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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARÍA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 146
ANO DE 1952 2 DE ABRIL
V LEG1SLATURAS
SESSÃO N.º 146 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 1 DEI ABRIL.
Presidente: Ex.mo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira.
José Guilherme de Melo e Castro
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 28 minutos.
Antas da ordem do dia. - Foram aprovados os n.º 144 e 145 do Diário das Sessões.
Por proposta do Sr. Presidente foram aprovados votos de pesar pela morte do antigo Deputado António Correia de Aguiar e da esposa do Sr. Deputado Francisco de Melo Machado e pelas vitimas do desastre ferroviário na linha do Estoril.
Sobre o mesmo desastre mandaram requerimentos para a Mesa os Srs. Deputados Pinto Barriga e Galiano Tavares.
O Sr. Deputado Vaz Monteiro ocupou-se do Decreto-Lei n.º 38:704. Sobre o mesmo falaram também os Srs. Deputados Duarte Silva e Armando Cândido.
Ordem do dia. - O Sr. Deputado Amaral Neto efectivou o seu aviso prévio acerca das dividas dos municípios aos Hospitais Civis pelo internamento e tratamento de doentes pobres.
O Sr. Deputado Miguel Bastos requereu a generalização do debate, a qual foi concedida pelo Sr. Presidente.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente:-Vai proceder-se à chamada. Eram 16 horas e 22 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Finito dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Bartolomeu Gromioho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Caetamo Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belaxd.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Elísio de Oliveira Alves Pimemta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
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Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Cosia.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Luis Augusto das Neves.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Numes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José dos Santos Bessa.
Luis Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Macule Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arautos.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 70 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 28 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.09 144 e 140 do Diário das Sessões.
O Sr. Pinto Barriga:- Pedi a palavra para apresentar as seguintes rectificações:
No Diário das Sessões n.º 144, p. 106, col. 2.ª, 1. 11.», acrescentar às palavras «não vou» a expressão «definir».
No Diário das Sessões n.º 145, p. 611, col. 1.», 1. 48.ª, acrescentar às palavras anão puderam» a expressão «proceder tão livremente como eu»; p. 613, col. 2.ª, 1. 15.a, depois do gráfico, às palavras «elas não», acrescentar o termo «se»; p. 614, col. 1.ª, 1. 38.ª, depois da palavra «ocupação», acrescentar «militar», e na mesma página, col. 2.ª, depois da 1. 9.ª, o período «A moeda é linha de menor resistência politicamente na economia lusa, repare bem nisso o Governo» substituir por «Repare bem o Governo: a moeda é politicamente a linha de menor resistência na economia lusa».
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado pede a palavra sobre os números do Diário das Sessões em reclamação, considero-os aprovados com as rectificações apresentadas.
O Sr. Presidente:-Acabo de ser informado por telegrama do Dr. Mário de Aguiar do falecimento de sen irmão Dr. António de Aguiar, que foi Deputado desta Assembleia. Penso interpretar os sentimentos da Assembleia exprimindo o nosso pesar pelo falecimento deste antigo colega.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Quero também comunicar o falecimento da esposa do Sr.
Deputado Melo Machado, a quem, em nome desta Assembleia, apresento as expressões do nosso mais vivo pesar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Pausa.
O Sr. Presidente: - Sabe a Câmara que ontem ocorreu na linha de Cascais, no momento em que passava um comboio de passageiros, um desabamento de terra, que atingiu uma das carruagens, ocasionando dez mortos e dezenas de feridos.
Este lamentável desastre comoveu, como era natural, a sensibilidade pública e não pode deixar de comover também esta Assembleia, em cuja sensibilidade os acontecimentos festivos ou dolorosos do País encontram imediato eco.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente:-Vão para as vítimas do lamentável acontecimento e para as suas famílias os nossos sentimentos de piedade, a nossa solidariedade nos seus sofrimentos e o nosso aplauso a quantos esforços se façam para atenuar as consequências do desastre e para reduzir ao mínimo possível os golpes da fatalidade, que infelizmente continua a ser a inseparável companheira da vida. Fique na acta de hoje o nosso voto de pesar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Pausa.
O Sr. Presidente: - Enviados pela Presidência do Conselho, e para cumprimento do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, encontram-se na Mesa os n.08 71 e 72 do Diário do Governo, 1.» série, de 28 e 29 do mês findo, que contêm os Decretos-Leis n.º 38:701, 38:703 e 38:704.
O Sr. Vaz Monteiro: - Sr. Presidente: foi publicado o Decreto-Lei n.º 38:704, de 29 de Março findo, pelo qual se determina o aproveitamento reprodutivo da sobrevalorização de alguns produtos ultramarinos, isto é, a aplicação útil de excessos de lucros ocasionais que possam causar perturbações inflacionistas ou ser dissipados inglória e improdutivamente.
Esta medida que o Governo acaba de tomar reveste-se da mais alta importância para a Nação. Só acarreta benefícios, Sr. Presidente, para todos os portugueses.
Diz respeito ao ultramar e mais directamente às províncias de S. Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique, mas com os seus benefícios abrange a Nação inteira.
Por mim considero o recente Decreto-Lei n.º 38:704 como um dos diplomas de mais largo alcance político, social e económico que se tem publicado pelo Ministério das Colónias ou do Ultramar.
Vozes: - Muito bem!
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Moçambique de milhares de famílias agrícolas metropolitanas, através do fomento agrícola, industrial e comercial, que vai ser intensificado com o aproveitamento de 70 por cento da sobrevalorização de alguns produtos da exportação ultramarina.
Louvores se devem, pois, ao Governo e muito especialmente a Salazar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-O aproveitamento das mais valias, da sobrevalorização das mercadorias predominantes na exportação metropolitana, já existe desde a publicação do Decreto-Lei n.º 38:405, de 25 de Agosto, de 1951.
O Governo tomou agora idênticas medidas relativamente ao ultramar.
É uma sequência do seu pensamento e da sua activa e benéfica actuação.
No parecer sobre as Contas Gerais do Estado do ano de 1950 o seu ilustre relator, Sr. Engenheiro Araújo Correia, acerca desta importante matéria, escreveu as seguintes palavras:
Parece que a primeira medida a tomar, e já o devia ter sido há muito tempo, será a de imobilizar uma forte percentagem das disponibilidades em Angola e Moçambique que resultam das exportações e orientar o seu gasto para obras da natureza reprodutiva que assegurem a continuação do progresso económico, logo que haja passado a euforia da alta das exportações e se reduza a actividade.
Seria a única maneira de evitar crises futuras, como as que no passado arrasaram a economia provincial, e de fixar nas províncias ultramarinas, para seu próprio progresso, uma grande parte do produto da sua riqueza.
Estas palavras lêem-se no parecer sobre as contas públicas que vão ser submetidas à discussão da Assembleia Nacional, e no sábado passado já o Governo lhes deu inteira satisfação, mandando publicar o Decreto-Lei n.º 38:704, que deu motivo a esta minha intervenção.
É de presumir que este novo decreto não foi publicado no ano passado na altura em que se publicou o Decreto-Lei n.º 38:405, relativo à sobrevalorização de produtos de exportação metropolitana, porque os meios metropolitano e ultramarino são completamente diferentes, e portanto o mesmo princípio nacional terá de ser aplicado diferentemente, conforme o meio considerado.
Na metrópole criaram-se sobretaxas aos direitos de exportação sobre as mercadorias sobrevalorizadas, como o volfrâmio, a cortiça, os resinosos e a sucata, e fixou-se em 75 por cento a parte do rendimento das sobretaxas a entregar ao Fundo de Abastecimento.
Deste modo foi possível compensar a alta dos preços externos dos produtos essenciais ao abastecimento nacional, evitar a alta interna dos preços e combater a inflação dos meios de pagamento.
No recente Decreto-Lei n.º 38:704, destinado ao ultramar, são diferentes as mercadorias cuja sobrevalorização será considerada e é também diferente o destino a dar à percentagem de 70 por cento da sobrevalorização das mercadorias exportadas pelas alfândegas ultramarinas.
E assim ficaram desde já abrangidos pelo novo Decreto-Lei n.º 38:704 os seguintes produtos:
Em S. Tomé e Príncipe: cacau e copra; em Angola: café, sisal, manganês e semente de algodão; em Moçambique: copra, sisal, castanha de caju e semente de algodão.
Da percentagem de 70 por cento destinam-se 20 por cento ao Fundo de Fomento e Povoamento, que passará a dispor de outras verbas igualmente consignadas a obras de aproveitamento do águas públicas para rega e produção de energia, seu transporte e distribuição, drenagem, enxugo e defesa de terrenos, enfim, a obras e melhorias nas terras do ultramar, e a assegurar a defesa económica do colono nacional.
A parte restante -50 por cento-constituirá um depósito obrigatório, efectuado em nome do proprietário respectivo, mas que só poderá ser movimentado com autorização do Ministro do Ultramar ou do governador da província ultramarina e sob a condição de ser investido nas próprias instalações ou propriedades agrícolas, comerciais ou industriais ou outros empreendimentos de utilidade para a economia geral; ou, se o depositante entender, poderá ser destinado à subscrição de títulos de empréstimos emitidos pelo governador da província ultramarina, a juro não superior a 3 por cento, e com destino a estudos, projectos e obras de fomento e povoamento.
Convém notar especialmente os n.º 2.º e 6.º do artigo 4.º do referido Decreto-Lei n.º 38:704 para se atingir o seu mais lato alcance.
Pelo n.º 2.º o Fundo de Fomento e Povoamento terá por objectivo assegurar ao colono nacional a sua economia. Isto quererá dizer que o Fundo terá de assegurar o preço e a vencia dos produtos ao colono nacional.
Realmente, promover a colonização de milhares de famílias agrícolas brancas em Angola o Moçambique e não lhes assegurar u defesa da sua economia seria mais uma tentativa inútil e condenada desde já a um tremendo fracasso.
Bem avisado andou o Governo em incluir este n.º 2.º do artigo 4.º no decreto do aproveitamento da sobrevalorização, para garantir uma das condições mais essenciais ao êxito da colonização.
Quanto ao n.º 5.º do mesmo artigo 4.º, convém igualmente destacar a sua importância e o alcance que eu julgo pretenderá atingir.
Por este n.º 6.º o Fundo de Fomento e Povoamento subsidiará pequenas obras de rega nas províncias ultramarinas, desde que sejam aprovadas pelo Governo.
Ora, ou eu estou muito enganado ou esta determinação é extensiva a todas as províncias ultramarinas, incluindo aquelas que não contribuam para o Fundo por não terem produtos de exportação sobrevalorizados.
E sendo assim, como eu suponho que seja, a intenção do legislador de estender a acção do Fundo de Fomento e Povoamento a todo o ultramar como se fora também um fundo para pequenos melhoramentos ou de auxílio a pequenas obras de rega em qualquer província ultramarina, admito a hipótese de a província de Cabo Verde vir a ser subsidiada para tal fim.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Aponto Cabo Verde por ser a província do ultramar que maior necessidade tem de urgentes obras de rega.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Expostas sucintamente algumas virtudes do decreto, não quero deixar de me referir a uma das maiores, que consiste na obrigatoriedade da fixação de parte dos lucros no ultramar.
Com a publicação do Decreto-Lei n.º 38:704 o Governo fixa nas províncias de além-mar 70 por cento da sobrevalorização de alguns produtos de exportação, empregando essa importância em obras reprodutivas de fomento e povoamento.
Obrigar a investir no ultramar uma parte dos lucros ali produzidos tem sido há muitos anos uma grande as-
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piração das populações daquelas províncias, e manifestada insistentemente através da imprensa e dos bons colonos.
Ainda recentemente, na minha última intervenção na Assembleia Nacional, quando se discutiu o aviso prévio do ilustre Deputado Sr. Dr. Juiz Armando Cândido, eu formulei seis bases em que se devia assentar para se alcançarem os meios favoráveis a uma colonização substancial, e na base III preconizei a obrigatoriedade do investimento de uma percentagem dos lucros obtidos.
E o ilustre autor do aviso prévio sustentou a mesma opinião, julgando ser necessária a fixação de lucros nas províncias ultramarinas, no que foi secundado por alguns Srs. Deputados.
Mas já anteriormente, ao discutir-se a Lei de Meios para 1952, tive ocasião de expor à Assembleia Nacional que:
No Portugal metropolitano e em muitos outros países se impôs a aplicação útil das mais valias a que deu lagar a presente conjuntura internacional pós-coreana.
Permita-me, Sr. Presidente, que transcreva mais as seguintes palavras, que então pronunciei nessa sessão de 5 de Março findo:
Todos aqueles que conhecem de perto o ultramar e têm assistido ao seu intenso progresso sabem que tudo quanto se tem feito, além das obras do Governo, se deve aos colonos, que ali inverteram os seus lucros, as suas economias.
O antigo Ministro das Colónias Prof. Doutor Armindo Monteiro escreveu, em Março de 1940, na Revista do Ultramar:
... sem a fixação em África do máximo possível dos rendimentos ali produzidos o sen desenvolvimento não pode ser assegurado.
O actual Subsecretário de Estado do Ultramar, engenheiro Trigo de Morais, na conferência que proferiu em Junho de 1951 no Instituto Superior Técnico, referindo-se ao «... aumento da verdadeira riqueza nacional em terras de Angola e Moçambique», preconizou dos lucros ali obtidos «... a utilização do remanescente na criação de um capital destinado a obras reprodutivas para aumento do bem comum».
Quando foi discutida na Assembleia Nacional a Lei de Meios para 1952, propus que se adoptassem no ultramar medidas semelhantes àquelas que se tomaram na metrópole com o Decreto-Lei n.º 38:405, de 25 de Agosto de 1951, para se fixar e investir nas respectivas províncias uma parte da sobrevalorização das mercadorias exportadas.
E foi assim que procederam os colonos prudentes e cautelosos.
Este princípio é tão aceitável, Sr. Presidente, que aos colonos que investem grande parte dos lucros nas províncias ultramarinas onde os obtêm o público passa a dar a denominação de «bons colonos».
O que então preconizei só beneficia a economia e ainda acautela o interesse futuro dos colonos, pelo investimento reprodutivo das mais valias.
É já por demais sabido, Sr. Presidente, ser aspiração antiga e dominante das províncias ultramarinas que lá se fixe o máximo possível dos rendimentos nelas produzidos.
Portanto, o Governo, com a publicação do novo decreto, veio dar satisfação à justa e premente aspiração do ultramar.
Outras nações nos antecederam no aproveitamento e na captação das mais valias, como os Estados Unidos da
América, a Inglaterra, a Austrália, a Dinamarca e a Suécia.»
Nestes países a percentagem atingiu 100 por cento da sobrevalorização. Na África do Sul e na Austrália as medidas governamentais foram tomadas sobre a lã, a partir de Junho de 1950.
Não há dúvida de que nós deveremos partir do ano de 1949 para considerar a sobrevalorização dos produtos numa base inteiramente justa.
Pelos elementos que vou prestar à Assembleia Nacional poder-se-á verificar a verdade da minha asserção.
Para melhor elucidação indicarei apenas alguns dos produtos principais, pelas tonelagens exportadas e pelo preço de cada tonelada.
Na província de Angola:
Café
[...ver tabela na imagem]
Anos Toneladas exportadas Preço por tonelada
Siál
[...ver tabela na imagem]
Anos Toneladas exportadas Preço por tonelada
Semente de algodão
[...ver tabela na imagem]
Anos Toneladas exportadas Preço por tonelada
Na província de Moçambique:
Sisal
[...ver tabela na imagem]
Anos Toneladas exportadas Preço por tonelada
Copra
[...ver tabela na imagem]
Anos Toneladas exportadas Preço por tonelada
Realmente a subida rápida e tão elevada dos preços não pode deixar de nos impressionar profundamente.
Em presença destes quadros impressionantes reconhecemos a forte razão que assistia ao Sr. Engenheiro Trigo
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de Morais quando na sua conferência do ano passado sugeriu a criação de «... uma taxa de emergência sobre esses lucros, destinada a um fundo de fomento e de povoamento de raça branca portuguesa ...».
Na sua notável conferência «A água na valorização do ultramar» bem justificadamente pediu a... a conversão dos lucros respectivos em valores estáveis, não só para a defesa particular de alguns, evitando que deste período dourado pouco mais possa ficar que a lembrança de uma euforia de passagem, mas também para o bem geral do aumento da verdadeira riqueza nacional em terras de Angola e Moçambique».
Com a nova medida que o Governo acaba de tomar fica atendida esta sugestão, e por ela se antevêem já maiores possibilidades de aproveitamento das águas dos quatro rios africanos - Cuanza e Cunene, em Angola, e Incomati e Limpopo, em Moçambique. E vai-se desenhando também a possibilidade da fixação de 70:000 famílias de trabalhadores agrícolas da metrópole naquelas duas províncias ultramarinas. Isto é, afirma-se a continuidade do trabalho de dezenas de anos do Sr. Engenheiro Trigo de Morais no estudo do aproveitamento da água daqueles rios com a finalidade do fomento e do povoamento.
Esta é a obra mais ingente a realizar em Portugal pelo seu povo caracterizadamente colonizador.
E Salazar, sempre iluminado por uma clarividência superior, estudou e meditou reflectidamente o assunto, para lhe dar a solução mais conveniente ao interesse do ultramar, e portanto ao interesse da Nação.
Deste lugar presto, pois, justas e merecidas homenagens ao Governo pela publicação do recente decreto que determina o aproveitamento reprodutivo e a fixação no ultramar de grande parte das mais valias para obras de fomento e de povoamento.
É sinceramente e com muita satisfação que exprimo ao Governo e particularmente a S. Ex. ª o Presidente do Conselho os meus agradecimentos e dirijo as minhas saudações. E estou certo de que interpreto o sentir da Assembleia Nacional, sempre pronta a prestar justiça a quem a merece e a aplaudir os actos do Governo quando estes defendem o interesse nacional.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Duarte Silva: - Sr. Presidente: pedi a palavra simplesmente para me associar ajusta homenagem que o Sr. Deputado Vaz Monteiro acaba de prestar ao Governo pela publicação do Decreto-Lei n.º 38:704 e afirmar, como Deputado por Cabo Verde, que espero confiadamente em que a minha província venha a beneficiar da aplicação daquele diploma.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Armando Cândido: - Desejo também associar-me com toda a vibração às palavras que o ilustre Deputado Vaz Monteiro acaba de proferir, designadamente àquelas em que S. Ex. ª agradece ao Governo a publicação do Decreto-Lei n.º 38:704.
Tenho para mim, aliás pelas razões já expostas, quando nos dias 3 e 4 de Março último efectuei o meu aviso prévio sobre o excesso demográfico português relacionado com o povoamento do ultramar e a emigração, que o decreto agora enviado para o Diário do Governo irá ter uma larga e profunda influência no fomento e povoamento das nossas províncias ultramarinas, obra a que temos de meter ombros decididamente. Pode ser que esse decreto levante reacções da parte daqueles que es-
tavam habituados a dispor do dinheiro sem olharem ao interesse nacional da sua colocação.
Mas o Governo, que legislou com consciência e coragem e que se ocupou simplesmente da sobrevalorização de certas mercadorias exportadas, deve estar preparado para isso e deverá contar com o apoio da razão que lhe assiste e com o apoio dos louvores e aplausos que lhe tributa a maioria esmagadora dos que vêem na medida um único defeito: o de não ter sido tomada mais cedo.
E foi para isto, Sr. Presidente, para deixar o meu nome ligado ao acto de justiça que o Sr. Deputado Vaz Monteiro acaba de praticar, com os justos agradecimentos que dirigiu ao Governo, que pedi a palavra.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente:-Está na Mesa um requerimento do Sr. Deputado Pinto Barriga, que vai ser lido à Assembleia.
Foi lido. É o seguinte:
«Requeiro, pelo Ministério das Comunicações, me seja dada cópia do relatório apresentado pela fiscalização dos caminhos de ferro acerca do desastre ocorrido na linha do Estoril em 31 de Março de 1952».
O Sr. Ga Mano Tavares: - Pedi a palavra para enviar para a Mesa, em meu nome e no dos Srs. Deputados Pimenta Prezado e Manuel Lourinho, o seguinte
Requerimento
«Requeiro, nos termos do Regimento, que, pelo Ministério das Comunicações, me seja dado conhecimento do sistema de coordenação existente entre os serviços de farolagem dependentes do Ministério da Marinha e o sector a que pertencem os respectivos edifícios afectos ao Ministério das Obras Públicas e ainda com os serviços dos caminhos de ferro dependentes do Ministério das Comunicações, já citado, relativamente à linha do Estoril, e cópia da correspondência trocada entre o Ministério da Marinha e os Ministérios das Obras Públicas e das Comunicações, e bem assim das conclusões do inquérito a que sobre o acidente ferroviário ocorrido ontem, 31 de Março, se está procedendo».
O Sr. Presidente: -Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vai iniciar-se a efectivação do aviso prévio do Sr. Deputado Amaral Neto, que trata das dívidas das câmaras municipais aos hospitais civis pelo internamento e tratamento de doentes pobres.
Tem a palavra o Sr. Deputado Amaral Neto.
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: é sempre com violência sobre a índole « sincera dúvida de me igualar aos temas, todavia simples como cuido de os escolher, que peço a V. Ex. ª o uso da palavra; mas eis que hoje, por excepção, aproveito confiado, quase com alvoroço, a faculdade regimental de reafirmar ao Governo que é necessário e urgente tomar disposições eficientes, que aliás sei ter tido em atento estudo, para á solução do arrastado problema dos encargos municipais com doentes pobres.
E é assim hoje comigo porque sinto gritantemente esta necessidade e a sua urgência, mas muito mais
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ainda porque espero que a Assembleia queira, e V. Ex. ª permita, abrir debate sobre a matéria, e assim se estabeleça .definitivamente a importância dela por vozes, não direi mais convencidas, mas mais felizes e hábeis que a minha na arte de convencer.
Confesso e protesto o meu interesse apaixonado pelo assunto, mas este movimento de alma que me toma ao considerar os efeitos do estado das coisas e os riscos maiores a que conduz, este exaltado empenho numa reorganização que aquinhoe melhor os vários elementos participantes, se me vêm duma experiência pessoal longa e intensa não se alimentam da simples cobiça de condições mais fáceis - cobiça que aliás ainda seria legítima, procurando outras formas de bem do comum-, mas antes, mas sobretudo, do forte sentimento de muitas desigualdades e do anseio por acção em termos de melhor proveito.
Experiência pessoal, essa tenho e invoco em meu abono. Há perto de dezasseis anos à testa de um município rural, cuja chefia ninguém inveja pelas condições de quase inanidade a que a reduziram encargos cuja parcela maior é hoje justamente esta dos doentes nos hospitais, sei demasiadamente quanto pesa e como pesa nos cofres e preocupa-me a todo o momento a noção de já nem bastar o sacrifício de toda a acção a tal fim, que sem dúvida cabe nas atribuições municipais, mas ninguém dirá, creio eu, dever ser a única ou sequer a principal.
Para o bom exercício dessas atribuições, que são muitas e diversas, segundo os costumes e a lei, que não podem ser abandonadas em prejuízo gravíssimo de interesses fundamentais, que são a própria garantia e expressão de condições essenciais de vida e desenvolvimento dos povos, carecem os edis de qualidades de alma e de inteligência, mas nada ou quase nada poderão fazer se lhes faltarem recursos materiais. Por isto, quando há cinco anos aqui se discutiu a crise que oprime os municípios, em execução e debate do aviso prévio do falecido Deputado Rocha. Paris, cujo nome tenho sempre ouvido evocar com respeito e saudade, foram as dificuldades financeiras apontadas como factores principais desta crise e a -sua resolução ou alívio « requisito mais instante para o possível remédio dela.
Ora os encargos com tratamentos de doentes pobres em hospitais introduzem, antes de mais nada e acima de tudo, um problema financeiro. Não está no poder dos administradores municipais influir na sua geração, nem pela força de zelos - salvo o efeito aliás secundário, de uma fiscalização cuidada dos pedidos de assistência - nem - por actos de previsão; só lhes. pertence saldar, se puderem e como puderem, contas que nunca esteve nas suas mãos, nem nas de ninguém, temperar no número ou em volume, pois dependem dos acasos e necessidades das doenças. Mais e pior: podem ter por sorte ou experiência computado com acerto o seu montante para o decurso de uma gerência e provido à necessária cobertura no plano orçamental; podem mesmo, contrafazendo todos os sentimentos e esquecendo todas as conveniências, haver reconhecido a impossibilidade de dispor de verbas suficientes, e assente numa desapiedada recusa de todos ou alguns pedidos de socorro; nem assim ficarão a recato de surpresa de tesouraria, se acaso surgirem inopinados os descontos compulsivos para liquidação de despesas atrasadas.
Nem o problema é de valor secundário. O Anuário Estatístico de 1950 diz-nos que as câmaras municipais despenderam durante esse ano 17:835 contos na assistência a doentes; não nos diz quanto ficou por pagar e debitado em contas, mas eu próprio já tive ocasião de mostrar aqui na Assembleia nesse mesmo ano, e vou recordar adiante, que os débitos não liquidados dos municípios
estavam a somar-se à razão de pelo menos 6:000 contos anualmente, e isto só com respeito a estabelecimentos do Estado.
Não será, pois, excessivo estimar em 25:000 contos
- e ficará provavelmente ainda bastante longe da verdade- o custo total para as câmaras, em cada um dos últimos anos, da sua responsabilidade nos tratamentos de doentes pobres. Ora bem, segundo o parecer da nossa Comissão de Contas Públicas - parecer que só me abstenho de elogiar porque o seu elogio está feito por si mesmo, e não poderia eu acrescentar-lhe nada-, as verbas concedidas pelo Fundo de Melhoramentos Rurais somaram no mesmo ano de 1950 apenas 17:155 contos e tinham ficado no anterior por 16:109 contos. Olhemos estes números, meditando um instante sobre eles e considerando o valor enorme que está reconhecido à obra dos melhoramentos rurais, comparemo-los agora com aqueloutro, e teremos a medida pronta e sugestiva da importância do problema que me propus tratar para a nossa vida municipal, só do ponto de vista financeiro.
Ela já lhe fora reconhecida no decurso do debate recordado há pouco; e acabam de ma confirmar alguns aplausos que recebi logo ao ser anunciado este meu aviso prévio. Não foram muitos, mas foram calorosos e vieram de partes tão espalhadas, exprimiram-nos câmaras em condições tão diversas, que me deram a prova final da razão de intervir.
Quero todavia pôr uma questão prévia: restrinjo o problema ao seu âmbito presente, e muito de propósito assim faço por crer que dentro deste pode encontrar-se--lhe solução satisfatória. Não esqueci que poderia relacionar-se, e até tornar dependente, de outros dois bem mais complexos, o problema geral da assistência na doença e o problema global das finanças municipais. Não me interessa, porém, considerar hipóteses remotas, quando há males a sanar quanto antes; e duvido de que venha a estar alguma vez nas nossas possibilidades um serviço nacional de saúde, como os Ingleses não puderam manter na íntegra depois de experimentarem, ou como os Americanos nem se atreveram a experimentar. Quando terminar apresentarei o que me parecem ser umas bases aceitáveis de solução bastante por ora; espero que poderá reconhecer-se-lhes com facilidade, ao menos, o mérito da aplicabilidade imediata e da integrabilidade ulterior em qualquer sistema mais amplo.
E quero acrescentar que não ignoro o estudo detido, A atenção cuidada, que o Governo, pelo Ministério do Interior, já consagrou à matéria. Perfeitamente sei que a sua importância lhe está bem presente, e, como outros Deputados, certifiquei-me abundantemente do profundo interesse posto no assunto, e até pressenti conclusões muito satisfatórias, a meu ver. Possa esta discussão pública concorrer para os últimos retoques no plano em vista e concitar as derradeiras boas vontades para a sua breve execução!
Isto dito, é de entrada para valer em dobro, pedirei a V. Ex. ª o favor de considerar quanto se tem desenvolvido ultimamente a assistência hospitalar e na doença em geral. Fio aliás do empenho posto pelo Governo em « fazer aperfeiçoar, o qual é comprovado por dotações orçamentais crescentemente em excesso do encarecimento das coisas, a certeza de providências que reponham em novas e mais eficientes bases a participação das câmaras municipais, que nas condições presentes não podem acompanhar este desenvolvimento, sacrifiquem-lhe ou não tudo o restante.
Durante os últimos vinte anos de que há dados estatísticos, enquanto a população aumentou sómente de uma quarta parte, mais do que dobrou o número das pessoas tratadas em hospitais gerais, mais do que triplicou o daquelas acolhidas nos sanatórios antituber-
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culosos e quase sextuplicou o das que buscaram cura no Instituto do Cancro. Vale a pena registar os números:
[ver tabela na imagem]
No mesmo tempo aumentou do quase 100 unidades - de 264 para 361- o número dos hospitais gerais e casas de saúde, e só nos últimos dez anos subiu de 766 para 1:294 o total dos estabelecimentos de saúde em funcionamento, desde hospitais gerais a postos médicos o anti-sezonáticos, sem contar os estabelecimentos militares, também numerosos, mas naturalmente pequenos.
Incluem aqueles instituições do Estado e da beneficência privada, bem como casas montadas com fins de negócio, mas o essencial é ter alimentado tanto a capacidade de assistência e o aproveitamento dela; e a verdade é que as mesmas estatísticas registam terem sido tratados de graça 64 por cento dos doentes internados, e dos não gratuitos a maioria terá sido certamente de porcionistas.
Nos serviços gerais de saúde, nos estabelecimentos próprios e nos que subsidia, só o Ministério do Interior aumentou os seus gastos de 01:894 coutos na gerência de 1930-1931 para 74:978 no ano de 1940 e 211:863 em 1950; e cumpre acrescentar ainda, a estes traços mais grossos do quadro a menção de quase 30:000 contos com que o Ministério da Educação Nacional teve de dotar o Hospital de Santa Marta e outros institutos- sob a sua alçada.
A caridade particular não lhes ficou atrás em desenvolvimentos: constituíram-se trinta e duas novas Misericórdias, e todas entre si conseguiram fazer quintuplicar as suas receitas e, mais do que isso, as verbas para tratamentos de doentes. Foram estas no total de 12:550 contos em 1930 e chegaram a 68:794 em 1950; para tanto subsidiou-as o erário público, com 8:451 contos no ano de 1940 e 35:649 contos ultimamente, em 1950.
A estes esforços, que, sem terem realizado ainda a perfeição que todos desejaríamos, merecem, no entanto, boa nota e aplauso franco, convém juntar o dos cento e oitenta e oito hospitais, enfermarias: regimentais e postos médicos do Exército e da Armada, que já chegaram a internar mais de 37:000 doentes num ano só e a tratar em consultas externas muitos outros, e o dos organismos corporativos, cuja despesa em serviços de saúde se aproxima de 100:000 contos e tem valido em aflições graves a uma multidão de gente.
Bem pôde reconhecer a nossa Comissão de Contas, pela pena sempre tão objectiva e sóbria do Sr. Deputado Araújo Correia, que «as consequências deste generoso movimento humanitário e do interesse cada vez maior das entidades oficiais pelos problemas de assistência começam a manifestar-se em bastantes aspectos da vida nacional. A mortalidade geral tem diminuído e nalgumas regiões a mortalidade infantil desceu muito, a ponto de já ter atingido, nalguns casos, cifras que podem ser apontadas como exemplo».
Tudo isto, que toca apenas ao funcionamento dos serviços, tem sido acompanhado de melhorias nas instalações, muitas delas inteiramente novas; e neste
campo a acção tom sido por igual intensificada recentemente. Em novos edifícios e melhoria dos existentes o Estado despendeu 528:960 contos, de que um pouco mais de metade foi gasto de 1947 a 1950.
Sabe-se que estão um construção dois grandes hospitais escolares, cujo custo será enorme, e iniciou-se recentemente a obra de renovação e ampliação dos estabelecimentos regionais e rurais.
E, se é certo que só pôde notar e sentir ter sido aplicado, durante a última gerência analisada, três vezes mais dinheiro na construção de cadeias do que no melhoramento destes hospitais secundários, o facto tem de atribuir-se apenas a estar ainda a obra na fase incipiente dos estudos, porque há, como bem se sabe, um plano minucioso de organização hospitalar, votado aliás por esta Assembleia.
V. Ex. ª poderá recordar-se de que, além dos estabelecimentos especializados o dos hospitais centrais em Lisboa, Porto e Coimbra e dos das sedes das vinte e quatro restantes regiões hospitalares, são mantidos os hospitais sub-regionais o postos nas sedes dos concelhos, com a hierarquia natural de capacidades de tratamento.
Todavia, e apesar de se ir ainda no princípio, as últimas informações acusavam obras em andamento em cento e onze concelhos diferentes, de vinte e dois distritos, e entre estas as de trinta e um novos hospitais e postos e quarenta e seis grandes remodelações e beneficiações de edifícios existentes.
Já não é pouco!
Estou a sentir-me enfadonho com tantos números, Sr. Presidente, mas pareceram-me necessários à exibição do movimento geral em prol do maior bem da saúde do povo, que enquadra e impele consigo a acção dos municípios; e agora só me falta dizer, para poder rememorar adiante, quanto se propôs- o Tesouro conceder este ano em subsídios a hospitais autónomos:
Hospitais Civis de Lisboa 33:000
Hospitais da universidade de Coimbra 9:900
Hospital Joaquim Urbano, no Porto 1:200
Hospitais das Caldas da Rainha 820
Maternidades Dr. Alfredo da Costa e Júlio Dinis e outros estabelecimentos e serviços congéneres 11:332
Luta antituberculosa 35:520
Assistência a alienados 19:418
Assistência a leprosos 6:360
Subsídios de cooperação a Misericórdias (entre as quais a do Porto, com 7:800 contos, e as das vinte e quatro regiões hospitalares, com o total de 4:528) para sustentação dos seus 251 hospitais, 104 maternidades e outros estabelecimentos
Total 168:642
Qual é exactamente o papel das câmaras municipais? Tal como lho fixa o Código Administrativo, pertence-lhes deliberar sobre o internamento dos alienados e hospitalização dos doentes dos concelhos e cumpre-lhes obrigatoriamente satisfazer as despesas com os transportes e tratamentos daqueles a quem tenham concedido guias para o efeito nos hospitais gerais e em certos estabelecimentos especializados de Lisboa, Porto e Coimbra.
Como se formou esta obrigação, que já vinha do trás e muito de trás? Confesso a mágoa de não ter sabido apurá-lo exactamente; mas acudir ao doente pobre e desvalido é movimento tão natural dentro do conceito e do facto da vizinhança, fundamento da vida municipal, que é fácil supor as câmaras aceitando conformadas o dever de assistência logo que a técnica de curar
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começou a exceder os quadros du vida doméstica e, sobretudo, os da acção local de Misericórdias e obras pias.
Guiando-me por remissões dos vários diplomas, pude todavia remontar até ao alvará de 14 de Dezembro de 1825, que aprovou um plano de administração do Hospital de S. José e estabelecia que os doentes de fora do termo de Lisboa, para serem admitidos, trouxessem guias das suas Misericórdias respectivas, e que, quando estas não pudessem pagar as despesas deles, ficassem então de conta dos concelhos, debitadas à razão de 240 réis diários.
O mesmo alvará precisava que seriam tratados gratuitamente no Hospital os doentes domiciliados em Lisboa e seu termo.
Deste modo, encontramos já aqui os dois princípios que ainda hoje regem a posição mais geral dos municípios: deixam à caridade particular, subsidiando-a mais ou menos, os encargos do exercício local de assistência, especialmente aos doentes, e substituem-se-lhe para pagar os tratamentos que se torne necessário fazer fora dos concelhos. Substituem-se-lhe se podem, convém notar, pois há razões para crer que já muitas câmaras pouco ou nada fazem neste campo, por simples falta de recursos.
Esta substituição, outrora excepcional, ter-se-à tornado de regra pelo simples facto de a assistência dentro dos concelhos por si só absorver cada vez mais as capacidades das Misericórdias.
E assim se firmaria a responsabilidade que ao presente tão pesadamente onera os municípios.
Há todavia uns regimes especiais para os doentes mentais, tuberculosos e portadores de moléstias infecto-contagiosas, dos quais o Estado, pelos serviços especialmente adstritos ao combate das suas diversas doenças, assume os encargos do tratamento, em proporções desde metade até ao todo quando são pobres e, como aliás é o mais geral, desamparados do apoio, por ora apenas esboçado, de instituições de previdência ou seguro.
Mas VV. Ex.ªs conhecem a vida dos pequenos meios e sabem que muitas vezes, porque demoram os despachos ou as verbas estão em vias de se esgotar, as câmaras municipais têm de aceitar as responsabilidades dos tratamentos, mesmo nestes casos, para que numa família numerosa não fique um tuberculoso a criar novos focos de contágio, ou noutra parte um doido perigoso ponha em risco a segurança dos vizinhos. De maneira que, mesmo onde estão legalmente aliviadas, continuam a ter encargos pesados.
Também se poderia perguntar se o Decreto-Lei n.º 35:108, que criou as comissões municipais de assistência e atribuiu a estas competência para promover a prestação de socorros a necessitados, não terá desonerado as câmaras municipais, mas, como esse decreto não conseguiu assegurar receitas adequadas às comissões, continua o encargo sobre os municípios, quando não directa, pelo menos indirectamente, na medida em que as mesmas câmaras têm de subsidiar as comissões.
O Sr. Carlos Mendes: - No fundo, não há receitas para as comissões municipais de assistência, a não ser quando o Socorro Social manda algumas migalhas.
O Sr. Galiano Tavares: - Até «e dá a circunstância de as dotações atribuídas a essas comissões terem diminuído sensivelmente de há dois anos a esta parte. Já eram poucas ou diminutas as receitas que tinham e cada vez são menos.
O Sr. Carlos Mendes: - E que as comissões municipais de assistência não têm, na realidade, qualquer finalidade.
O Sr. Galiano Tavares: - A finalidade que têm é a de informação dos pedidos feitos pelos indigentes ou pobres que se destinam aos hospitais e a função de aprovação dos orçamentos das Misericórdias da área respectiva.
O Orador:-Têm uma função útil de coordenação.
A situação ainda mais se complica nos concelhos em que não há hospitais e que são algumas dezenas deles.
Então, aí, recai sobre as câmaras a totalidade dos encargos de assistência com os doentes pobres, pois todos tem de buscar tratamento fora do concelho e falta a cooperação da assistência privada, que se exerce através das Misericórdias e não se verifica lá.
Pelo contrário, há câmaras municipais que beneficiam do facto de os hospitais da sua área serem estabelecimentos do Estado, e por isto mesmo aptos pelo seu apetrechamento a prestarem aos munícipes as formas mais adiantadas de assistência, que ficam dispensados de ir buscar fora e consequentemente não determinam encargos para essas câmaras.
Quando o exercício de assistência hospitalar depende exclusivamente do concurso da generosidade privada e da colaboração municipal, uma e outra funções no mesmo sentido do desafogo económico da região, quanto mais pobre é o concelho mais é prejudicada essa assistência pela falha simultânea de uma e outra fonte de recursos; e inversamente se torna desproporcionalmente favorável a situação nos concelhos ricos, onde a generosidade particular é maior e os réditos das câmaras municipais também são superiores. Gera-se assim uma tendência perigosa para a deterioração progressiva da assistência nos meios económicamente mais constrangidos, facto para que muito convém olhar.
Como já mostrei atrás, o número de doentes que afluem aos hospitais aumenta constantemente ...
O Sr. Carlos Borges: - Perdeu-se o horror ao hospital.
O Orador:-Perdeu-se, como V. Ex. ª muito bem diz, o horror ao hospital, mas sucede também que os progressos dos meios de tratamento e de diagnóstico exigem condições a que não pode satisfazer-se nos pequenos centros. São as análises, são as radiografias, são exames e provas de todo o género, que exigem, não só apetrechamento, como pessoal especializado de execução e de interpretação dos resultados que não pode espalhar-se por toda a parte.
Além disso, os doentes exercem pressão sobre os médicos para serem hospitalizados, e os próprios médicos não podem ser indiferentes a tais solicitações sem prejuízo da sua popularidade entre a clientela.
Não pode ignorar-se que hoje a maioria das populações das classes menos cultas não se considera bem assistida se não lhe forem feitos os tratamentos mais caros, por crer que serão certamente os mais eficientes .. *
É frequente motivo de orgulho e exibicionismo entre a vizinhança o número de radiografias QU de boletins de análise que se podem mostrar e representam uma ou várias idas -à custa da câmara, claro é- ao grande hospital da cidade próxima ou da própria capital. E não são as câmaras que podem eficazmente travar todas estas tendências, pois não está ao seu alcance avaliarem por meios próprios o fundamento clinico dos pedidos, nem lhes quadraria assumir a responsabilidade de recusas que pudessem vir a ter consequências fatais.
Ora, assim como aumenta a afluência dos doentes, aumenta correlativamente a despesa das câmaras. Quando há quase dois anos aqui abordei pela primeira vez este problema, que me preocupa constantemente, por isto mesmo que o conheço bem, solicitei previamente ele-
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mentos, que me vieram em número e pormenor tal que não me atrevi a pedir agora repetição mais actualizada. É dos elementos então recebidos, ainda bastante recentes para ilustrarem tendências e marcarem ordens de grandeza, que volto a socorrer-me: na fé deles posso afirmar que só nos estabelecimentos referidos no n.º 7.º do artigo 75l.º do Código Administrativo e mais nos de assistência psiquiátrica e antituberculosa as despesas por tratamentos de doentes pobres debitadas às câmaras municipais somaram nos anos de:
Contos
1938 15:931
1946 11:882
1947 15:170
1948 16:444
1949
Destas despesas as câmaras pagaram o que puderam, e foram ao todo nos anos de:
Contos
1938 3:246
1946 6:231
1947 8:705
1948 10:063
1949
A evolução da responsabilidade é tão clara como a do esforço para a enfrentar, mas, como o cotejo dos números logo mostra este esforço, que tanto terá custado, em preocupações e sacrifício de outras necessidades, não foi suficiente, ficando em cada ano um débito por liquidar, que cresceu de 1:700 contos, aproximadamente, no primeiro dos anos escolhidos para a comparação até quase 6:400 contos dez anos mais tarde.
É necessário lembrar que além dos estabelecimentos que totalizavam estes encargos há outros do Estado e sobretudo de instituições particulares a que acorrem doentes a cargo das câmaras, porque aqueles não têm capacidade para tudo e a assistência regional é na maior parte exercida por hospitais dependentes de Misericórdias. No conjunto, pois, aqueles números sobem a muito mais; como, porém, para o apuramento da exacta medida me faltaram elementos, contento-me já com o conhecimento da parcela que pude averiguar e já acho de grandíssima monta.
Há alguns municípios que estão em situação particularmente difícil, e são os vizinhos dos grandes centros, nomeadamente de Lisboa, dos quais grande parte da
população contribui com o seu trabalho para a riqueza a capital, mas não é reconhecida por esta como elemento seu para efeitos de assistência. São, pois, os municípios desses verdadeiros arrabaldes económicos que têm de socorrer muita gente cuja actividade vivifica e faz prosperar, não o seu lugar de residência e domicílio de socorro, mas a grande urbe, que os desconhece quando carecem de auxílio. Muito populosos, sem estabelecimentos próprios, esses concelhos acabaram por acumular dividas enormes nos hospitais de Lisboa, que sustentam como filhos mas no caso os trata como enteados ... Estas dívidas das câmaras são facto banal do conhecimento de todos. Os Hospitais Civis de Lisboa usam publicar nos relatórios um quadro das dívidas das câmaras municipais, digamos suas clientes, dos quais o último é como segue.
Leu.
Porém, os números globais são maiores, pois há ajuntar os que respeitam a outros hospitais.
Quando reuni há dois anos aqueles elementos que já referi, o total de dívidas reconhecidas das câmaras municipais, no número restrito de estabelecimentos que especifiquei, era de 47:282 contos. Com o decorrer de três anos e acreditando que se tenham continuado a juntar dívidas na mesma razão (e a tendência era para que crescesse), e tendo em conta todos os demais hospitais a que as câmaras enviam doentes, permito-me afirmar o convencimento de que as dívidas totais dos municípios por assistência hospitalar se elevam no momento actual a 60 ou 70 mil contos.
Já nos fins de 1948, sempre segundo os elementos que coligi, como tenho dito, se encontravam situações impressionantes, que expus no meu discurso de 28 de Abril de 1950 e peço licença para repetir.
Eram devedores aos hospitais, no fim do ano de 1948, mais de duzentos municípios, e destes deviam:
Mais de 2:000 contos 1
Entre 1:000 e 2:000 contos 2
Entre 500 e 1:000 contos 3
Entre 100 e 500 contos 56
Entre 50 e 100 contos 26
Ao todo, e já então, cem municípios encontravam-se devedores de mais de 50 contos cada um. Só aos Hospitais Civis de Lisboa oito câmaras vizinhas da capital deviam, em conjunto, mais de 17:000 contos!
Adquiri então, e mantenho, o convencimento de que tais dívidas nunca poderão ser pagas. E a convicção não é só minha, pois o Sr. Enfermeiro-Mor dos Hospitais Civis de Lisboa afirmou no seu último relatório, textualmente, o seguinte:
Leu.
O Sr. Carlos Mendes: - Quer dizer: se aqueles que não podem pagar não devem pagar, os que já pagaram foram maus administradores.
Senão vejamos: enquanto uns municípios pagaram a assistência, outros não satisfizeram esse compromisso e utilizaram o dinheiro em outras obras, pelo que, se se resolver passar uma esponja sobre essas dívidas, acho que às câmaras que já liquidaram a sua dívida deve ser dada uma compensação.
O Sr. Carlos Borges: - Si» V. Ex. ª pagou, eu acho que deve ficar satisfeito com o diploma de bom administrador, porque se algumas câmaras pagaram foi porque puderam.
O Orador:-O reparo do Sr. Deputado Carlos Mendes, como crítica, não é construtivo, pois não propõe qualquer solução. O mal não está nos municípios que não cumpriram os seus compromissos; o mal está nas condições inadequadas que neste campo são as de quase todos os municípios. Mas ainda bem que algumas câmaras puderam pagar quanto deviam.
O Sr. Carlos Mendes: - Está muito bem que se passe a esponja, mas que se dê uma compensação às câmaras que pagaram.
O Sr. Manuel Domingues Basto: - Há um elemento no problema que convém não esquecer: é que muitas das câmaras municipais que pagaram procederam assim porque não se interessaram tanto pelos doentes como aquelas que não puderam pagar.
O Orador:-Não foi o caso do Sr. Deputado Carlos Mendes, mas pode bem ter sido o caso em muitos outros municípios que não aquele onde exerceu tão brilhante acção; tão brilhante que até conseguiu pagar tudo aos
Não quero demorar-me ainda em considerações sobre o que se há-de fazer a essas dívidas, mas quero lembrar à Assembleia que não é por falta do pagamento delas
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que desaparecerá a assistência, pois os hospitais vão-se mantendo graças aos subsídios que o Estado lhes concede e não tem felizmente de esperar pelos atrasados para poderem continuar a tratar os seus doentes.
Está estabelecido, no entanto, o princípio de cobranças compulsivas por conta dessas dívidas, por descontos nas receitas arrecadadas para as câmaras nas tesourarias da Fazenda Pública. Ele é aplicado por força do Decreto-Lei n.º 23:448, do 13 de Dezembro de 1933, o qual começa o seu artigo 1.º pela seguinte frase: «Até à entrada em vigor do novo Código Administrativo...».
Este decreto, repito, é de 1933, e assim pode pôr-se a pergunta:
Depois da promulgação do Código Administrativo o desconto ainda é legal?
O mesmo código estabelece no n.º 2.º do seu artigo 378.º disposições para as câmaras municipais que não cumpram as atribuições de exercício obrigatório, mas é completamente diferente o que se tem seguido para as dívidas dos Hospitais Civis!
Seja ou não com inteira legalidade, o facto porém é que a prática continua, de modo que as camarás estabelecem os seus planos orçamentais, mas estão permanentemente em risco de os verem comprometidos por cortes imprevistos e em rendimentos que são dos mais importantes e mais certos. Pode-se dizer que assim se põe em risco o próprio fundamento das administrações cuidadas, que é o respeito e confiança nos orçamentos aprovados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Os descontos entravam a marcha das administrações, não há dúvida nenhuma.
Depois, e isso é o que mais dói, a comparticipação do Estado não é distribuída com equidade. As grandes cidades têm um quinhão desproporcionado, quando o que se deve ter em conta é o nível de vida e os meios de acção nos meios rurais e nas grandes cidades.
O Sr. Carlos Moreira: - A diferença também se nota, e bem profunda, entre as grandes cidades!
O Orador:-Não tão grande como V. Ex. ª julga.
O Sr. Carlos Moreira: - Mas ainda assim bastante grande.
O Orador:-Não há talvez medida indiscutível para avaliar os benefícios através das diferentes regiões, mas, se estabelecermos capitações, quociente de verbas por habitante, considerando os subsídios que o Estado concede aos hospitais das grandes cidades e aqueles que são entregues às Misericórdias dos meios rurais para fazer assistência hospitalar, encontramos os seguintes números, que traduzem decerto a capacidade de tratamento na doença oferecida às gentes das diversas áreas: na cidade de Lisboa tocam dos dinheiros concedidos pelo Estado a cada habitante 112$ e no Porto 40$80...
O Sr. Carlos Moreira: - V. ex. ª vê que ou tinha razão!
O Orador:-V. Ex. ª verá que ainda se fica tão longe da maioria ... para Coimbra 100$ e em vinte e quatro outras cidades e grandes vilas, muitas delas sedes de concelho importantes, com aspirações de progresso, a capitação das ajudas varia entre 2$52 e 5$55 apenas.
Dinheiro do Estado, que é dinheiro de todos os portugueses, distribuído para socorros a uns e a outros e em medidas tão diversas!
Devo esclarecer e precisar que os subsídios entregues às Misericórdias o são segundo um critério uniforme,
mas em função do número de leitos dos hospitais, e não da população que eles tem de servir e servem mal justamente por não terem mais leitos . .
O Sr. Carlos Mendes: - V. Ex. ª dá-me licença?
Muitas vezes as informações das Misericórdias não estão de harmonia «com aquilo que é próprio e legal. Para o subsídio de cooperação, para determinar o auxilio a prestar, é impossível, portanto, fixar a norma certa e justa.
Este subsídio é para as Misericórdias que trabalham, e muitas vezes as informações pedidas são absolutamente falseadas, porque se deturpam as coisas; e ainda há pouco tive conhecimento de que houve Misericórdias que com essas verbas compraram tapetes, outras deram bodos, outras fizeram donativos.
Os provedores procuram acertar; e eu, que sou provedor duma Misericórdia, esforço-me por isso, mas as informações nem sempre são suficientes.
O Sr. Carlos Borges: - Enquanto os provedores se interessam pelas Misericórdias sempre conseguem algum auxílio.
O Orador:-É impressionante, no entanto, a diferença dos auxílios de uns para outros meios, por mais que tenhamos em conta os graus necessariamente diversos do que é justo garantir a uns e outros, consoante o seu avanço social.
Uma das consequências disto é que os hospitais regionais, em relação aos pequenos hospitais de província, são tão pobres como eles, e por isso são obrigados a cobrar preços efectivamente muito maiores do que os dos grandes hospitais centrais para se manterem.
Acontece em consequência disso - e já tive ocasião de o verificar - que doentes remetidos para hospitais regionais chegam a pagar diárias que, incluídos todos os encargos, atingem a ordem dos 280$. Isto partindo da base de 10$ e aumentando-lhe em seguida o custo de todos os pensos, medicamentos, ligaduras, os soros fisiológicos, as próprias luvas de borracha, o gesso, etc. Esses mesmos doentes, fora desta hierarquia assistêncial, se tivessem seguido para os hospitais centrais de Lisboa ou Porto, pagariam, respectivamente, 21$ ou 18$.
Em consequência, os hospitais regionais não podem exercer a função que lhes é atribuída pela organização hospitalar. Estão estabelecidos na prática só dois escalões: hospitais locais pequenos e hospitais dos grandes centros.
A saturação dos hospitais centrais, que se tem procurado evitar para que possa haver aproveitamento mais eficaz e a necessária divisão de esforços, há-de continuar, há-de manter-se e até tender a crescer enquanto esta situação persistir.
Agora, já que disse a VV. Ex.ªs que somas pagam no conjunto as câmaras municipais, será interessante saber quanto pagaram as das seguintes três grandes cidades: a de Lisboa pagou 201 contos; a do Porto 207 e a de Coimbra 81, tudo no mesmo ano de 1948, de que tenho feito termo de referência ...
Isto não. está em conformidade com as origens dos rendimentos dos hospitais de que estas Câmaras se servem, aos quais praticamente nada ajuda a caridade privada -tão solicitada nos meios pequenos, valendo de tudo às cidades grandes a ajuda do Estado, tão escassa para os meios pobres.
Os rendimentos dos Hospitais Civis de Lisboa em 1948 foram de 591 contos; de diversas receitas 1:764 contos e de auxílio do Tesouro 50 mil e tal contos.
Assim se trataram 32 mil e tal doentes gratuitamente, de Lisboa, contra 6 mil e tantos da província, que custavam às câmaras respectivas - ou custarão, se não vier
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um rasgo de realismo e justiça sanar as coisas- mais de 7 mil contos.
O Sr. Carlos Mendes: - Seria interessante saber quantos foram os doentes que as Misericórdias de todo o País trataram e fazer o paralelo entre estes e os doentes tratados pelos Hospitais Civis de Lisboa, tudo equacionado com os rendimentos respectivos.
O Orador:-Não gostaria de usar do habitual «já lá vamos», mas o facto é que adiante estabeleço de algum modo o paralelo. Por enquanto estou apenas na posição, que não é de inveja, mas de pena, de verificar como são grandes certas facilidades e como se opõem a dificuldades não menos grandes noutras partes.
Admitindo que os rendimentos podem dar uma noção da riqueza dos municípios, quando considerados em relação com as populações a cujo serviço são postos, eu cuidei de fazer mais um cálculo de capitações, este agora das receitas municipais orçamentadas para o ano de 1951, segundo o último Anuário Estatístico. Encontrei assim uma média de 159$75 no total do País, que desce para 56$80 no distrito mais pobre e sobe a 404$ para a cidade de Lisboa e a 513$ para a do Porto, enquanto se fixa, respectivamente, por 186$5O e 94$90 para os conjuntos dos restantes concelhos dos seus distritos.
Creio que posso, em consequência, honestamente dizer que a Câmara de Lisboa é duas vezes e meia mais rica do que a média das outras câmaras do País, cinco vezes mais do que as vizinhas limítrofes do seu distrito, e sete vezes mais que muitas outras. Contudo é ela que beneficia de melhor ajuda para os seus doentes, que é verdadeiramente assistida à casta das demais ...
Em todo o caso não podemos esquecer, nas referências feitas à Câmara do Porto, o facto importantíssimo de haver nessa cidade uma Misericórdia que, mais do que a de Lisboa, deve ser o orgulho e espelho das Misericórdias do País, pelas generosidade que pôde reunir.
Assim também no Porto, afinal, a caridade privada supre, como em qualquer concelho rural, a acção do município e já não parece mal ver este desonerado.
Não tenho, pois, em toda esta análise comparativa o mais pequeno reparo a fazer à circunstância de a Câmara do Porto ter menores despesas com os doentes. Substitui-se pelos seus munícipes, mas não posso dizer a mesma coisa em relação às outras câmaras das cidades principais.
Ainda por cima acontece que os trinta e tantos mil doentes pobres de Lisboa nem sempre são tão pobres como se fazem parecer, sendo circunstância por demais conhecida que, a falta de responsabilidade, gerando o desleixo da fiscalização, origina que muitos entrem de graça nos hospitais da cidade pretextando pobrezas felizmente (para eles) falsas.
Se V. EX. ª Sr. Presidente, me consente, eu citarei uma pequena história.
Aqui há tempo, numa conversa com um comerciante dos meus sítios, ele disse-me, já não sei a propósito de quê, que uma das obrigações que tinha mais constante-mente presente na memória era a de mandar a certo enfermeiro de S. José um para pelo Natal, pois graças a esse homem já ele, um cunhado e alguns amigos haviam podido entrar e fazer-se operar no hospital na mais cómoda gratuitidade.
Este homem, embora não seja rico, é, pelo menos, um comerciante desafogado; todavia bastou uma cumplicidade em bom lugar para lhe dar qualidade de pobre, e a mesma aos amigos, para ser assistido em Lisboa.
O mal não é desconhecido de ninguém. No relatório dos Hospitais Civis de Lisboa de 1946 faz-se referência à facilidade com que se consegue o tratamento em regime
gratuito e acentua-se que este aspecto tem preocupado as entidades superiores.
Terminarei todo este sudário de comparações dizendo o que há pouco anunciei ao Sr. Deputado Carlos Mendes, e é que, não excedendo a capacidade dos hospitais de Lisboa 20 por cento da capacidade total de leitos dos hospitais do País, todavia beneficiam de 60 por cento do total dos subsídios do Estado!
Feita esta pintura, que V. Ex. ª me desculpará, espero, de ser tão grosseira para ser mais rápida, mas a que procurei dar toda a objectividade, não quero deixar ainda de pedir que se tenha presente que é absolutamente impossível pretender uma solução das dificuldades que se estribe na diminuição do números de doentes tratados. Por todas as razões, a afluência aos hospitais, sejam modestos ou grandes, não pode senão aumentar.
A maneira como se vai suportar esse aumento é que é a grande questão.
Assevero a VV. Ex.ªs que as câmaras não podem manter a assistência no nível actual e que, muito menos, podem aumentar os seus encargos.
Mas também não procuro pôr uma aspiração, certamente difícil de atender por enquanto, qual a de conseguir que o Estado tome a seu cargo parte muito maior nos encargos de tratamento dos doentes pobres.
Porém, ponho esta pergunta: deve ser função da actividade municipal o tratamento dos doentes pobres ? Não será, antes, um verdadeiro dever do Estado, hoje em dia. que a assistência na doença é imperiosa exigência geral, verdadeira condição de tranquilidade social?
A pergunta fica em suspenso, porque afinal a verdade e que, nas nossas condições, este, como outros problemas, terá de ser resolvido num esforço de cooperação; mas, de qualquer modo, as coisas não podem continuar a resolver-se como até aqui.
E, se o Estado tem gasto muito, as Misericórdias e as câmaras municipais têm-no acompanhado e em verdade excedido nos esforços de angariarem reservas para o desempenho das suas respectivas atribuições.
As Misericórdias e as câmaras municipais têm conseguido quase sextuplicar as suas receitas em vinte anos, enquanto as do Estado não chegaram a triplicar.
Acho difícil que as câmaras municipais possam conseguir ainda mais do que tem obtido, e, quanto às Misericórdias, penso que também não será fácil, por simples peditórios, angariarem mais dinheiro.
Lembro-me, e jamais esquecerei, de ter ouvido certo dia, em resposta a solicitações em que andava para qualquer obra de assistência, que dar dói. Disse-mo pessoa em condições, mas não com vontade, de ser generosa, e a sua resposta mesquinha ficou mesmo símbolo duma incompreensão que anda por demais generalizada para esperarmos vencê-la só pelos sentimentos.
O Sr. Manuel Domingues Basto: - Dói sobretudo aos que tem pouca vontade de dar.
O Orador: - Este estado de espírito faz-me convencer de que não é pela simples solicitação da caridade que se conseguirá todo aquele aumento de receitas que é necessário para resolver o problema.
E entendo não ser razoável que continue u pretender-se dos gerentes de instituições beneficentes, e em especial de Misericórdias, que aos trabalhos e canseiras da sua administração, que é preciso exerçam com desvelo, juntem mais os de peditórios, tornados, pela repetição e insistência, cada vez mais fatigantes e menos produtivos.
Nós, que somos uma assembleia política, não podemos esquecer que nos meios pequenos, onde há muitas funções a exercer e poucos dispostos a aceitá-las, os mesmos que num dia se apresentam como solicitantes
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tem no dia imediato de agir como mandantes, e ou falham no pedir por terem sido severos na autoridade, ou se lhes quebra a autoridade por terem sido atendidos no pedir.
Tudo me conduz à conclusão de que onde faleça a generosidade outro remédio não há senão o da coacção das contribuições privadas; e as medidas de compulsão ao dever social de prestar assistência, podendo estabelecer-se em bases suaves, porque largas, não esgotarão os generosos e assegurar-lhes-ão a ajuda dos indiferentes. É o caso de dizer que, substituindo ao muito incerto de alguns o pouco certo de muitos, permitirá assegurar com segurança, e suficiência as condições materiais indispensáveis à garantia de realização da assistência.
Nem a sugestão tem novidade. No relatório do Decreto-Lei n.º 32:255, que reorganizou os serviços da Misericórdia de Lisboa, encontra-se reconhecido que «compete ao Estado promover e impor, mesmo coactivamente, o dever social de prestar assistência», enquanto «à Igreja está confiada a missão de estimular o preceito religioso da caridade». E, por muito que se tenha procurado estimular o exercício da caridade, afirmando em vários diplomas, repetidamente, que o Estado e os corpos administrativos não têm no campo da assistência senão funções supletivas das iniciativas particulares, a verdade é que a força incoercível doa factos já obrigou a, prover a disposições de compulsão, introduzindo o princípio das derramas para fins de assistência na Lei n.º 1:998, de l5 de Maio de 1944. Aliás já houvera antes adicionais autorizados sobre as contribuições gerais do Estado, sistema que desapareceu com as reformas financeiras de 1928, mas deixou vivas saudades e um vazio, durante muito tempo mal prendido, nas administrações de muitas Misericórdias.
Mas as derramas, cuja própria existência legal me dispensa de mais extensa defesa desta minha proposição, pois o seu mesmo estabelecimento a contém toda, são de lançamento carregado de dificuldades burocráticas e inconveniências de execução prática. Por isso preconizo que a faculdade delas seja substituída pela outra, mais praticável, da cobrança de taxas especiais em adicionamento às contribuições gerais, nas condições de oportunidade e proporção que para cada circunscrição as condições locais justificarem e impuserem.
O Sr. Carlos Borges: - Os que são generosos pagam sempre.
O Orador: - Eu sei que se conta com eles, mas a experiência prova que não bastam às necessidades os generosos. Têm de ajudar também os que o não são.
O Sr. Carlos Mendes: - Isso seria colectar tudo.
O Orador: - Do que V. Ex. ª pode ter a certeza é de que esta contribuição é um princípio que :já se pratica, mas pela forma inadequada das derramas extraordinárias.
O Sr. Carlos Mendes: - Quanto mais se aumentarem colectas pior.
O Orador: - Não se aumentam. Eu pretendo que fique plena liberdade de acção e proposição aos responsáveis pela assistência. Desejaria ver a assistência entregue só às Misericórdias, mas, atendendo a que há pelo País fora apenas 261 hospitais seus e 303 concelhos, cabe perguntar como é que se asseguraria a assistência hospitalar nos outros 42 concelhos se a receita fosse unicamente destinada às Misericórdias e seus hospitais. E a solução dada pela contribuição adicional sobre
as do Estado, único meio viável e praticável de assegurar para já as receitas necessárias, mais do que necessárias, indispensáveis, estará em deixar a cobrança às câmaras, rodeada de todas as precauções cautelares para que não se desvie do seu destino e uma destas poderia ser a de condicionar cada nova cobrança à fiel e integral aplicação do produto da antecedente, e às câmaras o dever de entregarem o produto às Misericórdias respectivas para assistência hospitalar, só o podendo aplicar por si na falta de acção dessas Misericórdias. Simplesmente, a estas caberia então o encargo de todos os tratamentos de doentes pobres em hospitais locais e externos que o Estado não pudesse por eu lado garantir ou as instituições de previdência não assegurassem.
De uma forma ou de outra, é preciso resolver o problema da realização de fundos para encarar as duras realidades da crescente, da inevitavelmente crescente, carestia da assistência hospitalar. E preciso que se obtenham recursos materiais novos para dar o passo em frente, que não pode de modo nenhum evitar-se, pondo em termos novos e claros toda esta questão.
As condições da conversão necessária do estado actual das coisas são, em resumo, três: solução prática do problema das dívidas, revisão das receitas e dos encargos dos concelhos, sem exclusão de um só, de um só que seja, e redistribuição dos subsídios do Estado quanto à parcela que poderá ser distraída doa subsídios aos Hospitais de Lisboa quando acabe a porção de injustificada vantagem ainda consentida ao Município da capital em relação a eles.
A convicção de que a curto ou a longo prazo jamais se poderá conseguir pagar os 70:000 contos de dívida presumível levar-me-ia a sugerir a anulação pura e simples dos saldos de contas dos concelhos1 nos hospitais do Estado, mas reconheço a iniquidade relativa de uma tal solução, porque muitas câmaras procuraram honrar o seu compromisso, não sei se apenas por, mais felizes, terem podido, se por sentimento do dever, e ficariam assim em desigualdade com as outras que não pagaram. Mas neste problema há tantas desigualdades a sanar, que seria apenas uma mais.
E impõe-se, por tudo, um plano novo de identidade de posições, para se poder recomeçar a trabalhar em termos eficientes na assistência aos doentes pobres.
Depois de ter várias vezes insinuado e afirmado até que a Câmara Municipal de Lisboa, e destaco esta porque as suas condições estão muito acima das da que pode associar-se-lhe, deve ser chamada a pagar a sua quota-parte dos encargos, como todas as demais, quero todavia exprimir a opinião de que o termo de identidade deve ser estabelecido, não pela posição das outras em relação aos estabelecimentos locais, mas em relação aos hospitais regionais e centrais.
Não há com efeito em Lisboa acção privada que alivie u câmara como nos concelhos onde é essa que mantém os hospitais, nem será praticável provocá-la.
Que o Município de Lisboa, pois, suporte os 50 por cento dos custos aprovados de hospitalização que começam a ser debitados aos demais pelos doentes remetidos a hospitais centrais, ou a proporção diferente que venha fixar-se, estará certo e será justo; mais, talvez seja impossível de exigir.
Estas são as soluções que se me oferecem depois do exame do problema.
Confesso honestamente o sentimento íntimo e profundo de que, como é próprio dos espíritos limitados, me foi mais fácil ver o mal do que o remédio. Mas, se me abalancei a pedir que este assunto fosse tratado em aviso prévio, foi justamente na esperança de que, trazendo eu o meu contributo de dados, outros pudes-
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sem trazer o seu contributo de sugestões de solução realmente eficaz. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Miguel Bastos: - Pedi a palavra para requerer a generalização do debate.
O Sr. Presidente: - Está concedida a generalização do debate, o qual continuará na sessão de amanhã, cuja ordem do dia será a mesma que estava designada para hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
André Francisco Navarro.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Calheiros Lopes.
António Jacinto Ferreira.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Jorge Botelho Moniz.
D. Maria Baptista doe Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
Américo Cortês Pinto.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sonsa Campos.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Morarão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mandes do Amaral.
Joaquim de Oliveira Calem.
José Cardoso de Matos.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Pinto Meneres.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel França Vigon.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
Teófilo Duarte.
Vasco de Campos.
Vasco Lopes Alves.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL OE LISBOA