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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 151
ANO DE 1952 17 DE ABRIL
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 151 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 16 DE ABRIL.
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMÁRI0: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas 5 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 150, com uma rectificação do Sr. Deputado Pinto Barriga.
Deu-se conta do expediente.
Usaram da, palavra os Srs. Deputados Elísio Pimenta e Jacinto Ferreira, tendo enviado para a Mesa requerimentos.
Ordem do dia. - Continuou a discussão das Contas Gerais do Estado relativas ao ano de 1950. Usaram da palavra os Srs. Deputados André Navarro e Mendes Correia.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 noras e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 10 horas e 53 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam, os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto doe Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimento Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Luís Augusto das Neves.
Joaquim Dinis da Fonseca.
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Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Galvão.
José Garcia Nanes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa (Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Numes Teixeira.
Tito Castelo Branco Arantes.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 67 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 150.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer a seguinte rectificação ao Diário das Sessões n.º 150: a p. 680, col. 2.ª, 1. 40.ª onde se lê: «a exigência da apresentação», deve ler-se: «a exigência, por força do artigo 171.º, da apresentação».
O Sr. Presidente: - Não havendo mais nenhum Sr. Deputado que peça a palavra sobre este Diário, considero-o aprovado com a reclamação apresentada.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Exposições
Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Excelência. - Os agricultores da província de S. Tomé e Príncipe deram o seu inteiro apoio à longa exposição dirigido, a V. Ex.ª pela secção corporativa ultramarina da Associação Comercial de Lisboa, onde pormenorizadamente se fazia a análise dos vários aspectos político, económico e jurídico do Decreto n.º 38:704.
Mas, porque a agricultura daquela província, reunida em assembleia magna no Centro Colonial, devidamente ponderou as irrefutáveis diferenças1 existentes entre as condições de exploração agrícola em S. Tomé e Príncipe e nas outras províncias ultramarinas visadas no Decreto n.º 38:704, julgou pertinente expor a V. Ex.ª tão-sòmente algumas considerações sobre a possível aplicação do decreto às actividades económicas da província que representa.
Salvo o devido respeito, seja-nos permitido desde já salientar o espanto e a mágoa com que toda a agricultura de S. Tomé e Príncipe foi surpreendida pela inclusão no referido decreto do seu produto fundamental - o cacau- e de um produto subsidiário - a copra. Não podendo de forma alguma compreender o critério que presidiu a tal inclusão, façamos uma breve resenha do que foi e do que é a exploração agrícola daquela nossa província.
A agricultura de S. Tomé e o seu estado económico
Não há muito, precisamente em 1949, quando a espectacular baixa de cotação dos produtos fez temer a aproximação de nova crise, teve este Centro oportunidade de apresentar a S. Ex.ª o Presidente do. Conselho uma exposição sobre o estudo económico da província. Nela se fazia a análise dos vários factores da produção. Desse trabalho seja-nos permitido transcrever as considerações finais, aí largamente documentadas:
a) S. Tomé e Príncipe encontra-se em estado de franca decadência, com a sua capacidade produtiva profundamente depauperada;
b) A Natureza, na sua dupla expressão solo-vegetação, encontra-se gravemente afectada com uma degradação dos solos, que conduziu à diminuição, por vezes catastrófica, da sua fecundidade e, em todos os casos, à limitação do seu aproveitamento;
c) A crise financeira que atingiu a ilha de 1929 a 1939, primeiro, e, depois, a segunda conflagração mundial cercearam os esforços então despendidos pela agricultura para um trabalho de recuperação, e as baixas cotações do primeiro produto da ilha - o cacau - impossibilitaram a muitos de manter o que tinham e a todos de recuperar o que mantinham. Note-se que neste período- encontrou-a agricultura de S. Tomé, tanto no Governo Central como no Governo local, o mais alto espírito compreensivo, e se não fora mas medidas então tomadas esta época teria possivelmente marcado o fim da fase agrícola iniciada na ilha no século passado, que tão brilhantemente ilustra uma das nossas grandes obras colonizadoras, como atestam as opiniões de vários autores apontados;
d) A recuperação agrícola da colónia só é possível com grandes disponibilidades de mão-de-obra, pois consideramos qualquer ideia de mecanização falha de sentido dentro do condicionalismo ecológico das ilhas, excepção feita aos transportes e tecnologia dos produtos, onde essa mecanização foi levada até onde se tornou possível e julgou necessário;
e) As cotações favoráveis que, com escasso período de dois anos, bafejaram os produtos coloniais teriam criado possibilidades de se encetar uma recuperação agrícola de fundo, se não fora uma errada visão económica, que levou o encarecimento do factor trabalho além do que seria prudente desejar;
f) Actualmente, passado o fugaz período de altas cotações e em pleno período de baixa, tornou-se inviável qualquer ideia de recuperação, desde que não se alterem profundamente os encargos dos vários factores da produção;
g) Porém, mais grave que o abandono da ideia de revalorização da ilha é a impossibilidade de continuai1 o existente, pois o custo dos factores de produção, principalmente do factor mão-de-obra, mercê de várias causas, e de que desejamos destacar um esbanjamento legislado de certos dos seus elementos, principalmente do regime alimentar, conduz S. Tomé e Príncipe a uma situação de rápida, insolvência, desde que não se tomem oportunas e rápidas medidas.
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Isto foi escrito em 1949. Felizmente para a província, os anos seguintes foram novamente bafejados por uma subida de cotações, o que permitiu continuar a recuperação, já encetada em 1942, com aquele esforço e aquela fé que caracterizam os seus agricultores, apesar do constante aumento do custo dos factores de produção que se vem verificando de 1949 a esta parte.
A evolução da agricultura de S. Tomé e Príncipe, nomeadamente do seu primeiro produto - o cacau -, desde os tempos de primeiro produto mundial até ao estado de depauperamento em que se encontra, é facilmente compreensível e justificada por duas causas fundamentais, que estão na base do seu empobrecimento.
Em primeiro lugar, uma deficiente interpretação geral da melhor forma de conduzir a cultura levou ao desastre do rubrocinta - 1916-1920 -, que tão graves consequências futuras havia de ter, e depois a crise mundial de 1929-1939, a que se seguiu a guerra, com as exportações praticamente paralisadas até 1945.
A doença e, sobretudo, a crise de 1928 a 1939 «fizeram soçobrar muitas empresas, e a tal ponto que o Banco Nacional Ultramarino teve, como se sabe, de constituir uma companhia (actualmente a maior, em área, de S. Tomé) com todas as roças que, não tendo já possibilidades financeiras de viver, tiveram de se lhe entregar para resgate e pagamento dos seus débitos».
Os números da exportação desde 1910 até hoje reflectem bem este estado de coisas:
Quilogramas
1910 ............................. 33.285:067
1911 a 1915 (média) 1920 ......... 31.000:000
1920 ............................. 19.018:762
1925 ............................. 18.935:069
1930 ............................. 9.645:000
1935 ............................. 10.887:064
1941 (a) ......................... 7.135:569
1942 ............................. 7.902:890
1943 ............................. 7.134:357
1944 ............................. 7.863:051
1945 ............................. 8.118:488
1946 ............................. 6.932:017
1947 ............................. 8.006:586
1948 ............................. 6.967:000
1949 ............................. 8.324:430
1950 ............................. 8.002:845
Vale a pena transcrever o que S. Ex.ª o Governador de S. Tomé e Príncipe, tenente-corbnel Carlos Gorgulho, escreveu no seu relatório de 1945:
Muita gente ainda se recordará certamente de que as ilhas de S. Tomé e Príncipe chegaram a ter a hegemonia do cacau. Mas esta hegemonia foi perdida:
1.º Pelo definhamento e morte de milhões de caneiros; portanto, perda de produção, que de 34 milhões de quilogramas desceu assustadoramente a uma média de 7 milhões, aproximadamente, com tendência para diminuir;
2.º Pela escassez da mão-de-obra de Moçambique e Angola, que paralisou o envio de braços - os mapas anexos (no relatório de S. Ex.ª o Governador) mostram-nos as zonas actualmente abandonadas por falta de mão-de-obra.
Não passe sem reparo 10 esforço, carinho e vontade com que o agricultor de S. Tomé, totalmente desamparado, sem um único auxílio que não fosse de carácter
meramente particular, procurou debelar a doença e fazer face à crise.
Logo que «s efeitos do rubrocinta se começaram a fazer sentir, foram enviados à província, unicamente a expensas dos agricultores, os mais eminentes patologistas e entomologistas da época, quer nacionais, quer estrangeiros, ,e com o seu conselho e com a tenacidade da agricultura se encetou imediatamente -com êxito, deve-se assinalar o combate à terrível praga. Os números da exportação atrás alinhados mostram bem este aspecto. Tendo caído a produção de 1915 a 1920 em cerca de 12:000 toneladas, essa perda é sustada no quinquénio seguinte, mantendo-se a produção ao mesmo nível.
Contudo, e mau grado nosso, o rubrocinta não tinha sido senão uma consequência do que já então se sabia ser a causa fundamental - esta, contudo, de muito mais difícil intervenção e nalguns casos incontrolável: a desarborização e a irregularidade climática e de chuvas que dominaram aquela zona equatorial.
Estes dois factores deixaram definitivamente marca indelével no equilíbrio agro-climático da província. Assiste-se então à queda vertical das produções. Mesmo assim, e .completamente desamparados, o desânimo não se apossou dos homens de S. Tomé. Novos cientistas mundiais se deslocam à ilha, ainda exclusivamente a expensas de alguns agricultores, e encetava-se a recuperação quando deflagra a crise mundial. O que foi este longo período para as plantações está bem vivo na presença de todos para que seja necessário relembrá-lo. Alguns soçobravam -é desta data a constituição da Companhia Ilha de S. Tomé -, mas aqueles que, à custa de todos os sacrifícios, conseguiram ultrapassar a tormenta viram o estado de depauperamento em que se encontravam os seus haveres.
Não houve desânimo. Assim é que, após a guerra, e logo que uma melhoria de cotações o permitiu, abertamente se lançam no aproveitamento e recuperação de todas as suas terras, investindo lucros e novos capitais. A deflação de cotações havida em 1949, e porque o custo dos factores de produção, principalmente do factor mão-de-obra, tinha sido elevado a um ponto incompatível com aquelas cotações, criou uns meses: de expectativa, que, felizmente, foram de pouca dura. O trabalho de recuperação continuou. Bem o atesta a evolução da população agrícola activa de serviçais adultos em S. Tomé e Príncipe.
Tendo descido a um nível de 17:500 em 1947, ele é hoje de cerca de 25:000; bem o atesta a elevada soma de capitais que ultimamente têm sido investidos na renovação de todos os maquinismos transformadores, bem o atesta o rápido esforço que se tem feito na mecanização de todos os transportes, etc.
Actualmente e ainda a braços com problemas de difícil resolução, dos quais grandemente avulta a enorme dificuldade na obtenção da mão-de-obra (em 1951, pedidos feitos, 10:636 serviçais; entrados, 3:716) e a falta de qualquer apoio agronómico (numa colónia exclusivamente agrícola, que tantos réditos tem dado ao País, só há pouco foram criados uns insuficientes e mal dotados serviços agrícolas), a agricultura de S. Tomé trabalha e progride, desde que lhe não sejam coarctados os meios para tal fim. A execução do Decreto n.º 38:704 conduzirá irremediavelmente a uma situação de rápida insolvência.
O Decreto n.º 38:704 e a sobrevalorização do cacau.
O Decreto n.º 38:704 considera que o cacau produzido nas ilhas de S. Tomé e Príncipe está actualmente em sobrevalorização e que por razões apontadas no intróito do mesmo, que não se discutem, o Governo vê
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conveniência em arrecadar 20 por cento de 75 por cento da mais valia e congelar 50 por cento desse» mesmos 75 por cento para um capital de fomento a aplicar segundo as disposições do artigo 7.º do mesmo decreto.
Salvo o devido respeito, queremos apreciar esse conceito da sobre-valorização do cacau.
Analisemos as cotações do cacau (fino de S. Tomé na praça de Lisboa, expressas em escudos-ouro, por cada 15 quilogramas, desde 1891 a 1927 (a):
1891 .................. 3$29
1892 .................. 3$56
1893 .................. 4$11
1894 .................. 4$27
1895 .................. 2$72
1896 .................. 2$70
1897 .................. 3$41
1898 .................. 4$55
1899 .................. 3$98
1900 .................. 4$34
1901 .................. 3$80
1902 .................. 3$61
1903 .................. 3$31
1904 .................. 3$51
1905 .................. 3$25
1906 .................. 3$70
1907 .................. 5$08
1908 .................. 3$76
1909 .................. 3$23
1910 .................. 3$10
1911 .................. 3$39
1912 .................. 3$64
1913 .................. 4$27
1914 .................. 3$78
1915 . ................ 5$03
1916 .................. 4$79
1917 .................. 4$05
1918 .................. 5$80
1919 .................. 7$53
1920 .................. 7$62
1921 .................. 3$84
1922 . .. ............ 3$98
1923 .................. 2$71
1924 .................. 2$76
1925 ................... 3$12
1926 .................. 3$21
1927 .................. 4$69
Deste quadro verifica-se que as médias das cotações no 1.º, 2.º e 3.º decénios e no último período apontado foram respectivamente de 3$69(3), 3$63(7), 4$99 e 3 $47, o que dá a média geral, neste longo período de trinta e sete anos, de 3$95. Actualmente, a cotação de 315$, quando expressa em escudos-ouro, indica 4$05 por cada 15 quilogramas (b).
É curioso apontar que a cotação média de 1949, uma das bases indicadas no decreto para cálculo de mais valia, foi de 2$10 (c), quer dizer, bastante inferior à média do período de trinta e sete anos atrás apontada, e muito inferior até à mínima cotação atingida em todo aquele espaço de tempo.
A cotação de 1949, em toda a longa vida do cacau de S. Tomé e Príncipe, só vai encontrar paralelo ou porventura números mais baixos na crise de 1929-1939, isto é, na época em que grande número de propriedades se entregaram ao Banco Nacional Ultramarino, por insolvência. É trágica a verificação deste facto.
Os números apresentados dispensam qualquer comentário, para bem se poder ajuizar sobre a não existência de qualquer sobrevalorização nas cotações actuais do cacau.
No que se refere u copra, ainda que já largamente tratada na exposição da secção corporativa ultramarina da Associação Comercial de Lisboa, não queremos deixar de focar o erro e a injustiça de se lhe atribuir qualquer sobrevalorização:
1.º Forque actualmente nem em números absolutos existe qualquer mais valia;
2.º Porque, cultivada a copra na província para evitar os graves inconvenientes económicos da monocultura, uma vez incluída no Decreto n.º 38:704, logo desaparecem os seus efeitos benéficos sobre tais inconvenientes;
3.º Porque o encargo estadual que actualmente onera a copra, 37,5 por cento ad valorem (a), é de tal grandeza que ultrapassa todas as possibilidades de nova tributação.
Mas terá acaso o custo de produção descido a níveis que justifiquem a ideia de sobrevalorização?
Não é nosso intuito avaliar o custo de produção do cacau nas ilhas de S. Tomé e Príncipe.
De resto, a determinação do custo de produção em agricultura abrange tal âmbito que naturalmente sai fora do propósito desta exposição. Se cada agricultor ou pelo menos a maioria dos agricultores têm esses custos determinados para as suas empresas, o problema na generalidade ainda está por resolver, e, como se sabe, nada há mais errado em qualquer ramo de agronomia do que a generalização apressada, mormente numa província de zonas tão díspares.
O estudo do custo de produção dos cacaus de S. Tomé e Príncipe, ainda por determinar, não compete à agricultura fazê-lo. Esta, quando muito, facultará, e da melhor vontade, a qualquer entidade que o queira os elementos de que careça para tal estudo. Estamos certos de que, se já algum trabalho tivesse sido realizado neste sentido, não haveria a ideia da sobrevalorização do cacau às cotações actuais e não seríamos surpreendidos com a inclusão deste produto no Decreto n.º 38:704.
Não querendo, portanto, enveredar pela apresentação de números de custo de produção com carácter unicamente particular, vejamos, em épocas diferentes, o custo de um dos seus factores e comparemo-lo com as cotações do cacau.
Nenhum melhor do que a mão-de-obra se ajusta a este propósito, porquanto o seu exame pode-nos elucidar, em parte, sobre a pergunta atrás formulada, isto é, se o custo de produção desceu a níveis que justifiquem a ideia da actual sobrevalorização. De facto, o custo da mão-de-obra é indiscutivelmente o factor que mais onera o custo de produção do cacau, e principalmente o custo da mão-de-obra é o factor mais perfeitamente generalizável a toda a agricultura da província, em S. Tomé
(a) Percentagens
Direitos alfandegários ............ 15,88
Adicional de 10 por cento ......... 1,58
Emolumentos ....................... 1
Taxa de licença ................... 1
Fundo de melhoramentos ............ 7
Câmara............................. 2
Contribuição predial (50 por cento dos direitos
alfandegários). ................... 8,73
37,54
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e Príncipe, desde os salários às tabelas de alimentação -, desde o vestuário ao alojamento, desde a assistência clínica te cirúrgica à hospitalização, gastos de farmácia, etc., tudo é de conta do agricultor e está perfeitamente determinado e fixado pelo Governo.
Apontemos o custo da mão-de-obra em 1928 - único ano em que encontramos um número emanado de uma entidade pública - e comparemo-lo com o actual.
Em 1928 um trabalhador custava anualmente 1.552$30, segundo o cálculo feito pelo Dr. Costa Neves, curador-geral dos serviços indígenas (a), e a cotação do cacau oscilava à volta dos 80$ cada 15 quilogramas.
Actualmente, e seguindo rigorosamente o critério anterior para a sua determinação, o custo de um trabalhador é de 5.549$85 por ano e a cotação do cacau oscila à volta de 315$ cada 15 quilogramas.
Devemos frisar que o ano de 1928 está já longe de representar a prosperidade da ilha, sendo, contudo, a produção unitária muitíssimo superior à actual. Assim, a mão-de-obra, apesar de nas duas épocas consideradas ter sensivelmente o mesmo factor de proporcionalidade com a cotação do cacau, onera hoje muito mais o custo de produção daquele produto, pelos mais baixos rendimentos unitários.
Dos números apresentados só se pode logicamente concluir que não existe actualmente qualquer sobrevalorização do cacau.
Além disso a agricultura da província não suporta de modo algum quaisquer novos encargos. A simples análise do valor das suas exportações, quando comparado com os dois factores que mais oneram o custo de produção (mão-de-obra e encargos estaduais), bem o demonstra:
[Ver Quadro na Imagem].
Nota. - As quantidades, por não termos ainda números de produção, são a incidia de exportação dos anos de 1949 e 1950, conforme a Secção Central de Estatística da província de S. Tomé e Príncipe. As cotações indicadas são as actuais.
O custo da mão-de-obra. para cerca de 25:000 serviçais actualmente existentes na colónia é de 142:500 contos, o que, adicionando ao orçamento geral da colónia para 1952, incluindo a J. L. P. e o orçamento da Câmara Municipal, tudo no valor de 63:500 contos, perfaz o total de 206:000 contos.
É evidente que os encargos estaduais não são todos directamente suportados pela exportação, mas, numa província exclusivamente agrícola, a pequena parte que ultrapassa- o encargo directo constituirá fatalmente um encargo indirecto. Estes números bem parecem demonstrar o efeito de qualquer nova tributação, seja sob que forma for, na agricultura da província.
Não se diga que uma ou duas empresas apresentaram nos dois últimos anos lucros avultados. Nada há mais errado, como atrás dizemos, do que a generalização apressada, e na província de S. Tomé e Príncipe o problema deve ser encarado pela vida da pequena, média ou mesmo grande empresa que condições excepcionais não bafejam. Se uma ou outra casa apresentou lucros, porventura devido a possuírem zonas mais ricas, transportes mais fáceis ou mais adequadas defesas aos vários flagelos apontados que destruíram as plantações, esses lucros estão longe de constituir uma legítima remuneração dos largos capitais investidos, se atendermos, principalmente, que esses capitais foram constituídos em valores-ouro e os lucros não alcançam sequer a taxa normal de juro em agricultura. De qualquer forma não podem servir de índice à esmagadora maioria, que ainda hoje se debate, numa luta tantas vezes mal compreendida, para repor as suas plantações ou para resgatar os seus débitos.
São estas as considerações que nos permitimos levar à esclarecida visão de V. Ex.ª, independentemente da análise feita na exposição da secção corporativa ultramarina da Associação Comercial de Lisboa.
Seja-nos, porém, lícito ainda salientar que S. Tomé e Príncipe, devastada por várias inclemências, a braços com um custo de produção onde avulta o factor trabalho acima das actuais possibilidades de produtibilidade du província, com encargos estaduais que nalguns produtos atingem cerca de 37,5 por cento ad valorem, como nas oleaginosas, não pode de qualquer forma sofrer novas formas de tributação, sob pena de soçobrar.
Nesta ordem de ideias, a agricultura de S. Tomé e Príncipe pede a V. Ex.ª a revogação do Decreto n.º 38:704, de modo que uma das parcelas do Império não tenha fatalmente de sucumbir ao peso dos seus infortúnios.
A bem da Nação.
Lisboa, 16 de Abril de 1952. - Centro Colonial, o Presidente de Direcção, Manuel Mendes da Silva.
A S. Ex.ª o Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Lisboa. - Excelência. - As repercussões psicológicas do Decreto n.º 38:704 no ambiente ultramarino foram de tal amplitude que í elas não podemos deixar de nos referir em primeiro lugar.
Sente-se e observa-se um desânimo gemi, fonte de um perigoso desencorajamento para continuar a levar a efeito a obra grandiosa em que as nossas províncias ultramarinas estavam empenhadas, germe de uma, destrutiva falta, de confiança, atrofiadora da iniciativa, que é, sem dúvida, a força impulsionadora das realizações produtivas.
E porque o Decreto n.º 38:704, na sua concepção e na sua forma, parece ignorar as épocas difíceis, ainda relativamente próximas, em que empresas e colonos tiveram de fazer face, à custa, de inigualáveis sacrifícios, a crises que quase os iam aniquilando, e durante as quais só tiveram por apoio a sua fé e a sua tenacidade, parece desconhecer que, apesar das reais possibilidades que a alta dos preços dos produtos lhes proporcionou, muitos há que só agora estão a, atingir um salutar estado de desafogo económico e, finalmente, parece esquecer que o benefício colhido dos melhores preços tem sido na sua maior parte aplicado no alargamento ou aperfeiçoamento das próprias instalações, na constituição de novos empreendimentos agrícolas, industriais e comerciais e no desenvolvimento da propriedade urbana, ainda mais sentido é esse desânimo.
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O Decreto n.º 38:074 nos seus aspectos político, económico e jurídico
Uma completa apreciação do Decreto n.º 38:704 impõe a sua análise nos aspectos político, económico e jurídico.
Sob o ponto de vista político sobreleva desde já, no seu aspecto externo, a projecção que necessariamente se há-de fazer repercutir nas actividades do comércio de exportação.
O comércio de exportação alicerça-se na vida de relações com os mercados externos onde exerce a sua actividade e acção. Neles procura colocar, pelo preço mais remunerador possível, os produtos das actividades económicas da produção, em ordem à efectivação de um interesse que tanto é do próprio comércio como da produção e, portanto, das actividades económicas no ultramar.
Nisso reside o lucro do exportador e da produção, essencial para estimular as actividades, despertar o gosto pelo trabalho e fazer regressar ao País, traduzido em moeda ou outros valores, o produto do lucro, cujo líquido representa o rendimento do capital e do trabalho.
Quanto maior for esse lucro maior é a riqueza que entra no País.
Está, portanto, indicado que tanto o interesse da Nação como o do particular é o de obter nos mercados externos os maiores preços e mais remuneradores.
Ora, o decreto começa por assinalar que aos nossos produtos de exportação são atribuídos preços altamente elevados, fazendo até destacar certo número de produtos, que são detalhadamente marcados.
Isto representa indicar aos mercados externos, e até dizer-lhes, que os preços neles alcançados são demasiadamente elevados e que estão a pagar aos nossos produtos preços sobre valorizados; isto é apontar aos mercados externos que eles dão uma sobrevalia aos nossos produtos que não está de harmonia com os custos dos mesmos.
Nós somos um país pequeno, de reduzida compleição económica e financeira, para podermos ter qualquer peso ou influência nos mercados mundiais.
A luta nos mercados externos pela conquista de um lugar para os nossos produtos sabe-a avaliar o Governo, através dos laboriosos trabalhos que tem empreendido para a realização dos acordos, comerciais, e sabe-a e conhece-a em demasia o comércio exportador, que, desde largos e acidentados anos, viveu os sacrifícios na luta de todos os momentos para vencer a concorrênia e conquistar meneados compradores.
É que a nossa produção na concorrência dos mercados externos se mostra .tão diminuta e relativamente pequena que neles não exerce qualquer espécie de influência. Desde as nossas 8:000 toneladas de cacau até às 700:000 toneladas mundiais; desde as actuais 60:000 toneladas de café até ao 1.800:000 toneladas mundiais; desde as 45:000 toneladas de copra até ao 1.700:000 toneladas mundiais; desde as 40:000 toneladas de sisal até às 340:000 toneladas mundiais; desde as actuais 45:000 toneladas de manganês até aos 6.000:000 de toneladas mundiais, existe uma tal desproporção que mostra não terem as nossas produções a possibilidade de comandarem os preços nos mercados exteriores. Os preços dos nossos produtos são, fundamentalmente, os preços que os mercados externos fixam.
Sabe-se mais que os grandes mercados inglês e americano são comandados e dirigidos pelos seus respectivos Governos e que estes são orientados pelo conjunto de interesses, que ligam a Inglaterra à sua comunidade e
a América aos países da América Latina, onde se abastece de cacau, sisal e café, e à zona de influencia das Filipinas, onde se abastece de copra. E preciso, também, lembrar o regime diferencial com que protegem os seus mercados abastecedores, não devendo desconhecer-se a sobrecarga de imposições fiscais e de fretes que os nossos produtos têm de suportar quando concorrem nesses mercados.
Ë assim, e é por isso, que os nossos preços efectivamente realizados estão longe de corresponder, no seu resultado líquido, ao daqueles por que se pautam- as cotações efectuadas nesses mercados.
E como esses dois grandes países são quem estabelece os contingentes e comanda os preços, a doutrina do decreto convida-os a baixar e diminuir os preços para os nossos produtos, ao mesmo tempo que se lhes leva a errada impressão de que os nossos custos de' produção são muito inferiores aos dos outros centros produtores.
Sob este aspecto, mais que erradas, são infelizes as palavras que constam do preâmbulo do decreto quando se diz: «excepcional prosperidade», «ganhos inesperados», porque, além de o não serem, o nível de preços atingido nos mercados externos foi apenas, ou (principalmente, determinado pela concorrência entre os grandes produtores - que nós não somos - e os grandes mercados consumidores - que nós não controlamos.
Isso basta para mostrar que esses preços correspondem à normal e justa remuneração da produção, porque correspondem aos resultados da concorrência orientada por produtos doutras origens.
Nós, como sempre, seguimos na esteira dos destinos desses mercados, quer na horas de grandeza, quer nas horas de depressão e infortúnio.
Se, sob o ponto de vista de política comercial externa, proclamar a nossa prosperidade é um princípio que pode acarretar graves inconvenientes, sob o ponto de vista interno, proclamá-la, e tolhê-la, é enveredar por um caminho de resultados não menos gravosos, seja no que respeita às actividades do comércio interno, seja relativamente às actividades da produção em geral, e, designadamente, às do produtor indígena e do pequeno agricultor.
O comércio interno, que se desdobra em comércio de venda e de compra, sentiria automaticamente caírem verticalmente as suas actividades.
O comércio de compra de produtos ao indígena e ao pequeno produtor seria praticado a preços em que teriam de ser deduzidos os encargos do decreto. Isso representaria uma imediata descida nos preços, que provocaria uma larga depressão nas forças de produção, pais desencorajaria o indígena a produzir e colocaria o pequeno produtor em condições de não poder suportar o custo de produção.
Seria o estagnamento ou definhamento do comércio interno de produtos coloniais e com ele o estagmamento do comércio da venda de produtos europeus, nos quais avultam as mercadorias importadas da metrópole. Hoje o saldo positivo do comércio entre a metrópole e as nossas colónias eleva-se já a favor da metrópole por perto de 644:000.000$, sendo de salientar que as exportações da metrópole para o ultramar orçam por mais de 1.700:000.000$.
A política que forçasse à queda dos preços dos produtos coloniais, não só afectaria internamente o desenvolvimento do comércio e da produção das nossas colónias, como afectaria a própria economia da metrópole, que perderia hoje um dos melhores mercados para os seus produtos e agravaria o deficit da sua balança comercial.
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mar. Eis um dos destinos - auxiliar e trabalhar para a metrópole dentro do grande pensamento da unidade imperial, além doutros concursos, que adiante se mostrarão para evidenciar o sentimento de solidariedade que tem prendido os coloniais ao progresso e bem-estar da metrópole.
Se no aspecto político interno e externo a doutrina do decreto não se pode ajustar aos grandes e verdadeiros interesses coloniais, o mesmo teremos que salientar quanto ao seu aspecto económico.
As nossas colónias, como se sabe, são ainda países em formação. A sua povoação e o seu fomento tem «ido quase exclusivamente particular.
O seu progresso e o «eu desenvolvimento devem-se a iniciativa particular, ao esforço e trabalho dos colonos e aos investimentos, que só a poupança tem conseguido amealhar na formação de capitais, e que nas colónias tem sido colocados.
Grandes e graves crises tem atravessado, mormente a de 1929 a 1939, cuja depressão económica fez passar a todos os que mourejam pelas colónias as horas mais amargas e de maiores sacrifícios. Vivia-se então no regime das menos-valias, houve muitos prejuízos a suportar, mas a tenacidade do colono soube enfrentar a crise e soube superá-la à custa do seu trabalho e do seu esforço desprotegido. Não é lógico nem legítimo que nas horas mais afortunarias se coarcte aos colonos o produto de um rendimento que não só serve para resgatar encargos contraídos, cobrir os danos e os prejuízos do passado, como privá-los do que ainda necessitam para dar maior incremento ao desenvolvimento das riquezas por explorar, ao alargamento das que já estão em exploração e onde já há largos investimentos, como ainda para a reposição de toda a utensilagem de primeiro estabelecimento, que as más horas não deixaram amortizar e cujo custo mais que decuplicou.
E o exemplo do passado mostra que os coloniais não precisam, de ser tutelados na administração dos seus dinheiros. Tudo lá investem, desde o dinheiro ao trabalha e até a sua própria saúde.
Não há por isso razão nem fundamento para se dizer, como se proclama a propósito do decreto, que a serão aproveitados para obras de fomento os excessos de lucros que causem perturbações inflacionistas tios nossos territórios de além-mar.
Nunca os excessos de lucros obtidos pela exportação podem originar internamente uma conjuntura inflacionista. Os valores de exportação são riqueza efectiva, porque são créditos sobre o estrangeiro com que se pagam as importações e que, por isso mesmo, descreve uma curva em sentido contrário à inflação.
O problema da inflação dos preços, que por toda a parte existe, esse é devido principalmente a três factores que importa frisar:
1.º O aumento do custo da mão-de-obra por virtude da elevação do nível social do indígena e do agravamento dos custos da alimentação, do vestuário e da assistência médica e hospitalar;
2.º O aumento de todos os artigos de importação, cujos preços nos mercados externos têm vindo a subir, como é notório, numa espiral sempre crescente e que hoje se pode computar numa média de cinco a dez vezes mais em relação a 1939;
3.º O aumento de meios de pagamento que tem engorgitado o mercado interno, no qual as exportações não têm a menor responsabilidade, tanto em relação ao comércio em geral, como em relação ao comércio em especial com os países participantes da União Europeia de Pagamentos. Quer no comércio geral quer naquele comércio especial, a nossa balança comercial é deficitária, o que mostra não serem os meios de pagamentos produzidos pela exportação que geraram o fenómeno, pois nem sequer chegaram para liquidar o saldo das nossas importações.
Com os países do estrangeiro o nosso deficit, conforme as estatísticas do Instituto Nacional de Estatística, é de 2:540 milhões e com a União Europeia de Pagamentos, não conforme as liquidações feitas através do banco emissor, que não traduzem rigor, mas conforme os números da estatística do Instituto Nacional de Estatística, é de 90:000 contos, sendo certo que só com os países da Europa o nosso deficit foi, através da União Europeia de Pagamentos, de 1:423 milhões.
Justiça é, pois, reconhecer que ao fenómeno interno da inflação dos preços é estranha a exportação.
Mas ainda, economicamente, o decreto não tem rigor nos princípios que o informam quando pretende, através do Fundo de Fomento e Povoamento e do capital de fomento e povoamento, cercear ao particular uma onerosa parte dos seus rendimentos e substituí-lo na realização das obras de fomento.
É hoje fora da ética o uso de tal processo à custa de uma fiscalidade que as fixaria as possibilidades do comércio e da produção.
Hoje, a prática o tem demonstrado, querer financiar as despesas de capital pelo tributo é criar uma super fiscalidade e com ela a degradação da moeda, que conduz à inflação dos preços.
Quando os encargos que se impõem à economia constituírem um fardo demasiado oneroso, a sua consequência é o aviltamento da moeda.
E, como dizia há pouco o chefe do Governo Francês, «com uma moeda que se deprecia (por contrapartida da elevação dos preços) as suas consequências são acelerar a sua crueldade contra os humildes, como as mais odiosas injustiças contra todos».
Economicamente seria um erro distrair dos particulares os rendimentos que tão necessários são às iniciativas de fomento, que tão ardorosamente têm realizado, como seria asfixiá-los sobre o peso de encargos que lhes eliminariam as possibilidades de trabalho.
E, se se entender que é necessário intensificar a obra de fomento e povoamento, parece que, em compensação dos sacrifícios feitos pelo ultramar no abastecimento de produtos contingentados, deveria ser a metrópole, à semelhança dos grandes planos elaborados pela França, Inglaterra, Bélgica e América, a fazer o respectivo investimento de capitais.
Para exemplo citemos o plano decenal do Governo Belga para fomento do Congo, que votou para a realização deste grandioso plano uma verba equivalente a ou milhões de contos, que não visa mais que apoiar a iniciativa particular, sendo certo que nesta cifra avulta uma larga verba obtida pelo Plano Marshall.
Isto não representaria, com efeito, mais do que o reconhecimento dos enormes sacrifícios que as colónias têm feito pela metrópole, que roça pela ordem de centenas de milhares de contos, nos preços políticos impostos aos seus produtos para abastecimento da metrópole por menos de metade do valor das suas cotações.
E nesta questão de princípios há ainda que analisar o decreto sob o seu aspecto jurídico.
Este diploma estabelece um princípio de arrecadação de dinheiros do património particular cuja- classificação não encontra cabimento dentro da nomenclatura da legislação em vigor.
Esta forma nem está na tradição nem na orgânica do nosso sistema tributário. Não é um imposto, porque não
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constitui propriamente uma receita para o Estado, tal como é definido pela nossa legislação fiscal: o imposto é a forma da percepção de receitas para o Estado ocorrer às suas despesas.
O imposto, por isso, deve, para atingir essa finalidade, ter um carácter de general idade, porque a sua imposição deve surgir como regra geral, e deve ser informado pelas mesmas regras políticas e económicas da uniformidade, da igualdade e do rigor. Como tal, o só assim, é que os impostos formam um capítulo das receitam do Estado, sistematizado no seu Orçamento Geral.
O decreto, na percepção dos dinheiros que pretende arrecadar, visa a constituir uma receita criada para a satisfação das suas despesas e não tem as características da generalidade, uniformidade, igualdade e rigor que constituem os fundamentos intrínsecos e extrínsecos do imposto.
Essa percepção abrange só certos valores de certos e determinados produtos e a sua arrecadação não tem o carácter de generalidade, como carece de rigor, tão incerta, vazia e instável é a base de incidência na arrecadação daqueles dinheiros.
Não é, por isso, uma forma de tributação regular nem na origem, nem na fornia, nem na sua medida, nem no seu destino. É uma forma de arrecadação que não é imposto. O fenómeno do imposto nasce para satisfação das necessidades do Estado, que, por sua natureza, são públicas, e por isso o direito tributário abraça na sua forma e espírito a defesa dos patrimónios individuais contra o desvio do Poder.
E, sendo estes os preceitos por que se informa a Constituição, que diz serem garantias e direitos individuais:
a) O direito de propriedade e a sua transmissão;
b) A liberdade de comércio e indústria;
c) Não pagar impostos que não tenham sido estabelecidos de harmonia com a Constituição;
o decreto em causa não só se não encontra enquadrado no pensamento político do Governo, como não se ajusta aos preceitos formais da Constituição.
II
O Decreto n.º 38:704 na sua concepção e na sua técnica
Conforme consta do preâmbulo do Decreto n.º 38:704 e se infere do seu texto, as medidas nele promulgadas são fundamentadas:
1) Num período de excepcional prosperidade que as províncias ultramarinas atravessam;
2) Na necessidade de aproveitar os a excessos de lucros» em obras de fomento, levadas a efeito pelo Estiado;
3) Na intenção de controlar a forma como o agricultor, comerciante ou industrial promove o alargamento ou aperfeiçoamento das suas instalações;
4) No interesse nacional em promover o intenso povoamento das províncias ultramarinas.
1. É evidente a existência de um certo grau de prosperidade nas nossas províncias, ultramarinas visadas pelo decreto.
Ela tem a sua origem remota ma melhoria do preço dos produtos exportados, mus, se o influxo de riqueza resultante desse fenómeno comercial tivesse ficado estagnado ou lhe tivesse sido dada aplicação imperfeita, não teriam sido desenvolvidos todos os factores do progresso que no próprio decreto se reconhece existirem.
Recorde-se o panorama que nos era oferecido em 1938 pelas províncias ultramarinas visadas pelo decreto e ponha-se em paralelo com o que actualmente elas nos oferecem.
Considerem-se também especificadamente aqueles produtos que são abrangidos pelo decreto.
1938
Desenvolvimento urbano - quase nulo.
1950
Desenvolvimento urbano - notável, designadamente nas cidades de Lourenço Marques, Luanda, Beira, Malanje e Benguela.
Desenvolvimento industrial - estado primário.
Desenvolvimento to industrial-novas instalações fabris: fábricas de cimento, fibrocimento, moagem, tecidos de algodão, cerveja, óleo de semente de algodão, etc.
Exportações de:
Copra (Moçambique e S. Tomé e Príncipe) - 40:781 toneladas.
Café (Angola) - 17:468 toneladas.
Sisal (Moçambique e Angola) - 31:764 toneladas.
Castanha de caju (Moçambique) - 25:744 toneladas.
Somente de algodão (Moçambique e Angola - nada.
Cacau (S. Tomé e Príncipe) - 7:935 toneladas.
Manganês (Angola) - nada.
Receitas previstas nos orçamentos das provindas (orçamentos de 1939):
Angola - 255:990 contos.
Moçambique - 589:383 contos.
S. Tomé e Príncipe - 12:028
contos.
Desenvolvimento industrial-novas instalações fabris: fábricas de cimento, fibrocimento, moagem, tecidos de algodão, cerveja, óleo de semente de algodão, etc.
Exportações de:
Copra - 47:530 toneladas.
Café - 46:550 toneladas.
Sisal - 39:470 toneladas.
Castanha de caju - 68:809 toneladas.
Semente de algodão - 30:200 toneladas.
Cacau - 7:852 toneladas.
Manganês - 9:653 toneladas.
Receitas previstas nos orçamentos das províncias orçamentos de 1952.
Angola - 944:896 contos.
Moçambique - 1.669:383 contos.
S. Tomé e Príncipe - 56:718 contos.
Da leitura deste simples e elucidativo quadro imediatamente se infere, por um lado, a existência de um esforço empreendedor que se teme ver reduzido ou anulado com a incidência económica e psicológica das normas promulgadas, e, por outro lado, um poderoso acréscimo das receitas do Estado., que lhe tem permitido a realização de obras de fomento e de interesse público, que, na justa medida de um equilibrado princípio administrativo, devem ser suportadas pela geração que delas aufere imediato proveito.
Ë certo que obras da envergadura das que no artigo 8.º do decreto se prevêem não poderão ser imediatamente levadas u efeito com a receita ordinária dos orçamentos ultramarinos, mas certo é também que obras dessa natureza, de benefício duradouro, deverão ser custeadas por via de empréstimos, de forma a distribuir equitativamente pelas gerações futuras que as aproveitam o pesado encargo da sua execução.
No que respeita ao receio de o progresso do ultramar poder causar perturbações inflacionistas não é demais repetir que a exportação dos produtos dele oriundos não pode ser a causa de um «processo inflacionista», pois, se há inflação ou pode haver inflação, ela só pode resultar de estados inflacionistas gerados nos mercados de onde se importa e que, consequentemente, provocam sérios agravamentos nos custos de produção.
2. E, sem dúvida, erróneo afirmar-se que existem «excessos de lucros B, baseando-nos para tanto em aparentes altas de cotações.
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produtor em períodos de alta pode beneficiar de preços vantajosos, em períodos de baixa trabalha e produz com mínimo lucro, podendo até ter de suportar prejuízos nas suas explorações.
Está em jogo o problema dos «riscos de exploração», que naturalmente se resolve pela evolução dos preços nas suas expressões de alta e de baixa. Se, porém, se encaram e tributam as mais valias, quando na realidade existam na sua verdadeira expressão, e não se encaram, num equilibrado regime de protecção, as «menos valias», lançamo-nos num sistema em que o produtor só pode ganhar pouco ou perder, do que advirá um inevitável desencorajamento da produção, com as naturais graves consequências que resultarão de tal sistema para a economia do ultramar, acarretando um prejudicial atrofiamento do seu progresso.
No decreto em apreciação como que se identifica a noção de «excesso de lucro» com a de «sobrevalorização dos produtos exportados», fixando-se esta com base na diferença, entre as cotações médias do ano de 1949 e as cotações actuais.
Antes de mais deve realçar-se que as cotações do ano de 1949 foram o limite mínimo de uma queda vertical das cotações, provocada pela forte depressão que se operou no comércio mundial, tendo estado latente uma nova crise económica, que já se revelava com sintomas evidentes, nomeadamente nos Estados Unidos da América: chômage, superproduções industriais, etc. Não interessa para o estudo económico deste caso procurar descortinar qual, a razão de fundo que possa ter levado a utilizar essa base de referência (que, pela razão apontada, se mostra imperfeita), e não outra, que poderia ter sido também, empiricamente -, a da média do ano que imediatamente lhe precede ou a do ano que imediatamente se lhe segue.
O que interessa será saber se as cotações de 1949 representavam uma remuneração justa aos capitais investidos, atentas as despesas de 1.º estabelecimento e os custos de produção actualizados.
Quanto às despesas de 1.º estabelecimento, será fácil determiná-las, em médias gerais, o mesmo já não sucedendo com os custos de produção, que, principalmente mas explorações agrícolas, estão directamente dependentes do grau de produtividade de cada plantação.
Note-se, porém, quanto aos custos de produção, que, estando eles já muito agravados no ano de 1949, desde então ainda mais se vincou esse agravamento, não só pela subida verificada ano custo de todo o material importado, mas também e principalmente por virtude de novos aumentos no custo dia mão-de-obra indígena, principal encargo da produção e que é presentemente mais do triplo do que o seu custo em 1949.
Alan disso, determinar uma suposta sobrevalorização por via de diferenças de cotações C. I. F. praticadas em duas épocas distantes, sem se atender aos agravamentos sofridos no preço dos fretes ocorridos no período intermédio, nem aos encargos comi direitos de exportação (ad valorem), seguros -, comiáisõe1» e corretagens, que aumentam proporcionalmente ao valor da exportação, é assentar a estrutura do sistema numa base falsa, pois parece que se parte do princípio de que a diferença das cotações representa na sua totalidade um aumento de lucro líquido ido exportador.
Ainda acresce que o sistema preconizado, não só se afasta das realidades que informam a prática comercial, como conduziria a situações manifestamente injustas.
Começa por não se compreender como poderiam ser consideradas simultaneamente a» cotações de Londres e de Nova Iorque, dado que, para dada produto, essas cotações evolucionam em função da oferta e da procura postas em jogo em mercados abastecedores completamente diferentes.
Mas, «admitindo que, com base nesses elementos informativos, fosse possível fixar a, a cotação actualizada», o legislador só se interessaria pelo preço teórico que a mercadoria poderia obter naquelas duas praças estrangeiras, pondo completamente de parte os valores reais expressos nas transacções efectivamente realizadas, do que poderiam resultar casos de uma flagrante iniquidade.
Na verdade, o produtor raramente vende a ema mercadoria pelo preço da cotação do momento em que exporta. Vende-a, sim, pelo preço da cotação do dia em que fez o seu contrato de venda, sendo ainda se notar que, se a venda é com embarque a longo prazo, o preço praticado é sempre inferior ao preço teórico que nos mostram as referidas cotações.
Pergunta-se qual seria o princípio de justiça que poderia justificar o Estado dar por existente uma «sobrevalorização» naqueles casos em que, pelas razões expostas, a mercadoria tivesse sido efectivamente vendida por preço inferior ao encontrado pela forma como no decreto se preconiza.
3. Os factos e as realidades, bem patentes, demonstram exuberantemente que todos quantos trabalham no nosso ultramar têm subido aproveitar o surto animador dos últimos tempos para promoverem o aumento de riqueza geral, quer alargando e aperfeiçoando as suas explorações e actividades, quer promovendo o desenvolvimento urbano, quer lançando novos empreendimentos.
Tudo se tem feito com o impulso da iniciativa particular, que, em vez de peada e limitada, deve ser, antes, acarinhada para continuar a desempenhar o seu papel preponderante e decisivo no progresso do ultramar.
A tradição ensina-nos quanto de prejudicial pode existir num intervencionismo absoluto do Estado, de cujos serviços não se pode esperar um grau de omnisciência susceptível de ponderar com perfeição a mais variada gama de factores que possam definir a conveniência ou a justificação económica dos empreendimentos que fossem desejados pelos produtores e exportadores. E, se para atingir esse grau de perfeição, fosse criada unia organização burocrática específica, teríamos mais um agravamento de despesa e a criação de uma máquina que na força da sua acção por certo restringiria a liberdade individual e esterilizaria toda a iniciativa.
4. São votos sinceros de todos quantos trabalham nas províncias ultramarinas que o seu povoamento se efective o mais intensamente possível. Nesse povoamento está, sem dúvida, um importantíssimo factor do seu desenvolvimento.
Foi com ele que «e desenvolveram o Brasil e os Estados Unidos e é ainda atraindo a emigração que esses dois países procuram ampliar a sua força produtiva.
Não se desconhecem as vantagens que para o incremento do povoamento, tanto de Angola como de Moçambique, resultariam da execução de obras de fomento.
É natural, no entanto, que a execução dessas obras seja custeada por via de capitais disponíveis e de empréstimos voluntários, consideradas as razões já acima apontadas.
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se tem desenvolvido nos últimos anos, mercê do progresso alcançado, e que se teme ver abalado. Basta considerar que a população europeia nas províncias de Angola e Moçambique, para o que não foi necessária a ajuda de medidas de fomento específicas, quase duplicou no decénio que decorreu de 1940 até 1950:
1940:
Angola, 44:083 europeus;
Moçambique, 27:438 europeus.
1950:
Angola, 78:903 europeus;
Moçambique, 48:910 europeus.
Estas considerações, que tomamos a liberdade de trazer à apreciação de V. Ex.ª, foram apenas a apreciação das razoes que visam a justificar a promulgação do decreto em questão.
Permitimo-nos, porém, ainda realçar:
1) O Decreto n.º 38:704 acarretaria inevitavelmente o aniquilamento do comércio exportador que trabalha mercadorias produzidas pelo pequeno agricultor.
Um grande produtor, visto que movimenta uma apreciável tonelagem dê mercadoria, pode ele próprio contactar com os mercados consumidores e suportar, até com vantagem económica, os pesados encargos da manutenção da máquina comercial.
O pequeno produtor mão detém quantidades de mercadorias exportáveis que justifiquem económicamente manter uma organização comercial, e vale-se então do comércio exportador, que, exercendo uma função complementar e necessária, promove a colocação dos seus produtos nos mercados externos.
O lucro do «comerciante, obtido entre o preço de compra e o de revenda, é o lucro normal do comércio, sempre limitado pela concorrência, não lhe sendo, portanto, possível, dentro da mecânica do decreto, suportar ou o encargo da retenção a favor do Estado ou o peso do congelamento efectuado por via do depósito compulsivo.
Quanto à arrecadação de 20 por cento a favor do Estado, ainda poderia ele, no acto da compra da mercadoria, fazê-la recair sobre o produtor. Porém, dada a incerteza do que viria a ser a «sobrevalorização» no momento da exportação, correria enorme risco, que a sua limitada margem de lucro não lhe permitiria suportar. Ainda se o decreto tivesse imediata aplicação, todo aquele comerciante já possuidor de stocks correria o perigo de soçobrar imediatamente ao peso dessa retenção.
Quanto ao «depósito compulsivo», ele tomaria completamente impeditivo o exercício do comércio exportador, pois se traduziria na absorção gradual e completa dos seus fundos de maneio.
II) O Decreto n.º 38:704 ocasionaria o imediato aviltamente do preço dos produtos de produção indígena, comi todas as graves, consequências que de tal fenómeno adviriam.
Na verdade, se atendermos a que o comércio exportador não estaria em condições de ser ele próprio a suportar as retenções referidas no decreto, dado que ele trabalha apenas à base de uma limitada margem de lucro e não pode sofrer desvio na função dos seus fundos de maneio, a incidência do preceituado no decreto far-se-ia imediatamente sentir no preço pago às mercadorias de produção indígena.
Convém não esquecer que 50 por cento da copra de Moçambique e 17 por cento do café de Angola são de produção indígena.
Ora, aviltados os preço, operar-se-ia:
a) Um fenómeno de retracção geral na produção. Basta lembrar, como exemplo, que a província de Moçambique, tendo produzido e exportado para cima de 40:000 toneladas de amendoim, viu a produção reduzida para pouco mais de 5:000 toneladas, devido, em grande parte, ao preço por que este produto foi tabelado mão ser considerado compensador pelo agricultor indígena.
Porém, numa acção paralela, mas dirigida em sentido inverso, a África do Sul, que se abastecia desse produto ma província de Moçambique, vendo-se dele privada, estabeleceu um preço de compra até superior ao do mercado mundial, e a produção, que era nula, já ultrapassou agora as 50:000 toneladas anuais;
b) Uma fuga dos produtos indígenas para as colónias vizinhas, o que lhes é amplamente facultado pela vastidão das nossa fronteiras;
c) Uma diminuição do poder de compra do indígena, que se traduziria numa redução do volume das transacções comerciais, nomeadamente em artigos que são importados da metrópole.
III) O Decreto n.º 38:704 nega o devido amparo a empreendimentos novos, ainda não devidamente consolidados, e que, atentas as condições gerais que os justificaram, devem ser rapidamente amortizados.
É, por exemplo, o caso da exploração do manganês, que só se tornou possível desde que, por conhecidas razões de política internacional, os Estados Unidos deixaram de se abastecer no principal centro produtor: a Rússia.
Os investimentos efectuados neste empreendimento são posteriores ao ano de 1949, que no decreto se toma como elemento de comparação de preços, e há que atentar, ainda na possibilidade de ser retomada a corrente de exportação da Rússia para os Estados Unidos, que, automaticamente, redundará numa descida do preço deste minério. Por certo que então, tal como sucedia anteriormente, a exploração de manganês será económicamente desaconselharei. Se tal suceder, o investimento redundará num completo fracasso financeiro, se as respectivas empresas não puderem, com a ajuda dos preços actuais e que foram só por si a justificação do empreendimento -, proceder à amortização das despesas de 1.º estabelecimento.
De resto, não se compreende, neste caso concreto, como possa conjugar-se o preceituado no decreto com a lei de minas, que, dentro de certos limites, assegura ao concessionário mineiro, pelo simples facto da outorga do título de concessão, um regime estável para todo o tempo em que o concessionário cumprir as condições que lhe são impostas pela lei e por aquele título.
IV) O Decreto n.º 38:704 ignorou que uma empresa agrícola bem concebida procura normalmente a sua segurança e estabilidade na pluricultura, para com os lucros de um ramo agrícola poder compensar os prejuízos ou lucros reduzidos que eventualmente possa ter noutro dos ramos agrícolas.
Dois dos produtos visados permitem exemplificar claramente este postulado.
Com efeito, a cotação actual do sisal está acima da sua cotação média em 1949, mas, em contrapartida, a cotação actual da copra está abaixo da sua cotação média em 1949.
Tendo sido abrangida pelas disposições do decreto a «sobrevalorização» existente no sisal e relegada a «in-
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fravalorização » existente na copra, uma empresa que se dedique simultaneamente a esses dois rumos de cultura veria frustradas todas as vantagens que justificam económicamente o abandono da monocultura.
V) O Decreto n.º 38:704 abandona por completo a hipótese de no decorrer de um exercício o preço dos produtos sofrer oscilações de que resulte parte da produção ter sido colocada a preço superior à cotação que serviu de base ao cálculo da «sobrevalorização», mas outra parte ter sido colocada a preço inferior a essa base. Neste caso a iniquidade do sistema seria flagrante e dispensa qualquer observação crítica.
VI) O Decreto n.º 38:704 conduziria a uma diminuição imediata da produção. Com efeito, há explorações e culturas só justificáveis em períodos de alta de preços, dado o pequeno rendimento cultural em terrenos que se mostram pouco produtivos.
VII) O Decreto n.º 38:704, na sua técnica, conduziria a uma situação incomportável para os produtores-exportadores.
Com efeito, estabelece-se no § único do artigo 3.º que as percentagens fixadas no corpo desse artigo serão cobradas pelas alfândegas no acta da e exportação.
Ora, sendo certo que os exportadores só efectuam a cobrança das suas facturas sempre algum tempo depois de o produto ter embarcado, e muitas vezes só após a chegada da mercadoria ao porto do destino, resultaria de tal sistema que, além de terem de possuir as indispensáveis disponibilidades para fazerem face ao custo de produção, ao frete e aos direitos de exportação, ainda teriam de dispor dos fundos necessários para cobrir as retenções que no decreto se determinam.
Excelência: a presente exposição, que tomamos a liberdade de apresentar à apreciação de V. Ex.ª e da Assembleia Nacional, foi aprovada por aclamação em reunião magna dos representantes da produção e comércio ultramarinos.
A Secção Corporativa do Comércio Ultramarino da Associação Comercial de Lisboa espera que, ponderadas todas as razões que nela são analisadas, seja reconhecida a conveniência e necessidade da não ratificação do Decreto n.º 38:704.
Esta Secção Corporativa, que continua em reunião permanente, poderá fornecer quaisquer elementos ou informações que forem julgados convenientes para um completo esclarecimento do problema.
A V. Ex.ª, Sr. Presidente da Assembleia Nacional, reafirmamos respeitosamente os protestos da nossa mais elevada consideração.
A bem da Nação.
Lisboa, 14 de Abril de 11)52. - Secção Corporativa do Comércio Ultramarino da Associação Comercial de Lisboa, o Vice-Presidente em exercício, Elísio da Costa Vilaça.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Elísio Pimenta.
O Sr. Elísio Pimenta: - Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte requerimento:
«Requeiro que, pelo Ministério do Interior, me sejam fornecidos os seguintes esclarecimentos:
1.º Se foram tomadas quaisquer medidas destinadas a regulamentar, ou proibir, o uso de altofalantes nas vias e recintos públicos, medidas que, se foram tomadas, como julgo que o foram, não tom sido cumpridas por muitas autoridades administrativas e policiais, dando origem a que o uso dessa verdadeira praga, que invadiu-o País, dos centros urbanos às mais humildes aldeias, se tenha transformado em abuso merecedor de urgente e enérgica repressão, pela maneira insuportável como perturba o sossego público e descaracteriza as manifestações festivas do povo; 2.º Na hipótese de terem sido tomadas medidas, requeiro cópia dos respectivos despachos e das circulares que deles deram conhecimento às autoridades administrativas e policiais».
O Sr. Jacinto Ferreira: - Envio para a Mesa o seguinte requerimento»:
«A fim de poder tratar oportunamente das condições de abastecimento de açúcar às populações do continente e ilhas adjacentes, requeiro que, pelo Ministério da Economia, me sejam prestadas as seguintes informações:
a) Lucros apurados pelo Grémio dos Armazenistas de Mercearia com a venda de açúcar cristal branco importado do estrangeiro e do ultramar nos últimos cinco anos;
b) Dispêndio havido, durante o mesmo período, com a manutenção do preço do açúcar areado amarelo.;
c) Valor do saldo positivo destas transacções e aplicação final que lhe foi dada;
d) Motivos especiais que levaram o Governo a atribuir, pela Portaria n.º 13:907, ao Grémio dos Armazenistas de Mercearia a direcção do abastecimento de açúcar, não obstante a recente condenação pública e oficial das actividades deste género por parte dos organismos corporativos, como desprestigiantes para os princípios e lesivas das normais actividades privadas;
e) Se, em face da, reconhecida e constante insuficiência do abastecimento de açúcar do ultramar à metrópole, está encarada a hipótese de um fomento da cultura de beterraba açucareira pela lavoura metropolitana, tendo-se em vista não só a produção de açúcar como também um incremento na produção leiteira, pela racional utilização dos subprodutos do seu fabrico;
f) Se não há incompatibilidade entre o disposto no § 3.º do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 38:701, por um lado, e a garantia de laboração contínua das fábricas de refinação existentes no País e a conveniente e justa retribuição do seu pessoal fabril, por outro lado.
II
a) Preços de importação de açúcar de Angola na Alfândega de Ponta Delgada e quantidades importadas durante os anos de 1940 a 1900, inclusive;
b) Preço de exportação de açúcar por esta mesma Alfândega para o continente e quantidades exportadas durante o mesmo período com este destino;
c) Preço local do açúcar de consumo e datas dos editais que o foram modificando no período indicado;
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d) Cópia das condições impostas pela União das Fábricas Açorianas de Álcool aos agricultores locais para aquisição das suas produções de beterraba açucareira».
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão as Contas Gerais do Estado de 1950. Tem a palavra o Sr. Deputado André Navarro.
O Sr. André Navarro: - Sr. Presidente: trouxe o ilustre Deputado Araújo Correia à consideração da Assembleia Nacional mais um valioso parecer da sua autoria sobre as Contas Gerais do Estado relativas no ano de 1950.
Devo declarar, com a maior sinceridade, que me impressionou sobremaneira mais uma vez esta valiosa contribuição para o estudo dos problemas correlacionados com o fomento da vida económica do País. E, embora manifeste o seu desgosto por não ver seguidas certas directrizes que considera fundamentais na realização de obras reprodutivas de interesse público, não deixa de continuar a sua cruzada, indiferente ao sucesso ou ao insucesso dos seus pontos de vista, deixando-se apenas levar pelo seu amor à causa a que se votou. Permita, por isso, Deputado Araújo Correia, que eu manifeste, desta tribuna, o meu respeito pela sua nobre atitude. Ela constitui exemplo vivificador para todos aqueles que combatem por um ideal alevantado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As palavras que vou pronunciar serão assim, apenas, modesta contribuição para a mesma causa. Poderei divergir em aspectos de pormenor ë mesmo fundamentais. Contudo, o pormenor ou o fundamental a que me refiro dizem respeito apenas a questões de política económica, que não atingem, contudo, os grandes travejamentos da sua concepção sobre política de realizações estaduais. E digo talvez pois essas divergências sê-lo-ão, possivelmente, apenas consequência de posições diferentes em que nos colocamos para observar a perspectiva da obra a realizar.
Assim alguns pontos de contacto dos nossos, modos de ver sobre valorização das possibilidades económicas nacionais. Ambos sempre defendemos, ela palavra e em diversos escritos, a necessidade de realizar planeamentos parciais e um planeamento geral que seja a síntese do que há a fazer em matéria de fomento económico, como base para se estabelecer, racionalmente, a necessária hierarquia de realizações. E tem sido esta, de facto, a política do Estado Novo, que bem ressalta destas palavras lapidares do Sr. Presidente do Conselho, no relatório do Governo sobre a execução da Lei n.º 1:914:
«O que a lei sobretudo quis foi, pois, substituir aos processos de realização improvisados e dispersivos a elaboração de planos que por si mesmos obrigassem ao estudo das condições e riqueza do solo e subsolo portugueses, à definição e escolha das soluções, à seriação das fases em que o mesmo empreendimento se poderia desdobrar, ao prazo de execução, aos processos por que havia de realizar-se, ao orçamento e valor económico das obras, ao seu custeio por disponibilidades públicas e particulares. Foi pelo menos esta a interpretação que o Governo lhe deu e o espírito em que trabalhou».
Ambos defendemos também a prioridade que se deve dar aos investimentos para o aproveitamento da energia, da água para rega e para a realização do repovoamento florestal, origens de muitas outras fontes de riqueza.
Acrescentarei, e sei que o Sr. Deputado Araújo Correia também está de acordo comigo, que tudo deverá ser feito, neste esforço de valorização, sem se reduzir o potencial produtor da nossa terra. Sei ainda, Sr. Deputado Araújo Correia, e o parecer das Contas Gerais do Estado claramente marca o seu modo de pensar sobre o assunto, que não devemos orientar a resolução dos nossos complexos problemas da energia, da irrigação, da produção de alimentos e de certas matérias-primas das indústrias, e Jantas outras realizações de igual valia, sem se atender cuidadosamente aos conceitos económicos do custo de produção e da produtividade. Porque se o não fizéssemos, seguindo o caminho mais fácil, mas enganador, das aparências, contribuiríamos para estimular o futuro aparecimento de graves crises de sobre produção, com todo o seu negro cortejo de consequências económicas e sociais, limitando as possibilidades de acrescer, de facto, o nível de existência do povo português.
Estamos, finalmente, em completo acordo quando se afirma que a base de toda a obra de fomento económico e de bem-estar social deverá assentar na manutenção da solidez financeira do Estado, alicerce fundamental do nosso futuro, o que só se conseguirá conservando íntegras as mestras firmadas pelo Grande Mestre da nossa política contemporânea - Salazar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E, como corolário deste importante teorema, que, sendo diminutos os nossos recursos, não podemos por forma alguma advogar soluções só realizáveis em países ricos, ou se se mantivessem condições que, de antemão, sabemos apenas derivadas da conjuntura, isto é, de um anormal arfar da economia mundial, sujeita aos efeitos variados e intensos de uma guerra fria. E por isso alinhamos também do mesmo lado quando pugnamos para que nestes períodos - e estamos, presentemente, a passar por um deles - não se perca o norte e se caminhe pela perigosa vereda dos gastos perdulários não reprodutivos ou pouco férteis, usando o sangue da Nação em beneficio de causas que não são verdadeiramente as do seu povo.
É esta, Sr. Presidente e meus ilustres colegas, a posição em que me encontro ao subir a esta tribuna. E são estas as palavras que desejaria dizer como prólogo da minha intervenção neste debate sobre as Contas Gerais do Estado,
Estarei, contudo, neste momento, conhecedor dos elementos necessários para poder prestar modesta contribuição neste importante debate, acrescentando algo de novo para uma análise mais perfeita das possibilidades económicas do País e, como tal, em posição de criticar, com justeza, a actuação da Administração no governo dos gastos e na consecução dos réditos?
Ou, pelo contrário, o horizonte dessas possibilidades ainda não se encontra suficientemente esclarecido perante o espírito dos estudiosos, por forma a poder-se ver claro em referência aos problemas que há séculos deprimem á existência da nossa gente?
Se relermos os escritos mais valiosos sobre a vida económica nacional depois da época em que Portugal traçou as grandes rotas do mundo moderno até hoje, em todos eles, desde o interessante Despertador dá Agricultura de Portugal, da autoria de D. Luiz Ferrari Mordau, primeiro intendente de agricultura, e de várias memórias da antiga Academia Real das Ciências, até às numerosas obras do último quartel do século passado, primeiros tempos do actual, escritas durante um período em que maduramente se pensou sobre os nossos problemas económicos, e isto já em plena fase de industrialização da Europa, todos eles, de um modo geral,
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realçam, por diferentes modos, que a nossa situação económica e o consequente nível de vida do povo português, dominantemente agrário nas suas actividades, sofre Q sempre do enquadramento da economia nacional num verdadeiro ciclo vicioso. Este, definido por várias formas, tem, porém, como ponto obrigatório de passagem, a pobreza do nosso meio cultural, ou, melhor, a irregularidade desconjuntante do clima, usando a expressão de Sertório de Monte Pereira.
É na realidade incontestável que, quando compararmos as possibilidades do nosso meio agrícola e florestal, pelo menos da maior parte do torrão que nos pertence, com as de uma Dinamarca, de uma Bélgica, de uma França ou de qualquer outra nação da Europa Ocidental, não restará dúvida a ninguém sobre a nossa inferioridade relativa. Não poderemos por isso, Sr. Presidente, de facto figurar, quanto a esse respeito, como um povo muito beneficiado quanto à natureza.
Se fizéssemos idêntica análise comparativa com referência às disponibilidades de energia e de minérios e o mesmo em relação às possibilidades de fomento industrial, também não restaria duvidando que não poderemos de certo ombrear com muitas nações europeias ricas em hulhas e em minérios valiosos.
Isto, porém, é uma coisa diferente do que afirmar, como é vulgar ouvir-se dizer, que não poderemos sair, pelos nossos próprios meios, da menos que mediana situação actual e aspirar assim a uma vida mais desafogada para o povo português.
Qual, porém, a forma de o conseguir? Eis a questão.
Desde logo, como verdadeiro axioma, podemos afirmar que só a determinação, tanto quanto possível exacta, da nossa posição, por inquérito rigoroso feito às possibilidades económicas do conjunto do território, se poderá fazer o ponto, como é uso dizer-se em linguagem marinheira, para depois melhor se definir o sentido da rota a seguir pelos caminhos do futuro. E, uma vez realizada esta determinação, talvez se verifique então que os problemas que hoje nos parecem dos mais complexos se reduzirão as questões susceptíveis de serem solvidas por forma bem simples. As Novas Rotas seriam assim, afinal, Velhos Rumos, que alguns dos nossos sábios reis fixaram em justas leis que ainda hoje não perderam todo o seu valimento.
Dois estudos recentes navegam no mesmo mar tenebroso à procura da mesma linha de rumo. Refiro me à obra notável do engenheiro Ferreira Dias e à interessante tese apresentada ao Congresso da União Nacional, realizado na cidade de Coimbra, firmada pelo* engenhe iro agrónomo Camilo de Mendonça e Drs. Augusto Alberto Henriques e Frederico Cruz Rodrigues.
Na primeira publicação, no capítulo «Portugal na Europa», o engenheiro Ferreira Dias, fazendo uma análise pormenorizada de aspectos de economia comparada e baseando-se especialmente em elementos demográficos, com referencia a densidades populacionais e a taxas de mortalidade,- bem como a determinados aspectos da vida financeira, comercial e industrial dos diferentes países da Europa, apresenta uma classificação geral quanto ao nível das actividades económicas dos países europeus, ocupando Portugal neste conjunto o vigésimo segundo lugar nos vinte e seis que o quadro compreende. Só somos ultrapassados nessa baixa situação pela Lituânia, pela Roménia, pela Bulgária e ainda pela pequena Albânia. Em linguagem mais conforme com a geografia política actual, diríamos que Portugal ocupa o último lugar para cá da cortina de ferro.
O segundo estudo referido leva-nos a resultados semelhantes, apenas com a informação, fundamentada nos elementos estatísticos relativos a «Géneros de vida», de que a nossa posição poderá ser um pouco melhorada, colocando-nos, quanto a esses índices, na situação de um país europeu semi-evoluído.
Estaremos assim, na realidade, como diz o engenheiro Ferreira Dias, na situação de um país europeu nitidamente atrasado, ou ocuparemos, quando muito, a posição de uma nação semi-evoluída? E sendo esta última a nossa verdadeira posição, ela seria, então, comparável - permitam-me a expressão- à de um indivíduo de boas famílias, falho de meios, levando porém uma vida de luxo e prazer, incompatível com os parcos recursos de que dispõe.
Não possuo, na realidade, elementos para contestar ou para aprovar, em definitivo, algumas das conclusões dos notáveis trabalhos a que faço referência, mas acrescento apenas, como simples nota, que mostra bem como variam os critérios de apreciação deste género, que o notável economista australiano Colin Clark, no seu trabalho mundialmente conhecido The Conditions ofEcono-mic Progress, situa o nosso país sobre a linha média que, definida logarítmicamente, representa a produtividade líquida das actividades primárias (actividades agrícolas), por homem ano, corrigida em função das condições climáticas, para os diversos valores da densidade de população agrária.
A nossa posição, nesse gráfico, pouco se afasta da de muitas outras nações, algumas delas até melhor dotadas pela fertilidade dos solos.
Isto não significa, porém, quê ela não esteja ainda muito distanciada das posições marcadas para a Dinamarca, Bélgica, Holanda e tantas outras nações que receberam o maná, neste século da industrialização. E ainda Colin Clark, confirmando o que várias vezes temeis dito, no capítulo da produtividade da indústria primária e referindo-se à produção de trigo por hectare, afirma:
«A comparação das produções de trigo, em quintais por hectare, nos diferentes países pode ser facilmente determinada, mas esses receitados pouco nos dizem acerca da produtividade comparada dos diferentes sistemas agrícolas nos diversos países.
No quadro relativo à produção de trigo, em quintais por hectare, por exemplo, os valores são de facto maiores nos países onde o trigo é pouco cultivado e nos quais, por consequência, os solos adequados podem ser melhor selecionados para esta cultura, e são diminutas no colheitas em outros (países, como o Camada e u Austrália, onde o trigo é produzido em regime de cultura extensiva, a baixo custo de produção, embora em solos áridos ou frios».
Se bem que fazendo parte do mesmo continente, as nações situadas nas duas Europas que Delaisi denominou, respectivamente, Europa indu.sitrifll e Europa agrária, encontram-se, na realidade, formando dois blocos, com economias bem diferenciadas.
Dizíamos em 1949, numa conferência que realizámos mi Sociedade de Geografia a convite da união Nacional, conferência que intitulámos «Novas Rotos, Velhos Rumos», o seguinte:
«Foi numa grande ilha dos mares do Norte, escondida entre brumas e nevoeiros, que o vapor de água - que até então só toldara - fez dar um novo passo.
Florestas que existiam já antes de o homem ter vindo ao Mundo geraram um manancial de poder criador, concentrado durante milénios, para milénios de uso. Tanto ao ferro, que, a partir do neolítico, já tinha sido mola de mais rápida caminhada, o vapor de água, aproveitado numa rudimentar maquineta, iria ser causa da diferenciação da, Europa em dois grandes territórios, de paisagens económicas bem distintos. Os combustíveis líquidos e as restantes hulhas tornaram mais nítidos os contornos.
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O caminho de ferro, a navegação a vapor, o motor de explosão, os inúmeros aproveitamentos eléctricos e tudo o mais que surgiu e foi surgindo depois são os sucessivos degraus da nova era; as grandes descobertas científicas dos séculos XVII e XVIII constituíram o seu sólido fundamento.
Possuidores do binário hulha-ferro, alguns países da Europa setentrional e ocidental formaram assim, sob a égide anglo-saxónica, a Europa do cavalo-vapor. E não tardou que os afortunados herdeiros do esforço de séculos dos povos do Sul começassem, a partir de então, a explorar todo o mundo conhecido em seu proveito.
Desde a Austrália à Europa, por Ocidente e por Oriente, constituiu-se um imenso espaço vital de captação de matérias-primas e de produtos alimentares. A navegação a vapor tinha já então activado todo o sistema circulatório marítimo e o caminho de ferro tornara fáceis e rápidas as comunicações terrestres. A aviação viria mais tarde encurtar distâncias.
Minérios, combustíveis líquidos, lã e outras fibras, borracha, óleos, etc., começaram a afluir, em grandes massas, a este gigantesco núcleo de actividade industrial. Entraram também em circulação, no mesmo sentido, cercais, gorduras, frutas, vinhos e vários produtos alimentares de luxo ë outros mais.
Esta segunda corrente destinava-se ao sustento de uma população que abandonava progressivamente os campos em procura da vida mais atraente das cidades e dos centros industriais.
Modificou-se assim o panorama e a vida de uma parte da Europa. Miríades de centros fumegantes, alimentados por uma rede circulatória de malhas apertadas, dispersaram por todo este grande espaço.
As pontas marítimas desta complexa rede desenvolveram-se em dilatadas ventosas e por elas entravam e saíam, num vaivém contínuo, grandes caudais de matérias-primas, de produtos fabricados e de alimentos. Os centros urbanos congestionaram-se e os que não puderam crescer em superfície fizeram-no rapidamente em altura.
Nos campos o cereal foi cedendo terreno u pastagem. Procurou-se cultivar apenas as terras mais ricas, aperfeiçoando-se ao máximo o seu labor. A cultura intensiva variada foi assim ocupando espaços cada vez maiores, em prejuízo da produção extensiva de pão. Países houve que revolucionaram por completo a exploração da terra. Foi exemplo típico deste movimento a pequena Dinamarca, que, de simples produtor de cereal, passou a sê-lo de carne, ovos, lacticínios e outros produtos derivados de um cuidadoso labor agrário e industrial. E toda esta profunda alteração da estrutura económica foi realizada no espaço de muito poucos anos.
Na Holanda idêntico movimento, levado a cabo em parte nos solos conquistados ao mar do Norte, originou a produção de maravilhosos primores florais e hortícolas, que, irmanados com os das estufas belgas, satisfizeram gostos e exigências da alta roda dos países capitalistas.
Por outro lado, o adubo químico, a planta melhorada, a máquina agrícola e muitos outros factores do progresso agrário influenciaram por forma notável o desenvolvimento na Europa do cavalo-vapor. O elevado nível da instrução geral e profissional das suas gentes foi o sólido alicerce deste grande edifício. Dos povos latinos apenas a França, demogràficamente exausta, e pequenas parcelas de outros países beneficiaram deste movimento.
Para leste e sudeste da fronteira da zona fabril, predominantemente anglo-saxónica e germânica, estendia-se o território imenso em regime agrário atrasado, bem como os países da orla mediterrânica, exauridos
por séculos de luta. Este estado de apatia era apenas periodicamente perturbado por convulsões políticas e sociais. No sentido biodemográfico, porém, as populações destes países continuavam a manter apreciável viço. Quanto à vida económica, pelo contrário, era caracterizada por profunda anemia, por magreza do cavalo-vapor. Circulação também deficiente por falta de capilares; apenas algumas veias e artérias irrigando tão grande corpo; cidades e vilas ganglionares, algumas anormalmente desenvolvidas pela atracção do luxo de poucos e da miséria de muitos.
O maior nivelamento social, consequente da melhoria da situação económica auferida pelos países industriais, tinha, como ainda tem hoje, na Europa agrária, aspecto diferente - o de degraus bem marcados, separando os escalões de gente. Quando muito, os azares da fortuna faziam descer ou, pelo contrário, subir elementos de cima ou de baixo, sem que a isso obstassem vínculos de. sangue, de raça ou de casta. E na distribuição dos bens o divisor ia aumentando rapidamente, enquanto o dividendo diminuía com o mesmo ritmo. Quanto ao quociente, não é difícil adivinhar o limite para que tendia.
Criou a Europa noutros continentes, e a sua semelhança, novos, núcleos de actividade agrícola e industrial. E entre eles destacou-se, pela riqueza de matérias-primas, fertilidade dos seus solos e espírito criador da sua gente, a grande nação americana. Mal declinava a luz da estrela que durante mais de um século tinha iluminado o Ocidente europeu, já mais para poente nascia, dotado de maior esplendor, um novo e brilhante astro».
Se tivermos em linha de couta, para completar o que fica dito, o que nos oferece para melhor inteligência a análise da carta de solos e de distribuição das chuvas do continente .europeu, podemos afirmar que os dois blocos diferenciados o industrial e o agrário- não são apenas por influência do binário hulha-ferro, mas em grande parte também pela forma como se distribuem as chuvas e as grandes manchas de solos. E assim a cultura intensiva, que facultou o acréscimo substancial do nível de vida rural da Europa ocidental e setentrional, só foi possível realizá-la, na Europa agrária, nos regadios, dominando pelo contrário o arvense extensivo e a pecuária de manado na maior parte deste extenso território. Nele se destacam, contudo, como zonas valiosíssimas de fertilidade, entre outras, as terras negras eslavas. E, quanto ao resto, é ainda o binário clima solo que condiciona fundamentalmente o nível das actividades agrárias. E o caso típico do reino do lenhoso mediterrânico, onde domina a oliveira, o sobreiro e outro arvoredo de apreciável valor económico, como as árvores e arbustos fruteiros, que não só criam frutos da mais alta qualidade como também originam néctares preciosos, entre os quais, como rei dos reis, figura o célebre vinho do Porto. E é nestes domínios, especialmente aia cultura da vinha, que o cultivo, na Europa agrária, atinge, por vezes, a feição mais intensiva com a possível fixação de elevado quantitativo de mão-de-obra e com uma remuneração mais satisfatória dos trabalhadores da terra. Mas este aspecto constitui apenas excepção, que não altera em nada, como já afirmámos, o panorama geral da vida económica e social do extenso ambiente da aridez.
Será por isso legítimo comparar, para apreciação de níveis de existência, países das duas Europas, de feição tão diferente e com condições de vida tão díspares? Há principalmente que não esquecer, entre outros aspectos que modificam muito os resultados que as estatísticas revelam, o que se refere aos consumos de produtos alimentares nos países agrários. As capitações desses produtos podem ser, de facto, determinadas com
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o necessário rigor quando os mesmos são em grande parte importados - caso frequente em muitos países da Europa industrial. Não acontece, porém, o mesmo quando domina o abastecimento com carácter local ou regional, sem se verificar predominantemente a entrada de géneros de origem estranha. Então as estatísticas não mencionam com o devido rigor parte apreciável dos géneros que são de facto consumidos. O mesmo se pode referir em relação a artigos de vestuário e a outros aspectos igualmente demonstrativos dos graves erros que se cometem, quanto a níveis de consumo e de existência, quando se comparam casos tão distintos, sem se fazer correcções semelhantes às que Collin Clark preconiza para a ecologia, por forma a eliminar, pelo menos em parte, as imprecisões derivadas da variabilidade do ambiente económico.
E bastará assim fazer uma separação, que considero ainda muito precária, dos países europeus pelas duas Europas de Delaisi para que a posição de Portugal - excepção feita a um número reduzido de índices - nos apareça nitidamente melhorada. E o que se verifica da análise dos seguintes quadros:
QUADRO I
Níveis de consumo
(Quilogramas por pessoa e ano)
[Ver Quadro na Imagem].
QUADRO II
Níveis de consumo
(Quilogramas por pessoa e ano)
[Ver Quadro na Imagem].
QUADRO III
Níveis de consumo
(Quilogramas por pessoa e ano)
[Ver Quadro na Imagem].
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QUADRO IV
Níveis de consumo
[Ver Quadro na Imagem].
QUADRO V
Rendimento nacional real por habitante e ano
(Unidades internacionais Collin Clark)
[Ver Quadro na Imagem].
E não devemos ainda esquecer, como elemento de correcção, que o nosso país possui uma densidade populacional comparativa a mais elevada entre as nações agrárias da Europa, só ultrapassada pela Inglaterra entre os países industriais.
QUADRO VI
Densidade comparativa
[Ver Quadro na Imagem].
Concluindo este aspecto do panorama pessimista apresentado por alguns autores, que me merecem, de resto, o maior respeito pela sua autoridade em questões económicas, não quero que se depreenda das minhas palavras que elas permitem admitir que estejamos situados num quadro de ridente optimismo. Desejamos apenas acentuar que ocupamos um lugar que nos permite antever o início da caminhada com bons augúrios de chegar a um melhor destino. O resto, como vimos, é apenas o bailado das estatísticas, que corre em geral
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com facilidade ao sabor dos gostos e das políticas. Nesse bailado não desejo, porém, figurar como elemento destacado.
Esta a resposta, talvez pouco precisa, à pergunta precisa posta sobre o valor da, contribuição que me proponho dar a este debate. Mas, se é imprecisa, é exactamente porque julgo nada mais poder ou dever adiantar neste momento.
Procuremos agora definir com mais rigor o caso português.
É, assim, será homogéneo ou heterogéneo o ambiente económico no nosso espaço de labuta no velho continente?
Isto é, poderá considerar-se ou não, quanto à. uniformidade, semelhante ao dos países da Europa ocidental e setentrional, países todos eles localizados na zona climática das depressões subpolares?
Nestes últimos territórios a queda anual de chuvas é, por exemplo nos Países Baixos, de 700 a 800 milímetros, distribuída, com certa regularidade durante as diferentes estações. A Dinamarca., um pouco mais ao norte, apresenta, valores de queda de chuvas da ordem dos 600 milímetros em todo o seu território.
Como se apresenta então, quanto a este aspecto, o nosso território? Podemos destacar na realidade três zonas climáticas perfeitamente diferenciadas no território continental: digamos, uma influenciada pelo Mediterrâneo; outra condicionada por acção predominantemente ibérica; finalmente, II III pequeno espaço onde se reflecte de uma forma marcada a acção do bafo atlântico. São estas zonas as que o notável homem de ciência jesuíta Barros Gomes designava, pelos reinos dos carvalhos de folha permanente, sobreiro e azinheira, a do carvalho negra 1 e a do carvalho roble. Todo o resto, e é bem pouco, são zonas de transição, com feição própria, melhor ou pior definidas. É o caso da, Estremadura, por exemplo, onde domina o carvalho lusitânico, intermediário, quanto às suas características, entre os carvalhos de folha caduca e de folha persistente.
Estas quatro zonas referidas são bem diferenciadas pela sua pluviometria, que vai desde o tipo sub-húmido, no Noroeste, com mais de 1:000 milímetros de chuva, a. um ambiente de aridez do Sul, influenciado pelos anticiclones subtropicais, zona com um céu maravilhoso, grande cartaz de turismo, é certo, mas responsável pelo extremo aleatório das culturas cerealíferas de interesse económico. Para o interior do País o relevo próprio e a vizinha meseta alteram o caminhar das aragens maneiras, determinando assim zonas variadas de marcados contrastes estacionais e pequenos encastramentos climáticos deslocados em latitude o caso típico sui generis da região duriense.
À diferenciação climática das várias regiões do País há que acrescentar a apreciável variabilidade das condições climáticas de ano para ano. É assim interessante apreciar, em relação a um posto meteorológico o da Tapada da Ajuda, por exemplo -, as quedas pluviométricas no decorrer de um período longo de tempo - vinte e nove anos (1915 a 1943). A pluviosidade anual oscilou nesse período entre 426 milímetros (1915) e 898 milímetros (i!9ilõ), anos a que corresponderam das maiores e das menores colheitas de trigo. ï)e facto, em Portugal a fome entra a nado, como se usa dizer nos nossos campos, e mais uma vez se verifica a exactidão do adágio popular. «Em Janeiro se subires ao outeiro e vires verdejar põe-te a chorar, mas se vires terregar põe-te a cantar».
Como consequência deste condicionalismo ambiental, surgem, como é natural, as diferenciações demográficas, a cultural e a da propriedade rústica,
Assim, Sr. Presidente, podemos distinguir, quanto à densidade populacional, o Noroeste sub-húmido, com uma densidade populacional de 192,5 habitantes por quilómetro quadrado, abrangendo cerca de 1/6 do território e compreendendo quase 1/3 da população. O Sul árido, com uma densidade pouco superior a 40 habitantes por quilómetro quadrado, compreendendo cerca de 1/25 do País e abrangendo apenas pouco mais de 1/5 da população. O Norte o Centro continentais, respectivamente com os valores de 50, 1/1 e 1/6,5 para as densidades populacional e área e população relacionadas com o total do País, e finalmente a zona de transição estremenha, onde se situa a capital do País, com uma densidade média de cerca de 100 habitantes por quilómetro quadrado e com valores para a área e população relativas, respectivamente, de 1/3,5 e 1/3.
Agora, finalmente, a diferenciação cultural e da distribuição da propriedade rústica quanto à sua extensão. Depois do reinado de D. João II, quando foi introduzido em Portugal o milho mais, que substituiu, no Norte, os tradicionais trigo e centeio, os três principais cereais panificáveis acantonaram-se nas quatro zonas mencionadas pela seguinte forma, bem marcada: no Noroeste, o milho, cultivado em propriedades tendendo para o minifúndio; no Sul, o trigo, em territórios de exploração latifundiária; no interior continental, nos planaltos e melhores terras o trigo, e o rústico centeio no abrupto e no mais pobre; nas zonas de transição distribuem-se de forma variada os três cereais. Isto, é claro, numa síntese muito genérica.
Se considerarmos também os valores que exprimem a produção de cereais por unidade de superfície, melhor ainda se marcam as fronteiras das parcelas agrárias do nosso território. E, assim, vejamos:
Produção de trigo:
Kg/ha
Produção média relativa ao ano de 1950 ....... 845
Região agrícola de Braga ..................... 1:515
Região, agrícola do Porto .................... 1:305
Região agriculta de Aveiro, Coimbra e Leiria .. 1:115
números estes que enfileiram ao lado das boas produções unitárias da Europa ocidental e setentrional.
Pelo contrário, nas:
Kg/há
Região agrícola de Setúbal ........ 720
Região agrícola de Beja ......... 858
Região agrícola de Tavira ..... 423
médias muito baixas, que, contudo, são do nível das da região mediterrânica.
No interior continental verifica-se, ma região agrícola de Mirandela, 1:093 kg/ha; na da Guarda, 984 kg/ha, e mais ao sul, na de Castelo Branco, 415 kg/ha. É ainda curioso observar a grande variabilidade da produção unitária dentro de cada zona, consequência da fertilidade de certos solos, e da acção de microclimas ou climas locais. Assim, nos concelhos de:
Kg/ha
Aljustrel ............... 1:065
Beja .................... 1:007
Cuba .................... 1:025
vadores que correspondem a uma área de terras muito férteis - os célebres barros de Beja.
Pelo contrário, os concelhos de:
Kg/ha
Castro Verde .............. 620
Mértola ................ 552
Almodôvar .............. 485
Alportel ............... 330
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Castro Marim ................. 329
Loulé ........................ 320
Alcoutim ..................... 272
médias das mais baixas registadas na produção trigueira nas diferentes regiões do Globo; produções estas que, pelo seu valor quantitativo, influenciam a média geral referente ao País.
Se considerarmos agora o milho, cereal que apresenta em Portugal interesse destacado na panificação, verificarmos as seguintes médias:
Litros
Região agrícola, do Porto ........ 1:875
Região agrícola de Braga ........ 1:821
Região agrícola de Aveiro ........ 1:386
Região agrícola de Viseu ......... 1:248
ao passo que nas zonas mais quentes do Sul, em culturas de regadio, »s produções unitárias atingem valores excepcionalmente elevados, muito próximos das melhores médias mundiais e raramente atingidos nos concelhos nortenhos.
Assim, nos concelhos de:
Litros
Cartaxo .................... 3:189
Aljustrel .................. 3:309
Golegã ..................... 3:577
Ferreira do Zêzere ......... 3:822
Alportel ................ 4:349
Albufeira ............... 4:938
Faro ........................ 7:446
O Sr. Carlos Borges: - Mas essas zonas que V. Ex.ª cita «ao aquelas que produzem menos, são aquelas em que há menos terras cultivadas desse cereal.
O Orador: - Eu refiro-me à produção do concelho.
O Sr. Carlos Borges: - São pequenos produtores.
O Orador: - Estou de acordo com V. Ex.ª, mas as médias são assim obtidas.
O Sr. Carlos Borges: - Em todo o caso não pesam muito na economia de cada concelho. No do Cartaxo, por exemplo, não pesam.
O Orador: - Eu não fiz essa afirmação. Simplesmente disse que é nos regadios do Sul que vamos encontrar terras mais propícias para a cultura do milho.
Julgo, pelo exposto, que fica perfeitamente demonstrada, além da extrema irregularidade do nosso meio cultural, a pequenez da parcela do nosso território que poderá ser integra da no ambiente europeu da cultura intensiva.
Por isso há que concluir que, além de país dominantemente agrário da Europa, Portugal é ainda caracterizado por uma grande diferenciação climática, no espaço e no tempo, o que, agravada essa situação por uma sobre omissão demográfica acentuada, torna difícil a vida do povo nas condições em que se explora presentemente o território pátrio.
Como se verifica desta rápida e singela análise das características diferenciais das parcelas do nosso território continental, podemos comparar o nosso torrão ao de um hipotético país compreendendo uma pequena Dinamarca sobrepovoada no Noroeste entre as serras e o mar. É este o verdadeiro viveiro das gentes. Admitir, lá para. o Sul, a transposição da paisagem norte-africana, servindo o Algarve de espelho e no interior o aparecimento das primeiras folhas do grande drama da batalha agrária da meseta. O reste são apenas pormenores a emoldurar este quadro tão castiço.
Se quisermos exprimir por uma só palavra o que nos pertence quanto a espaço económico, ela seria então heterogeneidade, em oposição a homogeneidade, com que se definiria o ambiente dos países de verdejantes prados e das vacas gordas.
Esta a resposta à segunda pergunta que a mim próprio formulei ao subir a esta tribuna. E assim poderemos já dizer que o caminho que antevemos para a conquista de melhores dias para os que nos seguem na esteira das gerações deverá ser cuidadosamente estudado em todos os pormenores. Trata-se de facto de uma estrada de montanha, com numerosos abismos, que só poderá ser tornada mais suave se for meticulosamente trabalhada. Se deixarmos, pelo contrário, correr o traçado ao sabor das aparências, sem o procurar adaptar às dificuldades do terreno, então teremos de suportar fortes subidas, difíceis de vencer. Eis porque pugno para que se estude com o possível rigor o que falta estudar e é bem pouco, para se chegar então, com êxito assegurado, ao nosso fim, que é apenas o de - melhores dias para a maior parte.
Verdade é, porém, que, embora se reconheça a existência de um extraordinário polimorfismo agrário e, em muitos casos, se tenha noção mais ou menos perfeita de alguns dos factores que o determinam, não existe ainda um estudo completo >do País através do qual se possa ter uma prospecção segura dos causas e dos efeitos e da sua importância relativa nas várias regiões.
Quando se trata de estudar, propor ou determinar medidas atinentes a promover a melhoria das condições de produção, comércio ou consumo no campo agrário, lutam o técnico, os «servidores e até o próprio Governo com falta de elementos concretos sobre os quais possam confiadamente deduzir conclusões e alicerçar pareceres ou deliberações.
Falta ainda a nossa agricultura - que foi, é e será sempre o centro de gravidade da economia nacional - o exame conjunto ,e coordenado das condições fisiográficas, económicas e sociais inerentes a cada um dos sectores agrícolas, florestal e pecuário.
É certo que inúmeros e valiosos trabalhos se devem à actividade dos serviços ligados à agricultura, mas não é menos certo que a todo esse material falta o cimento que aglutine e informe a constituição do complexo do estudo das condições gerais em que é feita a agricultura.
O intuito de modificar o panorama atrás descrito foi a razão primária do Plano de Fomento Agrário, iniciado em 1949 por despacho do então Subsecretário de Estado, engenheiro agrónomo Pereira Caldas. O seu objectivo pode sintetizar-se nos dois propósitos seguintes:
1.º Conhecer em todas as regiões do País e nos vários sectores agrícola, florestal e pecuário as condições técnicas, económicas e sociais em que é feito o aproveitamento do solo, averiguando das causas determinantes e da importância relativa de cada uma delas nos efeitos de conjunto; além disso pretende-se mais aquilatar do grau de ajustamento entre a actual localização das culturas e as condições do meio físico, económico e- social;
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ração mais adequados, e as obras ou providências necessárias para tornar possível o reajustamento desejado.
Pode dizer-se que o plano consiste em saber:
1.º O que, onde e como produzimos;
2.º O que, onde e como poderemos vir a produzir.
Isto equivale a dizer que se pretende pôr em confronto «i situação presente e as possibilidades futuras, determinando assim uma linha de rumo para a actividade agrícola.
A primeira tarefa que se impas ao plano foi a de inventariar o património agrícola, florestal e pecuário do País - ponto de partida forçado de todo e qualquer trabalho que vise a melhoria das condições técnico-económicas da, agricultura. Além disso, pretende-se também conhecer o grau de intensidade com que actuam nas várias regiões os factores que comandam a produção, sem esquecer que se trata de uma visão de conjunto, incompatível, portanto, com demasiados pormenores.
Os trabalhos que os serviços do plano estão realizando e que no seu todo constituem esse inventário são:
a) Carta agrícola e florestal:
Esta carta tem por fim representar a utilização actual do solo continental pela localização das manchas ocupadas pelas várias culturas (arvenses, de sequeiro, de regadio, pastagens, incultos, vinha, olival, pomares, florestas, etc.) e pela densidade do arvoredo.
E realizaria pelo reconhecimento mo campo das manchas culturais, delimitadas em fotografias aérea, de que possuímos uma cobertura completa do País.
Por processo de transformação os limites marcados nas fotografias são depois reduzidos à escala de 1:25000 e implantados na carta dos serviços cartográficos do Exército.
Esta carta dará ràpidamente, em qualquer região do País, a importância relativa das várias» cultura existentes, e a sua rigorosa localização.
Todavia, o inventário exige ainda o conhecimento dos valores absolutos, tanto no que se refere a, superfícies ocupadas pelas culturas como também às respectivas produções. Para este efeito houve que recorrer a processos estatísticos baseados na:
b) Amostragem:
O método seguido neste trabalho foi estabelecido em colaboração com os serviços, especializados do instituto Nacional de Estatística e apoia-se no estudo minucioso, sobre fotografias, de amostras de OU hectares, onde rigorosamente se medem as superfícies, das culturas e o número de árvores de várias espécies agrupadas por classes de produtividade - novas, plena produção e caducas.
O estudo de cada província compreende a análise de 500 amostras, aproximadamente. Desta análise resultam os números finais que de finais que definem o aproveitamento agrícola e florestal do solo, expresso em áreas de culturas -, número de árvores e produções.
c) Carta de solos do País:
A importância do factor sedo mo jogo da produção agrícola foi devidamente considerada pelos serviços do plano do fomento agrário, a tal ponto que se julgou necessária a elaboração ida respectiva carta em todo o País.
A carta dos solos de Portugal é feita sobre fotografia aérea, com base no exame dos perfis do terreno, e será apresentada na escala do 1: 25000.
Nela são representadas manchas de terreno segundo a sua aptidão cultural, definida, entre outras, pelos seguintes factores: natureza geológica, espessura do solo, constituição física, composição química, relevo e grau de erodibilidade.
Este elemento carta de solos -, além de constituir poderoso auxílio para os estudos inerentes ao próprio plano, representa por si só, tal como a carta agrícola já mencionada, um precioso trabalho, pelo qual há muito anseiam vários departamentos do Ministério «ria Economia. Desta forma o plano criou possibilidades para permitir a realização prática dos velhos projectos há muito formulados, mas até hoje sem meios de execução.
d) Inquérito:
O plano de fomento agrário compreendo ainda a realização de um inquérito técnico, económico e social em todo o País. Para cada um1 dos 273 concelhos que constituem o território continental serão elaborados três relatórios, correspondentes a cada um dos sectores - agronómico, florestal e pecuário.
A uniformidade deste trabalho é conseguida pela subordinação a um questionário, em que se focam os aspectos do meio físico, económico e social.
e) Carta pecuária:
Esta carta, elaborada por concelhos, consigo num conjunto de representações gráficas, destinadas a objectivar a distribuição dos efectivos das diferentes espécies pecuárias, expressos em cabeças normais; a delimitação das zonas de criação e de dispersão das raças, tipos e variedades em que as espécies «e diferenciam; o reconhecimento das doenças infecto-contagiosas e parasitárias de repercussão económica sensível; e, por fim, a localização das indústrias que laboram os produtos de origem animal.
O conjunto destes trabalhos carta pecuária, carta agrícola, amostragem, carta de solos e inquéritos - responde à questão posta.
A 2.ª fase de trabalhos do Plano do Fomento Agrário constitui aquilo que se designou por ordenamento.
Este pode definir-se como o limite para que deve tender a utilização do solo quando o seu aproveitamento seja encarado sob o tríplice aspecto técnico, económico e social.
Por outras palavras, o ordenamento consiste na elaboração de um plano ideal de exploração do território, tendo como determinantes os factores de ordem fisiográfica (solo, clima, relevo, exploração, etc.), os de ordem económica (preços de custo, rendimento, comercialização e industrialização, etc.) e os de ordem social (manutenção da população, aumento do nível de vida, regularização da mão-de-obra, rendimento social, etc.) de forma a conseguir-se uma distribuição racional, não só das culturas, pastagens, gados e florestas, como até do próprio povoamento humano.
Tarefa tão delicada como esta exige, como é óbvio, o estudo perfeito de todos os factores atrás indicados, obtido ao longo do trabalho de inventário já citado e, sobretudo, uma grande soma de conhecimentos sobre as necessidades e possibilidades de transformação das várias regiões.
Na verdade, e por exemplo, grave erro seria preconizar a localização de culturas com base exclusiva em aptidão cultural dos terrenos, fornecida pela carta de solos. Outras determinantes há com igual - e nalguns centros talvez até com maior - peso do que o do solo.
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Lembramos, por exemplo, o custo de produção em face das perspectivas do mercado externo, que pode obrigar a uma maior limitação das zonas a princípio seleccionadas para uma dada cultura.
A regularização da mão-de-obra nas regiões de monocultura, afectadas por crises periódicas de desemprego, pode também aconselhar a introdução ou extensificação de determinadas culturas em terrenos menos aptos que os de outras regiões; tal é o caso da vinha e do olival, por exemplo, no Baixo Alentejo.
O factor colonização, estabelecendo a necessidade de fixar núcleos populacionais em zonas hoje sobrepovoadas, pode também comandar a distribuição das culturas.
Esta maneira de ver está, de resto, «m perfeita concordância com a orientação seguida internacionalmente.
Com efeito, a conferência sobre a conservação dos solos, realizada sob os auspícios da F. A. O., em Setembro de 1949, na cidade de Florença; definiu «conservação do solo» como: «a utilização e manutenção judiciosas da terra, por forma a tirar dela, no presente, os máximos rendimentos e assegurar, simultânea e permanentemente, o bem-estar dos que directamente dela vivem e da sociedade em geral».
Esta definição corresponde precisamente ao que o plano de fomento agrário deliberou chamar «ordenamento», com receio de que a expressão «conservação do solo» pudesse vir a ser tourada no sentido mais restrito.
O trabalho de ordenamento consta essencialmente de duas partes:
a) Carta de ordenamento:
Esta carta não é mais do que a expressão gráfica «Io ordenamento apresentado na escala de 1:25000.
Nela são representadas, por cores e sinais convencionais idênticos aos da carta agrícola, as manchas culturais distribuídas de acordo com as conclusões a que chegou o estudo conjunto de todas as determinantes atrás apontadas - solo, clima, custo de produção, interesse social, etc.
A caria de ordenamento constitui, pois, uma carta agrícola ideal e indica, em todo o País, qual a localização mais adequada paru as principais culturas.
Nesta carta ficarão também demarcadas as zonas que deverão ser destinadas à colonização, encarada nas suas variadas formas-instalação de casais agrícolas, glebas e emparceiramento, etc.
b) Relatório de ordenamento:
Em complemento da carta de ordenamento far-se-ão relatórios explicamos, por concelhos, onde se referem as razões, que determinaram o ordenamento proposto e se indicam quais as obras ou providências necessárias à consecução dos fins previstos, bem como a indicação da prioridade das soluções encaradas.
O valor que estes trabalhos representam tanto para o estudioso como para os serviços ou para o próprio Governo é evidente.
O estudioso fica conhecendo o objectivo a atingir em cada região pura nesse sentido orientar os seus estudos; os serviços ficam dispondo de um plano que comandará na actividade em todas as regiões; o Governo poderá, através de legislação ou outras medidas de fomento, orientar a exploração da terra de modo a aproximá-la gradualmente da forma ideal.
Efectivamente, se as medidas de fomento agrícola, florestal, pecuário, de colonização e outras; se as providências relativas à assistência técnica aos melhoramentos agrícolas, etc., se as autorizações referentes a culturas e indústrias agrícolas condicionadas, tiverem sempre em consideração as conclusões do ordenamento,
estar-se-á permanente e insensivelmente realizando a aproximação do que existe ou aquilo que se considera perfeito».
Com as vicissitudes consequentes da falta parcial de elementos técnicos propostos no plano inicial para a manutenção do ritmo previsto, contudo já se encontram presentemente concluídos os seguintes estudos:
I SERVIÇO. - Carta agrícola e florestal:
a) Reconhecimento cartográfico completo:
Zona Norte: concelhos de Melgaço, Monção, Valença, Vila Nova de Cerveira, Caminha, Arcos de Valdevez, Paredes de Coura, Terras de Houro, Amares, Vieira do Minho, Póvoa de Lanhoso, Vila Verde, Braga, Barcelos, Esposende, Guimarães, Vila Nova de Famalicão, Cabeceiras de Basto, Boticas, Chaves, Valpaços, Vinhais, Bragança e Vimioso.
Zona Sul: concelhos de Vila do Bispo, Lagos, Portimão, Lagoa, Albufeira, Silves, Monchique, Algezur, Loulé, Faro, Olhão, Alportel, Tavira, Alcoutim, Castro Marim, Vila Real de Santo António, Ourique, Almodôvar, Castro Verde, Mértola, Sines, Santiago do Cacém, Aljustrel, Beja, Serpa, Moura, Barrancos, Grândola, Ferreira do Alentejo, Alvito, Cuba, Vidigueira, Alcácer do Sal, Viana do Alentejo, Portei, Reguengos de Monsaraz, Mourão, Sesimbra, Setúbal, Palmela, Seixal, Almada, Barreiro, Moita e Alcochete.
b) Reconhecimento cartográfico em curso:
Zona Norte: concelhos de Póvoa de Varzim, Santo Tirso, Vila do Conde, Fafe, Mondim de Basto, Celorico de Basto, Ribeira de Pena, Murça, Mirandela, Macedo de Cavaleiros e Miranda do Douro.
Zona Sul: concelhos de Montijo, Vila Franca de Xira, Montemor-o-Novo, Arraiolos, Évora, Redondo, Alandroal, Vila Viçosa, Cascais, Oeiras e Sintra.
Em resumo, a actividade realizada através do I Serviço pode exprimir-se por:
Concelhos concluídos, 74.
Concelhos em curso, 22.
Área total reconhecida, 3.700:000 hectares.
II SERVIÇO. - Inquérito agrícola e florestal:
Relatórios concluídos:
Zona Norte: concelhos de Melgaço, Monção, Valença, Vila Nova de Cerveira, Caminha, Paredes de Coura, Arcos de Valdevez, Ponte da Barca, Ponte de Lima, Viana do Castelo, Terras de Bouro, Amares, Vila Verde, Barcelos, Esposende, Famalicão, Braga, Póvoa de Lanhoso, Vieira do Minho, Cabeceiras de BAsto, Celorico de Basto, Fafe, Guimarães, Póvoa de Varzim, Vila do Conde, Santo Tirso, Paços de Ferreira, Lousada, Felgueiras, Amarante, Baião, Marco de Canaveses, Penafiel, Paredes, Valongo, Maia, Matosinhos, Porto, Vila Nova de Gaia, Gondomar, Montalegre, Boticas, Ribeira de Pena, Vila Pouca de Aguiar, Valpaços, Murça, Alijó, Sabrosa, Vila Real e Mondim de Basto.
Zona Sul: concelhos de Algezur, Vila do Bispo, Lagos, Portimão, Monchique, Silves, Lagoa, Albufeira, Loulé, Faro, Alportel, Olhão, Tavira, Vila Real de Santo António, Castro Marim, Alcoutim, Odemira, Ourique, Almodôvar, Castro Verde, Mértola, Serpa, Barrancos, Moura, Vidigueira, Beja, Cuba, Alvito, Ferreira do Alentejo, Aljustrel, Mourão, Reguengos, Portel, Viana do Alentejo, Montemor-o-Novo, Arraiolos, Mora, Estremoz, Redondo, Alandroal, Vila Viçosa, Borba, Santiago do Cacém, Sines, Grândola, Alcácer do Sal, Se-
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simbra, Setúbal, Palmela, Seixal, Almada, Barreiro e Moita.
Desta maneira verifica-se que o II Serviço concluiu o inquérito agrícola e florestal em cento e três concelhos.
III SERVIÇO. - Inquérito e carta pecuária:
Relatórios concluídos: concelhos de Vila do Bispo, Algezur, Lagos, Monchique, Portimão, Silves, Lagoa, Albufeira, Loulé, Faro, Alportel, Olhão, Tavira, Vila Real de Santo António, Castro Marim e Alcoutim.
Relatórios em curso: Mértola e Almodôvar.
Resumindo: a tarefa realizada pelo III Serviço, forçosamente diminuta pela escassez de meios, postos à sua disposição, foi a seguinte: concelhos concluídos, 16; concelhos em curso, 2.
IV SERVIÇO. - Amostragem:
Encontra-se concluída a amostragem em toda a província do Algarve, abrangendo 530 amostras, que definem uma área de 507:000 hectares.
O IV Serviço também realizou a planificação da amostragem nas províncias do Minho, Alto Alentejo e Baixo Alentejo e o enquadramento das amostras nas fotografias aéreas respeitantes ao Alto Alentejo.
V SERVIÇO. - Ordenamentos:
a) Cartas de solos:
Encontra-se concluído o estudo dos solos em toda a província do Algarve, compreendendo a superfície de 507:000 hectares.
b) Ordenamento:
Está terminado o trabalho de campo do ordenamento em toda a província do Algarve, embora se esteja ainda a proceder a uma última revisão em sete concelhos.
E o que poderemos antever, como resultados fundamentais para o progresso agrícola e florestal do nosso país, logo que estejam concluídos os estudos do Plano de Fomento Agrário (P. F. A.), base do racional planeamento da nossa agricultura?
Considero, pelos resultados parciais já do meu conhecimento, resultados apoiados em longos e minuciosos estudos técnicos, agrícolas, florestais e pecuários, levados a cabo pelas estações e postos agrários, postos experimentais de culturas de sequeiro e de regadio, serviços florestais, pecuários e de colonização interna e estabelecimentos de investigação científica do departamento de agricultura, e que os serviços do Plano de Fomento Agrário tem vindo a confirmar e a ordenar, que, de facto, poderemos antever reais possibilidades de acréscimo do nível de existência do povo português.
E, para tal, não haverá necessidade de incomportável recurso a capitais de investimento. Bastará que sejam dadas à lavoura apenas as necessárias condições para um trabalho contínuo de valorização da terra. Digamos mesmo que, antes de terminadas certas obras naturalmente morosas, nos domínios da produção de energia e de extensificação do regadio, deverão realizar-se, paralelamente, campanhas de valorização do sequeiro, intensificando a cultura cerealífera e estimulando ao máximo a criação de gado, bem como levando a cabo o repovoamento florestal do Sul do País com espécies adequadas de rápido crescimento. Assim se conseguirão anular algumas, deficiências alimentares da grei e criar condições favoráveis para o estabelecimento de indústrias complementares das actividades agrícolas e florestais, anulando os efeitos desastrosos das crises cíclicas dos assalariados rurais.
Poderemos reduzir ao seguinte esquema as directrizes a seguir para se atingirem os fins enunciados:
Melhor compartimentação da paisagem agrária do Sul, divulgando o povoamento florestal nas terras impróprias para a cultura cerealífera e forraginosa, e, como consequência, o estabelecimento de indústrias transformadores das matérias-primas, originadas por esta extensificação florestal;
Fomento da produção forraginosa e extensificação da área de pastagens naturais. Consequências:
a) Fomento da produção pecuária: mais e melhor gado, mais matéria orgânica restituível aos solos e maior fertilidade;
c) Maior produção unitária de cereal panificável.
A existência de mais e melhor gado e maior produção imitaria de cereal panificável permitirão um maior rendimento agrícola, mais e mais elevados salários, maior poder de compra, desenvolvimento do comércio e indústria e, como consequência, maior emprego de mão-de-obra nestes misteres.
A produção de mais e melhor gado e, consequentemente, maiores possibilidades de proteína animal, conjugadas com maior rendimento agrícola e maior poder de compra do povo português, facultarão, como resultado final, um regime alimentar equilibrado da grei.
Para se conseguir os objectivos sinteticamente referidos será necessário decerto reduzir nas paragens do Sul a área dedicada actualmente à cultura frumentária - mais de uma centena de milhares de hectares de terrenos delgados e esqueléticos, que a carta dos solos facilmente demarcará.
Mas no Norte e Centro litorais, em perfeito equilíbrio com a cultura forraginosa e com a bouça, voltará o trigo a dominar na sua região eleita. Regressará também este cereal «s férteis várzeas das bacias hidrográficas do Minho e do Douro è Beira litorais, com o ensejo de culturas melhoradoras, como a beterraba sacarina e outras, bem como o milho do restivo, na sequência de rotações e sucessões de elevada intensidade agrária.
A divulgação larga da ensilagem económica, em trincheiras, completará o esquema enunciado. E não haverá que temer então que se verifique a necessidade, que já hoje se antevê, do deslocamento da cultura orizícola, pelo menos, das terras menos aptas para as bacias hidrográficas do Tejo, do Sado e, de futuro, do Guadiana, visto ser possível realizar outros cultivos mais interessantes para a economia do lavrador e com grau de vantagem para o consumidor, que assim poderá obter este cereal com uma redução apreciável de preço. Este tenderá a nivelar-se com o preço do mercado internacional, facultando-nos uma possível exportação quando se verifiquem excessos que não se justifique manter para a campanha imediata.
Neste melhor ordenamento cerealífero será muito possível que o centeio, que hoje recobre terras abruptas facilmente erosionáveis das Beiras e Trás-os-Montes, se desloque, com vantagem, para certas manchas alentejanas onde seja de aconselhar a manutenção da cultura cerealífera, mas onde hoje, teimosamente, se queimam ainda seareiros de trigo, num jogo miserável de roleta agrária.
Quanto ao milho de regadio, as formas híbridas e outras melhoradas constituirão o necessário complemento do trigo e do centeio na confecção de um pão nacional, dando ao mesmo tempo forragem abundante para o gado. De resto, é esta a mais valiosa utilização que é hoje dada ao milho nos países mais progressivos. Assim, nos Estados Unidos da América - o maior produtor mundial de milho - 90 por cento da produção deste ce-
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real destinam-se à alimentação de gado suíno e bovino e constituem também, em parte, preciosa matéria-prima de várias indústrias de feculentos. Com as altas produções que os milhos híbridos serôdios são susceptíveis de dar nos vales do Tejo, do Sado e do Guadiana e nos restantes regadios do Sul, é possível prever-se, dentro em breve, a existência de uma massa alimentar «capaz de nos resolver, em condições de boa economia, o problema n.º 2 da alimentação da grei - o problema da carne.
Não é exagerar admitir-se que uma produção de 5:000 a 6:000 quilogramas por hectare será fácil de obter nos regadios do Sul. Em 1950, dos 493:837 hectares de milho semeado, mais de 50:000 foram-no em mau sequeiro, sem quaisquer condições de êxito. Bastarão 5:000 hectares de regadio para compensar essa diminuição da área do milho, que será de futuro utilizada em muito melhores condições económicas pelo trigo.
Mus, mesmo no sequeiro alentejano se encontrarão condições para saldar, em grande parte, o deficit das carnes. Assim, nos 600:000 hectares de pliocénico que se estendem do estuário do Tejo até Venda Novas e Algezur, situados, digamos, nos arredores do principal centro consumidor do País, a experiência em larga escala realizada em Pegões demonstrou, num período de dez anos, que com um afolhamento medianamente rico, incluindo milho, cereais praganosos de sequeiro, serradela, tremocilha, ferrejos estrumados e pastagem melhorada, compreendendo siderações e ensilagem económica, se multiplicou por dez o número de cabeças de gado ovino, com melhoria acentuada da qualidade da carne, da produção do leite e da lã.
Noutro extremo do Alentejo, para as bandas de Moura, entre muitos outros exemplos, tem-se verificado também o mesmo sucesso, apoiada a exploração da terra em moldes semelhantes, com lugar destacado para a produção forraginosa. Vemos assim transformado o aleatório de uma cultura de cereais em ternas impróprias uma indústria regular de produção de carne, produto final de uma agricultura arvense progressiva. Poderá então sonhar-se desenvolver, com aspecto industrial dilatado, o binário bolota-milho na criação do porco nas planuras alentejanas. Assim, logo que esteja concluído o volante matadouro-frigorífico da capital, poderá então quebrar-se definitivamente o círculo vicioso da pobreza agrária do Sul e deixará de se criar uma máquina animal para viver em miséria fisiológica, seleccionando, na pastagem natural, as más ervas, para se fazer verdadeira zootecnia, a partir de pastagens melhoradas e forragens abundantes, a utilizar por máquinas de elevado rendimento.
E não se pense que o que for necessário para completar o arraçoamento, especialmente proteínas animais, gorduras e produtos vitaminados, o não teremos em condições de boa economia pelos nossos próprios meios. Lembremo-nos da extensão e riqueza piscícola da nossa costa e do valimento e progresso da nossa frota de pesca, bem como do muito que ainda se desperdiça; lembremo-nos dos quantitativos disponíveis de bagaços de oleaginosas continentais e ultramarinas e do nosso óleo de fígado de bacalhau, estimulante precioso da criação pecuária.
Tudo isto, como vemos, não é um sonho, mas sim confortante realidade de um futuro próximo, fácil de antever.
Quando tudo isto suceder no campo arvense e da pecuária, a floresta de eucalipto, especialmente das espécies E, rostrata e E. viminalis, com o sub-bosque de acácias taninosas, ou matas estremes das espécies Acácia decurrens e A. mollissima, invadirão as manchas de terras pobres ou excessivamente declivosas das serranias da zona da aridez, produzindo, passado período curto
de tempo, grandes massas de combustível, cascas taninosas, óleos essenciais, e acima de tudo, pelo seu excepcional valor, matéria celulósica, que permitirá resolver o problema fundamental do papel de imprensa, adoptando as técnicas já hoje usadas pela indústria australiana. Constituir-se-á, ao mesmo tempo, ao sul do Tejo unia reserva estratégica, que permitirá manter a indústria ferroviária em períodos de crise de combustível. E lembremo-nos de que só os caminhos de ferro consumirão anualmente cerca de 1.300:000 toneladas.
E continuemos a dizer, e, como vemos, não a sonhar utopias. Os pomares, que foram vergel da Europa desde o século XVI ao século XIX, passarão novamente a alimentar uma preciosa fonte de exportação bem adaptada à ecologia de algumas regiões do território nacional. Faltava-nos hoje apenas para o sucesso desta iniciativa o conveniente aproveitamento das frutas de segunda e de terceira escolha em conservas, compotas e sumos vitaminados. A resolução do problema da carestia do açúcar industrial e do dos recipientes de vidro permitirá o V renascimento da nossa arboricultura, já hoje em franco progresso cultural.
E o que vejo mais? Vejo que, com extensificação e intensificação da produção forraginosa se fomentará, especialmente no Noroeste e nos regadios do Sul, a produção de leite, resolvendo-se por esta forma o importante problema do melhor sustento da infância rural e das cidades, ainda hoje ceifada em número aterrador. Conjugado este aspecto com o da difusão do óleo de fígado de bacalhau, oriundo do labor dos nossos valentes pescadores das paragens polares, teremos conseguido de vez liquidar uma das mais tristes maleitas nacionais. E não devemos esquecer, para que não se considere exagero o que fica dito, que a Grã-Bretanha fez durante a última guerra a experiência de quanto vale uma campanha de divulgação do consumo de óleos vitaminados na saúde da população infantil. Ficou a atestar esse valimento a robustez excepcional da geração infantil que suportou os horrores da última guerra mundial: mais vigorosa, conforme me foi observado por um responsável do Ministério da Saúde, que a geração que a antecedeu.
Não quero, Sr. Presidente, continuar a sonhar alto, digo, a antever realidades que o são já no espírito daqueles que sonharam desde sempre com futuro melhor para a nossa gente. E depois esse génio que tudo domina, pelo esplendor da sua inteligência, habituou-nos a estudar na dúvida, é um facto, mas a realizar na fé, e por isso mesmo a sonhar.
O que falta, pois, para transformar desejos em consoladoras realidades? Apenas continuar a política da verdade e dar a palavra de ordem a duas, a três centenas de técnicos das nossas, escolas médias e superiores, para virem até nós receber o facho, ingressando, como soldados, nesta campanha, que é a verdadeira campanha da paz.
Os primeiros combates foram já travados e ganhos neste solo bendito. Que o digam esses, valentes, e patrióticos lavradores que tão bem souberam responder à chamada nessa doira batalha quando a voz de comando ecoou por todo o País, determinando que se produzisse o necessário e se poupaste, e quando a patriótica campanha de O Século, já anos antes, tinha, chamado à liça os denodados desbravadores da charneca do território da aridez e que Linhares, de Lima transformou inteligentemente nu grande campanha do trigo. Que o digam todos se não foi esse o momento em que, com a ajuda de Deus, se deu a viragem do pessimismo, que tudo entorpecia, para um saudável optimismo realizador. Nessas lutas gloriosas ficaram, é um facto, muitos caídos no campo da honra. Eles serão, porém, nos nossos pensamentos, o exemplo a continuar,
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Duas dezenas de milhares de contos anualmente, durante cinco anos, permitirão terminar com o ritmo desejado o planeamento do que há a fazer no continente e nas ilhas adjacentes. Depois, ou, melhor, paralelamente, seriam preparados os contingentes para a luta nos vastos domínios de além-mar.
E a vitória final será nossa. E ela será travada nas mesmas planura» onde séculos atrás se tinha firmado a Independência Nacional. Essa vitória levar-nos-á também, em definitivo, à Independência Económica.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: não subo a esta tribuna obnubilado por subjectivismos de qualquer ordem ou movido por motivos particuluristas, episódicos ou de mero pormenor. Julgo que um tema tão amplo e complexo como o que está posto à discussão não deve servir de ensejo para apresentar reclamações locais ou restritas, que nada interessam a uma indispensável visão de conjunto e à definição necessária de orientações gerais.
Não é também como técnico especializado de contabilidade e finanças que me encontro neste lugar, a despeito da pequena experiência adquirida em mais de seis anos num sector - que não é insignificante - de administração pública e da minha intervenção atenta de mais de vinte e cinco anos em conselhos administrativos de estabelecimentos oficiais.
Sem me propor aplaudir ou discordar sistematicamente em relação à tarefa realizada, pois me julgo no dever e no direito de falar com independência, venho aqui apenas dizer o quê, como português o como ser pensante, se me afigura, em consciência, caber-me afirmar sobre as linhas gerais da administração financeira metropolitana em 1950 e suas correlações com a economia e a política nacionais.
O saldo da minha sumária crítica - desde já o declaro- é num sentido favorável ao esforço governativo desenvolvido em matéria de finanças do Estado; mas, sem me entregar, pelo que respeita a perspectivas de porvir, a um optimismo ou a um pessimismo irrestritos e incondicionais, afirmo desde já (apesar de todas as circunstâncias permanentes ou ocasionais que nos suscitem perplexidades relativamente ao futuro) que tenho confiança, tenho fé, uma fé serena, consciente, inabalável, em que o admirável impulso organizador e renovador que Salazar desenvolveu na matéria e que tem sido prosseguido, primeiro pelo Sr. Dr. Costa Leite (Lumbrales), e depois pelo Sr. Dr. Águedo de Oliveira, encontrará o complemento indispensável no campo económico com o aumento efectivo da riqueza nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tenho confiança, tenho fé. Sem esta, sem aquela, nenhuma realização grandiosa é possível.
Sem elas a tarefa ficaria incompleta, desprovida dum amanhã digno do glorioso esforço inicial. Sem elas ... que estaríamos nós aqui a fazer?
Não tenho a pretensão da infalibilidade. Aceitarei todas as objecções fundadas, justas, bem intencionadas.
O que não admitirei seja a quem for é pôr-se em dúvida a minha boa fé, a minha intenção de uma objectividade serena e imparcial, o propósito sincero de acertar e de vincar algumas verdades que me parecem imperativas, alguns aspectos que reputo primaciais na análise da administração financeira e geral do País nestes últimos anos, os caminhos que, em meu fraco entender, suponho os melhores a seguir de futuro, por entre as dificuldades, as incertezas e as perplexidades que se deparam, no estado actual do Mundo, a quem tem as responsabilidade» de governação ou da orientação dos destinos de um país.
Falei agora em administração financeira e em administração geral.
De facto, as finanças são a base e o melhor índice de uma administração. Boas finanças, finanças sãs, constituem a expressão mais clara da saúde de um Estado, da regularidade e bom critério de uma acção governativa, elemento fundamental de prestígio e de confiança, ponto de partida de empreendimentos para benefício e prosperidade de um povo.
Eis porque a apreciação parlamentar das contas do Estado faculta o ensejo, quase impõe, de uma apreciação mais lata - a de toda a administração, a dos reflexos desta na vida nacional e vice-versa.
O momento é particularmente favorável para o efeito. Na verdade, quando no começo de cada período legislativo é submetida à Assembleia a proposta da Lei de Meios, apenas àquela cabe, sob o parecer da Câmara Corporativa e estatísticas fornecidas pelo Governo, emitir votos, exprimir aspirações, enunciar alguns problemas, definir uma ou outra orientação.
Por disposição constitucional, a Assembleia, ao contrário do que sempre constituiu meu pensamento e desejo, não dispõe então com a proposta da Lei de Meios, sequer, de um resumo do orçamento. Está em branco sobre a avaliação orçamental das várias rubricas de receitas, como sobre os quantitativos globais de despesas e atribuição destas aos diversos departamentos ministeriais e outros encargos do Estado.
Mas a Constituição assim o faculta e assim é, pois. As contas do Estado constituem, deste modo, com certos debates especiais como os que se referiram, por exemplo, à reconstituição económica, o ensejo para uma directa intervenção da Assembleia em aspectos concretos da vida financeira, embora a posteriori, isto é, decorridos os factos, cuja análise e cujos ensinamentos servem, no entanto, para futuro, ainda que sem carácter deliberativo, imperativo.
Não me detenho no sistema. É assim, repito. Pois seja assim. Mas a lágrima é livre e eu lamento também que a nova disposição constitucional de apreciação parlamentar das contas próprias da administração ultramarina não tenha ainda entrado em execução, admitindo aliás que ainda não houve tempo para isso. Quando a efectivação do novo preceito se der, deveras estimaria que as duas ordens de contas pudessem ser examinadas, tanto quanto possível, em conjunto. A Comissão das Contas Públicas desta Assembleia reconhece expressamente, nas suas judiciosas conclusões, que cada vez se torna amais premente a coordenação das economias ultramarina e metropolitana», encarando o facto sobretudo no aspecto dos efeitos das balanças comerciais de cada província sobre a moeda. Eu aplaudo, mas vou mais longe, porque não julgo possível aquela coordenação sem uma correlação financeira, uma conjugação das finanças respectivas nos limites do tecnicamente viável e pragmaticamente admissível.
É crível que os progressos da técnica financeira e as legítimas exigências da ciência económica aconselhem inovações ou aperfeiçoamentos.
Ouvi aqui já, com simpatia, preconizar orçamentos de investimentos, a inclusão das contas e previsões financeiras da organização corporativa e dos organismos de previdência nas contas e orçamentos do Estado, com paralelismo não direi identidade- de todas as normas técnicas.
Já eu próprio aqui exprimi abertamente há um ano - precisamente em 18 de Abril- o meu espanto por (ao que parece sob o pretexto de falta de regulamentação) não ter ainda entrado em execução a Lei n.º 1:990, aprovada há nove anos - há nove anos!... - por esta
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Assembleia, sobre fiscalização das sociedades por acções. Afirmei então que não falecia ao Estado Português legitimidade e prestígio para, por órgãos adequados, impor às administrações de empresas privadas as normas salutares de administração financeira que ele, graças a Salazar, pôs em execução para si próprio. Aliás, o Estado, que restringe as acumulações nos serviços oficiais, tolera-as afinal nas empresas colectivas privadas em favor de certos indivíduos que nada administram, nada fazem o só recebem chorudos vencimentos em detrimento do accionista - sobretudo do pequeno accionista -, do trabalhador autêntico e do pobre consumidor.
A proposta governamental de que resultou essa lei foi subscrita por alguns dos actuais Ministros, foi relatada na Câmara Corporativa pelo talentoso Prof. Paulo Cunha, hoje Ministro dos Estrangeiros, e foi apoiada nesta Assembleia em calorosos discursos de vários Deputados, entre os quais se contavam então os actuais e ilustres Ministros Srs. Drs. Águedo de Oliveira, Ulisses Cortês e Soares da Fonseca.
Passam agora nove anos sobre a promulgação da lei, passa um ano sobre a minha intervenção parlamentar. Seria possível, Sr. Presidente, obter-se do Governo que esta Câmara e o País fossem esclarecidos sobre os motivos, sem dúvida imperiosos e graves, que não permitiram até agora, a regulamentação e a efectivação de uma lei adoptada num alto propósito de moralidade e justiça?
Regressando desta ligeira divagação à apreciação das finanças públicas, eu não calo, Sr. Presidente, a minha satisfação de português pela clareza, exactidão, boa ordem e prontidão das contas do Estado.
Apresentadas em dia, traduzem na sua própria estrutura normas rígidas, severas, de contabilidade, uma boa organização destas e dos serviços de tesouraria, uma escrupulosa prudência. Para as minúcias, para a legalidade das operações de pormenor, dispõe o Estado de órgãos de execução, fiscalização e julgamento que oferecem ao País as garantias indispensáveis de zelo, proficiência e probidade. Temos um relatório ministerial, o parecer do Tribunal de Contas.
A Assembleia, à parte o que já disse sobre as vantagens da coordenação financeira e económica entre a metrópole e o ultramar e sobre a possível conveniência da ampliação do algumas normas oficiais a organizações para estatais ou mesmo privadas, a Assembleia, repito, não se detém nos pormenores da administração financeira e não pode, a meu ver, hesitar (mesmo apenas perante as verbas globais que lhe são apresentadas e que são, aliás, quantitativas, indicações numéricas, totalmente omitidas sob a forma de previsões, na proposta da Lei de Meios) em proclamar a legalidade das contas e a legitimidade do saldo correspondente, de acordo com as conclusões da sua Comissão de Contas.
O elogio devido à contabilidade o às normas severas que a regem não exclui, porém, ao meu ânimo a convicção de que certos rigores excessivos ou desnecessários poderiam prejudicar a eficiência, a própria vitalidade, do serviços.
Pelo que respeita à? verbas consignadas no orçamento para as rubricas requeridas pelo funcionamento de serviços, associo-me aos receios de que cortes excessivos nalgumas verbas prejudiquem este funcionamento, podendo mesmo chegar a tornar quase nulos os meios de trabalho do pessoal existente no sector respectivo.
Dou um exemplo simples: de que servirá um quadro de fiscalização itinerante se não tiver verba suficiente de deslocamentos?
Um laboratório químico sem aparelhos e sem reagentes não é um laboratório químico, por mais idóneo e zeloso que seja o pessoal técnico que lhe esteja adstrito.
É claro que o lúcido critério dos responsáveis da confecção dos orçamentos procura, sem dúvida, evitar situações tão ilógicas e prejudiciais.
Mas o lápis vermelho dos cortes de despesas faz riscos da cor do sangue.
Pelo que respeita a pessoal, concordo plenamente com a utilidade das modificações de quadros no sentido da sua redução ao estritamente indispensável para a eficiência dos serviços cuja manutenção se considere necessária. Aplaudo o inquérito à eficiência dos serviços ordenado pelo ilustre Ministro das Finanças e no qual serão naturalmente ouvidos os responsáveis especializados desses serviços. Mas considero perniciosa, pela falta de estímulo e de justiça que representa, a suspensão de promoções que aqui votámos, que eu mesmo votei, mas que não tornarei a votar, mesmo com excepções expressas já admitidas para cargos de direcção e para casos reconhecidos como de inconveniente aplicação da regra.
Repito: hoje não votaria assim. E mais uma vez declaro também que tive sempre muita pena dos bons funcionários. São as vítimas da natural confiança dos chefes. Os maus não são escolhidos para as tarefas de maior responsabilidade e ganham o mesmo.
O exame dos quantitativos determinados para as receitas e despesas públicas em 1950 põe-nos perante factos e problemas numerosos, dos quais apenas sublinharei alguns que me parecem suscitar reflexões mais detidas.
Destacarei em primeiro lugar que o ano financeiro decorreu sob duas gerências ministeriais e sob o signo e o regime de restrições que foram reconhecidas indispensáveis para o equilíbrio financeiro e salvaguarda das bases duma posição de tesouraria sem inquietações e alarmes de maior.
Sobre a sequência de dois titulares na pasta das Finanças em 1950, escreveu no sen notável relatório das contas do mesmo ano o Sr. Dr. Águedo de Oliveira:
De 2 de Agosto em diante figuro nestas contas, perante o País, com uma responsabilidade directa, mas tenho muita honra em me solidarizar com o meu ilustre antecessor nas obrigações morais e jurídicas tomadas que constituem a restante gerência e que, como poderá vêr-se, foram cumpridas. Que a Nação veja o que foi feito e o preço por que o pagou!
De facto não se nota qualquer solução de continuidade, qualquer solavanco de maior, na gerência. Isto não significa imutabilidade de vistas quando fundadamente se requeira qualquer transformação, mas permanência de princípios e objectivos gerais essenciais, encadeamento com a acção inicial de Salazar.
Os factos exigirão ajustamentos ir-se-ão fazendo; exigirão algumas iniciativas e ideias novas - elas virão. Mas tudo a seu tempo, com prudência, sem precipitações perigosas, sem esquecimento dos propósitos fundamentais.
O ano anterior, 1949, fora assinalado na sua gestão financeira pelas restrições que nos respectivos meados surgiram através duma circular da Direcção-Geral da Contabilidade Pública.
Não é necessário recordar aqui os factos determinantes dessas providências, que, se causaram algumas apreensões no espirito público, mostraram, em contrapartida, com todos os intrínsecos efeitos tranquilizadores, que as entidades governativas estavam vigilantes e não hesitavam nas decisões mais enérgicas quando necessárias ao bem público.
Se algumas ilusões, que o anterior clima de euforia vinha alimentando, desabavam, uma confiança esclarecida surgia após o alarme e as inquietações da surpresa.
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Houve quem julgasse que o saldo da balança comercial do período da guerra se manteria -, como mais tarde, ultimamente, a alta de preços de mercadorias de exportação e, de novo, o volfrâmio viriam alimentar novas ilusões.
Imaginámos, em certa altura, que a nossa prosperidade tornaria dispensável a aceitação da ajuda americana, e hoje estamos perante o problema difícil de resolver a nossa situação credora na U. E. P. de modo a obtermos benefícios efectivos, não apenas nominais, da nossa participação, com vantagem real para o nosso equipamento e para o aumento da nossa riqueza, não exclusivamente em benefício alheio e detrimento próprio. Mas não antecipemos considerações sobre as correlações económicas das nossas finanças públicas.
Com justa preocupação e decisão louvável, tomaram-se em 1949 as restrições que todos conhecem e que subsistiram na gerência inteira de 1950.
£ o que nos dizem as verbas globais de receitas e despesas, os saldos obtidos nessa gerência, a evolução do crédito do Estado e da dívida pública, a nossa posição monetária em ligação com o volume da circulação e a proporção desta com as reservas legais, enfim as possibilidades financeiras que o balanço dessa gerência permite entrever para a satisfação de encargos indeclináveis e de realizações desejáveis?
Resumidamente, o panorama é este: receitas ordinárias quase estacionárias; receitas extraordinárias em enorme regressão (seja pela redução dos saldos de gerência, seja pela redução voluntária e prudente do recurso ao empréstimo); despesas ordinárias resistindo aos esforços de redução, insuficientes para todos os encargos necessários, em progressão; despesas extraordinárias cerceadíssimas por medida de prudência e por serem cada vez mais limitadas as disponibilidades das receitas ordinárias, susceptíveis de as suportarem; saldos cada vez menores, embora firmemente mantidos com o sinal a prosseguimento da desvalorização do escudo, não já em relação aos padrões ouro e a moedas que eram tradicionalmente fortes, mas em relação aos preços, ao custo da vida, apesar de todos os esforços oficiais para combate da subida de preços, sobretudo em géneros mais indispensáveis; aumento da circulação monetária, embora com firme e louvável excesso da percentagem das reservas ou da sua contrapartida em relação à legal; aumento da dívida pública, embora em menor proporção do que nos anos anteriores.
Estos são os factos mais impressivos, juntamente com restrições severas, com um funcionalismo que os sacrifícios mais enérgicos do Tesouro não bastaram ainda para remunerar satisfatoriamente nem para premiar e estimular com todos os acessos justos a postos superiores ou mais adequados, com uma penúria frequente de possibilidades de trabalho, de material, de apetrechamento, etc., com uma redução recente do realizações produtivas, culturais e de outras ordens que constituem um dos justos motivos de desvanecimento e orgulho de uma Administração com dependência cada vez maior de obrigações internacionais e sobretudo de pesadíssimos encargos de rearmamento e defesa militares ...
Nem tudo, porém, é efectivamente desanimador no breve bosquejo feito, mas há neste, de facto, muitos incentivos de desânimo ou, pelo menos, de preocupação.
Parece-me, porém; que uma análise atenta de alguns factos fornece elementos susceptíveis de atenuar algumas cores sombrias do quadro esboçado.
Eu não creio que o confronto das receitas ou despesas em anos sucessivos, da circulação monetária, dos depósitos bancários da dívida, etc., em períodos diferentes, possa dar-nos uma noção real da situação financeira correspondente, do esforço desenvolvido, dos encargos assumidos, da riqueza amealhada ou consumida, se nos abstivermos de referir os quantitativos de cada época, tanto quanto possível, a uma unidade fixa, a um padrão comum.
Doutro modo lidamos com valores nominalmente comparáveis, mas efectivamente heterogéneos, insusceptíveis de confronto.
Simplesmente, todos sabem aqui, melhor do que eu, a dificuldade que há em encontrar padrão que permita comparar os escudos do 1938, por exemplo, aos de 1900 ou de 1952.
O tempo do padrão-ouro passou: o ouro tornou-se uma mercadoria de custo sujeito a oscilações que denunciam uma grande instabilidade de poder aquisitivo.
Os índices de preços ou de custo da vida são influenciados por providências governativas tendentes a combater a elevação respectiva, especialmente em mercadorias mais necessárias às populações.
Além disso, não há segurança absoluta no significado de alguns elementos que servem para a construção desses índices, apesar de todo o escrúpulo e cuidados que na matéria tem, por exemplo, o Instituto Nacional de Estatística.
Por mais que ao valor real da unidade monetária oficial ande ligado um factor psicológico que é sobretudo de confiança, e por mais que ele dependa também, como diz o nosso prezado colega Dr. Pinto Barriga, dum concentracionismo ou da tendência oposta, que chamarei difusionismo ou dispersionismo, a verdade é que há uma base, decerto razoavelmente significativa, na utilização dos índices de preços, especialmente dos de grosso, para o cálculo da unidade fixa indispensável aos confrontos de quantias expressas em escudos de épocas diversas.
Tomando como base o escudo de 1938=100, é legítimo atribuir ao de 1950 um número-índice de cerca de 250.
Os preços por grosso, segundo o Instituto Nacional de Estatística, foram, com a base de 100 para Junho de 1927, de 103 em 1939, 131 em 1940, subindo os índices consideràvelmente de 177 em 1942 para 221 em 1943 e 248 em 1944, caindo depois ligeiramente, para subirem de novo de 1945 para 1949, em que foi de 251,9 o índice, baixando levemente em 1950 para 248,9, para já em 1951 ultrapassarem os valores antecedentes, atingindo 272,5. Cabe distinguir índices de preços de produtos alimentares ou de outros, de produtos nacionais ou de produtos de importação, mas para a visão aproximativa de conjunto que pretendíamos bastavam-nos aqueles.
Pois bem. Exprimindo as receitas e as despesas em unidade fixa, o escudo de 1938, de 1940 e de 1950 (como fez para as receitas a Comissão das Contas Públicas), o estacionamento das receitas ordinárias e o carácter imperativo do volume crescente das despesas ordinárias podem tomar aspectos mais graves ainda se os apreciarmos em relação com o aumento de população nos períodos considerados.
Calculei a capitação tributária em escudos de 1938, em 225$ para 1940, em 227£ para 1950. Tantas somas invertidas, com sacrifícios heróicos, durante vinte anos, em realizações, em obras que honram uma política, e, no fim de tudo, o Estado não obtém mais do que 2$ por habitante de aumento na receita!... Evidentemente o caso não se oferece com esta aparente simplicidade.
O ilustre Ministro das Finanças lançou mãos com oportunidade a um inquérito sério sobre a capacidade tributária, as possibilidades de aumento e melhor repartição de carga fiscal na população do País.
Poder-se-á ir muito longe em tal aumento? Poderá esto resultar substancial, valioso, de uma melhor justiça tributária? São perguntas a que o inquérito fornecerá respostas.
Os encargos da dívida pública passaram de 284:744 contos em 1938 para 423:980 contos em 1950, que se
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reduzem a 169:232 contos, só referirmos o segundo número a escudos de 1938.
As amortizações, as conversões de grande parte da externa em interna, de empréstimos de juro elevado em títulos de menor juro, deram grandes benefícios ao Tesouro.
Mas das inversões anteriores resultaram prejuízos, por tais operações financeiras, para muitas entidades, cujas economias se encontraram assim diminuídas.
È uma consequência análoga à da desvalorização da moeda para quem possui notas ou depósitos em dinheiro. O valor nominal fica intacto, mas o real, o poder de compra, diminui.
Permito-me, nesta altura, chamar a atenção para um facto que me tem chocado, talvez por incompreensão ou ignorância minhas.
Refiro-me à designação de dívida flutuante que se mantém em muitos documentos e relatórios oficiais em relação a contas correntes com o Banco de Portugal (sobretudo, julgo, como caixa geral do Tesouro) e com a Caixa Geral de Depósitos, e, ainda, quanto às contas correntes e depósitos em moeda estrangeira.
O saldo credor do Estado nessas rubricas era, em Julho de 1951, num total de 1.110:091 contos. A antiga dívida flutuante consistia, em grande parte, em bilhetes do Tesouro, expediente de emergência que o saneamento financeiro levado a efeito por Salazar baniu completamente.
No seu notável relatório sobre as contas de 1950 o Sr. Dr. Águedo de Oliveira diz que a dívida flutuante foi, desde as reformas basilares da reconstituição financeira, contida nos mais estreitos limites, deixando de constituir a ameaça e o abuso frequente que nela havia.
Desapareceram há muito os bilhetes do Tesouro. Os quadros de 1900 e 1951 dão ao Estado uma volumosa posição credora. Porque não banir a expressão de dívida flutuante para quadros que apenas resumem uma situação de tesouraria?
Meus senhores: eu ainda recordo os tempos idos em que a dívida flutuante era um dos sectores mais sombrios da administração financeira do País.
Falava-se dela como dum mostrengo temeroso, dum cancro que corroía a Nação. Recordo um antigo Ministro da monarquia, saudoso amigo meu, a explicar-me que um dos mais fortes estímulos da sua admiração por Salazar era o verdadeiro milagre, que ele realizara, de fazer desaparecer esse mal terrível que se considerava irremediável.
Se os bilhetes do Tesouro desapareceram, se as operações de tesouraria que poderiam considerar-se necessárias em dificuldades ocasionais o passageiras são nulas ou mínimas, para que - pergunto eu com toda a reverência- manter uma expressão que podo ocasionar interpretações erróneas ou tendenciosas?
Na anterior legislatura, em 1947, também aqui se desenrolou um debate provocado pelo Sr. Dr. Bustorft da Silva sobre o problema monetário português nos aspectos interno e externo, tomando-se conhecimento dum notável relatório do Sr. Dr. Costa Leite (Lumbrales), então Ministro das Finanças, hoje Ministro da Presidência, e proferindo importantes discursos, além do autor do aviso prévio, os Deputados Srs. Alberto de Araújo, Ulisses Cortês, Conde do Penha Garcia, Luís Teotónio Pereira, Pacheco de Amorim, Águedo de Oliveira, Araújo Correia e Botelho Moniz.
O Sr. Dr. Pacheco de Amorim exprimiu receios sobre a inflação, quase todos os Deputados afirmaram ser a situação monetária e financeira de então muito diversa da de inflação subsequente à da grande ^guerra de 1914-1918 e sendo tranquilizadoras em 1947 as perspectivas financeiras e monetárias em face da solidez da situação, das garantias em ouro, das disponibilidades do País para uma renovação económica, etc.
Pois em 1950 e hoje a inflação ainda aparece ameaçadora, mesmo mais.
O seu índice mais visível é o aumento da circulação monetária. Em 1938 as notas em circulação perfaziam 2.278:533 contos. Em 1947 atingiam já 8.031:000 contos. Em 1950 iam a 8.526:156 contos.
Reduzamos, porém, esta soma a escudos de 1938 e obtemos o quantitativo de 3.410:462 contos, ou seja uma vez e meia - 150 por cento - a circulação de 1938. De passagem notemos que o Boletim do f instituto Nacional de Estatística dá para fins de 1951 a elevada soma de 9.232:950 contos.
Mas, embora seja certo que estes aumentos traduzem causas múltiplas, nem sempre tranquilizadoras, eles têm a contrapartida de reservas que, felizmente, têm sido sempre superiores às legais, agora mais de 50 por cento.
Há acréscimo nominal e real de circulação, pela conversão de créditos de exportação em moeda nacional, por necessidade de meios de pagamento, por outros motivos, mas com contrapartida legal, com solidez e regularidade administrativas, com conteúdo efectivo de valores e riqueza, não como expediente de solvência de deficits sucessivos de gerência e de contas ...
Os depósitos à ordem, segundo os relatórios do Banco de Portugal, subiram de 4.025:000 contos em 1939 a 15.941:000 em 1950 e a 18.315:000 em 1951. Já estiveram em nível- mais alto. Mas, reduzidos a escudos 1938, apenas duplicaram, o que, aliás, é muito. Imobilidade por falta de coragem para investimentos novos, por perplexidade perante a situação mundial, por outros motivos? Por tudo isso, que se sabe, e pelo que se ignora.
Ainda sobre a dívida pública. Não incluindo aã variações do reduzido capital colocado externamente e as dívidas dos corpos administrativos (pouco mais de um milhão de contos), a capitação daquela divida foi por mim calculada para 1950 em pouco mais de 500?$ de 1938, quando em 1939 era de pouco mais de 1.000$ de 1938. Quer dizer: o valor real da dívida foi reduzido a metade nos doze anos considerados, apesar do aumento nominal que se verificou. Acrescentemos que parte da nossa divida é reprodutiva e outra parte é, pelo menos, recuperável.
O desafogo dos encargos correspondentes é evidente, a adopção de unidades fixas mostra que muitos agravamentos nominais de certos índices financeiros não tem o volume real que se poderia supor, os confrontos com muitas situações estrangeiras mostram a relativa superioridade da nossa (embora nos não devam consolar os males alheios), enfim a seriedade de uma Administração e a diuturna vigilância em que ela se encontra, oferecem garantias sólidas do futuro que faltam noutros países muito mais ricos o poderosos do que o nosso.
Estou pensando nas tabelas elevadíssimas de impostos que me facultaram há um ano nos Estados Unidos, às vacilações que a guerra da Coreia, as eleições próximas e os casos de corrupção postos perante uma comissão parlamentar de inquérito permitem adivinhar naquele pais sobre a continuidade nalgumas orientações administrativas e financeiras. Penso nas controvérsias parlamentares em França e noutros países em torno dos orçamentos. Penso nos esforços sobre-humanos que grandes países estão fazendo para evitar as mais tremendas derrocadas financeiras.
Comparo os números das nossas estatísticas financeiras e económicas com as da maior parte das nações e, se sinto uma grande inquietação sobre os destinos do Mundo, tenho uma grande alegria, uma grande satisfação, porque a situação financeira portuguesa nos aparece incomparavelmente mais favorável.
Vejam-se os boletins estatísticos das Nações Unidas, os quadros anexos ao último relatório do conselho de administração do Banco de Portugal. Pense-se em que
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o cálculo das nossas reservas é feito com enorme margem de prudência.
Mas, se assim é, nem por isso, como vimos, vivemos em perfeito mar de rosas.
Não podemos desligar-nos totalmente da situação mundial. Seria um egoísmo, não só perigoso mas inviável, e, além disso, contrário a todas as nossas belas tradições de fraterno universalismo cristão.
O isolamento, além de censurável, é hoje inexequível. Aliás, como vimos, estamos perante receitas quase estacionárias, um declínio de saldos de contas, um retraimento de investimentos privados, após uma fase de investimentos desordenados, uma certa desvalorização monetária, uma tendência inflacionista, pelo menos nominal, a dificuldade de prosseguir obras úteis e iniciar outras, estamos perante as indeclináveis exigências do rearmamento e da defesa nacionais.
Estes e outros índices causam preocupações em todas as almas sãs, suscitam interrogações a que é difícil, quando não impossível, responder com segurança, mesmo com probabilidade. Mas não devemos perder a fé em Salazar e em nós próprios.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Desejaria espraiar-me em considerações oportunas sobre as correlações económicas e políticas da nossa administração financeira. Mas vai longa a minha exposição e quase me limitarei, pois, a enunciar alguns tópicos. Já aqui se tem falado em cálculos da riqueza e do rendimento nacionais.
Com razão se deveria investigar até que ponto aquela e este beneficiaram da saúde das nossas finanças e da tarefa de reconstituição económica que se empreendeu nesse condicionalismo.
Para mim não existo qualquer dúvida sobre os recíprocos benefícios, mas a verdade é que como muito bem tem acentuado o Sr. Engenheiro Araújo Correia, tem havido falta frequente ou atraso de planos e estudos, a definição insuficiente dos equipamentos mais vantajosos e indispensáveis a importar ou a instalar, a falta de coordenação do planos, a extemporaneidade de muitas providências, frequentemente tardias ou ineficazes, o esquecimento corrente de que a matéria tributável não aumenta só com leis, mas essencialmente com o aumento de riqueza, a necessidade de aumentar e variar a produção, de adiar alguns empreendimentos e de dar a primazia aos problemas fundamentais, a saber: o dos alimentos, o da energia e o das matérias-primas, sobretudo o ferro e o aço, problemas que, pelo menos oficialmente, segundo diz o parecer, ainda não foram esclarecidos.
Eis por que a nos
Eis por quê, incessantemente, tenho nesta Assembleia, em toda a parte, proclamado a necessidade de estudos, de inventários, da investigação científica, de fontes de informação e documentação, seriamente organizadas e sempre em din.
Eis por que acompanho a Comissão de Contas nas suas recomendações em favor da melhoria de dotação e apetrechamento de organismos e serviços como o Instituto Nacional de Estatística, a Imprensa Nacional, a Biblioteca Nacional (a cultura também é apetrechamento, além do prestígio que outorga), o ensino, os serviços geológicos, a Escola Superior Colonial, a investigação científica e técnica, a revisão do alguns serviços, como os hidráulicos e de obras em curso, como as dos portos, a luta contra a erosão, etc.
À possibilidade de algumas providências terem sido tardias ou inoportunas acrescentarei a frequente falta de preparação psicológica, de preparação da opinião, para aceitação ou critica justa, antecipadamente, dessas providências,
Referência especial entendo dever fazer, em aditamento ao relatório da Comissão de Contas, a propósito dos problemas de energia, à energia humana, de que várias vezes tenho aqui tratado nesta Assembleia. O factor humano é, ou deve ser, a maior riqueza deste país.
Mas é preciso cuidar ao máximo da sua protecção, do seu fortalecimento, da sua eficiência, da sua valorização.
O capital-homem e um investimento, requer sustentação, encargos de educação, consumo, etc., mas representa, ou deve representar, um rendimento potencial, possibilidades de acção, de trabalho, de enriquecimento colectivo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Um dos maiores problemas de um país é também o das competências, em todos os sectores, em todos os estratos sociais.
No terreno político a questão financeira daria ensejo a longas considerações, que me vejo forçado a omitir agora, em face do adiantado da hora.
Direi apenas que a boa ordem nas contas, nas finanças, a certeza de enormes possibilidades de crédito, de reservas enormes, se relacionam estreitamente com a ordem nas ruas, nas famílias e nos espíritos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Basta o facto de espelhar lisura, probidade, a ponderação do bem colectivo e do bem individual, o justo equilíbrio de direitos, a salvaguarda dos interesses legítimos, a assistência e a generosidade para com os fracos, os doentes, as crianças, os velhos, os pobres, os inválidos, os desempregados, todas as vítimas das inclemências da natureza e do destino ou das injustiças, da imprevidência, dos erros e da maldade dos homens.
Mas a ordem não é perfeita onde os planos ou os serviços não correspondam às necessidades públicas.
Não é precisa apenas a disciplina regulamentada. É também necessária a disciplina fundada na justiça, a idoneidade na função, a consciência do dever, a hierarquização dos problemas, a coordenação das administrações e dos interesses da metrópole e do ultramar, a solidariedade consciente dos vários sectores da vida nacional - do estatal, do paraestatal e do privado - nos grandes e indeclináveis objectivos comuns.
Extremamente complexa a tarefa? Decerto. Com enormes dificuldades na apreciação dos factos, na resolução dos problemas, na escolha dos processos e técnicas a seguir? Sem dúvida. Quando estive na África do Sul, há dois anos, um congresso político presidido pelo Primeiro-Ministro Malan ouviu deste um discurso em que. preconizava como solução das dificuldades financeiras e económicas do momento tirar mais ouro do subsolo, aumentar a produção mineira do país.
Mas a abundância do ouro desvaloriza-o. E não há um estranho paradoxo numa extracção tão penosa do ouro da terra para o expedir para os cofres fortes subterrâneos dos Estados Unidos?
Meu Deus! Já se sugeriu neste mundo a bancarrota como terapêutica das dificuldades financeiras e económicas actuais; já se tem pretendido menosprezar a política de equilíbrio financeiro, o regime de superavits.
Tem-se dito que há que «modernizar», que quebrar a rotina, que muitas economias e rigores se tornam inúteis no estado actual do Mundo, que outras exigências de interesse público primam sobre o princípio do equilíbrio e da moderação. Uns vão para uma planificação rígida e cruel, que faz escravos. Outros confiam no livre jogo de interesses e antagonismos, como origem automática, miraculosa, duma directriz benéfica, duma resultante satisfatória. Surgiam assim outros desgraçados.
Os financeiros e economistas não ocultam a sua perplexidade perante a situação mundial.
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718 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 151
Propõem soluções contraditórias, soluções inverosímeis ou não propõem soluções nenhumas. Pois eu creio que, perante a complexidade, os circuitos inextricáveis, as obscuridades, os imponderáveis, as incertezas, os imprevisíveis, os factores inatingíveis, indomináveis vá o galicismo - incontroláveis, de repercussões internacionais no campo financeiro e no terreno económico, não se oferece à administração portuguesa outro caminho que não seja o seguido até agora em matéria de finanças públicas sob o magnífico impulso inicial e a superintendência de Salazar.
Com prudência e ponderação, mas com sentimento da oportunidade das providências a tomar, a consideração dos seus reflexos possíveis e sem desânimos, aliás desculpáveis nalguns espíritos timoratos perante o panorama actual do Mundo.
Na verdade, não só pode edificar uma política de prosperidade ou de simples salvaguarda da Nação Portuguesa no fatalismo abúlico, numa apatia descoroçoada ou num programa de desperdício, de dissipação ou de desordem.
Reparemos como grandes países se esforçam por regressar à ortodoxia dos equilíbrios de contas, das finanças saudáveis, da austeridade - como agora se diz, mas como nós já sabíamos há muito ...
Aplaudindo a política financeira do Governo, estou certo de que as restrições postas em execução não asfixiarão os serviços no que seja útil e essencial.
Por outro lado, com a repressão inexorável de todas as especulações, que, favorecendo alguns, prejudiquem a colectividade, acompanho a Comissão de Contas Públicas e o seu ilustre relator nos seus votos por que se fortaleça a armadura económica da Nação e se aumentem a riqueza e o rendimento nacionais, intensificando-se a produção mediante planos em que se utilizem devidamente os recursos (inclusive os humanos, entendo eu) da metrópole e do ultramar, em perfeita cooperação.
Suponho que o Governo tem em curso a elaboração desses planos, não faltando felizmente receitas, possibilidades larguíssimas de crédito e reservas enormes para fazer face aos encargos das realizações a prosseguir ou a empreender.
O que estacionou afinal não foi a grandiosa tarefa em curso, não foi a possibilidade da sua continuação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Apenas se afrouxou um ritmo por virtude de aguardar o ajustamento a um novo plano.
Não são os meios financeiros que faltam. Há-os felizmente em abundância. Mas seria uma loucura, um verdadeiro crime, gastá-los à toa. Seria inutilizar em pouco tempo o fruto de decénios de trabalho, de persistência, de sacrifícios.
É evidente, porém, que se impõe a maior atenção à evolução mundial, pois nenhum pais pode hoje considerar-se auto-suficiente, desligado do conjunto e desinteressado de inovações autenticamente fecundas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os acontecimentos externos desafiarão as mais razoáveis previsões? Paciência! Evitemos, entretanto, perder o domínio dos nossos destinos. Mesmo com sacrifícios, ,é melhor uma mediania calma e confiante do que uma falsa prosperidade de fachada, alimentada por elixires e panaceias de nula eficácia e, não raro, de conteúdo perigosamente destruidor. Quando, porém, não fosse possível neutralizar vitoriosamente o poder dos factores mundiais de ruína, miséria e escravidão, ficaria ao menos desta época da história portuguesa, da época
de Salazar, a recordação alta dum esforço persistente e heróico pela verdade e pelo bem humano, duma tarefa luminosamente concretizada em hospitais, escolas, casas para lares de trabalhadores, estradas, monumentos, combate ao desemprego, mil outras realizações, sobretudo numa clara e fecunda intenção de justiça social, de paz e fraternidade, de progresso e engrandecimento moral e material duma pátria.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Amanhã haverá duas sessões: uma da parte da manhã, outra da parte da tarde. A sessão da parte da manhã, que se realiza às 10 horas e 30 minutos, terá por ordem do dia a discussão da proposta de lei relativa aos automóveis do Estado.
Da parte da tarde a sessão terá por ordem do dia a continuação da apreciação das Contas Gerais do Estado e da Junta do Crédito Público, continuando inscrito o aviso prévio do Sr. Deputado Manuel Lourinho.
Está encerrada a sessão.
Juram 18 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António Calheiros Lopes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Carlos Maatero Belard.
Délio Nobre Santos.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
Manuel Maria M árias Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Cruz.
Américo Cortês Finito.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Metades da Costa Amaral.
Joaquim Meardes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.'
Joaquim de Pinho Brandão.
José Cardoso de Matos.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Finito Meneres.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Solva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Vasco de Campos.
Vasco Lopes Alves.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA