O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 679

REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 150

ANO DE 1952 16 DE ABRIL

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 150 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 15 DE ABRIL

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

Nota. - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.º 145, inserindo o parecer da Comissão de Contas da Assembleia Nacional acerca das contas da Junta do Crédito Público referentes ao ano económico de 1950.

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente, declarou aberta, a sessão às 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 148 e 149 do Diário das Sessões.
Por proposta do Sr. Presidente, a Assembleia manifestou o seu pesar pela morte da mãe do Sr. Deputado Pinto Brandão.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Pinto Barriga pediu um esclarecimento acerca da apresentação das contas ultramarinas à Assembleia Nacional.

Ordem do dia. - Começou o debate na generalidade acerca, das Contas Gerais do Estado e das contas da Junta tio Crédito Público referentes ao ano económico de 1950. Falaram os Srs. Deputados Alberto de Araújo e Vaz Monteiro.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 44 minutos.

Fez-se a chamada, â qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Finto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Calheiros Lopes.
António Cortês Lobão.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.

Página 680

680 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 100

Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
Joio Luís Augusto das Neves.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Vaz Monteiro.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco de Campos.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 65 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 148 e 149 do Diário das Sessões.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado pede a palavra sobro estes números do Diário considero-os aprovados.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

«Excelentíssimo Senhor Conselheiro Albino Reis Ilustre Presidente da Assembleia Nacional Lisboa - Muito reconhecido pela atenção de Vossa Excelência peço aceitar o transmitir nossos ilustres colegas Assembleia Nacional meus sentimentos gratidão e mais alto apreço confiança sua nobre elevada patriótica missão cordiais respeitosas saudações - Sarmento Rodrigues».
Da Câmara Municipal de Celorico de Basto a agradecer a Assembleia Nacional a posição tomada em relação aos encargos dos municípios com o tratamento de doentes hospitalizados.
Dos organismos económicos do Angola a afirmar o seu desacordo com as afirmações dos Srs. Deputados que defendem o decreto referente à maior valia de produtos ultramarinos.
Da Associação Comercial, Industrial e Agrícola do Lobito, a dar todo o seu apoio ao discurso do Sr. Deputado Carlos Mantero relativo ao Decreto-Lei n.º 38:704.
Dos plantadores de sisal da província de Angola a afirmar que para a sua actividade serão desastrosos os efeitos do mesmo decreto-lei.
Da Direcção Central das Actividades Económicas de Angola a expor e a salientar os prejuízos que àquela província ultramarina acarretará a execução do referido' decreto-lei.

O Sr. Presidente: - Durante as ultimas férias da Páscoa faleceu a mãe do Sr. Deputado Pinho Brandão. Creio interpretar os sentimentos da Assembleia Nacional dirigindo àquele Sr. Deputado os nossos sentimentos de profundo pesar.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Enviados pela Presidência do Conselho e para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, encontram-se na Mesa os n.ºs 78, 80 e 82 do Diário do Governo, 1.ª série, de 5, 8 e 10 do mês corrente, que contêm os Decretos-Leis n.ºs 38:713, 38:714, 38:718, 38:720 e 38:721.
Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Economia a requerimento do Sr. Deputado Manuel de Sousa Meneses, que vão ser entregues a este Sr. Deputado.
Mais estão na Mesa os elementos enviados pelo Ministério do Ultramar em satisfação do requerimento do Sr. Deputado Marques Taquenho, que vão ser entregues a este Sr. Deputado.
Ainda se encontram na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Finanças em. satisfação do requerimento do Sr. Deputado Pinto Barriga, que vão ser entregues a este Sr. Deputado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Pinto Barriga.

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: uma das alterações introduzidas na Constituição Política de 1933 foi a exigência da apresentação das contas públicas das províncias ultramarinas à Assembleia Nacional. Tal obrigação não se encontrava preceituada, nem no Acto Colonial, nem declaradamente na referida Constituição, no artigo correspondente, que é o 91.º, n.º 3.º
Disse «declaradamente» porque bem sei que esse n.º 3.º indicava apenas como nossas atribuições «tomar as contas respeitantes a cada ano económico». Eu bem sei também que o novo texto como que interpretou o primitivo. As modificações constitucionais entraram em vigor em Junho de 1951 e os preceitos de contabilidade pública colonial só obrigam à apresentação das contas referentes aos anos anteriores em datas posteriores à entrada em vigência da reforma constitucional.
Nestas condições, tenho a honra de perguntar a V. Ex.ª se as contas ultramarinas de 1950 deverão ou não vir à Assembleia Nacional. Desejo que V. Ex.ª tenha a bondade de me esclarecer sobre este assunto, na altura em que vão discutir-se as Contas Gerais do Estado.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª quer saber se as contas das províncias ultramarinas relativas a 1900 foram enviadas ou não à Assembleia?

O Sr. Pinto Barriga: - Exactamente.

O Sr. Presidente: - As contas das províncias ultramarinas relativas a 1950 não foram enviadas até agora à

Página 681

16 DE ABRIL DE 1952 681

Assembleia, mas devo frisar que a reforma só entrou em vigor em 1951.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai iniciar-se a discussão das Contas Gerais do Estado relativas ao ano de 1950 e das da Junta do Crédito Público.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto de Araújo.

O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: estão em discussão, na Assembleia Nacional, as Contas Gerais do Estado relativas ao ano de 1938, sobre as quais incidiu um longo parecer da respectiva Comissão desta Câmara, relatado pelo ilustre Deputado Sr. Engenheiro Araújo Correia.
Sr. Presidente: as receitas ordinárias do Estado totalizaram, no ano de 1950, 4.825:000 contos, ou seja aproximadamente o dobro das receitas cobradas antes da guerra. Em 1938 as receitas do Estado foram de 2.225:000 contos.
Para se fazer uma primeira ideia da composição das nossas receitas ordinárias bastará dizer que dos 4.825:000 contos de receita total em 1950 couberam aos impostos directos 1.655:000 contos e aos indirectos 1.873:000.
E se nos impostos directos são a contribuição industrial e a contribuição predial que fornecem as duas somas mais importantes, nos impostos indirectos são os rendimentos aduaneiros, nomeadamente os direitos do importação, que asseguram ao Estado um terço da sua receita ordinária.
Antes da guerra (1938) os rendimentos aduaneiros eram aproximadamente metade cio que foram em 1950. Desceram, em consequência da guerra, nos anos de 1939 e 1940, subiram de 1941 a 1943 pelo incremento das exportações, baixaram novamente em 1944 e 1945, mas desde 1946 nunca mais deixaram de aumentar. Em 1951 ascenderam a 1.943:000 contos.
Num país de recursos limitados, em que não se pode facilmente aumentar a taxa de incidência dos grandes impostos directos e em que as reformas do sistema fiscal tem sido orientadas mais no sentido de uma melhor e mais justa distribuição da carga tributária do que no do aumento do seu peso real, compreende-se a importância da tributação indirecta e o cuidado do preservá-la, para que não se afecte o equilíbrio do Orçamento Geral do Estado.
Todavia, só a tributação directa se faz, de uma maneira geral, exclusivamente em obediência a razões de ordem interna e tendo em vista a capacidade de actividades ou riquezas que se movem dentro da órbita do Estado, as tarifas aduaneiras interessam preferentemente o comércio externo e incidem sobre os produtos no momento em que estes entram ou saem do País.
E se os estados podem estabelecer o regime de impostos directos que lhes pareça mais conveniente e adoptar as taxas que se lhes afigurem mais justas, sem que às outras nações importe, em regra, quais os critérios fiscais seguidos, o mesmo não acontece em matéria de tributação aduaneira, precisamente porque esta visa factos económicos que são do interesse comum das nações.
A troca de produtos e o comércio vêm de tempos imemoriais, e pode dizer-se, que as tarifas, nas suas fórmulas primárias, são quase tão antigas como o próprio comércio.
A palavra «direito», hoje tão usada na terminologia aduaneira, denota a sua origem real e era a contrapartida do dever que incumbia ao indivíduo perante o seu chefe.
Quando sol as ruínas da Idade Média as nações europeias adquiriram a sua feição moderna e pelo alargamento do Mundo se intensificaram as trocas comerciais, os rendimentos aduaneiros aumentaram de volume, e do século XVI ao século XVIII não foram apenas receita importante dos estados, mas instrumento de uma política nitidamente proteccionista.
Velha de séculos, ainda hoje esta questão do proteccionismo ou do livro-cambismo se põe com viveza e com entusiasmo e continua a ser objecto de livros, de polemicas e de reuniões internacionais, sem que a experiência tenha podido, por si, esclarecer decisivamente o problema. Todos a interpretam a sou modo, e talvez por isso as duas escolas em presença encontram nos mesmos factos fundamento para soluções opostas.
As doutrinas proteccionistas legitimam a existência de pautas aduaneiras pelo auxílio que, através delas, se concede ao trabalho o à produção nacionais.
O mercantilismo fez da protecção pautai instrumento útil de uma determinada política económica, numa época em que, pelo fomento da produção e consequente aumento de exportação, se podiam obter metais preciosos, meio geralmente aceite para liquidação das contas internacionais; os Estados Unidos usaram-na como arrimo e auxiliar na sua marcha vitoriosa para a autarquia; Bismarck considerou-a condição essencial à industrialização alemã.
Ainda hoje o proteccionismo é apontado como o meio mais eficiente de defender certas indústrins-chaves, de poder, através dele, influir-se na estrutura económica do País, de fazer-se face às situações de emergência em que a vida internacional tom sido tão fértil nos últimos anos.
Muitos autores consideram o proteccionismo como um princípio empírico.
Talvez por isso Gide escreveu que as pautas aduaneiras nunca foram a aplicação de uma doutrina.
Ao contrário, o livre-cambismo arrogou-se de início uma feição determinista e cientifica, aplicando aos fenómenos- económicos os mesmos princípios que regem a vida natural. E, assim, se na natureza há um certo automatismo que faz com que os seres vivos encontrem sempre, por meio do uma série de reacções contra o meio ambiente, as condições necessárias à sua existência, na economia o próprio funcionamento desta assegura, automaticamente, o seu equilíbrio.
Fez da divisão do trabalho uma das pedras basilares da sua construção teórica, para concluir que quanto maior for a especialização melhor será a produção e menor o seu custo. Ao nível de vida mundial e ao bem-estar das .populações interessa produzir muito e produzir bem, facilitar o comércio, impedir que as fronteiras políticas sejam, pela cobrança de tarifas, obstáculo ou dificuldade a intensificação geral da trocas.
Cada país só produzirá aquelas mercadorias para as quais tem condições especiais, em razão dos seus recursos, das qualidades inatas ou adquiridas do seu povo, do capital acumulado em consequência do esforço e da perseverança das gerações passadas. O que exceder a sua capacidade de consumo trocará com povos especializados em ramos de produção diversos, sempre no princípio da divisão do trabalho, que rege tanto a economia individual como a economia colectiva.
E não se temam excessos de produção, desequilíbrios duradouros na balança de pagamentos, crises no trabalho ou nos preços. O próprio automatismo da vida económica, reagindo contra todas as anomalias e vencendo-as, se encarregará de restabelecer o equilíbrio onde e quando for ameaçado.
Se o proteccionismo, conduzia assim à criação de elevadas tarifas aduaneiras, o livre-cambismo advogava, de uma maneira geral, a sua supressão.

Página 682

682 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 150

A Inglaterra foi durante o século XIX o no começo do século XX o país por excelência do livre-cambismo. As possibilidades do seu solo, o valor dos seus recursos naturais, a facilidade na aquisição de matérias-primas e a feição industrializada da sua economia permitiram-lhe realizar exportações maciças e continuas, sobretudo para os países agrícolas ou de fraca industrialização, e atingir, assim, o período áureo da sua expansão e riqueza.
Mas já no século XIX outros países, da América e da Europa, se lançaram no caminho da produção industrial e, ao invés da Inglaterra, socorreram-se das tarifas aduaneiras para proteger as actividades nascentes. Deve dizer-se que nos Estados Unidos, à medida que a economia do país se tornava mais forte, a protecção aduaneira baixava. A rápida transformação de um país semicolonial numa das maiores potências do Mundo reflectiu-se profundamente na orientação da sua economia. A pauta de Undervood - durante a primeira administração de Wilson em 1913 - proporcionava, efectivamente, consideráveis reduções de direitos.
A guerra de 1914 veio marcar, porém, em todo q Mundo uma nova tendência para o proteccionismo. Os povos verificaram os efeitos desastrosos das suas insuficiências e sentiram a necessidade de se orientarem, tanto quanto possível, no sentido da autarquia. A própria Inglaterra, desde 1915, iniciou uma política de tributação aduaneira. Primeiro, para evitar as importações de luxo; depois, para aumentar as receitas do Tesouro; o finalmente, desde 1921, com intuitos evidentes de proteccionismo.
Nos Estados Unidos operava-se também um grande movimento a favor da protecção pautai às indústrias necessárias à defesa nacional, designação essa em que pretendiam ser englobadas as grandes forças da produção americana.
Por outro lado, a desvalorização monetária operada em certos países europeus incitava a América a aumentar as suas tarifas. Estas subiram em 1921 e 1922 e, finalmente, com a aprovação da tarifa Hawley Smoot, em 1930. o proteccionismo americano atingia um dos seus pontos culminantes.
No período decorrido entre as duas grandes guerras deram-se graves crises: na produção, na mão-de-obra, nas moedas e nos câmbios. E surgiu, sobretudo na Inglaterra, a ideia de que um dos grandes males a atacar era o desemprego e que se lhe devia contrapor o emprego total, o full employement, que Beveridge, numa fórmula simplista, definiu como a situação em que há mais empregos vagos do que trabalhadores desocupados.
Na doutrina clássica e livre-cambista o progresso económico não dava lugar a questões nem suscitava, portanto, o problema do desemprego. Pelo contrário, emprego total e progresso económico conciliavam-se numa perfeita harmonia.
Mas, tendo-se suscitado longas e graves crises de desemprego, alguns economistas da época - e Keynes apareço como o mais autorizado entre eles - opuseram forte reacção à doutrina clássica o mostraram-se partidários do uma larga intervenção do Estado no sentido de auxiliar a produção do país e assegurar, simultaneamente, a sua defesa pela eliminação da concorrência exterior no mercado interno. As tarifas aduaneiras apareciam como um dos mais fortes instrumentos dessa política declaradamente proteccionista.
Para Keynes, as ideias, os conhecimentos, a ciência, a hospitalidade, as viagens são, por natureza, internacionais. As mercadorias devem ser de preferência, e sempre que possível, produzidas no país e as finanças primordialmente nacionais.
Se os produtos ingleses tinham perdido alguns mercados por competição de produtos de outra origem e de fabrico mais barato, tornava-se também necessário, para
vencê-la, baixar, na Inglaterra, o custo de produção e evitar, no mercado interno, a concorrência estrangeira!
O neoproteccionismo que a crise britânica fez surgir naquele país não deixou de ter os seus contraditores, dum e doutro lado do Atlântico. Afirmar o desejo de autarquia - escrevia-se em oposição - é fomentar a guerra e legitimar as aspirações imperialistas e expansionistas de certos países. A preocupação da economia deve ser o rendimento de preferência ao emprego. E nem mesmo neste aspecto - afirmava-se - o proteccionismo realiza os fins que se propõe.
Não interessa- só o emprego neste ou naquele país. O que importa fundamentalmente ao bem-estar colectivo é o emprego na generalidade dos países, e se uma nação reduz as suas importações, mercê de fortes tributações aduaneiras, vai baixar a produção e aumentar o desemprego nos mercados fornecedores.
Além disso, fará descer nos mercados exteriores o poder de compra, em detrimento das suas próprias exportações. O que se ganha por um lado perde-se por outro, não devendo esquecer-se que o comércio livre e a fácil circulação de mercadorias fomentam o emprego no comércio interno, nos transportes e noutros, e importantes, sectores da produção.
Apesar de tudo, a escola proteccionista e nacionalista fez caminho em Inglaterra, mas para se fazer uma, ideia da fragilidade das doutrinas e da inconsistência dos argumentos teóricos bastará dizer que Keynes - sem dúvida um dos mais luminosos génios deste século e um dos maiores economistas de todos os tempos - começou por ser, na tradição inglesa, um partidário do comércio livre.
Depois foi o arauto e o expoente máximo do neoproteccionismo e do nacionalismo inglês; expressos na Teoria Geral, do qual já se disse que é o mais influente dos livros sobre assuntos económicos publicados nos últimos trinta anos. Parece que a guerra e as suas consequências abalaram as ideias do consagrado escritor e economista, que, pelo menos em grande parte, voltou a perfilhar os seus primitivos conceitos de liberdade e de cooperação económica internacional.
Foi o autor de uma proposta de cooperação entre as nações, denominada «União Internacional de Compensação», um dos principais obreiros do internacionalismo monetário de Bretton Woods e, no Outono de 1945, um dos negociadores directos do empréstimo americano ao seu pais. Este seu regresso à defesa da colaboração internacional e do comércio multilateral fez com que, como já se escreveu, Keynes não fosse, nos últimos anos da sua vida, um keynesiano de prestígio I
Actualmente muitos escritores, nomeadamente americanos, continuam a ser acérrimos defensores da cooperação entro os povos, adversários de todas as barreiras ao comércio livre, e portanto paladinos entusiastas da abolição das tarifas e pautas que dificultam as trocas internacionais.
Deve reconhecer-se que os Estados Unidos tem dado uma contribuição valiosíssima à reconstituição europeia, em créditos e recursos de vária ordem, defendendo, ao mesmo tempo, ideais generosos de cooperação e solidariedade económica.
As tentativas para resolver o problema dos câmbios entre as nações, o estabelecimento de um sistema de pagamentos multilaterais, o incentivo para os países europeus intensificarem entre si o comércio e as trocas recíprocas são, em grande parte, o resultado do esforço americano.
Todavia, essa grande e próspera nação continua a praticar uma política de forte protecção aduaneira e constitui hoje a mais poderosa das autarquias económicas do Mundo. A vastidão do seu mercado interno, os seus recursos em matérias-primas, a diversidade da sua produção, os aperfeiçoamentos da técnica parece que po-

Página 683

16 DE ABRIL DE 1952 683

diam permitir aos Estados Unidos enfrentar com confiança uma política de larga isenção aduaneira, a exemplo da Inglaterra do fim do século passado.
Mas ama coisa são as construções teóricas e as conclusões dos economistas e outra coisa são as realidades a que obedecem o sistema, a vida o a própria política americana.
As indústrias dos Estados Unidos são muito ciosas do seu mercado interno e opõem, cru regra, grandes dificuldades à modificação do sistema proteccionista que esta na base do seu progresso e do seu desenvolvimento.
E - facto curioso! - enquanto a Europa receia a concorrência americana e mantém um sistema proteccionista, em parte, para evitar a invasão dos seus mercados por produtos fabricados em série e em condições de técnica muito mais vantajosa, a indústria dos Estados Unidos justifica frequentemente as tarifas protectoras de que beneficia com a necessidade de defender o operário americano da concorrência de uma mão-de-obra muito mais barata.
Alguns dos mais categorizados defensores do free trade, afirmam que só há duas formas de protecção aduaneira admissíveis num país que alcançou a excepcional eficiência dos Estados Unidos: uma destinada a auxiliar as indústrias necessárias à defesa nacional; outra tendente a defender a produção interna do dumping e de outras fornias de concorrência internacional.
Para estes autores e economistas - e cito entre eles o Prof. Heilperin - as tarifas aduaneiras nos Estados Unidos representam uma forma de subsídio concedido às indústrias protegidas, subsídio esse que permanece ignorado do público e cujo montante não é do fácil determinação. Seria, portanto, mais lógico conceder um subsidio directo às indústrias que, não tendo condições para resistirem à concorrência externa, fossem, no entanto, consideradas necessárias no ponto de vista do interesse nacional.
Na opinião daqueles autores, o método directo do subsidio teria grandes e importantes vantagens sobre o método indirecto das tarifas.
Em primeiro lugar o público sabia quem eram os beneficiários e quanto custava essa ajuda.
Depois, enquanto a tarifa estende os seus benefícios indistintamente a todos os produtores, o subsídio só era de conceder àqueles que não tivessem condições para concorrer com o produtor estrangeiro.
Em terceiro lugar, seria um moio do obter a melhoria da técnica e dos custos de produção por uma forte pressão da opinião pública.
O contribuinte e o homem da rua sentir-se iam muito mais interessados na fiscalização do uma política de subsídios do que numa protecção genérica concedida através do pagamento de tarifas.
Mas a ideia não tem vingado, e é cada vez maior o número de indústrias americanas que reclamam o benefício das tarifas, em nome do interesse e da defesa nacional. Para fundamentarem os seus desígnios proteccionistas não hesitam em invocar a célebre frase de um dos maiores teóricos do livre-cambismo: «primeiro a defesa, depois a riqueza».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para onde se caminha? Para o estabelecimento de um sistema mais eficaz de cooperação internacional? Talvez. Mas à custa de uma redução substancial de tarifas aduaneiras? Tem os grandes dúvidas de que isso venha a dar-se nos tempos mais próximos. Está acontecendo agora, como já se notou, o que se deu depois da primeira grande guerra na velha Sociedade das Nações: toda a gente em Genebra defendia e apregoava os1 méritos do livre-cambismo; de facto, porém, ninguém o praticava.
Nem a experiência, nem o clima político, nem os próprios sentimentos são de molde a fazer com que os estados abdiquem dos moios de que dispõem para se protegerem e prevenirem. A lição de duas guerras consecutivas está muito fresca na memória dos homens para que cedam às construções tentadoras do liberalismo económico. A ideia de especializar as nações, como os indivíduos, na criação do que melhor se adapta ao seu génio ou aos seus dons naturais, fazendo da produção do bens e do riquezas verdadeiros primores de perfeição, é sonho louvável o aliciante. Mas a hora é mais realidades do que de visões enganadoras.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E embora a generalidade das nações tenha do produzir para exportar e de importar para viver, a verdade é que se nota a tendência para cada uma reduzir ao mínimo a sua dependência de fora e elevar e fomentar a produção do que é necessário à sua vida colectiva. As interrupções nos transportes, as dificuldades na aquisição de matérias-primas, a insuficiência de produtos agrícolas o manufacturados que os povos conheceram na última guerra originaram faltas nas indústrias, privações nos abastecimentos, carências na alimentação, com gravíssimos prejuízos e perigos para a economia, para a defesa e para a saúde das populações.
Manda o bom senso que não se repita o erro e que as nações, sem esquecerem a solidariedade e a interdependência que as ligam, não descurem o fomento e a produção do que lhes é essencial.
E isso não é possível, pelo menos relativamente a certos sectores da economia interna dos povos, sem unia determinada política de protecção aduaneira.
Além disso, generalizou-se no Mundo a convicção de que os países industriais tem, relativamente aos países agrícolas, mais altos níveis de vida, melhores salários, mais altos consumos, registando, simultaneamente, maiores progressos na técnica, na educação, na previdência.
Este sentimento geral e fundado não tem sido estranho, em certa medida, a uma determinada protecção às indústrias nos países que as não possuíam, tanto mais que essas actividades nascentes não só empregam núcleos importantes de trabalho, como mobilizam, por vezes, recursos, em matérias-primas e em energia, até então desaproveitados. E, perante populações que aumentam e que acusam cada vez maiores necessidades, os estados modernos não podem perder recursos nem desbaratar-riquezas. É a suprema lei da vida.
A época do receios, de ansiedades e de perigos que vive presentemente o Mundo não parece autorizar o comércio livro, sem barreiras nem tarifas, como pretendiam os partidários do livre-Cambismo. Por outro lado, não se perderam ainda os hábitos do dumpiny. dos prémios e outras formas de impulsionar a exportação. As tarifas são ainda para as nações menos poderosas e ricas a forma de impedir que a onda de fora penetro no mercado interno e destrua o que representa esforço e trabalho de gerações.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: no ano do 1950 as receitas alfandegárias atingiram 1.629:000 contos, assim discriminados:

Contos
Direitos de importação ........... 1.038:248
Direitos de exportação ........... 32:098
Outros rendimentos aduaneiros .... 558:234

Segundo a estatística publicada no Diário do Governo relativa ao rendimento aduaneiro em 1950, ou seja o

Página 684

684 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 150

ano relativamente ao qual estamos apreciando as Contas Gerais do Estado, os direitos sobre géneros e mercadorias importados do estrangeiro, com excepção do tabaco e pouco mais, atingiram 704:000 contos, ou seja aproximadamente 43 por cento do rendimento total das alfândegas.
Vêm depois, como verbas mais importantes nos direi tos de importação, os direitos sobre o tabaco estrangeiro em rama, que renderam 235:000 contos, e os direitos sobre vários géneros o produtos coloniais, no montante de 80:000 contos.
Os rendimentos dos direitos do exportação vêm separados em duas rubricas: «Vários géneros e mercadorias», 31:414 contos; «Vinhos», 1:182 contos.
Naquilo que se pode designar por «Outros rendimentos aduaneiros» estão incluídas receitas de múltipla natureza, abrangendo diversos impostos, taxas e percentagens cobrados nas alfândegas. O conjunto destas receitas atingiu em 1*900 558:000 contos, ou seja mais de metade dos direitos de importação e cerca de um terço das receitas totais.
Nas receitas englobadas nesta rubrica - «Outros rendimentos» - destacam-se de longe as taxas de salvação nacional, nomeadamente sobre a gasolina, que atingiram no ano em referência 301:000 contos. As outras duas verbas mais importantes desta receita são o imposto do pescado - 50:000 contos - e os emolumentos das alfândegas - 40:000 contos.
Num total dg 1.629:000 contos de receita em 1950, a Alfândega de Lisboa cobrou 1.130:000, a do Porto 443:000, a do Funchal 24:000 e as dos três distritos açorianos 23:000 contos.
As pautas que actualmente regulam a cobrança dos direitos aduaneiros em. Portugal foram aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 37:977, do 21 de Setembro de 1950, depois de um trabalho do revisão das pautas até então em vigor e que datavam de 1929.
Em todas as nações as pautas aduaneiras não são diplomas inflexíveis. Pelo contrário, têm de ser periodicamente revistas para se adaptarem às exigências económicas do país, aos legítimos anseios da sua indústria, a necessidades primordiais do consumo e aos interesses fiscais do Estado.
Nos países, como o nosso, de taxas específicas essa necessidade impõe-se por maioria do razões, dado que a modificação da situação ou das condições económicas, internas ou externas, em que as pautas foram elaboradas pode alterar completamente o seu significado e deixar sem realização precisamente os fins que se pretenderam atingir.
Tem-se discutido muito se as pautas aduaneiras devem ser específicas ou ad valorem, isto é, se os direitos devem consistir no pagamento de unia quantia fixa sobre cada unidade quantitativa da mercadoria ou no pagamento de uma percentagem sobre o seu valor.
Tanto umas como outras tem vantagens e inconvenientes, que alguns autores, como Haberler, foram com grande claro a e desenvolvimento.
Os direitos ad valorem oferecem, sem dúvida, maiores possibilidades à evasão fiscal. Os direitos específicos são regressivos e as mercadorias baratas em proporção mais fortemente tributadas. Em consequência, as indústrias nacionais que produzem artigos de melhor qualidade suo menos protegidas do que as que se dedicam à produção de artigos ou géneros de qualidade inferior. Ao contrário, o direito ad valorem assegura um tratamento mais equitativo a todas as mercadorias. Esta desvantagem das pautas específicas tem sido, era parte, remediada por urna. maior discriminação dessas pautas, por forma a que, atendendo à confecção, ao fabrico ou à qualidade da mercadoria, só tome em consideração, de certo modo, o seu diferente valor para efeito da incidência do respectivo direito.
A grande vantagem dos direitos específicos provém do facto de ser mais fácil conhecer as qualidades físicas ou químicas de um produto do que determinar o seu valor, embora muitas vezes para a cobrança daqueles direitos se tenha de proceder a investigações morosas e difíceis e que exigem do funcionalismo aduaneiro vasta soma do conhecimentos o larga experiência técnica.
Os direitos ad valorem tem a vantagem de o seu montante real poder ser muito mais facilmente expresso e comparado com os direitos aduaneiros dos outros países. Tem muito mais significado dizer que um direito corresponde a 30 por cento do valor de um produto do que dizer que o mesmo produto 'paga de direitos determinada quantia sobre certa unidade quantitativa.
O grande e o maior inconveniente dos direitos ad valorem provém da dificuldade de determinar o valor da mercadoria sobre que incide o direito. Esse valor deve ser o valor da origem na o valor do destino? E, quanto ao tempo, deve ser o valor no momento da compra ou, ao contrário, o valor na ocasião em que essa mercadoria é despachada? E, mais ainda, o valor para efeito do despacho deve ser o valor do mercado, o valor da factura ou o valor declarado? O valor declarado pode não corresponder ao valor verdadeiro e a factura não exprimir igualmente o valor real da transacção. Os preços do mercado são, por sua vez, variáveis e oscilantes, dependem da qualidade da mercadoria e ainda de diversos factores, como sejam o volume da compra e as respectivas condições de pagamento.
Todas estas dificuldades e ainda o sistema complicado de multas e penalidades a que a aplicação dos direitos ad valorem dá origem e o número elevado de funcionários que exigirá sua cobrança fazem com que alguns países - embora muito poucos já se mantenham ainda fiéis aos direitos específicos. Mas a tendência geral das legislações aduaneiras e das pautas é para os direitos ad valorem.
É evidente que a carga real dos direitos específicos varia com as oscilações mundiais de preços. Quando os preços baixam lá fora, o direito torna-se, de facto, mais pesado. Quando os preços sobem, diminui, de facto, o peso real do direito e diminui igualmente o sou efeito proteccionista.
Até 1950, como já disse, vigoravam, embora com numerosas alterações posteriores, as pautas de 1929. Desde então modificaram-se as condições económicas do Mando, desvalorizaram-se as moedas, subiram as cotações nos mercados, externos. Houve, portanto, que adaptar as pautas aduaneiras à situação criada e ao novo nível mundial de preços, para que o Estado não ficasse lesado em receitas que lhe eram essenciais e a indústria nacional diminuída na protecção que as pautas anteriores lhe concediam.
As contas de 1950 mostram já um aumento na cobrança dos direitos de importação relativamente aos anos anteriores, e a melhoria acentuou-se em 1951, em que esses direitos subiram em 200:000 contos relativamente a 1948 e 1949.
Anote-se, porém, que, tendo a revisão pautai de 1950 tomado como base os preços mundiais de 1948, já não se encontra actualizada, em face da tendência para a alta que esses preços desde então experimentaram em consequência da intensificação de compras, nomeadamente de matérias-primas, provocada pelo agravamento da situação internacional.
As pautas actuais, embora sejam pautas específicas, tributam já muitas mercadorias ad valorem, como sejam alguns produtos animais, aduela, certos óleos, gemas, produtos químicos não especificados, perfumes, medicamentos, etc.

Página 685

18 DE ABRIL DE 1952 685

A tributação ad valorem das matérias-primas varia entre 1 e 10 por cento. Para os outros produtos essa tributação vai até 40 por cento dó respectivo valor. Os direitos ad valorem sobre as perfumarias são de 35 por cento e sobre os medicamentos variam entre 5 e 14 por cento.
Os medicamentos destinados ao tratamento das doenças mais generalizadas pagam apenas 5 por cento de direitos ad valorem.
O artigo 4.º das instruções preliminares das pautas preceitua que os direitos ad valorem estabelecidos na pauta de importação se calculam sobre o valor corrente, por grosso, mais recentemente averiguado no local onde se encontra a mercadoria quando é adquirida, aumentado das despesas de transporte, seguro, comissão, descarga e quaisquer outras, com excepção das de armazenagem até ao local em que se fizer a verificação.
Exceptuam-se da disposto naquele artigo os medicamentos e as perfumarias, cujos direitos são calculados sobre os respectivos preços de venda ao público.
Deve dizer-se que sobre os direitos ad valorem há um adicional de 20 por cento. Sobre os direitos específicos esse adicional é de 60 por cento para as mercadorias vindas do estrangeiro e 20 por cento para as mercadorias importadas das províncias ultramarinas.
Sr. Presidente: têm sido sempre os rendimentos aduaneiros fonte importante de receita para o Estado. As pautas actualmente em vigor não podiam esquecer essa finalidade fiscal. Mas, a par disso, foram elaboradas num sentido proteccionista da produção nacional, não só facilitando a importação de matérias-primas necessárias à indústria do País, mas também defendendo esto, de uma maneira geral, da concorrência de produtos de origem estrangeira.
Procedeu-se assim em 1950 a um trabalho de actualização de taxas aduaneiras, na. Prossecução da política de equilíbrio orçamental.
Por outro lado, foi também objectivo do Governo, com a revisão efectuada, proteger o trabalho e a produção do País da competição exterior, sobretudo daquela operada através dos duplos preços, dos prémios à exportação e de outras formas de concorrência desleal.
Dada a vastidão e o número das mercadorias tributadas, não é possível demonstrar relativamente a cada uma delas a maneira como se procurou dar efectivação a essa dupla finalidade da reforma pautal.
Mas pode exemplificar-se. E, assim, nas. matérias-primas manteve-se o baixo nível geral das taxas, tendo-se elevado algumas relativas a produtos não essenciais ou que podem ser já obtidos no País. Estão neste último caso, por exemplo, as tarifas relativas a madeiras, com o fim de proteger simultaneamente as nossas madeiras do continente e do ultramar e a indústria nacional de serragem, e as tarifas que incidem sobre o cimento, já produzido em larga escala no País.
Elevaram-se as taxas que incidem sobre as lãs, mas com pequenas percentagens de incidência relativamente no seu valor, e das matérias-primas de origem vegetal
- as de maior consinto -, como o algodão, a borracha, as sementes oleaginosas, as resinas e a pasta de papel, as taxas não foram agravadas.
Não- se aumentaram as taxas que incidem sobre os combustíveis sólidos e líquidos, dado o grande consumo industrial destes produtos.
O mesmo critério de protecção à indústria se manifestou, de uma maneira geral, na. tributação dos metais e suas ligas em bruto, de grande interesse para as indústrias metalúrgica e metalomecânica, mantendo-se as taxas em vigor ou fazendo-se leves actualizações.
Nos fios, tecidos, feltros o respectivas obras a revisão paul ai obedeceu ao objectivo da actualização de pautas, com o sentido proteccionista, mas aquém do permitido pela maior valia dos produtos.
Nas substâncias alimentícias procurou-se atender fundamentalmente a. duas ordens de interesses: os do abastecimento do País e os da agricultura - considerada, sem dúvida, a maior riqueza da Nação.
Mas nesta classe da pauta tiveram de fazer-se alterações para evitar anomalias flagrantes, como o caso de algumas pescarias importadas do estrangeiro, que pagavam direitos menores que os encargos que oneravam o peixe pescado pelos nossos pescadores nos nossos mares, sujeito ao imposto do pescado.
Na classe dos aparelhos, instrumentos, máquinas, etc., procedeu-se a um trabalho largo de revisão e correcção das pautas anteriores.
Efectivamente no período que mediou entre a publicação das duas pautas a indústria nacional fez grandes progressos na produção de máquinas. Por outro lado, o desenvolvimento económico do País e da sua indústria provocou uma maior procura destas nos mercados internos e externos. Houve por isso que impor taxas mais altas para as máquinas que já podiam ser adquiridas no País. E para não prejudicar nem a indústria nem a agricultura houve o cuidado de não agravar os direitos que incidiam sobre as que tinham de se comprar lá fora.
Os artigos 653 e 653-A da pauta exprimem por si só uma política aduaneira. Este último abrange um conjunto de máquinas que já podem ser fabricadas em Portugal. O respectivo direito é de $17 por quilograma (a multiplicar pelo coeficiente legal). As máquinas, porém, referidas no artigo 653, porque não podem ser produzidas no País e são úteis à agricultura, pagam apenas $01 por quilograma.
A pauta actual traduz o tratamento de favor, de todo o ponto justificado, relativamente às mercadorias importadas do ultramar, as quais tem um bónus de 60 por cento. Algumas há, como o milho e o arroz, que desfrutam de um bónus que, em certos casos, pode ir até 70 e 80 por cento do respectivo direito.
E deve dizer-se que, tendo o Estado nos seus rendimentos alfandegários uma das suas mais importantes fontes de receita e sendo rigorosíssimo na sua cobrança, tem sido razoável e compreensivo quando altas razões de interesse geral se antepõem ao interesse fiscal. E são numerosas as isenções de direitos concedidas, e que a própria pauta enumera, na realização de fins culturais, sociais e económicos. Bastará aqui referir o material importado por algumas das grandes organizações industriais do País, isento de direitos, para se fazer ideia do que representa essa valiosa e interessante contribuição do Estado para o progresso económico da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: é muito difícil o complexo este problema das tarifas aduaneiras. Se são altas, protesta o consumidor, se são baixas, reclama a indústria nacional. Se facilita genèricamente a importação de matérias-primas, fere, muitas vezes, a produção interna; se as dificulta, pode prejudicar a mão-de-obra do País.
É na razoável coordenação de todos estes aspectos e na linha geral das soluções intermédias que o problema tem de ser resolvido nos países como o nosso, em que a tarifa visa, ao mesmo tempo, um fim fiscal e um objectivo proteccionista. Levados ao extremo, estes dois objectivos são incompatíveis. Uma pauta excessivamente proteccionista dificulta as importações e reduz sensivelmente as receitas do Estado. Uma pauta que tenha apenas em consideração interesses fiscais facilita

Página 686

686 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 150

as importações, com prejuízo manifesto da produção nacional.
Afigura-se-nos, portanto, que, perante a complexidade do problema, boa tem sido a política aduaneira seguida no nosso país.
Não tem sido, porventura, isenta de erros nem tem deixado, por vezes, de suscitar reclamações. Mas é sempre possível corrigir aqueles e atender estas, com espírito de equilíbrio e de justiça.
Não se deve dar ouvidos aos que entendem que a protecção pautai só é de conceder às indústrias jovens. A solução é perigosa, porque pode deixar sem amparo indústrias que são essenciais à vida do País. E, além disso, é muito difícil saber quando numa indústria deixou de ser jovem. Como diz Manoilesco, «as indústrias, são como as mulheres: custa-lhes sempre muito aceitar a velhice ...».
Mas temos também de evitar cair num proteccionismo excessivo que elimine completamente a concorrência externa e avilte a própria produção. Além disso., o comércio internacional faz-se hoje propriamente mais entre estados do que entre indivíduos. Um proteccionismo exagerado dará lugar a dificuldades, a represálias, à diminuição dos contingentes revistos nos acordos de comércio, com gravíssimos prejuízos para o movimento de exportação.
Há, portanto, para além dos princípios e das teorias, que ser positivo e realista. E cremo* que o nosso sistema aduaneiro tem procurado, simultaneamente, servir os interesses da economia- e os interesses do Estado.
As circunstâncias económicas do Mundo não fazem prever, nos tempos mais próximos, uma baixa geral e substancial de direitos aduaneiros. E as condições próprias de cada país, a natureza predominantemente agrícola duas, afeição industrial doutros, o antagonismo constante e permanente de interesses tornam também difícil o estabelecimento de tarifas uniformes.
Mas, se é praticamente impossível tributar em todos os países com direitos iguais as mesmas mercadorias ou a maior parte delas, isso não impede que as nações procurem imprimir, tanto quanto possível e no interesse do comércio internacional, a maior harmonia e uniformidade aos seus regimes aduaneiros.
Nesta ordem de ideias, Portugal assinou em 1950 ires convenções emanadas do Grupo de Estudos para uma União Aduaneira Europeia, com sede em Bruxelas, uma criando o Conselho de Cooperação Aduaneira, outro fixando o conceito de valor para efeito de pagamento de direitos e outra, finalmente, visando a uniformização da nomenclatura das pautas.
Em face das dificuldades havidas, a Convenção de Bruxelas estabeleceu que o valor das mercadorias importadas, para efeito de pagamento de direitos ad valorem, é o preço normal, isto é, o preço reputado como podendo ser feito para estas mercadorias no momento em que os direitos são exigidos, numa vendo efectuada em condições de livre concorrência.
O preço normal das mercadorias importadas será determinado nas seguintes bases:

a) As mercadorias são consideradas como entregues ao comprador no porto ou local em que entram no país;
b) O vendedor deverá suportar, e ficam, portanto, compreendidos no preço, todos os encargos relacionados com a venda e entrega da mercadoria no local da importação, como seja transportes, seguros, comissões, etc;
c) Ao contrário, considera-se que o comprador suportará no país de importação os direitos e as taxas exigíveis, que são, assim, excluídos do preço.
A Convenção admite que os países que façam cobrar os direitos ad valorem sobre medicamentos e produtos de perfumaria, baseados no preço de venda a retalho, podem continuar a usar esse regime, mas exprime o voto de que, tão cedo quanto possível, submetam todas as mercadorias ao mesmo sistema.
A convenção sobre a unidade de nomenclatura tem também o maior interesse. Impõe às nações contratantes a obrigação de adoptarem uma terminologia comum na elaboração das suas pautas, por forma a facilitar não só o confronto das tarifas e encargos aduaneiros, mas também a comparação do próprio comércio externo dos diversos países.
Assinaram esta convenção quase todos os países representados tão Grupo de Estudos para uma União Aduaneira Europeia, em número de dezassete, que terão assim uma pauta aduaneira baseada numa classificação comum de mercadoria, apenas com as adaptações de forma indispensáveis para lhes dar eficiência em relação à legislação interna de cada um.
Para se fazer ideia do labor a realizar na adaptação da mossa terminologia pautai à nova nomenclatura comum bastará dizer que a nossa pauta das alfândegas conta presentemente cerra de mil e trezentos artigos e deverá conter de futuro três mil, na execução da convenção assinada.
E um trabalho longo e difícil, que exige uma revisão cuidadosa de cada artigo da nossa pauta, o desdobramento de muitos em antigos novos, dentro do mais. perfeito rigor da técnica. Estou certo de que dele se desempenhará cabalmente o pessoal superior das nossas alfândegas, que trabalhou da reforma de 1950 com a competência, dedicação e probidade que distinguem aquela digna classe de servidores do Estado.
Certos economistas, animados por estes acordos internacionais, desejariam que se fosse mais longe nesta matéria, reduzindo-se gradualmente as tarifas e alargando depois as próprias áreas aduaneiras, por forma a criarem-se grandes blocos ou espaços económicos no interior dos quais reinasse um verdadeiro comércio livre.
A ideia, à primeiro vista, parece enquadrar-se nos movimentos simultâneos tendentes a aumentar a produção mundial e a desenvolver o comércio entre as mações, movimentos esses concretizados em vários organismos internacionais, como sejam a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura e a União Europeia de Pagamentos.
Todavia, em matéria de tarifas afigura-se que não se poderão estabelecer acordos que alterem substancialmente a estrutura dos actuais sistemas aduaneiros, evidentemente proteccionistas e fontes importantes de recursos financeiros, sobretudo no momento em que, em nome da defesa da civilização e do Ocidente, se pedem aos orçamentos europeus grandes e pesados sacrifícios.
Para se fazer uma ideia das tendências actuais nesta matéria basta referir o espírito que domina as últimas pautas alemãs, publicadas em Agosto de 1951, e que são das mais modernas pautas aduaneiras da Europa.
Em face da lei que as precede o Governo Federal Alemão pode suspender ou diminuir provisoriamente os direitos aduaneiros por razões de ordem económica.
Mas em compensação, e isso é o mais importante, fica com a faculdade de elevar esses direitos até ao triplo quando, em consequência de um desenvolvimento económico imprevisto, determinadas mercadorias forem importadas em quantidades progressivas e em condições de criar uma situação que cause ou ameace causar um prejuízo substancial à indústria nacional que produza produtos similares ou produtos concorrentes.
Sr. Presidente: vou dar por terminadas as minhas considerações. Entro sempre gostosamente na aprecia-

Página 687

16 DE ABRIL DE 1952 687

ção das Contas Gerais do Estado, pois que através destas, se pode fazer ideia segura da disciplina, do método e das linhas fundamentais que dominam a vida financeira do País. E quanto melhor conhecemos os numerosos aspectos que esta comporta, os problemas que tem de resolver, e que vão da produção ao fomento, dos serviços aos impostos, da moeda aos câmbios, mais nos curvamos perante a grandeza de uma obra e de um pensamento que Salazar teve o mérito de erguer e outros, depois, a honra de servir e continuar.
São cada vez mais pesadas as tarefas que impendem sobre o Estado, maior a acção que dele se exige, mais vasta a rede de necessidades, a que lhe incumbe dar satisfação. Compreende-se, por isso, que esteja atento e vigilante, que defenda com intransigência os recursos do Tesouro, que estabeleça um certo ordenamento na efectivação das, aspirações nacionais. E, como se não bastassem essas preocupações internas, tem também de seguir com atenção o que se passa além-fronteiras, para que factores externos não prejudiquem um esforço de saneamento e renovação que é neste país a marca dominante da nossa época.
Mas quando se olha para trás e se recordam estes vinte e três anos de administração financeira, o equilíbrio do Orçamento, a regularidade e o rigor das Cautas, a evolução da dívida pública, a política aduaneira, a solidez do crédito, as constantes e numerosas providências que se tornou necessário adoptar para acautelar e defender os mais altos interesses do País, perante crises e emergências que foram das mais graves da História e do Mundo, creio que a Assembleia Nacional só tem razões e motivos para exprimir ao Governo o mais vivo e sincero reconhecimento da Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Vaz Monteiro: - Sr. Presidente: no ano passado, na sessão de 30 de Abril, quando foram postas à discussão da Assembleia Nacional as Contas Gerais do Estado de 1949, o nosso ilustre colega Sr. Dr. Dinis da Fonseca, referindo-se às funções legislativas, representativa e fiscalizadora desta Assembleia, considerou as duas últimas aquelas que mais importa valorizar, por serem, as que podem ser exercidas com mais utilidade para o bem comum.
E, referindo-se especialmente à função fiscalizadora contra os desleixos abusos ou negligências do Poder Executivo e também contra as crítica" mesquinhas ou injustas que procurem diminuir o prestígio daquele Poder quando ele esteja agindo com o mais elevado espírito em "defesa dos interesses, da Nação, o nosso ilustre colega entende que a função fiscalizadora deverá ser extensa, severa, mas justa.
Porque estou inteiramente em concordância com esta maneira de ver, e ainda porque a discussão das Contas Gerais do Estado oferece uma oportunidade para se
exercer essa função fiscalizadora, eis as razões que me levaram a subir a esta tribuna.
Para se analisarem ias contas públicas referentes ao ano de 1950 foi-nos presente o parecer do, Comissão de Contas Públicas, elaborado pelo seu ilustre redactor, Sr. Engenheiro Araújo Correia.
Este parecer é um trabalho digno do maior relevo.
Nele se faz a análise e a crítica sob vários aspectos da vida financeira e da vida económica do País. Nele se aprecia a maneira como foi executado o Orçamento Geral do Estado sob o duplo aspecto da legalidade administrativa e da utilidade da obra realizada pelo Governo em face das receitas, arrecadadas e das despesas efectuadas durante a execução orçamental do ano económico de 1950.
É realmente um trabalho extenso e severo, mas justo e de crítica construtiva.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Apontam-se discordâncias, a que sempre está sujeita a obra dos homens, fazem-se algumas sugestões e presta-se justiça à obra realizada pelo Estado Novo, mercê da clarividência de Salazar e da, colaboração que lealmente lhe tem sido prestada para realizar a Revolução Nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -Aqui dirijo os maiores encómios à nossa Comissão de Contas Públicas, e especialmente ao seu relator, pela clareza e objectividade do parecer, que aliás vêm sendo repetidas anualmente há quinze anos.
Estes pareceres das contas públicas, elaborados pelo nosso ilustre colega Sr. Engenheiro Araújo. Correia, muito tem assim contribuído para esclarecimento do público, que avidamente os procura ler e consultar, e para facilitar a nossa função fiscalizadora e mais eficiente colaboração da Assembleia Nacional ao Poder Executivo.
Tudo quanto se contém no presente parecer das contas públicas esclarece tão clara e suficientemente sobre a execução que o Governo deu ao Orçamento Geral do Estado de 1950 que desnecessário seria que eu viesse fazer quaisquer considerações.
É, pois, sem a pretensão de fazer uma análise às Contas Gerais do Estado de 1950, que está feita no parecer da nossa Comissão, nem emitir apreciações que não constem do parecer, que pedi para fazer - uso da palavra. Desejo apenas destacar aquilo que mais chamou a minha atenção e considero fundamental no exame a fazer às coutas.
Neste exame cabe, em primeiro lugar, saber se o resultado das contas acusa o equilíbrio que se exige, isto é, se as receitas cobradas excederam ou, pelo menos, igualaram o montante das despesas totais.
Ora acontece que no ano económico de 1950 esse resultado acusa um saldo positivo de 29:587 coutos, assim obtido:

Contos
Receitas ordinárias ................ 4.825:019
Receitas extraordinárias ........... 319:624 5.145-143
Despesas ordinárias ................ 4.034:459
Despesas extraordinárias ........... 1.081:097 5.115-556
Superavit 29:587

Por este fecho das coutas verifica-se que o Governo satisfez cabalmente a condição basilar exigida pelo Estado Novo para haver boa administração financeira.
Não basta que haja equilíbrio orçamental, isto é, que a previsão das receitas seja igual ou superior ao orçamento das despesas. Exige-se também que o equilíbrio seja mantido no resultado das contas.
Quem administra dinheiros do Estado tem o dever de manter durante todo o ano económico a1 constante preocupação de chegar ao fim do ano com as contas equilibradas. Tem de estar constantemente atento a cobrança das receitas - e à efectivação das despesas, para que o fecho das coutas não traga a desagradável surpresa do deficit, que a Revolução Nacional baniu completamente da administração pública portuguesa.
E para administrar com esta segurança são necessários cuidados especiais e ter a coragem de enfrentar situações difíceis quando, por vezes, for indispensável tomar medidas que, embora desagradem a alguns, tem a superior vantagem da defesa do interesse comum.

Página 688

688 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 150

E assim é que, em resultado do fecho das coutas públicas de 1950, o que aliás se tem verificado anualmente desde que Salazar administra as finanças do Estado, eu desejo manifestar a minha satisfação e louvores que ao Governo são devidos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Conhecida a existência do saldo positivo das contas, na importância de 29:587 contos, vejamos seguidamente se o Orçamento Geral do Estado de 1950 foi bem elaborado.
Como é sabido, sómente é enviada à Assembleia Nacional a Lei de Meios, para depois da sua apreciação e aprovação o Governo elaborar o Orçamento Geral dó Estado.
Perguntar-se-à então: teriam sido bem feitas a previsão das receitas e o orçamento das despesas?
E o que vamos ver.
As contas gerais mostram, em relação às receitas, estas importâncias:

Contos
Receitas previstas .................. 4.568:597
Receitas cobradas ................... 4.825:519

Houve, pois, um excesso de cobrança sobre a previsão na importância de 256:922 contos, o que traduz ter havido unia previsão cautelosa e não muito afastada da realidade, além de mostrar o zelo dos funcionários encarregados da fiscalização e cobrança efectiva das receitas.
Relativamente à previsão feita para 1950, teremos, pois, de concluir que nesta parte» o Orçamento Geral do Estado foi bem elaborado.
Em relação às despesas ordinárias, as coutas gerais apresentam as importâncias seguintes:

Contos
Despesas ordinárias ............. 4.434:932
Despesas pagas ................... 4.034:459

A diferença de 400:473 contos mostra-nos que o orçamento das despesas de 1950 não andou demasiadamente longe da realidade e prova também o cuidado que houve por parte do Governo e dos serviços públicos dos onze Ministérios na redução possível das despesas para assegurar a exigência legal do equilíbrio das contas no final do ano económico.
Vemos, pois. que o Orçamento Geral do Estado para 1950 foi bem elaborado, tanto na- parte que diz respeito à previsão das receitas, como na parte que se refere ao orçamento das despesas.
E só por motivo da cautelosa previsão das receitas e das economias possíveis realizadas nas despesas o Governo conseguiu a margem de segurança para o equilíbrio das contas e ainda destinar a importância de 761:473 contos das receitas ordinárias para pagamento das despesas extraordinárias.
Estas despesas foram pagas pelo excesso de receitas ordinárias sobre despesas da mesma natureza e por lima parte de receitas extraordinárias provenientes unicamente de empréstimos, nas importâncias seguintes:

Contos
Despesas extraordinárias pagas por conta,
de empréstimos ................................ 319:024
Despesas extraordinárias pagas por conta
de receitas ordinárias ........................ 761:473

Acontece assim no ano de 1950, pela primeira vez, que as despesas extraordinárias foram pagas pelas receitas do mesmo nome num quantitativo inferior ao das receitas ordinárias. E isto é sintoma de que há falta de receitas, e, portanto, as obras extraordinárias terão de
sofrer uma paralisação no seu ritmo actual se o volume das receitas não for aumentado.
Orçamentològicamente e constitucionalmente nenhum reparo terei a fazer à elaboração do Orçamento Geral do Estado para 1950 nem à sua execução, pois tudo foi cumprido dentro dos respectivos preceitos legais.
Porém, o montante das receitas em relação ao volume das despesas ordinárias e extraordinárias faz-nos advertências sérias, a que não posso deixar de me referir.
Se é verdade que pagar despesas extraordinárias com receitas ordinárias é sinal de sã administração financeira e de cuidada e vigiada execução do orçamento do Estado, certo é também que isto nem sempre será possível, nem é façanha que por muitas e sucessivas vezes se possa repetir sem afectar a eficiência dos serviços e comprometer o regular andamento das obras.
Sem receitas não se podem fazer despesas nem pode haver obras, quer estas sejam reprodutivas quer sumptuárias.
Constitucionalmente os empréstimos só podem ser utilizados em aplicações extraordinárias de fomento económico, amortização de outros empréstimos, aumento indispensável do património nacional ou necessidades imperiosas de defesa e salvação pública.
O Governo deu aplicação legal às receitas desta proveniência; mas, como não fossem suficientes para cobrir a totalidade das despesas feitas, teve de recorrer ao excesso das receitas sobre as despesas ordinárias.
Fez-se, portanto, boa administração.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas, como disse, o montante das receitas em relação ao volume das despesas ordinárias e extraordinárias causa uma advertência séria, que o relator do parecer põe à consideração do Governo.
Considera-se indispensável e imperioso que se dê continuidade à obra grandiosa de reconstituição nacional que o Estado Novo tem realizado com o aplauso geral dos Portugueses. Mas, para tal se conseguir, e tendo em atenção a advertência que as contas traduzem, será necessário financiar o Orçamento Geral do Estado com um aumento de receitas ordinárias ou novo empréstimo.
O problema não é novo, diz o relator do parecer. E para o resolver aconselha o estalido cuidadoso das possibilidades da matéria tributável, para não se ferir o equilíbrio social e económico, e o exame atento doa queixumes e das resistências ao pagamento, por haver alguma contribuintes que pagam mais em relação a outros, apesar de se encontrarem nas mesmas ou idênticas situações tributárias. Enfim, da Leitura do parecer resulta claramente haver algumas anomalias na distribuição da carga fiscal.
E, eu posso confirmar que assim é, pois tenho conhecimento de que há prédios recentemente construídos em Lisboa cujos proprietários pagam dezenas de, milhares de escudos ide contribuição predial; ao passo que por prédios idênticos há muitos anos construídos se pagam apenas umas escassas centena» de escudos.
Estou, pois, convencido de que a resolução do problema do aumento das receitas pública deve ser encontrada, em grande parte, ma distribuição equitativa da colecta.
Em presença destas considerações é lógico formular as seguintes perguntas:

O Governo não toma providências? Não atende os queixumes dos contribuintes que pagam mais em relação a outros, nem obriga estes ao pagamento justamente devido?
Eu julgo que poderei responder a estas perguntas.
Pelo Ministério das Finanças, o seu ilustre titular e nosso colega na Assembleia Nacional, Sr. Doutor

Página 689

16 DE ABRIL DE 1952 689

Águedo de Oliveira, nomeou e empossou três comissões, se mão estou em erro, ficando uma encarregada de estudar a revisão do direito fiscal, outra encarregada da reforma da técnica fiscal e a terceira da eficiência dos serviços públicos.
Parece, pois, que poderemos ter confiança e a certeza de que os princípios estabelecidos por Salazar em 1929 serão adaptados às realidades actuais.
Mas, Sr. Presidente, dever-se-ão também tomar na devida consideração os três princípios fundamentais preconizadas pelo relator das contas públicas: o do aproveitamento máximo dos recursos do solo e subsolo nacionais; o da primazia dos investimentos em obras de carácter reprodutivo, e o da coordenação das economias ultramarinas e metropolitanas.
Se este for o vosso lema, a Nação continuará a caminhar com segurança, sem temor do futuro.
Não quero finalizar as minhas considerações sem dar toda a minha concordância às conclusões do parecer.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão será amanhã, a hora regimental, tendo como ordem do dia a continuação da discussão das Contas "Gerais do Estado relativas a 1930, a discussão das contas da Junta do Crédito Público do mesmo ano e ainda a efectivação do aviso prévio do Sr. Deputado Manuel Lourinho acerca dos melhoramentos rurais e disposições legais que concedem as comparticipações.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 55 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão.

António Jacinto Ferreira.
Ricardo Malhou Durão.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Cruz.
Américo Cortês Pinto.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

Rectificação

No suplemento ao Diário das Sessões n.º 140 devem introduzir-se as seguintes alterações:

Na p. 616-(1), col. 2.ª, 1. 2.ª, onde se lê: "Montante nominal da dívida pública naquela", deve ler-se: "Redução no montante nominal da dívida pública naquela";
Na p. 6l6-{4). col. 2.ª, o quadro que tem por título a Saldos orçamentais e de contas" deve ser substituído pelo seguinte:

Arrecadaram-se de receitas ordinárias ............... 4.826:131.066$60
Utilizaram-se de receitas extraordinárias ........... 319:633.740$70
Total das receitas gerais ................... 5.145:764.807$30

Gastaram-se em:

Despesas ordinárias .................. 1.035:172.142$90
Despesas extraordinárias ............. 1.082:522.964$80 5.117:695.107$70

Logo, o excesso das receitas gerais sobre as despesas gerais do Estado - saldo efectivo da Conta - é de ............. 28:069.699$60

Na p. 616-(5), no final da col. 2.% deve ser mencionado o quadro seguinte:

Saldos orçamentais e de contas

[Ver Quadro na Imagem].

Página 690

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×