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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 137

ANO DE 1952 15 DE MARÇO

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º137 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 1 minuto.
Antes da ordem do dia. - Leu-se o expediente.
O Sr. Deputado Pinto Barriga mandou para. a, Mesa nota, de util aviso prévio sobre a necessidade de reorganização da Policia Judiciária, e dois requerimentos.
O Sr. Deputado Alberto de Araújo referiu-se à viagem inaugural do paquete Vera Cruz.
Ordem do dia. - O Sr. Presidente mandou ler uns dementou que recebera da Presidência do Conselho acerca das propostas do lei de organização da aeronáutica militar e de recrutamento e serviço nas forças aéreas.
Começou em seguida a discussão conjunta, na generalidade, daquelas propostas de lei. Usaram da palavra os Srs. Deputados Frederico , Quelhas Lima e Sousa Rosal Júnior.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente:-Vai proceder-se à chamada. Eram 15 horas e 63 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Finito doa Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Finito.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Coortes Lobão.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Bani Galdano Tavares.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Avelino de Sousa Campos.
Caetamo Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado..
Francisco Eusébio Fernandes Frecho.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas
Vilar Gaspar Inácio Perreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.

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João Ameal.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mandes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Corredia.
José Garcia Numes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José Finito Meneares.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel França Vigon.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
(Manuel de Magalhães Pessoa.
Mamãe! Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente:- Estão presentes 64 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 1 minuto.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente
Oficio

Da Casa do Alentejo, com a cópia de uma carta dirigida pelo respectivo conselho regional ao Sr. Deputado Vaz Monteiro a apoiar as suas considerações aquando da discussão do aviso prévio sobre o excedente demográfico.
O Sr. Presidente:-Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Pinto Barriga.
O Sr. Pinto Barriga: - Pedi a palavra para enviar para a Mesa um aviso prévio e um requerimento, que são os seguintes:

Aviso prévio

«Nos termos constitucionais e regimentais, desejo tratar em aviso prévio, prestadas as devidas provas de consideração pela obra notável, pela sua tecnicidade, do actual titular da Pasta da Justiça, da inadiável necessidade de se efectuar a reorganização da Polícia Judiciária, em moldes que lhe permitam o pleno aproveitamento dos seus actuais e excelentes elementos directivos, o seu adequado reapetrechamento técnico, com o alargamento dos seus quadros orçamentais, de modo a assegurar perfeitamente a sua missão de prevenção e repressão criminal, e que esta não seja tolhida por uma carência de pessoal e de verbas que frustre toda a boa vontade do seu respectivo funcionalismo, deixando impunes, sem ou com demorada investigação, numerosos crimes.

Neste aviso prévio tentarei demonstrar que não se pode sacrificar a segurança social a pretensas economias orçamentais e que no equilíbrio orgânico do orçamento português pode e deve caber satisfatoriamente uma organização bem estruturada da Polícia Judiciária que esteja à altura das necessidades do País e corresponda ao zelo inegável do seu pessoal.

Para a instrução deste aviso prévio, requeiro me sejam presentes ou autorizada a consulta de quaisquer relatórios apresentados pelos respectivos directores dessa Polícia e me sejam fornecidos os competentes dados estatísticos respeitantes ao último triénio. Bem assim, requeiro me seja dada notícia da constituição duma brigada especializada de costumes e a nota de quaisquer relatórios sobre a sua acção preventiva e repressiva e também da existência dum cadastro especializado.

Outrossim, interessa-me tomar conhecimento de todos os entendimentos estabelecidos entre essa Polícia e a de Segurança para uma boa prevenção e repressão criminal».

Requerimento
«Requeiro, nos termos regimentais, pelos Ministérios competentes, a nota das providências complementares tomadas após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 38:659, sobre o momentoso problema de reexportação».

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: na próxima quinta-feira sai do Tejo, na sua viagem inaugural, o novo paquete Vera Cruz, da Companhia Colonial de Navegação.

É a mais moderna e a maior unidade da nossa frota comercial e a sua primeira viagem não pode deixar de ser assinalada nesta Câmara, que se ocupou largamente do plano de renovação da marinha mercante nacional e acompanhou com grande interesse a sua execução.

Essa frota que sulca os oceanos, que rápida e regularmente liga a metrópole ao ultramar, que vai ao Brasil e aos confins do Oriente, é bem o símbolo de uma pátria renovada, a expressão alta de uma nação que procura valorizar os seus vastos recursos e estreitar os vínculos que unem e prendem todas as parcelas da comunidade portuguesa.
E se sem a acção prévia do Estado não teria sido possível a renovação da marinha portuguesa, a verdade é que esta foi em grande parte facilitada pela superior visão do Sr. Ministro da Marinha e pelo alto espírito de tenacidade e de compreensão de que deram provas os dirigentes das nossas empresas armadoras.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Um novo e magnífico paquete que desfralda a bandeira portuguesa, símbolo da Pátria em todos os mares e em todas as latitudes, vai agora realizar a sua primeira viagem ao Brasil, levando consigo todos os anseios e todas as esperanças que nos animam, a certeza de que nada pode alterar nem a amizade que impõe o sangue nem os rumos que vêm da História.

À Companhia Colonial de Navegação e aos que tão inteligentemente a dirigem, na pessoa desse infatigável trabalhador e notável homem de iniciativa e de acção que é Bernardino Correia, daqui dirijo os meus cumprimentos, formulando votos para que não esmoreçam no seu plano e no seu sonho de engrandecerem cada vez mais a frota mercante nacional..

Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Não quero terminar estas minhas palavras de júbilo e de sincera admiração sem um pequeno ré-

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paro: o Vera Cruz não toca na Madeira na sua ida para o Brasil. O facto entristece e fere a sensibilidade do povo madeirense, sempre tão interessado nas coisas do mar e que considera o porto do Funchal como um dos factores mais importantes do seu progresso e desenvolvimento.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Vasco Lopes Alves: - Toca no regresso.

O Orador:-A Madeira, como há cinco séculos, continua a estar no rumo da América do Sul, e todos os anos milhares de madeirenses deixam a sua terra e os seus lares para, povoando o Brasil, continuarem Portugal em terras de Santa Cruz.

Vozes: - Muito bem!
O Orador:-É com pesar e com mágoa, Sr. Presidente, que a Madeira se vê esquecida na primeira viagem ao Brasil da mais bela unidade da frota mercante portuguesa.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

Ordem do dia

O Sr. Presidente:-Vão entrar em discussão as propostas de lei de organização geral da aeronáutica militar e de recrutamento e serviço militar nas forças aéreas. A discussão na generalidade das duas propostas far-se-á conjuntamente.
Antes de conceder a palavra aos oradores inscritos vou mandar ler à Câmara os documentos hoje recebidos do Sr. Presidente do Conselho, determinados pelos reparos da Câmara Corporativa quanto à constitucionalidade da proposta n. º 186, para os quais entendi dever chamar a atenção de S. Ex.ª pelo meu ofício n.º 497/V.

Foram lidos os seguintes documentos, que se publicam: um ofício do Sr. Presidente do Conselho, uma declaração do Sr. Ministro do Ultramar, uma proposta de alteração ao artigo 6.º da proposta de Lei n.º 186, enviada pelo Sr. Presidente do Conselho, e o oficio n.º 497/ V, do Sr. Presidente da Assembleia Nacional.

Ofício do Sr. Presidente do Conselho

«Sr. Presidente da Assembleia Nacional.-Excelência.- Refiro-me ao ofício n.º 497/V, datado de 8 de Março, sobre a questão da constitucionalidade das propostas de reorganização da aeronáutica militar, questão suscitada no parecer da Câmara Corporativa por motivo de aquelas não irem assinadas pelo Ministro do Ultramar, em harmonia com o artigo 150.º, n.º l.º, da Constituição.
Parece ao Governo que, no respeitante à proposta de lei n.º 186, há equívoco da parte da Câmara Corporativa ou, pelo menos, interpretação do texto constitucional diversa ida que tem sido praticada, pois não pode afirmar-se que- nu referida (proposta se trata de organização da defesa nacional a legislar para o ultramar português. Assim se entendeu noutras circunstâncias análogas, conto ainda recentemente na proposta n.º 51, que foi convertida na Lei n.º 3:051, de 15 de Janeiro de 1952 (bases da organização da defesa nacional), e foi simplesmente assinada pelo Presidente do Conselho de Ministros. Se alguma dúvida pudesse ainda suscitar-se em face do disposto no artigo 6.º, essa mesma
desapareceria em virtude da proposta de alteração que o Governo envia nesta data à Assembleia Nacional (a perfilhar, aliás, a redacção da Câmara Corporativa), nos termos do $ único do artigo 97.º da Constituição.

Quanto à proposta 11. 187, houve de facto um lapso em se omitir a assinatura do Ministro do Ultramar, que nela, aliás, colaborara. Com referência a essa omissão, envio junto a V. Exª. o ofício de 12 de Março recebido do titular da pasta: nele declara o Ministro perfilhar a referida proposta, que só pelo aludido lapso não levou a sua assinatura.

A bem da Nação.

Presidência do Conselho, 14 de Março de 1952. - O Presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar.

Declaração do Sr. Ministro do Ultramar

«Sr. Presidente do Conselho. - Excelência. Tomei conhecimento da questão suscitada no parecer da Câmara Corporativa quanto à constitucionalidade das propostas submetidas à sua apreciação, pelo facto de não serem subscritas pelo Ministro do Ultramar. Informado por V. Ex.ª. de que a minha assinatura só seria necessária na proposta n.º 187, relativa ao recrutamento e serviço militar nas forças aéreas, venho declarar que perfilho essa proposta, a qual só por. lapso não foi por mim assinada quando da sua remessa à Assembleia Nacional.

A bem da Nação.

Ministério do Ultramar, 12 de Março de 1902. - O Ministro do Ultramar, Manuel Maria Sarmento Rodrigues.

Proposta de alteração ao artigo 6.º da proposta de lei n.º 186
«O corpo do artigo 6.º da referida proposta deverá ter a seguinte redacção:
Art. 6.º O conjunto do território nacional na metrópole e nas províncias ultramarinas dividir-se-á em regiões aéreas a determinar pelo Governo.

§1.º ...................
§2.º ...................
14 de Março de 1952. - O Ministro da Defesa Nacional, Fernando dos Santos Costa

Ofício do Sr. Presidente da Assembleia Nacional

«Sr. Presidente do Conselho. - Excelência.-No parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei n.º 186 é levantada a questão da constitucionalidade, por motivo de essa proposta não vir assinada por S. Ex.ª. o Ministro do Ultramar, o que constituiria violação do artigo 150.º, n.º 1.º, com referencia ao artigo 93.º, da Constituição da República.

É natural que, ao discutir-se essa proposta na Assembleia Nacional, seja, com base naquele parecer, oposta à aprovação na generalidade a questão prévia da inconstitucionalidade, o que conduziria à rejeição da mesma proposta.
Como o Governo manifestou urgência na discussão e votação dessa medida legislativa, entendi dever levar ao conhecimento de V. Ex.ª- este facto e rogar para ele a esclarecida atenção de V. Ex.ª, para que possa tomar as providências que julgar convenientes.
Cumpre-me ainda informar V. Ex.ª. de que a discussão da referida proposta de lei deverá provavelmente iniciar-se na sessão de 12 do corrente.
A bem da Nação.
Palácio da Assembleia Nacional, 8 de Março de 1952.- O Presidente da Assembleia Nacional, Albino dos Seis.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra sobre a ordem do dia o Sr. Deputado Frederico Vilar.

O Sr. Frederico Vilar: - Sr. Presidente: não tendo sido nomeado vogal relator para a Comissão de Defesa Nacional, entendo dever, como seu presidente, abrir o debate sobre as duas propostas de lei n.º 186 e 187, relativas, respectivamente, à organização geral da aeronáutica militar e ao recrutamento e serviço militar nas forças aéreas, que o Governo submete agora à apreciação da Assembleia Nacional.

Estas duas propostas são, a meu ver, o complemento lógico do Decreto n.º 37:909, de 1 de Agosto do 1950, que criou o Subsecretariado de Estado da Aeronáutica, cujo artigo 8.º impõe, como condição prévia para o seu provimento efectivo, a reorganização das forças aéreas.
Tão grande remodelação neste importantíssimo sector das forças armadas não teria certamente sido encarada pelo Governo neste momento se razões muito fortes o não tivessem imposto.

E entre estas está, com certeza, a base da afirmação feita por S. Ex.ª. o Sr. Presidente do Conselho ao dizer que, sem esquecer a nossa velha aliança com a Inglaterra e os acordos estabelecidos com a Espanha, a política externa portuguesa dos próximos vinte anos será nitidamente dominada pelo Pacto do Atlântico, com todas as suas naturais reflexas na política interna do País.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:-De facto, como signatário do Pacto do Atlântico Norte, tem o Governo de dar cumprimento aos compromissos assumidos, que, como acontece a todos os outros signatários, embora em volume diferente, se acham escalonados no tempo de forma igual para todos.

Se atendermos a que a modalidade da nossa cooperação no seio da organização criada por esse Pacto foi superiormente indicada e ainda a que, mesmo que o País estivesse devidamente habilitado, só podíamos contar com possíveis aquisições de material de guerra, sobretudo aeronáutico, nos mercados inglês e norte-americano, e estes, por agora, só estão em condições de fornecer na medida em que esse material interessa à satisfação da colaboração pedida, teremos assim uma ideia do cuidado que o Governo tem de pôr nas medidas a tomar e estas duas propostas de lei, delas fazem parte para poder fazer face, em tempo oportuno, aos compromissos assumidos.

Vozes: -- Muito bem!

O Orador:-Lastimo que não seja do interesse nacional poder fornecer, em sessão pública desta Câmara, elementos mais detalhados a tal respeito, e que o Governo tem por confidenciais, pois ficariam então VV. Ex.ªs em melhores condições de poder avaliar a oportunidade das duas propostas de lei que o Governo submete hoje à apreciação desta Câmara. Lastimo, mas compreendo.

Porém, mesmo não entrando em linha de conta com esses elementos especiais a que acabo de fazer referência, a oportunidade e direi mesmo certamente a urgência das duas propostas de lei em discussão estão suficientemente justificadas na necessidade de, desde longe, durante a paz, deverem funcionar convenientemente, e nos moldes em que o devem fazer em tempo de guerra, todos os órgãos da defesa nacional, pois só assim estarão aptos, nessa emergência, a fornecer o rendimento total que as circunstâncias lhes impõem.

E, sendo assim, vêm estas propostas de lei, se forem aprovadas, preencher duas das lacunas por mim apontadas nesta mesma tribuna, ao abrir a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 514, sobre as bases da organização da defesa nacional, melhorando consideravelmente as condições de trabalho e as possibilidades que julgo indispensáveis à eficaz actuação do Governo e dos organismos militares respectivos.

Quais são então as linhas gerais das propostas hoje presentes para serem discutidas pela Assembleia Nacional?

a} Sentido nacional da organização das forças aéreas, não havendo distinção entre forças metropolitanas e ultramarinas;
b) Recrutamento de sentido igualmente nacional, recebendo, sobretudo para serviço das infra-es-truturas, indivíduos tanto da metrópole como das províncias ultramarinas, sem distinção de raças, línguas ou religiões;
c) Permanência de três anos nas fileiras, tempo mínimo julgado indispensável para a regular preparação de um piloto ou de um mecânico;
d) Classificação das forças aéreas em:
Forças aéreas independentes; Forças aéreas de cooperação;
devendo as primeiras ficar totalmente afectas ao Subsecretariado de Estado da Aeronáutica e, por intermédio deste, ao Ministro da Defesa Nacional, de quem dependem também a defesa civil, a defesa terrestre contra aeronaves, as forças de pesquisa e de vigilânciado ar, etc., permitindo-lhe assim a possibilidade de organizar a defesa do território da zona do interior, cuja responsabilidade directa inteiramente lhe pertence;

e) No que diz respeito às forças aéreas de cooperação, qual deverá ser a solução adequada? Três se podem apresentar:
1.ª Completa descentralização, com sujeição permanente, quer em tempo de paz, quer em tempo de guerra, aos Ministérios do Exército e da Marinha;
2.ª Completa centralização, ficando afectas para todos os efeitos ao Subsecretariado de Estado da Aeronáutica;
3.a Concentração para efeitos de administração e de preparação, e descentralização para efeitos de emprego.
Das soluções apontadas, parece ser a 3.a a que melhor corresponde, direi, antes às conveniências do que às necessidades do momento:
Não tem multiplicação de escolas nem de serviços oficiais;
Métodos comuns na orientação da instrução, com diferenciação imposta apenas pela natureza da cooperação;
Tem quadros que podem ser originários das forças terrestres ou navais, a quem interessa a cooperação;
Não há duplicação de serviços;
Quanto ao seu emprego, poderão estas forças ficar na dependência dos Ministérios do Exército e da Marinha desde o tempo de paz ou somente em tempo de guerra.
São estas, em resumo, as linhas gerais das propostas hoje presentes para discussão, na generalidade, a esta Assembleia.

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Pessoalmente, e sem receio de me inclinar para uma solução que se possa dizer ainda não suficientemente experimentada, opto pela centralização das aeronáuticas militar e naval numa força aérea única, pudendo eventualmente as forças aéreas de cooperação ficar sob a dependência dos respectivos Ministérios para efeitos de emprego em tempo de guerra e para efeitos de instrução operacional em tempo de paz.

Não será sem tristeza que verei sair do seio do exército de torra esse núcleo de oficiais que, na sua especialidade, tanto contribuíram, com suas proezas, para lhe aumentar o prestígio. E, se assim penso como oficial do Exército, tenho a certeza de que outro tanto se há-de passar com os meus camaradas da Marinha.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Pela minha parte, procurarei a contrapartida do meu desgosto na certeza de que a criação do Subsecretariado de Estado da Aeronáutica virá aumentar a eficácia da colaboração entre as forças de terra, mar e ar, hoje mais do que nunca indispensável em qualquer operação de envergadura e tanto mais sólida e íntima quanto maior for a envergadura da operação.

Mas estas propostas foram largamente discutidas pela Comissão de Defesa Nacional desta Câmara, de que, para mal de todos VV. Ex.ªs, quis o destino que viesse a ser nomeado presidente, apenas pelo facto de ser o mais graduado.

Vozes: - Não apoiado !
O Orador:-Cumpre-me, pois, vir comunicar-vos o que se passou no seio dessa Comissão, completando assim os elementos indispensáveis à justa apreciação de VV. Ex. das propostas do Governo n.ºs 186 e 187.

Na proposta n.º 186, isto é, a relativa à organização geral da aeronáutica militar, com excepção dos artigos l.º e 7.º, que foram aprovados por maioria, todos os outros foram aprovados por unanimidade, com as alterações sugeridas e que oportunamente se comunicarão.

Na proposta n.º 187, que se refere ao recrutamento e serviço militar nas forças aéreas, com excepção do artigo 2.º, que foi aprovado por maioria, todos os outros foram aprovados por unanimidade, nas mesmas condições.

Resta-me aproveitar esta oportunidade para, mais uma vez, salientar a camaradagem, a amizade e a elevação com que na Comissão de Defesa Nacional estes diplomas foram. discutidos, agradecendo a todos os meus camaradas da Marinha é do Exército a sua sempre leal colaboração, suprindo assim as deficiências do presidente da Comissão de Defesa Nacional (não apoiados), que neste assunto, e por agora, dá por terminada a sua missão.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Quelhas Lima: -Sr. Presidente e Srs. Deputados: não se apagaram completam ente por certo nesta Assembleia Nacional os ecos do debate a, que deu origem a proposta de lei 11.º 514, sobre a reorganização da defesa nacional, e que teve essencialmente a caracterizá-lo na discussão na generalidade uma apreciação intensiva sobre a matéria preambular e respectiva tomada de posição por alguns dos ilustres Deputados que comigo se ocuparam do mesma tema, enquanto que sobre a matéria dispositiva do mesmo decreto foi fácil e rápida a unanimidade.

Não constitui, pois, surpresa ou caso merecedor de qualquer nota a linha geral de considerações que vou ter a honra de proferir frente às propostas de lei sobre a organização geral da aeronáutica e recrutamento e serviço militar das forças aéreas e que, nos termos constitucionais, vêm acompanhadas do douto parecer da Câmara Corporativa, merecendo especial destaque, pela profundidade do debate que então se verificou, as numerosas, expressivas e bem fundamentadas declarações de voto dos Dignos Procuradores.

Embora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, fosse menos fatigante entrar sem preâmbulo divagatório na matéria objectiva das propostas em discussão, vou seguir caminho que, não tendo qualquer originalidade, me deixe livre campo demonstrativo de que as considerações .que vou produzir não são objecto de lucubração particular ou de especial oportunidade que o relatório da proposta do Governo me fizesse, sob certo ângulo, sugerir ao tocar, embora em síntese, nalguns números a política militar naval que parece interessar à Nação.
Neste primeiro passo da linha geral do pensamento lançarei mão da leitura de algumas passagens contidas no Diário das Sessões quando, em momento próprio, tive honrosa oportunidade de focar despretensiosamente perante a Assembleia questões momentosas sobre política do mar.

Peço apenas que me seja, pois, uma vez perdoado o simbolismo mis palavras que vou recordar, se contêm, e em que a aritmética racional, ajudada pela benemérita tabuada do notável siracusano Pitágoras, entra pouco ao longo do movimento de ideias ou conceitos, se tal Resignação me quiserdes conceder em especial graça.
Recordando:

Na sessão de 2 de Abril ele 1943, quando da ratificação do Decreto-Lei n.º 32:616, que regulou a distribuição dos lucros líquidos anuais das empresas de navegação, obrigando-as a constituir fundos para a aquisição de navios -aquele maravilhoso mealheiro, que foi a base avançada, da renovação da hoje jovem frota de comércio, tive então oportunidade de dizer:

Em 500, o Infante D. Henrique o português maior entre os maiores- recebeu, com os seus irmãos de sangue e de alma, desde o berço, a inspiração, a .graça transcendente de dizer, ensinar e convencer os Portugueses dos seus destinos e correlativas obrigações, para preservar e manter perpetuamente a sua existência política., com plena soberania ou independência pelos tempos fora.

Constatando o lufante português que esta rápida nesga continental debruçada sobre o Atlântico não contém em si valores, as elementos naturais capazes de uma vida desafogada, sem negras ânsias, ânsias, depois de sábia e poderosa reflexão; com tenacidade férrea, obstinação inamovível, para o mar misterioso, paira buscar o prolongamento da pátria própria por terras que garantam os imperantes factores de geografia económica e política capazes de assegurai, sem mutilações e funestas vassalagens, a existência plena, livre, de Portugal.

Na continuação do pensamento salvador desse esfíngica e silencioso génio se constrói através do mar, e só do mar, a soberania plena de Portugal.
Quero inferir desde já que os factores geográficos perseguidos e procurados pelo Infante, continuados pelos seus discípulos para dar a Portugal a sua posição vitoriosa como nação soberana, continham em si implicitamente a concepção e o reconhecido axioma de que não há independência política sem independência económica.

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Este simples e prático recorte da história real da vida portuguesa permite-me apenas chegar a estabelecer, dando um rápido salto de história, esta conclusão, aparentemente infantil, quase ingénua: a geografia física, política e económica de Portugal impôs - se de continente, metrópole insular e territórios ultramarinos, aos quais me apraz chamar hoje e sempre pátrias portuguesas de além-mar.
Esta verdade geográfica, que constitui o imperativo inamovível da soberania, da independência de Portugal, impõe e condiciona em plano de primeira grandeza toda a forja das acções e do pensamento público, e até particular, no complexo dos problemas internos e externos da Nação.

Se o mau deu a vitória à nação portuguesa sobre si própria, não poderá ser jamais considerado, em nenhum tempo, como elemento (natural masjestático e imponente, interpondo-se como fatalidade arreliadora para, separar ou desunir as nossas terras, mas como agente salvador e abençoado para unir os Portugueses de todos os quadrantes e essencialmente aqueles que nas várias modalidades públicas - colonos, devassadores da selva, e simples bandeirantes- trabalham e lutam nas pátrias portuguesas de além-mar.

As estradas do mar abertas pelos Portugueses são o único veículo a utilizar, exceptuando, claro, a revolucionária conquista do espaço aéreo, agente natural susceptível de promover unia nova concepção na vida dos povos, para fundir num só cadinho, amalgamar num mesmo sentido e anseio de viver, promover em torno duma só bandeira o liame forte dos interesses vitais dos Portugueses espalhados por todos os cantos da Terra, e assim criar e desenvolver a expressão imperecível da verdadeira lusitanidade e ao mesmo tempo mantê-la como valor real e ponderável na comunidade universal dos povos.

E então que será necessário fazer para ir ao encontro das realidades da nossa geografia política e económica ?

Como para caminhar através do mar navegar este só consente navios ou engenhos flutuantes similares, e como os homens ainda não estão autorizados a transplantar os continentes nem a secar os grandes mares e ainda bem!- necessário se torna que nos acomodemos como outrora e aceitemos a majestade da natureza e a omnipotência de Deus, e assim cumprir as suas altíssimas e irrevogáveis criações e determinações.

E o que é que vemos concretamente?

Ainda um pouco de história:

Com o dealbar do século XIX dois factos essenciais vieram acelerar verticalmente a quebra que vinha de mais em mais a manifestar-se nas actividades marítimas portuguesas.

Por um lado, as invasões napoleónicas, com o seu ulterior cortejo de querelas e dissenções políticas internas, deslocam o centro de gravidade da nossa vida marítima, e, por outro, o advento da máquina a vapor, por impreparação ou inconveniente adaptação técnica, provoca o seu aniquilamento.

Eu não sei se se verifica com este desastre o regresso dos Portugueses ao vício da terra; o que se extrai dos factos é o colapso da política ao mar.
E mais adiante disse:

Se se fosse a admitir como ponto assente ou regra aceite o princípio renunciador de que não vale
a pena lutar para desenvolver no consciente da Nação a necessidade de uma frota mercante nacional, obedecendo às regras modernas e necessárias de exploração comercial económica, porque é possível evitar o sacrifício, as canseiras e o trabalho para a obter, e desta forma entregar quase completamente às marinhas estrangeiras os labores do nosso comércio, pergunta-se: haverá de facto muitas indústrias em terra nossa de que as nações ricas de matérias-primas não nos possam oferecer em condições vantajosas os produtos manufacturados que correspondem ao objectivo dessas indústrias?

Onde se ia parar com tal concepção ?

Parece-me, Sr. Presidente e STB. Deputados, que há que arrancar com prudência, com zelo e forte determinação para criar no consciente público e particular consciente na Nação a necessidade de promover a restauração, o desenvolvimento da frota mercante nacional no quadro parcelar das actividades do mar, da política do mar.

Terminei dizendo:

Em suma, a política do mar não se opõe ao santo vício da terra, antes se completam e entrelaçam como a maior verdade que a história da nossa terra impõe e exalta.
(Do Diário das Sessões de 2 de Abril de 1943).

Era aquele tempo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, em que o abastecimento do País estava quase exclusivamente entregue aos nossos «patuleias», que puxavam, com o sacrifício valoroso dos seus homens até aos «gomes» das suas possibilidades.

Era ainda aquele tempo em que aqui e além começavam a aparecer manchas, embora reduzidas, de clorose nos corpos e correspondente astenia nas almas.
Afinal, Sr. Presidente e Srs. Deputados, pequena paga diante da magistral, redentora neutralidade, tão pre-destinadamente concebida e defendida.

Em sessão de 14 de Março de 1946 da Assembleia Nacional, aquando do clamoroso debate resultante de um aviso prévio sobre marinha mercante, após a publicação do já celebrado despacho n.º 100 do ilustre e terrivelmente silencioso titular da pasta da Marinha, mas que parece agora começar a virar de querena nesse respeitável! modo de ser, esquematizando o programa da reconstituição da frota de comércio, tive oportunidade de retomar com vivacidade, vigor e até algum azedume aquela mesma ordem de considerações, dominado então exclusivamente pelo sentimento de que mão era tempo de apurarmos excessivamente pormenores ou .preciosismos1 administrativos, pois o tempo e a experiência iriam corrigindo este ou aquele ponto, imperfeições ou factos imprevisíveis, quando estávamos encarando uma autêntica e majestosa revolução nos nossos destinos, metendo-nos ao rumo da vitória.

Não toco mais veste momento emocional vivido na Assembleia, por motivos facilmente compreensíveis».

O vitorioso, chamemo-lhe triunfal, lançamento da política do mar, pela criação dessa frota de comércio moderna a pesca segue-se-lhe na esteira, com o mesmo ritmo renovador, sacudindo-a de um mortal colapso que desde longa data vinha sofrendo, embora com tentativas esforçadas aqui e além, para desaparecerem a seguir, sem rasto de continuidade, só veio encontrar significado real, estrondoso êxito, no momento político actual, onde se agiganta de forma dominadora, como príncipe na. sabedoria, o Chefe ,do Governo.
Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Se a História é a grande mestra, se a História é perpétuo recomeço, o franco regresso à política do mar afirma-se como formal obediência às constantes geoeconómicas e geopolíticos que os nossos maiores nos legaram para manter e perpetuar a colmeia lusitana independente na lei do viver e recheá-la constantemente com o génio civilizador que a providência nos concedeu em transcendente graça e a tanto nos obrigou.

As frotas de comércio e de" pesca nacionais inscrevem-se finalmente com um número de ordem já apreciável entre as suas congéneres estrangeiras.

E o ferro e o aço que revestem a construção daqueles navios não nasceram nos pinhais de Leiria, infelizmente, nem aqueles que estruturam ou vertebram as nossas pontes ou que fundiram e modelaram as turbinas das nossas centrais ou das grandes máquinas e ferramentas das indústrias entre nós estabelecidas.

Nasceu, sim, este grandioso movimento através de uma administração sábia e prudente, nasceu em obediência às grandes e irrevogáveis constantes geográficas e políticas do mundo português, nasceu de uma noção ou concepção rigorosa de uma política de grandeza.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nada mais expressivo, como significado integrante, que a legenda simbólica e de sóbrios dizeres - índice de uma política - que se contém na medalha comemorativa do I Congresso da Marinha Mercante: Regressámos ao mar.

Suponho, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que nestas considerações, aparentemente deslocadas da economia central das propostas em discussão, me mantive em harmonia com as realidades vigentes, actuais, de uma política.
Fecho, pois, este primeiro passo, como já referi, desejando que na ordem administrativa pública e privada tudo se conjugue para o progresso e bem-estar de todos os Portugueses, a que o imenso património que sulca e corre os mares se dirige em finalidade total. A nação que o criou e engrandeceu na paz compete protegê-lo na guerra; e isto pertence à estratégia.

E, assim, entro rápida e naturalmente no segundo ponto das minhas considerações.

A paz, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é o sonho dos ascetas e dos santos, é a prece constante e fervorosa das mães, para quem os filhos constituem a essência sublime do ser: «a guerra é a vida dos homens».

Neste tempo, em que infernal baile de sentimentos, interesses, paixões e egoísmos, em estranho caldeamento, parecia instalar-se no âmago das nações que marcam um mesmo índice de civilização ou concepção da vida e ameaçava iludir as realidades do perigo mortal que ameaça potencialmente a cristandade, parece nascer, com maior ou menor consciência, a possibilidade de evitar a ultima ratio pela criação de força substancial que restabeleça o equilíbrio entre os blocos antagonistas. Enfim, paz armada.

Posto este ligeiro preâmbulo, vejamos, Srs. Deputados, o que é a guerra marítima e qual a sua dominadora finalidade.

Peço perdão por pôr esta questão, mas não só está na sequência natural das minhas considerações como pode acontecer que nem a todos VV. Ex.ªs seja familiar o assunto.

É claro que não vou fazer lição, mas tocar o assunto em simplicidade, meia dúzia de palavras apenas. De resto, a erudição abafa por vezes a claridade das questões.

Na guerra marítima, Srs. Deputados, só um objectivo fundamental se procura: lutar pelo senhorio do mar para assegurar as comunicações próprias, o tráfego, de que o mar é ainda insubstituível via de trânsito e até a economia que nele se contem.

Luta-se no mar, lutou-se sempre, lutar-se-á amanhã por todas as formas, por todos os meios que a sucessiva evolução da técnica tem sucessivamente -introduzido para manter o mar livre para transitar, negando, interditando ao adversário o seu uso.

Em suma, os meios postos à disposição do homem têm variado conforme as idades da técnica; a finalidade da guerra no mar mantém-se invariável.

Da influência do poder marítimo na nossa história não há que falar. Mas tomando o caso português, quer no que respeita às constantes geoeconómicas e geopolíticas, quer em obediência à realidade já majestosa da nossa política do mar, e que ainda há pouco recordei, parece que a estratégia deverá dispor de poder naval ou aeronaval que harmònicamente lhe deve corresponder e de forma saudável.

Mas quer isto dizer que temos possibilidades reais, atenta a vastidão das pátrias de além-mar e a sua complexa geografia, de restabelecer um poder naval ou aeronaval para sozinhos assegurarmos as comunicações essenciais em situação de emergência? Não.

Abro um rápido parêntese:

E certo que perdemos o domínio do mar nos fins do século XVI - aquele sombrio eclipse da nossa soberania criou depressa demais as Condições para aquela perda. E se, como diz o padre Manuel Godinho, e o império português não caiu naquela altura foi porque não encontrou sepultura digna da sua grandeza»; contudo, é ainda os rostos desse poder esse magnífico quadrado de caravelas e naus que permitiu a sustentação das pátrias de além-mar, que são o nosso ser.
A ultrapassagem fulminante que naquele doloroso interregno então sofremos pela Holanda, Inglaterra e França jamais poderia, ser recuperada (as feridas recebidas foram quase mortais) e no desafio entre aquelas nações rivais pelo poder marítimo vai, em hábil jogo pelo equilíbrio político e com o valor inigualável e intrepidez dos seus marinheiros, abater em detalhe os seus adversários para em Trafalgar é depois em Sinope, com as suas naus de madeira, empunhar o tridente Neptuno, o império do mar? que a era vitoriana- consagra como a mais alta expressão.

De resto, Srs. Deputados, como poderiam os nossos portuguesíssimos reis, sacrários da História de Portugal, defensores da Fé, e que sucederam ao eclipse sombrio da nossa soberania, crivados por todos os lados de feridas no corpo da Nação e do Império, restabelecer a nossa majestade nos mares?

Quando me engolfo neste capítulo da História fico-me unicamente a cismar como tão precários recursos, como tão escassas naus conseguiram fazer tanto por tantos.

Fecho este parêntese e volto ao caminho.

Ia dizendo que não temos efectivamente possibilidades reais de sozinhos nos bastarmos em situação de emergência diante da nossa vasta e complexa geografia militar, nem de retomar aquele lugar em que em quase dois gloriosos séculos reinámos soberanamente.

Nem nós, e no estado actual das coisas não serei excessivamente ousado ao dizer que será difícil conceber que qualquer nação possa estabelecer de per si o senhorio dos mares com exclusivos recursos próprios.

Homens e nações mais do que nunca são interdependentes, solidários, diante da causa comum.

Simplesmente, e como muito bem diz o relatório do Governo, «se o bem da paz tiver de ser perdido», é meu parecer que dois factores de acentuada ordem de gran-

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deza concorrem paralelamente para o progressivo desenvolvimento do poder naval ou aeronaval:

a) Políticos;
b) Político-militares.
n] Políticos. - A magistral e nunca demais encarecida política de amizade peninsular, das mais estrondosas consequências na ordem nacional e universal, consente em si franco caminho, mais livres para total regresso às nossas constantes históricas, à nossa missão de que o mar foi, é e será o agente inspirador e salvador.

Quando nos metemos ou confinámos especificamente os nossos destinos e preocupações ao escasso, embora bem aventurado, solar materno não passámos da mediocridade e quase fizemos promessa de autofagia. Quando nos embrenhámos para Leste, minámos ou roussilhonámos, mesmo com glória, não fomos felizes por contrariarmos u nossa vocação, os nossos destinos reais: cara
no mar.

b) Político-militares. - Embora não seja curioso nem goste de espreitar ao buraco da fechadura e servindo-me exclusivamente das palavras singularmente espectaculares lançadas aos quatro ventos por chefes navais responsáveis, a combinação atlântica tem como limito de acção o trópico de Câncer, 23º,5 Norte, o que quer dizer que para o sul desse paralelo temos de contar connosco, e onde geogràficamente se situam as terras de Cabo Verde, S. Tomé, Guiné, Angola, etc., enfim um mundo.

Por outro lado, sejam quais forem as nossas obrigações e tarefas na combinação atlântica, que aliás não conheço, nem nunca poderiam ser proclamadas, há contudo uma circunstância de ordem geral intuitiva que salta imediatamente: se o conflito deflagrar e se considerarmos que estaremos em presença de um adversário impiedoso, implacável e fortemente apetrechado, tendo nas suas mãos a iniciativa do ataque dos submarinos em matilha ou caçando isolados e, possivelmente, outras armas insidiosas e que primeiro que a organização internacional esteja pronta a ocorrer às nossas dificuldades, máquina que levará tempo a movimentar-se, devemos admitir que neste aspecto também devemos contar muito connosco.

Tudo isto parece aconselhar o desenvolvimento do poder naval ou aeronaval.
Não significa, a qualquer título, a linha geral de ideias que acabo de expor que estou atacado de megalomania ou a sofrer a qualquer título de um ataque de «ma-rujite aguda» ou que pretendo dar qualquer novidade especial ou sensacional.

Quero apenas exprimir que, embora tenhamos (perdido o domínio do mar, não devemos abrandar a acção e o pensamento do seu sentido e significado dentro da escala recta das possibilidades nacionais.

Termino assim o segundo ponto das minhas considerações nesta sessão, que me foram sugeridas por algumas passagens do relatório do Governo que precede as propostas de lei em discussão. .

E apenas, como mera introdução às considerações finais que vão seguir-se, direi que, atentas as circunstâncias, o nosso poder naval ou aeronaval parece dever-se orientar evidentemente no sentido anti-submarino.

Para conjurar esta ameaça dois elementos de acção se conjugam solidariamente em fraterno enlace: navios e aviões.

E, assim, entro do terceiro ponto:

São presentes à Assembleia Nacional duas propostas de lei referentes respectivamente à organização geral da aeronáutica militar e recrutamento e serviço militar nas forças aéreas.

Nos termos daquela primeira proposta, são integradas todas as forças aéreas no Subsecretariado de Estado da Aeronáutica, como no preambulo da proposta de lei n.º 514 fora anunciado.

Posta a questão nos seus termos mais simples e como convém, as forças aéreas nacionais integrada» no Subsecretariado da Aeronáutica passam a classificar-se de forças aéreas independentes e forças aéreas de cooperação, respectivamente com o Exército e com a (Marinha, ficando, para efeito do emprego em tempo de guerra, na dependência daqueles Ministérios, isto é, à disposição dos comandos terrestres e navais.

Enfim, nos termos da proposta do Governo é retirada à Marinha a sua aviação, a arma que, como qualquer outra, a bordo é indispensável aos navios para a execução eficaz das missões que lhes cabe desempenhar ».

No parecer da Câmara Corporativa é apresentada uma solução que, embora retirando da orgânica da marinha de guerra a sua aviação, constitui uma fórmula transaccionai, chamemos-lhe assim, entre o statu quo, isto é, a situação presente, e a proposta do Governo.

Podemos dizer, sem qualquer forma reticente, que este é o «ponto nevrálgico» do problema e essencialmente em razão do qual me encontro nesta tribuna.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: sendo natural pendor do meu espírito o estudo da história da Nação e essencialmente os aspectos que mais interessam, orientam e até adornam o sentido profissional, tenho muitas vezes meditado na bem marcada predestinação deste povo e a fala carinhosa, o afago, a bênção que a Providência nos envia em momentos incertos, iluminando o caminho da verdade, esta vitória de oito séculos de existência livre.

O caso nacional, o homem português, neste mar de incertezas, diante da batalha sem tréguas pela Nação, tem límpido e transcendente significado!
Do política sei só isto.

Pois bem, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os primeiros passos na vida profissional vivi-os quando a aviação militar e a aviação naval poucos anos tinham de nascimento. Quero, sinto necessidade imprescritível de vos dizer com nobreza, arca lavada, depois de meditar, como interpretei estes quarenta anos de aviação naval num desejo penetrante de fazer já filosofia da História.

A aviação militar e a aviação naval, dependentes respectivamente do Ministério do Exército e do Ministério da Marinha, nascem na hora em que decorria a primeira guerra mundial, quando a Nação já se aproximava de beligerância, e quando esta foi um facto já a aviação militar pôde cooperar na França e a. aviação naval desenvolveu a sua acção na costa, ambas dentro do campo limitado inerente a modéstia das nossas organizações militares.

Terminada a guerra, ambas as aeronáuticas se mantiveram dentro de limitadas proporções: voar era ainda grande aventura.

A aviação naval entretanto começa, como é natural, ensaios sobre o mar, afastando-se da costa, penetrando-o.

Em certo momento, e como se lhes houvessem sido segredados os ralhos do Infante ao seu fiel e glorioso escudeiro pelas infrutíferas tentativas de montar o
Bojador e intimando-o, sem receio, a realizar o objectivo procurado, assim os navegadores de aviação naval dão o primeiro salto e filam as terras de Zarco e de Tristão Vaz, o maravilhoso castelo e parque do Atlântico: a Madeira.

E os ensaios continuam.

Até que, em Junho de 1922, próximo do Restelo Velho, naquele mesmo lugar, onde em 1385 Rui Pereira, capitão-mor da frota das naus e galés, de regresso do Porto, onde a generosa cidade dos «tripeiros» lhe reforçou com marinheiros e homens de armas as lotações

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da frota e atulhou os porões de alimentos, desfaz em combate naval sangrento o garrote com que o castelhano asfixiava Lisboa, cabeça da resistência, e sacrifica a vida, bacinete ao alto, para melhor combater a bordo da sua nau Milheira, com mais de 2:000 marinheiros e homens de armas em aras da Pátria, para salvar no último minuto a independência, encorajando o Mestre e permitindo assim que Nuno Alvares, o maior génio militar de todos os tempos do glorioso Exército português, vá traçar nos planos de Aljubarrota a eternidade de Portugal como nação livre e faça nascer quase simultaneamente o espírito de missão.
Até que, em Junho de 1922, próximo do Restelo Velho, naquele mesmo lugar em que o rei Venturoso outorga, dá ordem, em esplendoroso cerimonial, ao Grama para chegar à índia, apontando o caminho, não só para a maior grandeza dia Pátria como voando mais alto, preparar o caminho piara a salvação da Europa, que começava a sentir a angústia de ser obrigada a entregar-se coimo vassala, ao vitorioso império do turco; tempos de ontem, tempos de hoje, Srs. Deputados, dignos de meditação nesta vigésima quinta hora da humanidade!
Até que, em Junho de 1922, próximo do Restelo Velho, uma caranguejola do ar, um papagaio, uma trapagem bem cosida da aeronáutica naval salta para o ar, tripulada por dois navegadoras marinheiros, e vai desafiar pelos ares o conhecido Atlântico, seguindo a derrota marítima de Cabral até às terras de Vera Cruz, através de métodos astronómicos de navegação científicos, exactos.
A Marinha, com a sua magreza de recursos, aguarda a expedição no ponto de chegada das escalas preconcebidas.
A étape Praia-Penedos de S. Paulo, um ponto na imensidade do mar, é a inverosímil escala de amaragem do papagaio que vai demonstrar de forma impressionante o rigor da navegação astronómica através dos ares.
O seu raio de acção, com os reservatórios atestados até a saturação, é praticamente igual a distância a percorrer, de modo que ligeiro desvio da derrota é o túmulo. Ainda tenho estampada a ansiedade que pairava sobre uma pátria inteira neste lance. A prova real dá certo; o papagaio amara junto dos Penedos, cai exausto nos braços da Marinha.
Será legítimo invocar exclusivamente métodos de navegação aérea de longo curso sem que o grito justiceiro brote espontaneamente, impondo os métodos vividos e depois melhorados em tão magnífico empreendimento?
Se porventura só tivermos olhos para a navegação electrónica, com as suas cartas hiperbólicas, o sistema Deca ou Loran, o girapiloto e a navegação radioguiada, e esquecermos o que é clássico e ainda actual e que a nós devemos, creio bem que, sem darmos por isso, nascerá dentro de nós um dialecto.
Depois daquela étape o triunfo está na mão. A derrota marítima de Cabral em 1500 às terras de Vera Cruz era seguida pelos ares quase quinhentos anos depois por navegadores portugueses.
Quem não se recorda da palavra simultaneamente murmurada, cantada, gritada por todas as bocas: o Chegaram!».
E quem não se recorda daquele momento vitorioso, mesmo naqueles tempos desfalecidos e incertos, em que nas cidades, nas aldeias, nos campos todo um povo se ergue como se se tivesse estabelecido pânico, desespero na alma, por incapacidade de materializar a expressão do sentir. Chegaram, era tudo!
E tudo isto, Sr. Presidente, não é retórica, ensaio de eloquência, nem mórbida paixão nem incompreensível subjectividade, nem o chamado «sentimentalismo».
É um foco, é um trecho da história da Nação e a ela pertence. Porquê? A História é uma ciência de factos que deve ter por carácter a verdade. Quem, sendo português, não se apresenta voluntariamente como testemunha?
A crítica e o crítico é, no momento, qualquer.
Mas ninguém dirá que ao invocar este feito eu não fui rigoroso, porque, efectivamente, em seu subsídio invoquei a geografia, a genealogia e a cronologia, porque falei de lugares, homens e tempos. Só não invoquei a numismática, porque se não cunhou moeda nem sei o preço da glória. Glória - transcendente palavra, Sr. Presidente e Srs. Deputados!
É que a glória, já o disse alguém, é mais do que muita gente julga, Não é o brasão para deslumbrar estranhos, mas o mais forte e inquebrantável da coesão nacional, muito mais valioso que a geografia ou a etnografia, pois os povos a quem a glória uniu e vivificou ficam sempre na história intactos, incontaminados, como o corpo dos santos que a terra não pulveriza, consome ou desfaz.
Saberiam lá porventura as nossas boas gentes das fraldas do Marão, da Cabreira ou da Fóia, dos mais isolados lugares desta abençoada metrópole e de além-
-mar, o que seria o zunido de um avião?
Foi como se a Providência tivesse acordado em clarão instantâneo as almas portuguesas, para lhes comunicar que quinhentos anos passados sobre os «Homens de 500» tinha enviado aos seus descendentes, pelos ares, perto do Céu, nova mensagem do nosso espírito de missão.
Rolará o tempo, Srs. Deputados, e quando os vindouros abrirem o grande livro da história universal a encontrarão que no limiar da abertura da Idade do Ar Portugal tinha sido chamado a inscrever através d os seus navegadores, a tomar o seu lugar na História repetindo a derrota de Cabral - e, até por curiosa coincidência de destinos, através de bem diferenciada personalidade, os espanhóis seguem-nos, em retardo, como na Era Grande, rumando pelo ar na derrota imortal de Colombo ao encontro da «Hispaniola» e depois às Filipinas, onde, por certo, toparam as pegadas do maior navegador de todos os tempos, que foi o português Fernão de Magalhães.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: neste derrancar, que nem é sonho nem vertigem, não me mantenho polarizado num sentido só, nem me movo em ciclo fechado.
Não. Vivem comigo, no momento, em identidade de espírito, pelo seu passado e presente, a esforçada e gloriosa aeronáutica militar; sou recolhidamente obediente à memória dos seus mártires, sem necessidade de consultar qualquer índex. Não, eu tenho fiel memória às suas magníficas expedições nos primeiros passos da Idade do Ar, dos seus sucessos, da galhardia das acções. Nem esqueço os Alcocks nem o Read, que escolheu o nosso estuário do Tejo como étape final do seu raid em força, nem o espantoso louco do ar, o mago do espaço, que foi Lindbergh.
Vim até aqui em obediência à história da aeronáutica naval, em harmonia com as leis do espírito. É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, eu pressinto e sinto necessidade de falar de nós quando na vida tudo corre tão vertiginosamente, passa, e simultaneamente estranhas invasões formigam, vasculham, por todos os lados, a procurar, por certo, como finalidade maior instalar-se no nosso consciente.
Podem sorrir os cépticos, sorrir ainda mais os assombrados por sonhos de hipotética grandeza ao travar vitoriosa batalha com tratados e textos, zombarem os discípulos de Antístenes, serem indiferentes os partidários do zero, a este discorrer ... Eu fico-me agarrado à rotina da tradição e do quê vale ou representa nas

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instituições militares, nas grandes servidões, o adejar constante do espírito!
Em suma: a aeronáutica naval move-se dentro do plano da História em sincronismo com a Marinha.
Voltando imediatamente ao terreno objectivo e que mais interessa considerar, direi que a aeronáutica naval, após os primeiros e significativos passos que oportunidade flagrante e suficientemente compreensiva se me oferece para recordar, segue em marcha avante a natural evolução, cria alto sentido profissional e chega até hoje integrada na Marinha e da qual constitui uma arma, como o contratorpedeiro, etc.
Não está em causa a capacidade das suas gentes, nem me proponho fazê-lo a qualquer título. Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se a aeronáutica naval com tudo que representa o seu passado e presente no seio fraterno da Marinha e da qual constitui uma arma inalienável, se razões maiores aconselham imperativamente a sua integração no Subsecretariado da Aeronáutica, como na proposta do Governo se contém, embora com justa, compreensiva e natural amargura, só terei de seguir o caminho que melhor e mais rapidamente nos conduz ao supremo interesse da Nação, para onde deve convergir a acção e pensamento de todos nós.
Tudo que não seja assim está errado com certeza.
Mas será assim, isto é, a desintegração da aeronáutica naval, a sua aspiração na Marinha, conduz-nos àquele desiderato?
Vejamos.
Uma análise atenta, minuciosa, serena das numerosas declarações de voto dos Dignos Procuradores da Câmara Corporativa, cujo somatório de preceitos técnicos, administrativos, económicos e jurídicos quase constitui no «ponto nevrálgico» um antiparecer, não pode deixar de criar no consciente da Assembleia Nacional um baque íntimo, que, possivelmente, poderá significar: a integração da aeronáutica naval no Subsecretariado está suficientemente justificada?
Não deverá continuar como até aqui integrada na ordem administrativa da Marinha e da qual constitui uma arma?
Não é a Assembleia Nacional uma academia militar naval nem uma sucursal de qualquer centro «pentagonal» de estudos ou concepções militares, mas tem, por outro lado, larga e substancialmente, a contrabalançar à tecnocracia específica, por vezes deformante, o senso crítico, que é atribuição recta dá. inteligência.
Por outro lado, ao produzir as alegações daquilo que suponho a minha razão, não disponho de argumento milagreiro nem pretendo citar as últimas teorias ou concepções ou dar espantosa lição previamente encascada. De resto, já vai alta a maré na matéria, e a discussão técnica intensiva ameaçaria desfigurar a claridade das questões, para cairmos num terreno que se poderia chamar «teologia militar naval».
Não, a argumentação que vou expor, ou, melhor, ler, extraí-a das declarações de voto dos Dignos Procuradores, e, essencialmente, dos comandantes João Fialho e Sousa Uva, com a indispensável lhaneza e lealdade o proclamo, a qual, pelo seu tom simples, sereno, desapaixonado, é extremamente convincente.

PRIMEIRA QUESTÃO. - Será de aconselhar a integração da aeronáutica naval no Subsecretariado da Aeronáutica, se atendermos a que a luta no mar terá carácter essencialmente anti-submarino, ou,, antes, a aspiração da aeronáutica naval da marinha de guerra, onde nasceu há perto de quarenta anos, conduz-nos a melhor caminho, sistema ou fórmula táctica mais eficaz naquela luta? Não. E porquê?
Leio das declarações de voto dos Dignos Procuradores a argumentação conveniente e elucidativa:
A noção do poder naval foi substituída pela do poder aeronaval e as armadas passaram a ser constituídas por forças capazes de actuar nas três dimensões: à superfície, em profundidade e no ar.
A fracção aérea das forças navais pode ser maior ou menor, embarcada e baseada em. terra, ou só embarcada ou só baseada em terra, conforme as condições e objectivos particulares de cada país, mas é indispensável, por modestas que sejam essas forças e limitadas as suas missões.
A preparação das forças aéreas para a luta sobre o mar, de um modo geral, e em especial para a acção anti-submarina, requer um alto nível de especialização., que para ser atingido exige dois oficiais não apenas formação naval escolar, mas efectivo e prático conhecimento dos métodos e tácticas navais de ataque e defesa, diurnos e nocturnos, dos navios de superfície e dos submarinos tácticas e métodos estes sempre em evolução, que amais se acentua no decorrer da campainha, pela vivida experiência que proporciona, e uma familiarização com o mar e os diversos tipos de unidades de guerra e mercantes que permita a apreciação e julgamento quase instintivos das situações que possam apresentar-se e a determinação ou estima prontas de todos os elementos necessários à acção a desenvolver.
Modernamente é princípio aceite que a protecção anti-submarina só resulta eficaz quando realizada por navios e aviões, como partes do mesmo todo indivisível, no qual cada elemento tenha plena confiança e aproveite do trabalho dos restantes.
Não basta, pois, que os oficiais das forças de aviação de cooperação naval sejam recrutados de entre os oriundos da Escola Naval e segundo o relatório da proposta de lei nem todos o seriam: é necessário que ales, já aviadores, façam a sua aprendizagem naval nos navios de superfície, orientada no sentido da sua função específica, e estagiem ou contactem com os próprios submarinos, para conhecimento das suais práticas de defesa e ataque, a fim de, como pilotos ou simples observadores, poderem dar uma colaboração verdadeiramente eficaz aos seus camaradas de. superfície ou realizarem mesmo, quando agindo isoladamente, acção anti-submarina (para só falar desta) de facto eficiente; e também que, como aviadores, realizem frequentes exercícios com os próprios navios, em que se reproduzam com a realidade possível as condições em que terão de actuar quando em luta.
Tudo isto exige a preparação e aproveitamento harmónicos e oportunos dos meios navais e aéreos e um ajustamento de actividades mo mar (c) mo ar, desde o tempo de paz, que não me parece fácil conseguir aia prática, uma vez que, além da preparação e da utilização, à administração das forças aéreas de cooperação naval e das forças navais propriamente ditas não seja comum.
Em tempo de guerra a necessidade de ter concentrada essa tríplice função no departamento orgânico responsável pela condução das operações afigura-se-me ainda mais premente, porque durante ele a coordenação dos diversos elementos necessários à aquisição e aprontamento dos meios e à coordenação das actividades dos próprios meios no campo da luta tem de atingir o mais elevado grau, para que a acção operacional seja realizada com eficiência e a responsabilidade da sua condução não possa ser repartida. De outro modo, isto é, ca-

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bendo a administração de parte dos meios a entidade diferente da que os utiliza, é inevitável a tendência para uma e outra se atribuírem reciprocamente a responsabilidade dos insucessos ou insuficiências que se verifiquem.
Continuando integrada na estrutura orgânica da Marinha, as forças aéreas de cooperação naval, como as forças navais propriamente ditas, não deixariam de estar ligadas às restantes forças, através da coordenação que ao Ministro da Defesa Nacional cabe fazer de todas elas.
Por outro lado, a experiência realizada pelas nações onde o sistema da concentração total foi adoptado e depois abandonado e por aquelas que, não o tendo posto de parte, ainda se preparam para fazê-lo, segundo informações fidedignas que chegam até nós, permite concluir que dificuldades e inconvenientes sérios terão sido encontrados na prática do seu funcionamento, pois nenhum país se dispõe a sofrer as perturbações que sempre resultam de alterações profundas na sua estrutura militar sem que para tanto tenha fortes razões.
E se, na verdade, não é prudente em matéria de organização militar, como noutros campos, guiarmo-nos em definitivo pelo que se faz neste ou naquele país, tudo aconselha a não desprezar a experiência alheia quando a não tenhamos nossa.
Se a evolução nos países de grande potencial militar naval e até nos mais pequenos - caso da, Holanda, com vastos territórios ultramarinos - se manifesta de forma evidente no sentido de a aviação naval fazer parte integrante da Marinha como arma sua e inalienável na luta anti-submarina, porquê alterar o nosso próprio sistema, se estamos no rumo verdadeiro?

SEGUNDA QUESTÃO. - A concentração de todas as forças criará um elo de coesão moral igual ou superior àquele que resultará de, na parte que interessa à Marinha, ter integrada, como hoje, na sua orgânica a aviação indispensável à luta anti-submarina?
Não!
Com efeito, não pode pôr-se em dúvida que a concentração de todas as forças aéreas favoreceria o espírito de unidade e a coesão moral entre elas. Mas tem de aceitar-se igualmente que, «m contrapartida, ela destruirá essa coesão e esse espírito entre a aviação naval e a Marinha.
Ora, cabendo a uma e a outra, fundamentalmente, em face da situação político-militar criada, a missão comum de defesa das comunicações marítimas em certas zonas que abrangem necessariamente as áreas focais de o cesso aos portos e às águas costeiras, que tem de ser desempenhada de modo permanente e exige, sobretudo no que se refere à protecção anti-submarina, a íntima ligação de navios e aviões e até a constituição de grupos oeronavais sob as ordens de uma única entidade coordenadora, parece ser preferido preservar a coesão moral e o espírito de unidade e de corpo nas forças aeronavais a procurar estabelecê-los, com prejuízo para estas, entre as forças aéreas de cooperação naval e as restantes parcelas da aviação, com as quais não terão normalmente de colaborar.

TERCEIRA QUESTÃO. - O pessoal da aviação naval tornado disponível pela integração da sua força aérea aproveita mais fácil ou vantajosamente à Marinha, atenta a sua falta de reservas, e preenche essas necessidades, correspondentemente aquela que o Subsecretariado teria de encarar para guarnecer a força aérea de cooperação naval?
Embora em longa e bem fundamentada resposta dos Dignos Procuradores se conclua que as razões da proposta do Governo não colhem e até se contradizem, julgo que este aspecto do problema é de escala reduzida, manifestamente forçado, diante do somatório de necessidades que se verificam para o aprontamento da frota naval que deve corresponder às nossas exigências. Este argumento da proposta do Governo contém em si a sua neutralização.

QUARTA QUESTÃO. - Com a integração no Subsecretariado obter-se-á maior economia por se evitarem duplicações escusadas?
É lícito supor que o aproveitamento racional dos recursos existentes e a criar não nos leve a um aumento de despesa digno de especial relevo.
Vejamos:
Sob este aspecto parece dever considerar-se fundamentalmente o aproveitamento dos aeródromos para as necessidades gerais da aviação, e não, restritamente, para as de um só dos seus ramos, a utilização racional das escolas existentes e a utilização comum das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico.
Relativamente ao primeiro ponto, é evidente que o País não pode permitir-se o luxo de ter aeródromos privativos para as diferentes classes da sua aviação. Há que tirar das elevadas quantias despendidas na sua construção todo o rendimento possível, aproveitando-os pelo modo mais conveniente para a defesa nacional.
Mas para isso não seria necessário recorrer à integração das bases aeronavais no Subsecretariado da Aeronáutica. O Ministério da Marinha poderia bem continuar a administrá-las e a zelar e promover, em ligação com o Ministro da Defesa Nacional, a sua adaptação às exigências actuais e facultar, em tempo de paz como em tempo de guerra, a sua utilização, por entendimento com o Subsecretariado da Aeronáutica, às forças aéreas que nela tivessem conveniência, ou mesmo, em casos especiais, quando pelo Governo assim fosse entendido, a certas forças aéreas estrangeiras.
A coordenação que de todos os aspectos da defesa nacional faz o Ministro da Defesa asseguraria que os planos de desenvolvimento ou actualização das instalações fossem definidos, tendo em vista, não apenas as necessidades restritas da Marinha, mas as da Nação, no seu mais amplo significado.
Quanto às escolas de aeronáutica, o regime actual do seu funcionamento e aproveitamento pode efectivamente não ser o melhor nem o mais económico. Mas poderia encontrar-se, ainda neste ponto, solução satisfatória para o problema sem recorrer à integração da aviação naval e respectivas infra-estruturas no Subsecretariado da Aeronáutica. Um estudo minucioso das possibilidades das Escolas Almirante Gago Coutinho e de Sintra e das instruções e cursos gerais ou de especialidade a considerar para a formação das diversas classes de aviação necessárias permitiria certamente estabelecer entre o Ministério da Marinha e o Subsecretariado da Aeronáutica os arranjos adequados ao mais útil e económico aproveitamento daquelas possibilidades, atribuindo-se a cada uma das escolas as tarefas para que estivessem mais aptas.
Finalmente, no que se refere ao uso comum das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico para a manutenção dos aviões, também não seria necessário fundir toda a administração. Determinações legais vigentes estabelecem já que as grandes reparações dos aparelhos de aviação naval sejam executados naquelas Oficinas, e nas bases aeronavais

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não há, nem haveria, segundo orientação tomada, mais do que os recursos oficinais suficientes para a conservação a pequena reparação do material adstrito, tal como se estabelece agora na proposta de lei.
Da resposta às questões que acabo do pôr, correcta e lealmente, som artifício ou subtilezas, perante a Camará nascerá evidentemente a sentença para a aeronáutica naval, que há perto de quarenta anos vive na ordem administrativa da Marinha.
Enquanto a mim, convicto e em plena Consciência, aprovo na generalidade a proposta do Governo sobre a organização geral da aeronáutica, mas rejeito a integração da aeronáutica naval no Subsecretariado.
Mas é a VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, que cumpre decidir. Só formulo um voto: que o façais, como sempre, tendo só um pensamento - o superior interesse da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi multo cumprimentado.
O Sr. Sousa Rosal: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: mais de meio século vivido em contacto com as realidades da vida, com as coisas altas e baixas, com as coisas que encantam e com as que nos desgostam, levou-me a não desistir de subir a esta tribuna depois da brilhante oração proferida pelo ilustre Deputado Sr. Comandante Quelhas Lima.
Como homem habituado a viver as coisas da vida como elas são, a olhar para cima e para baixo, encarando os acontecimentos na serena consciência do cumprimento do dever, não hesito e desejo prestar as minhas maiores homenagens ao Sr. Comandante Quelhas Lima pela brilhante oração com que nos deliciou, não sabendo eu que mais apreciar: se a forma literária, só o seu saber, se a sua brilhante convicção de alma de marinheiro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Constata-se que após a assinatura do Pacto do Atlântico o Governo reconheceu a necessidade de dar determinado rumo aos assuntos de defesa nacional, revelada na publicação de vários diplomas legais.
Tudo leva a supor que a linha de rumo procura desenvolver-se conforme os acordos internacionais a que estamos ligados, sem esquecer o que de peculiar não está enquadrado neles e conforme as nossas possibilidades.
A defesa da soberania, dos interesses e do território nacional tem de mover-se, na hora presente, obedecendo a limitações impostas por certos imperativos e condicionalismos.
Neutralidade impossível.
Segurança nacional integrada numa segurança colectiva. A segurança colectiva tem de admitir a existência de acordos militares, económicos e financeiros, e, consequentemente, a elaboração em comum dos respectivos planos estratégicos, repartição equitativa e equilibrada de forças e recursos, o que marca determinadas obrigações e indica o respeito por determinados princípios orientadores.
Quanto às obrigações pelo carácter confidencial que necessariamente, em certos casos, as têm de cercar, não estamos por isso no seu inteiro conhecimento, mas temos a certeza de que existem e só o Governo, no gerar das providências que toma ou dos poderes que solicita, as pode ter na devida conta.
Quanto aos princípios orientadores, quem tenha estado atento aos comunicados das conferências internacionais e ao dizer dos homens categorizados no terreno político e no militar, deve ter notado que a tendência das discussões para o entendimento que se procura é essencialmente dominada pelo desejo de levar a uma unidade de comando e direcção, a uma comunidade de recursos e ao seu aproveitamento económica e militarmente útil.
A reforma das nossas instituições militares, que está em curso, não pode ignorar a existência das obrigações e o preceito dos princípios dominantes.
Não constitui surpresa para ninguém que o reformar provoca quase sempre reacções, que vêm do quebrar da rotina, no contrariar do automatismo, a que se habituam, no geral, o cérebro e o músculo, e da deformação intelectual, a que, insensivelmente, conduz o amor à profissão.
O primeiro passo em frente foi dado com a publicação do Decreto-Lei n.º 37:909, de Agosto de 1950, criando o cargo de Ministro da Defesa Nacional, com a incumbência de «coordenar de um modo geral os problemas da política militar da Nação e as altas questões relativas à defesa do País que correm pelo Ministério do Exército, Ministério da Marinha e Subsecretariado da Aeronáutica Militar» - também criado por este decreto.
Seguidamente foi publicado o Decreto n.º 37:955, de Setembro de 1950, criando o Secretariado-Geral da Defesa Nacional, por intermédio do qual o Ministro da Defesa exerce a sua acção e autoridade.
E recentemente, em Janeiro do corrente ano, foi publicada a Lei n.º 2:051, que confere ao Governo os poderes para definir «a política militar da Nação e orientar superiormente a preparação da defesa nacional» e remodela os seus altos organismos na constituição e atribuições.
No desenvolvimento natural dessa reforma surgem agora as primeiras leis orgânicas para a estruturação de forças armadas, que o Governo entendeu submeter à apreciação da Assembleia Nacional.
Certamente em consequência de necessidades urgentes relacionadas com a defesa do Ocidente, contra um inimigo que se aninha num bloco que se estende desde o Oder ao Pacífico e dispõe de 800 milhões de almas fanatizadas ou escravas, foi dada primazia às que interessam às forças do ar, com a preocupação de lhes dar independência e maior poder, intenção já revelada na criação dum departamento governamental para as dirigir - o Subsecretariado da Aeronáutica Militar.
Voltando objectivamente o pensamento para as propostas da lei que estamos apreciando e para as controvérsias que têm suscitado, destaco delas dois dos seus aspectos mais impressionantes e que mais interessa apreciar na generalidade.
A necessidade de criar, ao lado dos exércitos da terra e do mar, o exército do ar.
A integração de todas as forças aéreas nacionais no Subsecretariado da Aeronáutica Militar.
A arma aérea conquistou as suas esporas de ouro na segunda guerra mundial.
As suas possibilidades técnicas, cada vez maiores, acrescentam-lhe dia a dia mais importância nos domínios militares da estratégia, da táctica e da logística.
Pode dizer-se que é ela que tem detido o braço do agressor eventual no desencadear dum golpe contra ò mundo livre.
As suas possibilidades específicas e poderosas, juntas à acção preponderante no iniciar duma guerra e indispensável no desenrolar dos combates terrestres e marítimos, deram-lhe o direito à independência e paridade com as restantes forças armadas, desde o escalão governamental até às unidades orgânicas.
Assim nasceu por toda a parte, ao lado do Exército e da Marinha, seus heróicos e experimentados irmãos mais velhos na arte da guerra, o exército do ar, com organização, comandos, pessoal e serviços próprios.
Exército que é o mais ágil dos seus irmãos, vai mais longe do que eles e pode criar centros de gravidade

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inesperados, fazendo convergir meios terrestres em determinados lagares, e tem ainda a missão gloriosa de se bater sozinho no ar e ser solicitado para estar presente e colaborar quando se combate em terra e no mar, não pode por tudo isto ser detido na sua ascensão para o plano que conquistou por méritos próprios.
Pode-se pois dizer que merece a nossa calorosa aprovação o desejo de valorizar a aeronáutica militar, dando-Ihe a organização e o pessoal convenientes para que saia do apertado alfobre de dedicações em que tem vivido no seio do Exército e da Marinha e entre resolutamente no caminho da sua emancipação.
São tão impressionantes e conhecidas as razões que justificam a criação do exército do ar que ninguém as discute sob o ponto de vista genérico.
O Governo não hesitou, apesar dos encargos financeiros que isso acarreta, em dispor o necessário para o pôr de pé, melhor dizendo, para o pôr no ar.
Seja-me permitido, como fecho desta ordem de ideias que de momento me surgem em apoio de uma aeronáutica militar independente, que leia o que disse o general Vanderberg no ano findo em Paris e que tem oportunidade, não só quanto ao valor intrínseco do poder aéreo, mas também quanto ao valor da área estratégica a que pertencemos:
Desejo ver a Europa dotada com uma, potência aérea inigualável. As ilhas britânicas e a África do Norte serão os primeiros porta-aviões equipados; a Península Ibérica poderá desempenhar o mesmo papel.
São os pontos do continente onde devem estacionar os bombardeiros de raio de acção médio e os caças de acompanhamento e de intercepção.
Eis-me chegado agora ao motivo que tem suscitado mais soma de argumentos pró e contra e mais sentidas apreciações: a incorporação da aviação naval na aeronáutica militar.
A propósito têm sido expostas as mais respeitáveis opiniões, quer no parecer da Câmara Corporativa, nas declarações de voto que o seguem, em artigos da imprensa e até em publicações avulsas, quer nesta tribuna, pela boca dos ilustres Deputados que me antecederam, num brilhante discorrer.
E, ao fim e ao cabo, os que não estão ligados directamente ao problema e que podem apreciar as razões aduzidas sem pressões deformantes de ordem profissional ou emotiva têm de «concluir que estamos na presença de opiniões muito respeitáveis, mus irremediavelmente discordantes.
Julgo mesmo que em matéria desta natureza, que vive num evolucionar constante, jamais será possível encontrar uma solução que não possa ser desmentida na hora seguinte pelo descobrir de novas técnicas ou pelo eclodir de acontecimentos imprevisíveis. Mas este pensamento não pode levar a uma inibição; tem de se fugir à rigidez das opiniões e concepções e dar-lhes a têmpera da flexibilidade * que permita adaptá-las às circunstâncias.
As próprias citações feitas, a propósito destas propostas de lei, acerca da acção aeronave desenvolvida na ultima guerra ilustram este pensamento na divergência de actuação assinalada, mercê da situação geográfica dos países em luta, das condições geográficas e da natureza do terreno de combate e do poder do inimigo e até nas interpretações e conclusões diferentes a que os técnicos chegam e perfilham para preparar o futuro. Não será mesmo ousado dizer que a guerra de amanhã, neste limiar da era atómica, está em período de decantação e não será como se planeia. Ê de aconselhar ser prudente e modesto na acção, visto que não nos propomos nem podemos ser guias do Mundo em assunto desta natureza. Por isto.
e porque não me sinto com qualquer autoridade para emitir opiniões de carácter técnico e de táctica aeronaval, fujo a elas; mas atrevo-me contudo a dizer coisas a propósito, com os olhos postos na prática da. vida, tentando colocar a questão no terreno e ambiente que, segundo é de admitir, deram origem à gestação das propostas de lei que estamos a apreciar.
E para tanto vou ligar-me ao que entendi ser a intenção do Governo, através do relatório que antecede as propostas. O alto pensamento que parece ter presidido à sua elaboração foi o de constituir um poder aéreo compatível com o desenvolvimento aconselhado pela presente conjuntura político-militar.
Para o realizar parece procurar-se:
1.º Dar sentido universal ao poder aéreo, dentro do nacional, quanto à organização e recrutamento, pela obrigação premente de o estender a todo o território português e à conveniência de, para isso, aproveitar todos os nossos recursos humanos.
É evidente que um país de pequenos meios e vastos territórios muito distanciados uns dos outros, como. o nosso, tem de basear a sua. defesa na força aérea, para mais economicamente poder acudir a pontos nevrálgicos, em razão da sua mobilidade e poder de concentração;
2.º Concentrar o ^comando e os recursos para um melhor aproveitamento dos meios ao nosso alcance.
Com esta concentração é possível impulsionar a direcção e a administração com melhor sentido dos problemas de previsão, de organização e de fiscalização, que devem estar na mão de quem dirige e administra, para um uso racional e sistemático das possibilidades materiais e humanas; assim, é possível coordenar e controlar completamente todos os elementos que podem influir no rendimento, evitando perdas de bens e gastos de energia por inconveniente emprego e duplicação de esforço. Este é o conceito administrativo, que não é menos importante do que o técnico e táctico;
3.º Colocar a força aérea nacional de modo a cumprir as suas actuais obrigações.
É a maneira de realizar esta suposta intenção no que se refere à incorporação da aviação naval na aeronáutica militar que deu origem aos maiores e mais persuasivos reparos, como já disse.
Acerca dela vou proferir mais algumas palavras.
Encaremos com respeito as ondas que neste momento vem do lado do mar. Os ventos que as levantam brotam do meio onde vivem as melhores tradições de patriotismo, heroicidade, espírito de sacrifício e saber, não podendo por isso dizer-se nem pensar-se terem nascido do perturbador desejo de só fazer ondas. Debrucemo-nos atentos sobre o seu desenrolar e o caminho que levam. Logo se vê que ao lado de argumentos sérios e sentidas convicções se vive um momento emocional na defesa de uma posição que carinhosamente criaram e a que deram vida e do seio da qual se projectou para a história universal "da aviação o nome de Portugal, com o feito glorioso de Gago Coutinho e Sacadura Cabral. Tais razões e sentimentos são dignos da mais compreensiva homenagem.
O ponto mais debatido e que tem solicitado argumentos mais preponderantes é o que se refere ao desejo de ver continuar a aviação naval integrada na Marinha, com o fundamento na falta de sentir e de sentido das coisas do mar naqueles que não sejam oriundos da Marinha e forem destinados a tomar parte em operações aeronaves como aviadores.
Este argumento, que na verdade é digno da maior atenção e está presente em quase todas as declarações de voto dos Dignos Procuradores à Câmara Corporativa, técnicos e não técnicos, sendo de considerar, não pode contudo ser tomado em sentido absoluto, porquanto as propostas de lei sobre a aeronáutica militar tem em si o necessário para o poder respeitar.

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Elas não negam nem impossibilitam a satisfação do que possa haver de essencial nos anseios manifestados.
Nada impede que sejam destinados à aviação de cooperação naval .os oficiais oriundos da Escola Naval, e o mais elementar bom senso assim o aconselha, e que a instrução complementar, o treino dos oficiais de outra origem se não possa fazer no meio. naval durante o tempo que for preciso para adquirirem os conhecimentos indispensáveis e o calo naval e poderem assim, com eficiência, desempenhar a sua missão quer no emprego da aviação de cooperação naval em exercícios e manobras, quer em operações de guerra.

É certo que o espírito do corpo e a farda são de facto elementos impulsivos que conduzem e consentem resignadamente posições de sacrifício e levam a gestos heróicos, e por isso as instituições militares os acarinham, mas não a tal ponto que faça esquecer o principio de solidariedade que sempre tem presidido às relações entre os homens das forças armadas e que os tem levado a escrever páginas gloriosas da nossa história, batendo-se e morrendo lado a lado.
Nas descobertas, nas conquistas e na ocupação andaram sempre juntos soldados da terra e do mar, colhendo as mesmas vitórias e sofrendo as mesmas contrariedades.
Ainda em nossos dias nas campanhas do Sul de Angola marinheiros de Portugal souberam bater-se, longe do seu meio habitual, ao lado dos seus irmãos de terra como os melhores soldados portugueses.
E talvez -porque não dizê-lo?- estimulados não só pelo coração que palpita sempre heroicamente e pronto a todos os sacrifícios no peito de todos os Portugueses nas horas de perigo para a Pátria, mas também pelo desejo de honrar mais uma vez a farda e a cooperação a que pertenciam, numa abnegada e alta competição com os seus irmãos de terra.
Este sentimento do solidariedade e de competição no terreno do espiritual que reside igualmente distribuído na alma dos soldados de terra e mar é garantia segura e dá tranquilidade aos que tiverem de os comandar para os levar juntos ao combate.
Estas são as considerações que em meu entender achei dever fazer, com preocupação de salientar que o problema que as propostas de lei abrangem não é puramente técnico-táctico. E no fundo um problema de administração, acerca do que mais persuasivo se produziu em contrário das propostas em apreciação, mas não me dispenso de fazer ainda algumas considerações -de ordem geral que nesta ocasião julgo terem cabimento.
A hipótese doutrinária, ainda que ilustrada com a citação de históricos sucessos vividos em ambiente e terreno nacional ou estranho, não pode ser considerada em sentido absoluto.
Tudo que é absoluto briga com as realidades.
A controvérsia em volta de certos princípios fundamentais, ainda que inspirada no evolucionar das ideias vindas de novas técnicas e. no vos meios, só será útil e construtiva se for encaminhada na justa medida e sem paixão para uma solução prática e oportuna que se ajuste ao caso concreto que se pretende servir.
A doutrina na sua aplicação tem de ser sempre condicionada pelas circunstâncias peculiares de tempo e de lugar, no seu encaminhar nas múltiplas direcções para um objectivo comum pré-estabelecido de harmonia com as possibilidades e necessidades.
É certo que na elaboração de leis orgânicas, sempre provisórias, porque se destinam a servir o presente, não se deve desconhecer a fonte histórica, os princípios básicos e as doutrinas deles emanantes.
Porém, só o pode fazer, ou, melhor, está mais habilitado a fazê-lo, com eficiência quem tem meio de ver todo o problema de alto e no conjunto. A experiência
alheia só tem virtude quando traz elementos que possam adaptar-se ao caso prático que tenhamos em presença.
E o caso prático é na evidente realidade dar vida a uma organização que esteja dentro das obrigações que derivam do que está concebido e ajustado, como contributo efectivo no esquema assente da defesa colectiva.
Poderá dizer-se que os nossos interesses não estão limitados à zona circunscrita pelo Pacto do Atlântico.
E é assim de facto; mas também é verdade que para a sua defesa não estamos sozinhos no Mundo.
A nossa segurança tem de vir, como tem vindo, de um jogo de acordos internacionais, e é na base deles que deve fundamentar-se e girar a nossa preparação.
Pode dizer-se que é esta a moeda corrente que trocam entre si os países do nosso lado do Mundo para comprar a segurança e a paz.
Neste momento perigoso para a vida dos povos e destino das nações reconhecem os grandes que o seu poder isolado não chega para se defenderem e procuram a sua segurança na organização e esforço colectivo.
Não podemos preparar uma defesa em força com os nossos fracos recursos demográficos e financeiros para acudir a todo o território português espalhado pelos quatro continentes e às extensas linhas de comunicações que os ligam com os recursos armados que podemos erguer.
Vou terminar as considerações a que fui levado pelo desejo de apreciar estas propostas de lei com sentido compreensivo, tendo na ideia que para um judicioso aproveitamento dos nossos fracos recursos para-servir a defesa nacional e a Nação, no plano em que tem de desenvolver-se nesta hora incerta em que vivemos, vale a pena sacrificar alguma coisa do dispensável para atingir o suficiente.
E, a concluir, formulo o desejo de que seja possível dentro de curto prazo dar às forças armadas nacionais de terra, mar e ar aquilo que elas de facto precisam para cumprir com unidade, coesão e honra o que é o sen dever, como reza a História e se conta na tradição.
Tento dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem ! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente:-Vou encerrar a sessão. A próxima sessão será na terça-feira, 18, com a mesma ordem do dia da sessão de hoje. Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António Jacinto Porreiro.
Carlos Montero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Máchon de Oliveira Mourão.
João Luis Augusto das Neves.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mágaia Rodrigues Bastos.
Ricardo Malhou Durão.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda. Alberto Cruz.
Américo Cortês Pinto.
António de Almeida.

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António de Matos Taquelha.
António de Sousa da Camará.
Artur Proença Duarte.
Autuar Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos de Azevedo Mendes.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta:
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Carlos de Afieis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de (Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
José Cardoso de Matos.
José Diogo de Mascarenhas Galvão.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Luis Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luis Maria da Solva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Domingues Basto.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Vasco de Campos.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

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