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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 147

ANO DE 1952 3 DE ABRIL

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 147 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 2 DE ABRIL.

Presidente: Ex.mo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mo. Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia. - Usaram da palavra os Srs. Deputados Mendes Correia, acerca da recente remodelação da orgânica, do Instituto para a Alta Cultura, Paulo Cancela de Abreu, para requerimentos dirigidos aos Ministérios das Corporações, da Economia e das Finanças, Carlos Manterá, acerca do decreto-lei que instituiu o Fundo de. Fomento e Povoamento, António de Almeida, sobre o mesmo assunto, Castilho de Noronha, que chamou a atenção para assuntos de interesse para o Estado da índia, e Sócrates da Costa, que se referiu à próxima viagem do Ministro do Ultramar à índia,, Macau e Timor.
Ordem do dia. - Continuou a discussão do aviso prévio ao Sr. Deputado Amaral Neto acerca das dividas das câmaras municipais aos Hospitais Civis pelo internamento e tratamento de doentes pobres.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Miguel Bastos, Ernesto Lacerda e Amaral Neto, que enviou para a Mesa uma moção.
Posta à votação, essa moção foi aprovada- por unanimidade.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente:-Vai proceder-se à chamada. Eram 16 horas e 10 minutos.
Fez-se a chamada, â qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Açaújo.
Albino Soares Pinto dois Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteres Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.

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Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Caídos de Assas Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luis da Silva Dias.
José Pinto Meneres.
Luís Manda Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa (Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 71 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Mendes Correia.

O Sr. Mendes Correia: - Pedi a palavra para me ocupar da recente publicação do Decreto n.º 38:680, que reorganizou os serviços do Instituto para a Alta Cultura, e para felicitar o Sr. Ministro da Educação Nacional pela atenção e interêssse esclarecidos que o assunto lhe mereceu.

A organização oficial da investigação cientifica no nosso pais tem uma história breve, poucos antecedentes. A pouco mais podemos aludir do que às iniciativas de D. João III e D. João V, estabelecendo bolsas de estado fora de Portugal e, o segundo, academias e museus para o desenvolvimento da cultura em certos assuntos, e, modernamente, tivemos a iniciativa de João Franco, criando igualmente bolsas de estudo no estrangeiro.

Simplesmente estas iniciativas não tiveram a continuidade que era necessária para frutificarem devidamente.

Foi, em 1929, o Ministro da Educação Nacional, Sr. Prof. Gustavo Cordeiro Ramos, quem lançou no Pais bases estáveis para o desenvolvimento da investigação científica e da alta cultura.

Os diplomas da autoria daquele ilustre professor foram reformados em 1936 pelo Ministro Sr. Prof. Carneiro Pacheco e, de novo, assistimos agora a uma reorganização nos respectivos serviços. No campo da investigação ultramarina, o Ministro Sr. Dr. Francisco Vieira Machado decretou em 1936 a criação da Junta das Missões Geográficas e de Investigações Coloniais, que foi reformada em 1946 pelo Ministro Sr. Prof. Marcelo Caetano. Esta iniciativa do Ministério do Ultramar - então Ministério das Colónias - constituiu como que um complemento da legislação metropolitana para uma extensão desta aos territórios do ultramar.

Julgo que é desnecessário, Sr. Presidente, pôr aqui em realce o mérito das novas organizações, quanto elas podem e devem ser prestantes para uma indispensável valorização dos recursos naturais e humanos do Portugal de aquém e de além-mar. O recente decreto-lei destaca da Junta Nacional da Educação o Instituto de Alta Cultura.

Atribui-lhe personalidade jurídica, concede-lhe autonomia financeira e administrativa, cria novos corpos consultivos e de planificação, separando as ciências das letras e a investigação cientifica propriamente dita da expansão cultural - isto é, da tarefa de difusão da língua portuguesa no estrangeiro e de propaganda da nossa cultura além-fronteiras -, estabiliza os serviços de secretaria e administração e prevê ainda a transformação de alguns dos actuais centros de estudo em institutos com carácter permanente e com investigadores também permanentes.

Nesta remodelação de serviços é feita justiça, que muito me apraz louvar, a antigos e zelosos servidores do Instituto de Alta Cultura, servidores que se encontravam em situação legal transitória e em condições precárias de remuneração.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Entendo que nada há a criticar, antes, pelo contrário, há muito a enaltecer neste diploma, cujos traços gerais, em linhas muito breves, acabei de dar. Apenas desejo sublinhar um facto do meu pouco agrado, ou seja a disposição no sentido de serem submetidas a homologação ministerial todas as deliberações do Instituto.

Entendo que, para ser verdadeiramente fecunda uma organização desta natureza, ela deve ser o mais possível autónoma, sobretudo do ponto de vista científica e do ponto de vista técnico.

Designadas as individualidades que hão-de superintender em organizações desta ordem, o Poder tem necessariamente de depositar nelas uma confiança suficiente para a gerência, pelo menos, do que constitui simples pormenor na existência e na actividade destes organismos.

Não estou agora falando apenas, do Instituto de Alta Cultura ou do novo diploma, mas de uma questão que interessa a nossa administração pública em geral.
Quer-me parecer que, nesta matéria os representantes do Poder - os Ministros - se preocupam demasiado com pormenores relativos a coisas por vezes insignificantes, restringindo assim o tempo necessário para se aplicarem a assuntos de maior monta e maior amplitude, a uma tarefa de superintendência e orientação superior.

É uma opinião pessoal que formulo; mas não hesito em a proclamar bem alto nesta Assembleia.

O diploma é precedido de um lúcido relatório, que merece o meu aplauso. Simplesmente faço uma pequena restrição à passagem de que parece depreender-se ter chegado o momento de nos despreocuparmos da formação dos investigadores individuais para pensarmos antes nos trabalhos colectivos, nos trabalhos de equipe.

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Por mim entendo que nunca cessará a necessidade de se promoverem a preparação e a formação de investigadores individuais.

Nunca poderemos ter um trabalho útil e fecundo de equipe sem repararmos as baixas dos seus quadros e ampliarmos estes com elementos novos. Portanto, a tarefa de formação de investigadores deve ser constante.

Por outro lado, julgo dever acrescentar às judiciosas considerações desse relatório e às disposições do diploma a afirmação de um critério pessoal que já por mais de uma vez tenho sustentado nesta Assembleia: a de que existe, por vezes, entre nós uma preocupação quantitativa que exclui a questão, não menos primacial, da qualidade.

Ligo uma importância muito grande não apenas ao número dos que trabalham, mas sobretudo à qualidade dos que trabalham ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -... e entre nós há, frequentemente, uma exclusiva preocupação quantitativa, que supõe tudo resolvido com a existência de certo número de indivíduos numa categoria ou função, tantos noutra categoria ou função, etc. A numerosos funcionários são preferíveis bons funcionários, funcionários competentes. O que interessa acima de tudo é a qualidade dos serventuários das organizações oficiais e privadas. - Um exemplo no que respeita às indústrias: quando aqui se discutiu o condicionamento industrial, houve ocasião de se pôr em evidência um certo número de defeitos da organização industrial privada, como o da carência quase total, nalguns estabelecimentos fabris, não de indivíduos altamente diplomados, mas de indivíduos altamente especializados. Não tenho desdém pelos diplomas, mas não tenho o feiticismo do diploma; estou assim no direito de condenar a primazia frequente dada entre nós ao empirismo, ao prático, pretendendo-se que a experiência pode suprir uma preparação-base e, ao mesmo tempo - e em matéria industrial isto tem uma importância enorme -, pode suprir um conhecimento dos incessantes progressos e aperfeiçoamentos mundiais na ciência e na técnica.

Além disso, devo dizer que estamos lamentavelmente deixando de aproveitar valores especializados em serviços e actividades públicas, com prejuízo da eficiência desses serviços e dessas actividades.

A recente catástrofe da Gibalta, que enlutou o País, evoca no meu espirito as recomendações de um ilustre professor de Geologia, o Sr. Carlos Teixeira, numa conferência notável que fez há meses, no sentido de que fossem chamados geólogos para dar o seu parecer especializado sobre a segurança de fundações em muitas construções. Quem melhor conhece a natureza e disposição dos terrenos do que os geólogos?

Pois temos em Portugal três Faculdades de Ciências, nas quais existe a licenciatura em Ciências Geológicas. E sucede, apesar disso, que nos próprios serviços geológicos, paradoxalmente, não há nenhum geólogo do quadro, mas sim apenas geólogos contratados no Laboratório de Engenharia Civil; e noutros serviços que estão trabalhando para resolver casos dos movimentos de terrenos, como na Gibalta, não há nenhum geólogo!

Para que temos então três licenciaturas em Geologia se, quando chega a altura de serem utilizados os serviços aos seus diplomados, os não empregamos?

Há o caso da auto-estrada, em que tudo se resolveu com elementos técnicos, quando é certo que os geólogos dispensariam a execução de muitas sondagens e revelariam que sob uma camada dura, sólida, pode estar um terreno destituído das condições necessárias para a segurança de fundações ou de suportes.

O geólogo tem competência especial para se pronunciar sobre a disposição de camadas de terrenos.

Um geólogo teria sido útil na solução do caso do desprendimento de terras na estrada de Queluz e noutros casos da mesma natureza. O que se passa neste domínio passa-se noutros. Conheço o facto de licenciados com alta classificação, de valores universitários especializados a distintos, que, vendo-se desaproveitados, recorreram a tarefas completamente diversas das suas especialidades, mas, certamente, mais lucrativas e onde, pelo menos, podem ganhar o suficiente para se manterem, bem como às suas famílias.

Não há muito assumiu a gerência de um estabelecimento industrial de ourivesaria de grandes tradições um licenciado com distinção num curso de Ciências Biológicas, que se aplicava com capacidade e entusiasmo a questões de biologia marítima, especialmente a um sector da zoologia - os briozoários -, o qual, vendo-se totalmente desaproveitado na sua especialidade, foi gerir o estabelecimento de ourivesaria de seu pai, estabelecimento, aliás, aureolado por uma tradição secular de justa fama.

Há perdas inevitáveis no aproveitamento dos investigadores, e é realmente lamentável que isto aconteça. Mas já Ramon y Cajal afirmava que nem todos os candidatos a investigadores se revelavam, afinal, capazes de êxito. Só uma parte deles tinha condições de triunfo. Mas que todos estes se aproveitem, que nenhum seja desperdiçado. Todos são poucos para o bem da cultura e do País.

A vizinha Espanha tem o seu Conselho Superior de Investigações Científicas, com uma dotação enorme, com uma formidável organização, um viveiro fecundo de valores intelectuais, com institutos de primeira ordem, com prémios para estímulo das actividades mais úteis e com a iniciativa da edição de numerosíssimas publicações.

Entendo que, nesta matéria de publicações oficiais, a disposição adoptada pela Assembleia Nacional nas últimas leis de meios sugere reflexões.

Evidentemente as publicações dos estabelecimentos científicos representam um meio de intercâmbio e uma afirmação do seu labor que nos prestigiam e à nossa cultura perante o estrangeiro. O ilustre Ministro das Finanças já assim criteriosamente o entendeu para publicações universitárias ou congéneres.

Não vou estabelecer confrontos noutros pormenores, a alguns dos quais já me referi nesta Assembleia; não vou citar, por exemplo, o caso do carinho manifestado de múltiplas formas em Espanha pelo ensino e investigação sobre a língua, a história e a cultura árabes.

Entre nós esses estudos estão hoje reduzidos à disciplina de Árabe no Instituto de Línguas Africanas e Orientais, anexo à Escola Superior Colonial. Em Espanha há residências para estudantes marroquinos, há dois ou três institutos da especialidade, há a revista Al Andaluz, do Conselho de Investigações, etc.
Eu creio que devemos olhar mais atentamente para as nossas tradições arabísticas, até mesmo no ponto de vista político, nesta hora em que no Mediterrâneo - do qual, apesar da nossa posição atlântica, constituímos um dos pólos espirituais e culturais - arde uma fornalha, que é o movimento árabe.
A Inglaterra, esse país em que a indústria, a técnica e a ciência tem o desenvolvimento que todos VV. Ex.ªs conhecem, não se considerou diminuída por mandar recentemente aos Estados Unidos comissões para averiguarem dos respectivos progressos científicos, pedagógicos e técnicos; os relatórios que estão publicados mostram que a Inglaterra muito ganhou com essas missões.
Não insistirei noutros pontos, e vou terminar formulando alguns votos: em primeiro lugar, que, tanto quanto possível, na regulamentação que se vai lazer do diploma

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a que me refiro se fortaleça a autonomia científica e cultural do Instituto de Alta Cultora.

Em segundo lugar, que no preenchimento das comissões e conselhos respectivos se procure equilibrar as representações dos vários sectores da ciência e da cultura, de modo que não haja preponderância de um sector sobre outros não menos importantes. Seria também necessário que, como é lógico, às comissões de investigação científica pertencessem só autênticos investigadores, e não eruditos sem qualidades de investigação.

Enfim - questão capital -, o Instituto de Alta Cultura, para eficiência do seu labor, precisa de ver as suas dotações muito aumentadas. Não se julgue que os seus trabalhos são apenas de carácter especulativo ou teórico. Na maioria eles são reprodutivos, têm valor prático. Só com uma dotação adequada o Instituto poderá ter toda a desejada utilidade e nos prestigiará, prestigiará a nossa cultura, no grau devido, perante o Mundo.

Aquela utilidade e esse prestigio valem bem o modesto encargo que o Instituto requer do Estado.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Vou enviar para a Mesa os seguintes

Requerimentos

"Requeiro que, pelo Ministério das Corporações, me sejam fornecidos urgentemente os seguintes esclarecimentos:

1.º Número de automóveis ligeiros pertencentes aos organismos corporativos dependentes deste Ministério que são utilizados por cada um destes organismos especificadamente ou pelos seus dirigentes;

2.º Despesas feitas com as aquisições, utilização (incluindo motoristas) e reparação durante os anos de 195O e 1951 com os mencionados automóveis ;

3.º Deliberações ministeriais ou instruções em vigor sobre este assunto".

"Requeiro que, pelo Ministério da Economia, me sejam fornecidas urgentemente as seguintes informações:

1.º Número de automóveis ligeiros pertencentes aos organismos de coordenação económica que são utilizados por cada um destes organismos especificadamente ou pelos seus dirigentes;

2.º Despesas feitas com as aquisições, utilização (incluindo motoristas) e reparação destes automóveis durante os anos de 1950 e 1951;

3.º Deliberações ministeriais ou instruções em vigor sobre este assunto".
a Para estudo e melhor compreensão das causas e objectivos da proposta do Governo sobre o número e utilização dos automóveis do Estado e porventura ainda para definitiva determinação das pessoas, entidades ou serviços que podem usá-los, requeiro que, pelo Ministério das Finanças, me sejam fornecidas urgentemente as seguintes informações:

1.º Número total de automóveis ligeiros pertencentes ao Estado actualmente existentes, com a indicação, por Ministérios, das pessoas, funcionários, entidades ou serviços que os utilizam;

2.º Verbas ou dotações pelas quais são satisfeitos em cada Ministério os encargos da sua aquisição, utilização e reparação;

3.º Número de motoristas ao serviço destes automóveis e seus vencimentos médios;

4.º Verbas totais despendidas com os encargos referidos nos dois números anteriores nos anos de 1950 e 1951;

5.º Cópia dos despachos ou instruções ministeriais ou da Direção-Geral da Contabilidade Pública e circulares em vigor sobre o número, a aquisição, a reparação e a utilização dos automóveis ligeiros do Estado ou números do Diário do Governo onde foram publicados".

O Sr. Carlos Mantero: - Sr. Presidente: ouvi ontem aqui alguns Srs. Deputados entusiasmados com o decreto-lei que instituiu o Fundo e o Capital de Fomento e Povoamento.

Não posso acompanhar SS. Ex.ªs no seu entusiasmo porque o decreto, em meu entender, não resiste à mais ligeira análise económica e em si mesmo contém o germe da própria destruição. Temo, por isso, que o mecanismo arquitectado para promover o fomento e o povoamento do ultramar nos afaste em vez de nos acercar deste alto objectivo, que é anseio unânime da Assembleia e do Governo e da própria Nação, no seu destino histórico.

Cria este decreto-lei um novo imposto e outras medidas castigadoras das detestadas mais valias, persistindo-se em ignorar a função económica do lucro em regime de concorrência. E, contudo, o lucro constitui a essência económica da livre empresa, que se funda na iniciativa privada e na concorrência. Sem aquele estas não existiriam. Quanto mais se atrofiar a função do lucro tanto menor será a iniciativa privada. De atropelo em atropelo extinguir-se-á esta mola real do progresso, esteio das liberdades humanas, e será o homem novamente crucificado no Gólgota pagão da omnipotência do Estado.

O decreto-lei poderá abranger todos os produtos do nosso ultramar que beneficiem de preços superiores aos de 1949.

S. Tomé, que é a província que represento nesta Assembleia, tem desde já, por disposição expressa do decreto, dois produtos naquelas condições - o cacau e a copra.
O Sr. Botelho Moniz: - Parece até que a cotação da copra actualmente é inferior à média das cotações de 1949, e nesta mercadoria, por agora, S. Tomé nada sofre.

O Orador: - Com efeito assim é. Mais adiante referir-me-ei a esta circunstância.
É triste, para quem conhece as coisas, ver como se desliza sobre os factos, e, portanto, sobre a verdade.

O Sr. Tito Arantes: - Estabeleceram-se as bases para o cálculo e, se amanhã se verificar que não há valorização, nada há a temer.

O Sr. Botelho Moniz: - Podem as supostas maiores valias não existia -, pela razão simples de o custo de produção ter sido extraordinariamente elevado.
De 1949 para cá, em muitos casos, as despesas com indígenas e outros encargos: fizeram com que o custo da produção subisse bastante, e isso não foi tido em linha de conta. Mas as diferenças de cotação entre 1949 e 1952 são colectadas.

O Sr. Tito Arantes: - Nos termos do decreto, para se determinar a sobrevalorização, não se atende apenas aos elementos activos, mas também aos passivos. Aliás, o contrário seria absurdo.

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O Sr. Botelho Moniz: - Pode haver casos, para determinadas mercadorias, em que a parte que se isenta aos produtores ou exportadores não é suficiente para cobrir os aumentos do custo.

O Sr. Tito Arantes: - O decreto estabelece também a forma de recurso. Seria, então, caso para se protestar contra a execução do decreto, mas não contra o princípio, que é inteiramente justo.

O Orador: - Porque se vai então tributar uma valorização que não existe?
O Sr. Armando Cândido: - Se não existe, V. Ex.ª pode estar descansado.

O Orador: - Sobrevalorizações em S. Tomé? Que dolorosa ironia! S. Tomé, que sofre desde há mais de trinta anos de uma prolongada crise agrícola, que tantas ruínas causou e da qual não conseguiu libertar-se, apesar dos esforços insanos e dos dispêndios avultados, feitos pelos proprietários agrícolas, muitos ainda fortemente empenhados; S. Tomé, que produziu no quinquénio de 1910-1914 uma média anual de cerca de 35:000 toneladas de cacau, que é o seu principal produto, e agora não produz mais do que 8:000 toneladas; S. Tomé, que vendia o seu cacau naquele quinquénio por 242$ ouro a tonelada, ou cerca de 315 dólares daquela época, que, ponderados pelos índices de preços de grosso do Department of Labour dos Estados Unidos, equivaleriam hoje a 507 dólares "lê igual poder aquisitivo, ou l6.386$ (seja 573:000 contos para as 35:000 toneladas, contra os escassos 160:000 contos que hoje valem as 8:000 toneladas que produz), como pode pretender-se que S. Tomé, que o cacau de S. Tomé, beneficie de qualquer espécie de sobrevalorização, desrespeitando a verdade cintilante dos factos?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas há mais. Tomando como exemplo uma das propriedades em que os custos de exploração são mais baixos e o cuidado com as plantações tem sido das mais esmerados, verificamos que no mesmo quinquénio de 1910-1914 aquela propriedade produzia, em média anual, 3:560 toneladas, no valor de 58:334 contos de hoje, e que em 1951 produziu 1:043 toneladas, que não valem senão 20:086 contos aos preços correntes no mercado.

Por outro lado verificamos que os lucros baixaram de 440 contos-ouro, ou 33 :572, contos de actual valor aquisitivo, para 16:559 contos em 1950, último ano de que há relatório publicado.

Porque se vai então tributar uma sobrevalorização que não existe? Como é que vem agora decidir-se, por decreto, que as plantações de S. Tomé e Príncipe, velhas plantações custeadas por alto preço em moeda forte, contando com as cotações do cacau corrente antes da guerra de 1914; como é que vem agora decidir-se que essas mesmas plantações, que sofreram as terríveis devastações do rubro-cinta e quinze anos de preços inferiores aos custos em numerosos casos, são extraordinariamente beneficiadas com sobrevalorizações que não existem senão na imaginação, que se alimenta de fábulas?

Da copra, a outra vítima, nem falo sequer, porque o seu preço internacional é neste momento inferior à média de 1949.

Na minha qualidade de Deputado por S. Tomé e Príncipe não posso deixar de considerar o decreto a que me estou referindo, na parte em que ele afecta esta província, como uma grave ofensa à justiça e à verdade.

Confunde-se cacau com volfrâmio, explorações permanentes, que empregam numerosos braços, funcionários administrativos e técnicos, com explorações ocasionais, como se se trai asse de coisas semelhantes, um caso temos custosas plantações e instalações agrícolas em que se empregaram fortes capitais, correndo consideráveis riscos e acumulando os prejuízos de longos anos de espera, cinco a sete, até à primeira frutificação útil das árvores; no outro trata-se de explorações sem prévios investimentos de qualquer importância nem riscos de tempo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Confunde-se desvalorização monetária ou redução do poder de compra da moeda com lucros, reincidindo-se no velho erro que tão graves consequências tem trazido à economia do País no esgotamento progressivo dos capitais flutuantes, que são a fonte dos novos investimentos, e na sua transferência da administração privada para a administração pública, amesquinhando a celebrada iniciativa privada, cujas virtudes as nossas leis fundamentais e os nossos estadistas não cessam de exaltar como pedra angular do sistema político e económico em que vivemos.

Porque se escolheu como ano-base o de 1949, e não qualquer outro, sabendo-se que aquele foi o ano de preços médios mais baixos do cacau dos últimos cinco anos?

O Sr. Vaz Monteiro: - V. Ex.ª dá-me licença? I

Isso é mais uma razão de beneficio para S. Tomé.

O Sr. Botelho Moniz: - E o contrário.

O Sr. Vaz Monteiro: - Eu sou o primeiro a prestar justiça aos proprietários agrícolas de S. Tomé, porque realmente fizeram uma obra que é o orgulho de Portugal. Mas, Sr. Presidente, o decreto que acaba de ser publicado presta exactamente essa justiça a esses grandes portugueses, acautela-lhes o futuro e, longe de os vexar - como disse o Sr. Deputado Carlos Mantero - , prepara o seu futuro, acautelando-lhes a segurança do produto.

Partindo de 1949, quando as cotações eram mais baixas, pode chegar-se à conclusão de que não há sobrevalorização, e portanto o decreto não se lhe aplica.

O Sr. Botelho Moniz: - Mas é exactamente o contrário, visto que o decreto actua por comparação entre cotações médias de 1949 e cotações actuais. Portanto, quanto mais baixa for a média de 1949, é evidente que mais alta é a, maior valia.

Simples questão aritmética ...

Assim tem razão o &r. Deputado Carlos Mantero e não tem razão o Sr. Deputado Vaz Monteiro.

O Sr. Vaz Monteiro : - Mas será tomado em consideração esse aspecto pelos serviços que constarem da regulamentação a fazer.

O Orador: - Os preços médios na Bolsa de Nova Iorque foram de 34.10 centavos de dólar em 1947, 38.85 em 1948, 20.56 em ,1949, 30.20 em 1950 e 34.12 em 1951; Escolheu-se, no entanto, o ano de 1949, que foi um ano de preços anormalmente baixos, como ano-base, sem se curar de saber se o conjunto das despesas de exploração, gastos gerais e impostos não teria agora atingido ou ultrapassado aquele preço.

Para a plantação de que lhes falei há pouco, que em 1908 tinha um capital -realizado de 3:600 contos-ouro - qualquer coisa como 300:000 contos (valor aquisitivo)

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de agora -, sem contar com as reservas, já então havia constituído, o resultado do ano de 1951 seria a seguinte, se o cacau (tivesse sido vendido da Bolsa de Nova Iorque em 1949:

1:043 toneladas a 20.56 centavos de dólar o arrátel ........ 13:728.000$00
A deduzir as despesas de S. Tomé ao armazém de Nova Iorque . 3:619.000$00
Líquido .................................................... 10:109.000100
Despesas totais da empresa em 1951 ..........................14:590.713$69

Não pode dizer-se que semelhantes resultados sejam um incentivo à fixação de capitais privados em África e, por consequência, ao povoamento.

Pois bem: considera-se tal situação como situação normal, acima da qual nada (seria o caso das exportações para os países da U. E. P.), ou menos de metade da sobrevalorização quando a exportação se faça para a América.

Supondo que a diferença classificada de "sobrevalorização" seja em 1952 de 7.000$ por tonelada, ficaria o comerciante exportador ou o produtor não exportador com 40,5 por cento livres, ou seja 2.835$. O restante seria em parte absorvido pelo novo imposto e em parte ficaria cativo. Os 2.835$ disponíveis corresponderiam u 2:956.905$ para as 1:043 toneladas produzidas pela empresa a que me- estou referindo.

Há-de convir-se que, mesmo acrescidos desta parte do suposto sobrepreço, os resultados antes (referidos ainda não permitiriam dar qualquer remuneração ao capital. Que preços seriam então necessários paia dar modesta remuneração -digamos 8 por cento ilíquidos - aos 300:000 contos investidos por esta empresa?
Mais do dobro dos actuais preços, sem qualquer dedução por sobrevalorizações.
Retendo Jia altura do embarque um mínimo de 52,5 por cento do sobrepreço, por força do decreto-lei II gora publicado, e retendo por força do Decreto n.º 38:659 o mínimo de 30 por cento por tempo indeterminado na ocasião da liquidação das exportações para os países da U. E. P., não receberão os produtores, no caso das exportações para estes países, mais de metade do preço de venda e, no caso das exportações para a América, uns 80 por cento, colocando-os, em muitos casos, em situação deficitária ou com tão poucos ganhos que não poderão cuidar convenientemente das plantações e da conservação das instalações agrícolas. Eis a triste sorte a que foi agora votada a empresa privada no ultramar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É a isto que se chama no decreto retirar a uma pequena parte dos lucros. Julga-se, porventura, iludir alguém sobre o destino do capital de fomento e povoamento? Certos produtores poderão obter em determinados casos a prioridade para a sua utilização em proveito próprio, mas a maioria dos produtores e o comércio exportador terão de receber os títulos dos empréstimos provinciais, a cuja subscrição parecem, na verdade, destinados os fundos daquele capital. Não se vê bem como será possível estabelecer mercado contínuo pura títulos provinciais de 3 por cento ilíquidos e, portanto, permitir aos seus possuidores transferi-los por venda na medida em que careçam de fundos para o próprio giro.

Tal como as coisas se apresentam, o comércio, não podendo dispensar aqueles fundos, terá de deduzi-los nos preços dos géneros que compra aos produtores. Com efeito, a margem normal de lucros não comporta a verba retirada por força do decreto, a qual excede umas poucas de vezes aquela margem.

Se considerarmos uma exportação de café ao preço de 400$ a arroba, com a sobrevalorização fixada em 150$, a comissão normal do exportador seria de 12$. e as verbas retiradas para o Fundo e para o Capital de Fomento e Povoamento seriam, .respectivamente, 25$50 e 63$75, no total de 89$25, que, evidentemente, aquela comissão de venda não comporta.

Será possível que se pense que todo o comércio de exportação é feito em pura especulação e consiste em comprar os géneros invariavelmente na baixa e vendê-los invariavelmente na alta, com uma infalibilidade que coloca o exportador na escala sobre-humaua pura além dos semideuses?

Mas então o que terá sido feito da concorrência, tão activa entre exportadores, que não são uma seita local, mas uma classe internacional, constituída por dezenas, por centos de milhares de unidades agressivamente rivais umas das outras, concorrência que tende a nivelar os preços dos mercados internos com os dos mercados externos, estabelecendo os chamados "preços internacionais"? E precisamente esta a função económica fundamental do exportador, a que não poderia eximir-se.

Se os preceitos da nova lei não forem modificados na sua aplicação, o comércio ultramarino será simplesmente eliminado ou terá, se quiser sobreviver, de pagar a menos aos produtores as quantias que a lei lhe levar. O que, afinal, se deixar ao produtor será incitamento suficiente à produção?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Dá-se, porém, em África a circunstância de haver uma fraca especialização no comércio. Em gemi as casas exportadoras são simultaneamente importadoras. Quando o exportador não pudesse retransmitir ao produtor os novos encargos, ele procurará ressarcir-se através do aumento dos preços de venda internos dos artigos de importação, determinando uma alta geral dos preços de retalho e, consequentemente, do custo de vida, alta maior do que a equivalência do novo imposto. Assim, o decreto-lei, de aparência deflacionista, transformar-se-ia, afinal, num novo factor de inflação.

O Sr. Botelho Moniz: - Alta maior que aquela que poderia ser produzida pela inflação que se pretendeu evitar.

O Orador: - Mas o tratamento desigual dado ao comércio, a quem se impõe uma penalidade de mais de 13,3 por cento do que ao produtor pelo exercício de uma actividade legítima e própria da sua função, e para cujo desempenho paga contribuição industrial, priva-o dos produtos das grandes empresas, que passarão a exportá-los directamente, em feroz concorrência umas com as outras e com o próprio comércio nos mercados internacionais, provocando a depreciação do produto.

Só os médios e pequenos produtores e os indígenas terão de continuar a vender ao comerciante exportador. Sobre eles recairá a incidência do diferencial imposto ao comércio. Serão, portanto, quem suportará o mais pesado sacrifício. Como justiça tributária não há nada mais perfeito! Como incitamento à colonização não há nada mais adequado!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas julgou porventura alguém, ingenuamente, que tudo isto se passaria sem que a vítima procurasse defender-se?

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Então não ocorreu a ninguém que se se "gravarem os custos de produção e outros encargos até ao embarque para além dos que recaem sobre os cafés nossos concorrentes da África e da América do Sul, cedo chegará o dia em que os produtores ultramarinos não poderão concorrer nos mercados internacionais com os produtores daquelas regiões e a produção de café em Angola, a nossa maior riqueza africana, cessará ou baixará consideràvelmente?

For esta forma estamos nós próprios a tomar medidas que favorecem a produção de cafés nos territórios estrangeiros e a desanimam nos nossos.

Então ninguém pensou que parte do café de Angola se produz em regiões marginais, onde o indígena só o vai colher em períodos de altos preços, e que deixará de o colher quando os preços sofrerem apreciável redução e não forem por ele considerados compensadores?

Não ocorreu a ninguém que os cafés de certas regiões de Angola, sobretudo onde prepondera a colheita indígena, encontram agora forte incitamento a escoarem-se através das fronteiras terrestres ou mesmo pela via marítima, para os territórios vizinhos, onde se lhes concede tratamento mais favorável, e que isto determina as consequentes correntes de importação invisíveis de divisas e de mercadorias estrangeiras em prejuízo das exportações da metrópole, da importação visível de divisas e das receitas públicas?

O Sr. Armando Cândido: - Mas então nunca mais se legislava, por medo ao contrabando. Não se pode jogar com essa ameaça.

O Sr. Botelho Moniz: - Não se trata de uma ameaça; trata-se de uma coisa efectiva.

O Sr. Armando Cândido: - Mus mo assim, como coisa efectiva, não é argumento.
O Orador: - É preciso conhecermos a realidade africana.

Nós não vivemos num mundo à parte, escondidos atrás de qualquer cortina. Vivemos no mundo real do Ocidente, agrupamento de economias interdependentes e intimamente ligadas entre si.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não nos esqueçamos também que é nos saldos das balanças comerciais do ultramar que a balança deficitária da metrópole encontra compensação para boa parte das suas deficiências. Na medida desta ajuda, isto é, do poder externo de compra que ela faculta, o ultramar contribui a impedir o abaixamento do nível de vida no continente. Por isso necessitamos de produzir no ultramar géneros essenciais para reforçar a nossa exportação metropolitana, fortemente desvalorizada pela preponderância de artigos de sobremesa. Tudo o que seja desanimar os produtores é prejudicar esta vantagem que o ultramar nos dá.

A leitura do decreto deixa claro no espírito de todos que se pretende fazer crer que os particulares têm descuidado a política de investimentos e que, por isso, o Estado terá de se substituir a eles, investindo directamente a melhor parte dos ganhos das explorações agrícolas e mineiras ou forçando os produtores a investi-los, quer queiram quer não, quer saibam, ou possam ou tenham na sua zona onde fazer investimentos produtivos, ou não.

Tal presunção de falta de iniciativa ou delapidação dos próprios ganhos da parte dos produtores e dos comerciantes é não só injusta como completamente errada.

O Sr. Armando Cândido: - V. Ex.ª desconhece que muitos lucros têm ido para o estrangeiro e que muitos outros têm sido investidos em despesas festivas em vez de reprodutivas?
_
O Orador: - Não creio na possibilidade de criar um mundo de virtuosos. Reconheço a existência de faltas. O mundo cristão é assim, feito de bons e de maus. Felizmente que os bons suo em maior número e é destes que me estou ocupando.

De feito, tudo quando de produtivo existe no ultramar se deve à iniciativa privada, aos homens de coragem e de fé que por lá tem andado a mourejar, trocando voluntariamente a cómoda mediania da metrópole pela grande aventura do sertão.

S. Tomé não aceita lições neste particular. S. Tomé, a pérola dos territórios (portugueses de além-mar, há mais de meio século considerada pelos estrangeiros como a colónia de plantação modelar, em que tudo o que a iniciativa privada poderia ter feito em matéria de investimentos se realizou à grande, sem mesquinhez, em que todos os terrenos cultiváveis estão aproveitados, onde a assistência ao trabalhador atingiu a mais elevada expressão de todo o território nacional, S. Tomé não carece que lhe digam que deve empregar "em fins estáveis uma parte dos lucros presentes".

É uma novidade velha para S. Tomé. Fê-lo sempre e continuará a fazê-lo. Para os agricultores de S. Tomé u função social da riqueza e o seu significado nacional integram-se no próprio conceito de Pátria e Deus.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - De 1940 II 1950 a empresa a que atrás me referi e escolhi como exemplo típico constituiu reservas para reinvestimento em S. Tomé no montante de 23:200 contos e distribuiu 28:610 contos de dividendos, sobre os quais o Estado recebeu na metrópole cerca de 8:000 contos de impostos, reduzindo, portanto, o que os accionistas efectivamente cobraram a pouco mais de 20:000 contos em seis anos.

Apesar de se tratar de propriedades exploradas há mais de cinquenta anos, onde nunca deixaram de fazer-se as necessárias replantações e a conservação e modernização das instalações e maquinismos, constituíram-se voluntariamente reservas para investimentos em montante consideràvelmente superior aos lucros efectivamente recebidos pelos accionistas e muito mais do que o decreto prevê. E assim sucede com quase todos os nossos roceiros, sem necessidade de violências ou compulsões.

Não tenhamos ilusões; o português de África é o melhor juiz das oportunidades. A sua devoção à terra que fecunda não pode ser posta em dúvida. A sua iniciativa superou sempre as insuficiências do Estado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Antes de estes senhores que agora pontificam sobre o ultramar terem descoberto a África Portuguesa já ela estava ocupada e explorada há muito tempo pelos comerciantes e pelos agricultores, sem carecerem de fortes guarnições para os protegerem.

Citam-se, para justificar determinadas orientações ou ideias, certos casos particulares que aqui nesta Assembleia foram repetidos e porventura ampliados. Eles são o preço que se paga pelos benefícios sem conta da iniciativa privada. Se a impedirmos de funcionar espontaneamente, estiolamo-la primeiro, e, se persistirmos, acabaremos por aniquilá-la.

Ficará depois o Estado só em campo com as suas iniciativas, quase sempre tardias e descoordenadas,

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com os seus erros totais ou as suas esplêndidas realizações, mas nunca atingindo aquele magnífico equilíbrio humano de alguns erros e muitos acertos que constitui a grande força da iniciativa privada.

Quando ela pára e descampa não julgue o Estado que é sempre por tibieza, mas porque é economicamente acertado parar. Romper autoritariamente ou por artifícios o ritmo natural de períodos mortos e períodos activos é correr para males maiores, por muito que isto pese aos devotos de Lorde Keynes.

Não fugiu o derreto às atitudes odientas contra o comércio. O artigo 3.º discrimina contra ele, penalizando-o em mais 13,3 por cento do que aos produtores, quando sejam exportadores o Mundo às avessas.
Quando o produtor invade uma função que lhe não pertence recebe um prémio e a vítima castigo.

Pode lá admitir-se que se criem situações de desigualdade entre empresas quando exercem a mesma função, neste caso a exportação?

O produtor, que recebe a totalidade da diferença entre o custo de produção e o preço, paga menos que o comerciante, que recebe apenas a sua comissão, que normalmente não excede 3 por cento, só porque houve umas pessoas que se; lembraram um dia de comprar um produto desvalorizado e guardá-lo em armazém, para o vender seis meses ou tini ano mais tarde por elevado preço.

Lesar todos os exportadores só para não deixar escapar uns poucos que muito lucraram é como se se mandasse prender um país inteiro só para se não deixar do prender um assassino.

São tantos os decretos, as portarias, os despachos, as ordens e instruções superiores que regulam ou afectam a exportação na metrópole e no ultramar, a confusão estabelecida é já de tal ordem, que ninguém sabe a lei em que vive. O comércio, enredado nesta Babel, não pode honrar os compromissos legalmente assumidos e o seu crédito vai sofrendo pelo Mundo rudes golpes. O desânimo é geral - e o desânimo não é bom conselheiro.

Não cessarei de repetir que o comércio foi e é uma força activa da Nação. Nào pode nem quer ser menosprezado. A Nação contou sempre com ele.

Vozes: - Muito bom, muito bem!

O Orador: - Procurei analisar o decreto nos factos em que assenta e nos seus imprevistos reflexos económicos.

Sou tão sincero como os mais na ânsia de um povoamento rápido a eficaz e no progressivo desenvolvimento da produção ultramarina., mas é porque considero, honestamente, que o diploma contraria os objectivos que se propõe alcançar que vim trazer à Assembleia Nacional o meu depoimento, inspirado pela própria experiência.

Ainda há poucos dias a urina vá nesta mesma sala que do eficaz funcionamento da nossa função povoadora depende em boa parte o futuro do mundo português e, portanto, da nossa posição e importância na comunidade das nações.
Porque assim julgo é que tanto me preocupa o êxito do nosso povoamento africano. Temo por isso os erros irreparáveis.

E à luz deste pensamento em que se recolhe a minha devoção à Pátria que desejo e espero que as minhas palavras de hoje sejam por todos interpretadas.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. António de Almeida: - Sr. Presidente: a exemplo dos ilustres Deputados Srs. Vaz Monteiro, Duarte Silva, Armando Medeiros e Carlos Mantero, também eu vou proferir algumas palavras acerca do Decreto-Lei n.º 38:704, que cria um organismo de fomento e de povoamento do ultramar português, financiado por determinadas verbas, entre as quais figuram as que resultam de lucros condicionados pela sobrevalorização de certos produtos ricos, indicando-se desde já o cacau e a copra de S. Tomé e Príncipe, o café, o sisal, o manganês e as sementes de algodão de Angola, e a copra, o sisal, a castanha de caju e as sementes de algodão de Moçambique.

Tratando-se de disposições legais de extraordinária importância para o engrandecimento económico e social das nossas províncias de além-mar cuja repercussão há-de sentir-se ali, rápida e fecundamente, eu, que ando preso ao ultramar apenas por sólidos laços de índole espiritual, não podia deixar de dar o meu inteiro aplauso a tão excelentes doutrinas, felicitando o Governo pela promulgação desta providência legislativa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Conquanto o pequeno mas bem elaborado preâmbulo do decreto-lei em referência enuncie claramente seus patrióticos objectivos, permito-me anotar, ainda que levemente, alguns passos que reputo de maior relevo.

Sr. Presidente: como é do conhecimento geral, as mercadorias ultramarinas valorizaram-se enormemente com a última guerra, sobretudo depois de 1949; se, mercê de esforços exaustivos operados no passado e no presente, os nossos colonos tem legítimo direito a substanciosas remunerações para o seu labor até como compensação material de sacrifícios heróicos, suportados em repetidos anos de crise, contudo as cotações médias relativas àquele ano já indemnizam suficientemente, tanto mais que nem o custo da mão-de-obra nem os vários impostos a que estão sujeitos a produção e o comércio se ampliaram na proporção em que se verificou a subida dos preços dos citados géneros.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: é pena que o interessante discurso do Sr. Deputado Carlos Mantero não dissesse concretamente a quanto sobem, em 1949 e em 1902, os custos do produção dos géneros de S. Tomé e Príncipe abrangidos pelo decreto-lei em apreciação, a fim de compará-los com as respectivas sobrevalorizações.

Se o Sr. Deputado Carlos Mantero me permitisse, convidava-o a elucidar a Assembleia sobre estes assuntos, porquanto considero estas informações fundamentais.

O Sr. Carlos Mantero: - Na propriedade a que no referi os custos subiam mais de 2:000 contos no período a que o Sr. Deputado se refere.
O Orador: - Perdão. Trata-se de quatro curvas: duas as do custo de produção e as outras as dos preços dos produtos; desejo saber se as curvas respectivas se desenvolveram de maneira semelhante ou se são divergentes.

Desculpe-me V. Exª. a insistência. Pedia-lhe a fineza de esclarecer a Assembleia a este respeito, pois julgo a sua resposta absolutamente fundamental.

O Sr. Carlos Mantero: - O que é que V. Ex.ª entende por curva de custo de produção? Quais as verbas a considerar ?
De resto V. Exª. está pondo a questão em termos diferentes dos pontos postos por mim.

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Comecei por não considerar nem justa nem conveniente a escolha que se fez de 1949 como ano - base. Por consequência não aceito a legitimidade deste primeiro termo de comparação..

A empresa que escolhi como exemplo tipo é conhecida como tendo os custos do exploração mais baixos de 8. Tomé. Esses já os dei a V. Ex.ª

O Sr. Mário de Figueiredo: - O problema é este: não se trata da diferença entre custo de produção e b rendimento de uma determinada empresa, pois não sabemos se a empresa administrou mal ou se administrou bem.

Trata-se de custo de produção e de rendimento, na generalidade da actividade económica que se considera, e, portanto, tem muita razão o Sr. Deputado António de Almeida quando diz que, para se chegar a uma conclusão, importa primeiro determinar só há divergência, e qual, entre o custo de produção e o rendimento, nos períodos considerados.

Enquanto isto não estiver esclarecido, tudo o que se disser é no ar.

O Sr. Tito Arantes: - .lá estamos em parte esclarecidos, pois o Sr. Deputado Carlos Mantero disse que na empresa que ele teve em vista nas suas considerações o aumento foi desta ordem: de 11:000 contos de despesa em 1949 para 14:000 contos actualmente, isto é, um pouco mais de 25 por cento.

Mas é necessário que o Sr. Deputado Carlos Mantero nos diga qual foi o aumento do preço do café, isto é, se foi de 25 por cento ou de 200 por cento.
O Sr. Carlos Mantero: - A análise que das despesas de exploração e dos rendimentos refere-se a S. Tomé e a cacau, e não a café, como o ilustre Deputado

Tito Arantes parece ter compreendido.

O decreto não fala de comparação de custos do produção e de preços, mas simplesmente da comparação dos preços médios de Nova Iorque e Londres em 1949 com os do ano em que a lei tiver aplicação. Esses números dei-os a V. Exª. relativamente a Nova Iorque quando fiz as minhas considerações.

O Sr. Tito Arantes: e não com dólares.

Nós aqui lidamos com escudos

O Orador:-Ninguém poderá dizer, por exemplo, que os proventos dos produtores do café não ultrapassam as fortes possibilidades lucrativas ansiadas pelo Sr. Deputado Carlos Mantero.

Com rendimentos deste quilate pode S. Exª. estar tranquilo, pois que apresente intervenção estadual não afugentará os capitais de Angola, nem esmorecerão as iniciativas particulares, nem tão pouco se desiludirão os ânimos dos grandes produtores ultramarinos, porquanto a margem de lucro mantém-se tão alta que não será fácil alcançá-la igual nas velhas sociedades europeias.

Esteja seguro o Sr. Deputado Carlos Mantero de que tanto os capitalistas metropolitanos como os estrangeiros continuarão a procurar Angola e Moçambique para investimento de seus fundos pecuniários, certos de que obterão compensadores rendimentos.

O Sr. Botelho Moniz: - V. Exª. dá-me licença: V. Exª. está a argumentar com o café, mas a argumentação produzida pelo Sr. Deputado Carlos Mantero foi o cacau.
Disse-se aqui, e muito bem, que o aumento de custo de produção, segundo as palavras do Sr. Deputado Carlos Mantero, tinha sido apenas de 20 por cento do valor do produto e que o aumento nos lucros tinha sido muito superior a 20 por cento; então conclui-se daqui que havia com certeza uma maior valia.
Ora eu às vezes também sei alguma coisa do movimento de preços, embora não fale em curvas.

O Sr. Deputado Carlos Mantero tem inteira razão se a sua argumentação partir dos preços de prejuízo, dos preços que não eram bastantes para cobrir em 1949, como, por exemplo, no cacau, o custo da produção e outros encargos. Ora como eu tinha dito que em 1949 os preços não eram bastantes, acho que a argumentação de S. Exª. não foi destruída.

O Orador:-Tenho a impressão de que o Sr. Deputado Botelho Moniz não ouviu bem o que afirmei, de contrário não diria que eu há pouco me reportei ao café. Eu pedi ao Sr. Deputado Carlos Mantero o favor de esclarecer a Assembleia, a fim de verificar-se se na verdade o valor dos encargos gerais, alimentação, alojamentos do pessoal, etc., enfim, os custos da exploração da copra e do cacau de S. Tomé e Príncipe, eram actualmente muito superiores aos de 1949; igualmente solicitei os preços destes produtos em 1949 e em 1952. Infelizmente, o Sr. Deputado Carlos Mantero não forneceu esses preciosos informes.

«Sem fé não há iniciativa, sem esperança não se fazem sacrifícios», disse o Sr. Deputado Carlos Mantero há dias num discurso pronunciado nesta Casa, no qual se mostrou demasiadamente materialista; se o móbil da expansão portuguesa fosse de interesse utilitário, não se teria levado a efeito e, porventura, Portugal não existiria como nação independente!

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Eu peço desculpa ao Sr. Deputado Carlos Mantero de ter de lhe dizer que foi menos justo, ao esquecer a notável actuação do Estado em favor do desenvolvimento e melhoria da produção ultramarina. A verdade manda proclamar que o valor e o crédito dos nossos produtos de além-mar se devem também em boa parte à acção governamental, efectivada por intermédio dos organismos de coordenação económica, e aos estabelecimentos bancários, em que o Estado tem avultados fundos.

Eis por que julgo razoável que do excesso dos lucros se reserve uma certa parcela para ser aproveitada na execução de grandes obras de fomento e colonização - para bem dos indígenas, os maiores obreiros da valorização ultramarina, melhorando as suas condições de vida, elevando-os socialmente; para bem dos civilizados, aumentando as suas possibilidades económicas; para bem da Nação, enfim, promovendo directa e indirectamente a fixação do nosso povo no ultramar.

Aliás, este tributo equivale ao que na metrópole incide sobre o volfrâmio, sucata, cortiça o resinosos, com a vantagem de ir ao encontro e de facilitar a consecução do supremo desejo nacional do nosso tempo: a colonização das terras de além-mar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Sr. Presidente: S. Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique atravessam uma fase de indomável prosperidade e, por isso mesmo, carecem de ser protegidas por especiais cuidados de higiene económico-financeira, atinentes a robustecer-lhes a orgânica e a evitar defeituoso emprego de seus dinheiros e consequentes desequilíbrios, que acarretariam prejuízos de toda a ordem, com os mais funestos efeitos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Não obstante muitos colonos já terem investido apreciáveis quantias no progresso e alargamento de centros populacionais e na criação de novas fontes

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de riqueza e modernização das existentes, é indispensável que os restantes portugueses de além-mar sigam estes exemplos salutares.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Sr. Presidente: estou convencido de que, graças às afortunadas normas legais agora estabelecidas, o progresso material e moral do nosso ultramar adquirirá novo e eficiente ritmo, e a nossa emigração para a África avolumar-se-á grandemente - as duas aspirações instantes de todos os portugueses, para seu maior proveito e bem-estar material, e não menor lustre e glória da Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Castilho de Noronha: - Sr. Presidente: o Diário do Governo de 18 de Março último publica um diploma que -desde já se pode assegurar- terá um profundo e acentuadamente benéfico reflexo nos interesses morais da Nação. É o Decreto n.º 38:684, que obriga os proprietários,, administradores ou gerentes das oficinas a que se referem os artigos 79.º e 80.º do Decreto n.º 19:952, de 27 de Junho de 1931, a enviar gratuitamente à Biblioteca Nacional de Lisboa, além dos exemplares mencionados no artigo l.º do Decreto n.º 25:134, de 15 de Março de 1935, mais um exemplar por cada uma das bibliotecas nacionais que funcionarem nas capitais dos territórios do ultramar.

Quer isto dizer que assim como, nos termos das disposições legais em vigor, está garantida a entrada na Biblioteca Nacional de Lisboa de todas as obras feitas ou publicadas em Portugal, do mesmo modo pelo decreto ao qual me refiro fica assegurado igual direito às bibliotecas nacionais das capitais das províncias ultramarinas.

A acertada medida, que pelo sen largo alcance cultural, é digna de incondicional e caloroso aplauso, orientou-se pelos mesmos princípios que levaram o Governo a tornar obrigatória a remessa gratuita de obras editadas em Portugal à Biblioteca Nacional de Lisboa.

Se, como o referido Decreto n.º 19:952 frisa na sua parte preambular, as bibliotecas e arquivos pertencentes ao Estado não são simples depósitos ou armazéns de impressos e manuscritos, mas organismos vivos da cultura e erudição; se as bibliotecas públicas representam uma das formas mais elevadas da educação nacional - forçoso é que o Governo lhes facilite o exercício de uma tão nobre missão, fazendo incorporar nelas o maior número possível de espécies, que elas porão à leitura pública.

Mas há mais. A execução da medida em causa contribuirá para a difusão em mais larga escala da Língua e cultura portuguesas, aproximando mais e mais as províncias ultramarinas da metrópole.
É principalmente por esta vantagem, de incalculável valor, que o diploma que o Governo acaba de publicar será acolhido com vivo entusiasmo em todos os pontos do território nacional.

As províncias ultramarinas são, pois, consideradas entidades beneficiárias do depósito legal a que o já mencionado Decreto n.º 25:134 se refere.
Só esta circunstância, Sr. Presidente, seria suficiente para justificar esta minha intervenção, pela qual me faço eco que, entendo, esse decreto deve ter nesta Assembleia.
Mas há outra, e muito especial, que não só a justifica, mas a impõe. É que o mesmo decreto dispensa especial atenção a Goa, a que não posso ser insensível.
No preâmbulo, depois de descrever as fases por que passou a Biblioteca Nacional de Goa, que, criada em 15 de Setembro de 1832, sob a designação de «Pública Livraria», em 5 de Outubro de 1836, enriquecida pelo espólio dos conventos, passou a denominar-se «Biblioteca Pública», e foi elevada a nacional pelo Decreto de 15 da Fevereiro de 1837, não devendo esquecer-se que um gabinete de numismática, que funciona como instituição anexa, mais a valorizou a partir de 1885, o decreto acrescenta :

Desde 1925, por força do Diploma Legislativo n.º 144, tem funcionado a biblioteca sob inspecção do Instituto Nacional D. Vasco da Gama, a importante organização cultural de tipo académico que tem com brilho e fidelidade representado a cultura portuguesa no Oriente. O próprio Instituto se instalou no seu vasto edifício.
Partindo donde parte, a encomiástica referência ao Instituto D. Vasco da Gama, de Goa, deve encher de legitimo orgulho essa prestimosa corporação, à qual me ligam estreitos laços e que conta já no seu activo assinalados serviços à causa da difusão da cultura portuguesa no Oriente, que é a sua razão de ser.
O decreto diz ainda mais isto:

Concedendo o princípio de depósito legal à sua Biblioteca Nacional, presta o Governo homenagem aos portugueses do Estado da Índia e proporciona-lhes um valioso instrumento para a crescente elevação do nível da cultura local e progressivo elo de ligação à mentalidade portuguesa.

Sr. Presidente: o Estado da Índia não pode deixar de se sentir desvanecido com um tão honroso quanto autorizado testemunho como o que contêm as palavras que acabo de reproduzir o que impõem à sua profunda gratidão o Governo que as exarou num tão importante diploma.

Mas não é só tanto; o decreto, na parte dispositiva (artigo 3.º), estatui:
O presente decreto terá imediata aplicação relativamente à Biblioteca Nacional de Goa e sucessivamente às demais bibliotecas nacionais do ultramar, à medida que estas dispuserem das convenientes instalações e mediante despachos de execução dos Ministros do Ultramar e da Educação Nacional.

Em face desta disposição, a Biblioteca Nacional de Goa pode desde já considerar-se beneficiária do depósito legal, tendo portanto direito à remessa gratuita das obras que se editarem em Portugal.

Está concessão vem ao encontro das necessidades da Biblioteca Nacional de Goa. Sendo, como é, por força das circunstâncias, pequena a sua dotação orçamental, não podia ela adquirir tantas publicações que se editam em Portugal. Com o privilégio do depósito legal, ela e o Instituto Vasco da Gama ficarão em melhores condições para difundir a língua e cultura portuguesas.
São, pois, enormes as vantagens de ordem cultural que da execução do Decreto n.º 38:684 advirão para o Estado da índia.

Sr. Presidente: o Estado da Índia tem ainda um outro motivo de satisfação, ao qual não quero deixar de referir-me, embora em breves palavras.

Parte amanhã para aquele Estado o índia, levando a bordo o Sr. Ministro do Ultramar, que vai em visita oficial às províncias do Oriente. Esta viagem marca o início da carreira de navegação regular para o Estado da índia, Macau e Timor.
A tão ansiada carreira não podia inaugurar-se sob melhores auspícios. Uma carreira que se inicia com a pré-

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sença do Sr. Ministro do Ultramar, que vai visitar precisamente as terras cujos portos serão nela demandados, pode considerar-se desde já estável e com todas as condições para um progressivo desenvolvimento.

Seria escusado encarecer as vantagens de ordem económica, como também de ordem política, que dessa carreira resultarão.

Nesta altura devo prestar a minha homenagem ao Sr. Ministro da Marinha, a cuja tenacidade e superior critério com que se esforçou por dotar a marinha mercante portuguesa com novas unidades se deve, em grande parte, a realização do que era unia velha aspiração do Oriente Português.

A nova carreira vem despertando o maior interesse e entusiasmo. Nem podia deixar de ser. A bandeira das quinas, que flutuará nos barcos da carreira, às brisas dos mares que banham essas remotas terras, será como uma mensagem afectuosa que a metrópole periodicamente manda aos povos do Oriente, a lembrar-lhes que, tendo-os longe da vista, não os tem longe do coração.

Nisto consistirá, decerto, a mais benéfica projecção que a carreira que se inicia trará no plano nacional.
Sr. Presidente: reiterando os meus votos por que decorra feliz a viagem do Sr. Ministro e desejando que a carreira que amanhã se inaugura seja coroada do melhor êxito, no animador conjunto de gratos acontecimentos que se tem sucedido com magnífica e profunda repercussão na vida das províncias ultramarinas, eu saúdo o despontar de uma nova era - era de prosperidade e de progresso para o ultramar.

E tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Sócrates da Costa: - Sr. Presidente: parte amanhã para o Oriente, em visita oficial ao Estado da índia, Macau e Timor, o Sr. Ministro do Ultramar.
O alto significado desta viagem foi posto em relevo nesta Assembleia na sessão de 29 de Janeiro último.

E então o ilustre Deputado Dr. António de Almeida disse que não seria inoportuno pensar que entre as mais importantes questões a encarar pelo Sr. Ministro figura aquela que se relaciona com o estabelecimento de uma linha de navegação marítima ligando com regularidade Portugal com os seus territórios do Oriente.

Eu, da minha parte, também considerei tais ligações marítimas directas para navios nacionais um dos factores mais importantes da integração cada vez mais perfeita e completa de todas as províncias dispersas na unidade da Nação Portuguesa.

Ao versar sobre o tema «a política económica do Império» em um dos congressos do mundo português integrados nas comemorações centenárias, o antigo Ministro do Ultramar Dr. José Ferreira Bossa aflorou com fundado optimismo o problema das ligações marítimas com as porções do território português no Oriente.
E disse que lhe parecia grave erro afastar a sua solução sob o infundado argumento de a falta de nítido interesse económico e até vantagem de ordem política», como se afirma num relatório publicado no Diário do Governo n.º 195, 2.ª série, de 21 de Agosto de 1936.

Com igual convicção o Governo do Estado Novo, numa ascensão serena para o plano da unidade de sentimento e de cultura dos povos que constituem a Nação Portuguesa, sacrificando quando é preciso o económico ao puramente nacional, no memorável Decreto-Lei n.º 35:875, de 24 de Setembro de 1946, considerou haver inegável interesses nacional no estabelecimento de uma carreira regular de navegação marítima para a índia, Macau e Timor.
Ê, pois, com a viagem ministerial, no paquete índia, que agora se inaugura essa carreira de navegação regular para o Estado da índia, Macau e Timor, prevista pelo aludido Decreto-Lei n.º 35:875.

Sr. Presidente: julga interpretar o sentimento da população do Estado da Índia ao fazer votos pelo êxito da viagem de S. Exª. o Ministro do Ultramar e pelas prosperidades da Companhia Nacional de Navegação, a quem coube fazer a exploração da carreira.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente:-Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Amaral Neto acerca das dívidas das câmaras municipais aos Hospitais Civis pelo internamento e tratamento dos doentes pobres.

Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Bastos.

O Sr. Miguel Bastos: - Sr. Presidente: o nosso ilustre colega Deputado Amaral Neto realizou ontem o seu aviso prévio sobre o encargo dos municípios com o tratamento dos doentes pobres. E fê-lo com muito brilho e com clareza inexcedível.

Intervenho no debate, não para acrescentar qualquer coisa de novo ao que foi dito, porque isso seria impossível, mas tão-somente para dar testemunho modesto testemunho do interesses e valor dos problemas colocados em discussão por força deste aviso prévio.

Realmente tudo foi dito. Interessante bosquejo histórico, posição do problema no grande plano nacional desenvolvido pelo Governo na defesa da saúde pública, estado actuai da questão em si, possíveis soluções. Tudo foi dito e admiravelmente dito.

Que me resta, pois, dizer? Glosar comentar à margem algumas das questões postas, e mesmo assim certo da insuficiência do glosador.

Tal como o ilustre Deputado Amaral Neto, começo por uma questão prévia.
Sempre que se trata do problema dos encargos municipais com o tratamento dos doentes pobres logo surge a questão»da actual posição financeira das câmaras. E, como é natural, estoutro problema, dada a sua grandeza e acuidade, logo cria um estado digamos de excitação que, não raras vezes, abafa por completo o problema que verdadeiramente se deseja equacionar.

E evidente e creio que indiscutível que a causa primeira que provoca o mal-estar resultante do encargo que para as câmaras representa o tratamento dos doentes pobres nasce de a grande maioria dos municípios se debater nesta hora com uma difícil e angustiosa situação financeira.

Mas a verdade é que u questão que ora discutimos, se não comporta uma solução total fora da solução do problema financeiro das câmaras, visto no seu conjunto, permite, sem dúvida, a adopção de medidas de aplicação imediata, que estabeleceriam uma justa melhoria nas coisas tal como actualmente se encontram.
Eu sei que estamos todos de acordo no valor e no interesses que há nas soluções de conjunto, mas infelizmente nem sempre por elas se pode esperar, e mal vai quando se quer obter o óptimo perdendo-se o bom, ou mesmo não sendo o bom aquilo que em dado momento é o que humanamente é possível obter.

Por isso, ao tratar este assunto, vou procurar esquecer, tanto quanto é possível, o caso das pobres finanças municipais e limitar-me estritamente ao caso dos encargos que para as câmaras advêm de terem de suportar as

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despesas com o tratamento dos doentes pobres residentes na área dos seus concelhos.
Ponho como esquema das minhas considerações o analisar:

a) O regime actual da responsabilidade dos municípios com o tratamento dos doentes pobres residentes na área do seu concelho. Seus inconvenientes. Necessidade da sua alteração;

b)0 caso de pagamento da dívida, neste momento existente, das câmaras aos hospitais.

Segundo o regime actual, as câmaras são responsáveis pelas despesas feitas pelos doentes pobres residentes na área do seu concelho admitidos, com guia de responsabilidade por elas passada, nos Hospitais Civis de Lisboa, nos Hospitais da Universidade de Coimbra, no Hospital Escolar, na Maternidade Dr. Alfredo da Costa, no Instituto de Oncologia, no Instituto Dr. Gama Pinto e no Hospital de Santo António, do Porto.

São ainda responsáveis as câmaras pelas despesas feitas pelos doentes assistidos nos hospitais atrás referidos quando ali admitidos de urgência.
E aqui começa todo o mal.

Como em tudo da vida de hoje, a cidade, e em especial a capital, constitui a grande miragem dos nossos dias.

Nos meus tempos de rapaz vir a Lisboa era ainda acontecimento de monta. Depois as famílias abastadas começaram a achar ser de bom tom ter casa na capital. Mas as coisas ficaram, durante muitos anos, por aqui.

Tudo, porém, se modificou. Começou por se concentrar em Lisboa (eu falo sempre de Lisboa porque só conheço verdadeiramente o que se passa no Sul do País; é natural que fenómeno idêntico ao que refiro para Lisboa se passe no Norte e Centro com o Porto e Coimbra) toda a indústria, as grandes oficinas aqui se instalaram, não há grande comerciante ou industrial que não tenha nesta terra o seu escritório. O Estado viu-se na necessidade de alargar os seus serviços para ocorrer às maiores necessidades da vida pública; houve que criar, pela mesma razão, novos departamentos. O aparecimento da organização .corporativa e da de coordenação económica, centralizando-se em Lisboa, promoveu larguíssimos recrutamentos de pessoal. O largo desenvolvimento das vias de comunicação fez saltar os sossegados provincianos da quietude das suas terras- para a vertigem das estradas. Tudo concorreu, assim, para um grande apelo de gente a caminho de Lisboa. Por esta forma, esta terra converteu-se numa nova Meca, onde se vem buscar cura para todos os males, alívio para todas as dores.

Uma vez estabelecido o princípio da obrigatoriedade de as câmaras pagarem as despesas do tratamento dos doentes pobres em hospitais de Lisboa, humanamente se compreende que aqueles, ao insistente rebate da dor, já se não considerem assistidos se não forem vistos, examinados, medicados aqui, nesta cidade, cabeça da Nação, capital do Império.

Ë certo que as câmaras controlam a passagem das suas guias de responsabilidade exige-se o parecer do médico assistente, o visto do médico municipal, a declaração do hospital local de que o doente não pode ali ser tratado, etc. , mas tudo* isto desaba, porque se o doente não obtém deferimento, por esta via, ao seu desejo de vir para Lisboa, abandona tudo, vem até cá, pede e solicita a este mundo e ao outro e acaba por ser admitido de urgência.

O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Assim uma espécie.

O Orador: - Exactamente; diz V. Ex.º muito bem.» Eu sei, por observação directa, como se tentou trabalhar em muitos lados com interesses na organização de bons serviços locais de assistência médico-cirúrgica, mas cedo se verificou que o esforço despendido - apesar das evidentes vantagens que estava patenteando- era impossível de manter.

A existência daquela porta de saída da urgência gorou todos os esforços feitos nesta matéria. Daí o cruzar de braços desalentado da parte dos administradores da coisa municipal e o entrar-se abertamente no campo perigoso do inevitável, origem de todo o desinteresse, fonte propícia para todo o amolecimento de acção.

E verdade que a lei manda que os hospitais comuniquem às câmaras as admissões feitas de urgência, para esta ser por elas apreciada, mas bem se compreende que é difícil, senão impossível, discutir com os directores clínicos, que passam o atestado de admissão de urgência, se houve ou não esta urgência, pois a verdade é que todas as doenças a comportam e mal feridos ficariam na quase totalidade dos casos os administradores municipais lutando em assuntos médicos com os directores clínicos dos hospitais.

O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Mas nem sempre comunicam as admissões por urgência. Na quase totalidade dos casos nada dizem.

O Orador: - Mas eu parto da melhor hipótese: é de que se cumpre a lei.
Parece-me, pois, que seria urgente tirar da responsabilidade das câmaras as despesas com o tratamento dos doentes pobres admitidos de urgência. Penso que com esta medida daríamos um largo passo na solução do problema que hoje aqui estamos debatendo. Não só é muito grande o número de doentes que entram por esta via nos hospitais de Lisboa, como é origem de verdadeira anarquia pura a administração municipal a existência de um tal sistema de criar despesas imprevistas por ordem e determinação de entidades alheias à vida municipal. Mas o pior de tudo isto é ainda o facto de, como já assinalei, este sistema provocar evidente desinteresse por parte da administração local em organizar nas terras sujeitas à sua jurisdição uma assistência que permita resolver ali, com grande economia, a maioria dos casos que hoje são mandados para os hospitais centrais.
Repito: estou na convicção de que este princípio, uma vez adoptado, de excluir da responsabilidade das câmaras o pagamento das despesas com os doentes admitidos de urgência traria uma benéfica disciplina ao assunto, que se traduzia com certeza numa grande diminuição nos encargos municipais e numa melhoria nos serviços que pela província, neste momento, defendem a saúde e a vida das nossas populações rurais. E este parece ser um aspecto muito importante, que não deve deixar de ser considerado.

E certo que a actual organização hospitalar prevê com os seus hospitais regionais e sub-regionais e postos de socorro uma larga extensão para a assistência médico-cirúrgica.

Mas, enquanto não é possível levantar toda esta obra, poderiam as câmaras, aliviadas de grande parte dos encargos com os hospitais centrais, organizar, de acordo com as Misericórdias, eficientes serviços que pudessem fixar ali médicos, a quem já se poderiam garantir vencimentos - base que lhes permitiriam deixar Lisboa, Porto ou Coimbra para viverem em terras modestas da província.

A este respeito é curioso relembrar o que disse nesta tribuna, há poucos anos, o nosso distinto colega Araújo Correia. Dos 5:187 médicos existentes no País em 1947, 1:618 exerciam a sua actividade em Lisboa, e nos distritos de Lisboa, Porto e Coimbra havia em actividade 3:146 médicos, ou seja 60 por cento do total, ficando para todo o resto do País os 40 por cento sobrantes.

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5 DE ABRIL DE 1952 643

Seguindo-se, pois, o sistema sugerido, não só se obtinha apreciável contributo para a solução do problema em debate, mas, simultaneamente, se ia cooperar numa campanha de fixação à terra, tão útil e tão necessária.
Ainda neste aspecto do problema que estou analisando eu desejaria acrescentar uma palavra.
Na responsabilidade que às câmaras cabe no tratamento dos doentes pobres não está incluído o que se despende com os doentes que sofrem de tuberculose.
Parecia-me que esta posição se devia estender aos que sofrem de doenças mentais e aos cancerosos. Para o tratamento dos primeiros contribuem as câmaras com 50 por cento das despesos; para .os últimos com a despesa total.
Compreendeu o Governo que as despesas com o tratamento dos doentes atacados de tuberculose não deviam recair sobre os municípios, certamente por este mal comportar aspectos sociais gerais que convinha fossem atacados no plano nacional. O mesmo, a meu ver, se deve considerar para os doentes atacados por doenças mentais ou pelo cancro.
O tratamento destes doentes, porque exige formas de combate especiais, uma técnica especializada e aparelhagem própria, só pode realizar-se em dois ou três pontos do País, o que obriga a largas deslocações e longas estadas para tratamento, e é, normalmente, muito demorado.
Se analisarmos detidamente os encargos municipais derivados das despesas com os doentes pobres, logo havemos de constatar que são as despesas com estes doentes que mais pesam nos débeis orçamentos municipais.
Parecia-me, pelo exposto, que seria justo que também neste ponto o regime actual fosse alterado, deixando de constituir para as câmaras despesa obrigatória a resultante do tratamento dos doentes pobres atacados de doenças mentais ou pelo cancro.
Supondo que as câmaras continuam a ter entre as suas obrigações a de custearem as despesas com os doentes pobres no seu concelho, e certo de que este encargo irá sempre aumentando, pôs o Sr. Deputado Amaral Neto o problema de se obter novas receitas para ocorrer a esta despesa.
Pelo que já disse, penso que, se tirarmos da lei a responsabilidade das câmaras pelas chamadas admissões de urgência, se retirarmos igualmente da sua responsabilidade as despesas com os doentes cancerosos e dos que sofrem de doenças mentais, à semelhança do que já sucede com os tuberculosos e os infecto-contagiosos, o problema de futuro está - sinceramente o creio - muito simplificado e creio que se entrará num regime possível de suportar, uma vez revista a posição financeira dos municípios em Portugal.
Parece-me muito arriscado o sugerir desde já, para este fim, um novo adicional às contribuições cobradas pelo Estado.
Não sei ao certo qual é hoje a medida exacta da capacidade do contribuinte, mas, pelo que conheço da vida económica nacional, parece-me que o estabelecimento de uma nova tributação permanente seria, neste momento, pouco recomendável. Bem basta que, para salvar a vida-financeira dos municípios, haja que rever todas as suas fontes de receita e, possivelmente, agravar, numa ou noutra, o índice da tributação.
Apesar de todos os inconvenientes, julgo preferível manter-se o sistema do Estatuto da Assistência, que prevê o lançamento de derramas extraordinárias quando as necessidades plenamente as justifiquem. Elas já agem como um adicional das contribuições pagas ao Estado, mas sem o perigo de imposto permanente, que, uma vez lançado, ficará eternamente a pesar na economia do contribuinte.
E passo ao último aspecto que indiquei para análise destas minhas considerações:
o do pagamento da dívida neste momento existente das câmaras aos hospitais.
Eu estou um pouco embaraçado ao falar deste aspecto do problema, pois passei já por duas câmaras - como presidente - que constituem, no dizer do Sr. Enfermeiro-Mor, em informações prestadas a esta Assembleia em Dezembro de 1949, exemplo das que cumprem o dever administrativo de pagar aos hospitais as despesas dos doentes por cujo tratamento se responsabilizaram.
No entanto, suponho que não saio do estrito campo da justiça se disser, como de resto já muito bem frisou o Sr. Deputado Amaral Neto, que a simples anulação da dívida constituiria solução bastante injusta em relação às câmaras que, com sacrifício, liquidaram as suas contas, diminuindo assim as suas possibilidades de realizações locais.
Parece-me, porém, inteiramente defensável o critério da moratória, estabelecendo-se para o pagamento da dívida um prazo muito largo, a fixar de acordo com as possibilidades de cada. unia rias câmaras e respectivas necessidades locais.
A Direcção-Geral de Administração Política e Civil do Ministério do Interior estudaria o assunto através da inspecção administrativa e fixaria, ouvidos os interessados, o prazo e o montante a pagar em cada caso.
Esta solução, parece-me, não traria quaisquer complicações na sua adopção. Os próprios hospitais nada teriam a perder. Quando em Março de 1950 tratei aqui deste assunto tive ocasião de frisar que o Estado tem sempre coberto por meio de subsídios toda a deficiência de receitas dos Hospitais Civis, o que tem até permitido aqueles passarem todos os anos com saldos positivos de gerência.
Julgo, pois, que se podia ir para a solução da moratória, nos termos propostos, sem receio de que com ela se viesse a causar prejuízo à vida hospitalar dos nossos primeiros estabelecimentos de assistência médico-cirúrgica.
Quero ainda frisar -seguindo inteiramente na esteira do que foi afirmado pelo ilustre autor deste aviso prévio- que no estudo desta moratória, suas condições e prazo se deveria estabelecer um sistema especial para as câmaras limítrofes de Lisboa.
Os casos de Almada, Seixal e Barreiro ilustram perfeitamente esta tese. Quer pela sua posição geográfica - a dois passos de Lisboa -, quer pela natureza da sua população grande parte dela aqui faz a sua vida te aqui cria riqueza-, estas terras devem comparticipar em larga escala do regime de quase isenção em que tem vívido durante todos estes anos a própria Câmara Municipal de Lisboa. Para estes casos não me repugna nada que, além da moratória, se vá para uma larga redução da dívida, o que seria justo e até, em certa medida, moral.
Estou, Sr. Presidente, bem envergonhado por ter toma do tanto tempo à Assembleia e, afinal, ter carreado tão poucas achegas para a solução do assunto que estamos discutindo.
Peço muitas desculpas e com elas termino.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Ernesto de Lacerda: - Sr. Presidente: pretendo apenas em breves palavras mostrar a minha inteira concordância com o aviso prévio apresentado pelo nosso ilustre colega Sr. Amaral Neto, a quem felicito vivamente por trazer a esta Assembleia, por forma tão bri-

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lhante, completa e elucidativa, um assunto de tão alto interesse para a vida dos nossos municípios e, consequentemente, para a vida administrativa do País.
Na verdade, S. Exa., pela clareza da sua exposição, largamente documentada, conseguiu dar-nos uma visão nítida do problema que estamos apreciando.
Os encargos com o tratamento de doentes pobres em hospitais constituem um pesadelo para as câmaras municipais, um dos seus mais graves problemas, uma das maiores dificuldades para a sua vida financeira.
Por imperativo da lei - o n.º 7.º do artigo 751.º do Código Administrativo - a administração municipal é obrigada a satisfazer «as despesas com o tratamento e transporte de doentes pobres residentes no concelho admitidos por guia passada pela câmara municipal» para os vários hospitais.
Assim, a par de muitos encargos que pesam sobre os municípios, tantos que seria fastidioso fazer aqui a sua enumeração, alguns deles dizendo respeito a serviços e interesses que podem considerar-se alheios aos concelhos, não tendo qualquer compensação na receita, as câmaras vêem-se compelidas a despender avultadas quantias com o tratamento dos doentes.
Muitas vezes as suas disponibilidades não são suficientes para suportar este encargo e daí resulta uma situação que se vem agravando constantemente com o internamento e tratamento de novos doentes, avolumando-se até atingir cifras verdadeiramente astronómicas os débitos dos municípios.
Mesmo quando as câmaras conseguem ir pagando com regularidade estas despesas sentem que este encargo torna cada vez mais limitada a sua acção com vista à prossecução dos seus fins, designadamente no que se refere às realizações e melhoramentos de interesse público local.
A situação é deveras embaraçosa: por um lado a lei administrativa a impor o dever de prestar assistência aos doentes pobres, dever que por ser dos primeiros deveres da sociedade estava indicado que coubesse à Administração Central; por outro lado, as dificuldades de ordem financeira que são consequência necessária do cumprimento, pelos municípios, desse dever, colocando-os por vezes na impossibilidade de satisfazer as necessidades mais urgentes de progresso e de bem-estar das populações.
É evidente a acuidade deste problema, e por isso em boa hora ele foi apresentado à consideração desta Assembleia.
Já há muito tempo que as câmaras municipais o vêm agitando, reclamando medidas que as libertem tanto quanto seja possível deste encargo, que ameaça seriamente a actividade municipal.
Oxalá este debate possa contribuir para que seja encontrada a desejada solução.
Não ocupo o difícil cargo de presidente de uma câmara municipal.
Sei porém, pelo que se passa no meu concelho e noutros cuja vida conheço, que os múltiplos encargos que pesam sobre as suas receitas trazem as maiores dificuldades ao desempenho da sua complexa e patriótica missão.
O principal problema dos' municípios é o problema financeiro: falta da receita suficiente para acudir às necessidades mais urgentes, e imperiosas.
Na hora presente são tão primordiais para qualquer aglomerado populacional as vias de comunicação, o abastecimento de água, a iluminação e energia eléctrica - para só falar nalgumas das mais instantes reivindicações dos povos - que a falta deles revela um baixo e lamentável nível de vida, incompatível com a nossa civilização.
E a verdade é que a maior parte dos nossos concelhos, especialmente dos concelhos rurais, não tem disponibilidades financeiras que lhes permitam dar satisfação a estas prementes necessidades colectivas.
Quando em 1947 foi discutida nesta Assembleia a crise dos municípios o nosso ilustre colega Sr. Araújo Correia apresentou um quadro, que classificou de doloroso, da vida de muitas das nossas câmaras municipais, apontando a modicidade das suas receitas.
Por esse quadro se verificava que das 272 câmaras quase metade tinham receita inferior a 000 contos e apenas 71 a tinham superior a 1:(XX) contos.
É natural que de então para cá a situação se tenha modificado.
A receita dos municípios deve ter subido, acompanhando gradualmente a evolução dos factores económicos donde deriva, mas essa subida é, sem dúvida, em ritmo demasiado lento, se considerarmos as crescentes necessidades a que é necessário fazer face.
Ainda muito recentemente a Portaria n.º 13:803, de 17 de Janeiro de 1952, concedendo o novo suplemento de 10 por cento dois funcionários administrativos, suplemento considerado insuficiente, criou mais um aumento de despesa para as câmaras municipais, agravando portanto as suas dificuldades.
Eu sei que o Governo, reconhecendo os altos serviços que os municípios têm prestado na tarefa restauradora do País, tem procurado com subsídios e comparticipações suprir a sua carência de meios.
É graças ao apoio do Estado que as câmaras municipais, apesar dos seus magros rendimentos, têm conseguido resolver alguns dos seus mais instantes problemas e ir executando, pelo menos parcialmente, os seus planos de actividade, tão necessários para satisfazer os justos anseios das populações.
Mas às vezes as receitas dos concelhos são tão pequenas que lhes não permitem fazer face a esses subsídios e comparticipações, que acabam por se perder.
Acresce que, mesmo em Portugal, apesar do ambiente de ordem, de paz e de trabalho em que felizmente temos vivido, se fazem sentir as consequências da crise e da perturbação social e económica que o Mundo atravessa.
Daí as dificuldades também criadas à vida do Estado, que se vê obrigado a despender uma parte apreciável dos seus recursos em fins de defesa militar, de acordo com outras nações e com vistas a conjurar a grave ameaça que pesa sobre a nossa civilização.
Prestando o nosso contributo nesta luta, é natural que o esforço restaurador que vinha espalhando pelo País uma série admirável de realizações sinta um abrandamento e que o Governo não possa ir tão longe como desejaria na concessão dos auxílios que tem prestado às câmaras municipais.
Por isso o problema agora apresentado à Assembleia o foi no momento mais agudo. É necessário, na verdade, fazer quanto seja possível para melhorar a situação dos municípios, reduzindo ou eliminando muitos dos encargos que pesam sobre os seus orçamentos.
Conjugado com outros, o encargo do tratamento dos doentes pobres mostra-se insuportável para a grande maioria das câmaras municipais, que por esta razão contraíram débitos tão avultados que é impossível solvê-los, sob pena de as reduzir à incapacidade para a prossecução dos seus fins.
Será, portanto, necessário que se tomem medidas quanto ao passado: anulando esses débitos ou permitindo a sua amortização a um prazo longo.
Quanto ao futuro, é igualmente necessário que se estabeleça um novo processo que elimine ou atenue acentuadamente o encargo com o tratamento dos doentes pobres pelos municípios.

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Indo de certo modo ao encontro desta necessidade, S. Ex.ª o Sr. Subsecretário da Assistência mandou executar nos hospitais, por um despacho de Janeiro do ano corrente, o regime de porcionismo, estabelecido na Lei n.º 1:998 e regulado pela circular da Direcção-Geral da Assistência de 10 de Julho de 194G.
Trata-se, naturalmente, de uma experiência. Não creio que estas medidas a cujo espírito presto justiça - sejam suficientes para resolver o problema. A grande maioria dos habitantes dos concelhos rurais é pobre, possuindo bens ou rendimentos de muito pequeno valor e vivendo quase inteiramente à custa do seu trabalho de cada dia.
Assim terão necessariamente do ser incluídos nos primeiros escalões - os de 10 ou 20 por cento -, o que significa que as câmaras municipais, tendo o encargo dos restantes 90 ou 80 por cento, não vêem a sua situação melhorada, visto os dados do problema não sofrerem alteração apreciável, tanto mais que as diárias de internamento sofreram um pequeno acréscimo.
Creio por isso que é necessário ir mais além.
Sabemos bem que os serviços de saúde e de «assistência tem merecido ao Governo a melhor atenção, sendo constantemente aumentadas as suas dotações com o objectivo de os aperfeiçoar.
É que tanto no Ministério do Interior como no Subsecretariado de Estado da Assistência se compreende a grandeza dos problemas relacionados com a saúde pública.
Por várias vezes tive já necessidade de me dirigir àquele Ministério, expondo casos do meu distrito, e encontrei sempre o maior espírito de compreensão e todas as possíveis facilidades.
Por experiência própria, sei o carinho que a estes ilustres membros do Governo merece tudo quanto diz respeito à saúde e à assistência.
Aproveito por isso a oportunidade que esta referência me proporciona para testemunhar publicamente ao Sr. Ministro do Interior e também ao Sr. Subsecretário de Estado da Assistência o meu alto apreço e a minha grande admiração.
A par do aumento das dotações, tem-se alvitrado a concentração das verbas destinadas à assistência, de forma a alcançar-se melhor eficiência na sua aplicação. Assim, essas dotações seriam gastas sob a orientação de um único departamento do Estado.
Talvez esta ideia possa contribuir para resolver o problema.
Se, porém, ele carecer - como parece - de medidas mais latas e as disponibilidades financeiras não permitirem encarar um aumento substancial de verbas para este fim, só o recurso a um adicional às contribuições poderá, a meu ver, resolvê-lo.
Tratando-se, como se trata, de um problema que é fundamental para a vida do Pais, pois não existe maior bem do que a saúde da sua população, talvez este adicional fosse suportado pelo contribuinte sem a animosidade e a revolta que geralmente acompanham o lançamento de novos encargos fiscais.
Os concelhos são, pelas suas velhas e gloriosas tradições e pelo que na realidade representam na vida do País, a base da administração pública, o centro da vida administrativa local, e constituem a primeira célula da Nação.
Estou certo de que o Governo, que tantos e tão relevantes serviços tem prestado e tantos e tão momentosos problemas nacionais tem resolvido, há-de encontrar para este a melhor solução, uma solução que dê aos municípios os meios indispensáveis para o cumprimento da sua valiosa missão, os meios que lhes permitam colaborar
na obra magnífica de engrandecimento e de prestígio da terra portuguesa: Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: satisfaço-me de ter aberto a discussão do problema, pelo apoio que vozes tão esclarecidas e autorizadas deram a esta questão.
Reconhecendo não ter havido discordância quanto ao essencial da matéria, limito-me a pedir a V. Ex.ª autorização para apresentar a moção que passo a ler.
Foi lida. É a seguinte:

«A Assembleia Nacional, tendo ouvido a exposição do desenvolvimento dos meios de assistência hospitalar no País, por acção do Estado e das instituições beneficentes, e considerado os encargos que acarreta para a grande1 maioria dos municípios a participação supletiva que lhes compete no exercício desta assistência, reconhece que estes encargos atingiram um grande peso, tendem a prejudicar o exercício de outras atribuições úteis ao bem comum e se avolumam em termos de desigual beneficio dos auxílios do Estado, exprimindo a confiança de que o Governo saberá resolver as dificuldades e insuficiências verificadas e criar novas condições de acção eficaz e de relativa igualdade para todas as autarquias».

O Sr. Presidente: - Como não se encontra inscrito mais nenhum Sr. Deputado, considero encerrado o debate. Vai votar-se a moção apresentada pelo Sr. Deputado Amaral Neto.
Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - A ordem do dia da sessão de amanhã será a efectivação do aviso prévio do Sr. Deputado Sá Carneiro sobre o decreto-lei que modificou parcialmente a lei votada na Assembleia Nacional acerca dos serviços de registo e do notariado.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 50 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

André Francisco Navarro.
António Calheiros Lopes.
António Jacinto Ferreira.
António Pinto de Meireles Barriga.
Artur. Proença Duarte.
Joaquim doa Santos Quelhas Lima.
D. Maria Leonor Correia Botelho.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Cruz.
Américo Cortês Finito.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amorim.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique doe Santos Tenreiro.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Mendes da Costa Amaral.

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646 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 174

Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
José Cardoso de Matos.
José Diogo de Mascarenhas Galvão.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel França Vigon.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Teófilo Duarte.
Vasco de Campos.
Vasco Lopes Alves.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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