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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 132
ANO DE 1952 5 DE MARÇO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 132 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 4 DE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aborta a sessão às 16 horas e 24 minutos.
Antes da ordem do dia. - Usaram da palavra os Srs. Deputados Santos Bessa, para agradecer o voto de sentimento ontem proposto; Vaz Monteiro, sobre o Decreto-Lei n.º 36:662, e Pinto Barriga, acerca do regime recentemente promulgado sobre exportações.
Ordem do dia. - Continuação do aviso prévio acerca do excesso demográfico português, relacionado com a colonização e emigração, do Sr. Deputado Armando Cândido.
Usou da palavra Vaz Monteiro requereu a generalização do debate.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 16 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
António Abrantes Tavares.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria, Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
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João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manoel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 70 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 24 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Santos Bessa.
O Sr. Santos Bessa: - Pedi a palavra para agradecer a V. Ex.ª o voto de sentimento ontem proposto e aprovado pela Assembleia Nacional.
O Sr. Vaz Monteiro: - Sr. Presidente: com a publicação do Decreto-Lei n.º 38:662, de 29 de Fevereiro do corrente ano, são estabelecidas secções do Arquivo de Identificação nas capitais das províncias ultramarinas, com competência igual às secções de identificação de Coimbra e do Porto e ligadas ao Arquivo de Identificação de Lisboa.
Desta maneira vai ficar unificado em todo o território português e sistema de identificação civil.
Era esta uma velha aspiração dos portugueses nascidos ou residentes no ultramar.
E já na Assembleia Nacional o nosso ilustre colega José Cardoso de Matos chamara a atenção do Governo para a necessidade que havia de conceder validade na metrópole aos bilhetes de identidade passados nas províncias ultramarinas.
Era realmente flagrante o que se passava relativamente à falta de validade na metrópole dos bilhetes de identidade passados no ultramar.
Serviam aqueles bilhetes para identificar as pessoas que desejassem obter passaporte para o estrangeiro quando este fosse requerido no ultramar; mas não tinham qualquer validade na metrópole.
E aconteceu por vezes que pessoas nascidas no ultramar ou ali residentes há muito tempo sentiam as maiores dificuldades quando desejavam embarcar de regresso às suas províncias, por falta de validade dos seus bilhetes de identidade.
Essas dificuldades às vezes tornavam-se insuperáveis o acarretavam contrariedades e prejuízos incalculáveis. Posso citar como exemplo o que aconteceu com um casal: o marido embarcou e foi obrigado a deixar a esposa na metrópole somente porque esta nascera no ultramar e o seu bilhete de identidade não tinha validade alguma aqui.
Felizmente que estas contrariedades e prejuízos vão acabar, graças à iniciativa do Sr. Ministro do Ultramar e aos seus esforços e do Sr. Ministro da Justiça para se encontrar finalmente a solução de um problema que há muitos anos se arrastava e era motivo para justificados queixumes por parte dos portugueses de além-mar.
Desejo, pois, Sr. Presidente, manifestar ao Governo, e especialmente aos Srs. Ministros do Ultramar e da Justiça, o agradecimento dos portugueses do ultramar por se ter unificado o sistema de identificação civil em todo o território nacional.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Pinto Barriga: - Tenho ventilado largamente nesta Assembleia o problema das exportações e as operações monetárias a elas respeitantes, era de um elementar dever de justiça e de cortesia apresentar as minhas felicitações ao Governo pelo Decreto-Lei n.º 38:659.
Os aumentos sucessivos das nossas exportações na área da União Europeia e Pagamentos tinham-nos trazido ultimamente graves consequências quanto às operações respeitantes a esses pagamentos; tinha sido reduzida de 50 a 20 por cento a nossa quota-ouro, o que, inevitavelmente, mais acarretaria uma inflação, pela necessidade de o Banco de Portugal fazer face. à troca de divisas sem o imediato poder de compra, isto é, com um poder de compra diferido. Este problema foi abertamente exposto por mim em diferentes debates nesta Casa que com ele se relacionavam. Exportar em excesso nestas condições é fatalmente cair numa inflação sem contrapartida de valores-ouro.
Foi isso que esse decreto - faça-se a elementar justiça - procurou evitar, mas só muito discretamente no artigo 13.º o previu, não distinguiu entre a corrente normal e tradicional de exportação, que deve ser acarinhada, e o surto oportunista de exportadores, que deve ser particularmente vigiado. Havia que estabelecer uma escala de congelação, uma hierarquia de forma a proteger a expansão normal, que equilibradamente se mantém dando os legítimos interesses ao comércio e à produção, e ao oportunista que joga na alta dos preços internacionais, arrecadando lucros que só fazem em detrimento dos valores da produção.
Esse problema subia de ponto quando essa questão fosse focada em relação à área do dólar, que nos rende «invisíveis» que se somem na areia movediça dos interesses e que nos merecem esse qualificativo, mesmo para fora do significado técnico-económico do termo...
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Tenha a bondade.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Essa escala de congelação, essa hierarquia, estão previstas no próprio decreto a que V. Ex.ª se está referindo.
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O Orador: - Pois é justamente o que eu estou a dizer. Deixe V. Ex.ª que eu continue a apreciação que estou fazendo deste decreto para depois apreender completamente o meu pensamento.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Peço perdão, mas nesse decreto que V. Ex.ª está a criticar tão vivamente está previsto aquilo que V. Ex.ª disse deveria ser estabelecido.
O Orador: - Eu estou apenas a elogiar o conteúdo do decreto a que me refiro. V. Ex.ª é que quer aumentar a minha possibilidade de crítica (risos). Ainda falta um bocadinho para terminar o meu raciocínio.
O Sr. Mário de Figueiredo: - A matéria de que V. Ex.ª está tratando é daquelas sobre que precisamos todos de ser esclarecidos. Ora V. Ex.ª está a dizer que se atingiu indiscriminadamente a exportação.
O Orador: - Exactamente.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Pois ou digo a V. Ex.ª que essa afirmação não é exacta.
O Orador: - Isso é. Para melhor elucidação, tem V. Ex.ª aqui o decreto, que pode ler.
O Sr. Mário de Figueiredo:-Eu sei muito bem o que diz o decreto! Direi a V. Ex.ª até qual a disposição em que me baseio para fazer a afirmação de que não é exacto aquilo que V. Ex.ª disse; o artigo 13.º do decreto estabelece:
O Conselho de Ministros para o Comércio Externo poderá, mediante aviso publicado no Diário do Governo, exceptuar quaisquer mercadorias do disposto neste diploma.
O Orador: - Mas eu referia-me, sobretudo, àqueles pagamentos que não estão dentro da área da União Europeia de Pagamentos, e não a essa parte que V. Ex.ª acaba de citar. Mas, mesmo quanto a essa parte, o artigo 13.º não fala em hierarquia, mas apenas na possibilidade de isentar mercadorias do disposto neste diploma. O que é preciso é respeitar os fundos de maneio, de roulement, dos exportadores normais, que têm de ser classificados como tais. O artigo refere-se a mercadorias, mas atrás das mercadorias estão as pessoas; isto é que é preciso ter em atenção, senão a intenção do legislador ficaria frustrada.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Então a que pagamentos se referiu V. Ex.ª?
O Orador: - Aos da área do dólar.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Pois bem; o intuito do decreto que V. Ex.ª está analisando é precisamente o de fomentar as exportações para a área do dólar - assim o interpreto- e procurar reduzi-las para a área da União Europeia de Pagamentos.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Mário de Figueiredo: - E, sendo assim, como se compreende então aquilo que V. Ex.ª está a dizer?
O Orador: - Eu explico melhor.
O nosso pais fazia exportações para a área da União Europeia de Pagamentos sem que visivelmente parecesse estar ligado por acordos a quaisquer quotas. Ora
aquela organização, em face do nosso aumento extraordinário de exportações, reduzia a percentagem do pagamento-ouro das nossas exportações para a mesma área, equacionando-a com a mesma porção de ouro que recebíamos, sendo a parte restante, isto é, o excesso, trocada no Banco de Portugal. E então, como não tinham essas divisas poder de compra directo, dava lugar esse excesso à inflação, sendo esse o motivo por que felicitei o Governo pela doutrina e prática do decreto a que me refiro.
O Sr. Mário de Figueiredo: - O que V. Ex.ª acaba de dizer é outro aspecto da questão, mas a afirmação de que se abrangeram indiscriminadamente as exportações não é exacta.
O Orador: - O Governo procurou evitar que se fizesse uma inflação que não trazia resultados para o País, mas a verdade é que, havendo exportadores que exportam normalmente e havendo os oportunistas, o decreto indiscriminadamente bloqueou uns e outros, o que não me parece razoável, e portanto há que completar o que o decreto vem estabelecer. Não basta o artigo 13.º, ou, melhor, tem de ser bem aproveitado o artigo 13.º
Agradeço a V. Ex.ª a sua interrupção, que, superior como sempre, me obrigou a reflectir e trazer o problema a esta Câmara com mais clareza.
Vou terminar dizendo que fica assim expresso o voto de confiança que dou ao Governo para continuar a obra que foi iniciada com esse decreto.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Armando Cândido para continuar o seu aviso prévio acerca do excesso demográfico português, relacionado com a colonização o a emigração.
O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: a valorização integral dos recursos internos bastará para vencer a dificuldade de dar trabalho, satisfação e arrumo aos nossos saldos populacionais, cada vez maiores e cada vez mais exigentes?
Diria que sim, se a velocidade de estudar e o ritmo de executar se mostrassem capazes de seguir a progressão dos saldos e se os próprios recursos a utilizar chegassem para absorver a progressão. Mas é impossível. Valorizar e multiplicar as fontes de produção no continente e nas ilhas adjacentes não é obra que subjugue em curto prazo as necessidades existentes e deixadas avolumar. Tão-pouco será remédio que chegue sempre para as necessidades futuras. Dou lugar à observação feita no relatório do VIII Recenseamento Geral da População:
Quando todos os concelhos ao sul do Tejo, dos distritos do Santarém, Portalegre, Setúbal, Évora e Beja, que têm menos de sessenta habitantes por quilómetro quadrado, tivessem atingido essa densidade, ter-se-ia conseguido um limite elevado de povoamento agrícola e colocado apenas um escasso milhão de pessoas. Seria apenas o saldo líquido de um ano.
Por tudo isto, quo mais não soja, temos de activar o fomento e o povoamento das províncias ultramarinas, como segundo meio ou processo de equilíbrio para ser compreendido e praticado à uma com o primeiro.
Usei, ao apresentar este meu aviso prévio, as palavras «colonizar» e «colonização». Vou eliminá-las, tanto quanto
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possível, do curso das minhas considerações. Não por soarem mal aos nossos ouvidos de portugueses experimentados na arte de civilizar povos e de criar nações, mas por esse rumor que se eleva de certos arraiais muito interessados na sorte dás populações atrasadas ou simplesmente muito agitados na pressa do lhes dar imediata autonomia. O certo é que à sombra destas duas bandeiras medra e activa-se o guloso interesse de um forte imperialismo comercial e de um perigoso imperialismo ideológico, um e outro acesos no desígnio de frutificarem e progredirem sobre a base económica da sua expansão.
Como a justiça, em especial a das nações, não foge à invenção dos fracos, assinalada nos diálogos de Platão, não há remédio senão ir com os tempos e transigir na nomenclatura, embora há muito o nosso conceito de nação envolva todas as parcelas do território pátrio amalgamadas e fundidas numa só peça.
Uma só peça, sim: pela terra indivisível; pela epopeia que bem eu o chão; pelo fervor que une o agregado; pela vida que enche a História; pelo vento do largo, habituado à têmpera portuguesa; pelo mar, que não nos desperta confusão nenhuma e faz parte da nossa casa.
Reformámos a Constituição e nela deixámos bem expressa a nota de que «as províncias ultramarinas, como parte integrante do Estado Português, são solidárias entre si e com a metrópole» e que essa solidariedade consiste na obrigação de contribuir para assegurar a integridade e defesa de toda a Nação.
Neste sentimento, nesta prática de unidade, se recorta e fixa toda. a nossa marca de povo livre e independente.
Não alienar, por nenhum modo, qualquer parte do território nacional ou dos direitos de soberania que sobre ele o Estado exerce é princípio e regra constitucionais de que se não abdica ou foge. E quando passámos a designar por províncias os nossos territórios ultramarinos foi para traduzir um estado e unidade que já existia de facto e de direito.
Como não podia deixar de ser, explicámos e precisámos o nosso «pensamento colonial»:
É da essência orgânica da Nação Portuguesa desempenhar a função histórica de colonizar as terras dos Descobrimentos sob a sua soberania e de comunicar e difundir entre as populações ali existentes os benefícios da sua civilização ... (artigo 133.º).
Definição simples, correcta, e justa.
Os Portugueses «foram os primeiros colonizadores europeus e as ilhas do Atlântico o primeiro exemplo de colónias propriamente ditas» - rectifico, de colónias de povoamento. Mas esse nosso grande desígnio de colonizar, que nasceu com o barro da História, não constitui uma missão à parte: juntou-se ao próprio barro e transfigurou-se com ele no corpo vivo dos sacrifícios com que levamos as luzes da civilização às regiões mais bárbaras e escuras.
Deste mesmo lugar, na sessão de 1 de Março de 1950, de protesto contra as declarações do pândita Nehru no Parlamento de Nova Deli, o comandante Sarmento Rodrigues apanhou, nesta síntese admirável, toda a essência do nosso esforço no Oriente:
Na índia nada mais temos feito do que servi-la.
Parafraseando, direi:
No Mundo nada mais temos feito do que servi-lo. Mas não é Portugal repartido em pedaços flutuantes; é Portugal com as suas fronteiras riscadas pelo sangue
de heróis e de mártires, cônscio do seu esforço, pleno da sua razão.
Admitindo nos territórios ultramarinos - atento o estado de evolução das suas populações - «estatutos especiais que estabeleçam, sob a influência do direito público português, regimes jurídicos de contemporização com os seus usos e costumes, se não forem incompatíveis com a moral e os ditames de humanidade», demonstramos aceitar a existência cie uma cultura indígena.
Assegurando naqueles territórios sa liberdade de consciência e o livre exercício dos diversos cultos, com as restrições exigidas pêlos direitos e interesses da soberania de Portugal, bem como pela manutenção da ordem pública, e de harmonia com os tratados e convenções internacionais», provamos a nossa avisada tolerância e o nosso respeito pelas realidades espirituais vivas na personalidade do homem de cor, primitivo ou evoluído.
Ressalvando para as províncias ultramarinas uma «organização política administrativa adequada à situação geográfica e às condições do meio social» e garantindo-lhes sa descentralização administrativa», varremos, de vez, o erro liberalista do nivelamento absoluto, cimentando o conceito de unidade contra o de autonomia plena e o de diversidade contra o de unidade prejudicial.
Ordenando às autoridades e aos tribunais que impeçam e castiguem, «nos termos da lei, todos os abusos contra a pessoa e bens dos indígenas», oferecemos o exemplo da nossa prática do humanidade, compreensível, sensata, cristã.
Estabelecendo instituições públicas, promovendo a criação de instituições particulares em favor dos direitos das raças primitivas ou para a sua assistência, remunerando-lhes o trabalho, garantindo-lhes a propriedade e a posse dos seus terrenos o culturas, protegendo-as e delendendo-as dos regimes de sujeição a quaisquer empresas de exploração económica, revelamos o espírito de justiça necessário, como primeiro valor moral, à transmissão dos nossos princípios sociais.
Integrando a organização económica do ultramar na organização económica geral da Nação, de modo a poder comparticipar na economia mundial, manifestamos conhecer e viver as graves responsabilidades da hora presente, que é de chamada e mobilização de todos os recursos para uma melhor satisfação das necessidades mundiais.
Estas directrizes não estão só postas no diploma fundamental da Nação Portuguesa - a Constituição; são observadas e praticadas sem desfalecimento e em constante progresso dos factores de produção, ordenados e integrados numa estrutura corporativa que mais se justificou e mais se engrandeceu através das duras experiências da guerra.
Se o sistema dos mandatos, saído do Pacto da Sociedade das Nações, chocou as bases da filosofia política tradicional em matéria de colonização, não nos serviu o aviso, por termos acompanhado sempre as naturais pressões para a precisa evolução da ciência colonial.
Se o compromisso assumido pelos membros dessa Sociedade para assegurarem, nos territórios submetidos à sua administração, «um trato equitativo às populações indígenas» constituiu um sério apelo à consciência dos países coloniais, nós estamos na base desse apelo, pelas lições de política colonial que temos dado.
Se as novas regras escritas no Código do Direito Colonial levaram algumas nações ao reconhecimento dos interesses dos povos indígenas e da necessidade de promover o seu bem-estar, criando um certo zelo internacional sobreposto à forma de administrar os territórios dependentes, nós é que concorremos, em larga medida, para o despertar desse zelo, em virtude dos nossos processos de assimilação dos povos atrasados.
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Se as dúvidas cresceram por causa do acesso aos mercados e às matérias-primas em regime de boa cooperação e colaboração internacionais, nós nunca nos negámos, guardada a inteireza da soberania nacional e ressalvadas as necessidades do abastecimento interno, a admitir o convívio das outras nações, pelo comércio das existências e dos produtos considerados essenciais ou imprescindíveis à vida de todos.
A reacção contra a escravatura, ainda viva e animadora de outras reacções; o sentimentalismo despertado pelas explorações de Livingstone; a doutrina da tutela condensada no termo inglês trusteeship; os princípios formulados por estadistas e estudiosos à Lord Hailey ou à Sr. Rychmans, que sobrepõem aos direitos históricos das potências a tutela por elas exercida sobre povos ainda incapazes de governar-se, de tal forma que «os agentes de colonização terão de justificar-se da maneira como exerceram os deveres de tutores»; a escola que deseja retirar os poderes de administração aos países coloniais para os entregar a um corpo internacional; a ideia, perfilhada pelo marechal Smuts, dos conselhos regionais para administrarem grupos de colónias; essa criação do mandato dual (dual mandate), que desdobra a administração de uma potência colonial em funções tutelares, com vista a promover a melhoria social das populações atrasadas, e em funções de defesa dos interesses dessas populações, com vista à defesa e ao benefício dos interesses de todo o Mundo; a ideia, de origem e marca inglesas, «das colónias associadas nos destinos colectivos do Império»; a formação de comunidades à semelhança da união holando-indonésia; a «abolição do sistema colonial, a proclamação de uma Carta Colonial Internacional e a organização de um organismo colonial internacional com extensos poderes»; a declaração do Sr. Sumner Welles -em oposição à do Sr. Churchill nos Comuns - de que os princípios da Carta do Atlântico «deviam ser garantidos no Mundo inteiro, em todos os continentes e oceanos»; os votos do partido trabalhista britânico no mesmo sentido e igual parecer da Comissão América para a África defendendo s a aplicação simples dos oitos pontos da Carta aos territórios africanos»; os dezanove artigos da Carta das Nações Unidas dedicados à regulamentação da matéria colonial, reconhecendo a primazia dos interesses dos habitantes dos territórios dependentes, o dever de favorecer, a sua evolução progressiva para a sua capacidade de auto-administração ou para a sua independência, «a igualdade de tratamento no domínio social, económico e comercial para os membros das Nações Unidas e seus nacionais e o respeito pêlos interesses e a prosperidade do resto do Mundo, nos territórios metropolitanos e coloniais, a obrigação de praticar essa. política, fundada no princípio geral da boa vizinhança e de desenvolver o sentimento da interdependência dos povos do Mundo, e a organização de um corpo internacional de controle, constituído por número igual de membros das Nações Unidas que administrem e de membros que não administrem territórios sob tutela»; o pensamento colonial americano resumido por Wendel Willkie no livro All one World: «Na África, no Médio Oriente, em todo o mundo árabe, bem como na China e no resto do Extremo Oriente, liberdade significa abolição ordenada, mas sistemática, do regime colonial»; esses arranjos para a reconciliação das nações desavindas que se têm tentado nas chancelarias à mira do nosso Portugal de África; a imediata independência dos «povos não autónomos» requerida pela Rússia comunista; esse famoso ponto 4.º do discurso do Presidente Truman de 20 de Janeiro de 1949 sobre as grandes diferenças de desenvolvimento técnico e de níveis de vida entre as nações do Mundo, determinantes de uma acção conjunta e solidária, através da O.N.U., dos estados economicamente
desenvolvidos a favor dos estados atrasados, de modo a que todos beneficiem, ponto que tem dado lugar a muita dedução, mas que não se pode entender, nem nós nunca entenderemos, a favor do interesse russo na desagregação interna de certos países do Ocidente, pela divisão e subversão dos valores físicos e morais que lhes formam a unidade nacional; esse interesse ultimamente manifestado por alguns países, como a Holanda, até há pouco indiferentes às possibilidades do continente negro - toda essa longa teoria de críticas e de planos, suposições e comentários, de acordos em prática e de desejos em curso, que têm preocupado algumas consciências boas e alimentado muitas ambições ruins, que têm gerado erros sem remédio e abusos sem perdão, que têm escondido propósitos de expansão imperialista de fundo estratégico e servido para negociações secretas, de fundo desonesto, toda essa espécie de afirmações e de regras, borbulhantes de ardoroso ou de aparente humanitarismo, não sobreleva os desígnios de trabalharmos e possuirmos a terra que a História nos deu para nosso bem e para bem do Mundo e a verdade de que não temos dentro das fronteiras ultramarinas questões de raça, de religião ou de política que incomodem sequer a unidade nacional.
Realizámos a maior multiplicação do esforço humano que jamais se registou -um escasso milhão- e tivemos gente para morrer e sobreviver em todas as latitudes.
Povo que meteu pé nas ilhas do Atlântico, que foi de Sagres à índia, à China, à Insulíndia, às Américas, que não largou os rastos e os afrontou de novo e sempre, carreando almas para a construção de mais povos, tem o direito de continuar a sua missão sagrada.
Saboreamos esta definição de Salazar:
Nós somos filhos e agentes de uma civilização milenária que tem vindo a elevar e converter os povos à concepção superior da própria vida, a fazer homens pelo domínio do espírito sobre a matéria, pelo domínio da razão sobre os instintos.
Não exterminámos as raças nativas; não criámos barreiras de cor: dignificámos as populações atrasadas, civilizando-as, para as integrar no nosso todo moral, político e económico.
Quem criou um Brasil - uma das melhores obras que as sociedades da Europa cometeram - não recebe lições.
Éramos poucos e enchemos um mundo maior. Hoje somos mais e o nosso mundo é Portugal só, Portugal de aquém e além-mar, «Estado unitário com um só território, uma só população e um só Governo».
Acabou-se a preocuparão dos homens práticos sobre «os encargos produzidos pelas colónias», que o Prof. Emídio da Silva resumia, na vantagem do ganho sem soberania contra o luxo de uma soberania sem ganho. Há que nacionalizar, que robustecer, «pela única forma ao nosso alcance, a efectividade dos nossos direitos, que não podem, mesmo sob o ponto de vista moral, viver exclusivamente das tradições históricas, por mais altas e honestas que elas sejam».
Temos de continuar a responder à Conferência de Berlim de 1885 com o título, cada vez mais autorizado, de uma ocupação tão real o tão forte de energias que já se não distinga onde começa a vibração do amor pátrio.
Se querem atribuir ao significado de colónias, colonizar, colonização o significado de domínio para fazer negócio ou de exploração de povos atrasados, eu direi que essas três palavras representam conceitos que não entendemos nem praticamos.
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Os Portugueses estão habituados a traduzir «colonizar» por «Fé, Trabalho, Paz e Progresso», tal qual como disso o então governador do Congo Belga, Dr. Eugène Junger, no discurso com que brindou o actual governador-geral de Angola durante a recente visita por este feita àquela colónia.
E o que se está dando, e continuará a dar com mais força, não é bem unia corrente colonizadora, não é uma emigração para as colónias, é uma migração interna das províncias de Portugal da Europa para as províncias de Portugal do ultramar, importando o alargamento rácico e a difusão crescente dos benefícios da nossa civilização.
O que se vê é um país rico de actividades criadoras que se estão repartindo e se distribuirão em maior ritmo por todo o território nacional.
Não é só o sangue que se obriga a fluir nas veias da Nação; é a necessidade de equilibrar o peso demográfico e de valorizar o conjunto económico.
Fenómeno de migração interna, com as suas consequências económicas, sociais e políticas, cujo desenvolvimento nos cumpre acelerar.
E cabe a pergunta:
Bastará uma acção migratória bem ordenada e dirigida para as províncias do além-mar, à uma com a valorização do solo das províncias de aquém-mar e o melhor arruino dos seus habitantes, para enfrentar as crises derivadas da superabundância do nosso capital humano?
Sujeitando os dois meios ou processos de equilíbrio a uma prática conveniente, nada mais seria preciso. Mas temos de considerar uma terceira força - a emigração.
Sei que o tema é tão vasto e complexo que o professor da Faculdade de Direito de Lyon René Gonnard, só conhecesse outro termo menos pretensioso, nem sequer tinha chamado «ensaio» à sua História da Emigração.
Mas eu não pretendo tratar o assunto; proponho-me tocá-lo em certos aspectos, e o primeiro é este de responder àquela triplico interrogação a que o Prof. Fernando Emídio da Silva prende o futuro da Raça e da Pátria:
1) Deve conservar-se o statu quo em matéria de emigração portuguesa, predominantemente no seu destino brasileiro?
2) Deve antes neutralizar-se o êxodo pela fixação mais produtiva da população na metrópole, independente ou dependentemente da sua melhor distribuição?
3) Ou devem desviar-se do continente americano para a nossa África, particularmente para o planalto de Benguela, no todo ou em parte, os nossos contingentes emigratórios?
Em primeiro lugar, e sem a mais leve sombra de desrespeito, não concordo com a designação «contingentes emigratórios» que o ilustro professor usa ao referir-se ao desvio para a nossa África do fluxo emigratório que se dirige para o continente americano.
Emigração é a deslocação em corrente dos habitantes de um país para o exterior. Este é o conceito fundamental, a que só junta o intuito de permanência ou demora e exercício das faculdades produtoras no local do destino, para não fugir à definição dada pelo próprio autor da Emigração Portuguesa.
Ora as nossas províncias ultramarinas não só fazem parte integrante do País, como não podem ser consideradas «exterior», dele afastadas ou desirmanadas.
Se Portugal é a realidade una, que não discutimos e afirmamos indiscutível, deixemos, por uma vez, de falar em emigração para as províncias do ultramar.
O prolongamento da Nação não deixa de ser Nação em si mesma.
Quando designamos por de «além-mar», do «ultramar» ou «ultramarinos» os nossos territórios separados pelo mar, de modo nenhum nos queremos referir à descontinuidade geográfica que serviu a De Lannoy C. (La colonistique - Définition et Méthode), a Ratzel F. (Politische Geographie) e a Dechesne L. (Economie Coloniale), todos citados pelo Prof. César Cosciani nas suas Lezioni di Economia Coloniale, para distinguir «colónia» de «território metropolitano».
Repelimos a descontinuidade geográfica como elemento fundamental de tal distinção.
Esse elemento não existe para nós.
Construímos com o mar tanta geografia que o mar está dentro das nossas fronteiras.
O mar não separa terras portuguesas.
Melhor ensinam «ao imenso e possível oceano», as quinas desses Padrões formosíssimos da Mensagem de Fernando Pessoa:
Que o mar com fim será grego ou romano;
O mar sem fim é português.
Sr. Presidente: entendido que por emigração, e contra o uso estabelecido, tomo só a corrente de saída dos habitantes de um país para outro ou para território desse outro país dependente, ponho o problema:
Convirá manter ou suprimir a nossa emigração ?
A pergunta tornou-se candente em 1872 pelo clamor levantado por todo o País contra a fuga dos braços válidos e contra a condição servil a que eram sujeitos os emigrantes em alguns pontos da América meridional.
A Câmara Popular desse tempo encarregou então alguns Deputados de procederem a inquérito que satisfizessem «a justa ansiedade do povo».
Com o são velhos os assuntos deste Mundo que a gente renova, julgando, por vezes, tratá-los em primeira mão!
Arrimada à letra bíblica, que mostra a aspiração e a miséria como determinantes das emigrações humanas, lima das passagens do relatório é esta:
Assim temos que a emigração outra coisa não é senão um direito natural e determinado por causas naturais.
Outra passagem:
No desenvolvimento da civilização revela-nos a História que, longe de ser um mal, a emigração fez benefícios valiosos, unindo laços quebrados da família humana que as convulsões físicas tinham dispersado sobre as diferentes zonas do Globo.
Saliento a nota:
Apesar da opinião pública encarniçada, ao tempo, contra a emigração, a Câmara dos Deputados não concluiu pelo seu banimento.
Reúno toda a vasta sorte de opiniões contrárias na frase de Léon Say, de que a emigração de 100:000 homens, com o capital relativo que os segue, representa a perda de um exército de outros tantos homens com armas e bagagens.
E, não querendo entrar na querela com a clava do dogma, direi que não considero o emigrante como elemento perdido ou desperdiçado, desde que se lhe não falte com o carinho e a lembrança constante da Mãe-Pátria.
Para o destino de Portugal o primeiro argumento a favor da emigração é o do mandato histórico que nos assiste com referência ao Brasil.
Desconfiando das nossas possibilidades na África portuguesa, e chegando mesmo a negá-las, Oliveira Martins, no seu livro O Brasil e as Colónias Portuguesas,
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insurge-se contra o desvio da nossa corrente emigratória para Angola e Moçambique.
Não lhe sigo o rasto, mas recordo e apoio, na essência, o sentido deste passo:
Teríamos destruído uma obra de séculos, a melhor obra de que reza a nossa história; teríamos desportuguesado o Brasil, desde que deixássemos de alimentar o progresso da sua população com as efusões de sangue vivo que normalmente lhe enviamos.
A questão não pode ser vista nestes termos tão redondos a propósito da emigração para os Estados Unidos da América do Norte, mas há também um imperativo moral, com raízes mergulhadas no terreno político e histórico, que nos obriga a manter frescas e renovadas as virtudes patrióticas dos muitos portugueses que dão à grande nação americana o seu honrado e frutuoso labor: se o agregado luso se mantiver são e coeso, elevará o nome de Portugal, e essa consequência tem reflexos de natureza política, que mais não seja internacional; se os emigrantes portugueses não esquecerem a Pátria e a firmarem, pela fé, pela Língua, pêlos hábitos tradicionais, isso tem marcado valor histórico.
Pierre Fromont fixou nas seguintes palavras esses dois aspectos da emigração em geral:
O emigrante que se instala no estrangeiro constitui para o seu país a melhor das propagandas, gratuita, viva, permanente.
Pelo menos para o Brazil e para os Estados Unidos da América do Norte não podemos parar a emigração portuguesa.
Mas acrescem motivos de ordem demográfica, social e económica.
De momento, sem o concurso da emigração, não podemos arrumar satisfatoriamente os nossos saldos populacionais, em especial os do Minho, Açores e Madeira.
Mais tarde, e por redução gradual, seria possível dispensar a emigração como processo de escoamento, mas, quando assim pudesse vir a acontecer, além das razoes históricas e políticas já enumeradas, acima da maior facilidade na regularização dos salários, porventura também depois atingida com o crescente emprego da mão-de-obra nos novos cometimentos ordenados pelo desenvolvimento de uma adequada migração, restariam as conveniências económicas, traduzidas no somatório, em dinheiro, que o emigrante amealha e remete ou traz para a Mãe-Pátria, e no volume, em comércio, que ele desperta e anima, continuando a pedir os produtos nacionais e dando conhecimento desses produtos no meio em que passou a viver.
Sem querer discutir o fenómeno da fatalidade crescente ou descrescente relacionado com a emigração, até por não se ter apurado ainda sobre ele um critério seguro, apontarei, seguindo M. Blondel, referido por René Gonnard, a História como prova de que os povos que emigram redobram de esforços para preencher o vácuo deixado pelas vidas ausentes, também, e por sua vez, empenhadas em redobrar de virtude e de trabalho na preparação dos novos agregados, que são menos absorvidos por cálculos mesquinhos ou ocupações frívolas e têm do patriotismo uma ideia mais larga e uma concepção mais elevada.
O certo é que o problema não pode ser visto com exclusivismos de visão: nem só a migração dentro das províncias de aquém-mar, que culmina num intenso aproveitamento do território, nem só migração para os espaços de além-mar, nem só emigração.
Hoje temos de compreender e de praticar racionalmente os três meios de equilíbrio.
Para melhor fundamentar a conclusão, passo a expor, à luz das realidades actuais, os requisitos que me parecem essenciais para nos podermos lançar na migração interna de que as nossas províncias ultramarinas necessitam a fim de se apertarem e fundirem mais e mais no conceito de Portugal território indivisível.
Sem poder civilizador nenhum povo se prolongou na História coni vantagens espirituais sobre as raças atrasadas.
Provámos esse poder difundido pelo Mundo, onde quer que plantámos a nossa bandeira e a nossa fé.
Grandes no sacrifício, inigualáveis na perseverança, não sei se fomos maiores pelo que ganhámos se pelo que sofremos.
Isto parece legendário, mas tressua, de verdadeiro.
Vejamos os demais requisitos:
Na base de todo o movimento migratório, a dar-lhe razão e a animá-lo, existe uma condição imprescindível. Essa condição é a de haver gente a mais.
Creio ter demonstrado que temos no continente e nas ilhas gente disponível para ir e para ficar.
Além do capital-homem, outro capital se torna necessário: o capital-dinheiro.
Os contingentes populacionais que pretendem fixar-se nas terras desaproveitadas não podem contar só com o ardor da aventura ou com o entusiasmo consciente da sua força criadora. Há que lhes preparar, nas linhas mestras, as condições de recepção pela- escolha dos terrenos e climas, pelo ensaio - das possibilidades, pelo grande aproveitamento dos cursos de água, pelo estabelecimento do sistema do comunicações e da defesa sanitária, pela garantia da colocação dos produtos, tudo para ser feito depois do visto, meditado e projectado, de modo a que não falhe a tentativa e se não percam as energias deslocadas.
São os chamados «trabalhos preparatórios», «aqueles que condicionam fundamentalmente a habitabilidade e a exploração produtiva do solo» e que Leroy Beaulieu limitou à viação (ordinária e acelerada), à agricultura e às obras dos portos.
Estas primeiras grandes linhas devem partir da acção do Estado; as outras, as que importam o pormenor da fixação local, do financiamento da empresa ou da actividade individual desassociada da mesma, devem, em regra, sair da iniciativa privada, ajudada, no que deva ser, pelo erário público, sob a forma de exemplos de qualidade, de créditos reembolsáveis em prestações suaves, de assistência técnica e sanitária, de facilidades de começo.
Pondo este elemento - capital-dinheiro - a cargo do Estado e dos particulares, refiro mais um dos requisitos essenciais.
Felizmente, uma sábia política, conduzida a tempo, de equilíbrio das receitas com os gastos inadiáveis, livrou-nos dos deficits crónicos orçamentais, tanto na metrópole como no ultramar, e tornou possível o apuro de saldos.
Este robustecimento das finanças nacionais abriu caminho às realizações de natureza económica e social e ao aumento dos bens de interesse público.
Falta aludir ao espírito de compreensão colectiva, à vocação empreendedora, à necessidade de cientistas, de economistas, de técnicos, de administradores, de apóstolos.
Mas nós temos a exacta noção de que devemos colaborar diligentemente com o Estado na fixação, no ultramar, de contingentes populacionais capazes de tomarem conta efectiva e laboriosa das terras ou das ocupações que lhes forem distribuídas e de elevarem o nível social das respectivas populações nativas.
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Homens de ciência, economistas, técnicos idóneos, apóstolos fervorosos também não faltam. Encontram-se mesmo fora dos consagrados.
António Enes desembarcou na ilha de Moçambique sem aparato nenhum, seguido por dois moleques que lhe levaram as malas, e esse homem, que não tinha a auréola de colonialista, que não estacionou, antes, em qualquer ponto de África ou mais além, que não teve salvas u entrada, chegou, com o seu paisanismo, para dissipar so mau agouro da gente sisuda de Lisboa», calar a «matilha jornalística» do Rand e varrer, com o auxílio de outros grandes homens, que soube aproveitar, o império vátua, impondo, pela rijeza da têmpera, integridade do carácter, coragem de decidir e inteligência de governo, a sim alta figura de comissário régio.
Recapitulo:
Poder de civilizar, capacidade demográfica, capital-dinheiro, consciência de progredir, homens capazes, tudo isso possuímos na medida que se requer, e esses são os requisitos indispensáveis para um povo alargar as suas fronteiras políticas, económicas e morais.
Na medida que se requer - disse intencionalmente.
Alarmados com o crescente populacional à vista na conta dos braços a mais que reclamam trabalho, muitos consideram a largueza territorial das nossas províncias ultramarinas de Angola e Moçambique e sonham com a deslocação do saldo humano em torrente cheia e incontida, com destino a espraiar-se nos grandes espaços desertos ou quase ermos de gente branca. Sem medirem, então, as consequências, a morte e a miséria que espreitam nos lugares recessos, a confusão e o tumulto das soluções, de golpe, sempre que despertam é para prosseguirem no sonho com redobrado afinco.
Analisemos o problema:
A África é, sem dúvida, o grande apelo do momento. Dividido o Mundo em dois mundos, cada qual trata de esquadrinhar os seus recursos, no perigo de vida em que se encontram, de terem de soçobrar à míngua de existências próprias ou à força das existências alheias. Nesta dura batalha pelo ser ou não ser, talvez a mais tempestuosa da História, mão há recanto da terra que não sirva para uma suposição de valor. A África, pelas reservas de matérias-primas, algumas ainda não exploradas, outras longe do esgotamento, está à cabeça das atenções gerais. Por isso os casos internos da acomodação do cesso demográfico e do desenvolvimento do todo económico tomam maior acuidade quando tocados pela sofreguidão do Mundo.
Talvez este quadro nos force a acelerar os investimentos de gente e dinheiro em Angola e Moçambique, mas nunca de modo a tentar obra superaquecida por dinamismos exagerados e contraproducentes.
Somos um povo capaz de renovar aquele êxtase de força e de coragem que por um século - como observou um grande espírito - «fez do impossível possível e da inverosimilhança realidade». Mas, precisamente por termos realizado verdadeiros milagres de acção, multiplicando-nos incrivelmente, é que conhecemos quais são os limites do milagre e até onde pode ir a perenidade do esforço quando se ultrapassam as fronteiras julgadas naturais.
Sr. Presidente: guardei, com a emoção que se tem ao receber uma boa e feliz notícia, o texto desta carta que os jornais publicaram:
Os açorianos de Catofe não olvidarão as suas generosas impressões e amável propaganda. Como agradecimento, esforçar-se-ão com afinco e devotamente por erguer a primeira povoação açoriana em Angola.
A carta é do gerente da Cooperativa de Colonização Agro-Pecuária Açoriana paira
o jornoilisia Dutra Faria, açoriano também:
Quando um dia cá voltar poder-lhe-emos mostrar então a «Açoriana», pequena e modesta, mas sólida e progressiva, sem envergonhar as afamadas qualidades dos Açorianos, seculares povoadores de terras novas. E, à sombra da sua capela e do seu «Império», perpetuando-se as tradições açorianas.
Do nosso êxito, quando o alcançarmos, algo beneficiarão com certeza as populações das nossas, superpovoadas ilhas natais e igualmente as terras desocupadas desta grande província portuguesa.
E a carta termina com esta aleluia de fé:
Começaram a cair as chuvas e iniciámos mais um ano agrícola. Os pastos abundam: a produção de manteiga elevou-se para 20 quilogramas diários. E, com o verde alegre e viçoso dos pastos e dos milharais, cresce nos corações a esperança do colono. Esperamos em Deus que não será infundada.
Que vem a ser esta Cooperativa de Colonização Agro-Pecuária?
Há cerca de vinte anos dois jorgenses afoitos deixaram a sua ilha e fixaram-se no vale de Catofe, dedicando-se à lavoura e ao pequeno comércio com os nativos. Passados cinco anos, uma família numerosa deixa também S. Jorge e segue os primeiros colonos, levando alguns capitais e muita força de vontade.
Catofe é área de Quibala, distrito de Cuanza-Sul. Demarcados alguns terrenos, as privações, os sacrifícios, os riscos enraízam o núcleo inicial e, à medida que as raízes tomam gosto, o núcleo cresce com mais gente de S. Jorge. A agricultura é a actividade-base. A criação de gado e a indústria de lacticínios uma velha e experimentada predilecção da terra natal. E então que se funda a Cooperativa de Colonização Agro-Pecuária. Interessa conhecer em pormenor os seus fins.
Crédito agrícola mútuo; aquisição, arrendamento e gestão de terrenos; execução de trabalhos agro-pecuários, estudo e resolução de problemas de rega, selecção de gados e cultura, de acordo com as instruções técnicas obtidas; compra e venda de produtos agro-pecuários, gados, sementes, máquinas e utensílios, construções, mediante prévia autorização legal; manutenção de uma cantina para uso dos sócios; angariamento de pessoal indígena, tendo em atenção as disposições legais vigentes; difusão, entre os indígenas dos arredores, dos benefícios conseguidas pela Cooperativa, na medida do possível, e que sejam do interesse deles, como conhecimentos agro-pecuários, assistência sanitária e outros; fundação da Casa dos Açores, com fins culturais, recreativos e beneficentes.
Estes fins constituem já um vasto e valioso programa. Mas a Cooperativa propõe-se ainda obter do Estado e dos organismos corporativos e de coordenação económica o apoio necessário para a fundação de uma povoação rural, formada pelas casas dos colonos, existentes e futuras, igreja, posto sanitário e escola, empréstimos financeiros, caucionados pelas propriedades e gados dos colonos, destinados à edificação do povoado, compra de gado, captação da água potável, despesas de sementeira e cultura e execução de obras de hidráulica agrícola; cedência de reprodutores pecuários, sementes e árvores seleccionadas; empréstimo de máquinas agrícolas e outras; demarcação de terrenos para a futura povoação e para as fazendas agrícolas dos colonos, estudo de abastecimento de águas de rega e potável; assistência médica e medicamentos; visitas frequentes de técnicos agro-pecuários; concessão de passagens gratuitas, a par-
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tir dos Açores, aos colonos escolhidos pela Cooperativa e suas famílias para aumento do núcleo inicial.
Pegado ao fio da projectada teia, antevendo-a sobre a terra de África a estender a sua rede entretecida de sacrifícios e de esperanças, escreve, em 1951, um dos colonos, que está no Cutofu há quinze anos:
Será um dia dos mais felizes para mim aquele em que veja coroadas de bom êxito todas as nossas aspirações e danei por liem empregados todos os sacrifícios feitos para bem da nossa civilização e de todos os açorianos que só nos desejem juntar.
Depois disto em bom andamento, com resultados satisfatórios, e se tivermos o apoio do Governo, pensamos organizar outros núcleos por vários pontos desta grande e rica Angola. Talvez fosse interessante criar povoações diversas, cada uma com gente da sua ilha.
Pode ser que depois deste resumo descritivo alguém diga: mas por que razão se começou polo relato de um exemplo tão pequeno, quando a obra a decidir importa que se façam, desde logo, considerações de grande vulto?
Na pequena, mas vingada e gloriosa tentativa de Catofe, cresce a lição de uma experiência a amparar e a seguir.
A estrela maior nem sempre é a estrela que brilha mais.
Peguei no exemplo de Catofe e trouxe-o para aqui como um diamante por lapidar. Quanto vale? Quanto valem os seus reflexos? Quem sabe se pode vir a ser a pedra luminosa de uma nova e grande estrutura? Quem duvida de que possa vir a marcar o norte de outras e mais seguras caminhadas?
Remédio contra a especulação sem escrúpulos, arma contra a usura sem quartel, forma de proteger os fracos, de avivar o espírito de colaboração, o sentimento gregário, processo de aperfeiçoar os métodos de trabalho, de activar e fundir as energias produtoras, não será este cooperativismo de penetração agrícola, com fins de extensão humana, políticos, sociais, económicos, um meio profícuo de continuar a gesta do sangue português por essa África dentro, onde canta a nossa língua e se esforça o nosso braço?
É curioso que os alemães e os italianos estão a fixar-se no Brasil pelo mesmo processo. No Estado de Goiás 25:000 hectares ofereceram espaço a cinco pequenas comunidades germânicas do cem famílias cada uma.
Diz-se que estas iniciativas fracassaram ou estão fracassando, afogadas em produção mal escoada por deficiência de transporte. Será mais um ensinamento para os Poderes Públicos do que um motivo de desânimo para os empreendedores particulares.
No entanto, no estado do Rio estão em actividade três cooperativas de colonos italianos nos Municípios de Itaburaí, Araruama e Parati, e outros estados estão a receber, pela mesma fornia, mais imigrantes italianos.
Na base destas iniciativas não pode deixar de existir o dinheiro. Por isso os homens de Catofe pediram e receberam agora para s sua cooperativa um empréstimo de 1:000 contos, a fim de poderem desenvolver a obra principiada; quantia bem modesta, na verdade, mas talvez a suficiente para um maior e decisivo passo. Esclarecem: «É auxílio para pagar, pois não precisamos de esmolas».
Está provado que a chamada «ocupação étnica de Angola», e quem diz de Angola diz de Moçambique - para falar só das províncias em que o problema tem toda a extensão e agudeza-, não se pode fazer a galope.
Interessa conseguir números grandes, mas interessa, sobretudo, conseguir resultados seguros.
Falando em 24 de Novembro de 1934 na Aula Magna da Universidade de Roma, o Prof. Emídio da Silva afirmou, na sua conferência, que as realidades coloniais portuguesas desmentem os prejuízos correntes de que a colonização africana deve ser o produto do escoamento súbito de grandes massas brancas, com vastos planos, largos capitais e grandes trabalhos públicos, pois o sucesso depende de um esforço incessante e de uma adaptação difícil, e o nosso passado colonial, com as suas obras notáveis, que permanecem de pé, é a prova do que pode realizar a perseverança, operando com reduzidos gastos pecuniários.
A vitória desses açorianos pertinazes não será a demonstração destas verdades maciças?
Tratando do regime do trabalho na economia colonial e dos problemas conexos. Cesar Cosciani, nas Lições, que já citei, refere esta verdade fundamental de que sa valorização económica deve ser acompanhada de uma profunda e vasta obra de civilização, no sentido mais puro da palavra».
Não se civilizam de um dia para o outro as grandes massas indígenas. Por sua vez alguns brancos transportam para o ultramar uma perigosa teoria de mando, na ideia feita de que todo o branco pode ser, pelo menos, ditador de dois negros; por outro lado, estes estão habituados a um mínimo, baixíssimo de necessidades e depressa largam o trabalho, depois de satisfeito esse mínimo, o que não os inibe de apresentarem no mercado os seus produtos pôr preços vis ou irrisórios, que o comprador europeu muitas vezes explora na ganância de todo o lucro.
Só uma forte e persistente pressão civilizadora e o emprego de adequadas medidas de vigência transitória poderão impor-se, não esquecendo as mentalidades, a capacidade profissional, as possibilidades físicas próprias de cada raça e de cada estado de cultura e o prestígio indispensável à natural posição de ascendência espiritual assumida pêlos mais adiantados.
São muitas as dificuldades:
Não está feito o reconhecimento agrológico do território, falta-nos uma carta de aptidão dos solos, mas a opinião dominante é a de que o solo da África tropical é pobre, salvo algumas manchas de reduzida extensão. Mesmo nas zonas onde o capim é pujante, bastam dois ou três anos de cultura para a terra ficar esgotada. Uma dezena de habitantes por quilómetro quadrado representa já uma densidade de vulto.
A pouca camada de húmus e a forte erosão dão a nota do 'empobrecimento da terra. Isto obriga à cultura itinerante para dar tempo à regeneração do solo, mas o processo assenta na derruba e na queimada, dois enormes agentes destruidores das riquezas da própria terra.
A criação de centros urbanos e o seu crescimento rápido podem, por seu lado, conduzir à indisciplina dos indígenas, pelas reacções da sua mentalidade primitiva em presença de uma vida nova que não estão aptos a compreender.
O europeu -observa-se no interessante livro Perspectivas Económicas de Angola, do Dr. Valdes dos Santos, onde colhi algumas notas - só em manchas restritas pode ser em África o executor dos pesados trabalhos de produção; ao invés, o indígena, se para viver não pode dispensar-se de trabalhar, pode, todavia, deixar de trabalhar para o europeu. Desta diferença de posição resultam as principais dificuldades do problema da mão-de-obra.
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A cultura intensiva está contra-indicada pela pobreza do terreno; as possibilidades da indústria transformadora limitadas pela pequenez do mercado interno e do seu baixo poder de compra; a grande mecanização da agricultura, irremediavelmente ligada à época das chuvas, ameaçada pêlos perigos da erosão. A própria pesquisa mineira é muito cara e tem a defrontar-se com a vastidão e as dificuldades especiais do nosso mato africano. A pesquisa do petróleo custou mais de 150:000 contos e os seus resultados não foram satisfatórios.
Volto à conferência da Aula Magna:
Os números fazem, por vezes, de simples palavriado nos relatórios; contrói-se mais depressa sobre o papel do que sobre a terra de África.
Recordo as palavras do coronel Vicente Ferreira, mestre colonialista, ditas em 20 de Maio de 1932, na Sala dos Capelos da Universidade de Coimbra:
... porque a colonização é, por natureza, uma obra lenta.
Leio, devagar, este período da conversa, que o Sr. Presidente do Conselho teve em 1950 com um jornalista de O Século:
Será, no entanto, preciso dizer aos apressados que a valorização em todos os domínios do continente negro é trabalho de séculos e que excede as possibilidades de qualquer plano a curto prazo.
E cada vez mais me convenço de que os ofegantes planos de estruturação para a África são desaconselháveis, por acumularem promessas de mais» sobre um futuro que se tornará necessariamente dilatado, e impraticáveis dentro do prazo de manutenção admissível das condições que presidiram à sua elaboração.
um África, mesmo com dinheiro, não se pode andar muito depressa.
Pergunte-se aos colonos madeirenses da Huíla, essas figuras que os tempos, os trabalhos, as esperanças e os sofrimentos encheram de ternura e de humildade, no dizer do comandante Sarmento Rodrigues, quantas agruras e quantas derrotas suportaram para continuarem a merecer a graça de serem portugueses humildes, mas honrados e estóicos.
E se querem atribuir à falta de preparação da terra para onde os remeteram as duras dificuldades que tiveram a vencer com muitos insucessos à mistura, medite--se antes na experiência feita em Angola pela Companhia dos Caminhos de Ferro de Benguela com o seu grupo experimental de colonização europeia, instalado desde 1936 entre Longonjo e o Cuma. As terras foram entregues aos colonos agricultadas e próximo das colheitas não faltou assistência técnica e a garantia relativamente compensadora da cotação e colocação dos produtos e, ainda assim, passados seis anos, os resultados obtidos, como se nota no relatório de 1941, não permitiram aos colonos subir o seu nível de vida de maneira aparente ,e apreciável. O relatório dos anos de 1942 e 1943 fala assim:
A experiência da colonização não foi um insucesso, nem falhou, como possivelmente algumas pessoas acreditam; assim como não venceu, nem triunfou. Supomos que tem sido e continuará sendo apenas útil.
Desejaria e deveria ocupar-me mais largamente desta valiosíssima experiência, mas o cortejo das minhas considerações vai tão extenso que o pendão, à frente, já se torna difícil de ver como vai erguido e sustentado.
Em todo o caso fixarei estes pontoa fundamentais, tirados do somatório dos resultados.
a) Entrega das instalações e das terras agricultadas em área considerável e à beira das colheitas, para que os respectivos produtos constituam os primeiros recursos dos colonos;
b) Pagamento de toda a instalação pelo processo da amortização em géneros e por períodos bastante folgados;
c) Assistência técnica constante;
d) Garantia absoluta da colocação dos produtos nos primeiros anos, com redução gradual nos anos seguintes, até desaparecer a garantia;
e) Eliminação completa de subsídios em dinheiro;
f) Vantagem das fazendas isoladas sobre o sistema dos aldeamentos de agricultores;
g) Direcção vigilante, fortemente orientadora e disciplinadora dos colonos durante o tempo da adaptação;
h) Indispensabilidade do emprego da mão-de-obra indígena.
Vem a propósito referir que a Itália fascista previu cinco tipos de colonização: a «colonização demográfica», destinada a colocar na África Oriental Italiana os saldos demográficos da mãe-pátria, com a transferência de famílias inteiras para terrenos previamente escolhidos, depois de estudados o ambiente e as culturas típicas de cada zona, devendo o trabalho de exploração colectiva durar um biénio, findo o qual o trabalhador capaz, laborioso, fisicamente e moralmente idóneo, pode chamar a família e ser investido na propriedade da área que lhe foi distribuída, de 30 a 50 hectares; «colonização através da pequena propriedade», como meio de fixar rapidamente o agricultor de modestos recursos; «colonização de tipo industrial», para onde não estiver indicada a colonização sob a base demográfica; «comparticipação com os indígenas», chamando-os a colaborar na produção, quando não seja aconselhável o emprego da mão-de-obra branca, e «colonização indígena», em que a actividade se limita à ajuda dos técnicos nacionais e ao fornecimento de máquinas agrícolas.
Comprimindo neste quadro as linhas gerais do movimento colonialista italiano, fortemente animado e controlado pelo Estado, não dou uma novidade, não incomodo o fôlego das nossas possibilidades financeiras, não tiro valor ao nosso passado, às nossas experiências, lembro que o sistema de pôr a funcionar à uma' vários tipos de povoamento suficientemente estudados, coordenando os esforços, medindo-lhes a proporção e distribuindo-os em ritmo confrontado e seguro, tem de ser necessariamente adoptado se quisermos dar à nossa migração para o ultramar aquele carácter de obra progressiva e sólida, generalizada a todas as zonas.
Todavia, a certeza de que se não pode andar muito depressa em África não exclui a necessidade de andar com a pressa possível. O avanço é que não comporta saltos bruscos. Por isso, estou certo de que os nossos recursos orçamentais hão-de ir chegando para o ritmo aconselhado, a não ser que o jogo das forças internacionais nos leve a perder mais dinheiro.
Temos cumprido as exigências desse ritmo?
Sr. Presidente: sinto, neste momento, a satisfação patriótica de poder afirmar que demos um grande passo na última década e que estamos em bom caminho para
conseguir melhorar e multiplicar o avanço nestes dez
anos que vão correndo.
Convencidos de que a estrutura económica de Angola e de Moçambique assenta principalmente na exploração agrícola e pecuária e de que a tarefa do povoamento é, acima de tudo, uma obra de carácter agrícola,
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abandonámos o velho sistema das «feitorias» e vamos arrumando as tendas dos «aviados do mato» e deixando de comerciar como calha, aos caprichos da «permuta».
Plantamos áreas arroteadas de fresco, ensaiamos novas culturas, criamos «fazendas», organizamos o comércio e, dia a dia, temos aperfeiçoado os métodos da cultura e os processos do trabalho. Mas, e mais do que nunca, é preciso verificar o rumo, travar o frenesi dos lucros, consolidar o avanço, garantir o futuro.
Quem viu o Brasil limitar a produção do café e soube dos seus cafezeiros velhos e doentes, das muitas plantações abandonadas, dos prémios concedidos a quem as arrancasse, da destruição até 31 de Dezembro de 1939 de 58 milhões de sacos de café, quem tomou conhecimento de tudo isto e deu couta da baixa do café brasileiro de cerca de 70 por cento para 43 por cento da produção mundial, poderia ter previsto para o café africano uma época próspera e ridente.
Tive esta visão, mas não mereço, por isso, qualquer reparo lisonjeiro. Liguei o estado da cafeicultura brasileira às necessidades da guerra e a um provável recrudescimento da procura depois da guerra. Bastava mesmo a normal regularização dos mercados e a deficiente posição do Brasil para ocorrer a eles.
Seja como for, a produção do café em Angola aumentou imenso e o seu valor de exportação chegou ultimamente a destituir do primeiro lugar o dos diamantes da Lunda.
Exportação de café realizada para a metrópole e estrangeiro durante os anos de
1949, 1950 e 1951
[Ver tabela na imagem]
Não tenho a autoridade que me daria a prática das coisas de África, mas, abonado no que estudei e no que penso, peço aos cafeicultores que não se entusiasmem e façam uma previdente aplicação dos lucros.
A aura do café deve estar a decrescer. O Brasil recomeçou a plantar a partir de 1943 e por toda a América do Sul, na Colômbia principalmente, o volume das produções sobe bastante.
Deveria aproveitar-se este momento de boa sorte do café angolano para rever o quadro único dos seus problemas, procurando fixar-lhes uma política de conveniente orientação nos processos de cultura, na escolha e classificação do produto, no transporte, na defesa e garantia nos mercados externos.
E preciso que a vertigem ceda à técnica comercial.
Transforme-se a ocasião no melhor instrumento do futuro.
O próprio sisal oscila muito ao sabor das contingências da paz internacional.
Porque não sé disciplina e melhora a cultura do milho?
Porque não se dá uma maior e mais franca atenção a essa cultura?
O milho é alimento, vestuário e bem-estar do maior núcleo da população de Angola - a população do Centro, representada por mais de um terço da população indígena e por mais de um quarto da população europeia - e essa situação bem merecia amplo exame da produção e análise da evolução sofrida.
Esta observação não é minha; é de alguém que tem mais autoridade do que eu para a fazer.
Melhoraram-se as condições de armazenagem e expurgo, mas interesse-se o europeu directamente na produção, chame-se o técnico, ensine-se o indígena a cultivar melhor, estude-se economicamente a industrialização e colocação dos derivados, assegure-se o transporte, alivie-se a carga dos intermediários, estimule-se o produtor do milho com o preço razoável, suprima-se a via dolorosa do produto desde a origem ao consumo.
Não terá o milho, livre dos males que o diminuem, mais condições de estabilidade na cotação dos mercados?
Não quer dizer que se desleixem ou abandonem as demais culturas, pois há que prevenir a produção agrícola contra o regime de ciclos económicos, que tantas ilusões e quedas têm causado em Angola e Moçambique. Recorde-se a grande depressão económica de 1930, que destronou a euforia dos roceiros dos distritos do Norte da nossa maior província ultramarina e pôs em evidência a melhor estabilidade da mediania económica do Sul, onde vivo, na região dos planaltos, seguramente, um terço de toda a população de Angola.
Quero ainda fazer uma referência, embora ligeira, a uma grande possibilidade agrícola de alto valor económico para a vida nacional.
Laboriosamente, coni uma pertinácia científica credora de todos os louvores e de toda a admiração, desde Janeiro de 1942 que se trabalha em Angola no melhoramento de cereais em estações dirigidas por técnicos competentes.
Os trabalhos experimentais começaram em Janeiro de 1942, com 1:788 formas de trigo, 291 de cevada, 390 de aveia e 40 de forragem.
A grande preocupação era a de encontrar o tipo de trigo resistente às ferrugens, que servisse para ser utilizado na cultura em larga escala.
À Junta de Exportação dos Cereais se deve a primazia deste grandioso esforço. Depois de ter passado por várias e perigosas vicissitudes, pelas transferências de instalação a que foi obrigada, hoje a Estação de Melhoramento de Plantas a Chianga constitui um magnífico elemento de valorização económica da África Portuguesa.
Recordo-me de que o engenheiro agrónomo Vitória Pires, actual Subsecretário de Estado da Agricultura, em Janeiro de 1950, anunciou, desta mesma tribuna, que se tinha apurado já uma qualidade de trigo capaz de vencer as contrariedades do meio.
Creio que em Angola se poderá obter uma média de produção, «por hectare, aproximada da que se obtém ao Alentejo. Tenho informação de que na Huíla há produções médias de 15 hectolitros por hectare, nas terras humosas, e de que em Moçambique, em regiões como Macanga e Murrupela, as produções vão de 1:000 a 1:300 quilogramas por hectare.
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Depois da comunicação do engenheiro Vitória Pires e de sé ter encontrado, na verdade, uma espécie de trigo resistente, que satisfaz, outras espécies foram já conseguidas através de uma labuta que tem os seus laivos de heroísmo consciente e proficiente. Isto, desde que se pague satisfatoriamente ao produtor, pode representar o começo da nossa libertação total ou em parte dos centros estrangeiros abastecedores de trigo.
Serão precisos alguns anos, dizem os técnicos. Mas o que era sonho já e realidade e a realidade que vem do sonho nunca perde a esperança que lhe deu vida.
Quanto à exploração pecuária - a bem dizer entregue,, com muita liberdade pastoril, ao indígena -, embora e por enquanto de reduzido peso na balança comercial, oferece já valores de fundo, a considerar, na certeza do seu desenvolvimento, com todas as probabilidades, mós planaltos. Esse desenvolvimento é mais do que necessário. Temos comprado muita carne à Argentina, ao Brasil, ao Uruguai e à Dinamarca. Só em 1947 a importação atingiu o valor de 147:000 contos.
Refiro duas observações que interessam:
Uma é do autor do livro Perspectivas Económicas de Angola, que vê o único remédio na generalização do tipo de criador fazendeiro, com a sua herdade onde o gado possa testar ao abrigo de epizootias e da mestiçagem coou as raças indígenas.
A outra é do americano Phil Eckert, veterinário especialista na criação de gados, que elogiou os métodos de colonização portuguesa e reparou nas largas possibilidades pecuárias de Angola.
A propósito da primeira observação, julgo conveniente referir que muitos técnicos são de opinião que a mestiçagem tem as suas vantagens, quando regulada cientificamente no sentido de aproveitar as qualidades de resistência das raças indígenas, já adaptadas ao meio.
É um comentário muito de passagem, mas suficiente para salientar um ponto de interesse.
Avaliando o estrago da riqueza lenhosa produzido pelas derrubas, pelas queimadas e pêlos cortes sem regra em Angola e Moçambique, que expuseram a terra à violência do Sol e ao castigo das águas, os serviços florestais das duas províncias e alguns particulares têm procedido a trabalhos de repovoamento. Em Angola, nos planaltos de Benguela e Bié principalmente; em Moçambique, nas dunas da foz do rio Limpopo, na Matola, Marracuene, Infulene e Namaacha, esta considerada até e utilizada já como centro de turismo.
Tenho notícias de que a Companhia dos Caminhos de Ferro de Benguela fez grandes plantações de eucaliptos ao longo das suas linhas, com o intuito de os aproveitar, mais tarde, para combustível, e de que o exemplo teve seguimento noutros pontos. Não sei se o eucalipto, pelas suas exigências alimentares, deva, na verdade, gozar de tão larga preferência. E um assunto para ser visto e ponderado pela técnica oficial.
O certo é que as existências florestais em Angola estão praticamente reduzidas ao Maiombe, enclave de Cabinda, e na outra costa, apesar das portentosas matas espontâneas que se espalham ainda por vastas extensões, já se faz sentir a devastação, operada não só pelos que buscam terra para amanhar, mas também pêlos muitos concessionários madeireiros, que se instalam no meio das espécies melhores e as cortam sem piedade, sacrificando, para abrir caminho, as espécies de menor valor económico, que se encontram misturadas e que, depois de abatidas, alteram o equilíbrio do ambiente, quando imo se tornam veículo de incêndios fáceis.
Em Moçambique está sob o regime de concessão florestal 1 milhão de hectares de florestas. A respeito de Angola não consegui números, mas o processo de exploração, numa parte e noutra, é o mesmo, como é o mesmo o regime do fogo, que percorre periódica e sinistramente as duas províncias, esterilizando o matando o chão, e igual a acção das águas, que lavam a terra nua.
É verdade que nas duas províncias estão proibidas as queimadas, mas a extensão é inimiga da fiscalização.
O fogo, em entrando nas florestas primárias, transforma-as - como observa o Dr. A. Esteves de Sousa no seu trabalho Importância Presente e Futura da Conservação e Defesa da Cobertura Vegetal - em florestas abertas, secundárias, estas em estepes, em savanas, em desertos, porque, além de destruir plantas mortas e vivas, inutiliza as sementes e outros diasporos e mata os microrganismos do solo, tornando-o estéril, deserto.
Num dos colóquios da Junta de Investigações Coloniais foi relatado este caso:
Uma simples picada não cuidada, aberta em 1942 por madeireiros em Mímica e Sofala, fez desaparecer a pujante floresta primitiva em que ela foi aberta. No seu lugar a missão silvícola encontrou, oito anos depois, uma flora de estepe, ein que imperavam as gramíneas o os troncos secos, esguios, idas árvores mortas pela mudança do ambiente.
Urge preservar da destruição o património florestal, guardando o mais que se puder em reservas bem cuidadas e vigiadas, proceder à reflorestação intensa, por toda a parte, do território onde estiver indicada, ensinar e divulgar os meios de agricultar sem perder terra e combater efectivamente o malefício das derrubas à toa e o crime das queimadas sem quartel.
Este grande problema, que é, no todo, o agudo problema da erosão, é dos mais graves, porque a erosão habitua-nos aos seus efeitos de cada dia e só nos sobressalta quando os efeitos são brutalmente sensíveis.
(Seis países com territórios ao sul do Sara, entre os quais Portugal, tomaram parte numa reunião da Comissão para Cooperação Técnica, iniciada na Cidade do Cabo em 28 de Janeiro último, na qual se discutiu o combate à erosão. Isto mostra, simplesmente, que o problema tem muito volume e muita gravidade.
Exploramos os diamantes, os calcáreos e grés asfálticos, os aluviões auríferos, os carvões betuminosos, o minério de manganês, os jazigos de cobre, e principiamos a dedicar mais atenção à riqueza mineira do ultramar, mas neste sector a produção de diamantes da Lunda está à cabeça, a muita distância.
As explorações mineiras, quando baseadas em prospecções seguras e instalações convenientes, com modelar organização técnica e administrativa, constituem meio óptimo para a fixação de colonos. Passando pela Califórnia e pela Austrália, o Transval é um exemplo bastante próximo e bastante eloquente.
Uns afirmam que o nosso solo africano é de minerarão fraca, outros supõem-no dotado de boas reservas, outros dão-no como rico em minerais de valor económico. Fugindo à discussão e reduzindo as possibilidades mineiras de Angola e Moçambique ao mínimo conjecturado, ainda assim ficamos a dever à política do «maior benefício».
Se em Angola é assim, em Moçambique os jazigos de carvão do Moatize e os jazigos de vários minerais do Alto Ligonha, segundo conta o engenheiro Pedro Cabral Moncada, poderiam servir para lançar naquela última província os primeiros empreendimentos mineiros de vulto, se o ânimo dos actuais concessionários não encontrasse tantas dificuldades a entravar-lhe o passo.
Há que intensificar as pesquisas, organizar e dotar os serviços geológicos com o pessoal e os fundos compatíveis, premiando os pequenos pesquisadores ou pequenos mineiros, e animar a instalação das empresas.
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Os 37:375 contos destinados ultimamente ha prospecções mineiras nas duas províncias devem ter chegado para bem pouco.
O fomento industrial poderia também concorrer para a elevação rápida das densidades populacionais brancas.
Instalaram-se algumas novas unidades, desenvolveram-se outras já existentes e assiste-se a um notável incremento da indústria. A pesca, por exemplo, parece oferecer uma espaçosa e segura margem de possibilidades.
Li esta informação, vinda, de Nova Iorque e datada de 27 de Janeiro findo:
Segundo o anuário estatístico das Nações Unidas, a produção industrial no Mundo no 4.º trimestre de 1950 atingiu o dobro da registada em igual período do ano de 1949.
O fenómeno é geral. Mas, além do aumento brusco da massa proletária, surgem vários embaraços: a estreiteza do mercado interno, na sua quase totalidade dependente do reduzido poder de compra dos indígenas; a dificuldade de conseguir o escoamento dos produtos nos mercados externos; as exigências da coordenação, de modo a evitar a concorrência desastrosa com as indústrias já montadas na metrópole, ponto ainda fresco da discussão nesta Assembleia sobre a lei do condicionamento industrial.
Um consciente e avisado estudo do conjunto impõe-se com toda ar urgência.
Atribuindo à rede de transportes a sua natural importância, construímos portos, rasgámos estradas, lançámos caminhos de ferro, instalámos aeródromos e aumentámos a tonelagem nas carreiras marítimas, o material ferroviário, o tráfego automóvel e aéreo.
A inauguração de uma ponte, de um troço de estrada, de um cais, de uma pista já pouco nos detém a festejar o novo passo. Vamo-nos habituando. E, se tivermos em conta as dificuldades do acesso ao continente africano, pelas condições orográficas e grandes distâncias, temos de concluir que a nossa actividade neste sector se desenvolve satisfatoriamente, de modo a garantir a necessária movimentação das mercadorias e passageiros.
Só a província de Angola, pelo seu Fundo de fomento, destinou à rubrica «Comunicações», no orçamento para 4950, 311:285.560$. Para o quinquénio 1951-1955 estão previstos 707:000 contos do plano de gastos de 1.300:000 contos, o maior de todos - e sem paralelo até hoje - os aprovados para obras de fomento e outras a realizar naquela província.
Moçambique, com os seus 310:000 contos gastos, de 1937 a 1950, só em estradas e pontes, e mais 55:000 na compra de equipamentos para a mecanização dos trabalhos, detém dois dos mais legítimos títulos do nosso orgulho: o porto da Beira, resgatado por 2.000:000 libras, e o caminho de ferro, pago pelo Governo à Beira Railways Company por 4.000:000 de libras.
Depois da recuperação administrativa dos territórios de Manica e Sofala, o porto e o caminho de ferro da Beira, que não é só uma linha férrea, mas, como já alguém observou, suma corrente de tráfegos da mais alta importância política «económica», dão a ideia do nosso esforço de desenvolvimento e aperfeiçoamento das comunicações em África e do sentido de coerência do Governo sa prática de entregar o fomento da riqueza nacional a mãos e a cabedais genuína e patriòticamente portugueses.
Iniciando a exploração do caminho de ferro com pouco material estamos a dotá-lo bem e rapidamente com o equipamento necessário, e, quanto ao porto da Beira, entregue à administração da Direcção dos Portos, Caminhos de Ferro e Transportes de Moçambique, apenas há dois anos e meio (não resisto à satisfação de reproduzir esta nota) «com a capacidade máxima de manuseamento de mercadorias de 1.320:000 toneladas por ano, calculada por peritos estrangeiros, a administração nacional conseguiu logo no primeiro ano manusear cerni de 1.900:000 toneladas e no segundo ano 2.100:000 toneladas. Espera-se que este ano, se não continuar a irregularidade de navegação, o manuseamento atinja 2.500:000 toneladas e, depois de terminados os traballhos em curso e outros em (projecto, que este número suba para 4.500:000 toneladas por ano».
Isto prova capacidade para habilitar o sistema de comunicações no ultramar aos rendimentos de emergência porventura exigidos no futuro por causas estranhas à nossa vontade, mas bastante imperiosas para nos empenharmos a tempo e a fundo.
Evitei o mais que pude a citação ide números, gráficos e mapas que tornassem mais denso e extenso o teor das minhas considerações, aliás ligeiras para o muito que havia a dizer sobre os assuntos do ultramar ligados ao curso do meu aviso prévio. No entanto, para afirmar que o notável desenvolvimento da vida económica das nossas duas grandes províncias ultramarinas tornou possível nos últimos anos uni povoamento branco excepcional, tenho de mostrar este breve mas eloquente quadro.
[Ver tabela na imagem]
Os números a mais excedem em muito as percentagens de crescimento da população europeia existente e revelam, como já foi notado, que o aumento da última década é superior ao dos quarenta anos anteriores, todos somados. Talvez o saldo do movimento de passageiros portugueses para Angola e Moçambique de 1945 a 1950 ajude a compreender esse acréscimo verdadeiramente notável:
[Ver tabela na imagem]
Mais terra aproveitada, alguma melhor aproveitada, mais indústrias, mais (produção, melhores vias de transporte, maior capacidade de tráfego, maior utilização técnica dos cursos de água, multiplicação das instalações urbanas e rústicas, dos estabelecimentos de assistência e ensino, mais gente e mais actividade na pesca, na agricultura, na construção, na indústria - a agitação progressiva é real, sente-se, não pode ser negada, nem na discussão dos congressos, nem a mesa das conferência.
Na comunicação que fez, em 7 de Setembro de 1945, à província de Moçambique, aquando da sua visita ministerial à África, o Prof. Marcelo Caetano avivou esta indicação, que precisamos de ter sempre presente:
É bom que tenhamos consciência das nossas faltas e deficiências e das tarefas que solicitam a nossa atenção e esforço; mas não devemos diminuir aquilo que somos e aquilo que temos feito, nem exagerar os méritos e os progressos alheios.
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Relembrando que a densidade de todo o continente Africano (envolvendo indígenas e não indígenas e a zonas fortemente povoadas do Norte e do Sul) era de 5,1 habitantes por quilómetro quadrado e frisando que Angola, depois da Rodésia do Sul, era, de toda a África Negra, ou intertropical, «o território com maior número absoluto de colonos europeus», o ilustre homem de Estado comparou então Moçambique a Madagáscar, por terem condições geográficas semelhantes, pela latitude e clima marítimo:
Tomando os números de antes da guerra, encontramos em Madagáscar a densidade total de população de 6,59 habitantes por quilómetro quadrado e 0,55 europeus por 100 indígenas; Moçambique tinha 5,59 habitantes por quilómetro quadrado e 0,57 europeus por 100 indígenas.
Interessa conhecer as existências populacionais brancas registadas ultimamente nos territórios nossos vizinhos. Utilizo números publicados pelo chefe da Repartição Técnica de Estatística de Angola:
Rodésia do Norte (746:000 quilómetros quadrados):
1950 - 36:000 habitantes; densidade, 0,048.
Rodésia do Sul (389:000 quilómetros quadrados):
1950 - 139:000 habitantes; densidade, 0,33.
Congo Belga (2.356:000 quilómetros quadrados):
1949-51:639 habitantes; densidade, 0,021.
Como se vê, Angola e Moçambique, respectivamente com as superfícies de 1.246:700 e 771:125 quilómetros quadrados, acusam densidades de população europeia - 0,063 para as duas províncias - que não nos envergonham. Só a Rodésia do Sul, devido às suas condições especiais de território e clima, mostra uma densidade superior.
A marcha do povoamento branco da África portuguesa é uma realidade de séculos, que se activa e progride numa cadência cada vez maior.
A instalação, em curso, na Cela, de um núcleo de 250 famílias, a cada uma das quais serão distribuídos 50 hectares de terreno - 20 de regadio e 30 de sequeiro - não é, não será nunca padrão isolado. Outros se lhe hão-de suceder no desenvolvimento desta compenetrada tarefa de encher de Portugal o Portugal de além-mar.
No seu programa económico do ultramar, o engenheiro Araújo Correia, ao afirmar que não pode atingir números por aí além a colonização realizada meramente com auxílios do Estado, aponta a execução de planos de fomento como o melhor meio para o aumento de possibilidades de remuneração razoável que traduz para os colonos.
O certo é que desenvolvemos os recursos económicos e a ocupação étnica e nessa acção de correspondência estamos executando empreendimentos bem ordenados e em vias de realizar outros que passaram já de simples projectos a planos definitivos:
Em Angola, os aproveitamentos hidroeléctricos, quase concluídos, do rio Dande, nas Mabubas, para fornecimento de energia a Luanda, e do Biópio, cuja primeira empreitada já se adjudicou por 41:000 cantos, no rio Catumbela, para o abastecimento do Lobito e de Benguela; as obras de iniciativa particular de ampliação da barragem do Caminho de Ferro de Benguela e da barragem da Sociedade Agrícola do Cassequel.
Em Moçambique, a continuação da barragem do Revué e as grandes barragens do Limpopo e do Incomati para produção de energia e irrigação de milhares de hectares, com vista à fixação de gente branca.
Na conferência que pronunciou aio Instituto Superior Técnico, em 1 de Julho do ano findo, o grande apaixonado pela água que rega e cria, engenheiro Trigo de Morais, Subsecretário de Estado do Ultramar, previu a instalação ao longo dos quatro grandes rios - Cuanza, Cunene, Limpopo e Incomati - de 75:000 famílias metropolitanas, uma vez realizados os respectivos aproveitamentos. Foi esta uma das grandes respostas que lhe deram os rios de África à pergunta que lhes fez «sobre o modo de ajudarem a povoar com gente branca portuguesa» as nossas duas grandes províncias ultramarinas.
As obras do Limpopo, devido ao impulso decisivo do comandante Sarmento Rodrigues, que fez aprovar e seguir o respectivo projecto, estão a iniciar-se através da Direcção-Geral do Fomento do Ultramar. Importarão em 225:000 contos, pondo à rega 28:812 hectares da zona fértil do sul do Save, destinados a 9:500 famílias, com distribuição de 3 hectares de regadio e 27 de sequeiro a cada uma.
Seguir-se-á, «como realidade a materializar-se», o sonho do Incomati, que permitirá a fixação na Manhiça de 16:000 famílias dispostas a continuarem o carácter português e a vincá-lo de uma vez para sempre nessas terras outrora devastadas pelos vátuas de Manicusse.
Para se ter uma ideia deste empreendimento e para se ver quanto custam obras de tal natureza, só a preparação da terra para a rega exigirá 450:000 contos e a instalação das 16:000 famílias - num cálculo que reputo optimista - 560:000, ou seja ao todo mais de milhão de contos.
Caminha-se francamente para a África, numa mais perfeita associação de vontades movimentadas sobre bases mais seguras, mais científicas, mais racionais. Sente-se o progredir do interesse, a forte aleluia das energias, e comove verificar que nem o interesse nem as energias capitulam ou desertam, antes se afirmam e avançam, crescendo, triunfando. A própria África aumenta por si esta jornada de esforço e de vitória.
Angola em 1951 despendeu com a importação 2.179:296 contos; a exportação atingiu a impressionante soma de 3.189:277 contos.
Mais de 1 milhão de contos de saldo: 1.009:981 contos!
Isto enche-nos de orgulho, enche-nos de tranquilidade, de autoridade.
E há que decidir:
Colonização espontânea, ao sabor da iniciativa de cada um?
Colonização dirigida, fomentada e sustentada pelo Estado?
O coronel Vicente Ferreira, grande nome nestes assuntos de África, naquela sua conferência da Sala dos Capelos, que já aqui citei, enunciava as bases em que,, a seu ver, devia assentar a colonização futura, expondo-as sob as três rubricas:
I) Produção agrícola, pecuária e industrial;
II) Povoamento, entendendo-se por esta palavra não só a fixação da raça branca como o acréscimo da população indígena e a sua fixação em boas terras, que, por várias causas (varíola, moléstia do sono e guerras), têm ficado desertas;
III) Civilização dos indígenas, compreendendo a educação, a assistência médica preventiva e curativa e o aumento do seu bem-estar moral e material.
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Explicando que a colonização se propõe prolongar a metrópole e, assim, não pode ser uma aventura de negociantes, mas uma empresa do Estado, insiste:
O Estado deve fazer-se povoador e arroteador de terrenos, plantador de fazendas; cultivador de cereais, criador de gados, e até industrial, se necessário for. O que é indispensável é explorar, valorizar e justificar, pelo «maior benefício» que proporcionarmos à civil ização, o direito à posse da herança colonial.
E completa o seu pensamento preveniu do de que isto não quer dizer que a metrópole se arruine, pois, desde que o Estado tiver demonstrado, pelas suas primeiras explorações, que estas soo rendosas, não faltarão pretendentes nem capitais para continuar as explorações por conta própria.
No seu discurso, pronunciado no dia 1 de Junho de 1933 nesta mesma Casa, na sessão que inaugurou a Conferência dos Governadores Coloniais, o Prof. Armindo Monteiro, na qualidade de Ministro das Colónias, traçando directrizes de política, ultramarina, depois de aludir aos que sonham com grandes levas de brancos a estabelecer em África à custa do Orçamento sem repararem nos «esqueléticos resultados» das experiências feitas, observou que fazer colonos elementos de útil iniciativa e de audaciosa criarão de riqueza não é fazer empregados públicos sem repartição, e proferiu estas palavras, que marcam um rumo:
Nós temos por agora, sobretudo, de dar à África o capital e o saber que ali faltam.
Devemos fornecer-lhe os quadros da indústria, do comércio e, em primeira linha, os da agricultura. Técnicos que dirijam grandes empresas, mas principalmente técnicos que tomem conta das pequenas ou médias explorações rurais, são os elementos de que ali mais precisamos.
Mais adiante condensou assim o seu pensamento:
No sentido de dar às colónias de África os quadros técnicos que lhe faltam se deve dirigir por agora a parte mais activa do nosso esforço de fixação de colonos.
Nos seus Projectos de Decretos, reunidos em volume com a data de 1940 e o título principal de Colonização, o antigo Ministro das Colónias Dr. Francisco Vieira Machado apresenta um plano, aliás relatado com interessante desenvolvimento, para a instalação de famílias metropolitanas no ultramar através de uma junta de colonização, que, por sua vez, se desempenharia da sua tarefa por meio de missões de povoamento.
Em resumo, o projecto assentava na demarcação de áreas previamente escolhidas e preparadas, com as necessárias construções, para receberem os colonos, que viveriam sob um regime inteiramente previsto, tudo, e sem prejuízo das iniciativas privadas, promovido, orientado e disciplinado pelo Estado.
Ao mesmo tempo seriam criados o Instituto de Colonização, destinado a preparar elementos de colonização e povoamento, e um Fundo de colonização, «alimentado por receitas metropolitanas e coloniais», que o artigo 35.º do projecto enumera e põe a cargo dos diversos sectores.
O Estado forneceria ainda passagens gratuitas parti Angola a famílias que quisessem dedicar-se ali u agricultura, para o que se deveria fixar anualmente os contingentes a transportar, garantindo a assistência técnica e médica gratuitas e o fornecimento de sementes e alfaias mediante certas facilidades de pagamento. Seriam ainda construídas, sucessivamente, aldeias de cinquenta casas, destinadas àquelas mesmas famílias, sendo as instalações vendidas, também com facilidades de pagamento dilatado, por preço nunca inferior a 30.000$.
O Banco de Angola por um outro decreto regulador do regime bancário nas colónias portuguesas, seria transformado no Banco de Fomento Colonial, cujas operações de crédito agrícola, pecuário, industrial e predial facilitariam a criação, o desenvolvimento ou a existência de empresas portuguesas, individuais ou colectivas, podando ainda conceder aos organismos corporativos ou de coordenação económica e aos corpos e corporações administrativas empréstimos destinados à execução de obras de reconhecida utilidade pública.
Em Março do ano passado o Prof. Marcelo Caetano, em seguimento do que .já confessara em 1944, em sessão plenária do Conselho do Império, reafirmou a sua posição no debate. Recorto do seu artigo publicado no Diário de Notícias de 14 daquele mês este período:
Algumas experiências de colonização oficial demonstraram os seus numerosos perigos. Começam as dificuldades aio recrutamento dos colonos. Depois há que proporcionar-lhes no lugar do destino casa, terra e capital de exploração. O Estado fica solícito à beira da experiência, como técnico e banqueiro: a breve trecho o colono sente-se funcionário.
Mas o ilustre professor não dispensa de todo a acção do Estado, pois atribui-lhe a obrigação de criar as condições de colonização, cuidando da formação dos quadros técnicos, orientadores e dirigentes e do apetrechamento económico das províncias ultramarinas, pelo desenvolvimento dos serviços de saúde, de obras públicas, de agricultura e de pecuária, aperfeiçoamento das redes de comunicações internas e multiplicação de escolas para educar os filhos dos colonos.
Nesta sequência, e graças ao magnífico espírito de colaboração do Ministro das Finanças Dr. Costa Leite (Lumbrales), foi publicado o Decreto-Lei n.º 34:464, de 27 de Março de 1945, que punha à disposição do antigo Ministro das Colónias 30:000 contos, em seis anuidades de 5:000 cada, para «fomentar o povoamento das colónias e estreitar as relações destas com a metrópole».
O relatório do decreto «enunciava sinteticamente as bases de um regime experimental de apoio e preparação da colonização livre», e, ao abrigo das facilidades de passagem que concedia aos colonos e famílias - facilidades depois reguladas pela Portaria n.º 10:919, de 10 de Abril de 1945 -, foram, por força daquele fundo, transportados gratuitamente para o ultramar cerca de 12:000 colonos. Isto, além das missões de estudo, cruzeiros de juventude, estudos técnicos e preparações de profissionais na metrópole.
O Prof. Marcelo Caetano, aludindo à publicação do Decreto-Lei n.º 38:200, de 10 do referido mês de Março, que prorroga, sem limitação de tempo, o que, a título experimental, se decretara por seis anos, facto, segundo observa, que constitui o mais cabal reconhecimento de que se escolhera então o bom caminho, conclui o seu artigo repetindo o que dissera no Conselho do Império:
A colonização é unia grande batalha com seus mortos e seus desaparecidos. A selecção natural sagra os triunfadores e relega os vencidos para a vala comum. Haja possibilidade de orientar as qualidades que se revelem e de ajudá-las a vingar e o resto será obra de energia de cada qual.
Não se pode ser mais preciso ou mais categórico na expressão de uma maneira de ver.
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Fiz a súmula, ainda que muito rápida, das ideias expostas, por alguns dos defensores das duas correntes em disputa, imo só para marcar os pontos em que se apoiam, mas para poder observar que nenhum prescinde da intervenção do Estado e que todos contam com o fluxo dos capitais particulares. A diferença está na medida da intervenção oficial e do impulso de começo exigido à iniciativa privada.
Poderia agora - para demonstrar a forte tendência «dirigista» - resumir o conteúdo de alguns projectos, como os de Teixeira de Sousa (1902), Paiva Couceiro (1907), Azevedo Coutinho (1910), Azevedo Gomes (1911) e Freitas Ribeiro e José Barbosa (1912), de que o Prof. Emídio da Silva dá uma súmula na Emigração Portuguesa, por sinal com o comentário de que as respectivas realizações se cifraram nas quatro letras da palavra «nada».
As tentativas falhadas têm a utilidade das ilusões caídas: ensinam-nos a evitar ruínas ... Mas o tempo vigia-me e a paciência dos que me escutam já tolerou que se virasse a ampulheta não sei quantas vezes. Se me consentem a audácia de pôr algumas palavras na discussão, penso que não se pode deixar de ir na frente com os capitais do Estado, realizando os grandes empreendimentos públicos; preparando o território para a absorção demográfica; instalando exemplos de fixação de gente branca e de núcleos de indígenas; facilitando, mediante as possíveis garantias de ocupação certa, a ida de colonos que desejem, por si, lutar, sem mais dinheiro, de graça; facultando assistência técnica e sanitária suficiente; permitindo o crédito agrícola e industrial a taxas de juro reduzidas e prazos de amortização dilatados; fundando e mantendo centros de observação e de investigação científicas; orientando a produção e comandando o seu escoamento para onde for mais conveniente ao interesse nacional e ao interesse do produtor; animando os esforços sérios, acarinhando as tentativas capazes.
Nada disto é novo e de tudo se tem feito e dito um tanto. A novidade, alguma, poderá estar no eclectismo que- reúne fragmentos das teorias mais ou menos estremes.
Não sou por uma tão larga intervenção oficial, como preconizam o coronel Vicente Ferreira e o Dr. Vieira Machado, e não me contento só com o fornecimento de técnicos, defendido pelo Prof. Anuindo Monteiro: situando-me no terreno em que o Prof. Marcelo Caetano atribui ao Estado o encargo de preparar as condições gerais do território para a ocupação étnica, e concordando com a conveniência de facilitar transportes gratuitos a colonos escolhidos que pretendam deslocar-se por sua livre iniciativa e fixar-se, lutando por si, vou mais além: admito que o Estado exemplifique os diversos tipos de povoamento aconselhados, crie padrões, assistindo-lhes até atingirem a independência económica necessária, conceda créditos reembolsáveis, imprescindíveis ao desenvolvimento agrícola e industrial, e gaste verbas no estudo e no comando da produção.
O perigo de os colonos fixados a expensas do Estado se sentirem funcionários evita-se submetendo-os a um período de trabalho experimental dirigido, a fim de serem adjudicadas aos mais aptos, mediante pagamento tanto quanto possível espaçado, as terras em exploração.
Note-se que no anal do relatório de Uma Experiência de Colonização em Angola, referente aos resultados do 6.º ano (1941), combate-se francamente a «colonização artificial, orientada ou dirigida», aconselhando-se a que se desista dela, pois «a única colonização vantajosa tem sido e será sempre a colonização livre», que «dará bons frutos se for possível preparar-lhe o ambiente»; mas nó relatório que dá balanço aos resultados dos 11.º, 12.º e 13.º anos (1946-1947, 1947-1948 e 1948-1949) transcrevem-se as conclusões a que chegou o engenheiro agrónomo Elídio Gomes Barbosa no seu trabalho O que nos Mostra a Experiência da Companhia do Caminho de Ferro de Benguela, entre as quais se lê esta:
O Estado poderá instalar colonos, que dirigirá em moldes idênticos aos utilizados pela Companhia, desde que garanta continuidade de orientação dos serviços de colonização.
Também não discuto que se concedam transportes gratuitas aos colonos que tenham ocupação garantida, de modo a não embaraçarem a vida nas províncias ultramarinas e a não terem do se dedicar, por lá, a misteres deprimentes.
Confio na «colonização espontânea» - revejo-se o grande exemplo do vale de Catofe -, mas receio o tumulto da quantidade, a indisciplina, a distribuição, o clamor dos vencidos.
Abro um parêntese: o sistema da «carta de chamada», segundo os dados que me foram fornecidos pelo então Ministério das Colónias com referência aos anos de 1947, 1948 e 1949, parece ter dado bons resultados.
Os números:
[Ver tabela ver tabela]
As informações:
O critério seguido, e que se afigura preferível é o de facultar a gratuitidade de passagens só aos indivíduos que tenham lá colocação assegurada, o que se comprova previamente com uma carta de chamada de uma empresa e o compromisso do repatriação por conta da mesma, e o de conceder a preferência às mulheres e filhas dos que já lá se encontrem empregados e assim o requeiram. Permitiu-se também aos funcionários que regressam às colónias acompanhados das famílias levar consigo uma criada europeia, na esperança de que lá casem com pessoas da sua condição. Seguiram já 58 em doze meses.
Verifica-se que um terço das passagens coube aos homens e os dois terços restantes às mulheres e crianças. Constata-se também que o número de pessoas que se destinaram a Angola foi menor do que o que se dirigiu a Moçambique, na proporção de 1 para 2.
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Dentre os colonos, 101 eram pescadores, que seguiram com as suas embarcações, um número de 25, o que explica o grande incremento que tem tido a pesca.
Até ao fim do ano de 1949 o Ministério das Colónias não tinha conhecimento de ter sido necessário repatriar quaisquer colonos beneficiários de passagens gratuitas, «o que leva; a concluir - acrescenta-se naquelas informações - que, duma maneira geral, se adaptaram e fixaram».
Depois dos seis anos experimentais - que o relatório do Decreto-Lei n.º 34:464 designa por «primeira fase» - precisava-se dó balanço geral da iniciativa para se conhecerem os resultados obtidas, como alvitrou o Prof. Marcelo Caetano no seu artigo já citado. É que se diz que alguns ,colonos não encontraram trabalho e arrastam uma vida difícil e que a ida de serviçais, na esperança de que por lá se casassem com gente da sua condição, à semelhança do que se fez no tempo de D. João III, mandando órfãs paia a índia, não correspondeu às boas intenções com que a medida foi ditada.
Já ouvi que hoje todos os meios de mandar gente para a África servem e que dos soldados metropolitanos que foram para Angola e Moçambique durante a última guerra reforçar as respectivas guarnições militares muitos ficaram por lá.
Embora os resultados das tentativas deste género não sejam absolutamente negativos, não sei se valerá utilizar o processo, da colonização militar, sob o risco dos cruzamentos raciais de ocasião e sem base moral.
E volto ao rumo que trazia:
Tantas e tão prementes são as razões que nos mandam encher de população metropolitana as províncias ultramarinas que não me admiro do que se propõe e sustenta no estudo, aliás valioso, As Finanças Públicas do Mundo Português, escrito pelo Dr. Vasto Fortuna em Julho do ano passado.
Partindo de uma necessária evolução sincronizada das finanças metropolitanas e- ultramarinas, no sentido da maior aproximação de conceitos e de processos, o Dr. Vasco Fortuna é pela unidade orçamental - «uma só conta, um único sistema de impostos, uma só dívida pública».
A interpenetração dos problemas das diversas províncias projecta-se no plano nacional e a política financeira tem de ser estruturada em condições de abranger homogèneamente o conjunto da Nação, ide poder acudir, com o peso dos seus recursos, aos pontos onde possam ser mais úteis.
Como processo de transição, dada a urgência de agir, admite as soluções empíricas e alvitra o escalonamento dos impostos em dois graus: impostos gerais pára todo o território nacional e impostos locais adaptados às condições particulares de cada território. Os impostos gerais seriam imediatamente unificados; os locais, com o tempo, iriam dando lugar a um sistema tributário uniforme para todo o mundo português, «embora comportando uma certa elasticidade de adaptação às circunstâncias peculiares de cada território».
O progresso económico das regiões subdesenvolvidas, «como o são algumas das nossas províncias ultramarinas», requer suma política de investimentos maciços, capaz de suprir a falta, de capital fixo, e uma política de revestimento, capaz de reter os benefícios primários idos investimentos».
O fluxo dos capitais terá de provir, em grande parte, do sector privado, mas enquanto esse fluxo se não der so exemplo de valorização do ultramar tem, pois, de partir do Estado, com dinheiros da Nação, filtrados pelo Orçamento».
E conclui:
A unidade financeira, do mundo português será uma afirmação de soberania equivalente a um hastear de bandeira. Será a consagração dos esforços de muitos séculos de acção civilizadora no ultramar. Facilitará a circulação interna das pessoas, dos capitais e das mercadorias.
O ano passado, e deste mesmo lugar, o Sr. Deputado Coronel Vaz Monteiro defendeu a sugestão apresentada no parecer sobre as Contas Gerais do Estado, de que seria da maior vantagem a apreciação conjunta das contas da metrópole e do ultramar.
Esta teoria ó muito menos radical.
No entanto devo dizer que em, princípio não me repugna, e até me agrada, a ideia de uma conta única, por constituir uma prova de coerência, na afirmação da unidade nacional, mas confesso que me perturba ver as distâncias tão comprimidas e reduzidas a um só texto orçamental, quando há tanto problema que precisa de ser vivido, dotado e tratado no local a que respeita.
E já que estou a lidar com a ansiedade financeira, peço licença para duas sugestões.
Uma é a de que se deviam tomar medidas restritivas da saída de Angola e de Moçambique dos lucros obtidos pêlos respectivos comerciantes, agricultores e industriais através dos seus negócios ou explorações.
O licenciamento para o estrangeiro ficaria reduzido às operações necessárias para fins de fomento e as saídas para a metrópole condicionadas à margem que se reputasse razoável.
Isto conduziria aos investimentos úteis sob a orientação colaboradora da entidade facial competente e representaria a maneira de resolver esta observação feita na série de vibrantes artigos que o jornal O Século publicou em 1960 sob o título genérico de O mais importante problema português:
As grandes empresas que ali existem já possuem os seus quadros de pessoal europeu, e uma ou outra substituição ou alargamento desses quadros não chega, para absorver duas centenas de homens.
Disponho alguns argumentos à roda do alvitre:
a) Gratidão devida à torra pelas fortunas que está dando;
b) Contributo natural para o progresso económico susceptível de aumentar os lucros agora auferidos;
c) Dever patriótico de servir os superiores e indiscutíveis interesses nacionais.
O Sr. Carlos Mantero: - V. Ex.ª dá-me licença?
Tudo quanto seja restringir a livre movimentação dos lucros implica imediatamente a restrição tios investimentos particulares.
O Orador: - No que diz respeito a Angola, por exemplo, e em relação ao café, não está certo de maneira nenhuma que se ganhem 200:000 contos num ano e que se coloquem, em grande, parte, no estrangeiro. Isto é que é preciso evitar a todo o custo.
O Sr. Carlos Mantero: - V. Ex.ª pode citar os casos particulares que quiser, mas, sejam eles quais forem, não invalidam a doutrina.
De resto, ninguém entre nós vai hoje investir capitais no estrangeiro; bem ao contrario, são os estrangeiros quem vem investi-los em Portugal. Creio que, enquanto o País tiver o prestígio internacional que tem e se mantiver a segurança interna que nos vem do sis-
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tema político e tio Governo que temos, este movimento se manterá.
O Orador: - Quando os casos particulares afectam gravemente a doutrina, há que rever a sua prática.
Regozijamo-nos, e muito, com o facto de o nosso prestígio internacional atrair os capitais estrangeiros, não deixo de lamentar que os capitais portugueses -alguns, designadamente da nossa África - não sejam os primeiros a obedecer às razões desse prestígio.
A questão, a meu ver, terá de ser objecto de estudo urgente, e V. Ex.ª há-de concordar que da minha parte ela foi posta em termos bastante razoáveis. E, se me dá licença, prossigo:
A outra sugestão é a de se proceder quanto antes à reforma do crédito naquelas duas províncias, dotando-as com instituições capazes de emprestar o dinheiro necessário principalmente à instalação dos novos agricultores.
É fora de dúvida que o pequeno agricultor da metrópole, que vive remediadamente do amanho da sua própria lavra, não a troca por dinheiro, mais ia casa em que mora, pura correr a aventura de África. Esta massa não dá colonas. A legião recruta-se entre os que não discutem o risco, no geral os sem trabalho, os que passam dificuldades, aqueles que neste mundo, muitas vezes, nem caminhos possíveis têm para andar.
O Banco de Angola, por exemplo, como banco emissor, rodeia as suas operações de apertadas cautelas, e o próprio departamento de fomento, criado há relativamente pouco tempo, segundo estou informado, tem por base o crédito hipotecário; não pode ir muito longe sob o ponto de vista da actividade agrícola.
A Caixa Económica Postal limita-se quase aos empréstimos sobre hipoteca de prédios urbanos.
Informam-me ainda de que há em Angola outras formas de crédito concedidas através dos organismos de coordenação económica e serviços de agricultura, empréstimos de sementes até às colheitas, vendia de alfaias pelo preço do custo, empréstimo ou aluguer de alfaias por taxas módicas, mas que tudo isto não basta e precisa de ser desenvolvido, e, muitas vezes, devidamente coordenado.
Ora é ponto assente que «para se instalar, mesmo com modéstia, para desbravar terras e submetê-las à cultura, para adquirir gados de criação e de trabalho, alfaias e sementes, o colono necessita de dinheiro, e, não o tendo, só pode instalar-se com recurso ao crédito».
Parece que os prestamistas - em regra grandes comerciantes - se mostram activos, mas todos sabem o que são os prazos e os juros exigidos pêlos prestamistas.
Não sei bem como as coisas se passam na outra costa, mas não devem sair para fora deste quadro.
Urge, pois, organizar o crédito nas duas províncias, de modo a poder responder às exigências do momento.
Tenho a impressão de que nestes dois campos já perdemos tempo precioso.
Reúno mais estes três prejuízos para lhes dar pleno combate: o receio do clima; a ideia de que o branco se desprestigia trabalhando directamente a terra na presença do indígena; a ambição de fazer fortuna.
a) Lutámos no Brasil com o clima e vencemos. Os climas também se modificam pela acção dos homens. Já é tempo de irmos esfarrapando mais essa lenda tenebrosa, que peia as vontades e tolhe as iniciativas;
b) O trabalho da terra não é, nem deve ser, em parte alguma, considerado um trabalho vil. Esta é a regra que cumpre adiantar e reafirmar em África ou em qualquer parte. O indígena habituou-se a ver a mulher trabalhar a terra. Pois terá de se ir habituando a ver esse esforço cometido ao homem. Trabalhar a terra com as suas mãos é, para o homem, uma viril e orgulhosa obrigação. Isto é que é preciso ensinar e provar e não fugir diante da dificuldade. De contrário, teríamos os não civilizados a impor os seus costumes e os seus hábitos. Mas não é isso que se pretende, nem é essa a tarefa que nos impõe a nossa condição de civilizados;
c) Fazer fortuna já não é ambição que se leve para a África como objectivo n.º 1. Nem mesmo a mão-de-obra indígena chega para os largos recrutamentos necessários à exploração dos grandes tractos territoriais. Impõe-se a vida na pequena área, vida de família agarrada à terra, tirando dela o bastante para viver com fartura na mesa e o suficiente na arca, sem esquecer o preciso para a educação dos filhos e para acudir às doenças, à invalidez, à velhice.
Relacionando a questão demográfica portuguesa com as possibilidades do nosso ultramar, apontei simplesmente algumas notas ditadas pelo desejo de ser útil.
Fiquei com uma obrigação: a de louvar, por toda a vida, os pioneiros de África, reconhecendo o muito que fizeram e que é tudo o que já ninguém pode negar e o muito que estão fazendo e virá a ser tudo o que ninguém poderá varrer.
E deixei para o fim um ponto capital: a população indígena, como precioso elemento a valorizar. E esta uma alta tarefa que se põe ao nosso esforço: ganhar para Portugal corações e braços perdidos de gente disposta ao vício do nada.
Moralmente, cumpre-nos ensinar a nossa língua, os nossos hábitos, à nossa fé, a nossa dignidade de civilizados.
Economicamente, interessa-nos propagar o amor à terra, a virtude de trabalhar, a consciência de produzir.
Fundaram-se já em Angola, por feliz iniciativa do actual governador, alguns, núcleos de colonato indígena em aldeamentos limpos, assistidos de administradores e técnicos, no meio de boas terras agricultadas.
Linguri, Oaconda, Damba, Loge são nomes que traduzem agregados de nativos a caminho de uma coesão reveladora de maior índice de cultura.
Estamos a fazer do indígena o melhor instrumento da sua felicidade, ao mesmo tempo que lhe elevamos a capacidade de rendimento pela assimilação gradual das nossas concepções de vida, para que trabalhe mais e tenha mãos necessidades e possa contribuir para o aumento da produção e ajudar ao consumo da própria produção.
A África é campo de duas grandes batalhas: a espiritual, para a conquista das almas; a material, para a conquista dos valores de trabalho. E estes portugueses, que nunca viraram o ânimo ao cometimento dos maiores sacrifícios, têm um passado que garante mais vitórias.
Sr. Presidente: confiando em que a valorização dos territórios metropolitano e ultramarino contribuirá decididamente para a normalização demográfica nas regiões sobressaturadas, concordando em que de momento não podemos deixar de recorrer à emigração em maior escala, uma vez alcançado o ritmo de migração interna de que necessitamos para o escoamento regular dos saldos populacionais, não hesito em colocar em terceiro e último lugar a emigração como último recurso a ser utilizado, já porque, mo fundo, sempre constitui uma alienação de sangue, já porque temos de resolver as nossas dificuldades com as nossas facilidades.
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Como último recurso, explico, na mobilização de meios para resolver o problema dos excessos demográficos, por que a emigração, em certa medida, terá de ser permanente, em virtude de razões de ordem política, económica e moral.
Qual o estado actual da emigração portuguesa?
Ao entrar neste capítulo, pego no relatório da Repartição de Estatística das Nações Unidas de 1900, que contou 2:400 milhões de habitantes no Mundo, confronto a cifra com os 515 milhões do século XVII, os 704 milhões de cem anos depois, os 8T5 milhões do princípio do século passado e os 1:161 milhões, aproximadamente, do ano de ILSÕO; aceito o vaticínio dos 3:500 milhões no fim do nosso século; recordo a declaração de Norris Dodd, director da F. A. O. (Organização Mundial para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas) de que todas as manhãs há no Mundo inteiro 50:000 pessoas .mais que na véspera para almoçar; medito nesta pobre terra cansada de tanto produzir; vejo terras consideradas celeiros inesgotáveis de trigo, como as ricas terras dos Estados Unidos e da Ucrânia, acusarem um empobrecimento progressivo; avalio a ansiedade dos quinhentos sábios reunidos sob a égide da U. N.º E. S. C. O. para estudar, em conjunto, a salvação da terra assassinada pelo homem; meço os espaços de cada país, cada vez mais reduzidos para a preocupação tom que todos., salvo três ou quatro -o Brasil, « Argentina, o Canadá, a Austrália, vão pondo de reserva área bastante para o seu próprio crescimento, fisiológico; reparo na política seguida por alguns, de nacionalismo fechados ou de (preferências raciais; revejo os prólogos de guerra, as devastações da última guerra mundial, as crises económicas, os já normais estados de emergência, e não tenho remédio s>enão dar por explicado este embargo que cada qual tem votado à admissão de emigrantes, embargo absoluto em alguns casos, restrições noutros, dificuldades, em suma, que nos confinam a vida em horizontes mais apertados e inquietos.
Com maiores ou menores médias anuais, de 1900 a 1941, o número dos nossos emigrantes foi, segundo os registos, de 1.213:536. Por falta de elementos estatísticos anteriores a 1936 sobre o movimento de retornados, apuram-se 37:756 -neste número estão os. que vieram ò. Pátria de visita- nos últimos seis anos daquele período.
De 1942 a 1950, inclusive, emigraram 84:113 pessoas, das quais 56:683 para o Brasil.
Quando falo .de emigração refiro-me só, como já disse, às deslocações para o estrangeiro; não envolvo a saída para as províncias ultramarinas.
O ano de 1960 merece uma referência especial:
Foi a primeira vez desde 1931 -salienta-se no Boletim Mensal do Instituto Nacional de Estatística de Outubro de l951 - que registamos mais de 20:000 emigrantes, e só isso constitui um facto significativo. Acresce que esse número ainda avulta mais pela tendência que revela e que aparece bem vincada no movimento mensal, onde o 2.º semestre acusa um aumento de cerca de 30 por cento sobre o primeira.
O mesmo número do Boletim chama ainda a atenção para o facto de 14:13-3 emigrantes dos 21:892 se terem destinado ao Brasil irmão.
Como me demorei a descrever a situação demográfica da ilha da Madeira, e, paralelamente, a de S. Miguel, ofereço dois quadros obtidos no Instituto Nacional de Estatística.
Emigrantes do distrito do Funchal nos anos de 1940 a 1950
1940...2:783
1941...659
1942...243
1943...203
1944...1:474
1945... 2:769
1946...1:370
1947.... 1:992
1948... 2:067
1949 ...2:065
1950 ...3147
Emigrantes do distrito de Ponta Delgada nos anos de 1940 a 1950
1940 ...220
1941..45
1942 ...1
1943 ...31
1944 ...118
1945 ... 110
1946 ....197
1947 .... 197
1948 .... 52
1949 .... 529
1950 ...501
Enquanto do distrito do Funchal, nos últimos onze anos, contados até 1950, inclusive, saíram ao todo 18:772 emigrantes, numa percentagem de 7 relativa à população calculada para o ano intermédio de 1945, do distrito de Ponta Delgada, no mesmo período, saíram unicamente 2:071, na baixíssima percentagem de 1,2, também relativa ao número de habitantes estimado para aquele mesmo ano.
Interessava, sem dúvida, conhecer qual o destino destes emigrantes, mas não consegui dados respeitantes a todo o período compreendido entre 1940 e 1950, tendo-me, no entanto, a Junta da Emigração fornecido números e indicações respeitantes aos anos de 1945 até 1951, inclusive.
Número de emigrantes saídos dos Açores segando o país de destino
[Ver tabela na imagem]
Ano Brasil Argentina Estados Unidos da América Venezuela Outros Países Total
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A coluna «Outros países» engloba Curaçau, Berntu das, Aruba, Hawai, Austrália, Nova Zelândia, Afica do Sul, Congo Belga, toda essa pulverizada sorte de destinos que o emigrante dos Açores, e, no geral, o emigrante português, busca hoje, não digo já para tentar fortuna, mas para tentar viver.
Quando tratei da situação da Madeira referi os esforços feitos para remover dali o excesso de população válida, designadamente através de contratos de trabalho devidamente celebrados com a Curacaosiche Petroleum Industrie Maatschappij para colocação de 1:000 trabalhadores, além dos 1:000 que já prestavam serviços naquela empresa petrolífera, ou seja, ao todo, 2:000, contingente que se tem mantido com uma útil e frequente renovação de unidades.
Vou agora dar notícia do que se fez e se está fazendo a favor de S. Miguel:
Dada a acentuada gravidade do problema na ilha de X. Miguel - sublinho por serem os termos usados pela , própria «Junta da Emigração-, em presença das dificuldades de saída de gente para o estrangeiro, pensou-se em promover a partida de 300 ou 400 trabalhadores para Angola e Moçambique, a fim de se empregarem ali, a título transitório, em trabalhos públicos., findos os quais regressariam à ilha desde que não fossem assimilados .pelo meio.
Posta de Lido esta ideia de deslocação transitória, por aqueles trabalhos terem sido orçamentados para mão-de-obra indígena e por rejeição, in limine, da parte dos peritos em assuntos- do ultramar, chamados a pronunciarem-se, opinou-se pela fixação definitiva do referido número de trabalhadores, como elementos de qualidade, iniciadores do povoamento nas zonas escolhidas do Moic-hico e Alto-Zambeze, em Angola, e Mavita, circunscrição de Manica, em Moçambique.
A linha geral da sugestão vinha já do relatório do Dr. Mário Matias, de 18 de Fevereiro de 1948, e a que já fiz referência, como um dos. remédios apontados com mais interesse, e que não indicava só «o recrutamento excepcional de colonos micaelenses para Angola e sua colocação oficiosa, nos primeiros tempos, em sociedades agrícolas ou em serviços públicos», mas aã elaboração de um vasto plano de colonização d>e Angola por famílias açorianas».
Não obstante a mobilização das vontades assistidas pela perfeita compreensão da urgência na resolução do ouso micaelense, os serviços de informação e inspecção do ultramar foram de parecer, e com autorizada razão, de que Angola, no momento, não estava em condições de receber aquele número de trabalhadores micaelenses, anteolhando-se «uma solução momentânea», que seria a de os agrupar transitoriamente em região planáltica e salubre com um salário mensal de 1.000$, alojando-os em acampamentos de trabalho, com alimentação em comum, até serem absorvidos gradualmente pelas entidades públicas ou privadas da província.
Arrumada também esta sugestão no monte das esperanças mortas, a Junta da Emigração enviou ao Brasil, em fins de L950, um dos seus inspectores, com o fim de estudar, em ligação .com as nossas autoridades consulares, a possibilidade de colocação na agricultura de algumas família» micaelenses.
Verificou-se então ser possível colocar ali 300 famílias, mas sem quaisquer contratos ou acordos escritos. Iriam trabalhar e viver para junto de agricultores já estabelecidos e Suficientemente idóneos.
A título experimental foram escolhidas 40 famílias, das quais partiram já 26, compostas de 178 indivíduos. Não temos curadores a vigiarem o andamento da experiência. São os cônsules os encarregados desse serviço.
Só duas famílias abandonaram o destino que levaram. As restantes estão satisfeitas com a sua situação.
Embora o movimento de emigrantes tenha em 1950 atingido um número maior, a verdade é que está longe de corresponder às necessidades actuais, ainda que transitórias na sua premência, pelo menos até que sejam aproveitados ao máximo os recursos da metrópole e elevada ao- possível a corrente migratória para o ultramar.
Esses emigrantes clandestinos, de quando em quando enviados aos tribunais -fora os que se escapam-, são uma. amostra de que a drenagem, de uma maneira geral, está .abaixo do que as circunstâncias reclamam. Mas, no que respeita à ilha de S. Miguel, já não é bem a vulgar necessidade que se sente, oprimindo e abafando vidas; são «-s próprias vidas que se lançam no caminho da aventura, temerárias, heróicas, jogando tudo por tudo.
Narro estes dois casos:
Tomei conhecimento do primeiro no tribunal de Ponta Delgada. Tratava-se de um rapaz de 19 anos, «serralheiro mecânico, e ide um outro jovens, contínuo de profissão, com 17 anos,- ambos presos no dia 15 de Abril de 1950, quando dormiam sobre a Rocha da Relva, descansando antes de se fazerem ao mar num simples barco de borracha, do modelo usado nas forças aéreas americanas.
Parece incrível, mas o apetrechamento do irrisório batel constava de uma bomba manual para enchimento de câmaras-de-ar; quatro coletes de salvação, de borracha; uma pequena vela talhada e feita de pano ou cotim de riscado; um delgado mastro, com o seu cordame; três leves e frágeis remos; uma rudimentar bússola de algibeira; uma lanterna de sinais marítimos, sem carga; uma faca de mato; uma carta hidrográfica da ilha de S. Miguel; um caixa de comprimidos de sacarina cristalizada, com 500 unidades; uma mala que continha um tosco receptor, de pilhais, de unia lâmpada, ao qual faltava a respectiva lâmpada.
Esta simples enumeração aumenta o tamanho da aventura.
Levavam ainda uma; bandeira nacional, e o rumo pretendido e confessado era o da América do Norte.
Procurando na lei- todos os motivos de absolvição e encontrando-os na inidoneidade dos meios para a consumação do crime de emigração clandestina -além do barco velho e frágil, com o fundo ameaçando descolar-se,, sem quilha e sem leme para governo, tudo o anais era rudimentaríssimo, precário, ineficaz-, deixei no processo estas impressões* que reproduzo aqui:
Ao cabo de uma batalha de três anos pela ideia de emigrarem para a América do Norte, os dois arguidos representam o drama de milhares de almas que se debatem no círculo apertado desta ilha, sem espaço para viver.
Exaustos, dormiam sobre ia racha dura quando a "polícia os prendeu.
A seus pés as ondas batiam, a embalar-lhes a miragem.
Não tinham esquecido a bandeira da Pátria. Levavam-na para timbre de glória na hora do triunfo ou para mortalha de honra na hora da morte.
O povo a mais que para aí se atropela e esmaga, na atribulada ânsia de conseguir um palmo de chão para verter o suor do rosto, é assim: adormece por vezes, cansado de lutar. Quando acorda sente-se preso. É o mar que o cerca. Também luta e sofre, também sonha e desperta, também nunca esquece a Pátria; o seu sangue enche metade da
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bandeira e a outra metade é feita da esperança, que nunca o desampara, de ir sempre mais além com o nome de Portugal.
O segundo caso relataram-nos jornais de S. Miguel, com prolongado eco no Mundo:
Dois rapazes também, um com 26 outro com 27 anos, carpinteiros, sem trabalho, apesar lie bons artífices. Um deles é casado e tem filhos; o outro tem a seu Cargo a mãe, viúva, e duas irmãs. Tentam vários meios honrados de ganhar a vida. Inscrevem-se, como emigrantes. Não há maneira. As dívidas avolumam-se. Sufocam, não podem mais. Em dia de S. José de 1951 lançam, a ocultas, a delgada quilha de um barco que constróem com as suas próprias mãos. No dia de S. Pedro terminam a obra. Ê tempo. Fazem-se então ao mar, dizendo que vão à pesca, mas o rumo é pura a América do Norte. Um deles deixa uma carta escrita à mulher:
Sabes que somos casados e que temos filhos e que é preciso ganhar o sustento e o futuro deles e o nosso também.
Quando eu chegar a terra, mandarei um telegrama, e se por acaso não tiveres notícias minhas dentro de dois meses, é porque o .Mundo se acabou para a gente.
Guiado pelas estrelas, o pequeno barco -o S. José - atravessou mais de 2:400 milhas. Não se sabe como resistiu as tempestades que o castigaram. Ia já quase a meio canal de Bermuda-Nova. Iorque. Passou um navio de alto bordo. Os dois emigrantes, náufragos da vida, também eram náufragos do mar. Recolhidos e transportados à América do Norte, por lá andaram nos braços e nos corações da colónia portuguesa. Mas os tribunais americanos tambem julgam estas odisseias ... e qualquer dia os dois emigrantes audazes terão de voltar à sua terra, se já não voltaram, para nela consumirem os rostos da sua louca, mas brava aventura.
Em que condições se emigrava de Portugal?
A despeito das medidas fragmentárias tomadas ao sabor das dificuldades ou das circunstâncias, os emigrantes estavam praticamente abandonados, sem uma entidade ou organismo oficial que lhes acautelasse e defendesse o destino.
Chegamos a 1947 com muita gente concentrada nas mãos de exploradores sem escrúpulos, que conseguiam passagens para o Brasil levando preços de ocasião.
Ultrapassadas as portas do Tejo à custadas exorbitâncias pagas, e depois de grandes demoras e canseiras, os emigrantes, com as reservas físicas e morais diminuídas e as financeiras completamente esgotadas, não encontravam, as mais das vezes, trabalho. Era o último acto da tragédia.
A questão tomou proporções alarmantes e foi por mini tratada nesta Assembleia na sessão de 10 de Janeiro de 1947.
Não me arrependo de ter fustigado então, com palavras bastante duras, esses exploradores de sangue exportado. O curto é que em 29 de Março seguinte era publicado o Decreto-Lei n.º 06:199, que suspendia a emigração.
Que se fez depois?
O Decreto-Lei n.º 36:558, de 22 de Outubro, ainda de 1947, criou a Junta da Emigração, fixando-lhe as seguintes atribuições:
a) Estudar e propor superiormente as providências
relativas à emigração;
b) Submeter à apreciação do Governo os princípios gerais de carácter técnico a observar nas negociações destinadas à celebração dos acordos internacionais sobre emigração;
c) Definir as bases dos contratos de trabalho, com o objectivo na o só de assegurar a defesa dos interesses dos emigrantes, a fixação de um período de duração do contrato, a repatriação, a previdência, indemnizações por doença e acidentes de trabalho, como também do garantir a remessa pelos emigrantes ou o pagamento um Portugal de parte dos salários;
d) Propor os contingentes de emigrantes autorizados a sair para cada país;
e) Propor para cada região e cada profissão o número de trabalhadores autorizados a emigrar.
De harmonia, com estas regras, tem a Junta atendido ao interesse dos emigrantes, não lhes permitindo a aventura nem o abandono das suas famílias.
Cada processo é cuidadosamente estudado e é a Junta quem indica, recebe, confere e harmoniza a documentação necessária para o visto consular. Em 1949 foram organizados, nestas condições, 8:200 processos; em 1950, 16:351; em 1051, 25:704.
Os emigrantes são. esperados à sua chegada a Lisboa ou ao Porto e desde logo acompanhados por pessoal da Junta até à Casa do Emigrante, onde ficam bem instalados. São ainda os funcionários da Junta, que os acompanham, depois, ao cais de embarque, removem todas e quaisquer dificuldades alfandegárias e os entregam ao inspector encarregado de os seguir durante a viagem.
A bordo segue também um médico, que visita a farmácia, e as enfermarias, para se assegurar dos medicamentos existentes e requisitar os que faltem, segundo uma relação aprovada, superiormente.
Os alojamentos são cuidadosamente examinados, tanto que foram já dados por impróprios para transporte de emigrantes portugueses dois navios - um italiano e outro panamiano - e foram rejeitados todos os dormitórios em camaratas de dois navios espanhóis e de um francês.
A alimentação é objecto de meticulosa vigilância.
É de grande utilidade a acção das a equipes de assistência» a bordo, junto dos emigrantes que partem, proporcionando-lhes a assistência médica, conselhos e amparo moral, mas não é menos útil e necessária junto dos que regressam, especialmente dos repatriados a quem a fortuna não favoreceu e que ao fim de uma, longa vida de trabalho mal pago, em terra estranha, onde tantas vezes perdem a saúde, voltam à Pátria pobres e inválidos para se acolherem à caridade de parentes. As « equipe» de assistência» têm instruções especiais para dispensarem aos mais desprotegidos da sorte a mais cuidadosa assistência e apoio, para que logo após o embarque em terra estranha possam sentir que a Pátria não os esqueceu e a Junta da Emigração os não desampara.
A benéfica acção tutelar da Junta da Emigração prolonga-se ainda, quando a viagem termina, para aqueles que dela carecem; os pobres são instalados por conta, da Junta na, Casa do Emigrante, que igualmente promovo o seu transporto e o das bagagens até à sua terra.
Apesar de a quota dos repatriados ter diminuído bastante, li este trecho de uma informarão que colhi, para se ver até que ponto vai, não a. obrigação, mas o carinho oficial.
Creio que em matéria de assistência ao emigrante até ao país de destino estamos praticando o necessário.
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Mas no que diz respeito à preparação do emigrante antes de deixar a sua terra e à assistência que lhe é devida depois de chegar à terra estranha é que não avançámos ainda o bastante.
Ao discutir-se o aviso prévio do Dr. Galiano Tavares - que versou os contratos colectivos de trabalho no Alentejo, Casa do Povo e salário familiar do trabalhador rural - na sessão de 26 de Janeiro de 1950 o Prof. Sousa da Câmara, depois de afirmar que não bastaria a esplêndida obra de colonização metropolitana para conseguirmos o nosso maior objectivo fixar o nosso excedente populacional -, perguntou, ansiosamente, como evitar as consequências catastróficas desse processo demográfico em curso, que nos traz um milhão de almas a mais em cada dez anos, e a seguir respondeu, com a energia e o acerto do seu costumado brilho, que não havia outra maneira senão a de se olhar de frente para o lado da colonização e da emigração.
Também foi sempre esta a minha ideia e, se recordo a posição do Prof. Sousa da Câmara no assunto, não é só para cumprimento de um gratíssimo dever de lealdade e de homenagem, é ainda para poder referir estas passagem do seu discurso:
Como a emigração tem de ser de qualidade, é indispensável promover a educação dos colonos e emigrantes. Escolas de emigração terão de surgir, onde os homens se eduquem e preparem para as tarefas que se espera possam executar ou no nosso ultramar ou nos países que os acolhem.
Assim, com mais garantias de triunfo, poderemos continuar a manter, e até melhorá-la, a posição galharda do emigrante português.
Tem-se exigido que os emigrantes saibam ler e escrever, e quanto à sua preparação nada mais se adiantou.
Precisamos, na verdade, de rever este ponto, melhorando e valorizando o emigrante como elemento activo da nossa representação, como espelho das nossas virtudes e retrato do nosso viver.
Também não fomos ainda até onde poderíamos, ter já chegado no que respeita à assistência devida ao emigrante depois de instalado no país de destino. Esse encargo está presentemente a ser desempenhado pelos nossos cônsules.
Não é bastante.
Nem sempre se podem deslocar para onde a sua presença é mais reclamada, muito menos se lhes for exigida assiduidade, e não é vulgar o dinamismo vibrante de um Teotónio Pereira, embaixador da consciência portuguesa, que tanto estava em Washington, ao leme dos altos interesses da política internacional, como na Califórnia, em Gloucester, onde houvesse portugueses, até nos bancos da Terra Nova e em Provincetown, no meio dos nossos pescadores do Cape Cod, falando-lhes na nossa língua, vestindo como eles.
Na sessão de 22 de Março de 1950 o major Sá Viana Rebelo, hoje Subsecretário de Estado do Exército, aludiu a certas notícias que um jornal português dos Estados Unidos da América publicara, visando a nossa actual situação política e envolvendo o deslustre da Pátria, que a mesma situação tornou maior e mais respeitada. A falsidade, a deturpação e a informação tendenciosa eram manejadas de modo a causar a impressão de que Portugal vive um dos mais negros períodos da sua história.
Em qualquer parte os problemas mostram os seus aspectos bons e os seus aspectos maus. Pois não temos o direito de tratar aqui uma questão, pondo-a como ela é. Se apresentamos os lados felizes, os forjadores da mentira cerram os olhos e os corações; se, com plena franqueza e pleno esforço construtivo, projectamos a necessária luz sobre as arestas difíceis, então os suicidas do seu próprio nome pegam nos fachos que erguemos e correm a deitar fogo ao berço em que nasceram.
A discussão do aviso prévio sobre os contratos colectivos de trabalho no Alentejo, a que já me referi, deu lugar a que se agitassem as crises resultantes da falta de trabalho em certas épocas do ano naquela província. Pois o que se disse aqui a propósito serviu para o Diário de Notícias de New-Bedford - a capital dos portugueses da América - generalizar, com foros de tragédia nacional e com as tintas mais espantosas, essas crises a todo o País.
Valha-me Erico Veríssimo e aquele seu comentário na Volta do Gato Preto:
Este não é os Estados Unidos de seus sonhos, o país que os magazines ilustrados sempre lhe pintaram moderno, limpo, belo, monumental - uma terra de conforto e facilidades, em que basta apertar um botão para...
Referi o excesso populacional micaelense como determinante da vida penosa da massa rural da ilha de S. Miguel e tive o cuidado de declarar que, embora o factor gente a mais esteja a dar sinal de si nas restantes ilhas do arquipélago, a situação só é aflitiva em S. Miguel.
Mas já em 3 de Junho de 1950 o New-York Times publicou uma carta onde, entre outras afirmações, se fazia a de que os 400:000 homens, mulheres e crianças de todo o arquipélago - de todo o arquipélago, note-se - se encontravam virtualmente prisioneiros de circunstâncias económicas, com todos os elementos da miséria humana em evidência, e o jornal português a que já aludi transcreveu gostosamente essa carta na sua edição daquele mesmo dia.
E eu não me admiro que o exagero de tais informadores da opinião pública me transforme as palavras em archotes de raio de acção total.
Que hei-de dizer então?
Perdoai-lhes, Senhor, o mal que fazem a si próprios, pois a Pátria, tanto quanto podem a grandeza e a benignidade humanas, perdoa-lhes também.
Isto não impede, antes obriga, a que se tomem medidas no sentido de manter as nossas colónias de emigrantes bem informadas sobre a Mãe-Pátria, por meio de uma convivência permanente e sã com as ideias e os factos que lhe recheiam a vida. Esta convivência terá de ser organizada oficialmente, criando-se escolas primárias da língua portuguesa dirigidas por professores competentes e bem orientados, facilitando-se a cooperação da igreja, ajudando-se as publicações periódicas já existentes, encarregando escritores, jornalistas, conferencistas de ensinarem as verdades da Pátria, utilizando a rádio, os documentários fotográficos, o cinema, o teatro, acarinhando as manifestações associativas, amparando, protegendo, desenvolvendo todas as iniciativas culturais, promovendo tudo o que for útil para avivar e manter o sentimento da Pátria, o apego, o amor à sua continuidade, à sobrevivência das suas virtudes e das suas glórias.
Penso que seria de grande proveito estimular e organizar romagens de saudade e observação de elementos representativos - e sempre renovados - dos mais importantes núcleos de emigrantes, para virem de tempos a tempos retemperar a consciência e a vontade no ar e no sol da sua terra, percorrendo os mesmos caminhos, ajoelhando diante dos mesmos altares, matando a sede nas mesmas fontes.
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No que respeita aos portugueses fixados na América do Norte a execução deste programa ou de outro mais eficiente torna-se urgentíssima.
Não é porque o campo se mostre raso. Curvo-me nesta tribuna da Assembleia Nacional diante do esforço desses homens que fundaram escolas, associações e igrejas para continuarem a falar e a rezar em português.
Desde que nos começos do ano de 1869 -a seguir ao padre António Felisberto Dias, que faleceu em 1866, e ao padre Nóia, que não conseguiu adaptar-se - chegou a New-Bedford o padre João Inácio de Azevedo, da ilha do Pico, dos Açores, e em 1875 - segundo afirma o tenente coronel Luís Câmara Pina na sua (magnífica tese, apresentada no Congresso da União Nacional e publicada em 1945, com o título Dever &c Portugal para com as com as comunidades Lusíadas da América do Norte- se inaugurou naquele país a primeira igreja portuguesa - a igreja de S. João Baptista -, quantas mais ergueram o dinheiro e a fé dos emigrantes, de Portugal?
Em 1944 tínhamos trinta e duas igrejas em toda a América do Norte. Outras têm sido construídas e sagradas, como a do Santo Cristo, em Fall River, e a de Nossa Senhora de Fátima, em Ludlow. São gerais os louvores feitos ao clero português, que na poderosa nação americana não só tem cumprido elevadamente as suas obrigações religiosas, mas praticado nobremente os seus deveres patrióticos. Também eu quero, com toda a sinceridade e vibração, juntar a minha voz a esse coro impressionante.
Na Nova Inglaterra as escolas portuguesas são todas paroquiais. Foram eles, os sacerdotes, que por sua iniciativa as fundaram, entregando-as, em grande parte, à direcção de irmãs de caridade, algumas luso-americanas, que nelas leccionam com vontade e abnegação.
Néon só na Nova Inglaterra. Não se pode ver, por exemplo, a Escola de Nossa Senhora do Monte do Canino, em New-Bedford, sem se sentir uma funda comoção - disse o embaixador Teotónio Pereira, de regresso a Lisboa, na sua passagem por S. Miguel, em Fevereiro de 1950.
Há que legalizar os exames feitos nessas escolas, equiparando-os nos exames idênticos feitos em Portugal; há que enviar livros, mapas, programas portugueses; há que conceder subsídios na medida do possível e nos casos para que se mostrem indicados.
A epopeia que os portugueses vêm continuando na América do Norte é quase ignorada em Portugal; contudo, eles são, naquela grande e poderosa nação, uma pujante presença de Portugal.
Salvaram-nos de se afogarem nesse mar imenso de raças, línguas e costumes diferentes principalmente as igrejas portuguesas, verdadeiros larários da fé e da tradição nacional.
Estas palavras são de S. E. o Cardeal Cerejeira e eu não posso dizer melhor nem traduzir melhor a verdade.
Ainda não há muitos anos o director do Correio dos Açores, jornal diário que se publica em Ponta Delgada, foi à América em viagem patrocinada pelo Instituto para a Alta Cultura. Falando com o reitor da Barkley High School, este disse-lhe que mantinha ali uma cadeira de Português anais por atenção ao Brasil, visto que de Portugal não lhe tinham manifestado qualquer interesse.
A Universidade de Barkley também mantém um curso com leitores de Português e os nossos emigrantes ofereceram um busto de Camões, de bronze, que está colocado na sala da biblioteca, junto do busto de Dante; mas na satã do «periodismo», onde havia jornais de todo o Mundo, não havia um único de Portugal. Em muitas outras Universidades americanas funcionam cursos iguais, mas os leitores são todos, ou quase todos, estrangeiros.
Porque não remetemos para a biblioteca do Congresso, em Washington, e para outros centros culturais de importância os nossos melhores livros? Porque não mandamos para a América portugueses leitores de Português?
O México, por exemplo, subsidia o ensino da língua, tem um departamento de expansão que leva revistas, livros, publicações às casas dos seus emigrantes, proporcionando-lhes sessões cinematográficas, conferências, festas regionais.
O Brasil mantém no Uruguai, Paraguai e Argentina cursos regulares de Português. No Uruguai subvenciona até um curso de formação de professores da língua portuguesa e, em tempos, subvencionou em Londres, no King's College, o curso de Camões.
Temos de nos associar com o Brasil na defesa da nossa língua.
O tenente-coronel Luís de Pina, na tese que já citei, apela para o Estado -Instituto para a Alta Cultura, Secretariado Nacional da Informação, Ministério da Educação e Ministério dos Negócios Estrangeiros - para que mandem imediatamente para a América professores capazes de ensinar a língua portuguesa com amor e devoção. Cumpre-nos apoiar e renovar este apelo e lembrar mais uma vez que «se ainda vamos a tempo, se ainda tudo não está perdido e é possível reanimar o brilho da chama, devemo-lo ao clero português», pois se até no próprio Brasil os espanhóis andam a fomentar a expansão fortemente organizada da sua língua e da sua cultura...
Diz o padre Teófilo de Oliveira, com mais de vinte anos de permanência na América:
Actualmente, nas três missas dominicais faço duas das minhas prédicas em português e uma em inglês (porque assim me exigem jovens paroquianos que não compreendem o português).
Parece-me que com o andar dos tempos terei de acabar por falar sómente e sempre inglês.
Referindo-se depois à boa fibra patriótica, que luta com a esmagadora maioria, faz este aviso:
Mas tudo se gasta, o tempo e as tempestades da vida desfazem até os mais fortes granitos. E não temos tempo a perder.
O incitamento legal à naturalização e a falta de uma regular corrente emigratória são dois grandes agentes destruidores.
Em fins de 1950 reuniu-se em Washington, na biblioteca do Congresso, com a cooperação da Universidade Vanderbilt, o Coloquium Internacional de Estudos Luso-Brasileiros. Finda a reunião, os nossos delegados dirigiram-se aos centros onde vivem os mais importantes núcleos portugueses e fizeram ali notáveis conferências, algumas delas acompanhadas com projecções cinematográficas.
Na mesma altura o nosso grémio de livreiros realizou uma exposição bibliográfica na Biblioteca Pública de Nova Iorque, repetindo-a depois em New-Bedford.
Este bálsamo vivifica dor produziu os seus resultados. Tem é de ser derramado amiudadas vezes.
Também não temos acordos sobre a emigração nem sequer com os países tradicionais para a emigração portuguesa. As diligências feitas neste sentido com o Brasil e a Argentina - as únicas diligências que conheço - não foram coroadas de êxito. Mas não se deve desistir.
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Só através de acordos devidamente estudados e celebrados os nossos emigrantes poderão gozar de uma assistência séria e constante exercida por curadores, que lhes dispensem conselho e amizade e os animem, a, todo o momento, na fé do valor e dos destinos da Pátria.
Não quero dizer curadores funcionários. Cairíamos no processo burocrático do repartição montada, para mais em terra distante. Refiro-me a curadores dotados d o espírito de missão, ainda que suficientemente ajudados, como esses sacerdotes que tão luzentes provas têm dado em toda a nossa história, e, no nosso tempo, como já descrevi e todos podem ver, sem recompensas oficiais, na América do Norte.
Poderá ser que para o Brasil, por exemplo, e por razões de ordem política, o sistema não seja de aconselhar, por ser para aquele país, mas outro se deverá encontrar.
Talvez uma delegação da Junta da Emigração, com gente bastante escolhida.
O que importa é avançar bem e depressa nestes sectores da preparação e protecção ao emigrante. Quando pensamos no que se leve ao seu esforço isolado, ao que ele tem feito por si, a bem de Portugal, sobretudo no Brasil e na América do Norte, mais se nos impõe o dever de não o deixar abandonado à sua sorte e à fatal integração na massa que o envolve.
O natural seguimento destas minhas considerações leva-me direito ao último tema que me propus desenvolver: o futuro da emigração.
Como vai perdido no passado o tempo em que os fenómenos migratórios iam com a onda do deus-dará, e os que queriam partir partiam para onde lhes indicasse a sua estrela, sem entraves e com poucas ou nenhumas formalidades.
Mudar de terra, de país, ir viver para debaixo de outro céu, não era caso para obedecer a tanta lei, para preencher tanto papel, para correr a Ceca e Meca de tanta repartição pública. Era a bem dizer o mesmo que ser romeiro e deitar os pés à estrada, só com o esforço de voltar a cabeça na primeira curva para dizer adeus aos que filiavam.
Tudo se transformou.
Uma densa proliferação legislativa e diplomática, uma febre de organizações nacionais e internacionais, de conferências, de estudos, de condicionamento da saída de emigrantes, de exame das suas condições físicas e morais, todo um vasto movimento de análise e regulamentação do problema emigratório mundial, fechou porcas, barrou caminhos, peou destinos, e agora secam-se as almas à esperto de uma aberta por onde se divise espaço livre.
Consequência dos tempos, da saturação populacional nos territórios de maior emigração e esse medo real de que a terra mão chegue, instalado já no comando de muitas nações.
Se o futuro da emigração nos diferentes países tende para horizontes cada vez mais estreitos, o que será da nossa emigração?
Enquanto o quadro das possibilidades metropolitanas não estiver a modos de ir pegando na parte do acréscimo populacional que lhe cumpre absorver e a extensão ultramarina não se mostrar preparada para o escoamento principal, acho bem que se tentem os rumos possíveis. Mas depois não.
A emigração para o Hawai, que chegou a ser grande, hoje é nula.
Na Argentina temos um pequeno núcleo relativamente próspero, que se dedica, principalmente, à floricultura, mas não se vê margem para uma intensificação emigratória.
A Venezuela, que no começo, há poucos anos, parecia um Brasil, com o ouro de outras eras substituído pelo petróleo, que é o ouro da nova idade, já se queixa de gente arribada de todos os mares.
Em 20 de Abril de 1950 o jornal O Século dava a conhecer um telegrama, vindo de Madrid, em que se dizia ter o diário Pueblo publicado uma crónica do respectivo correspondente em Caracas sobre estrangeiros na Venezuela e o que eles começavam a sofrer em consequência dos sucessivos desembarques de novos emigrantes.
Não deixa de ser cruel - observa o cronista - atrair seres humanos, que chegam cheios de ilusões, de sonhos e de esperanças e que acabam arrastando-se pelas ruas, mendigando e morrendo lentamente.
As vezes aparecem sugestões e facilidades aliciantes, mas nem sempre tudo o que luz...
Por alturas de 1950 o director do Departamento de Emigração e Naturalização do Canadá declarou à United Press que trataria de remover todos os entraves, de maneirada aumentar as quotas de emigração de vários países. O Canadá -acrescentou - propõe-se, de acordo com o seu novo projecto de emigração, receber anualmente 150:000 a 170:000 emigrantes. Pois uma notícia vinda de Montreal, com a data de 10 de Fevereiro último, referia-se a incidentes no campo de concentração de emigrantes em Ajax, Ontário, parecendo que o sucedido - diz a notícia - reflectia o descontentamento por causa das dificuldades em arranjar trabalho.
Com referência às Bermudas, as condições de trabalho oferecidas aos nossos emigrantes não têm sido muito de aceitar. Chegou-se mesmo, em consequência de um inquérito oficial a que se procedeu há tempos, a proibir transitòriamente a emigração para aquelas ilhas.
Estes quadros convencem; mas, ainda que as portas do Mundo se abrissem todas e a vida em toda a parte se tornasse fácil, teríamos de rever a nossa política de emigração. Não nos interessa derramar o sangue por tanto destino ao mesmo tempo. Assim nunca o poderíamos refrescar e avivar. Era uma tarefa imensamente multiplicada e imensamente dispendiosa. Para que o nosso sangue se não aliene ou se não perca temos de limitar as correntes de emigração, derivando-as e doseando-as para os grandes e mais convenientes destinos. Quanto a mim, só nos serviria o Brasil e a América do Norte. A pouco e pouco - depois de realizados os necessários acordos de emigração com aqueles dois países o ressalvados os raros casos especiais de emigrantes que pretendam juntar-se a suas famílias - as saídas para os restantes centros de emigração deveriam ser canceladas de uma vez para sempre.
O Brasil, porque estamos na raiz da sua formação moral, porque estamos no seu fundo étnico, porque adiantamos até lá o nosso espírito, a nossa cultura, a nossa língua.
Não sei se foi Guerra Junqueiro que num daqueles seus rasgos de inspiração viu o Brasil nado e criado com torrentes de vida - o nosso sangue; com um hino de aurora - a nossa fé; com estrelas de dor - as nossas lágrimas.
Pois não podemos abandonar o sangue, nem a fé, nem as lágrimas, que se juntaram ao sal do mar e orvalharam a secura dos sertões, regando conjuntos de almas e estradas de epopeia.
A América do Norte, porque temos lá mais de meio milhão de portugueses, entre os que foram e os que por lá nasceram; porque estamos hoje irmanados com a grande nação nas boas e difíceis cruzadas do Mundo; porque o interesse é recíproco; porque tivemos na última grande guerra, em todas as frentes, milhares de soldados de sangue português - 40:000, afirma-se - a combater por essa América onde vivem; porque temos nomes da nossa gente gravados nalgumas praças e ruas da poderosa nação, como sinal dos feitos que comete-
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ram; porque em Richmond, na Virgínia, está uma memória erguida ao português que foi ao mais intrépido soldado de George Washington»; porque desejamos continuar a ajudar com o nosso espírito e o nosso esforço, portuguêsmente, a terra com a qual fazemos barreira aos perigos do nosso tempo.
Brasil e América do Norte, os dois grandes e únicos destinos da nossa emigração - tudo o mais é sangue perdido.
Como português dos Açores, sinto-me à vontade dentro deste rumo.
Queiram ouvir estas declarações que o Prof. Paiva Boléu, da Universidade de Coimbra, fez aos jornalistas que o interrogaram ao regressar de Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina, onde acabara de tomar parte no congresso comemorativo do bicentenário da colonização açoriana:
O meu coração de português jamais esquecerá as horas lusíadas que vivi nessa pitoresca cidade e, sobretudo, o orgulho com que tantas famílias catarinenses me vinham dizer que descendiam de açorianos. Mesmo que tenham sido humildes trabalhadores, tal descendência é considerada como unia espécie de título nobiliárquico, como um grau mais profundo de brasilidade.
E mais estas palavras de S. E. o Cardeal-Patriarca de Lisboa:
Na imensa nação americana continuei a ver os Açores - nos olhos dos açorianos.
Sr. Presidente: não podemos parar na sina de crescer.
Tem-se dito muitas vezes que a Providência nos acudiu a tempo, mandando-nos o Homem preciso.
Penso muito nessa verdade e acredito no seu prolongamento.
Por isso estou certo de que as dificuldades, mesmo as piores de que dei conta, irão sendo vencidas e arrumadas. E se passo a resumi-las, a resumir os caminhos que se me afiguram possíveis e a condensar determinadas notas, é mais para que se não diga que me resolvi à jornada com vontade para a seguir e sem forças para a concluir. Assim, persistindo em tudo quanto disse e considerando presentes todos os pormenores e todas as razões, assento então nalguns pontos principais:
1) No processo demográfico português predominam os factores de ordem religiosa e histórica;
2) Analisando as diversas teorias que pretendem estabelecer o critério do óptimo populacional, verifica-se que o problema é comandado pela ansiedade, a todo o momento renovada, de procurar sempre um fim melhor para além do ultimo fim conhecido e que o mais seguro está em cada país trabalhar o seu próprio caso com os seus próprios recursos;
3) Embora as densidades aritmética, fisiológica e agrária não sejam suficientes para a determinação do nível de vida da população, revelam que os portugueses estão mal distribuídos pelo seu território;
4) O facto de termos menos de 1 hectare de terra agricultável, mas pobre, por indivíduo, os baixos índices de produção, o deficit diário das calorias alimentares, o reduzido poder de compra, o número dos que pedem emprego, a falta de trabalho em certas regiões, os cálculos estatísticos e os estudos económicos levam a afirmar que a saturação demográfica existe e progride, caracterizando-se no Minho, Douro Litoral, Beira Litoral, Beira Alta e Algarve por manchas mais ou menos carregadas e acentuando-se enormemente nas ilhas de S. Miguel e da Madeira.
5) Não obstante os trabalhadores portugueses viverem na preocupação constante do Governo e o seu bem-estar constituir um dos maiores objectivos da política nacional, a despeito das novas áreas criadas para o trabalho, da melhoria das suas condições, do reconhecimento, das garantias e defesa dos seus direitos, não se conseguiu ainda o nível desejado nem o emprego para todos os braços, sendo de notar que os trabalhadores rurais são os que vivem pior, cumprindo valer-lhes com medidas imediatas e decisivas.
6) Designadamente com referência aos camponeses, a situação na ilha de S. Miguel e na ilha da Madeira reveste aspectos bastante graves, havendo a considerar:
A Madeira ainda possui recursos que lhe permitem alguma defesa.
Mas S. Miguel:
a) Com a balança comercial fortemente desequilibrada ;
b) As suas principais indústrias em crise;
c) As saídas mais fechadas à emigração;
d) Os seus 12:000 inscritos, em poucos dias, nos registos camarários como candidatos a emigrantes;
e) Os seus emigrantes clandestinos, que tentam desesperadamente forçar a saída, entregando a vida a espantosas aventuras;
f) Os seus 15 por cento de rurais com salário diário garantido e os restantes 85 por cento contemplados só com três meses e meio de trabalho;
g) A falta de uma grande actividade que reparta pela população dos campos salários, como a dos bordados da Madeira;
atravessa grave período de carência de trabalho e de meios de provimento, a que urge valer sem delongas e com todo o peso dos processos resolutivos;
7) O facto de a população portuguesa se multiplicar à razão de um milhão de almas por decénio demonstra a vitalidade da raça, mas a verificação de excessos demográficos, seja em que país for, desperta, invariavelmente, crises de emprego e de suficiência alimentar enquanto se não dá a conveniente fixação dos saldos dentro do território nacional ou se não procede ao seu escoamento para o estrangeiro. É um problema de governo para um bom Governo, e nunca uma dificuldade, que só acontece aos maus Governos;
8) A acção do Estado nas duas últimas décadas desenvolvida através do Fundo de Desemprego e de milhares de obras públicas no sentido de proporcionar trabalho e sustento aos portugueses dentro de Portugal tem sido verdadeiramente notável, mas a questão exige soluções de fundo pelo aproveitamento e criação de novos espaços destinados à sobrevivência dos saldos demográficos;
9) Nem só o Estado deverá agir. Aos particulares cabe, por consciência social e patriótica, a obrigação de alargarem, tanto quanto possí-
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vel, o quadro dos investimentos reprodutivos, fazendo do dinheiro disponível um argumento de paz, e nunca motivo de discórdia;
10) Os dois grandes esforços terão de ser conjugados nas suas linhas fundamentais para produzirem não só o maior mas o mais acertado rendimento, devendo o Estado, na seriação das suas resoluções, atender ao mais urgente sob o ponto de vista nacional e local;
11) A experiência já mostrou - até à saciedade na ilha de S. Miguel, onde vive gente da mais portuguesa de Portugal - que a hierarquia dos financiamentos, segundo a hierarquia das necessidades, terá de ser estabelecida e respeitada, sob pena de se desprezarem direitos que não admitem sobreposição de pessoas ou de sentimentos e só aspiram à sua justa satisfação no quadro da unidade nacional;
12) As crises resultantes da superabundância do capital humano podem ser atenuadas ou resolvidas transitòriamente com a execução de obras públicas de toda a natureza, mas só podem ser vencidas pelo avanço da produção, pelo fomento da riqueza, pelo estabelecimento de novas condições de vida, pela multiplicação das fontes de suficiência económica;
13) O primeiro processo será o de fazer progredir os recursos mais próximos dentro de Portugal metropolitano, aproveitando-os e valorizando-os ao máximo, mas, utilizado o meio através da Junta de Colonização Interna, verifica-se que se não acompanha a progressão dos excedentes populacionais e que, mesmo na hipótese de se conseguir o arrumo desses excedentes, o território, a breve trecho, não daria para mais;
14) Assim, e por compreensão do dever nacional, sem deixar de prosseguir, com o maior ritmo, no aproveitamento da terra metropolitana, temos de intensificar cada vez mais a ocupação étnica das províncias ultramarinas, designadamente Angola e Moçambique:
a) Realizando o Estado os grandes melhoramentos públicos indispensáveis à recepção dos povoadores - obras hidroagrárias, hidroeléctricas, rede de comunicações, serviços técnicos e sanitários da assistência geral, orientação cientifica da produção pela investigação do solo, do clima e das culturas;
b) Facilitando o mais possível, e no seguimento das medidas já tomadas pelo Governo, o transporte dos que, reunindo as necessárias condições e oferecendo as prováveis garantias de êxito, queiram servir em África como soldados da grande cruzada do povoamento;
c) Encorajando os novos povoadores a não temerem o clima, a renunciarem à ideia de fazerem fortuna em pouco tempo, a irem viver, como se vive na metrópole, em agregado familiar ligado à terra, para a trabalhar com o orgulho e a consciência de a fazer produzir;
d) Aproveitando as melhores experiências de povoamento já vingadas, para as estudar, utilizar e indicar, como exemplos a seguir;
e) Reformando o crédito no sentido de poder auxiliar, com prazos de amortização suficientemente dilatados e juros animadoramente razoáveis, em especial, a instalação das novas explorações agrícolas;
f) Regulando a saída de dinheiros para fora de Angola e Moçambique, de forma a levar ao investimento, tanto quanto possível reprodutivo, de uma parte dos lucros obtidos nas duas províncias através do exercício das actividades comerciais, agrícolas e industriais; a restringir o licenciamento para o estrangeiro às operações indispensáveis ao exercício do próprio fomento, como aquisição de máquinas e utensílios, e a reduzir aos mais sóbrios limites as transferências para a metrópole.
15) Para tanto:
a) Dispomos de obreiros civilizadores, de técnicos dos melhores, de governantes à altura;
b) Vivemos por todo o ultramar em perfeita paz com os povos nativos, gozando da sua amizade e confiança, enriquecendo-lhes a alma com os ganhos do nosso espírito e transformando-os em valores reais da comunidade lusíada;
c) Não nos falta o equilíbrio de um orçamento público com margem - ainda que reduzida pelos encargos imperiosos da defesa militar - para ir suportando os sacrifícios que a tarefa do povoamento exige do Tesouro, na sua marcha, por natureza lenta, mas segura e tanto quanto possível progressiva.
16) Mais, como natural obrigação de conservar vivo o sentimento da Pátria nos que emigraram e para não suprimir razões de ordem económica estabelecidas, e não como recurso para o escoamento populacional, que, a ter de ser utilizado, funcionaria em terceiro e último lugar, interessa-nos manter correntes emigratórias, mas reduzindo-lhes os destinos, por conveniência recíproca, ao Brasil e à América do Norte;
17) Conseguidos os necessários acordos com aqueles dois países e cancelados os restantes destinos emigratórios, temos de salvar o emigrante:
a) Preparando-o para responder pelo nome de Portugal e para resistir ao desenraizamento;
b) Rodeando-o de constantes provas de carinho e das mais gratas lembranças da Mãe-Pátria;
c) Fazendo-o assistir por gente dotada de vocação missionária.
18) A escola e a igreja, os larários fundamentais e o culto da Língua e das virtudes da raça, o processo seguro de manter fiéis à Pátria, pela alma e pelo génio, os portugueses emigrados. Junto deles, ainda, a actividade incansável e superiormente dirigida de departamentos ou extensões do Secretariado Nacional da In-
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formação. No Brasil é preciso dar vida e conteúdo à delegação que lá tem vegetado. Nos Estados Unidos a Casa de Portugal em Nova Iorque, aliás, sem qualquer dependência do Secretariado, não serve, não tem servido, a sua acção é praticamente nula.
19) Tratando-se finalmente de realizar uma verdadeira e grande política demográfica, não faz sentido que os esforços se não conjuguem e apurem dentro da mais perfeita unidade de visão:
a) Ou se cria, em paralelo com a Junta de Colonização Interna, que passaria a denominar-se Junta do Povoamento da Metrópole, a Junta do Povoamento do Ultramar - competindo-lhe promover, assistir e subsidiar directamente, pela forma mais própria, a ocupação étnica pelo método da qualidade, estudar o regime coordenado da produção e o seu comando, e animar, por meio de facilidade de créditos reembolsáveis, o povoamento em quantidade, devendo as duas juntas, mais a da Emigração, fazer-se representar num organismo superior de contrôle e coordenação das respectivas actividades;
b) Ou então se fundem as três juntas sob a designação de Junta do Povoamento e da Emigração, afecta à Presidência do Conselho, com os respectivos serviços distribuídos por secções distintas e o seu Fundo de fomento assegurado pelas disponibilidades financeiras da metrópole e do ultramar.
20) A síntese dos recursos financeiros seria então:
a) O povoamento da metrópole confiado às receitas públicas da metrópole e à compreensão, efectiva dos particulares;
b) O povoamento do ultramar à custa do Estado no que respeita aos vastos
empreendimentos preparatórios; mas demais obras e iniciativas de fomento, a cargo do Estado, dos orçamentos próprios de cada província ultramarina, das facilidades de crédito e dos capitais privados levados a colaborar por meios indirectos, como o da restrição da transferência dos lucros obtidos no próprio ultramar, exercendo-se a contribuição do Estado e aos orçamentos de cada província através da Junta do Povoamento, e admitindo-se o gradual decréscimo das dotações do Estado à medida que as receitas ultramarinas fossem prosperando e dispensando aquelas dotações;
c) Política de emigração financiada por um Fundo de emigração a criar com taxas deduzidas do próprio movimento emigratório.
Sr. Presidente: na ilha de S. Jorge, nos Açores, em certa causa cível, tive de me deslocar à residência de uma testemunha, mulher idosa desse bom povo que por
lá trabalha e morre na paz do Senhor. Comecei a inquirição e já me dispunha a ouvir um depoimento hesitante quando aqueles oitenta e tantos anos, ainda lúcidos, me preveniram com voz segura:
«Há novelos que se não lhes puxa pela ponta».
Antes de anunciar este aviso prévio previ todas as dificuldades para a sua efectivação. Pensei mesmo, por várias vezes, desistir. Com uma vida profissional bastante activa e responsável, não teria vagar para estudo tão vasto e melindroso. Mesmo com tempo não deixaria de me afligir a consciência o temor de não poder cumprir os seus propósitos.
Depois, quando me vi então a levantar as questões, a atacá-las, para as conhecer, a dar-lhes vida para lhes subjugar a força, pensei nos novelos que se não lhes puxa pela ponta.
Não posso dizer que estou cansado, mas penso que cansei os outros; não posso dizer que o assunto não era de agitar, mas reconheço que todos, o agitariam melhor do que eu.
Porque puxei pela ponta do novelo?
Hei-de deixar um dia de ser Deputado, com o orgulho de ter servido sem faltar à coragem e à obrigação de ser verdadeiro com as pessoas e com as coisas.
Conveniências, só as do interesse comum; razões, só as da Pátria.
Nunca conheci, nem conhecerei, estradas sem luz. Cheguei aqui para lutar às claras e tenho lutado o mais que posso.
Se feri alguém é porque lhe feri intenções menos justas.
Nunca me desempenhei de recados, de favores, de habilidades.
Gosto de cortar a direito, para não perder o tempo e a razão.
Defendo também a terra em que nasci.
Mas quem é que não defende o berço com a ânsia de o ver bem cuidado?
Sou de gente que lavrou o chão pela graça de o possuir; sou de gente que sulcou o mar pela graça de o descobrir.
Nos dois campos tenho avós sepultados e é com as palavras amassadas com a água das marés e a terra das searas que me vejo a falar pelos mortos e pelos vivos.
Atrás de mim e para a frente há uma força que me leva. Nunca atraiçoei essa força nem quero fugir a ela.
Aceito as auroras como luzeiros de esperança e os poentes como colapsos de luz para às ressurreições do esforço.
E termino, Sr. Presidente, reafirmando, ao deixar esta tribuna, a minha fé neste Portugal vitorioso de todas as crises, a minha crença nos seus extraordinários milagres de recuperação, a minha plena confiança nos destinos desta nossa grande Pátria, que nunca deixou de ser heróica e sublime sempre que teve de suportar a dor com a glória de a sofrer.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Suspendo a sessão por alguns minutos.
Eram 18 horas e 6 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 20 minutos.
O Sr. Vaz Monteiro: - Peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
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452 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 132
O Sr. Vaz Monteiro: - Requeiro a generalização do debate.
O Sr. Presidente: - Concedo a generalização do debate.
O Sr. Vaz Monteiro: - Peço a V. Ex.ª a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Concederei amanha a palavra a V. Ex.ª, pois vou encerrar a sessão.
O debate continuará na sessão de amanhã.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 25 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António de Almeida.
António de Matos Taquenho.
Carlos Mantero Belard.
Délio Nobre Santos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
André Francisco Navarro.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António de Sousa da Câmara.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Gualberto de Sá Gameiro.
José Pinto Meneres.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Vaz.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
Rectificação
No texto da Comissão de Legislação e Redacção do decreto da Assembleia Nacional sobre o abandono do família, inserto no 5.º suplemento ao n.º 130, de 1 de Março, no artigo 4.º, onde se lê: «Os condenados por mais de uma vez ...», deve ler-se: «Os condenados mais de uma vez ...».
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA