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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 153
ANO DE 1952 18 DE ABRIL
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 153 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 17 DE ABRIL
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
Nota. - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.º 144, inserindo o parecer da Comissão de Contas Públicas da Assembleia Nacional acerca das Contas Gerais do Estado de 1950.
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
Os Srs. Deputados Frederico Vilar e Carlos Moreira referiram-se à morte do Sr. General Ernesto Vieira da Rocha.
O Sr. Deputado Melo Machado ocupou-se do contrato assinado entre o Ministério das Comunicações e a Companhia Portuguesa quanto às concessões de carreiras de transporte colectivo por automóveis.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate na generalidade acerca das Contas Gerais do Estado e das contas da Junta do Crédito Público relativas ao ano económico de 1960.
Falaram os Srs. Deputados Manuel Vaz, Melo Machado e Manuel Domingues Basto.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 35 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 3 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam, os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Finto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
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Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 66 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegrama
Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Lisboa. - Comércio exportador Luanda reunido Palácio Comércio para apreciar Decreto 38:704 aprovou moção transcrita no final que nos cabe honra levar conhecimento V. Ex.ª por incumbência mesma Assembleia: o comércio exportador da praça de Luanda reunido em sessão magna no Palácio Comércio para apreciar os efeitos da execução do Decreto n.º 38:704 reconhecendo que- a doutrina de tal decreto por mal informada não corresponde à realidade dos factos e não tem em devida conta o esforço até agora produzido pelos colonos de Angola considerando ainda que tal doutrina aplicada ao comércio exportador corresponderá a um golpe mortal dado na sua actividade que em todo o Mundo é considerada de principal interesse na organização económica dos Estados considerando finalmente que por reflexo todas as actividades sofrerão rude abalo pela incerteza e desconfiança quanto a seu futuro nomeadamente o do comércio exportador a quem tem sido normalmente cometido o encargo do auxílio ao pequeno produtor angolano resolve: 1.º dar o seu entusiástico apoio às diligências efectuadas pelos organismos económicos nesta emergência reterando-lhes a sua solidariedade e total confiança; 2.º saudar calorosamente os organismos económicos de Lisboa que com alta compreensão dos interesses nacionais se solidarizaram com os seus congéneres do ultramar; 3.º pedir que sejam transmitidas aos Srs. Presidente do Conselho, Presidente da Assembleia Nacional e Ministro do Ultramar as conclusões desta moção respeitosos cumprimentos. - Direcções organismos económicos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Frederico Vilar.
O Sr. Frederico Vilar: - Sr. Presidente: como militar mais graduado entre os que têm a honra de ter assento nesta Assembleia, não posso deixar de fazer uma referência, ainda que muito ligeira, ao desaparecimento do general Ernesto Vieira da Rocha, cuja vida, tantas vezes posta em risco, foi inteiramente dedicada ao serviço da Pátria.
Frequentou este ilustre oficial o Colégio Militar e ao terminar o seu curso alista-se como voluntário e apenas com 18 anos, no regimento de lanceiros 2 de el-rei.
Pouco depois ingressa na Escola dó Exército, e três anos passados era já Vieira da Rocha alferes de cavalaria, em serviço nos dragões de Angola, destacados no planalto de Moçâmedes, então ameaçado pelos Bures.
Foi aí, nas acções contra os indígenas da Luzinda e da Catumba, que, apenas com 21 anos de idade, recebeu o seu baptismo de fogo!
E a sua extraordinária valentia, toda feita de isenção, de calma e de irreprimível anseio de bem cumprir, em pouco tempo o impõe à consideração, estima e admiração, não só dos seus soldados, como dos seus superiores, que passam a escolhê-lo para as mais arriscadas e honrosas missões de serviço.
E é assim que em 1896 tem a honra de tomar parte na- campanha dos Namarrais, como ajudante de campo da maior figura de militar da época da ocupação, o grande Mouzinho de Albuquerque.
É precisamente durante essa campanha, no combate da Mugenga, que Vieira da Rocha é ferido, ao salvar, com a sua já conhecida calma, decisão e valentia, o quadrado, então seriamente comprometido numa das faces, ocupada pelos indígenas.
Um ano depois, já promovido a tenente, mas sempre como ajudante de campo do grande Mouzinho, toma parte na campanha de Gaza, evidenciando-se, mais uma vez, nos combates de Macontene e de Mapulangnene, em que é ferido pela segunda vez, ao pretender apanhar vivo o chefe indígena Maguiguana.
Todos os seus feitos são assinalados pelo Governo por uma série de louvores e de condecorações, que se inicia com a medalha de Sua Majestade a Rainha D. Amélia, seguindo-se a medalha de prata de valor militar e tantas outras que ornavam o peito do ilustre militar.
Terminada a campanha, regressa à metrópole, mas, pouco tempo depois, volta a Moçambique, como ajudante de campo do general Venceslau Teles, encarregado da cobertura da nossa fronteira durante a guerra anglo-bur.
Finda a sua missão, regressa à metrópole e, depois de servir em diferentes regimentos de cavalaria, é promovido a capitão e segue então para Timor, em comissão de serviço.
Terminada ela, regressa à metrópole e ingressa na Guarda Municipal, transitando para a Guarda Republicana a seguir à proclamação da República.
Em 1915 parte para Angola sob o comando do general Pereira de Eça, e mais uma vez se distingue na campanha do Humbe, seguindo daí para o Cuanhama, onde marca nitidamente a sua rija têmpera de militar no célebre combate de Mongua, recebendo então a medalha de ouro com a legenda a Cuanhama - 1915» e a cruz de guerra de 1.ª classe.
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Seguidamente toma p0arte nas operações de N'Giva e do Baixo Cunene e regressa então a Lisboa, em meados de 1910. Em 1916 parte para França; onde se houve por forma tal que lhe é conferida a medalha de ouro das campanhas do Exército português, com a legenda «França-1917-1918». Regressa a Portugal em 1918 e ocupa então os mais altos postos do Exército português. Politicamente serviu os seus ideais em postos igualmente elevados, entre os quais os de Ministro da Guerra e das Colónias. Mas com tal isenção e lealdade o fez que não se suponha fácil a sua missão, pois que muitas vezes teve de agir em situações de perigo para o regime e contra camaradas que muito estimava!
Depois de 1926, com a mesma isenção, a mesma energia e a mesma lealdade, serve o Estado Novo, deixando atrás de si um rasto que, neste campo, bom seria servisse de exemplo a muitos que ainda não tiveram a coragem moral de o fazer!
É este, nas suas linhas gerais, o homem que hoje foi a enterrar, levando por seu acompanhamento uma nítida maioria de adversários políticos, que as suas qualidades há muito haviam transformado em amigos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente: desejo associar-me expressamente às justas palavras que acabam de ser proferidas pelo ilustre Deputado Sr. Brigadeiro Frederico Vilar.
Percorri, há perto de vinte anos, o vasto território moçambicano, de que guardo perene e amorosa lembrança. Mais do que à novidade das terras e das gentes e à grandeza impressionante da selva africana, devo a perenidade dessa lembrança ao conhecimento dos lugares onde se desenrolaram algumas das mais altas façanhas da nossa epopeia ultramarina, lugares que, pela reminiscência histórica, tanto fizeram ferver o meu peito de português!
Essas campanhas, sob a acção directa de António Enes -um homem de larga percepção política e de apurado conhecimento dos homens- e debaixo da égide suprema do grande rei que foi D. Carlos I, essas campanhas, dizia eu, transformaram um punhado de homens numa galeria de heróis!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não lhes faltou o dedicado acolhimento e nobre galardão dessa excelsa Senhora e Rainha que foi D. Amélia de Orléans e Bragança.
A esse número de heróis pertenceu o general Vieira da Rocha, que ontem subiu ao julgamento de Deus.
O seu nome liça na história da nossa ocupação africana,, e, porque é nacional, é nosso. Nada importa para o preito devido que o seu caminho, mais tarde, na vida política tenha sido diferente do que nós sempre trilhámos. Não regateio, por isso, o meu tributo de justiça à sua memória de herói, habituado, como estou, por educação e regra moral, a curvar-me perante o mérito da inteligência, do sacrifício ou da heroicidade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - No seu livro A Guerra de África em 1895 o grande comissário régio escreveu, a respeito dos nossos combatentes, as seguintes palavras:
A robustez física provou-se especialmente nos soldados; nos oficiais luziram os brios heróicos dos antigos paladinos nacionais. Couceiro, Freire de Andrade, Mouzinho, Vieira da Rocha, se tivessem vivido nos séculos XV ou XVI, poderiam chamar-se Duarte Pacheco ou D. Duarte de Meneses, sem empanar o brilho desses nomes. Em todos os exércitos e em todas as marinhas seriam eméritos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: a Nação perdeu mais um dos seus heróis; ganhou a história pátria mais umas letras de ouro nas suas páginas.
Ao registá-lo, nas modestas palavras que proferi, julguei interpretar o sentir que nos domina e cumprir um dever de justiça, que ninguém alcunhará de suspeitosamente exercido.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: eu não gosto de trabalhos sobre a pressão do tempo e da multiplicidade dos assuntos. Neste momento, porém, o caso terá, pelo menos, a vantagem de me livrar do antipaticíssimo papel que é da minha especial embirração.
Anteontem, ao entrar nesta Assembleia, encontrei uma numerosa comissão de industriais de transportes de passageiros em automóveis, que me pediu fosse intérprete nesta Assembleia de uma reclamação que pretendia apresentar a S. Ex.ª o Presidente desta Assembleia e ao Governo e em que reclamava contra medulas publicadas num decreto em que se fez a concessão única à Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses.
Porque julgo, Sr. Presidente, que a função de Deputado é precisamente a de dar voz às reclamações legítimas dos seus eleitores, às ânsias de justiça que os levam a protestar - porque ainda, na minha quantidade de Deputado agrário, entendo que aquilo sobre que reclamam efectivamente pode prejudicar a classe agrícola -, resolvi, Sr. Presidente, trazer a esta Assembleia o eco dessa reclamação.
E um lugar com um, Sr. Presidente, afirmar que o motor de explosão transformou o Mundo. Efectivamente, quando apareceu essa primeira e tímida experiência do primeiro motor de explosão, ninguém supôs até onde essa pequena e rudimentar máquina podia conduzir: a uma transformação completa na vida da Humanidade. De facto, Sr. Presidente, há muito já que começou e continua a luta entre o rail e a estrada. Em Portugal as companhias de caminho de ferro tiveram, todavia, uma vantagem: essa luta chegou ao nosso país muito depois de ter chegado aos outros; e a razão foi muito simples: as nossas estradas, que tinham quase vencido Junot, também tinham vencido o progresso.
Não era possível fazer caminhar os automóveis nas nossas estradas. Recordo ainda, Sr. Presidente, uma desmantelada camioneta, unia velha Ford, atada com arames em muitos sítios, que fazia o transporte da sede do meu concelho ao caminho de ferro.
Poucas pessoas se arriscavam a essa viagem temerosa.
Quando há cinquenta anos fui para a linda vila de Alenquer a grande maioria das pessoas gradas da terra nunca tinha vindo a Lisboa. E, todavia, o comboio nessa altura custava apenas 6 tostões.
A camioneta veio decididamente facilitar por tal forma as comunicações que se tornou deveras aliciante, pois não era como o comboio, que passava distante das povoações, mas vinha, por assim dizer, a casa. E em quase todas as cidades, vilas e aldeias de Portugal como que se abriu uma janela para o Mundo, sendo extraordinariamente facilitadas as comunicações entre os povos.
Assim, Sr. Presidente, não há hoje, pode dizer-se, um trabalhador que não vá aos centros mais impor-
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tantes, perto da sua terra, para tratar dos seus negócios, ou para procurar qualquer médico especialista ou advogado de renome.
Os caminhos de ferro, como eu disse, em Portugal não se aproveitaram da vantagem do conhecimento que tinham do que já se tinha passado pelo Mundo com relação ao automóvel. Deixaram-se ficar quase que imóveis e permaneceram indiferentes a esse movimento. E uma das provas de que isto foi exactamente assim é que na legislação anterior à Lei n.º 2:008 havia uma cláusula que permitia aos caminhos de ferro a opção nas carreiras concorrentes com ele.
Todavia, essa opção ou não foi ou raramente foi utilizada.
O Sr. Carlos Borges: - Foi por isso que lá fora faliram, ou quase, todas as companhias ferroviárias.
ô Orador: - O problema está em equação no Mundo inteiro e qualquer solução que se possa encontrar não pode ser nunca em prejuízo da comodidade dos povos ou do progresso da civilização.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Pinto Barriga: - Eu devo dizer a V. Ex.ª Que anunciei um aviso prévio sobre este assunto há perto de um ano, mas até hoje ainda não recebi qualquer dado a tal respeito.
O Sr. Carlos Borges: - Esse problema é de uma grande complicação e de alto interesse para o País. Não é apenas a questão da camioneta, mas sim a questão do trânsito. É a camioneta de carga, é a camioneta de passageiros, é o automóvel ligeiro, é a questão da sinalização, é a questão das luzes, é a falta de observância das regras de trânsito, a idoneidade dos condutores, etc.
O Orador: - V. Ex.ª está a complicar o assunto.
O Sr. Carlos Borges: - Eu estou até na disposição de fazer um aviso prévio sobre este problema, que considero, repito, de grande importância.
O Orador: - Veio a esta Assembleia, trazido pelo Ministro respectivo, que era então o nosso ilustre colega, que o foi, Sr. Engenheiro Augusto Cancela de. Abreu, que deixou nesta Casa uma viva recordação da sua inteligência e das suas qualidades de carácter e de simpatia aliciante ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não fui eu, nem nenhum dos Srs. Deputados presentes, quem trouxe aqui qualquer decreto referente a este assunto.
Foi uma lei que o Governo, por entender que era de particular importância e que interessava a todo o País, quis trazer a esta Assembleia para que fosse votada com o conhecimento geral e a sanção dela.
Tratava-se' precisamente nesse momento de fazer a coordenação dos transportes e de tornar possível a concessão única que mais tarde veio a realizar-se.
Nessa proposta de lei estabelecia-se que as companhias dos caminhos de ferro podiam cessar a exploração das linhas secundárias que não dessem rendimento, cessão única, que mais tarde veio a realizar-se.
O Sr. Ribeiro Cazaes: - Cessar a exploração de linhas férreas?
Não se teria tido em conta o problema da defesa nacional?
O Orador: - Eu estou apenas a dizer a V. Ex.ª o que se passou.
Porém, Sr. Presidente, esta Assembleia, tendo em conta os interesses que lhe estavam confiados, entendeu* emendar essa base e estabelecer que nesse caso deviam ser ouvidos os industriais que já faziam carreiras nesse percurso, e só em último lugar, não havendo quem as aceitasse, seriam feitas essas carreiras pelos caminhos de ferro. Mesmo neste caso, em que havia o abandono de uma concessão, porque não dava lucro - e seria legítimo aceitar que a companhia ferroviária prosseguisse na exploração por outro meio -, nem assim a Assembleia assentiu em aceitar esse princípio.
A base VII da Lei n.º 2:008 diz o seguinte:
Todos os transportes colectivos em automóveis dependem de prévia autorização do Governo.
Isto foi o que a Assembleia Nacional aprovou.
Depois o Decreto n.º 37:272, confirmou em absoluto, como não podia deixar de ser, por se tratar de um decreto regulamentar, confirmou em absoluto, repito, esta disposição e estabeleceu que todos os transportes colectivos em automóvel seriam considerados como de serviço público e previamente autorizados pelo Ministro das Comunicações, tendo em atenção o interesse da coordenação dos transportes.
Isto passou-se em 1948.
Em 9 de Maio do ano passado foi publicado novo decreto, que permitiu estabelecer o contrato único com a Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses: foi o n.º 38:246.
Nesse decreto diz-se que, usando da autorização conferida pela Lei n.º 2:008, se autoriza o Governo a realizar o contrato.
Então, conjuntamente com este decreto, publicaram-se as bases desse contrato, e precisamente a VII diz que podia, independentemente de autorização, fazer transportes por via terrestre, fluvial e aérea de afluentes entre elementos da sua rede, sem prejuízo de reservar para o Governo a concessão de transportes aéreos.
Quer dizer que, invocando-se a Lei n.º 2:008, se põe em vigor uma disposição que é precisamente contrária ao que estava disposto na base VII. Esta base estabelece que não se pode fazer concessão de carreiras sem autorização do Governo, e a concessão feita ao caminho de ferro diz que este pode fazer carreiras entre as suas linhas sem ser necessária autorização do Governo. É precisamente o contrário do que legislámos aqui.
O Sr. Pinto Barriga: - Mas não se trata de um decreto com força de lei?
O Orador: - Mas então faz-se um decreto com força de lei, baseado numa lei aqui votada, para se estabelecer precisamente o contrário do que nós aprovámos?
O Sr. Carlos Borges: - A lei diz que não se podem estabelecer carreiras sem autorização do Governo, mas, desde que há um decreto em que o Governo autoriza uma empresa a estabelecer as carreiras que entender, é uma autorização do Governo.
O Orador: - Onde fira então a coordenação dos transportes?
O Sr. Carlos Borges: - A quem é que a lei atribui o poder de coordenar os transportes? Evidentemente, ao Governo. Portanto, parte-se do princípio de que, quando o Governo autoriza uma concessão para os caminhos de ferro estabelecerem, por meio de camionagem, uma
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determinada ligação, se tem de concluir que isso foi estudado de maneira a poder ser legalizado esse serviço de transportes.
O Orador: - Se vamos falar vagamente em fazer-se uma ligação de linhas de caminhos de ferro então pode-se estabelecer uma carreira que comece em Faro e acabe em Monção.
O Sr. Carlos Borges: - Nos caminhos de ferro franceses faz-se precisamente essa ligação entre várias linhas, isto é, a correspondência dos serviços rodoviários, com os caminhos de ferro, para servir melhor.
O Orador: - Mus simplesmente não havia lá a Lei n.º 2:008.
O Sr. Carlos Borges: - Mas é o Governo quem coordena a ligação dos transportes.
O Orador: - Não me parece razoável invocar uma lei para precisamente se estabelecerem num decreto-lei disposições contrárias a essa lei que se invoca, como não me parece razoável abolir de uma penada todo o trabalho que se tinha feito anteriormente para se dar a uma empresa possibilidades de ela fazer aquilo que muito bem lhe apetecer.
Isso seria nada mais nada menos ido que a subordinação inteira e completa da camionagem aos caminhos de ferro, e eu pergunto se são serão respeitáveis os interesses de todos os industriais que empregaram avultados capitais - confiados numa - lei votada nesta Assembleia e que lhes «lava determinadas garantias, que agora vêem derrogadas.
O Sr. Carlos Borges: - O mal foi a lei vir muito tarde.
O Orador: - Trouxeram aqui uma lei para fazer a coordenação dos transportes.
O Sr. Carlos Borges: - Para que serve a Lei n.º 2:008?
O Orador: - Á Lei n.º 2:008 sorve paru autorizar o Governo a proceder em determinadas condições.
O Sr. Pinto Barriga evocou aqui o princípio constitucional perguntando se a Lei n.º 2:008 é uma lei constitucional. Simplesmente o artigo 60.º da Constituição obriga, no seu n.º 1.º, a regras uniformes o estabelecimento ou transformação das comunicações terrestres etc. Parece-me que não é regra uniforme adoptar um princípio para os camionistas e outro para os caminhos de ferro. Quero dizer -i VV. Ex.ªs que não tenho qualquer má vontade contra os caminhos de ferro, mas uma coisa é reconhecer a necessidade e a indispensabilidade do caminho de ferro e outra coisa é fazer mina lei com determinados preceitos, à sombra dos1 quais se despendem energias e capitais vultosos, e depois fazer um contrato baseado nessa mesma lei com disposições contrárias e atentatórias dos direitos adquiridos.
O Sr. Presidente: - Pedia a V. Ex.ª para ser breve nas suas considerações.
O Orador: - Está posto o meu ponto de vista e eu desejaria que o «Governo pudesse considerar os- aspecto» que acabo de expor à Câmara para resolver com equidade e justiça as pretensões dos industriais de camionagem.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O. Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão as Contas Gerais do Estado de 1950.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Maria Vaz.
O Sr. Manuel Vaz: - Sr. Presidente: a função fiscalizadora que o artigo 91." da Constituição comete a esta Assembleia é uma das suas mais importantes atribuições.
O n.º 3.º do referido artigo manda-nos tomar as contas respeitantes a cada ano económico e apreciá-las devidamente.
Esta apreciação é, no fim de contas, um julgamento, e julgamento político.
Como tal não se limita apenas à mera verificação da exactidão das coutas apresentadas ou a simples constatação da respectiva legalidade administrativa quanto à maneira como o Governo executou as leis orçamentais.
De unia e outra coisa se encarregam os serviços da contabilidade, notoriamente perfeitos, pelo que as contas estão, sem dúvida, certas, e sobre este duplo aspecto merecem desde já a nossa aprovação.
O julgamento das contas do Estado, feito por esta Assembleia, vai mais longe, porém.
Procura-se, através da sua apreciação, formar uma ideia geral da política económica seguida pelo Governo através da sua gestão financeira; fazer o estudo da política em questão, verificando os benefícios ou desvantagens que resultaram da sua execução, confrontando a obra realizada com as despesas efectuadas e fazer unia espécie de balanço quanto a sua utilidade em relação aos gastos feitos e aos proveitos alcançados.
Numa palavra, aprecia-se e julga-se o trabalho realizado pelo Governo; estudam-se e criticam-se os princípios a que esse trabalho, obedeceu e analisa-se a forma como lhes deu execução.
O estudo feito desta maneira é importante, porque as finanças de um país reflectem com precisão toda a sua vida política, económica o social.
Foi pelo saneamento das finanças portuguesas que em J928 o então Ministro das Finanças deu começo a obra grandiosa da reconstrução moral e material da Nação.
Era caótica a situação do País. Caminhava-se a largos passos para a ruína; a desorientação era geral; a ordem nos espíritos e nas ruas desaparecera; o crédito interno e externo dissipara-se; a confiança nos destinos superiores da Nação perder-se; a esperança de dias melhores eclipsara-se; a dignidade nacional, interna e externamente, sofrera um rude golpe e tudo parecia caminhar paru o abismo.
Mas, operado com enérgica decisão o saneamento financeiro, a sombria perspectiva de uma decadência que se afigurava irremediável diluiu-se e caminhamos desde essa altura, lenta, mas seguramente, para uma era de insuspeitado progresso.
Um princípio se afirmou como basilar e ao qual desde então se subordinou toda a vida financeira do País, com os mais brilhantes resultados - o equilíbrio orçamental.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O equilíbrio orçamental é condição essencial de unias finanças sãs, da mesma maneira porque umas finanças sãs são os alicerces indispensáveis na construção estável do progresso e bem-estar sociais.
E este princípio salutar mais uma vez se manteve na gerência de 1950, com um saldo positivo de 29:587 contos.
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Reconhecendo-o, a Assembleia não pode deixar de aprovar e aplaudir a constância do Governo na linha de rumo traçada, apesar de todas as dificuldades que teve de enfrentar e vitoriosamente dominar.
Estas dificuldades foram grandes; vinham já dos meados da gerência de 1949 e acentuaram-se de 1949, em consequência de deflação posterior ao período da guerra.
A impressão que se collhe de uma primeira análise, um conjunto, das contas públicos de 1950 é a de que houve escrupuloso cuidado na cobrança das receitas ordinárias e um idêntico escrúpulo nu aplicação dos dinheiros públicos, sendo exemplar a honestidade processada, na gerência administrativa de que nos estamos ocupando.
Sobre este aspecto não há reparos a fazer.
As virtudes apontadas revelam-se através dos números que lhes respeitavam.
Assim, e no que toca a receitas, verifica-se que elas totalizaram a importância de 5.143:145 contos, desta maneira discriminadas:
Contos
Receitas ordinárias .......... 4.825:519
Receitas extraordinárias ....... 319:624
No que respeita a despesas, averigua-se que elas foram do montante de 5.115:557 contos, discriminados por esta forma:
Contos
Despesas ordinária» ............... 4.034:460
Despesas extraordinárias .......... 1.081:097
do que resultou o saldo anteriormente apontado.
Desta enunciação uma primeira constatação se nos oferece. É a de que foram insignificantes as receitas extraordinárias, que não atingiram 320:000 contos.
Por outro lado, as despesas extraordinárias montaram a 1.081:097 contos, havendo assim uma diferença substancial entre as receitas extraordinárias recolhida» e as despesas também extraordinárias efectuadas da ordem dos 761:473 contos, que teve de ser coberta pelo produto das receitas ordinárias.
Este fenómeno merece mais profunda indagação e uma mais cuidada meditação.
Se analisarmos a soma global das receitas ordinárias e a compararmos com os totais dos anos anteriores, facilmente se reconhece que o montante das receitas ordinárias tem vindo gradualmente subindo de ano para ano na sua expressão numérica.
De monos de 2 milhões de coutos (1.920:256) em 1938, ultrapassaram um pouco os 4 milhões (4.003:459) em 1950.
A diferença para mais neste ano em relação ao de 1949 foi de 50:904 contos.
Este facto pode levar-mos a concluir com certo simplicismo que, tendo aumentado as receitas ordinárias, que têm por base exclusiva o rendimento nacional, e que este aumentara na mesma proporção, podemos considerar esse alimento como um índice indicador de acréscimo correspondente da riqueza pública e particular.
Infelizmente não são assim tão risonhas as perspectivas como os números oferecem ou parecem oferecer.
A realidade é outra. A verdade dos factos é que o rendimento nacional pouco aumentou; o seu progresso tem sido muito lento, se é que praticamente não estacionou.
O nível das receitas em 1938, calculado aos preços do mercado, andava à roda de 13,8 por cento do rendimento nacional (fl. 21).
É esta percentagem mantém-se, infelizmente, em
1950 e é sensivelmente a mesma aio momento actual. No decénio de 1940 a 1950 a média dos preços subiu 217 por cento.
Bem feitas as coutas, não há na realidade um aumento sensível ora progressão das receitas, nuas um autêntico atraso (fl. 20).
A constatação desta verdade merece um estudo profundo das suas causas; as causas que impedem um aumento pronunciado da riqueza nacional, porque sem ele não pode haver largas melhorias nas receitas públicas e sem estas não pode haver o apetecido progresso social, o bem-estar colectivo que todos desejamos.
Sr. Presidente: vimos atrás que as receitas extraordinárias, na gerência em estudo, foram escassas, não passando de 319:624 contos, e dissemos que este facto merecia uns momentos de reflexão.
Com efeito, as fontes desta receita têm sido os empréstimos, os saldos dos anos económicos findos e outras receitas extraordinárias.
Já desde 1948 se notara uma ligeira redução na utilização dos saldos dos anos anteriores e um sensível decréscimo nas outras receitas extraordinárias.
Na gerência de 1950 tis receitas extraordinárias provieram exclusivamente do empréstimo de 319:624 contou.
Não se utilizaram dinheiros de saldos nem outras receitas extraordinárias se lhe juntaram, confirmando a tendência que já em 1949 se denunciara.
Isto quer dizer que a fonte das receitas extraordinárias a que normalmente se terá de recorrer será o empréstimo.
Mas para a ele se recorrer é necessário haver quem possa emprestar, e só pode emprestar quem tenha possibilidades de o fazer, dispondo de capitais desnecessários ao giro normal das suas actividades, isto é, de capitais acumulados, frutos das suas economias, à espera de colocação segura e regularmente remuneradora.
Lançar um empréstimo fora destas condições torna-se difícil e de condições bastante mais onerosas.
O facto de a ele se ter recorrido em tão escassas proporções representa a confissão de que a situação económica do País não era de molde a aconselhar a utilização deste recurso, por as circunstâncias não lhe serem favoráveis.
Ë certo que a situação tem melhorado muito ultimamente.
Mas o relativo desafogo económico que se vem notando provém de causas anormais, resultante deste período de intensa preparação militar, como garantia da defesa do Ocidente.
Pôr via disso muitos produtos de origem metropolitana e ultramarina tiveram, com uma considerável alta de preços, uma procura que descongestionou certos sectores da produção.
Daí uma melhoria da situação, que pode manter-se enquanto essas circunstâncias durarem, que provocou já um período grave de inflação, mas que não poderá ser porventura longo e muito menos duradouro.
Findo ele voltaremos à situação anterior se não aproveitarmos convenientemente as vantagens do momento que atravessamos, utilizando os recursos que agora nos sobejaram em construir para o futuro uma obra de fomento que aumente a riqueza nacional em investimentos de carácter reprodutivo.
Esta é a lição a tirar dos factos apontados.
Temos a convicção de que o Governo a saberá aproveitar.
A situação, que ora é anormal, deve ser normalizada.
E só o pode ser por um aumento da produção e pela elevação da produtividade da produção já existente. Sr. Presidente: o assunto daria margem pura muito mais largas considerações, mas porque elas já foram por mais de uma vez explanadas nos doutos pareceres da nossa Comissão de Contas, relatados pelo nosso ilustre colega Sr. Engenheiro Araújo Correia, eu fico-me por aqui.
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Mas antes de encerrar as minhas considerações sobre este pormenor das contas públicas seja-me lícito ainda uma ligeira nótula.
Vimos que uma boa parte das despesas extraordinárias tem sido sempre e foi-o ainda na gerência de 1950 coberta pelo excedente das receitas ordinárias sobre as despesas também ordinárias, no montante de 761:473 contos.
Ora as receitas ordinárias são extraídas do rendimento nacional e têm como fontes principais os impostos directos e indirectos, uma vez que as receitas provenientes de outros capítulos apenas produzem cerca de 25 por cento do total.
Mas todas essas fontes, principais ou secundárias, provêm de uma origem comum: o rendimento nacional.
Por esse motivo o volume das receitas ordinárias tem um limite máximo, que é condicionado pelo nível mais baixo ou mais elevado doa rendimentos nacionais e por ele se regula o quantitativo das despesas públicas.
O limite máximo das receitas não pode ser ultrapassado sem graves prejuízos para o futuro das economias pública e particulares.
Se esse facto se desse, corria-se o risco de vermos definharem-se ou estancarem-se essas fontes, com todas as suas nefastas consequências.
Ora as despesas públicas ordinárias tom vindo a aumentar gradualmente e atingem neste momento, só para pessoal, mais de 50 por cento do total das receitas respectivas.
Mas a despesa ordinária não se limita apenas a satisfazer encargos desta natureza, mas muitos outros de importância capital para a vida do País. E pode, por isso,. encarar-se o momento em que o montante dessas receitas possa ser absorvido pelas correlativas e forçadas despesas ordinárias.
Se as receitas extraordinárias falhassem, e designadamente o recurso ao crédito fosse inviável ou inconveniente, teríamos uma época de paragem forçada, em que o surto do progresso nacional se veria imobilizado, com unia projecção na sua vida política, económica, social e financeira de tremendas consequências.
Teríamos então ou de reduzir os encargos ordinários, limitando-os ao mínimo indispensável à vida da Nação, para podermos prosseguir penosamente no caminho que trilhamos, ou de suster a marcha iniciada, o que seria, sob todos os aspectos, inclusive o psicológico, um desastre.
Felizmente que estamos muito longe de semelhante alternativa.
Em todo o caso convém prever cautelosamente o futuro.
O clamor que se ergue em toda a parte, até nos povos considerados ricos, torna-se mais incisivo nas nações de economia mediana, afirma a necessidade de se aumentar a produção, pelo aproveitamento de todos os seus recursos potenciais, segundo um plano ordenado, em que tenham preferência os empreendimentos reprodutivos, por intermédio dos quais se aumente a riqueza pública, que trará, como consequência, um possível e oportuno aumento de receitas públicas.
Chegamos assim, mas por outro, caminho, à mesma conclusão que já há anos Salazar afirmara, na síntese feliz de a produzir e poupar».
Temos de produzir e cada vez mais; temos de poupar, suprimindo o supérfluo, para com o fruto do nosso trabalho é* da nossa poupança construirmos um Portugal melhor e mais feliz.
Esta deve ser, a meu ver, a política do Governo. Esta tem sido afinal a sua política, que não foi desmentida na gerência de 1950, o que me é grato assinalar.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: proclamando uma política de realizações reprodutivas em que os gastos necessários, mas improdutivos, sejam relegados para uma fase ulterior, pelo aproveitamento de todos os nossos recursos naturais e pela melhoria da produção actual, que aliás o Governo tem seguido, embora com ligeiros desvios, que as gerências posteriores revelam tendência paru corrigir, eu não posso deixar, como Deputado provinciano, de me referir às zonas rurais do País, uma das quais represento.
Começarei pela situação financeira precária dos organismos administrativos locais, das câmaras e juntas de freguesia em especial.
O Código Administrativo em vigor impõe às câmaras um certo número de atribuições de exercício obrigatório nos seus artigos 59.º, 60.º e 63." a 65.º
Além destas obrigações, outras o Executivo lhes vai impondo, sem qualquer consideração pelas suas possibilidades económicas. Os seus encargos, por estas e outras razões, aumentam constantemente. Em compensação as receitas ordinárias e extraordinárias que lhes são atribuídas mantêm-se praticamente na mesma, só aumentando à medida em que aumenta o lento progresso local.
O resultado é que a sua situação financeira é difícil, impossibilitando esses organismos de realizarem a obra que deles os seus munícipes exigem.
E quanto mais pequeno e mais pobre um concelho for tanto maiores dificuldades sentirá a câmara respectiva em executar os melhoramentos que as populações necessitam e são essenciais para o seu desenvolvimento material e moral.
Sr. Presidente: uma das maiores forças do País é constituída pelas populações rurais, onde se encontram, por assim dizer intactas, as melhores qualidades da raça, concretizadas no seu apego à terra, que afervora as virtudes do lar no amor da, família e no santo temor de Deus.
Compreendendo-o, o Estado Novo tem procurado facilitar-lhes as condições de vida, elevando-lhes o seu nível material e moral e procurando dar-lhes o seu quinhão no progresso e bem-estar nacionais, a que têm incontestável direito.
Um dos instrumentos de que lançou mão foram os melhoramentos rurais.
Dado o atraso em que essas populações se encontravam, por assim dizer secularmente abandonadas e entregues aos seus próprios destinos, foi preciso fazer tudo e começar praticamente pelo «princípio» onde nada havia feito.
Estes melhoramentos eram e continuam a ser de uma necessidade urgente, e tão importantes que sem eles não é possível avançar no caminho do progresso, aumentar a produção, valorizar o homem e a terra. E são tantas e tão numerosas as necessidades locais que não é fácil enumerá-las.
Em todo o caso podem apontar-se algumas mais salientes, pela sua importância relativa.
Deu-se na execução dos trabalhos públicos prioridade às águas.
E não há dúvida de que este melhoramento tem para a vida rural uma importância capital.
Não é fácil calcular o que custa, em dinheiro e sofrimentos, a falta de água potável, os dias de trabalho perdidos, as doenças contraídas e os prejuízos materiais em caso de incêndios, que por vezes destroem, por falta de água, povoações inteiras.
O problema dos esgotos, inexistentes ainda em algumas vilas e incompletos, pelo menos, em algumas cidades das zonas rurais, acha-se-lhe intimamente ligado e prende-se, como elas, à salubridade pública.
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Com o problema dos esgotos prende-se o dos arruamentos, que nas aldeias se encontram num primitivo estado de abandono, tornando as suas acanhadas ruelas intransitáveis durante o Inverno, por serem autênticos lamaçais, que nas vilas sertanejas se vê rudimentarmente resolvido e é defeituoso e incompleto na maior parte das vilas e cidades provincianas.
Os melhoramentos da natureza dos anteriormente apontados têm características urbanas e, se podiam interessar, e devem interessar, no futuro os mais remotos lugarejos rurais, preocupam hoje, principalmente, os maiores aglomerado dessas zonas, com «excepção da água, que a todos, por igual, causa sérias preocupações.
Outro problema de primacial importância é o das estradas e caminhais municipais, porque, afectando intensamente a sua vida económica, facilita a vida de relações dos povos entre si, com as sedes dos seus concelhos e com o resto do País.
Interessa ligar as povoações dispersas às estradas principais por caminhos que, embora sem grandes exigências técnicas, possam ser utilizados por carros motorizados.
Sem eles não pode tentar-se aumentar a produção, sobretudo a agrícola, das povoações rurais, criar indústrias locais, fazê-las progredir, prender o rural, por dificuldades de acesso e inibições dê transportes.
A solução deste problema é de tanta ou mais importância do que o fornecimento de água potável.
Se um protege a saúde física, o outro defende a saúde económica, e sem esta é impossível defender eficazmente aquela.
A par destas necessidades elementares e essenciais para a vida rural, outras há, como cemitérios1, pavimentação de ruas, pontes, pontões, edifícios, escolas., igrejas, iluminação e energia eléctrica e muitas mais -, que só um estudo completo, feito in loco, pode denunciar.
Sr. Presidente: tem-se feito, neste últimos dezasseis anos, uma obra de vulto, mas não se fez ainda tudo, nem era possível fazê-lo, num país de recursos modestos como o nosso.
Mas é força reconhecer que, se a muito se fez, muito mais está ainda por fazer e talvez alguma coisa mais se pudesse ter feito.
Várias causas, no meu entender, devem ter contribuído para diminuir a acção governativa.
A primeira é a falta de um plano de acção coordenadora, que é urgente fazer-se e que pode ser feito, em todo o País, por intermédio dos governos civis, das autarquias e doutros organismos públicos e particulares, por forma a habilitar o Poder Central a conhecer as diversas necessidades, de cada concelho e a estabelecer a ordem de prioridade pela fixação da sua urgência, importância, « possibilidades de execução.
A míngua deste plano tem levado a uma irregular distribuição de benefícios relativamente aos concelhos entre si e até dentro de cada um deles, deixando-se muitas vezes de fazer o indispensável para se realizar o simplesmente útil, ou até às vezes desnecessário.
A segunda dessas causas é a falta de recursos (financeiros para executar os melhoramentos precisos.
A situação financeira dos municípios não é boa, antes pelo contrário. Ora, os melhoramentos em questão só com dinheiro fie podem fazer. E fazem-se com o que sobra das receitas ordinárias e extraordinárias das câmaras, depois de satisfeitos os seus encargos obrigatórios e com a ajuda do Estado, pela via das comparticipações.
Mas para que o Estado comparticipe é necessário que as câmaras tenham disponibilidades, das suas receitas ou possam contrair empréstimos.
Infelizmente, essas disponibilidades são escassas e o recurso ao empréstimo muito limitado, e tanto mais
escassas e tanto mais limitado quanto mais pobre for a autarquia.
Esta circunstância traduz-se, na prática, no facto de os municípios mais ricos serem os mais beneficiados e os mais pobres os que menos recebem.
Os números falam com eloquência por si mesmos.
Em 1945 e por indicação do douto relator dos pareceres dais contas do Estado, em colaboração com a Direcção-Geral de Administração Política e Civil, fez-se um estudo acerca das receitas e despesas municipais. Apurou-se através dele que em duzentos e setenta e dois concelhos estudados havia cento e cinquenta com receitas inferiores a 600 contos, cinquenta com receitas que oscilavam entre 600 e 1 :000 contos e setenta e um com receitas superiores a 1:000 contos.
É natural que de 1945 para cá as receitas destes concelhos tenham aumentado. Como, porém, a partir de então se deu um sério agravamento de preços, a situação deve manter-se mais ou menos igual e sabe-se, concretamente, que ela está longe de ser desafogada.
Isto significa que as câmaras, por insuficiência de meios, não podem imprimir o impulso necessário, e com d indispensável rapidez, à obra de melhoramentos de que carecem, nem esta pode alcançar a grandeza que era precisa para se conseguir um progresso económico substancial dessas zonas.
E tanto assim é que o distrito de Vila Real, por exemplo, que eu aqui represento, no quadro organizado com base nos dados colhidos nesse inquérito, mostrou possuir 71,5 por cento de concelhos com receitas inferiores a 600 contos, ficando em 5.º lugar na escala de concelhos pobres, acima, respectivamente, de Viseu, Évora, Bragança e Portalegre.
Pois bem: de todos os distritos do País ele é, na escala das comparticipações, o «lanterna vermelha», o que vai atrás de todos os outros, o que menos tem recebido de comparticipações, pois até 1949 tivera apenas de comparticipações 17:231 coutos, a que devem acrescentar-se 2:138 contos recebidos em 1950, o que perfaz um total de 19:369 contos.
E, sem querer estabelecer paralelos, devo acrescentar que há neste distrito um concelho, que é o de Montalegre, com a área aproximada de todo o distrito de Viana do Castelo, distrito este que recebeu de comparticipações 20:898 contos, e ainda foi dos menos favorecidos.
Suponho nada mais ser preciso dizer para confirmar a afirmação, anteriormente feita, de que os concelhos mais pobres, isto é, os que mais precisam, são os que menos recebem.
Com relação a empréstimos receita extraordinária a situação é idêntica.
Os concelhos de mais recursos «ao os que têm maiores possibilidades de a eles recorrerem.
Sabe-se, com efeito, que o Código Administrativo, no seu artigo 674.º, só permite que se lance mão deste recurso quando haja um excedente livre da receita arrecadada no ano económico anterior e que o empréstimo a realizar não pode ultrapassar a quinta parte desse excedente.
Quer dizer: só os concelhos com recursos e receitas livres podem contrair empréstimos.
Mas, contraindo-os, agravam a sua situação financeira, fecham a porta a empreendimentos futuros -, pois a receita livre nos anos seguintes pode ou não existir ou ser tão diminuta que não valha a pena pedir novos empréstimos, mais reduzidos ainda do que ela e portanto não permitindo qualquer melhoramento relativamente importante.
Do conjunto destas circunstâncias se vê que o método seguido não é isento de uma saliente falta de justiça distributiva.
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Se todos precisam, justo é que a todos se atenda, mas de preferência àqueles que mais carecidos se mostrarem.
Sr. Presidente: por outro lado se considerarmos as verbas concedidas para melhoramentos urbanos aia gerência de 1950, na importância de 47:344 contos, com a atribuída a melhoramentos rurais, no valor de 17:155 contos (menos de metade), verifica-se que se acentuou a tendência para o urbanismo, já revelada aias gerências anteriores, embora se note na que agora se aprecia uma baixa no conjunto de cerca de 41:000 cantos, que não é para desprezar.
Não se condena o que nas cidades se despende, porque elas têm também as suas necessidades essenciais, a que é preciso atender, mas lamenta-se que as verbas dos meios rurais não sejam substancialmente reforçadas, em vez de se diminuírem, como aconteceu na gerência de 1950, em que a baixa maior, de 25:196 contos, foi precisamente nos melhoramentos rurais, redução drástica numa verba já de reduzida.
São estas, quanto a mim, as causas de se não ter feito uma obra maior, mais equilibrada e mais justa, que é indispensável fazer: falta de planos e falta de meios.
Se os planos se podem estudar e fazer, os meios podem facilitar-se por várias formas:
Em primeiro lugar, por uma ajuda maior do Estado, e tanto maior quanto mais pobre um concelho for. As formas dessa ajuda podem variar, e não é este o momento de as analisar;
Em segundo lugar, melhorando a situação financeira das câmaras, criando-lhes, por um lado, as receitas novas que forem possíveis, aumentando as existentes e, sobretudo, reduzindo-lhes as despesas obrigatórias, pela supressão de muitos dos encargos que os artigos 59.º, 60." e 63.º a 65.º do Código Administrativo lhes cometem e de outros que com certa frequência o Estado generosamente lhes confere.
Há certas funções atribuídas às câmaras que, por não serem de ordem puramente local, mas de interesse geral, mais competiria ao Estado exercê-las.
Sanear-se-iam assim as suas finanças.
Teriam elas possibilidades de comparticipar com o Estado mais largamente.
E, levadas pela ânsia de fazer cada vez mas e cada vez melhor, impelidas pelas exigências veementes das suas populações, colaborariam eficazmente com o Governo, e até talvez com mais economia, no progresso económico e social da Nação.
Sr. Presidente: o progresso da Nação é um desejo comum de todos nós. Promovê-lo é função e dever do Governo.
A análise das Contas Gerais do Estudo referentes a gerência do 1950 mostra como ele exerceu essa função e cumpriu esse dever.
Cobrando gastando, obedeceu à lei, manteve o equilíbrio orçamental, realizou a obra possível no sentido de engrandecer o País, e por isso as suas contas merecem, com o nosso aplauso, a nossa inteira aprovação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: subo a esta tribuna quase envergonhado «lê usar pela segunda vez da palavra na presente sessão. VV. Ex.ªs me desculparão do abuso.
O parecer das contas que estamos a discutir insiste mais uma vez na aplicação rendosa dos investimentos, diz que se não pode ignorar o processo tecnológico, refere-se à miragem ou fantasia que levou povos considerados ricos a dificuldades económicas e sociais por terem caminhado demasiado depressa em satisfação dos serviços sociais, sara terem previamente assegurado o rendimento correspondente da sua economia.
E acrescenta ainda que o único remédio encontrado foi o do aumento da produção.
Todas estas considerações, com as quais concordo, levam-me a ponderar que, apesar do muito que pesa ma missa balança comercial, importação de géneros agrícolas, não vejo que se faça o que é indispensável para aumentar a produção, melhorando ao mesmo tempo a situação da nossa balança comercial.
A verdade é que já não sei ao certo o que pensar sobre a vantagem ou desvantagem de termos uma balança comercial fortemente positiva.
No tempo em que ela era sempre deficitária, e em que apenas os afluxos invisíveis do dinheiro do Brasil acudiam ao seu mais que precário equilíbrio, o seu equilíbrio, e já pião digo a ânsia de a tornar positiva, coisa que então parecia impossível, constituí-a a, aspiração máxima de todos os financeiros e economistas do País, em busca de remédio para a nossa, pobreza e insuficiência de rendimentos, que se traduzia num necessário e permanente recurso ao crédito para acudir às deficiências aflitivas de tesouraria, recurso estiolador de todo o progresso económico a que nos conduzisse uma política sã de orientação firme, adequada às nossas necessidades e aspirações.
Ouvimos hoje tantas apreensões sobre a existência de uma balança comercial fortemente positiva, sonho irrealizável de quase toda a nossa vida, que nos quedamos perplexos e indecisos entre o que havemos de querer ou desejar, hesitantes entre a pobreza e a riqueza, porque uma e outra nos são apresentadas como males catastróficos, de difícil remédio.
Para mim agrada-me mais a riqueza e fartura e a tal balança fortemente positiva, da qual com certeza poderemos tirar mais proveito do que da pobreza do perigo sempre iminente do voltarmos às importações compactas em face de insignificantes exportações. Não é segura e muito menos definitiva a nossa situação actual? Não temos garantias de que possa permanecer este surto económico que nos advém dos nossos produtos ultramarinos e de alguns continentais? Temos necessidade de nos defender de algumas habilidades internacionais?
Ao cabo, sempre teremos ganho alguma coisa: teremos melhorado a nossa situação económica, angariado melhores instrumentos de trabalho, dado mais vastos horizontes da nossa economia, mais segurança ;à convicção de que a nossa mediocridade não é invencível e teremos possibilidade de criar uma economia ma ia estável e segura.
Quem acreditaria, Srs. Deputados, quando, após o 28 de Maio, chegou ao Ministério das Finanças o Sr. Doutor Oliveira Salazar, que, em tão apertadas circunstâncias como aquelas em que nos víamos nesse momento, era possível uma mudança extraordinária na nossa administração, de que derivou tudo o que de novo e de bom tem «sucedido ultimamente neste país? Deste surto económico sairemos mais bem apetrechados, mais confiantes; mas é indispensável que se deixe lugar à iniciativa particular, dirigindo-a de longe, pois tudo carece de orientação, mas sem a apertar, para que não estiole,» sem a comprimir, para (que não desanime.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ponhamos à prova as nossas tradicionais qualidades, e elas vencerão, como têm vencido sempre, em todas as circunstâncias e em todas as latitudes.
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Mas para isso é necessário rua larga, caminho desimpedido das peias que entorpecem, das interferências sucessivas que esterilizam.
Quero, evidentemente, referir-me; Sr. Presidente, a um assunto que está em infensa discussão neste momento; quero referir-me ao decreto das mais valias. Para que a iniciativa particular possa vencer não vale a pena apertar excessivamente a sua economia. Os resultados que se podem tirar no caso versado parecem-me ser de tal forma melindrosos que vale a pena considerar melhor sobre as consequências das atitudes tomadas.
Perdoem VV. Ex.ªs esta digressão, e volto ao que quero dizer quanto ao aumento de produção: apesar das grandes obras ria hidráulica agrícola já realizadas e de outras que poderão vir a realizar-se, não creio que a nossa agricultura possa progredir, como é mister, se, neste tempo em que a técnica e a ciência caminham de mãos dadas, não procurarmos estudar os problemas que se nos apresentam, vencer as dificuldades que nos barram o caminho, disseminando por todos os que mourejam na terra os conhecimentos essenciais que não estão ao seu alcance. Para tanto é necessário que os nossos agrónomos, muito mais do que o fazem hoje, possam abandonar o ambiente confinado das secretarias e se voltem para a terra, onde, ao seu contacto duro, perante as suas desilusões temerosas, tocando as realidades práticas da vida, conquistem a autoridade que convence.
Precisamos de postos, estacões agrárias, campos experimentais capazes de demonstrar que as obras de hidráulica agrícola não servem só para aumentar a nossa produção de arroz, hoje já superabundante, e que é possível, com o seu poderoso auxílio, desenvolver precisamente aquelas culturas em que somos deficitários.
Não suponham VV. Ex.ªs que isto é um modo de ver só meu.
Por vezes, devido no meu trabalho, deixo atrasar a leitura dos jornais, e assim é que, em determinado momento, me vejo forçado a passar a vista rapidamente sobre eles. Encontrei, assim, na Voz de sábado último uma carta assinada pelo Sr. Sena Belo, que não tenho o prazer de conhecer, e onde se diz o seguinte, a propósito do regadio da campina da Idanha:
Pergunta-se: onde estão os técnicos que nos ensinem e orientem? Longe, enclausurados nos seus gabinetes, absorvidos por trabalhos burocráticos, certamente de grande utilidade, mas impossibilitados, por isso mesmo, de atender as solicitações dos rega ates, que porventura necessitem de uma consulta, de uma sugestão, do estudo in loco dos variadíssimos problemas que interessam à exploração agrícola. Grave problema este, cuja solução urgente se impõe!
Tanto se fala de técnica e afinal tudo se improvisa, feito por curiosos, à míngua de técnicos.
Esta verdade é tanto mais real quanto é certo que no que se refere à irrigação da campina da Idanha se continua na dúvida sobre se aquela grande extensão de terreno há-de ou não ser aplicada à colonização interna.
Já tive ocasião de dizer que julgo contra lei o pretender-se aproveitar propriedades cujos proprietários querem aplicá-las a rega, expropriando-as para se fazer colonização interna.
O Sr. Proença Duarte: - Suponho que no projecto de colonização elaborado pela Junta de Colonização Interna, e que se encontra na Câmara Corporativa para lhe- ser dado parecer, se estabelece que só se fará a expropriação para obras de colonização naqueles terrenos que os respectivos proprietários declararem não querer utilizar como regadio.
Só dentro deste princípio é que considero que isso se poderá julgar justo.
O Orador: - Agrada-me ouvir o esclarecimento de V. Ex.ª
Por mais de unia vez me tenho insurgido contra a ideia de que se deve passar por cima das disposições da lei, que diz que só àqueles proprietários que mão queiram regar podem os seus terrenos ser expropriados.
O Sr. Proença Duarte: - A observação de V. Ex.ª é tanto mais pertinente quanto é certo que os proprietários locais da campina da Idanha-a-Nova vivem na incerteza se se vai ou não fazer a expropriação, e, por isso, não se pode dizer que eles sejam rotineiros, porque não podem lançar-se a fazer as obras necessárias para adaptarem as suas terras a regadio enquanto não souberem definitivamente o que lhes vai acontecer.
O Orador: - Até mesmo porque transformar as terras de sequeiro em regadio é uma operação muitíssimo cara.
Mas será possível dentro das verba a da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas, que aliás triplicaram - e o parecer assinala-o - desde 1938 - verificando-se assim o interesse de- quem governa por este departamento do Estado -, é possível, dizia, fazer assistência técnica digna desse nome?
Quatro números apenas, para exemplificar:
Instalações agrárias e outros organismos .............. 250
Campanhas de sanidade vegetal ......................... 999
Levantamento da Carta dos solos ....................... 188
Estudos económicos e técnicos, inquéritos e
assistência a particulares ............................ 1:076
Suponho, Sr. Presidente, que o simples enunciado destes números demonstra como estamos longe do que seria necessário fazer.
Mas se mesmo assim estes números constituem um índice seguro de boa vontade, e se há que ser-se parcimonioso nas despesas, como conciliar esta necessidade com aumentos progressivos e sensíveis que permitam manter um serviço de assistência técnica satisfatório?
Aqui se enxerta, Sr. Presidente, outro problema: vivemos em regime corporativo ainda imperfeito, é certo, mas corporativo, e precisamente na parte agrícola existem alguns organismos1 dos chamados pré-corporativos que dominam vários sectores da nossa economia agrária, como sejam o vinho, o trigo, o azeite, o arroz, a pecuária, os resinosos, a cortiça e as frutas.
No meu entender, a estes organismos deve ser cometido tudo que a cada uma das respectivas culturas diz respeito, poupando-se na orgânica da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas ias duplicações escusadas de serviços afins. As economias realizadas (podiam ser então empregadas na assistência técnica.
E seja-me permitido referir ainda, servindo-me das afirmações e dos números do parecer, que o vinho .é o produto, com exclusão do algodão, que dá lugar ao pagamento da maior contribuição industrial: nada/menos de 24:188 contos.
Pois, apesar disso, não tem sido possível modificar em termos suficientes as determinações sobre a hora do encerramento das tabernas.
Enquanto um grande escândalo recente demonstrou que se não coíbe o consumo de bebidas de origem estrangeira altamente perniciosas, que podem ser consumidas a qualquer hora e sem qualquer dificuldade, dando lugar aos escândalos que todos nós conhecemos, faz-se exactamente o contrário para o vinho, que é um produto genuinamente nacional e basilar da nossa economia.
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A esses contribuintes da contribuição industrial limita-se-lhes o tempo em que podem ter abertos os seus estabelecimentos, mas não se lhes limitam os encargos.
Como VV. Ex.ªs Sabem, fixou-se uma hora para o encerramento das tabernas, mas, quando se atrasa uma hora nos relógios, dá-se uma tolerância apenas de meia hora. Já aqui tive ocasião de mostrar quanto isso é pernicioso para a economia dos vinhos e até para a comodidade dos povos.
E, já que falei em vinhos, quero relembrar quanto tenho encarecido aqui a necessidade de habilitar a Junta Nacional do Vinho a continuar a obra admirável e utilíssima, que tem feito das adegas corporativas. Suponho que elas constituem a forma ideal para a resolução do aspecto económico desse produto e da sua qualidade.
Não foi, que eu saiba, atendida a minha sugestão de utilizar o Plano Marshall para facilitar a sua construção, mas o conhecimento directo que tenho do assunto permite-me fazer outra sugestão. A Junta Nacional do Vinho, não sei por que razão, paga para as Casas do Povo a quantia absolutamente espantosa de 1:900 contos em cada ano. Com esta quantia, Sr. Presidente, era possível resolver o problema das adegas corporativas. E eu pergunto se nos concelhos vinícolas deste país, onde se pode dizer que cada trabalhador tem, ou por propriedade, ou arrendamento, ou parceria, algumas pipas, de vinho, não seria muito mais útil à, sua economia nina adega corporativa em vez de uma Casa do Povo.
liada impediria, aliás, que a própria adega corporativa funcionasse como Casa do Povo.
Assim se poderia solucionar, sem inconvenientes para a ideia principal, a aplicação de uma verba que é exigência manifestamente exagerada das tais a que se refere o preâmbulo do parecer, pois me parece injustificada em relação ao organismo que a paga.
A fl. 90 do parecer se faz uma sugestão semelhante quando se diz:
Noutro lugar se sugere uma colaboração mais íntima entre estes serviços (médico-sociais) e os de saúde e assistência. Haveria lugar para economias apreciáveis, sobretudo na província.
Esta referência. Sr. Presidente, traz-me ao problema dos hospitais. Todos VV. Ex.ªs conhecem, eu não pude acompanhar a discussão do brilhante aviso prévio do nosso ilustre colega Sr. Engenheiro Amaral Neto sobre o problema das. dívidas das câmaras municipais aos hospitais civis.
Rapidamente quero dizer o seguinte: suponho que nas Contas Gerais do Estado, ou em quaisquer outras, aquilo que interessa são as realidades, não interessa meter nas conta números fictícios.
A verba em dívida pelas câmaras, municipais, aos hospitais civis constitui uma ficção, dada a impossibilidade de ser recebida.
A única forma, em meu ver, para solucionar esse problema seria o de verificar o que poderão as câmaras pagar sem desvio das suas obrigações, essenciais. Poderia estabelecer-se assim uma verba modesta, sem dúvida, mas real, em vez da verba astronómica, que figura nas contas dos Hospitais Civis de Lisboa, que, por ser incobrável, me parece utópica.
Diz-se também no parecer que em construções hospitalares se gastaram 4:053 coutos, o que considero, e com razão, pouco. Afirma que o Fundo de Desemprego também contribuiu, mas não diz com quanto.
A este respeito devo dizer que entendo que não se devia gastar dinheiro na construção de novos hospitais onde não houvesse garantias suficientes da existência de meios para os fazer funcionar.
Acho que é desperdício de dinheiro construir belos edifícios para hospitais e não lhes assegurar as verbas necessárias para o seu funcionamento. Julgo que não seja acto de boa administração gastar dinheiro em coisas inúteis.
Sucede mesmo que, tendo-se sacrificado na nova construção todas as possibilidades da Misericórdia local e mais além, a situação se torna pior, pois o novo hospital pode não estar em circunstâncias financeiras de fazer o mesmo que fazia o velho. Não será isto desperdiçar dinheiro, aliás com a melhor das intenções, dinheiro que, sendo dê todos e destinado a fim tão útil, precisa de ser particularmente acautelado?
O remédio seria pôr de acordo o Ministério das Obras Públicas, ou, se quiserem, a Comissão de Construções Hospitalares, com a Direcção-Geral da Assistência, por forma a que essas construções só se realizassem nos concelhos que tivessem rendimentos para as manter.
Sr. Presidente: termino as minhas considerações manifestando o meu apreço pelo parecer das coutas, trabalho beneditino e proficiente do nosso ilustre colega engenheiro Araújo Correia, e pela regularidade com que sempre se cumpro o preceito constitucional da apresentação das contas, manifestação séria de uma política sã e honesta a que nunca prestamos homenagem bastante.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Manuel Domingues Basto: - Sr. Presidente: é sumamente grato ao Deputado que tem já ao triste jus da sua idade» e que, nascido nos fins do século passado, assistia aos últimos anos de desordem da república coroada e à «balbúrdia sanguinolenta» da demagogia triunfante verificar, que a ordem nas contas públicas não é mais do que ura aspecto da ordem restabelecida pelos Governos do Estado Novo na Vida política o social da Nação.
Se os filósofos tem como axioma que o bem há-de sê-lo na integridade das suas causas e o mal se revela desde que haja uma falha - bonum ex integra causa, malum er quocumque defectu -, é evidente que não pode haver boa política sem boas contas e boas finanças e que por sua vez as contas e as finanças não podem ser boas quando a política é má.
Desta funesta e recíproca influência fomos testemunhas, e espectadores infelizes todos os portugueses à volta dos 50 anos e temos obrigação de o dizer às novas gerações que, nascidas já na paz e na ordem e sem poderem viver e, vivendo, comparar as duas épocas, mal podem fazer uma ideia exacta da vergonha de que saímos e do valor e importância do bem conseguido e conservado.
Seja qual for a opinião que possa ter-se sobre a evolução da política portuguesa para se chegar à estabilidade da ordem integral e evitar que se percam tantos anos de esforços, canseiras e sacrifícios para o arranjo e dignificação da «pequena casa lusitana» e para garantir a continuação da sua missão histórica e civilizadora no Mundo, uma coisa se torna evidente a todos os portugueses sinceros e é que há muito tempo que se não fazia na governação do País um esforço tão sério para o dignificar e lhe dar prestígio, e que, mercê desse esforço, há muito que o prestígio não chegava tão alto nem se manifestava de tão larga projecção mundial. Este o facto, o acontecimento indiscutível, que só à maldade e ao antiportuguesismo interessa malsinar ou diminuir.
Perante ele só uma atitude é lícita e podem alegremente tomar portugueses - a de colaboração leal e esforço generoso para que o trabalho feito mais se aperfeiçoe e se continue no caminho do resgate, na ânsia e
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insatisfação dos que trabalham e desejam a perfeição ideal. A espíritos objectivos, clarividentes, preocupados com a solução do problema português e com a arrumação definitiva do caso português só pode interessar que a nossa vida política se dignifique e vamos andando - devagar, que temos pressa - na restauração da nossa honra e das nossas tradições.
Restauram-se as nações pelos mesmos princípios que as fizeram grandes, mas, como restaurar é mais difícil e desagradável que fazer de novo e se não restauram nações com a mesma facilidade com que se consertam edifícios, há que atender aos estragos causados no organismo e na vida social de cada nação pelos erros e venenos das más doutrinas, para na dose precisa ministrar os remédios e com a calma necessária esperar e garantir a cura definitiva.
Nesse caminho se vai e nesse trabalho se anda e a clareza das contas públicas é apenas um aspecto dessa marcha segura e sem precipitações.
Ordem nas contas, nas ruas e nas consciências são pontos essenciais da vida dos governos que a todo o momento desejam encontrar-se em condições de dar contas - boas contas, aliás - da sua actuação e do exercício do Poder.
Sr. Presidente: ao ler-se com atenção o extenso, erudito e notável parecer da ilustre Comissão parlamentar das contas públicas fica-se com a nítida impressão de que o domina uma preocupação absorvente, bem acentuada, e em que se insiste a propósito de muitos dos aspectos da vida nacional.
Essa preocupação é a de que para aumentar o nível económico de vida dos portugueses e entrarmos num caminho de verdadeiro progresso é indispensável aumentar a produção e dar nas obras a realizar primazia às reprodutivas, ou seja às que mais pronta e imediatamente asseguram novas e maiores receitas.
Forçoso se torna reconhecer o que há de verdade e justiça nesta preocupação e que, como no parecer das contas públicas se nota, não passa de ilusório aspecto de riqueza e bem-estar o que é determinado pelas circunstancias excepcionais de momento, ou pela anormalidade de épocas de guerra, quer se trate de guerra com aviões, espingardas e canhões ou simplesmente de guerra de nervos.
É assim de perfilhar, de «ma maneira geral, o princípio de uma esquematização das obras, de modo que se atenda em primeiro lugar ao necessário e só depois se trate do útil e do supérfluo.
Esta orientação é, afinal, a traçada, com a sua alta clarividência, pelo chefe do Governo, quando num dos seus discursos nos fala, ante a perspectiva de nova guerra e das complicações internacionais, na necessidade de que a nossa política económica seja a política modesta, mas segura, do pão e do arado.
Precisamos, na verdade, de atender à hierarquia das necessidades e fugir de levantar Casas do Povo que são autênticos palácios em modestas aldeias onde a pobreza das habitações e o nível de vida dos habitantes são flagrante contraste com aquilo a que hão-de chamar com amor a sua casa.
Deste destempero e contra-senso se ressente também o mobiliário de alguns consultórios de caixas de previdência, onde se colocaram móveis de luxo que os operários foram rasgando à navalha enquanto esperavam a sua vez da consulta.
Servir-se-ia melhor a gente do meio e far-se-ia até do edifício um elemento de educação se no primeiro caso o edifício da Casa do Povo fosse simplesmente limpo e bonito, a elevar o ambiente e não a destoar dele, e se no segundo caso, em vez de maples, se pusessem à disposição dos operários bancos em número suficiente
para, sentados, aguardarem a sua vez de serem atendidos pelo médico.
Estes e outros casos que não vale a pena apontar indicam que pode de facto haver lugar para uma correcção de critério na orientação das obras e na maneira mais económica de as realizar.
Parece-me, contudo, que no douto parecer das contas públicas se deseja ir mais longe e se pretende que, atentas as circunstâncias internacionais e a necessidade de criar receitas, se cuide quase exclusivamente do engrandecimento material e do que é imediatamente reprodutivo.
Se é este o sentido do parecer das contas públicas e da expressão a obras reprodutivas», discordo inteiramente do que se pretende.
A grandeza de um povo não vem sómente da sua riqueza; provém sobretudo da sua educação, da formação do seu espirito. Quando falta à riqueza a base segura dos costumes, que simultaneamente venha a ser «esplendor do bem», da grandeza material, é da lógica e é da história que as nações se afundam, tal qual a estátua de Nabucodonosor, que, com os seus pés de barro, ruiu fragorosamente e se fez pedaços, com todo o peso do ouro, bronze e prata de que era formada.
Não esqueçamos, sim, o velho e clássico axioma do primum vivere e dêmos às obras imediatamente reprodutivas o primeiro lugar, mas fujamos do erro nefasto de desligar o aforismo da palavra de Cristo ao Tentador, que aproveitava a fome causada pelo jejum de quarenta dias e quarenta noites para quase forçar o Mestre Divino ao reconhecimento dos bens materiais como primeira necessidade do homem e da sociedade.
Tem a sociedade necessidade de pão e conforto material na vida. Sem isso não se vive. Tem, contudo, necessidade maior de pôr os bens materiais ao serviço do homem, e não de o escravizar a eles, e de formar o espirito humano para saber produzir, economizar e distribuir os bens materiais, de modo a não fazer deles o único Deus e o único ideal da vida.
A resposta de Cristo ao Tentador apresenta-se hoje com toda a frescura e mocidade da hora em que foi proferida, para lembrar que também o pão do espírito tem o seu lugar na vida do homem e da sociedade, por homens constituída, e desviar os mortais do nosso tempo que têm o cognome de grandes de caírem na cilada armada pelo espírito do mal, no convite a uma civilização em que a opulência da riqueza material se apresente em flagrante contraste com os valores do espírito e a riqueza das consciências.
Garrei verificou que a palavra de Cristo foi esquecida, e a triste verificação e o grande lamento dos seus últimos livros são o grande aviso de um homem de ciência, feito a tempo a uma sociedade que porfia em tornar-se grande, esquecendo o homem o esquecendo-se de o preparar para saber conduzir-se na vida e constituir para o Mundo a águia que paira acima das riquezas, para as elevar até ele, e não o «cão vadio perdido entre automóveis de luxo» de uma civilização delirante de requintes materiais.
Por isso é que podem bem considerar-se como de necessidade na ordem das realizações e da primazia no capítulo das despesas a escola e a igreja onde se educa e forma o espírito dos Portugueses, a fonte que livra os habitantes de uma povoação de se envenenarem com águas inquinadas, e até o subsídio concedido à obra dos vadios da rua, para os ensinar a viver dignamente, trabalhando e cumprindo o dever.
Apesar de nenhuma destas verbas ser imediatamente reprodutiva, excluí-las do número dos gastos de primeira necessidade seria cair no mais crasso materialismo da vida e da história e entregar a riqueza produzida às desordens e cobiças de toda a espécie, já que nenhuma
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desordem se dá na sociedade que não seja primeiro ama desordem ou uma aberração do espírito humano.
Dando o meu aplauso e o meu voto à sugestão da ilustre comissão parlamentar das contas públicas no sentido de que nas obras a fazer e no intuito de criar receita se atenda às mais necessárias e às de maior produtividade, julgo, contudo, indispensável a distinção que acaba de fazer-se.
Nem luxos de morgados reloucados, que, não tendo ou mal lhes chegando para pão, gastam tudo na pândega, nem a mesquinhez de negar o indispensável ou de considerar de pouca monta o que tenha de despender-se para tratar a sério do que poderíamos chamar a alma e a essência da nossa»civilização, e a condição sine qua non para que, repetindo a frase do chefe do Governo, o homem não «regresse à selva».
Recordo, sempre que problema tão importante se discute, a frase incisiva dum grande amigo que, ao reparar no que se passa à sua volta, e em comentário aos acontecimentos do seu tempo, costuma dizer:
O Estado Novo conserta as estradas, arranja os portos, endireita as finanças, mas as cabeças dos Portugueses andam muitas delas no maior descalabro.
A frase não é inteiramente exacta, pois é notável a reforma operada nos espíritos e no ambiente pelo Estado Novo, mas encerra, no seu tom de humorismo e ironia, a verdade profunda de que a riqueza do espírito é a essência e a alma da verdadeira riqueza e grandeza de um povo e a mais segura expressão de uma época de esplendor e progresso.
Sr. Presidente: um outro comentário sugere a leitura atenta do notável parecer das contas públicas. Censura-se nele que nos tempos de euforia dos anos da guerra, os tempos que, em linguagem bíblica, poderíamos chamar das «vacas gordas», se tenham despendido verbas consideráveis com obras que gastaram muito e não dão nada, quando, aplicadas a obras reprodutivas, poderiam ser agora, que chegou o tempo das «vacas magras», grande fonte de receitas e elemento valioso para enfrentar as dificuldades deste período de readaptação.
Seria fechar os olhos à realidade negar a parte de razão e de justiça que há neste ponto do parecer. É sempre fácil, quando há abundância, gastar um pouco a mais ou deixar-se quem tem muito influenciar pelos esplendores do luxo e do supérfluo, com menos atenção às verdadeiras necessidades.
Nas obras do Estado e nas obras dos municípios, ou em obras em quê comparticiparam o Estado e os municípios, algumas vezes o delírio das grandezas predominou, em detrimento das realizações indispensáveis à vida decente das populações. Poderá apontar-se um ou outro caso de município pobre, em que as verbas gastas com o palácio municipal se não justificam e poderiam ter ficado reduzidas a menos de metade, aproveitando-se o restante, que seria mais de outro tanto, em dar às populações rurais do concelho caminhos vicinais transitáveis e um mínimo do conforto por que suspiram há muito, no abandono em que se encontram.
Tal senão da obra realizada não invalida, porém, nem sequer chega a ofuscar esta outra verdade: de que, apesar de tudo, se manteve sempre uma certa disciplina nas obras a realizar e de que se teria chegado no presente a uma situação aflitiva se o Governo se deixasse arrastar pelas vozes dos que, olhando sómente para os lucros de ocasião, haviam voltado as costas à realidade da modéstia dos nossos recursos e de que a ela tínhamos de adaptar-nos. Se houve defeitos e erros, não foram, contudo, tão graves que comprometessem a nossa vida económica e financeira no futuro.
É um comentário a este ponto do relatório, que, para ser justo, tem de fazer-se nestes termos, não desligando as duas afirmações.
Sr. Presidente: aborda o parecer das contas públicas, dentro do critério de uma política económica reprodutiva, um aspecto da vida social da nossa gente do campo, que é simultaneamente um grave problema de produção.
Tanto no aspecto económico como pelo lado social, é útil que a propriedade esteja na mão de muitos e de desejar que aumente o número de proprietários, como, desde 15 de Maio de 1891, vem ensinando Leão XIII na encíclica Rerum, Novarum.
A grande propriedade é cultivada com menos perfeição e presta-se menos a cumprir a função social que lhe é inerente. Depende, é claro, da natureza do terreno e das condições de rega e de clima a maior ou menor extensão da propriedade, o mínimo ou o máximo convenientes à exploração económica.
E, se pode haver senhores de grandes propriedades que cultivam bem e servem da melhor forma o interesse social e o bem comum e há regiões em que o regime de grande propriedade é necessário, há, contudo, um máximo pára além do qual, em princípio, se torna nefasta a grande propriedade e um mínimo abaixo do qual a exploração e granjeio da terra se tornam económicamente ruinosos
Na região pôr onde fui eleito Deputado predomina o regime da pequena propriedade. É um bem. Não há a divisão e luta de classes doutras regiões por causa da terra e da sua posse. Todos têm alguma coisa, e esta posse da terra gera o amor da família e das tradições e no espírito dos proprietários certa disciplina e conceito de ordem, por amor ao património económico da família e por receio de o vir a perder.
Nos «sem eira nem beira» é que o crime encontra os seus adeptos e os inimigos da ordem social os mais fervorosos sequazes. Fazer proprietários é desfazer revolucionários. Há, porém, regiões do País em que a terra ultrapassou o justo limite da sua divisão.
No Alto Minho e em algumas freguesias do Minho Central há glebas de terreno de tão pequenas dimensões que não dão em rendimento a despesa a que obrigam com o trabalho do granjeio.
Tem o nosso ilustre colega Sr. Dr. Sá Carneiro um projecto de lei sobre este assunto que deve ser discutido nesta Assembleia. É um sério e grave problema este.
A pobreza de muitos casais agrícolas e o baixo nível de vida económico dos rurais minhotos tem na excessiva e irracional divisão da propriedade uma das suas maiores causas.
Não são apenas as glebas de dimensões insignificantes, que não pagam despesas de granjeio; é ainda a maneira insensata como a divisão dos casais agrícolas se faz, ficando cada herdeiro com retalhos de cada propriedade do casal em locais distanciados uns dos outros de muitos quilómetros e perdendo a família agrícola horas intermináveis por caminhos e em deslocações, quando havia possibilidade de cada filho e herdeiro do casal ter a sua propriedade inteira, num só local.
Para manter este estado de coisas têm-se coligado a sentimentalidade, a tradição, a rotina e a resistência dos interessados em cumprir as disposições legais que contrariam este mal e o seu agravamento.
Creio, porém, que não há sentimentalidade nem preconceito que possam antepor-se ou tenham de prevalecer sobre a necessidade de que a terra produza o que deve e de para isso se criar o regime de partilhas mais racional e adequado a esse fim.
Partilho inteiramente neste ponto o douto parecer das Contas Públicas e, fazendo-o, sirvo o melhor que posso
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a região minhota por onde fui eleito Deputado e a economia nacional e os sagrados interesses da Nação.
Sr. Presidente: tudo o que acabo de dizer se afirmou em síntese no aviso prévio sobre a crise das populações rurais de Entre Douro e Minho, que há dois anos anunciei a esta Câmara.
Nesse mesmo aviso prévio só fazia ainda referência ao que agora nos aparece focado em certa passagem do douto e notável parecer das Contas Públicas.
Entendem o seu ilustre relator e os membros da Comissão que o assinam que ao menos na província se poderiam reduzir notavelmente as despesas com a assistência social, sem afectar a sua eficácia, dando maior e melhor coordenação à assistência local. Aplaudo sem reservas esta passagem do notável parecer.
Por falta de coordenação de obras de assistência e de serviços médicos, a assistência médica na província custa ao Estado, aos municípios e aos organismos corporativos mais do que vale nos seus resultados.
Há em cada concelho médicos das Casas do Povo, médicos municipais, subdelegado de saúde, médicos do hospital e, ainda, em muitos deles, médicos, das caixas de previdência.
Acontece, porém, que, faltando um plano de conjunto e no meio da dispersão vigente dos serviços médicos, há tudo isto e não chega a haver regular assistência médica às populações do concelho. Em vez de se fazer da assistência social e médico-social das caixas de previdência uma secção do hospital da Misericórdia concelhia, construíram-se edifícios novos e criou-se pessoal exclusivo, num dispêndio de dinheiro grande, que o âmbito restrito da acção das caixas de previdência não justifica.
Os médicos municipais, por regra, não residem na sua área de acção, mas na sede dó concelho, e acontece quase sempre que a mesma pessoa que é médico da câmara na região norte da circunscrição municipal é médico da Casa do Povo na parte oposta do concelho.
Sucede, por isso, que, havendo tantos médicos, pagos por tantas entidades encarregadas de fazer assistência, os habitantes de muitas aldeias do Norte do Pais morrem sem assistência médica.
Não lanço as culpas sobre a classe médica, que sei dedicada à sua profissão, e em epidemias e circunstâncias difíceis tem sabido honrar-se, dando-nos exemplos nobilíssimos de sacrifício heróico e grande generosidade.
Mal se compreenderia o contrário. Se o exercício de qualquer profissão tem de ser um sacerdócio, não pode sobretudo deixar do sê-lo, em caso algum, nas duas classes que lutam contra a morte - o padre, que tem o dever e a missão altíssima de assegurar à alma a vida eterna e ao homem a realização do seu fim último, e o médico, encarregado de defender a vida humana e terrena das arremetidas traiçoeiras da doença.
Mas se os médicos não são os culpados do que se está dando, de quem vem a ser a culpa ou qual é a causa de tão lamentável situação?
Para mim é apenas do regime legal em que se vive, regime falso, anárquico, sem um. plano de conjunto para o trabalho da assistência em geral, em cada localidade, e, em especial, da assistência médica.
Por vezes ouvem-se palavras de indiferença relativamente a regimes, quer seja propriamente de regimes políticos, quer se trate do regime legal dos serviços. Fia-se para isso tudo dos homens que servem os regimes ou trabalham nos serviços, da sua honestidade ou da sua falta de moral.
* Ê evidente que os homens, pela sua vida e exercício da sua actividade, desprestigiam ou dignificam os regimes e os serviços. Não deixa, contudo, de ser igualmente verdade que também os regimes políticos ou o regime legal dos serviços podem, conforme são bons e bem
organizados ou não, dar maior eficácia ou estorvar e inutilizar a acção dos homens.
Embora tenha ouvido muitas vezes ao povo, cuja voz em questões de apreciação moral é quase sempre a voz de Deus, que os médicos municipais assinaram um contrato com a obrigação de prestar assistência médica aos pobres da sua área, sabendo o que recebiam e que, por isso, ou se deviam recusar a servir por essa importância ou deviam cumprir aquele contrato a que se sujeitaram, sou mais levado a crer que o que se dá não é por falta de menos consciência dos médicos, mas antes pelo regime legal em que vivem, que é absolutamente desmoralizante.
Por vezes encontra-se em pequenos casos a solução dos grandes problemas. Para a solução deste tão grave e importante problema da assistência médica em cada concelho eu peço licença a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e à Câmara para contar um caso banal que talvez não passe de anedota:
Certo fidalgo arruinado tinha ao seu serviço muitos, criados, que alimentava mal, dando estes a impressão ao público de passarem fome. Não parecia aquilo bem aos amigos do fidalgo, e disseram-lhe:
- Homem! Porque é que não reduzes os criados a metade?
- Para o que eles comem, não vale a pena - respondeu o interessado.
- Então trata-os melhor - insistiram os amigos.
- Para o que eles fazem não há necessidade - rematou.
Bastantes médicos municipais não trabalham e não cumprem porque ganham pouco, e as câmaras municipais entendem que para o serviço que prestam - às vezes nenhum e sempre pouco e deficiente - já ganham demais. E resulta de tudo isto uma situação falsa e desprestigiante de os municípios gastarem na roda do ano uma elevada verba com assistência médica que praticamente não existe.
O fidalgo arruinado p9dia continuar a manter o seu capricho sem dano público para os habitantes do concelho onde morava.
Com as povoações dos vários concelhos do País em assistência médica o caso é diferente. É preciso que o que se gasta seja gasto com proveito e que o regime legal de assistência médica nos concelhos da província deixe de ser o caos que está sendo.
Também neste ponto adiro ao douto parecer das Contas Públicas e peço que se organize e coordene a assistência médica nos vários concelhos das terras da província, evitando-se luxos e despesas inúteis.
A maior parte desses concelhos poderia ter boa assistência médica se, por uma organização de conjunto, se aproveitassem com método as verbas gastas pelo Estado, pelos organismos corporativos e pelas câmaras municipais.
Porque estamos em época de readaptação às circunstâncias e estas obrigam a economizar e a tornar também reprodutivas as verbas gastas com assistência, e porque é norma do Estado Novo a clareza nas contas e o bom aproveitamento das receitas, expresso, ao terminar, o meu desejo e formulo o voto de que em futuras contas do Estado apareça reformada no sentido de maior eficiência a assistência médica e médico-social na provinda ...
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Amanha haverá sessão de manhã, às 10 horas e 30 minutos, e sessão à tarde, à hora regimental.
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A ordem do dia para a sessão da manhã será a continuação da discussão das Contas Gerais do Estado e da Junta do Crédito Público respeitantes a 1950.
Para a sessão da tarde a ordem do dia constará da discussão da ratificação do decreto-lei relativo à sobre valorização de diversos produtos ultramarinos.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 35 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Henriques de Araújo.
António de Almeida.
António Calheiros Lopes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Artur Proença Duarte.
Carlos Mantero Belard.
Manuel França Vigon.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Tito Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Américo Cortês Pinto.
António Júdice Bustorff da Silva.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Cardoso de Matos.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pinto Meneres.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Vasco de Campos.
Vasco Lopes Alves.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA