aéreas e os comandantes imediatamente subordinados disporão sempre, no exercício das suas funções, de um estado-maior e das chefias de serviços indispensáveis à preparação e execução das operações e ao emprego das forças colocadas sob a sua jurisdição.
A administração superior das forças aéreas em operações é exercida pelo chefe do Estado-Maior das Forcas Aéreas, que recebe os respectivos poderes por delegação do Subsecretário de Estado da Aeronáutica, e que por sua vez os pode delegar nos generais comandantes de brigada ou nos comandos de forças aéreas operando independentemente. O chefe do Estado-Maior das Forças Aéreas dispõe dos créditos destinados às despesas inerentes às operações, respondendo por eles perante a Contabilidade Pública, pela forma que for regulamentada.
A administração no comando superior e nas unidades é exercida por intermédio de órgãos postos à sua disposição para o exercício do comando, mias o comandante de qualquer unidade é sempre responsável pela sua administração perante o comando de que depender.
Art. 13.° A mobilização total ou parcial das forças aéreas, preparada desde o tempo de paz, será integrada na mobilização militar prevista nos planos de defesa ou extraordinariamente determinada pelo Governo, e terá por fim o aproveitamento integral ou parcial dos recursos nacionais que constituem ou podem influir no potencial aeronáutico militar da Nação.
§ único. A constituição das forças aéreas em operações, objecto dos planos de mobilização, é da competência do Governo, que, para o efeito, poderá convocar e requisitar livremente os quadros de complemento e todo o pessoal e material julgados necessários.
A mobilização geral importa normalmente:
a) A passagem de todas as bases, unidades e formações da aeronáutica ao pé de guerra;
b) A constituição de novas unidades e formações;
c) O melhoramento das infra-estruturas e equipamentos existentes e a constituição de novos equipamentos e infra-estruturas.
Art. 14.° A mobilização das forças aéreas tem sempre carácter urgente e envolvo necessàriamente:
1) O direito de chamada às fileiras de todo o pessoal sujeito a obrigações militares e pertencente à Aeronáutica, seja qual for a sua situação;
2) O direito de afectação pelo Governo de qualquer outro pessoal especializado no serviço aeronáutico-militar, mesmo que não esteja sujeito a obrigações militares;
3) O direito de o Governo requisitar, com carácter urgente, todos os terrenos, instalações ou materiais ou elementos de qualquer natureza indispensáveis ao serviço da Aeronáutica;
4) O direito de afectar ao serviço militar aeronáutico todas as instalações ou serviços de aeronáutica civil e comercial constituídos em qualquer ponto do território nacional, incluindo o pessoal, o material e as infra-estruturas.
§ único. Não serão abrangidos pelas disposições anteriores o pessoal, terrenos e outros elementos materiais que estejam ao abrigo de acordos internacionais em que concretamente se definam as isenções a observar.
Art. 15.° A preparação e execução da mobilização das forças aéreas, sob a orientação do chefe do Estado-Maior das Forças Aéreas, compete normalmente:
a) Às bases aéreas e outras unidades1 permanentes para as tropas activas;
b) Aos centros de mobilização para. o pessoal especializado aia situação de licenciado e para qualquer outro pessoal técnico que seja necessário mobilizar ou requisitar.
§ único. Na Aeronáutica, Militar não será organizado o escalão das tropas territoriais para o pessoal do serviço geral. Todo o pessoal licenciado, sem especialização, que atinja a idade de 40 anos é transferido para as tropas territoriais do Exército.
Art. 16.° A mobilização militar na Aeronáutica é determinada em ordens de mobilização do Subsecretário de Estado, assinadas e transmitidas às autoridades civis e militares interessadas.
As ordens de mobilização serão tornadas públicas pêlos meios usuais e constituem forma de intimação bastante para obrigar todos os indivíduos por elas abrangidos.
CAPITULO IV
Organização geral da Aeronáutica Militar em tempo de paz
Art. 17.° A organização das forças aéreas em tempo de paz tem por fim:
1) A instrução geral e especial de todos os indivíduos incorporados na Aeronáutica, bem como a formação de quadros permanentes e de complemento de oficiais, sargentos e especialistas;
2) A preparação e execução da mobilização, transportes e concentração de todas as forças aéreas destinadas a operar em território nacional ou fora dele;
3) A vigilância e a Cobertura aérea inicialmente necessárias à inviolabilidade dos pontos ou zonas vitais do território metropolitano;
4) O reforço dos meios normalmente existentes para a defesa idos pontos vitais do território
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nacional, bem como para a cooperação com quaisquer forças destinadas a lutar dentro ou fora do território nacional.
Art. 18.° Paxá a execução das missões anteriormente designadas, além do Subsecretariado de Estado ou nele incluídos, haverá em relação a todo o território nacional:
a) O Estado-Maior das Forças Aéreas;
b) A organização territorial correspondente à respectiva divisão aeronáutico-militar;
c) As tropas, escolas, centros de instrução, depósitos e serviços técnicos indispensáveis à existência e regular funcionamento das forças aéreas.
§ único. A Aeronáutica Militar não terá órgãos territoriais privativos dos serviços de saúde e de administração militar, utilizando para satisfação das necessidades desta natureza e de quaisquer outras não afectas aos seus serviços especializados a organização normal e os serviços existentes no Ministério do Exército. Regulamentos especiais prescreverão as normas de utilização necessárias.
Art. 19.° O Subsecretário de Estado exerce a sua acção por intermédio do chefe do Estado-Maior das Forças Aéreas, que será a autoridade militar e técnica superiormente responsável pela eficiência e preparação para a guerra de todas as forças aéreas.
Quando necessidades especiais de defesa ou o desenvolvimento dos serviços assim o determinem, poderão ser constituídos, nas regiões aéreas em que se subdivide o território nacional, comandos militares aeronáuticos privativos, por intermédio dos quais o chefe do Estado-Maior das Forças Aéreas exercerá a sua acção de comando sobre todos os órgãos de defesa aérea.
Art. 20.° A organização militar territorial tem por fim:
a) O recrutamento e a incorporação do pessoal necessário à composição e constituição das forças aéreas;
b) A instrução especial ou a instrução geral e especial dos mancebos recrutados por imposição normal do serviço militar ou voluntariamente inscritos;
c) A formação profissional dos quadros de oficiais, sargentos e especialistas destinados ao serviço da Aeronáutica, quer (c)m tempo de paz, quer em tempo de guerra, bem como, total ou parcialmente, a instrução complementar necessária à preparação e selecção dos referidos quadros;
d) A preparação e execução das medidas necessárias à constituição das forças aéreas em operações e as relativas à mobilização em todo o território nacional;
e) A preparação e execução de todas as providências necessárias à construção e actualização das infra-estruturas e de quaisquer instalações aeronáuticas especializadas julgadas necessárias.
Art. 21.° Em tempo de paz a organização das forças aéreas compreende o Comando-Geral das Forças Aéreas, subordinado ao chefe do Estado-Maior das mesmas forças e tendo na sua directa dependência:
1.° As forças aéreas para operações independentes;
2.° As forças aéreas de cooperação;
3.° As unidades de instrução ou de escola necessárias à preparação das forças anteriormente designadas.
§ 1.º As forças para operações independentes compreendem unidades de caça, de pesquisa e vigia aéreas, de busca e salvamento no mar, de transporte e, eventualmente, unidades de bombardeamento.
§ 2.° As forças aéreas de cooperação compreendem unidades destinadas à cooperação com as forças militares de terra e unidades especializadas destinadas à cooperação com as forças navais, especialmente na protecção das comunicações marítimas contra ataques por submarinos.
§ 3.° As unidades de instrução, de escola ou de treino destinam-se à instrução elementar do pessoal e à preparação complementar necessária ao serviço ulterior nas esquadras.
Art. 22.° As forças aéreas designadas no artigo anterior podem constituir unidades independentes ou estar agrupadas em bases aéreas localizadas no território nacional de harmonia com as facilidades logísticas e possibilidade de preparação de infra-estruturas adequadas.
As bases aéreas dispõem de órgãos de comando, de instrução e de administração adequados, incluindo as oficinas de manutenção de material suficientes para a conservação e reparação do material que lhes está adstrito.
Em cada base aérea estacionam normalmente esquadras ou grupos de esquadras de tipo uniforme. Sempre que as circunstâncias imponham a localização na mesma base aérea de unidades de tipo diferente, deverão estas ser organizadas independentes entre si, embora subordinadas ao mesmo comando da base e utilizando em conjunto os órgãos de administração e de manutenção existentes.
Art. 23.° As unidades e formações das forças aéreas devem normalmente estacionar em bases aéreas. Podem contudo ser estabelecidas em aeródromos-bases ou em campos circunstanciais em virtude de necessidades especiais de ordem militar.
Além das funções relativas à instrução geral e preparação para a guerra, as bases aéreas destinam-se ainda a assegurar:
a) A preparação táctica, profissional e técnica dos quadros permanentes e de complemento;
b) O reforço dos efectivos normais das unidades nelas estacionadas, de harmonia com a necessidade da defesa nas diferentes circunstâncias;
c) O aumento do número de unidades e formações na previsão de eventuais responsabilidades de defesa impostas pela situação político-militar.
Art. 24.° A actividade normal da Aeronáutica Militar desenvolve-se através de duas espécies de serviços, a saber:
a) Serviço especial da Aeronáutica, que abrange todos os órgãos e elementos que concorrem para a preparação táctica e técnica das forças aéreas, incluindo a regular manutenção do material;
b) Serviço geral da Aeronáutica, abrangendo os órgãos e elementos especialmente encarregados da segurança e administração das mesmas forças, incluindo os serviços de saúde, de administração militar, de material de guerra e outros serviços auxiliares.
§ único. O serviço especial da Aeronáutica é normalmente desempenhado por pessoal dos quadros privativos das forças aéreas, a título permanente ou eventual.
O serviço geral é, em regra, desempenhado por pessoal privativo dos quadros do exército de terra, posto u disposição da Aeronáutica na situação de adido aos quadros de origem, e ainda por pessoal dos quadros privativos das forças aéreas, eventual ou permanentemente
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incapacitado do serviço do ar, mas com robustez física suficiente para as actividades terrestres indispensáveis à .vida das forças aéreas.
Art. 25.° Na Aeronáutica Militar os oficiais do serviço do Estado-Maior não constituirão um corpo fechado. Dentro das necessidades previstas na organização dos serviços, os respectivos lugares serão preenchidos por oficiais habilitados com o curso do estado-maior existentes no quadro permanente de oficiais da Aeronáutica.
Art. 26.° A organização das forças aéreas deverá prever designadamente os seguintes serviços:
a) De instrução;
b) De transmissões;
c) De aplicações radioelectrónicas;
d) De transportes terrestres;
e) De manutenção, abrangendo o material especializado da Aeronáutica com organização própria e o material de qualquer natureza em serviço, com excepção do material de guerra e de administração militar;
f) De parque;
g) De infra-estruturas aeronáuticas;
h) De administração e contabilidade, abrangendo o processamento, contabilidade e pagamento de contas.
A organização de cada serviço deverá ter em vista a natureza especial das forças aéreas e as conveniências das operações militares em que as mesmas forças tenham de ser empenhadas.
Art. 27.° O número e a composição em tempo de paz das bases aéreas, unidades e formações independentes, bem como do respectivo pessoal especializado, constarão da lei de quadros e efectivos da Aeronáutica Militar.
CAPITULO V
Instrução das tropas da Aeronáutica
Art. 28.° A instrução pré-militar e a instrução geral militar destinada à formação das praças do serviço geral da Aeronáutica é normalmente ministrada nas unidades de infantaria ou de engenharia militar do exército de terra.
No final da instrução de recrutas são transferidas para a Aeronáutica Militar as praças indispensáveis ao preenchimento doa quadros das unidades e formações das forças aéreas.
§ único. Para a Aeronáutica Militar podem ainda transitar as praças de qualquer arma ou serviço do Exército ou da Armada que desejarem, como voluntários, seguir a carreira das armas nos quadros permanentes das forças aéreas, quando para tanto reunam as condições legais.
Art. 29.° A instrução profissional, militar e técnica do pessoal da Aeronáutica Militar, com o fim de preparação para a guerra das forças, aéreas, compreende:
a) A preparação militar propriamente dita;
b) A preparação auxiliar.
§ 1.° A preparação militar pròpriamente dita tem por fim garantir a eficiência profissional, técnica e moral das diversas unidades e formações das forças aéreas, tendo em vista a possibilidade da sua entrada imediata em operações de guerra, e compreende:
a) A instrução complementam das praças, tendo em vista a sua utilização dentro dar Aeronáutica;
b) A instrução táctica e técnica dos oficiais., sargentos é especialistas dos quadros: permanentes e milicianos.
§ 2.° A preparação auxiliar terá por fim:
a) A instrução elementar destinada a ministrar às praças os conhecimentos indispensáveis ao exercício das suas funções e a sua especialização e promoção;
b) A instrução técnica profissional necessária ao pessoal especializado das forças aéreas;
c) A instrução literário, e científica complementar destinada a facilitar o recrutamento e o aperfeiçoamento dos quadros.
Art. 30.° A instrução complementar dos disponíveis e dos licenciados far-se-á anualmente, dentro dos períodos previstos nu lei de recrutamento. Para tal efeito, os disponíveis e licenciados do serviço especial e do serviço geral da Aeronáutica Militar serão convocados por colasses paxá períodos de exercícios ou manobras e destinados às diferentes bases aéreas, a fim de ser possível:
a) Elevar aos efectivos de campanha as unidades das forças aéreas normalmente estacionadas nas bases;
b) Permitir a constituição de unidades e formações de manobra correspondentes, em quatidade e composição, às unidades das forças aéreas em operações previstas nos planos de defesa;
c) Efectuar ensaios de imobilização das unidades de campanha previstas nos respectivos planos.
Os oficiais, sargentos e especialistas do quadro permanente e de complemento nomeados para a constituição das unidades anteriormente indicadas serão, em regra, os designados para efeitos de mobilização.
§ único. Durante o período de exercícios ou manobras a que se refere o presente artigo poderá ser solicitado das autoridades militares territoriais do Exército a ocupação ou impedimento transitório de acesso a propriedades privadas, bem como a interrupção de movimento nas comunicações rodoviárias que sirvam ou interessem à zona dos trabalhos a realizar.
A lei regulará as condições de exercício do respectivo direito e a forma de indemnização dos prejuízos sofridos.
Art. 31.° A instrução para a formação dos quadros e especialistas do serviço especial da Aeronáutica será administrada:
a) Nas Escolas do Exército ou Naval e na Escola Prática de Aeronáutica para os oficiais dos quadros privativos e eventuais das forças aéreas;
b) Na Escola Central de Sargentos do Exército para os sargentos da Aeronáutica em condições de dar ingresso nos quadros dos serviços auxiliares do Exército;
c) Nos cursos de oficiais e sargentos milicianos da Aeronáutica para os oficiais e sargentos de complemento;
d) Em cursos especializados e nas escolas regimentais para sargentos e especialistas dos quadros permanentes.
Art. 32.° A instrução complementar dos quadros far-se-á:
a) Em cursos e estágios organizados nas bases aéreas ou em centros de aplicação especialmente organizados;
b) No Instituto de Altos Estudos Militares para o serviço de estado-maior e para a preparação de altos comandos;
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c) Em exercícios ou manobras anuais privativos das forças aéreas ou em cooperação com forças terrestres e navais.
§ único. A instrução complementar e o treino dos quadros e especialistas de complemento ou de reserva terá lugar nas bases aéreas, em cursos especiais organizados na Escola Prática ou durante os períodos de exercícios ou de manobras anuais.
CAPITULO VI
Disposições diversas
Art. 33.° O pessoal da Aeronáutica fica sujeito às disposições do Código de Justiça Militar e do Regulamento de Disciplina em vigor nas Forças Armadas.
O chefe do Estado-Maior das Forças Aéreas tem competência igual à dos comandantes de região militar para promover o julgamento de delinquentes das forças aéreas em tribunais militares. Será competente para conhecer dos crimes praticados pelo pessoal das forças aéreas o tribunal militar ou naval em cuja área jurisdicional os mesmos forem cometidos.
O Ministro da Defesa Nacional e o Subsecretário de Estado da Aeronáutica têm, para efeitos de justiça e disciplina, incluindo as correlativas recompensas, competência igual à estabelecida na lei para os Ministros do Exército e da Marinha.
§ único. Serão obrigatòriamente submetidos a julgamento nos tribunais militares e condenados nos termos do Código de Justiça Militar os militares das forças aéreas que, por inaptidão ou negligência, provocarem ou derem lugar a desastres ou incidentes de aviação de que resulte a perda total ou parcial do material próprio do serviço aéreo ou perigo para a vida ou para a segurança das pessoas que guarneçam ou utilizem o mesmo material como meio de transporte ou ainda provoquem em terra prejuízos graves em pessoas e bens, públicos ou privados.
Art. 34.° Para os oficiais do quadro privativo da Aeronáutica será limitado o tempo de comissão de serviço fora das tropas de Aeronáutica ou do serviço do ar.
Na colocação do pessoal dos quadros e dos especialistas deverá atender-se à conveniência de renovar o pessoal nos diferentes serviços, designadamente em relação às missões que em campanha lhes possam competir.
Os oficiais na situação de reserva poderão ser normalmente utilizados em tempo de paz nos serviços de administração ou de manutenção de material ou noutros de natureza burocrática semelhantes aos anteriormente referidos.
Lisboa, Paços do Governo da República, 24 de Janeiro de 1952. - O Ministro da Defesa Nacional, Fernando dos Santos Costa.
Proposta de lei sobre o recrutamento e serviço militar nas forças aéreas
CAPITULO I
Disposições gerais
Artigo 1.° São aplicáveis à Aeronáutica Militar as disposições da lei de recrutamento e serviço militar, com as alterações e aditamentos constantes do presente diploma.
Art. 2.° Todo o cidadão português, originário ou naturalizado, independentemente da sua filiação ou origem, pode ser obrigado ao serviço militar nas forças
aéreas, em harmonia com as suas aptidões físicas, profissionais e intelectuais e pela forma estabelecida na lei.
§ único. Nos serviços da Aeronáutica Militar, quer no ar quer em terra, podem ser admitidos, a título voluntário, naturais das províncias ultramarinas e, salvas as disposições aplicáveis do Estatuto do Trabalho Nacional, indivíduos do sexo feminino que tenham atingido a maioridade legal e satisfaçam às condições estabelecidas na lei.
Art. 3.° Serão obrigatòriamente destinados à Aeronáutica Militar todos os indivíduos da metrópole ou do ultramar apurados pelas juntas de recrutamento que:
a) Sejam possuidores de qualquer certificado de piloto de avião previsto no Regulamento de Navegação Aérea;
b) Sejam contratados ou assalariados em empresas de aviação comercial ou de turismo, nacionais ou estrangeiras, ou que exerçam a sua actividade em empresas industriais especializadas em material aeronáutico ou com elas associadas.
CAPITULO II
Operações de recrutamento
Art. 4.° Os mancebos sujeitos ao serviço militar que desejem ser incorporados na Aeronáutica Militar poderão no acto de recenseamento ou até ao final do mês de Março do ano em que o mesmo teve lugar comunicar o facto na secretaria do corpo administrativo em que são ou foram recenseados, juntando à declaração os certificados de habilitações profissionais ou técnicas que favorecem a sua pretensão.
Art. 5.° Os indivíduos apurados pelas juntas normais de recrutamento abrangidos pelo disposto nos artigos 3.° e 4.° são classificados para a Aeronáutica Militar pelas mesmas juntas. O Estado-Maior do Exército destinará ainda para a Aeronáutica, designados pelo sorteio, o número de mancebos suficiente para com os anteriormente classificados preencher o contingente anual a reservar para serviço nas forças aéreas.
Dos mancebos apurados para o serviço militar e julgados simplesmente aptos para serviços auxiliares somente poderão ser destinados à Aeronáutica os que, sabendo ler, escrever e contar, sejam especializados em qualquer profissão útil para o serviço das forças aéreas ou satisfaçam às condições referidas no artigo 3.°
Art. 6.° Até ao dia 1 de Março de cada ano o Subsecretariado de Estado da Aeronáutica indicará ao Estado-wMaior do Exército o número de mancebos do contingente anual de recrutas que deverá ser reservado para as forças aéreas.
Os mancebos destinados ao serviço especial da Aeronáutica Militar deverão ser isentos de encargos de família e ter a altura mínima de 1m,58. Em cada ano não poderão ser destinados à Aeronáutica Militar mais de 20 por cento de analfabetos em relação ao contingente a incorporar.
§ único. A distribuição do número de mancebos necessário ao serviço das forças aéreas será feita por sorteio e proporcionalmente ao número de indivíduos apurados nas regiões e comandos militares, nos distritos de recrutamento e nos concelhos ou bairros.
Art. 7.° O recrutamento para a Aeronáutica deverá em princípio ser feito:
1) De entre os mancebos que, reunindo as condições legais, declarem, no acto de apresentação à junta ou até à incorporação, desejar servir nas forcas aéreas;
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2) De entre os mancebos que, reunindo as condições estabelecidas nos artigos 5.° e 6.°, sejam em cada concelho ou bairro designados por sorteio. Dentro das condições legais estabelecidas são permitidas as trocas.
CAPITULO III
Do serviço militar nas forças aéreas
Art. 8.° Além do tempo destinado no exército de terra à educação física e pré-militar da juventude e u instrução militar do recruta, a, duração do serviço na Aeronáutica Militar é normalmente de vinte anos, repartidos por dois escalões, como segue:
Nas tropas activas - oito;
Nas tropas licenciadas - doze.
O tempo de serviço suplementar prestado nas fileiras, voluntariamente ou por imposição legal, será levado em conta nos prazos, fixados, neste artigo.
Decorridos que sejam doze anos nas tropas licenciadas, os interessados transitam para o escalão das tropas territoriais do Exército, onde permanecerão durante cinco anos, considerando-se em tempo de paz prescrita aos 4õ anos de idade a obrigação de serviço militar.
Salvo o caso de guerra ou de perigo iminente dela, os indivíduos sujeitos a obrigações militares transitarão de escalão aos 28 e aos 40 anos de idade.
§ único. Os licenciados do serviço especial da Aeronáutica poderão ser mantidos no respectivo escalão até aos 45 anos de idade. Aos licenciados do serviço geral pode ser antecipada a passagem ao escalão correspondente do Exército quando as conveniências ou as necessidades de mobilização assim o aconselhem.
Art. 9.° Na Aeronáutica Militar o tempo de serviço nas tropos activas compreendo normalmente:
1) Para os pertencentes ao serviço especial da Aeronáutica:
a) Três anos nos quadros permanentes das fileiras;
b) Cinco anos na disponibilidade.
2) Para os pertencentes ao serviço geral da Aeronáutica:
a) Dois anos no quadro permanente;
b) Seis anos na disponibilidade.
Quando as circunstâncias o exigirem, o Governo poderá determinar a continuação nas fileiras de toda ou parte da classe que terminou o tempo da obrigação normal de serviço. O Governo poderá também, quando as conveniências o aconselharem, antecipar, por sorteio, a passagem à disponibilidade, de um ano para as praças do serviço especial e de seis meses para ás do serviço geral. Aos analfabetos, enquanto não souberem ler, não pode ser antecipada a passagem à disponibilidade.
§ único. Para os recrutados obrigatoriamente incorporados nos cursos de oficiais pilotos aviadores milicianos, lei especial determinará, de acordo com as necessidades particulares da sua preparação, a duração e a forma de prestação do tempo de serviço nas fileiras.
Art. 10.° As praças na situação de disponibilidade podem ser chamadas às fuleiras da Aeronáutica, por simples aviso convocatório do comandante da base ou unidade, em cumprimento de ordem do Governo.
Quando circunstâncias extraordinárias o exijam ou aconselhem, pode ser chamado o pessoal de todas ou de algumas classes das tropas licenciadas para preenchimento dos efectivos de mobilização ou para formação de novas unidades.
Art. 11.° Em tempo de paz todos os indivíduos na situação de disponibilidade podem ser chamados a um período de instrução anual não superior a um mês. Os oficiais e sargentos milicianos, seja qual for a sua classe, estuo sempre obrigados às convocações para manobras ou para, serviço nas fileiras a que são obrigadas as praças na disponibilidade.
Art. 12.º Os indivíduos para quem finda a obrigação de serviço na disponibilidade ou nas tropas licenciadas mudam de escalão em 31 de Dezembro.
Em tempo de guerra ou em caso de perigo iminente dela o Governo pode adiar ou impedir a passagem de escalão e chamar às fileiras da Aeronáutica, por antecipação, os indivíduos que se encontrem entre os 18 e os 21 anos e que pela sua profissão ou actividade especializada possam convir ao serviço das forças aéreas.
Art. 13.° As praças da Aeronáutica pertencentes às tropas licenciadas ficam sujeitas a convocações para exercícios ou manobras, que, em regra, não excederão a duração de três semanas de cada vez nem excederão na totalidade seis meses.
As convocações para manobras dos licenciados devem, em regra, ser feitas para as bases ou unidades a que os mesmos devem pertencer em caso de mobilização.
§ único. As praças do serviço geral da Aeronáutica Militar na situação de disponibilidade e os licenciados que excederem as suas necessidades de mobilização poderão transitar para as forças de terra, por onde serão mobilizadas.
Art. 14.° Podem alistar-se voluntàriamente nas fileiras, com destino ao serviço especial da Aeronáutica, antes de atingirem a idade legal de prestação de serviço militar, os mancebos da metrópole ou do ultramar que satisfaçam às seguintes, condições:
a) Tenham mais de 17 e menos de 21 anos de idade no acto do alistamento;
b) Tenham a altura mínima de 1m,58;
c) Possuam as habilitações literárias estabelecidas na lei em relação à especialidade ou profissão a que se destinam;
d) Sejam solteiros e tenham autorização dos pais ou tutores porá o alistamento;
c) Tenham bom comportamento, estejam no pleno uso dos seus direitos constitucionais e provem respeitar os princípios fundamentais da ordem política e social estabelecidos na Constituição;
f) Não estejam abrangidos por nenhuma das excepções previstas na lei geral;
g) Tenham aptidão física, comprovada pela junta de recrutamento ou pela junta de saúde da base ou escola prática na qual se efectua o alistamento.
§ único. Os mancebos que se alistarem como voluntários nas forças aéreas obrigam-se a servir quatro anos nas fileiras, podendo, no entanto, ser determinada a sua passagem à disponibilidade no fim de três anos, ou a transferência para o exército de terra, com as obrigações de serviço correspondentes, caso venha a revelar-se inaptidão para o serviço da Aeronáutica.
Art. 15.° Podem ser readmitidas por períodos sucessivos de três anos as praças que concluírem a obrigação de serviço no quadro permanente ou se encontrem na disponibilidade e queiram regressar ao serviço nas fileiras.
São condições indispensáveis à concessão de readmissão a aptidão física, bom comportamento e manifesta vocação e aptidão profissional.
Na apreciação do comportamento será sempre levada em conta a natureza das faltas, quando estas se tenham verificado.
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Art. 16.° O número de voluntários e de readmitidos é anualmente fixado pelo Subsecretário de Estado da Aeronáutica, tendo em atenção as necessidades dos diferentes quadros, de especialistas.
Em tempo de paz o Subsecretário de Estado pode fazer cessar a obrigação de serviço nas fileiras aos readmitidos que o requeiram ou que, pelo seu comportamento, falta de aptidão ou qualidades morais, não convenha manter na efectividade.
Em tempo de guerra os readmitidos são obrigados a permanecer nas fileiras, seja qual for a classe a que pertençam.
Art. 17.° São transferidos obrigatoriamente para as companhias disciplinares metropolitanas ou coloniais do Ministério do Exército:
1) Os condenados por difamação ou injúria contra as instituições militares ou contra o Chefe do Estado e membros do Governo ou por terem provocado ou favorecido a deserção e a rebeldia contra a disciplina ou contra as leis militares;
2) Os condenados a prisão correccional por violências contra crianças, roubo, receptação e abuso de confiança;
3) Os condenados por delito de rebelião ou violências contra os agentes e depositários da autoridade ou da força e segurança públicas;
4) Os que atentem contra a eficiência e perfeito estado do material de guerra, aeronáutico ou de defesa e segurança pública de qualquer espécie ou o desviem da sua (regular utilização ou normal armazenagem;
5) Os que no acto da incorporação ou durante o serviço se reconheça professarem ideias contrárias à existência e segurança da Pátria ou à ordem social estabelecida pela Constituição Política ou ainda os que se venha a reconhecer constarem de cadastros policiais ou criminais como rebeldes às determinações da autoridade ou como implicados na prática de actos referidos em números anteriores.
§ 1.° A duração do tempo de serviço a prestar nas companhias disciplinares e por motivo de pena disciplinar será fixada pelo Subsecretário de Estado da Aeronáutica até ao máximo de dois anos.
§ 2.° O Ministro da Defesa Nacional pode mandar transferir para as companhias disciplinares, para nestas servirem até ao máximo de três anos, as praças envolvidas em actos de rebeldia, individual ou colectiva, ou arguidas da prática de faltas disciplinares de carácter grave. Igual penalidade pode ser aplicada aos sargentos e furriéis que perderem a graduação por terem sido eliminados do serviço em consequência de faltas disciplinares de carácter excepcionalmente grave.
CAPITULO IV
Recrutamento de oficiais, sargentos e equiparados
Art. 18.° O recrutamento de oficiais para os quadros permanentes das forcas aéreas poderá ser feito entre oficiais oriundos das Escolas do Exército e Naval, ou da Escola Prática de Aeronáutica para os oficiais técnicos provenientes da classe de sargentos, nas condições estabelecidas nas respectivas leis orgânicas.
O Subsecretário de Estado da Aeronáutica facultará aos candidatos que desejem seguir a carreira das armas nas forças aéreas a obtenção prévia do primeiro período do curso de pilotos aviadores milicianos ou de qualquer outro em que possa ser comprovada a aptidão para o serviço do ar.
§ único. Os naturais do ultramar com as habilitações exigidas por lei podem ingressar nas escolas militares para seguirem a carreira das armas nas forças aéreas.
Art. 19.° Os oficiais de complemento necessários à mobilização das forças aéreas são recrutados:
1.° De entre os oficiais do quadro permanente da Aeronáutica exonerados a seu pedido ou demitidos por motivos que não tenham carácter infamante ou não traduzam falta de patriotismo ou hostilidade aos princípios fundamentais de ordem política e social estabelecidos na Constituição;
2.° De entre os aspirantes a oficial miliciano de que trata o artigo 20.°
Art. 20.° Aos cursos de oficiais pilotos aviadores milicianos organizados na Escola Prática ou em qualquer outro estabelecimento das forças aéreas serão admitidos, nas condições fixadas na lei, os mancebos com mais de 17 e menos de 21 anos de idade com o 7.° ano dos liceus ou habilitações superiores e o certificado de piloto aviador de turismo ou o da classe B de voo sem motor.
O Estado-Maior do Exército destinará obrigatoriamente ao curso de oficiais pilotos aviadores milicianos os mancebos recrutados que satisfaçam às condições anteriormente referidas e, na sua falta, outros indivíduos do recrutamento normal com as habilitações mínimas indicadas, especialmente alunos da Faculdade de Ciências, da Escola de Engenharia e do Instituto Superior de Agronomia, até ao número que anualmente for comunicado pelo Subsecretariado de Estado da Aeronáutica.
São permitidas as trocas e os mancebos que revelarem inaptidão para o serviço do ar regressarão ao Ministério do Exército para serem ali destinados a outros cursos de oficiais milicianos, conforme a natureza da sua preparação literária e as necessidades de mobilização.
§ 1.° Quando as circunstâncias o aconselharem podem também ser autorizados a frequentar, a título voluntário, os cursos de pilotos aviadores os mancebos com mais de 17 e menos de 21 anos de idade com o 7.° ano dos liceus ou habilitações superiores, independentemente da obrigação de apresentação do certificado de piloto aviador de turismo ou de voo sem motor.
§ 2.° Os oficiais milicianos da Aeronáutica que no fim de dois anos de serviço nas esquadrilhas tenham revelado especial aptidão para a carreira das armas poderão ser admitidos à frequência do curso de aeronáutica da Escola do Exército, nas condições estabelecidas na lei.
Art. 21.° Aos cursos de sargentos pilotos aviadores pão anualmente destinados pelo Estado-Maior do Exército, dentro do número fixado pelo Subsecretariado de Estado da Aeronáutica, os mancebos aptos para o serviço militar que possuam as habilitações literárias estabelecidas na lei e o certificado de aprovação no curso de piloto de avião de turismo ou da classe B de voo sem motor. Podem igualmente ser inscritos nos mesmos ou noutros cursos de preparação de especialistas de aeronáutica indivíduos com mais de 17 e menos de 21 anos de idade que a título voluntário desejem seguir a carreira da aviação e satisfaçam às condições, estabelecidas na lei.
§ único. Aos cursos referidos no corpo deste artigo podem ainda ser obrigatoriamente destinados mancebos aptos para o serviço militar com as condições de habilitações profissionais previstas na lei, sempre que por outra forma não tenha sido possível preencher as vacaturas abertas.
Art. 22.° As praças habilitadas com o curso de piloto aviador ou qualquer outro curso especializados da Aero-
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náutica são obrigadas ao mínimo de dois anos de serviço nas forças aéreas. Os que não obtiverem aproveitamento nos mesmos cursos regressarão ao Ministério do Exército e ali cumprirão a obrigação normal de serviço militar a que legalmente estiverem sujeitos.
§ único. Os cursos de praças pilotos e os restantes cursos especializados da Aeronáutica poderão ser frequentados por primeiros-cabos da Aeronáutica, da Armada ou do Exército que, além das condições gerais exigidas, tenham bom comportamento militar e informação favorável quanto à sua aptidão profissional e dedicação pelo serviço.
Art. 23.° O Estado subsidiará a formação de pilotos aviadores civis de indivíduos com menos de 20 anos de idade e condições especiais previstas na lei, bem como a manutenção em estado de treino dos habilitados com menos de 30 anos de idade.
O Subsecretariado de Estado da Aeronáutica ipode opor-se ao treino de todos os pilotos que não possuam em alto grau o sentimento de devoção à Pátria, não dêem garantia de cooperar na realização dos fins superiores do Estado e não defendam os princípios fundamentais da ordem política e social estabelecidos na Constituição.
Podem igualmente ser mandadas encerrar todas as escolas civis de pilotagem que não dêem as garantias anteriormente referidas.
§ único. Nos casos relativos às províncias ultramarinas a competência atribuída ao Subsecretário de Estado só pode ser exercida ouvidos o Ministro do Ultramar e os governadores respectivos.
Art. 24.° Na preparação e organização dos seus cursos o Instituto dos Pupilos do Exército procurará orientar os seus alunos nos .conhecimentos indispensáveis ao futuro ingresso destes nas forças aéreas.
Art. 25.° Para o ingresso em qualquer cargo da organização civil e comercial, quer do Estado quer das empresas concessionárias de transportes aéreos que exerçam a sua actividade em território nacional e sejam subsidiadas pelo Estado, terão preferência absoluta os indivíduos que, além das condições normais estabelecidas na lei ou fixadas no concurso respectivo, estejam habilitados com qualquer curso especializado das forças aéreas.
Lisboa, Paços do Governo da República, 24 de Janeiro de 1952. - O Ministro da Defesa Nacional, Fernando dos Santos Costa.
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302 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 126
CÂMARA CORPORATIVA
V LEGISLATURA
PARECER N.º 24/V
Protocolo Adicional ao Tratado do Atlântico Norte
A Câmara Corporativa, consultada nos termos do artigo 103.º da Constituição acerca do Protocolo Adicional ao Tratado .do Atlântico Norte, relativo a adesão da Grécia e da Turquia, emite, pelas suas secções de Política e administração geral e Defesa nacional, às quais foi agregado o Digno Procurador Pedro Teotónio Pereira, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
O Governo submeteu à aprovação da Assembleia Nacional, para efeitos de subsequente ratificação, o Protocolo Adicional ao Tratado do Atlântico Norte, que diz respeito à adesão da Grécia e da Turquia ao referido instrumento diplomático.
Ao abrigo do artigo 10.° do Tratado, o Governo dos Estados Unidos da América propôs que aquelas duas nações se associassem à defesa do Ocidente, sugerindo como fórmula mais apropriada a sua adesão pura e simples ao Pacto do Atlântico.
Foi essa sugestão devidamente considerada pêlos Estados comparticipantes e pelos diversos órgãos da N. A. T. O. e em Setembro último, na sua reunião de Otava, o Conselho do Atlântico pronunciou-se (por unanimidade, como é de regra) a favor da adesão daquelas nações.
Em consequência de tal deliberação surge o presente Protocolo, que foi já assinado em Londres em 17 e 22 de Outubro findo pêlos representantes de todos os Estados membros do Pacto.
No breve relatório do Governo que acompanha o instrumento do Protocolo submetido à aprovação da Assembleia Nacional afirma-se que a decisão unânime dos firmantes do Pacto assentou no reconhecimento da extrema conveniência e até necessidade de associar os dois países ao sistema defensivo das potências do Oeste. E também se diz no mesmo relatório que o nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros, ao dar o seu voto de concordância na reunião de Otava, exprimiu a satisfação do Governo Português «por ver alinharem connosco nações tão dignas e valorosas».
Esta extensão do sistema de defesa do Pacto, na fase actual da Organização e em presença das circunstâncias de ordem internacional que se nos deparam, parece não carecer de mais justificação. De lamentar é apenas que, associando-se mais países ao grupo do Pacto e ampliando-se, aliás com bastante lógica, a posições no Mediterrâneo de incontestável importância o sistema defensivo do Ocidente, se não veja ainda a Espanha incluída entre as potências do Pacto.
A Câmara Corporativa, cônscia do que significou o Tratado do Atlântico Norte, que veio unir os Estados Unidos da América às nações do Oeste da Europa para a defesa do património da civilização cristã e ocidental, é de parecer que o presente Protocolo deve ser aprovado pela Assembleia Nacional, para ratificação pelo Chefe do Estado na forma da Constituição.
Palácio de S. Bento, 22 de Janeiro de 1952.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Afonso Rodrigues Queiró.
José Joaquim de Oliveira Guimarães.
Rafael da Silva Neves Duque.
Joaquim de Sousa Uva.
Pedro Teotónio Pereira, relator.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA