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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 133
ANO DE 1952 6 DE MARÇO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 133 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 5 DE MARÇO
Presidente: Exmos. Srs. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou alerta, a sessão às 16 horas e 2 minutos.
Antes da ordem do dia. - Os Srs. Deputados Pimenta Prezado e Amaral Neto ocuparam-se da situação criada à lavoura pelas reduzidas aquisições de cavalos pelo Exército e Guarda Nacional Republicana.
O Sr. Deputado Pinto Barriga deu explicações sobre a sua intervenção, na véspera, acerca de exportação e política cambial.
Ordem do dia. - Continuou a discussão do aviso prévio do Sr. Deputado Armando Cândido acerca do excesso demográfico português relacionado com a colonização e a emigração. Falou o Sr. Deputado Vaz Monteiro.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.
O Sr. Presidente:- Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 55 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
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João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 67 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 2 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente:- Estão na Mesa os elementos fornecidos, pelo Ministério da Economia, em satisfação dum requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Magalhães Ramalho, a quem vão ser enviados.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Pimenta Prezado.
O Sr. Pimenta Prezado: - Sr. Presidente: homem do campo, da lavoura, de há muito me vinha o convencimento de que o problema da criação do cavalo merecia atenção e estudo.
As reclamações dos lavradores, os seus desânimos, traduzidos pelo abandono das manadas, a opinião de técnicos, exposta em revistas ou jornais, o desinteresse de muitos amadores de hipismo, a desvalorização dos produtos, tudo me fazia crer que merecia atenção o problema da equicultura, perdoe-se-me o neologismo, que, pela sua boa formação, vai entrando na linguagem dos especializados.
Para suficiente documentação, para complemento da minha insuficiente preparação, resolvi procurar esclarecer-me em várias fontes para trazer à Assembleia Nacional o resultado do meu inquérito.
E determinou ainda no meu intento a deliberação de S. Ex.ª o Subsecretário de Estado da Agricultura nomeando, recentemente, uma comissão para estudo do problema.
Diz-se nessa portaria de nomeação da comissão:
Atendendo a que a produção de gado cavalar no País precisa de ser orientada no sentido de se conseguirem animais com características que satisfaçam as necessidades do Exército e da Guarda Nacional Republicana, pois são estas as entidades compradoras por excelência, e ainda porque uma boa conjugação de esforços poderá conduzir à obtenção de tipos desejados, conseguindo-se deste modo animar a produção, satisfazer os compradores e evitar, ou, pelo menos, reduzir muito as aquisições no estrangeiro, nomeia-se uma comissão, constituída por um representante do Ministério do Exército, servindo de presidente, um representante do Ministério do Interior, um representante do Ministério da Economia e dois lavradores, como representantes da lavoura do Centro e Sul do País.
Na singeleza das palavras preambulares da portaria está esboçado, inteligentemente, um programa; na escolha dos nomes dos representantes está marcada, bem vincada, uma orientação séria, que muito me apraz realçar.
Resolvido a contribuir, modestamente embora, para a resolução do problema, dirigi-me aos quinze grémios da lavoura do meu distrito - o de Portalegre -, solicitando informações, alvitres, orientação, no sentido de me habilitarem a focar o problema na Assembleia Nacional.
O distrito de Portalegre, se não é dos de maior riqueza em gado equino, é, de certeza, o distrito em que se criam dos melhores cavalos, e a raça Alter, atingindo justa nomeada, atesta-o exuberantemente.
Mas pode objectar-se: o assunto, na hora presente, não merece grande atenção; o cavalo foi substituído pelo cavalo-motor; até mesmo nos exércitos a cavalaria sofreu profunda diminuição na sua eficiência, mercê dos modernos, engenhos da guerra. Quanto a esta ojecção posso dizer que não colhe opinião unânime de todos os técnicos. Li que a América, na última guerra, forneceu 40:000 muares para a defesa da Grécia. Afirmou-se que a cavalaria russa teve papel importantíssimo na invasão da Alemanha e que a Itália, na conquista da Abissínia, reconheceu tardiamente a insuficiência da motorização dos seus serviços de guerra, em substituição do hipomóvel.
E ainda recentemente, quando S. Ex.ª o Subsecretário de Estado do Exército assistiu a um exercício em Tancos, declarou «que a cavalaria não está ainda inteiramente votada à renúncia no nosso território e que a redução dos seus efectivos só poderá operar-se após o estudo que está a ser feito pelo Estado-Maior».
E se na guerra ainda se suscitam sérias dúvidas sobre a importância do emprego do cavalo e da mula, pelo menos nas tropas que tem por principal missão manter a ordem interna e fazer o policiamento urbano e rural essas dúvidas não tem razões de apoio.
Estou convencido de que não há opiniões contraditórias sobre a grande conveniência de ser montada a Guarda Nacional Republicana, essa prestimosa corporação que, sobretudo nos grandes distritos do Alentejo e Ribatejo, sente bem a falta da cavalaria para poder prestar ainda maiores serviços no policiamento rural.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Se no campo castrense o cavalo e os seus híbridos - as mulas - não podem ser desprezados, em muitos outros campos esse dócil companheiro, inseparável e prestantíssimo auxiliar do homem em todos os tempos, e de há talvez cinco mil anos, tem e terá, estou convencido, um lugar insubstituível.
Para a deslocação do lavrador na sua imprescindível necessidade da vigilância da lavoura é o cavalo o meio de condução mais prático, mais económico, aquele que permite uma inspecção minuciosa, conduzindo o lavrador a todos os recantos das suas propriedades, transpondo obstáculos, evitando demoras e prejuízos; nenhum outro transporte o pode superar ou imitar.
Ainda leve referência ao proveito, para o corpo e para o espírito, que representa uma cavalgada através
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dos campos, único exercício físico permitido a certas idades e a certas situações absorventes que o lavrador atinge.
Para o guarda rural, para o guarda de gado, para os serviços de campo, lavouras, gradagens, para transportes em estradas nas curtas distâncias e até para muitos serviços urbanos ainda, o cavalo e a mula não perderam a alta importância que atingiram nas épocas recuadas.
Convencido por estas razões da importância do problema, conhecida a crise que a criação do cavalo atravessa, resolvido a contribuir para a, sua solução, venho ocupar hoje uns minutos, esforçando-me por chamar a atenção de VV. Ex.ªs, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para mais um problema da lavoura portuguesa.
Com a leitura de alguns trabalhos, com a consulta do técnicos, que gentilmente acederam fornecendo elementos de valia, com as respostas dos grémios da lavoura do distrito de Portalegre e muito pouco com os meus próprios conhecimentos, compus este trabalho, que trago à apreciação de VV. Ex.ªs, e, por intermédio da Assembleia Nacional, ouso esperar que a minha intervenção chegue ao conhecimento do Governo da Nação.
Devo acrescentar que em Portugal continental existiam em 1940, aproximadamente, 65:000 animais de raça cavalar e em 1949 75:000. Referentes aos mesmos anos, existiam 89:000 e 114:000 cabeças muares.
Como VV. Ex.ªs vêem, são números que já têm algum volume num pais pequeno como o nosso.
O efectivo do nosso exército é de uns 3:000 cavalos e o da Guarda Nacional Republicana do 1:000. São o Exército e a Guarda Nacional Republicana os principais compradores dos cavalos da criação das eguadas portuguesas.
Tanto o Exército como a Guarda Nacional Republicana exigem que os cavalos para as suas fileiras possuam certas condições de altura, de conformação, de apresentação. Tanto o Exército como a Guarda Nacional Republicana tem as suas comissões de remonta sujeitas às condições de um regulamento.
Nas feiras, nas casas dos lavradores, procuram essas comissões preencher o número de cavalos que anualmente são necessários. E, quando os não compram no País, vão adquiri-los ao estrangeiro. Têm-se comprado na Argentina, na França e na Alemanha.
E aqui começa a desinteligência entre a produção e o seu principal comprador. O lavrador compenetra-se de que tem cavalos bons, aproveitáveis. Cria-os com carinho, algum desvelo e muita despesa; apresenta-os para-a venda, esperançoso no único preço a caminhar para remunerador e com o desejo de se desfazer desse peso morto nas suas cavalariças, quatro anos a fornecer-lhe boa comida, criados, muitas vezes inadaptados para os tratar, animais desinquietos, perturbadores.
As comissões de remonta, fatigadas por longas caminhadas, aos baldões das aldeias para os montes, às vezes sem estrada, chegam apressadas e num relance observam os cavalos propostos. E quantas vezes as duas palavras «não serve» são balde do água fria sobre a esperança do lavrador. E quantas vezes os técnicos dessas comissões, nesse relance fugaz, vão apontar razão de recusa que o lavrador não tinha, percebido ou encontrava de pouca monta. E daí surgem imediatamente as desconfianças, a criar uma atmosfera de prejuízo para todos. As informações prestadas pelos grémios da lavoura traduzem bem esse estado do espírito.
E provàvelmente as comissões de remonta têm razão e os lavradores têm razão também... As comissões de remonta porque não podem fugir à rigidez de um regulamento que as orienta; os lavradores porque não conhecem as normas que devem imprimir à sua criação equina. E daí desânimo, abandono das criações, mais um motivo de queixa para o lavrador e, sobretudo, prejuízo para a economia nacional, que vai depois pagar com divisas - que tão necessárias nos são - um produto que se afirma poder produzir-se no Pais. E esse produto, vindo do estrangeiro, normalmente caro, pela dificuldade fisiológica da adaptação a diferenças climáticas e diversas condições higiénicas, vem trazer desilusões amargas às boas intenções dos técnicos compradores. Apontam-se os casos com confrangedora frequência.
Li esta afirmação de um técnico reputado, o Dr. José Monteiro, da Estação Zootécnica da Fonte Boa: «cavalos como a maioria dos que se tem adquirido no estrangeiro também nós podemos produzir».
E não se fique a pensar que seria necessário um grande sacrifício financeiro para resolver este emperramento, que tanta discussão tem suscitado e tantas más vontades tem criado; com uns 4:000 a 4:500 contos de despesa solucionava-se a colocação de uns 300 cavalos de 4 anos - número aproximado dos cavalos capazes da produção do País.
Tem havido, evidentemente, um desentendimento entre os vários factores que deveriam, conjugados, procurar uma solução aproveitável para todos.
E no caminho de um entendimento veio, felizmente, a iniciativa de S. Ex.ª o Subsecretário de Estado da Agricultura. Os nomes das pessoas indicadas para essa comissão são garantia de que ela vai trabalhar, e, com os poderes amplos que lhe foram dados, a lavoura deve aguardar, esperançada, que em pouco tempo mais essa crise se terá resolvido.
Talvez devesse terminar aqui as minhas considerações; permita-se-me, no entanto, mais um leve acrescento para a exposição completa do meu pensamento.
Sr. Presidente: eu não vou fazer considerações do ordem técnica, que pertencem absolutamente aos especializados, e felizmente temo-los competentes e dedicados. Apenas umas considerações práticas, argumentos de lavrador sem conhecimentos técnicos que o defendam, mas com grande amor ao cavalo e à sua criação, que o ampara.
Assente que é necessária ao País a criação do cavalo, orientada pelo principio, gritado pelos economistas, do o País se bastar; assente que o cavalo é ainda um instrumento de trabalho indispensável na lavoura, aproveitável na guerra e imprescindível no policiamento rural: assente que a lavoura, na opinião dos técnicos, tem condições para produzir cavalos suficientes e capazes: partindo destas premissas, parece que se deve fazer o possível para levar a lavoura a uma produção cavalar bem orientada.
Em primeiro lugar, o Estado deve procurar preços remuneradores para os cavalos de 4 anos; os técnicos estudariam esse preço, que se me afigura ter de andar à volta dos 15 contos. É quanto têm custado os cavalos importados, ao que mo informam.
As duas comissões de remonta parece que deveriam ser transformadas numa só para as compras da Guarda Nacional Republicana e do Exército. Com duas comissões, às vezes o critério de uma serve de desprestígio para ambas, quando comentado.
O Estado deveria organizar os seus potris de recria, para a compra dos poldros na altura dos 30 meses, evitando à lavoura as dificuldades de manter um reduzido número de poldros que exigem tratamento à parte e pastorícia separada, despesas que, divididas por maior número de animais, se reduzem. A esses poldros se deveria atribuir um valor pelo menos semelhante ao das muares dessa idade.
Deveriam as comissões de remonta adquirir em primeiro lugar os cavalos filhos de éguas registadas e o registo deveria ser revisto com cuidado e atenção, de forma a dar garantias suficientes.
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Mas, porque o Estado não pode comprar todas as criações, até mesmo das eguadas de mais categoria, umas vezes porque o produto não nasce com as melhores condições, outras porque adquiriu defeitos durante a sua vida, seria necessário promover o consumo de muitos outros equinos.
Mesmo com o escoadouro anual e bem importante de 4:000 a 0:000 solípedes no matadouro municipal de Lisboa, ainda será necessário procurar outras formas de consumo e valorização.
Atrevo-me a apresentar umas sugestões: que pelos serviços da Direcção-Geral dos Serviços Pecuários e da Junta Nacional dos Produtos Pecuários e por intermédio dos grémios da lavoura se promovessem exposições locais, em ocasiões festivas e nas feiras, de gado cavalar e muar, montados, emparelhados, gado de criação, etc., com prémios de incitamento.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- A iniciativa teria a vantagem de dar maior movimento às feiras, mais luzimento a essas reuniões periódicas, tanto do agrado da nossa população rural, e, quanto a mim, não se podem esquecer as diversões dessa boa gente, que não tem cinemas nem teatros nem outros divertimentos dos grandes meios, e entendo necessário dar-lhe condições no sentido de impedir o desolador caminhar para as cidades, para a capital.
Era uma iniciativa barata e de êxito assegurado, calculo eu.
Pelos mesmos organismos, fazer uma propaganda bem orientada, inteligente, esclarecedora, sobre a economia do emprego dos solípedes para alguns serviços. Nas câmaras, nos grémios, nas sociedades industriais e comerciais muito gado se poderia aproveitar com economia e evitando o consumo de automóveis, camiões, gasolina e pneus, que tanto sobrecarregam a nossa economia.
Sobre orientação das raças, tipos de cavalos, melhoria de garanhões, criação de cavalos de sport, etc., não tenho competência para me pronunciar; esse papel está, e muito bem, entregue aos técnicos e à comissão nomeada por S. Ex.ª o Subsecretário de Estado.
Li algures que «a criação cabalina é a arte de conservar, aumentar e melhorar a produção equina de um país ou de uma determinada região. A produção baseia-se em princípios fundamentais de zootecnia, em razões de carácter económico-agrícola e em imperativos físico-químicos de clima e de solo, quer dizer, do meio cósmico em que nasce, vive e se desenvolve, participando, portanto, também da categoria de ciência».
Acrescento: ciência para ser dirigida pelos especializados.
De resto, Sr. Presidente, a minha intenção é apenas a de colaborar na campanha da criação do cavalo, e, se eu fosse descer à minudência técnica, em que tantos dogmas e dogmáticos se contradizem, afastava-me dos objectivos que me impus.
Ainda mais uma sugestão: como a criação das mulas é mais remuneradora do que a criação do cavalo e como o seu número no País é índice do valor do seu trabalho (114:000 em 1949) e porque as mulas da criação da nossa lavoura são mais ligeiras, têm menos corpulência que as mulas de outros países, nomeadamente da Espanha, dever-se-ia procurar melhorar a criação deste rústico e precoce produto, tão necessário à lavoura.
Em Portugal, salvo reduzidas excepções, não há criação de burros para padreadores. Têm-se importado alguns bons exemplares da região de Zamora e da região francesa de Poitou. O Estado deveria fazer maiores importações, de modo a poder fornecer garanhões para as necessidades da lavoura.
Parecia-me que uma das nossas bem orientadas instalações cudélicas, Fonte Boa e Alter, poderia adquirir alguns exemplares de boa conformação da raça hispano-bretu, de tiro, de tipo agrícola, oriundos da região de Saragoça, mas espalhados pelo país vizinho, tendo-os eu admirado, esplêndidos e por preços razoáveis, numa feira de Salamanca.
Termino, Sr. Presidente, por dirigir os meus agradecimentos aos grémios da lavoura do distrito de Portalegre, que quiseram fornecer-me os valiosos dados solicitados, e um agradecimento muito sincero ao grande lavrador António Van Zeller Pereira Palha, herdeiro de um dos maiores nomes da lavoura portuguesa, neto de um grande homem de bem, ainda há pouco homenageado, homenagem a que de todo o coração me associo nesta Assembleia, e também o meu agradecimento ao Dr. José Monteiro, dedicado técnico ao serviço da Fonte Boa, e António Pereira Palha e José Monteiro, ambos fazendo parte dessa comissão em boa hora criada e na qual depositamos todas as esperanças de um trabalho proveitoso, bem orientado e urgente.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: o Sr. Deputado Dr. Pimenta Prezado abordou ontem aqui o problema das remontas de cavalos para os serviços do Estado, com o seu habitual carinho pelas questões de interesse agrário e o talento que todos lhe reconhecemos, expondo os prejuízos que nos criadores tem causado a diminuição das compras e a esperança nova que lhes trouxe a recente decisão governamental de mandar estudar por uma comissão mista as possibilidades de reanimar essas compras no País.
Também no distrito que tenho a imerecida honra de representar aqui, e que é de longe o maior criador de cavalos, se sente pesadamente o desânimo de um mercado que estagnou de vez com a quebra das remontas è se esperam com ansiedade as medidas capazes de restabelecer, embora em bases reduzidas, contanto que justas, a cooperação que se exerceu por largo tempo, com mútuo agrado e geral proveito.
Por isto me proponho acrescentar à intervenção daquele ilustre colega, mais algumas considerações, que parecem poder completar as suas e a pintura da situação a que chegáramos.
Que o Estado, outrora grande comprador de cavalos para as suas forças montadas do Exército e da Guarda Nacional Republicana e mantenedor de um sistema completo de fomento da sua criação e qualidade, passasse a reduzir muito as suas compras com u reorganização do Exército e a motorização de unidades, todos podemos compreender e aceitar; mas tem sido duro ver gado estrangeiro tomar grandes proporções nessas aquisições reduzidas e sentir contrariadas as exportações possíveis dos nossos próprios excedentes.
Vozes:- Muito bem!
O Orador: - Quem tenha lido o relatório do Governo sobre a execução da Lei n.º 1:914 pode ter encontrado nele estes números, que se opõem de modo impressionante: pelos fundos do rearmamento do Exército, ao abrigo daquela lei, foram despendidos nos anos de 1937 a 1947, inclusivamente, 7:868 contos na aquisição de cavalos estrangeiros e apenas 812 na de cavalos nacionais! E se leu antes, no mesmo capítulo do Ministério do Exército, as amargas considerações sobre a desnacionalização do armamento, não pode deixar de estranhar que, sendo esta tão apuradamente sentida, se tenha, todavia, ido buscar fora até o que o País poderia ter fornecido!
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Em inteira verdade este duríssimo contraste foi anulado pela utilização de verbas das dotações, normais, e ao cabo das contas o que se gastou no estrangeiro em compras de cavalos para o Exército, no correr daqueles onze anos, foram ao todo 12:147 contos, ao passo que ficaram no País para o mesmo fim, pagos à criação nacional, exactamente 13:643 contos, apenas um pouco mais. Fica no entanto de pé o facto da grande despesa feita lá fora, que muitos entendidos persistem em crer insuficientemente justificada, que é uma discordância gritante da doutrina oficial de preferência aos produtos portugueses, e que representa a privação de receitas substanciais para sectores da nossa agricultura bem carecidos de valorizarem todos os seus produtos.
Vozes:- Muito bem!
O Orador: - Estes últimos números colhi-os, Sr. Presidente, nos dados que os próprios Ministérios do Interior e do Exército forneceram a pedido meu aqui apresentado há tempos, dados minuciosos e completos, honra seja aos serviços que os compilaram. Muitos mais desejaria referir para abono das minhas palavras, mas limitar-me-ei, por amor da leveza do discurso, a destacar uns quantos e pedir a V. Ex.ª que consinta na publicação integral dos quadros elucidativos que sobre esses dados me foi fácil organizar.
Um facto ressalta logo: tanto o Exército como a Guarda Nacional Republicana aumentaram muito as suas compras de cavalos estrangeiros depois da última guerra; mas enquanto a Guarda manteve as compras internas, aquele reduziu-as muitíssimo. Acresce que o Exército outrora fazia remontas a partir dos 2 anos de idade - outra vantagem para os criadores, que tinham reembolsos mais rápidos e menores empates de pastagens; mas desde 1937 passou a aceitar o nosso gado só depois dos 4 anos completos.
Entre poldros e cavalos feitos, pois, o Exército comprou no País 2:161 cabeças no quinquénio de 1935 a 1939, inclusive, e apenas 736 em igual tempo do pós-
-guerra, de 1945 a 1950; nos mesmos períodos comprou, respectivamente. 624 e 649 animais no estrangeiro. Em relação à remonta total, no primeiro período o gado estrangeiro entrou por 22 por cento em número e 30 por cento em custo; no segundo período, por 47 por cento em número de cabeças e 55 por cento em seu custo. A diferença vê-se!
Nos mesmos períodos a Guarda Nacional Republicana comprava, respectivamente; 493 e 540 cavalos nacionais e 40 e 112 estrangeiros; foi relativamente muito mais fiel à nossa criação.
Citam-se várias razoes deste gosto pelo gado estranho, perguntando-se às vezes se entre elas não se contará o custo mais baixo; a esta pergunta pode responder-se afoitamente pela negativa. Salvo no ano de 1940, em que foi aproveitada a oportunidade de comprar em condições excepcionalmente favoráveis um lote de animais retido em trânsito por causa da guerra, sempre os cavalos de fora, pagas todas as despesas, ficaram, à entrada nos quartéis, mais caros do que os nacionais adquiridos ao mesmo tempo. Já não falo desses para concursos hípicos, de que se chegaram a, adquirir exemplares a perto de 150.000$ cada um
- valha a verdade que só um pequeno grupo e em ocasião e circunstâncias extraordinárias -, mas, segundo os números fornecidos, da generalidade dos próprios cavalos de fileira.
Mais caros na compra, são-no também no trato e difíceis no ensino. Já há quarenta anos certo escritor da especialidade, comentando ideias de adopção para serviço militar de cavalos com sangue inglês, os reprovava, além do mais, pela aspereza do génio, que os tornaria difíceis aos soldados, que não chegaria o tempo para adestrar bastantemente, receando por isto «... que para muitos o cavalo se transformasse no principal inimigo a combater». Quanto ao trato, venham eles da Argentina, da Normandia ou donde mais os tem remontado, todos chegam afeitos a pastos mais substanciais que as nossas pobres palhas; nem os paladares nem os sistemas se afazem bem a estas, e assim os cavalos estrangeiros acabam por ficar, ao que consta, cerca de 20 por cento mais caros no penso do que os nacionais. Também corre que tem vida mais curta.
Tudo isto mesmo mo fez saber o ilustre general comandante-geral da Guarda Nacional Republicana, ao dizer na sua informação sobre o meu requerimento que «... toda a cavalaria da Guarda, a comissão de remonta e, sobretudo, o comandante-geral dão preferência ao cavalo nacional, em razão:
Da sua aclimatação nativa, sua sobriedade, sua rusticidade;
Do equilíbrio do seu sistema nervoso, calma, docilidade;
Das facilidades do seu ensino e treino;
Da sua adaptabilidade ao cavaleiro e deste ao cavalo.
Outros ilustres e experimentados oficiais do Exército tão-pouco se tem poupado nos elogios do bom cavalo português; e ainda recentemente ouvi da boca de um, que é dos nossos primeiros calções, a grata declaração de que para serviço e competição, como cavalo de guerra, mesmo em concorrência com bons exemplares de sangue inglês, mula encontrara jamais superior ao nosso Alter.
Temos, pois, os cavalos nacionais,, de certeza, mais baratos de custo, mais económicos de manter, mais dóceis de montar, mais adequados ao meio e ao pessoal, mais aptos aos verdadeiros usos militares, em suma.
Porquê então os outros?
Numerosas razões houve decerto que podem até ter variado com as conjunturas no decurso do período relativamente longo e acidentado que examinei; e nem sei mesmo se alguma vez os cavalos terão tido que ser aceites como contrapesos em entendimento comercial, desses que fazem o indispensável veículo do menos necessário. Tentar a comodidade ou a economia (a final não confirmada) das compras maciças também poderia ter sido uma razão, porventura das mais abertas a críticas; outra poderia imaginar-se em necessidades do defender verbas limitadas contra os preços internos, que durante e nos fins da época da guerra subiram muito, e mais subiriam com maior procura; não estarão talvez os criadores isentos de culpas na sua própria crise, por terem a um tempo esquecido o futuro e abusado das circunstâncias: mas quem haverá aí para lhes atirar a primeira pedra por tal falta? Tudo isto, porém, são meras hipóteses, que só ocorrem por possíveis, mas ou nunca mesmo se terão verificado ou já estão ultrapassadas; e de facto as razões hoje em dia apresentadas resumem-se essencialmente a duas: falta de altura e defeitos de conformação e aparência dos nossos cavalos.
Evoluíram os antigos usos militares do cavalo, e, confiadas aos engenhos motorizados muitas das suas antigas funções, outras tomam primazia nos critérios de escolha. Reduzidos os efectivos de tempo de paz, já não é possível, como outrora, diluir em grandes massas de aquisições uns tantos animais pequenos e pior conformados; ocupadas as tropas proporcionalmente mais em serviços de aparato, olha-se muito à estatura e figura das montadas. Por outro lado, as novas tácticas dão menos oportunidade de treino aos oficiais, que para
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manterem o espírito da sua arma e a destreza própria têm crescentemente de dedicar-se aos exercícios e provas do concurso hípico. Os concursos despertam emulações salutares, proporcionam à oficialidade as euforias do sucesso e as satisfações morais, e mesmo materiais, que vêm com ele, e, sendo afiliai dias manifestações desportivas em que os Portugueses são habitualmente mais felizes, tem valor até fora do campo estritamente militar. Aprecie-se ou não o aplauso que as multidões conferem às coisas de desporto, este é um facto irrecusável; convém, pois, que se mantenha o gosto e a prática desta modalidade, das raras em que usamos sair-nos bem nas competições internacionais. O Exército foi e terá de ser sempre o seu grande cultor; a todos os títulos é bom que continue.
Mas o concurso hípico exige cavalos velozes e capazes de grandes repentes de esforço; exige também estaturas avantajadas, para melhor vencerem obstáculos elevados. Requer, em suma, tal como se pratica hoje em dia, cavalos com sangue inglês, que é o inexcedível sangue árabe, modificado pelo trato rico e longa selecção, em vista da velocidade e por cruzamentos com éguas engrandecidas nos fartos pastos dos climas húmidos.
Tais cavalos só a grande custo se criam em Portugal. Porém, mais ou menos todos os que as remontas trazem do estrangeiro, mesmo para as fileiras, têm sangue inglês; não seria, pois, impossível que a perspectiva de seleccionar alguns animais bons para concursos, mesmo dentre as massas das fileiras, com economia sobre a aquisição de exemplares adrede escolhidos, influísse também na simpatia pelos cavalos estrangeiros...
Por isto, talvez, há quem creia, e já mesmo se escreveu, que a subida da craveira, da antiga marca, foi pretexto para comprar menos cá no País. O ponto é, evidentemente, do maior melindre, por se tratar de uma questão técnica, em que as autoridades militares são soberanas para definirem os seus próprios requisitos e pelas inferências a que se presta. Mas, ao notar que a lei de remonta de 1911 exigia apenas 1 m,47 de altura aos poldros de 4 anos para servirem ao Exército e agora se requer a altura mínima de 1 m,52, não posso deixar de perguntar com viva curiosidade porque é isto, pois afigura-se-me que o cavalo militar há-de ter hoje em dia todas as mesmas funções de há quarenta anos, menos aquelas muitas de que foi dispensado pelos motores, e de novo nenhumas. Sendo assim, para que tem de ser maior?
Com certeza haveria, pelo menos, um bom motivo para reduzir as exigências em matéria de altura, e este é o de se ter imposto durante demasiado tempo o cavalo árabe puro como principal progenitor das raças portuguesas destinadas, ao serviço do Exército; assim mandaram as duas leis de remonta de 1911 e de 1930. Ora o árabe, como se sabe, sendo o rei dos cavalos, é, todavia, baixo, e há-de ter contribuído para apequenar a criação. Teria sido mais razoável mudar de sementais com tempo antes de se começarem a pedir cavalos maiores.
A outra grande razão de desinteresse pelos nossos cavalos está nas suas alegadas frequentes taras ósseas e má conformação. Queixam-se muitos criadores de que lhes são rejeitados sob pretextos destes produtos, cujos defeitos absolutamente nada os inferiorizariam para o serviço militar, mas é óbvio que o ponto se presta a intermináveis discussões. Seguramente muitos dos defeitos recusados tem origem em descuidos de selecção pelos próprios criadores, anãs estes asseveram que a quebra da clientela não justifica maiores cuidados, e a criação de muares, que lhes resta como única alternativa possível, tão-pouco os exige.
No que poderia assim tornar-se em círculo vicioso de recriminações e queixas há, porém, um factor considerável e de largos efeitos a destacar: o alheamento do Exército pelo próprio apuramento da produção.
Este é recente e surgiu no contrário de uma evolução que teve salutaríssimos resultados, produzindo efeitos, por tal forma benéficos e importantes, que, em pouco tempo, se fizeram sentir por forma notável, como diz textualmente o relatório da lei de remonta de 1930. Tal evolução começara com a primeira lei de remonta, de 26 de Maio de 1911, a qual, reconhecendo a decadência contemporânea do que chamava «a indústria equina» e os seus perigos, pura o armamento do Exército, promulgou providências capazes de fazerem aparecer no mercado novo tipo de cavalos harmónico com as necessidades.
Para atingir os seus fins, que visavam tanto à produção de cavalos para as fileiras como à de cavalos de qualidade para oficiais desses que agora se diz só poderem ser encontrados no estrangeiro -, a lei criava uma coudelaria militar, que seria a já famosa de Alter, depósitos de garanhões e potris, registos de éguas, etc.
A Coudelaria Militar de Alter, além de tratar de restabelecer a excelente raça do seu nome, ocupou-se também da criação de alguns animais, de sangue inglês, para montadas de oficiais e desporto hípico, tendo conseguido resultados notáveis.. Eram tempos em que tudo se procurava fazer «com a prata da casa», e muito de bom se fez. Bons tempos!
Ao fim de vinte anos de experiência, a lei de 1930 veio manter todo o sistema anterior e trazer até uma inovação rasgada: o Estado compraria - obrigava-se a comprar!- criações completas, contando que capazes, e os criadores nada poderiam vender sem ouvirem o Estando. Fazia-se assim ainda há vinte anos e mantinha-se e confirmava-se para melhor depois de outros tantos de experiência evidentemente satisfatória.
Depois tudo mudou.
Alter deixou de ser uma coudelaria militar; o registo das éguas produtoras foi pràticamente abandonado; acabaram as compras de poldros novos e acabaram também os potris, onde o Estado poderia ainda lucrar o que ganham uns intermediários nos raros cavalos que compra.
Tudo se passou em poucos anos e se fez com simples despachos, sem o trabalho sequer de rever a lei e as suas promessas. E pode dizer-se à vontade que os animais já não prestam, tendo deixado de fazer-se muito do necessário para que prestassem!
Todavia ... todavia o Exército pode precisar de cavalos, de muitos mais cavalos, se algum dia que nunca o vejamos!- tiver de mobilizar. Mantém por isto, e para isto, um apurado recenseamento de solípedes, e mal se achará quem vender uma besta sem prontamente participar seu destino, quem enterrar a que lhe morra de desastre sem fazer verificar devidamente o óbito: a repartição competente vela zelosamente pelos registos, e para mobilizar já tudo serve ...
Há, pois, uma necessidade potencial bem confirmada; e como se atende a ela? À produção, assoberbada de gado por vender, negam-se as facilidades de exportar, para que os animais fiquem à espera de poderem ser necessários. Sim, porque tem havido ocasionalmente possibilidades de exportar os nossos excedentes de cavalos para países que os solicitavam, e com vivo interesse; algumas vendas se fizeram ainda, mas ùltimamente esta saída foi vedada, e corre com insistência, que toma visos de certeza, que o foi ante parecer do Ministério do Exército sobre a necessidade de conservar os solípedes no País para caso de guerra.
De modo que se chegou a esta curiosa situação: os cavalos não prestam; preferem-se-lhes estrangeiros, mas
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há quem de fora os queira; todavia não lhos deixam levar, porque podem ser necessários. Cavalos para comprar, não; para mobilizar, sim, e daqui até lá quem quiser que os sustente. Entretanto o lavrador, que não os cria só por gosto, encontrando fechada a porta do comprador antigo e vendo o mesmo vedar-lhe as novas portas, que se quereriam por si próprias abrir, queixa-se, e com muita razão.
Não se trata de um limitado interesse ferido, pois a produção cavalar, por si e como fonte da produção muar, é de grande importância, para a economia do Alentejo e Ribatejo, onde a criação mais se desenvolveu por haver ali maiores larguezas para o pascigo em manadio - o único barato - e porque completa o aproveitamento das terras. Segundo o último arrolamento, os sete distritos mais meridionais do País contavam 53 por cento do gado cavalar, 29 por cento do muar e apenas 18 por cento do bovino; isto dá a medida da preponderância relativa das duas espécies. Consideradas estas proporções e os valores então atribuídos às diferentes espécies, não se torna difícil estimar em 600:000 contos de hoje, com probabilidades de forte erro por defeito, o valor total de cavalos e mulas nessa zona. Mas não é só um capital a fazer render; um e o outro gado são grandes aproveitadores dos pastos locais, e as mulas, como animais de tiro, são indispensáveis à lavoura.
No nosso país, saturado de gente e mediocremente fértil, vão escasseando terras que possam consagrar-se à simples pastorícia ou produção forrageira; os animais têm de concorrer com as gentes ao aproveitamento das mesmas áreas, limitar-se cada vez mais aos sobejos e subprodutos do que se cria para os homens; e assim os equídeos, vivendo muito das palhas, que às vezes são o único lucro das searas, e das aveias e cevadas da rotação cultural, são complementos naturais das explorações das zonas cerealíferas. Somam-se-lhes os préstimos como elementos de trabalho e de aproveitamento.
E, ainda, que a criação cavalar se esteja, tornando crescentemente acessória da de muares, não é de modo nenhum indiferente o escoamento dos seus filhos;
500 a 1:000 cavalos - quantos o Estado usava comprar e poderia ter deixado exportar - não representarão muitíssimos milhares de contos, mas são, todavia, valor que pesa na economia geral da produção. As economias pobres - e a da cerealicultura de sequeiro é destas - vivem do aproveitar de tudo: aquele rendimento tem feito muita falta.
Muitas coisas concorriam, pois, para o descontentamento dos criadores, e o explicavam; as reclamações e pedidos sucediam-se e pareciam não ter muita audiência. Eis, porém, que o Governo mostra tê-las escutado: por iniciativa do Ministério da Economia, com acordo e ajuda dos do Interior e do Exército, foi há meses nomeada uma comissão de militares, técnicos e lavradores para estudar o problema e encontrar o modo de se obterem os tipos equinos desejados pelo Exército e Guarda Nacional Republicana e, assim, animar a produção, satisfazer os compradores e evitar ou, pelo menos reduzir muito, as aquisições no estrangeiro.
Não é de mais louvar este passo, e quanto representa de boa vontade de todos os serviços oficiais interessados; os lavradores estão já contentes só com a esperança de uma lura solução, porque no estudo desta colaboram serviços que sempre têm mostrado compreensão e simpatia pelas suas dificuldades. Não é este o lugar, nem o momento, para sugerir directrizes a peritos; a categoria dos que têm o assunto a seu cargo justifica todas as confianças, e é animado por elas que formulo o meu voto de aplauso pelo caminho tomado e de certeza com resultados satisfatórios.
Sr. Presidente: a traços tão largos quanto soube, mus não tão breves como desejaria, procurei pintar uma situação nem sempre fácil de entender, e pesada de consequências danosas; é-me grato rematar o quadro com raio forte de esperança.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
1) Aquisições de cavalos e poldros pelo Ministério do Exército nos anos de 1935 a 1950
(Verbas ordinárias e extraordinárias)
[ver tabela na imagem]
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II) Aquisições de cavalos pela Guarda Nacional Republicana nos anos de 1935 a 1950(a)
(Verbas ordinárias e extraordinárias)
[ver tabela na imagem]
(a) Inclui poldros em pequena proporção, nacionais apenas.
III) Preços médios comparados dos cavalos nacionais e estrangeiros
[ver tabela na imagem]
a) Consideram-se só os anos em que foram feitas compras no estrangeiro naturalmente.
b) Compra de oportunidade suscitada por dificuldades de trânsito derivadas da guerra.
[ver tabela na imagem]
(a) Comprados para a fileira.
(b) Para praças de oficial e concursos hípicos.
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IV) Proporções das compras de cavalos estrangeiros para o Exército relativamente à remonta total de cavalos e poldros
[ver tabela na imagem]
O Sr. Pinto Barriga: - Pedi a palavra um pouco como para explicações. Veio ao meu conhecimento que o Sr. Ministro da Economia, com a sua acuidade habitual, não descurou o problema da aplicação imediata do Decreto-Lei n.º 38:659 e que tinha sancionado instruções acerca da execução desse decreto-lei.
É de louvar a atitude de S. Ex.ª e não menos a do ilustre director-geral do Comércio, cuja probidade profissional, competência e zelo, tão raros hoje, são inteiramente de destacar. E seria injusto não mencionar também, em forma de relevo, o chefe da Repartição de Licenciamentos, cujo esforço neste problema merece uma menção especial, pela forma como com tanto zelo e honestidade se tem ocupado dos assuntos pertinentes ao seu sector.
O artigo 13.º desse decreto refere-se a mercadorias, e estas não podem estar desprendidas das pessoas que as produzem e negociam, da profissionalidade ou do amadorismo desses indivíduos. Pena é, digo afinal, que na circulação de cambiais o trânsito tenha sido interrompido, tenha tido o seu stop no «vermelho», sem passar pelo «amarelo» ...
Continuo a esperar das entidades ministeriais responsáveis todo o esmerado e cuidadoso exame do labirinto de problemas que suscitou o Decreto-Lei n.º 38:659. Finalizo relembrando a forma minuciosa como foquei os assuntos pertinentes a este caso e também para lembrar a maneira precisa e inteligente como os previu o ilustre Procurador à Câmara Corporativa Sr. Manuel de Sousa, se bem estou lembrado, em Maio de 1950, e que temos refrescado em sucessivas conversas sobre este tabuleiro de problemas, onde muito aproveitei da sua larga experiência corporativa.
O problema é angustioso e a demora da sua solução, longe de fazer jogar o tempo, é mais um elemento de perturbação na solução, digo, numa solução que corresponda aos altos interesses do País, mas não postergue as legítimas posições dos exportadores tradicionais, que estão muito longe de serem apenas vagos oportunistas e devem contar como elementos preciosos no conjunto económico português.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Armando Cândido sobre o excesso demográfico português relacionado com a colonização e emigração.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vaz Monteiro.
O Sr. Vaz Monteiro: - Sr. Presidente: o aviso prévio do nosso ilustre colega Sr. Dr. Armando Cândido tem oportunidade e grande interesse nacional.
Como o assunto é vasto, limitar-me-ei a emitir aquilo que penso em matéria de colonização europeia nas duas grandes províncias ultramarinas de Angola e Moçambique, onde a colonização é possível e é já uma grande realidade.
Vou apresentar a Assembleia Nacional alguns números justificativos.
Segundo o Anuário Estatístico do ano de 1950, que ainda não foi publicado sómente por falta de remessa de alguns elementos, seguiram nesse ano para o ultramar português 19:130 portugueses e regressaram 9:162. Resultou, pois, um saldo a favor das províncias ultramarinas de 9:968 almas.
Este elevado acréscimo demográfico tem um significado digno de registo, pois denuncia as facilidades concedidas pelo Ministério do Ultramar, facilidades que mais adiante esclarecerei, e de nos revelar o interesse da população metropolitana pelos territórios portugueses de além-mar.
Como a colonização de metropolitanos interessa especialmente a Angola e Moçambique, vou discriminar por homens e mulheres a migração que se fez entre a metrópole e aquelas duas províncias ultramarinas no ano referido.
Migração entre a metrópole e as províncias de Angola e Moçambique em 1950
[ver tabela na imagem]
Pelo número de mulheres que embarcaram para o ultramar temos de reconhecer que a mulher metropolitana já não teme o clima daquelas províncias, dando assim motivo à colonização familiar.
Surgiram condições de resistência ao clima com a salubridade nos aglomerados populacionais e com os meios de combater e evitar as doenças. A sanidade e a defesa contra os mosquitos e os recursos medicamentosos que a evolução científica pôs à disposição dos colonos fez rarear as biliosas e perniciosas, que dizimavam os europeus.
Já passou, pois, o tempo em que a África era o cemitério dos brancos.
Vão decorridos cinquenta e nove anos sobre a data do relatório de António Enes, dirigido ao Ministro e Secretário de Estado do Ultramar, no qual dizia aquele grande português, referindo-se à colonização branca em Moçambique: «Digam o que disserem os optimistas, ainda se não descobriu na província região alguma onde a raça branca possa propagar-se».
O relatório é datado de 7 de Setembro de 1893 e nessa data não era possível prever, devido ao clima extraordinàriamente depauperante e à mortalidade dos europeus, que em Angola pudessem viver 50:000 brancos e em Moçambique 31:000.
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E dos nacionais de raça branca pertencem muitos à terceira geração fixada naquelas duas províncias.
Não há, pois, dúvida alguma sobre a realidade da colonização familiar de raça branca naquelas províncias africanas.
Verificada esta realidade, vejamos agora como devemos proceder para se intensificar a colonização europeia em Angola e Moçambique.
Sempre que se iniciam novas tentativas para dar resolução ao problema da colonização branca no ultramar, recorremos aos meios que nos oferecem os sistemas conhecidos da colonização livre ou espontânea e da oficial ou dirigida pelo Estado.
Mas, seja qual for o sistema a empregar, temos de ter em consideração que o fenómeno migratório fica sujeito à acção de duas forças, actuando ambas no mesmo sentido: a força repulsiva das zonas de origem e a força atractiva das zonas de destino.
O estudo destas duas forças conduzir-nos-á a uma resultante, que muito contribuirá para nos elucidar e esclarecer.
Como zona de origem consideremos a metrópole, isto é, o território continental europeu e os arquipélagos dos Açores e da Madeira; como zonas de destino consideremos apenas os territórios de Angola e Moçambique, por serem províncias de povoamento e oferecerem todas as perspectivas de densa colonização branca. Consideradas as zonais de origem e de destino, vou referir-me seguidamente às forças que actuam no sentido da deslocação dos metropolitanas para as províncias ultramarinas de Angola e Moçambique.
Como forças repulsivas, deve contar-se na metrópole com o excedente populacional de 1 milhão de pessoas de dez em dez anos, com a excessiva divisão da propriedade em alguns distritos do Norte do País e com as crises periódicas, dentro de cada ano agrícola, do desemprego de trabalhadores rurais do Alentejo, e devemos incluir também, como força impulsionadora de grande importância, a dificuldade com que vivem certas classes que procuram melhorar a sua situação e sobretudo o espírito colonizador do povo português.
Expostas assim sucintamente as causas de forças repulsivas que originam a emigração para o ultramar, vou passar a referir-me às forças atractivas, que, se existissem suficientemente desenvolvidas nas províncias de Angola e Moçambique, dariam lugar à colonização livre ou espontânea em mais larga escala.
Devo dizer que em Angola não existem presentemente grandes centros de trabalho e produção capazes de absorver número elevado de emigrantes metropolitanos. Parece até que as actuais actividades de Angola atingiram já o estado de saturação quanto à admissão de empregados europeus.
As forças de atracção que Angola poderia oferecer aos metropolitanos deveriam resultar certamente do desenvolvimento da agricultura e da indústria, com a respectiva projecção no comércio.
Uma grande força atractiva seria a exploração de certas indústrias em grande escala, muito especialmente da indústria mineira.
Mas em Angola o labor da exploração mineira não se tem desenvolvido a tal ponto que possa produzir aquele poder atractivo necessário ao fenómeno da colonização livre.
A exploração dos diamantes das aluviões da Lunda deu já lugar à formação do Dundo, Cassanguidi, Andrada, Maludi e outros centros urbanos de menor importância. Não parece, pois, que possa absorver maior número de portugueses metropolitanos.
A extracção do manganés é ainda, recente, para dela podermos alimentar esperanças no sentido de produzir quaisquer efeitos na colonização espontânea de raça branca.
O ouro, o asfalto, o cobre, o zinco e outros produtos que encerra o subsolo de Angola ainda não se encontram suficientemente explorados para darem causa à força de atracção.
Em todo o caso o Estado Novo tem destinado a várias brigadas mineiras a missão de obter elementos de tudo que de valioso possa existir no subsolo daquela província ultramarina.
Mas a exploração mineira destinada sòmente a obter matéria-prima não dura origem a uma força atractiva muito grande, visto que o trabalho será, na sua maior parte, executado pelos indígenas por imposição do clima, embora tenha as suas repercussões no desenvolvimento do comércio.
Sòmente de uma exploração em larga escala poderia resultar uma força atractiva de valor apreciável. E a exploração mineira destinada a obter matéria-prima em quantidades suficientes para alimentar uma grande indústria é um problema apenas solúvel a longo prazo.
Exposta a actual fraqueza da força atractiva proveniente da indústria mineira, e sabendo-se, que as restantes indústrias angolanas não poderão absorver mais pessoal europeu, vou passar a referir-me à agricultura, que é a maior fonte de riqueza das nossas províncias ultramarinas e à volta da qual gravitam todas as outras actividades.
A força de atracção produzida pelo desenvolvimento da agricultura não tem dado, até hoje, tão grande resultado como seria para desejar.
A agricultura angolana não tem atraído mais colonos metropolitanos e mais capital português porque a sua exploração é muito contingente por depender fundamentalmente dos elementos da natureza, da flutuação das cotações dos produtos agrícolas, da escassez da mão-de-obra indígena, das faltas de irrigação e enxugo das terras.
Uma grande parte do capital português é tímida, não se aventura fàcilmente aos riscos a que teria de ficar sujeita, se fosse investida em grandes explorações agrícolas na província de Angola.
E a sua timidez vai aumentando à medida que a exploração agrícola se localiza desde a zona do litoral para os planaltos, preferindo a margem de segurança que oferecem os produtos ricos à contingência dos produtos pobres.
Acontece mesmo que a grande colonização pelo emprego de grandes capitais nas zonas planálticas, onde só é possível a exploração agrícola dos produtos pobres, como são os cereais e as leguminosas, ainda não foi aproveitada nem por capitalistas nem por grandes agricultores europeus. É raro até encontrar-se um europeu que se entregue ao cultivo daqueles, géneros pobres nas zonas altas da província de Angola.
Enquanto não forem solucionados os problemas da água para rega e energia eléctrica e feita a drenagem não é viável tentar a intensificação do povoamento europeu por famílias de trabalhadores agrícolas.
Este ponto é de capital importância para a vida económica de Angola e Moçambique e para a progressiva ocupação do interior por famílias agrícolas de raça branca.
O que actualmente se torna essencial é ocupar o mato, cuidar e desenvolver as vias de comunicação e os portos.
Há produtos que têm de ser transportados a 100 quilómetros e mais de distância para se atingir o porto mais próximo ou o caminho de ferro.
Se não houver estradas, como será possível transportá-los?
E, se as estradas não forem convenientemente reparadas, é evidente que daí resultará aumento nos preços
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dos produtos por elas transportados, ou diminuirá a produção.
Do mesmo modo os erros que se cometem na instalação, na demora da montagem de guindastes e na conservação do apetrechamento dos portos conduzirá a perdas irreparáveis de tempo e outros prejuízos contrários ao desenvolvimento económico.
Hoje é indispensável desenvolver uma actividade crescente em benefício das vias de comunicação e dos portos, porque a produção agrícola, e o movimento comercial e industrial aumentam aceleradamente dia a dia.
Desejaria não fatigar a atenção de VV. Ex.ªs, mas julgo conveniente trazer ao conhecimento da Assembleia Nacional o acréscimo verificado na quantidade e no valor dos bens de produção de Angola de 1950 para 1951. Estes elementos ainda não foram publicados pela estatística, mas já são conhecidos pelo boletim Mensal de Informação Económica de Janeiro de 1952 daquela província ultramarina.
Exportação de matérias-primas e substâncias alimentícias de Angola em 1950 e
1951
[ver tabela na imagem]
Em 1950 Angola exportou matérias-primas e substâncias alimentícias, com uma tonelagem de 517:091, no valor de 2.155:135 contos; e em 1951 exportou uma tonelagem de 529:193, no valor de 3.177:057 contos.
A balança comercial de Angola atingiu em 1951 um saldo positivo superior a 1.000:000 de contos.
O Sr. Carlos Moreira:- V. Ex.ª dá-me licença?
É apenas para uma observação. Parece-me que daí não podemos tirar a conclusão de que houve intensificação digna de relevo da produção, mas um aumento na valorização do produto, o que é diferente.
O Orador: - Exactamente.
Por estes números podem VV. Ex.ªs fazer ideia do progresso por que está a passar a província de Angola.
Pena foi que, por falta de coordenação económica, tão repetidas vezes preconizada pelo nosso ilustre colega engenheiro Araújo Correia, a exportação se tivesse feito ao arbítrio de cada um mais seguintes percentagens:
Percentagens
Para a metrópole ........................... 17,06
Para as nossas províncias ultramarinas..... 3,52
Para os Estados Unidos da América.......... 9,98
Para os países da U. E. P. (União Euro-
peia de Pagamentos)........................ 68,94
Nestas percentagens torna-se necessário fixar a nossa atenção para avaliar da necessidade que havia de o Governo intervir em assunto de tanta monta, no interesse geral da Nação.
Sobre as exportações o Governo tomou medidas na defesa da moeda e da economia nacionais.
Pela Presidência do Conselho foi publicado o Decreto-Lei n.º 38:659, de 36 de Fevereiro de 1952, condicionando o movimento das exportações quando feito para a zona monetária dos países que fazem parte da U. E. P. (União Europeia de Pagamentos).
Oxalá que estas medidas atinjam a finalidade que o Governo procura alcançar.
Porém, nesta ocasião desejo apenas fazer notar o valor da riqueza agrícola de Angola e o movimento excepcional por que está a passar. E só desejaria que se soubesse aproveitar esta riqueza ocasional, como eu já expus nesta tribuna quando se discutiu a Lei de Meios e já foi indicado pelo actual Sr. Subsecretário de Estado do Ultramar, engenheiro Trigo de Morais, na sua brilhante conferência proferida no Instituto Superior Técnico em 1 de Junho de 1951.
Por agora bastará que eu faça notar à Assembleia Nacional que a grande riqueza de Angola vem da terra, do mato, daquilo que a agricultura produz.
A extraordinária actividade angolana que hoje se verifica nos portos e por toda a parte daquela grande
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província ultramarina é proveniente do esforço do colono.
Os colonos fizeram Angola e são eles que hoje produzem a sua maior riqueza e alimentam a vida comercial dos portos.
As obras de vulto que o Estado Novo realizou nos portos de Luanda e do Lobito já não são suficientes para o movimento actual.
Presentemente sucede haver cinco e seis navios u carga naqueles portos, sem todos poderem acostar ao mesmo tempo por falta de cais.
O progresso de Angola é manifesto e pode evidenciar-se dizendo a V. Ex.ª, Sr. Presidente,, que em Luanda se estilo a construir prédios num ritmo tão acelerado que atinge prédio e meio por dia.
E todo o seu progresso e actividade civilizadora vem principalmente da produção da terra angolana.
É preciso, pois, continuar e impulsionar, embora com novos processos, a obra realizada no mato pelos colonos, (pelos sertanejos.
E necessário continuar a ocupação do mato.
Temos à nossa, frente uma obra ingente a realizar pela colonização agrícola de famílias rurais de raça branca.
Os Estados Unidos da América, que são um país altamente industrializado, tem a sua economia enraizada na agricultura. E tanto assim é que 43,5 por cento da sua população vive nas zonas rurais e dedica a sua actividade à produção agrícola.
Não queiramos, pois, julgar que a economia de Angola ou de Moçambique virá a basear-se essencialmente na indústria, pelo menos nos tempos mais próximos, como às vezes se pode fazer supor.
Creio haver defensores da tese de que o progresso das nossas províncias ultramarinas só alcançará o ponto que todos nós ambicionamos através de um rápido e grande investimento industrial.
E esta uma teoria errada, a meu ver, pelos reflexos perniciosos que fatalmente incidirão sobre a conjuntura económica daquelas nossas províncias.
Não nos podemos esquecer de que a economia ultramarina está ainda numa primeira fase.. E ainda uma economia incipiente.
Todas as medidas que se tomarem requerem por esse facto a maior circunspecção.
Na verdade, o fenómeno económico, como qualquer fenómeno em geral, tem o seu processo evolutivo.
E certo que o fenómeno económico é, em última análise, um fenómeno social, sujeito portanto aos impulsos da vontade do homem. E este um facto real, mas relativo; isto é, há um limite para a influência dessa vontade.
Ora a industrialização transformadora de um país só pode surgir na fase final dessa evolução.
Pretender antecipar essa fase é promover a ruína. E senão vejamos:
A industrialização só se consegue à custa de avultados investimentos e encargos dispendiosos.
Como poderão as nossas províncias ultramarinas, territórios novos em formação, dispor de meios monetários suficientes para fazer face a esses encargos?
E; além disso, surge o problema relativo às matérias-primas necessárias à laboração dessa industrialização.
Como se conseguiria obtê-las? Importando-as, responder-me-ão. Mas valerá a pena fazer sacrifícios para a produção de bens que se poderão alcançar por processos mais económicos?
Não será preferível e mais coerente aplicar os fundos monetários que se possuam em investimento de menor aparato, é certo, mas de maior solidez, com vista à consecução de matérias-primas, isto é, aplicando-os no desenvolvimento das indústrias agrícola e extractiva?
Eu entendo que é necessário começar por baixo para se conseguir uma economia sólida.
De resto, há necessidade do emprego de grandes massas de capitais para desbravar terrenos e explorar as suas riquezas.
Como podem os territórios ultramarinos, ainda em formação, embora com economia considerada já bastante florescente, aplicar grandes verbas na exploração da terra e simultaneamente pensar na criação da indústria transformadora?
Esta surgirá a seu tempo.
Lembremo-nos de que e muito recente a ocupação militar e só depois dela é que tivemos oportunidade de realizar u obra grandiosa da ocupação económica, de que justamente nos podemos orgulhar.
E claro que os princípios que deixei enunciados não são rígidos.
Não significa de modo algum que não surjam hipóteses em que haja conveniência na instalação de fábricas. Mas é necessário o máximo cuidado; é necessário ponderar bem as circunstâncias de cada caso concreto, para evitar despesas estéreis, que aplicadas de outro modo seriam reprodutivas.
Assim, pensa-se actualmente na instalação de uma fábrica onde serão despendidos avultados capitais, não existindo ainda matéria-prima suficiente.
Se este empreendimento for avante, três situações se podem verificar:
a) O industrial solicita o auxílio ou protecção do Governo para obter matéria-prima: O governador mandará produzir essa matéria-prima? Eu julgo não ser possível, em face de disposições legais, nem seria medida económica recomendável.
O trabalho compelido não é permitido em benefício de companhias particulares. E se procurar obter a matéria-prima mediante preços compensadores a pagar ao agricultor indígena irá prejudicar a produção de outras matérias-primas.
Não nos esqueçamos de que se luta em África
com falta de mão-de-obra.
b) O industrial recorre à importação da matéria-prima:
Sendo assim gastar-se-ão divisas só para beneficiar um industrial, com prejuízo do panorama económico nacional,
c)O industrial resolve encerrar a fábrica por falta de matéria-prima:
Esta situação ainda é pior, porque se esterilizam milhares de contos, que poderiam ser aplicados com benefício para todos.
Cada caso concreto demanda o seu estudo particular.
O exagero de entusiasmo pela indústria no ultramar já tem levado a insucessos.
Li no jornal Notícias de Lourenço Marques, uma crítica às obras executadas com exagerada largueza sem se dispor de verbas para a sua realização e sem se dotarem a» fábricas com os maquinismos mais modernos e mais aperfeiçoados para que a produção seja boa e barata.
Há uns anos atrás constituiu-se na província, de Moçambique uma sociedade para a montagem de uma indústria, que tudo indicava viria a ser rendosa.
Construiu-se um grande edifício de alvenaria e começou a edificar-se a residência para o director. Instalou-se uma caldeira a vapor para dar a força motriz às máquinas. E nisto se esgotou o capital da sociedade.
E nesta desoladora situação que um Ministro das Colónias, que se encontrava em visita oficial à província de Moçambique, foi visitar a pseudofábrica.
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Para o Sr. Ministro ser recebido com manifestações de regozijo acendera-se a caldeira e apitou-se com silvos prolongados à chegada ao edifício daquele membro do Governo.
E o jornalista moçambicano faz este comentário:
... ao terminar a visita o Ministro, que nada viu, porque nada tinha para ver, perguntou à nossa frente: «Afinal, que fez esta fábrica?». E alguém de espírito que estava presente respondeu pressurosamente: «Apita, «Sr. Ministro, apita».
Neste exemplo apontado a causa do desastroso empreendimento fabril foi a falta de capital.
Convém conhecer casos de insucesso, para no futuro se poderem evitar. E eles tem sido tantos que os governadores por vezes receiam conceder certas autorizações.
Conta-se, a propósito de iniciativas feitas no ar, que há muitos anos se requererá na província de Moçambique o exclusivo para uma fábrica de papel.
Devo dizer que é velha aspiração daquela província ultramarina, onde abunda a matéria-prima, ter uma fábrica de papel.
Era alto comissário de Moçambique, o Dr. Brito Camacho, que, receando conceder o exclusivo requerido, em consequência de exemplos anteriores, respondeu ao requerente: prometo todo o auxílio à instalação da fábrica de papel, mas sómente me poderei decidir a conceder o exclusivo quando o requerimento me for apresentado em papel fabricado na sua fábrica.
Não quero com isto dizer que será erro instalar uma fábrica de papel em Moçambique. Bem pelo contrário, devo afirmar ser necessário e até possível, visto haver abundante matéria-prima naquela província.
Ao que eu quero referir-me é à cautela que será preciso dispensar à instalação de fábricas no ultramar. Não basta atendeu- à existência de matéria-prima. É preciso ter igualmente em atenção outros factores, como a mão-de-obra, o capital e o estado e qualidade dos maquinismos com que se pretende montar a fábrica.
Na minha modesta opinião, não será presentemente possível, nem aos tempos mais próximos, basear na indústria, a instalação de famílias metropolitanas nas províncias ultramarinas.
Presentemente é na ocupação do mato, feita por portugueses de raça branca, que se encontrará solução para o grande problema nacional do excesso demográfico e de muitos portugueses nascidos no ultramar.
E apesar disto é insignificante o número de brancos que em África se dedicam à exploração das riquezas do solo e subsolo, em relação ao número de empregados do Estado, dos organismos de coordenação económica e das actividades particulares.
O Sr. Carlos Moreira:- V. Ex.ª decerto não pretende significar com isso que defende o trabalho propriamente agrícola dos brancos, isto é, de exploração da terra em todas as regiões e condições ...
O Orador: - Exactamente.
O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª, ao falar nessa província, não quer, certamente, referir-se à imensidade do território, porque V. Ex.ª não desejaria, com certeza, que a colonização branca se fizesse além daquelas restritas áreas próprias, tais como as dos planaltos de Milanje, Gurué, Angónia e outros mais, referindo-me à província de Moçambique.
O Orador: - Exactamente.
O Sr. Carlos Moreira: - Julgo que deve estar no ânimo de V. Ex.ª, mas como vi omitida uma outra circunstância que me parece essencial, com relação à defesa da população indígena, especialmente na sua utilização no exterior das nossas províncias ultramarinas, eu desejava que V. Ex.ª me dissesse se realmente está no seu espírito, como julgo, o princípio da necessidade dessa, defesa.
O Orador: - Está realmente no meu espírito.
Mas continuemos. Se na metrópole constitui problema sério o excesso demográfico, em Angola e Moçambique há uma situação que se vai agravando dia a dia, com os rapazes e as raparigas de raça branca que anualmente saem das escolas e não encontram colocação.
Quando a solução está no mato todos procuram a cidade.
A manutenção e o fortalecimento da unidade nacional, a defesa e engrandecimento dos territórios portugueses de além-mar far-se-á, sobretudo, pelos valores humanos e portugueses que se fixem, desbravando e arroteando zonas de povoamento europeu, produzindo, abastecendo e consumindo num afã infatigável de tentar fortuna, de elevar o seu nível de vida, servindo e engrandecendo assim a Pátria Portuguesa.
Eu entendo que, considerando indiferentemente o sistema de colonização espontânea ou o da dirigida, isto é, seja qual for o sistema que tenhamos de seguir, certo é que no momento actual a colonização terá de ser encaminhada no sentido da exploração da terra.
Ao Estado caberá o papel de preparar os meios de trabalho de que os colonos agrícolas possam dispor para se lançarem na tarefa daquela exploração.
Deverá, pois, o Estado preparar a fonte criadora de forças atractivas necessárias a uma colonização maciça.
O que se torna indispensável é criar meios que possibilitem a muitas dezenas de milhares de famílias rurais uma colonização de êxito garantido.
E para se alcançarem os meios favoráveis a uma colonização substancial, creio eu que se deveriam alicerçar nas bases seguintes:
BASE I - Sistema de coordenação do trabalho indígena enquadrado nos princípios do direito ultramarino português.
BASE II - Reduzir ao mínimo a necessidade do emprego de mão-de-obra.
BASE III - Obrigatoriedade do investimento nas respectivas províncias ultramarinas de uma percentagem dos lucros obtidos.
BASE IV - Efectivar o aproveitamento das águas pluviais e dos rios Cuanza, Cunene, Incomati e Limpopo para obter energia eléctrica e regar terrenos cultiváveis em regiões de colonização branca.
BASE V - Reorganizar os serviços provinciais de agricultura e pecuária de maneira a dar-lhes meios para desenvolverem praticamente a sua acção.
BASE VI - Criar escolas agro-pecuárias para preparar a mocidade a fim de saber explorar a terra e a entusiasmarem pedia obra a realizar no mato.
Deter-me-ei com algumas considerações a fazer sobre estas bases.
Pode parecer estranho que eu inclua as bases I e II respeitantes à mão-de-obra indígena quando o assunto do aviso prévio se refere à colonização branca. Ora eu inclui estas bases por entender que, ao tratar-se de uma colonização branca substancial, não se deverá abstrair da mão-de-obra indígena, que é em África um valor imprescindível.
Os colonos a recrutar entre trabalhadores rurais metropolitanos deverão ir trabalhar em África, em zonas
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de colonização europeia, contando com o seu braço, com o auxílio da família e dos vizinhos, tal qual trabalham e se auxiliam na metrópole.
Mas eu sei que há quem j migue impossível e até inadmissível que o colono possa desempenhar em África o trabalho do agricultor indígena.
Pensam assim devido ao rigor do clima tropical e no complexo psicológico que irá contrariar o colono quando tiver de trabalhar lado a lado com o indígena.
Está averiguado haver zonas próprias para o povoamento europeu e onde o trabalhador rural se pode dedicar ao trabalho agrícola como na metrópole. Enquanto ao complexo psicológico nada haverá a recear, pois todos estamos habituados a ver operários de fábricas e da construção civil trabalhando ao lado de operários pretos sem a menor relutância ou constrangimento.
Quanto a mim o problema é outro.
Naturalmente sucederá que, em certas épocas do ano, o colono venha a sentir a necessidade de mão-de-obra indígena, apesar do auxílio da família, dos vizinhos brancos e das máquinas agrícolas que o Estado tenha posto à sua disposição.
Este é o fenómeno que se observa na metrópole e que em África não poderá ser diferente.
Em meu entender não podemos pois, quando iniciarmos unia colonização maciça, quer seja dirigida quer livre, prescindir completamente da mão-de-obra indígena.
Primeiro que tudo repugna tradicionalmente à consciência lusíada a prática de actos provocadores de antagonismos raciais.
Não podemos, por ofender o nosso tipo colonizador, baseado na civilização cristã, adoptar uma política de segregação, expulsando o indígena das suas regiões mais benignas para nelas instalar portugueses metropolitanos. A nossa política tradicional de povo colonizador vai mais longe, pois julgamos até indispensável que europeus e africanos trabalhem em conjunto, em cooperação, para que se criem entre eles laços de amizade e entendimento. E é assim que, com pasmo e admiração de outros povos, nós temos evitado atritos e dissídios, vivendo na melhor harmonia.
O que se torna necessário é ir continuando a melhorar o esforço do indígena pela racionalização do trabalho, isto é, através da organização científica do mesmo segundo os conhecidos processos taylorianos, que impedem desperdícios de tempo e de energia.
Estes processos poderão ser lentos e demorados nos seus efeitos; porém, os Portugueses são persistentes na sua obra de colonização.
E não haverá processos mais rápidos que suavizem as dificuldades que surgirão quando se iniciar a colonização maciça.
Há um, a meu ver, que consiste numa melhor, mais justa e mais eficiente distribuição do trabalho, isto é, numa melhor coordenação do factor trabalho.
Mas perguntar-se-á: como conciliar a coordenação do trabalho com o princípio do trabalho livre?
Na verdade não podemos solucionar este problema abstraindo da concepção de repulsa pelo trabalho obrigatório para fins particulares, consagrada nos artigos 240.º e seguintes da Carta Orgânica do Império Colonial Português e em diversas disposições do Código do Trabalho dos Indígenas.
Porém, há que considerar correlativamente dois fenómenos:
a) Verifica-se em África, infelizmente numa escala superior à que muita gente pensa, um fenómeno - o urbanismo - que não é exclusivamente do ultramar.
Aos inconvenientes que os economistas apontam à atracção pelos grandes centros em relação aos povos civilizados há ainda a considerar aspectos particulares relativos aos indígenas que tornam em África este fenómeno particularmente digno da maior atenção: a destribalização, que pode trazer como consequência o aumento da delinquência e da preguiça.
O indígena está ancestralmente habituado a viver num agregado coeso - a tribo, - por força das circunstâncias do seu habitat. Ora é facto sobejamente conhecido que a destribalização é um vínculo seguro para a delinquência. O indígena obrigado a viver isolado, isto é, fora dos seus quadros tradicionais, sente-se liberto dos vínculos que o refreavam. Passa a ser um delinquente potencial e a sua natural tendência para a indolência recrudesce.
b) O indígena é, por influência do clima, preguiçoso. A terra, com a sua exuberância, tudo lhe fornece. Não sente necessidades. Por isso não gosta de trabalhar.
Pedante estes factos, que devemos fazer? Cruzar os braços? De modo algum. Nós temos uma função colonizadora a desempenhar. E colonizar não é sómente desbravar o território e fomentá-lo. E também - e este é o seu aspecto mais nobre - civilizar o indígena, torná-lo num verdadeiro homem, inocular-lhe no sangue a convicção de que o trabalho só dignifica.
Aliás, já o citado artigo 240.º da Carta Orgânica do Império Colonial Português afirma que o Estado não prescinde que os indígenas procurem pelo trabalho os meios de subsistência. Verdade já conhecida dos nossos maiores colonialistas, como António Enes e Paiva Couceiro, que num relatório publicado em 1899 afirmavam o princípio que a vadiagem não é um direito. Princípio igualmente revelado no relatório do decreto que aprovou o Estatuto Político, Civil e Criminal dos Indígenas.
Assente pois a concepção de que o indígena não pode recusar-se a trabalhar, embora seja livre de escolher o patrão ou de preferir o trabalho por conta própria, a tarefa de conciliarmos o trabalho livre com a coordenação do trabalho fica-nos facilitada.
Na verdade, o trabalho obrigatório é permitido em obras de interêsse geral artigo 241.º da Carta Orgânica do Império Colonial Português).
Então a solução será esta:
1.º O Estado recruta os vadios, sobretudo das cidades, para os trabalhos públicos, mediante remuneração justa, como impõe o artigo 242.º da citada Carta Orgânica, mas inferior à das empresas particulares.
2.º Deve promover-se um sistema de salários e de condições de trabalho móveis de maneira a canalizar-se o indígena indirectamente para os trabalhos miais convenientes à economia da província.
3.º Represento sistemática da vadiagem por meios directos, através de um sistema adequado de sanções, e indirectos, criando situações de vida difíceis aos que não querem trabalhar.
4.º Sistema de impostos móveis de forma a drenar as classes trabalhadoras paira este ou aquele ramo de actividade económica.
Em presença do notável incremento das actividades agrícolas e industriais que se está a verificar no ultramar, o problema passou a ter novo aspecto com a rare-
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facção da mão-de-obra, que assim se vai acentuando cada vez mais.
Reduzir ao mínimo a necessidade do emprego da mão-de-obra indígena é princípio a respeitar rigorosamente no ultramar.
E, desde que o Governo se lançou na preparação de uma nova tentativa de colonização, agrícola, em larga escala, por portugueses de raça branca, com mais forte razão a máquina é necessária para auxiliar o braço do homem.
Relativamente à base III, pela qual entendo que deveria ser obrigatório o investimento de parte dos lucros mias províncias ultramarinas onde foram obtidos, pouco terei a dizer, tão evidente é esta obrigatoriedade.
O Sr. Melo Machado: - Estou de acordo com os pontos de vista que V. Ex.ª acaba de indicar, menos com aquele que se refere à obrigatoriedade de deixar parte dos lucros na colónia ou na exploração, visto que fartos de obrigatoriedades estamos nós.
O que é preciso é criar as condições que solicitam o emprego dos capitais. O resto se fará por si.
O Orador: - Eu refiro-me as pequenas economias que os colonos, de uma maneira geral, sempre investiram nas suas províncias, e não àqueles que auferem maiores lucros e lá os deveriam inverter em determinada percentagem, e que assim não procedem.
Todos aqueles que conhecem de perto o ultramar e têm assistido ao seu intenso progresso sabem que tudo quanto se tem feito, além das obras, do Governo, se deve aos colonos, que ali inverteram os seus lucros, as suas economias.
O antigo Ministro das Colónias Prof. Dr. Armindo Monteiro escreveu, em Março de 1940, na Revista do Ultramar:
... sem a fixação em África do máximo possível dos rendimentos ali produzidos, o seu desenvolvimento não pode ser assegurado.
O actual Subsecretário de Estado do Ultramar, engenheiro Trigo de Movais, na conferência que proferiu em Junho de 1951 no Instituto Superior Técnico, referindo-se ao «... aumento da verdadeira riqueza nacional um terras de Angola e Moçambique», preconizou dos lucros ali obtidos «... a utilização do remanescente na criação de um capital destinado a obras reprodutivas para aumento do bem comum».
Quando foi discutida na Assembleia Nacional a Lei de Meios para 1952 propus que se adoptassem no ultramar medidas semelhantes àquelas que se tomaram na metrópole com o Decreto-Lei n.º 38:405, de 25 de Agosto de 1951, para se fixar e investir nas respectivas províncias uma parte da sobrevalorização das mercadorias exportadas.
E foi assim que procederam os colonos prudentes e cautelosos.
Este princípio é tão aceitável, Sr. Presidente, que aos colonos que nas províncias ultramarinas onde obtêm lucros lá investem grande parte deles, o público passa a dar-lhes a denominação de «bons colonos».
O que então preconizei só beneficia a economia e ainda acautela o interesse futuro dos colonos pelo investimento reprodutivo das mais valias.
Em relação à base IV, na qual me refiro à possibilidade de preparar meios pelos quais se possa orar riqueza agrícola e industrial, devo expor à Assembleia Nacional o meu pensamento, aquilo que se me afigura ser praticável.
O plano de fomento das províncias ultramarinas deve fundamentar-se essencialmente na ocupação do mato por colonos brancos e na valorização de terras incultas, por falta de irrigação umas e por falta de enxugo outras.
No aproveitamento de imensas áreas de terras incultas se deve basear fundamentalmente a colonização branca nas províncias de Angola e Moçambique.
O excedente demográfico metropolitano deverá ir colonizar o mato daquelas províncias, dedicando-se a cultura de terras irrigadas e à criação de gados.
Mas, Sr. Presidente, sem as necessárias obras hidráulicas e sem assistência técnica e as devidas cautelas não nos podemos embrenhar numa tarefa de colocar milhares de trabalhadores agrícolas metropolitanos naquelas províncias.
Haja em vista a situação actual dos colonos brancos da Huíla.
Repetidas vezes, tanto os colonos espalhados pelo planalto da Huída como os organismos oficiais e as forças vivas do Lubango, da Humpata e da Chibia, descrevendo a situação angustiosa daquela gente que vive só da exploração da terra, solicitam dos Poderes Públicos a indispensável e urgente realização de obras de barragens e valas de irrigação.
Do que valem aquelas terras e do possível aproveitamento agrícola que delas se poderá tirar diz-nos a exuberante propriedade do Chinvinguiro, feita pelo colono Maximino Borges, onde hoje está instalada a Escola Agro-Pecuária Vieira Machado.
E do que são capazes de fazer os «bons colonos» também se pode exemplificar com o procedimento de Maximino Borges. Utilizando uma parte da importância da venda, fez outra propriedade igualmente rendosa.
Mas continuemos a considerar o problema do aproveitamento da água.
O comandante Freitas Morna, quando governador-geral de Angola, ainda tentou realizar a barragem no rio Caculovar, para se valorizarem as terras da Chibia, dos Gambos e da Humpata.
Esta barragem é necessária e está incluída no plano geral de obras, no Sul de Angola, relativas à beneficiação hidroagrícola, plano que foi estudado pelo engenheiro Trigo de Morais e exposto na sua conferência de Junho de 1951.
As imensas planícies do Sul de Angola, tanto pela benignidade do clima como pela fertilidade do solo e adaptação à cultura de cereais, à pomicultura e pastagens, poderiam constituir grandes zonas de colonização branca e melhorar as condições de vida dos actuais colonos, se as águas pluviais e lacustres fossem captadas e aproveitadas.
Na legislatura passada o Deputado Bagorro de Sequeira, considerou a irrigação das referidas planícies como «o maior empreendimento de fomento que Angola requer».
É inteiramente justa esta afirmação daquele antigo Deputado, pois as obras hidroagrícolas do Sul de Angola constituem uma grande e velha aspiração daquela província.
Mas o ultramar não desanima e antes espera confiadamente do Governo do Estado Novo.
E desde que na metrópole se consigam mais de 14:200 hectares de terreno, devido à magnífica política de continuidade administrativa do Governo de Salazar, o ultramar pode esperar com confiança, porque um dia virá em que chegue também a sua vez.
Na inauguração da albufeira destinada a irrigar a ubérrima veiga de Chaves, o então Subsecretário de Estado da Agricultura, engenheiro agrónomo Pereira Caldas, disse que aquela obra de rega era uma aspiração velha de quase dois séculos ...»
Sendo assim, não se poderá considerar velha a aspiração dos colonos da Huíla, mas, se atendermos à celeridade com que o Estado Novo tem realizado o muito
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que encontrou por fazer, é lícito ambicionar que o anseio angolano de irrigar as terras sequiosas do Sul da província a breve tempo será satisfeito.
Tanto o ultramar como o País inteiro esperam ansiosos, mas confiados no Governo do Estado Novo.
Desde que o nosso ilustre colega engenheiro Araújo Correia, com toda a sua autoridade de economista e financeiro que todos lhe reconhecemos, nos aponta o caminho a seguir no ultramar sobre as obras hidroagrícolas e hidroeléctricas no seu magnífico livro Estudos de Economia Aplicada - O Problema Económico Nacional, desde que o actual Subsecretário de Estado do Ultramar, engenheiro Trigo de Morais, proferiu a sua notável conferência no Instituto Superior Técnico, esquematizando pormenorizadamente aquelas obras com a sua alta competência, de que tem dado sobejas provas em tantas obras realizadas no País, e depois de Salazar ter manifestado a sua concordância com aquilo que há anos se considerou a «loucura da água», poderemos estar certos de que o aproveitamento da água se fará também no ultramar.
Não julguem VV. Ex.ªs, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que eu aponto aquela concordância de S. Ex.ª o Presidente do Conselho sem ter fundamento, ao supor que o Chefe do Governo apoia as obras hidráulicas como base de fomento.
Ao serem inauguradas pelo Chefe do Estado marechal Carmona, que neste momento lembro com respeito e a maior saudade, as obras da Barragem Salazar, na ribeira de Santa Catarina, próximo de Alcácer do Sal, a maior barragem do tipo de enrocamento construída na Europa, S. Ex.ª o Presidente do Conselho, ao agradecer o preito de homenagem que então lhe foi prestado, afirmou:
Coube a esta geração ter sentido as necessidades do seu tempo e sabido trabalhar as grandes obras de rega.
as Salazar tem apoiado e impulsionado aquelas obras tanto na metrópole como no ultramar.
Para demonstrar que assim é, referindo-me apenas ao ultramar e especialmente às grandes províncias de Angola e Moçambique, perguntarei:
Não se está a construir em Angola a barragem das Mabubas, no rio Daude, para fornecer energia eléctrica à cidade de Luanda?
Não se está a construir a barragem do Biópio, no rio Catumbela, para abastecimento de energia ao Lobito e a Benguela?
Não foi entregue recentemente o estudo completo da queda de Matala, no rio Cunene, para aproveitamento hidroeléctrico e hidroagrícola?
Não foi já posta em hasta pública a obra hidroagrícola do açude-ponte e canais sobre o rio Limpopo?
Não estão adiantados os estudos, em Moçambique, que activamente se estão a realizar para se construir a albufeira de Movene?
Creio ter assim justificado a minha afirmação do interesse de Salazar (pelas obras hidráulicas do ultramar.
E depois de concluídas estas obras então se poderá realizar uma colonização branca intensa e substancial. E pelo passo apressado com que vejo caminhão* o. realização das obras em Angola e Moçambique não me custa acreditar que em tempo não muito longínquo se possam instalar grandes núcleos de colonos agrícolas em resultado do aproveitamento das águas dos rios Cunene e Limpopo.
Também a resolução do problema da água e das pastagens para o gado bovino do Sul de Angola se me afigura que se seguirá à obra de Matala.
Ao longo da vala Mucope, situada entre os rios Cunene e Caculovar, há boas terras de pascigo, onde se poderá alimentar um milhão de bovinos durante o ano inteiro sem necessidade de os afastar para distantes paragens na época da estiagem, parca o gado não ser dizimado pela sede e pela fome.
Com o aproveitamento da água por meio de obras de hidráulica agrícola e hidráulica pastoril ficaria assim resolvido um grande problema do Sul de Angola.
A política da água é de capital importância para a vida económica e social do ultramar e é indispensável para uma colonização europeia em grande escala.
O Subsecretário de Estado do Ultramar, Sr. Engenheiro Trigo de Morais, disse-nos na já referida conferência que se poderão fixar e prosperar 75:000 famílias em Angola e Moçambique em terrenos beneficiados por obras de aproveitamento hidroagrícola e hidroeléctrico.
O Governo do Estado Novo assim o tem entendido, e por esta orientação que está a ser seguida sente-se o aplauso geral que a Nação lhe tributa.
Relativamente às bases V e VI, que atrás deixei expostas, farei apenas ligeiras considerações para me não alongar demasiadamente.
Impõe-se uma reorganização dos serviços agrícolas, florestais e pecuários com dotações suficientes e com engenheiros civis especializados em hidráulica, agrónomos, silvicultores e veterinários, todos com bastante prática, para que se possa enfrentar com êxito a colonização agrícola de milhares de famílias de trabalhadores rurais, seareiros, rendeiros ou pequenos porprietários agricultores.
Julgo necessário criar escolas práticas agro-pecuárias como a de Chivinguiro, para criar o gosto pela agricultura à mocidade do ultramar, que não sabe como há-de orientar-se na vida à procura de ocupação.
Mas convirá advertir que estas escolas deverão ter feição inteiramente (prática. E para evitar as fugas que a experiência constantemente nos aponta não se deverão equiparar ao liceu as habilitações destas escolas práticas.
No dia em que se estabelecer a equiparação certo terá que os alunos de tais escolas irão procurar emprego nas cidades, com menosprezo pelo mato e pela agricultura.
Mas já é tempo de reatar as minhas considerações acerca dos sistemas de colonização livrei e dirigida.
Antes, porém, quero frisar uma vez mais que, quer se adopte um ou outro sistema, a colonização maciça só é eficaz uma vez realizadas as obras hidráulicas.
Esta é uma verdade insofismável, incontroversa.
Ora essas obras, pelo menos nalgumas regiões, estão já a realizar-se. Em breve será necessário encontrar a solução do problema respeitante ao método de colonização.
Parece-me prudente iniciarmos já o estudo deste momentoso problema, no intuito de se formularem princípios doutrinários. Deste modo, quando chegar o momento, que visiono para breve, de se tomar uma decisão há já ideias assentes, firmes, escoradas em estudos conscienciosos.
Qual deverá ser então o sistema a adoptar?
Deveremos optar pela colonização livre ou pela dirigida?
Este é um problema vasto, profundo e melindroso e com tantas facetas a encarar que levaria muito tempo a fazer a sua apreciação.
No entanto ouso fazer algumas considerações, com o único propósito de movimentar o assunto e dele dar uma pálida ideia à Assembleia Nacional.
A colonização livre tem em seu abono a tradição. Os seus efeitos são lentos, mas seguros.
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O Estado Novo desde 1926 interessou-se pela colonização espontânea, concedendo passagens gratuitas a colonos com falta de recursos.
Gomes da Costa, Ministro das Colónias, regulou o assunto pela Portaria n.º 4:644, de 15 de Julho de 1926.
Seguiu-se o Decreto n.º 25:027, de 9 de Fevereiro de 1935, sendo Ministro das Colónias o Prof. Dr. Anuindo Monteiro e» Subsecretário de Estado das Colónias o Dr. Vieira Machado, concedendo-se passagens gratuitas por via marítima aos colonos da zona de influência da Companhia do Caminho de Ferro de Benguela.
Porém, só a partir do ano de 1945, quando sobraçava a pasta das Colónias o Prof. Dr. Marcelo Caetano, se intensificou o movimento de colonos embarcados para o ultramar com passagens pagas pelo Estado em resultado da publicação do Decreto-Lei n.º 34:464, de 27 de Março de 1945.
Pelo Decreto-Lei n.º 38:200, do 10 de Março de 1951, sendo Ministro do Ultramar o comandante Sarmento Rodrigues, manteve-se a situação anteriormente criada.
Ao abrigo da legislação citada, embarcaram para o ultramar nos últimos vinte e cinco anos do Estado Novo 16:446 colonos com passagens pagas pelo Estado, assim discriminados:
De 1926 a 1945 ............ 5:500
Em 1945 ............... 384
Em 1946 ............... 778
Em 1947 ............... 2:106
Em 1948 ............... 1:978
Em 1949 ............... 1:947
Em .1950 ............... 1:937
Em 1951 .............. 1:816
16:446
É este o número total de colonos a quem o Estado forneceu passagens gratuitas desde 1926 a 1951 e tem o significado de revelar um índice justificativo do impulso colonizador dado pelo Estado Novo dentro do sistema tradicional da colonização livre.
O Estado apenas tem tomado o encargo das passagens a colonos com falta de recursos e de prestar conhecimentos gerais de ordem climática e sanitária por meio de prelecções obrigatórias feitas aos colonos no Instituto de Medicina Tropical e, além disso, exige daqueles colonos a garantia da robustez física, certificada pela Junta de Saúde do Ultramar, um termo de colocação pelo prazo de dois anos passado por pessoa responsável e residente na respectiva província ultramarina e um termo de responsabilidade pelo pagamento da passagem de ida e de regresso à metrópole quando o colono regressar sem justa causa, no prazo de dois anos.
O Sr. Melo Machado: - A isso não se pode chamar colonização dirigida.
O Orador: - Eu já lhe vou dar o nome. É assistida.
As passagens de colonos só são concedidas pelo Estado a portugueses de origem e por uma única vez. Têm preferência na concessão de passagens as mulheres Legítimas, os filhos menores e as filhas solteiras, de indivíduos que residam em África há mais de um ano e todos aqueles cuja actividade profissional seja reconhecida pelos governos legítimos como urgente necessidade para as respectivas províncias.
Porém, o progresso das nossas províncias ultramarinas tem-se vincado sobretudo na era do Estado Novo, não tendo este adoptado o sistema espontâneo puro, mas
antes um sistema a que já alguém chamou sistema assistido.
Este é um sistema fundamentalmente livre, mas já com intervenção do Estado, indirecta embola, que se traduz na concessão de passagens gratuitas. Por ou tiro lado, as tentativas que se fizeram de colonização dirigida resultaram em fracassos.
Aparentemente, portanto, o sistema preferível será o da colonização livre assistida pelo Estado.
Porém, nada do que expus, súmula superficial dos argumentos em favor da espontânea, me parece definitivamente decisivo.
Há, na verdade, certos factos a ponderar:
1.º Se os resultados da colonização livre são seguros, é inegável que são lentos;
2.º A colonização livre é centrífuga, ao sabor da inspiração de momento, enquanto que a dirigida é mais metódica e, se vingar, dará resultados mais rápidos e mais eficientes;
O Sr. Melo, Machado: - V. Ex.ª dá-me licença? E para dizer que a colonização pode ser livre mas ter regras e obedecer a princípios, a uma orientação. Simplesmente ser livre, não. O Sr. pode pagar a passagem e isso não o inibe de seguir os princípios aceites.
O Orador: - O pagamento da passagem não é critério que distinga os sistemas de colonização.
3.º Houve já outras nações colonizadoras que adoptaram o sistema dirigido, com esplêndidos resultados.
Ora nós somos por excelência um povo tradicionalmente colonizador e a nossa gente possui qualidades de trabalho e adaptação insuperáveis por outra raça. Por outro lado, temos a ventura de possuir um Estado moderno, dinâmico, organizador, forte, financeiramente equilibrado.
Não serão trunfos preciosos a aproveitar para nos abalançarmos com segurança na grande empresa nacional da colonização agrícola dirigida?
4.º Os fracassos até hoje verificados não terão explicação?
A meu ver, existem alguns factos que esclarecem o malogro dessas tentativas, embora talvez as não expliquem, isto é, não posso garantir que as coisas tomassem rumo diferente se esses factos tivessem sido torneados ou eliminados.
Talvez que as tentativas de colonização agrícola dirigida que se fizeram tivessem sido realizadas prematuramente.
A tentativa de colonização agrícola dirigida feita ao abrigo do Estatuto Orgânico dos Serviços de Colonização, aprovado pelo Diploma Legislativo n.º 719, de 9 de Março de 1928, da província de Angola, quando era alto comissário o Sr. Prof. Engenheiro Vicente Ferreira, falhou realmente. Mas não se deve julgar que esta tentativa falhou só porque foram mal recrutados os colonos, se estabeleceu um subsídio de 1:000 angolares mensais a cada colono durante um período de dois anos e se estatuíra é reembolso do Estado em determinado número de anuidades fixas.
Apesar destes defeitos a tentativa de 1928 talvez tivesse vingado, no todo ou pelo menos, em parte, se aquele alto comissário se tivesse mantido no Governo de Angola.
Esta é a minha presunção.
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Pessoalmente estou convencido de que a colonização agrícola dirigida dará bom resultado se for cuidadosamente preparada e devidamente acompanhada na sua execução.
Perante estas considerações, qual deverá ser a solução para o nosso desiderato?
Proponho que o Governo, com a urgência que a magnitude do problema requer, nomeie uma comissão que faça o estudo científico do problema, para que não haja divergência de critérios ou hesitações quando as circunstâncias permitirem a iniciação da colonização em massa.
Ouso sugerir que dessa comissão façam parte os professores da Escola Superior Colonial e os das Faculdades de Direito que tenham já regido a cadeira, de Direito e Administração Colonial. Parecem-me ser estas as pessoas mais indicadas para analisar objectivamente o problema, pela especialização da sua cultura.
O empreendimento nacional da colonização agrícola dirigida poderá ser demorado, terá de ser dispendioso e demandará seriamente organização e trabalho, mas há-de ser uma realidade.
Esta é a minha convicção.
E sou levado a pensar assim, julgando o Estado Novo capaz de realizar este grande empreendimento, porque entre tantas obras grandiosas já realizadas uma poderei apontar que tem pontos de contacto com a colonização agrícola dirigida no ultramar.
O velho problema do aproveitamento dos baldios do Estado e dos corpos administrativos foi solucionado pelo Estado Novo.
Tem levado o seu tempo, desde 1937, ano em que foi criada a Junta de Colonização Interna.
Desde 1947 até ao fim do 1.º semestre de 1951 foram despendidas mais de 116:000 contos em obras de rega, enxugo, defesa contra a erosão, construções rurais, oficinas tecnológicas, surribas, arroteias e plantações. Para a instalação das diversas colónias agrícolas é evidente que foi necessário executar prèviamente um certo número de obras, tais como estradas de acesso e penetração, casas de habitação para dada casal agrícola, captação e represas de águas, arroteias de terrenos. Mas levou-se o cultivo a tenras que estavam improdutivas ou insuficientemente aproveitadas e intensificou-se o cultivo de algumas das existentes.
O Estado Novo realizou assim na metrópole uma grande obra de carácter económico e de carácter social.
É certo que os problemas da colonização interna na metrópole e da colonização dirigida no ultramar são diferentes.
Mas, havendo pontos de contacto, a colonização interna ,poderá fornecer elementos de estudo para a colonização dirigida e dar-nos-á indicação da capacidade realizadora do Estado Novo.
Razões há, portanto, para, se esperar confiadamente que a Revolução Nacional venha a efectivar a colonização agrícola dirigida em Angola e Moçambique depois de concluídas as necessárias obras hidráulicas.
O País assim o espera.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Como VV. Ex.ªs sabem, estão já preparadas para sor discutidas nesta Assembleia as propostas de lei relativas à Aeronáutica, cuja discussão e votação o Governo considera urgentes.
Todavia, a Câmara não teve ainda tempo de as estudar; e, para que possam ser discutidas o mais rapidamente possível e com eficiência, é preciso que a Câmara tenha uns dias livres para se ocupar desse assunto.
Por outro lado, há conveniência, para a prossecução da discussão do aviso prévio em debate, que o discurso do Sr. Deputado avisante seja publicado no Diário das Sessões.
Por estas razões, só marco sessão para a próxima terça-feira, à hora regimental, com a mesma ordem do dia de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
Artur Proença Duarte.
Carlos Mantero Belard.
Jorge Botelho Moniz.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
André Francisco Navarro.
António Calheiros Lopes.
António de Sousa da Câmara.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
José Cardoso de Matos.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA