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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 159
ANO DE 1952 5 DE NOVEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
V LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
SESSÃO N.º 159, EM 4 DE NOVEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 158.
Deu-se conta, do expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Santos Carreto, acerca da recente promulgação das disposições sobre assistência de menores a espectáculos públicos, e D. Maria Guardiola e Melo e Castro, ambos sobre o recente, decreto que estabelece as bases para o combate ao analfabetismo.
O Sr. Presidente anunciou estar na Mesa um ofício da 1.ª vara de Lisboa, solicitando autorização da Assembleia para o Sr. Deputado Pinto Barriga depor como testemunha. Consultada a Assembleia, foi concedida a autorização solicitada.
Ordem do dia. - Iniciou ao o debate na generalidade sobre a proposta de lei referente à organização geral, recrutamento e serviço militar das forças ultramarinas.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Frederico Vilar e Vaz Monteiro.
O Sr. Presidente encerrou a sessão ás 17 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorft da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Artur Proença Duarte.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Noto.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
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Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Cosia Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz. Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco de Campos.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 72 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.º 158 do Diário das Sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto nenhum Sr. Deputado desejar fazer qualquer reclamação, considero-o aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
De António Pinto apoiando as considerações do Sr. Deputado Pinho Brandão acerca da construção da ponte sobre o Tejo.
De Joaquim Machado no mesmo sentido.
De Mons. Manuel Peixoto da Costa e Silva, em nome da mesa da confraria de Nossa Senhora do Sameiro, apoiando o discurso do Sr. Deputado Alberto Cruz.
Presidente Assembleia Nacional Lisboa. - Respeitosamente solicitamos V. Ex.ª se digne fazer favor tornar público Parlamento que Associação Naturais Angola tendo conhecimento oportuna sugestão Deputado Dr. Joaquim Brandão para se comemorar próximo ano vigésimo quinto aniversário em que insigne eminente homem público Doutor Salazar sobraçou pasta Finanças aplaude feliz iniciativa oferecendo incondicional apoio antecipadamente solicitando futuras comemorações abranjam também terra portuguesa Angola onde todos quantos aqui nascemos desejamos comparticipar mesmas assim demonstrando gratidão para com um dos maiores estadistas do mundo século vinte. Respeitosos cumprimentos Direcção Anangola.
Exposições
Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Excelência. - O Banco Português do Atlântico, S. A. R. L., com sede no Porto, a Praça de D. João I, 28 (Palácio Atlântico), usando do direito que lhe confere o artigo 8.º, n.º 18.º, da Constituição Política da República V. Ex.ª representar nos termos seguintes:
A proposta, de lei que o Governo enviou à Assembleia Nacional sob o n.º 201, e sobre a qual recaiu o parecer da Câmara Corporativa de 21 de Abril próximo passado (n.º 31/V), tem em vista satisfazer necessidades prementes da vida económica e financeira das províncias ultramarinas, através de uma preconizada reorganização do comércio bancário do ultramar.
E, na verdade, salutar o espírito que determinou a actuação do Governo nesse sentido, cumprindo acentuar que a proposta de lei em referência foi objecto de cuidado exame, feita Câmara Corporativa, cujo parecer, relatado pelo ilustre Procurador João Baptista de, Araújo, trouxe ao problema um valioso contributo.
Nesse parecer sugerem-se algumas alterações que, de uma maneira geral, merecem apoio da Assembleia Nacional.
As duas formas propostas de realizar o objectivo em causa são a da criação de banco, sob a forma de sociedades anónimas, em que seja dada natural preferência, até ao limite mínimo de 50 por cento, como comparticipação de estabelecimentos de crédito metropolitano (bases I e IV), e a de dependências a instalar no ultramar por esses mesmos estabelecimentos, mediante prévia autorização dos Ministros das Finanças e do Ultramar (bases XV e seguintes).
Quanto ao objecto da actividade a desenvolver, está certo o princípio da aplicação paralela do disposto nos artigos 1.º e 2.º do Decreto n.º 10 634, de 20 de Março de 1925, como certa está a previsão facultativa de os novos estabelecimentos ou dependências se ocuparem também de operações de crédito agrícola e industrial (base I, parte final).
É que as operações propriamente de crédito fomentaria devem continuar confinadas
... num departamento autónomo, com contabilidade, reservas e responsabilidades separadas do restante acervo social.
como, aliás, se estabelece, com perfeito sentido das realidades, no Decreto-Lei n.º 35 070, de 28 de Maio de 1946, ao atribuir-se ao Banco de Angola a missão de tornar efectivo nesses domínios o pensamento do Governo em matéria do crédito de fomento.
Não significa isto que as novas, instituições de crédito a instalar no ultramar não possam ou não devam contribuir para o fomento da província, objectivo esse em que participarão, quer atraindo capitais de fora, quer
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desaconselhando transferências não indispensáveis de fundos para, o exterior, quer ainda encaminhando esses mesmos fundos para investimentos reprodutivos, na agricultura, na, indústria, nas minas, transportes, na electrificação local, no urbanismo, nos aproveitamentos hidráulicos, numa palavra, em tudo que constitua potencial da exploração de riqueza.
E é também de admitir que uma tal finalidade possa vir a atingir-se através de mu capital obrigacionista, havendo que não perder de vista que às actividades de fomento, traduzidas em operações normalmente a longo prazo, não deverão afectar-se, nem o capital da instituição, nem tão-pouco fundos provenientes de depósitos.
Em referência ao condicionalismo exigido para se ir explorar o ramo bancário nas províncias do ultramar, não parece razoável a alteração proposta à base II pela Câmara Corporativa, devendo antes prevalecer o texto da proposta do Governo, quando, a par de outras exigências ali referidas, impõe ainda a idoneidade técnica dos requerentes.
É que uma solução contrária daria azo a tentativas e ensaios, sempre arriscados, da. parte de quem não tenha dado mostras dessa idoneidade e não ofereça, portanto, os indispensáveis requisitos de garantia no objectivo a realizar.
Com referência à administrarão dos novos organismos bancários das províncias, uma vez que existe, no Decreto n.º 10 634, o preceito do artigo 31.º, n.º 3.º, a estabelecer o impedimento para os indivíduos que fazem parte dos corpos gerentes de outras instituições, importa salvaguardar expressamente a não aplicação desse principia no caso dos bancos do ultramar que sejam, por assim dizer, o prolongamento de outros da metrópole, tal como resulta do espírito e da letra das bases da proposta de lei a discutir.
No tocante aos actos que constituirão objecto da actividade bancária ultramarina (base XXXIV), é manifesta a razão que assiste 110 parecer da Câmara Corporativa.
Com efeito, é justo que se respeitem os actos que sejam objecto de um privilégio ou concessão especial reservados aos bancos emissores, mas já outro tanto não sucede em relação às operações de câmbio.
Assim, conforme propõe o referido parecer (base XXXIV), parece indubitável.
... que devem ser permitidas as operações de cambio igualmente aos demais organismos bancários ou dependências ...,
embora mediante prévia autorização a conceder e subordinando-se os interessados às determinações da fiscalização cambial, da inspecção bancária ou ainda às directrizes transmitidas pêlos referidos bancos emissores.
Nestes termos, pois, e tendo em vista o desejo, senão o dever, de contribuir, na medida das suas possibilidades, para que o diploma em causa corresponda inteiramente ao elevado espírito que o ditou, o Banco Português do Atlântico permite-se chamar a esclarecida atenção da Assembleia Nacional para o que deixa exposto.
E isto sempre a bem da Nação.
Banco Português do Atlântico, os Administradores (assinaturas ilegíveis).
Da Associação dos Naturais de Angola manifestando o seu parecer acerca das propostas da lei orgânica do ultramar, do plano de fomento e do comércio bancário no sentido de que, embora a iniciativa dos planos pertença ao Governo, a modificação e estabelecimento das bases estruturais da política do Império deve ser pretexto de consultas às populações ultramarinas reunidas por representação na capital do País.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Santos Carreto.
O Sr. Santos Carreto: - Sr. Presidente: são breves palavras apenas, pois não quero -jamais quis - abusar, por qualquer forma, da sempre gentil e cativante benevolência de V. Ex.ª e da Câmara.
Ousei, Sr. Presidente, pedir hoje a palavra para dar gratíssimo cumprimento a um dever que imperiosamente se me impõe.
Mais de uma vez, por forte imperativo da consciência, tive de ser nesta Câmara eco fiel dos anseios da alma nacional, que, sobressaltada com os estragos que, em incalculável extensão e profundeza, o teatro e o cinema andavam produzindo no espírito e coração da nossa juventude, insistentemente reclamava a devida regulamentação de uma lei votada, há já alguns anos, nesta Assembleia.
Não era que eu duvidasse, ainda que por momentos, da seriedade e cuidado com que o Governo olhava um problema que tão profundamente se prende à vida e futuro da Nação. Não.
Eu sei, Sr. Presidente, todos sabemos, como o Governo, consciente das suas altas responsabilidades, enfrenta e procura resolver todos os problemas de cada dia, mormente aqueles que, sendo de ordem moral, estão na base da vida e segurança nacionais.
Não que recuso pois a aceitar que circunstâncias de vária ordem dificultavam a rápida solução de um problema tão grave e complexo.
Na verdade, sinto com o Governo que a matéria é particularmente delicada e que, para atingir plenamente os objectivos em vista, se impunha «que nos serviços encarregados da execução e fiscalização da lei se fizessem remodelações profundas e se ajustassem certos pormenores em ordem a uma segura, efectivação da orientação geral traçada».
O facto era, porém, de tamanha gravidade e de tão larga e viva projecção na vida das almas que a exacta compreensão, que me é dado ter, dos meus deveres nesta Câmara me forçava a insistir -Deus sabe com quanta mágoa- na premente necessidade de dar pronta e segura solução a um assunto que a todos andava preocupando sobremaneira.
Por graça de Deus, chegou, enfim, a desejada solução, e em condições que não hesito em classificar de verdadeiramente felizes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Gratíssimo me é, pois, Sr. Presidente, afirmar aqui a minha mais viva congratulação pela inteligente e salutar decisão do Governo, que, com a publicação do Decreto-Lei n.º 38 964, veio dar justa satisfação à consciência nacional, que decerto comigo se congratula jubilosamente e comigo dirige ao Governo da Nação os melhores aplausos e agradecimentos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Tanto mais justos são estes agradecimentos e aplausos quanto maior o cuidado que se verifica ter sido posto pelo Governo na elaboração de tão importante diploma.
Importa realmente pôr em merecido relevo que ao Governo não preocupou apenas o aspecto negativo do problema, mas também, e sobretudo, o seu aspecto positivo.
Sobremodo expressivas e reveladoras de um alto pensamento e de uma perfeita compreensão do problema as afirmações que nos é dado ler no relatório que precede o referido decreto-lei.
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De facto, o problema não pode restringir-se, como ali se diz, «à defesa dos menores contra a acção nociva de certos espectáculos» e ao cuidado de a evitar que estes se tornem instrumentos de subversão moral». «E necessário, ao mesmo tempo, melhorá-los sol) os pontos de vista do sen valor cultural e dos limites de ordem moral dentro dos quais devem exercer a sua acção recreativa». Só assim será possível «o seu aproveitamento, não só para a disseminarão de conhecimentos úteis, como ato para complemento do ensino e educação».
O problema é, pois, Sr. Presidente, enfrentado em toda a largueza da sua projecção. E com isso me congratulo vivamente, não só como homem da Igreja, mas também, e sobremaneira, como filho de Portugal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A vida da Nação nada podo interessar mais fundamentalmente do que a preparação e formação da juventude, que é toda a esperança do dia de amanhã.
Se um ideal de verdade, de beleza, de bem, tomar apaixonadamente a alma da nossa juventude, ela saberá caminhar com segurança na vida, inteiramente dada a coisas grandes, sabendo o que quer e para onde vai, rica de uma energia soberana, que a levará a lutar e a sacrificar-se, que a fará triunfar de tudo e de si mesma, numa ânsia viva de gloriosa e honrosa imolação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E este desiderato só poderá obter-se por uma ordenação perfeita de todos os elementos em actividade educativa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E entre estes têm lugar do incontestável relevo o teatro e o cinema, que importa tornar escolas verdadeiras do formação e preparação para a vida.
Decerto que, como já tive ocasião de afirmar aqui, eu não pretendo, nós não pretendemos, que os espectáculos públicos sejam rigorosamente aulas de catecismo. Não.
O que queremos, o que não podemos deixar de reclamar com toda a energia da nossa alma de portugueses, é que o cinema e o teatro jamais se tornem escolas de perversão e desorientação dos espíritos e dos corações, mas sim e sempre instrumentos prestimosos de educação, de cultura e de recreação honesta.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A vida, Sr. Presidente, tem de ser vivida como dom de Deus que é. Com seriedade sim, mas também com optimismo e alegria - alegria que ó expansão de sentimentos puros, que é testemunho de bem se caminhar: e optimismo que é confiança, que é virtude verdadeira.
Hoje. com a intensidade que a vida tomou, tornou-se mais premente para o homem, como se diz no magnifico relatório, a «necessidade de horas de recreio e despreocupação».
Sejam-lhe proporcionadas, Sr. Presidente, com seriedade o dignidade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A rir também se educa e se forma, como a cantar se reza também.
Por feliz coincidência, no mesmo dia em que se tomou conhecimento do notável decreto-lei publicaram os jornais uma carta que o Santo Padre se dignou dirigir ao eminente professor da nossa velha e gloriosa Universidade de Coimbra Dr. João Porto, presidente das Semanas Sociais Portuguesas, e que contém afirmações cuja oportunidade não podia ser mais flagrante:
A educação moderna deve ser completa. Não deve limitar-se a simples instrução, nem também só à formação religiosa. A boa educação, hoje, abrange, além de outras, a recta educação física, de modo que toda e qualquer actividade desportiva seja um meio e não um fim; a educação social que incuta no ânimo dos jovens o amor sincero pela justiça e pela caridade, base da verdadeira Ordem Nova; a educação cívica e política que torne a juventude consciente dos seus deveres para com a Nação e, ao mesmo tempo, a guie 110 exercício dos direitos que mais tarde lhe hão-de advir da participação na vida pública do País.
A estas palavras admiráveis, que traduzem uma suprema aspiração, correspondem exactamente, Sr. Presidente, as disposições contidas no Decreto-Lei n.º 38 964.
É quanto se pretende, é quanto interessa ao bem da Nação - formar o homem para ser homem, no exacto e completo sentido tio termo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas é evidente, como também se diz no relatório, que a disciplina ora estabelecida só valerá na medida em que os órgãos encarregados da sua execução se integrarem plenamente nos princípios que a orientam e se dedicarem com espírito esclarecido a dar-lhe realidade.
Responsabilidades gravíssimas cabem, pois, aos homens a quem vai ser confiada a execução de tão importante diploma.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Neles põe a Nação os seus olhos confiantes, as suas melhores esperanças.
E nada mais me cumpre dizer neste momento.
Renovando os mais fervorosos aplausos e agradecimentos ao Governo da Nação, seja-me permitido, Sr. Presidente, terminar com um voto todo inspirado na mais acrisolada devoção patriótica: que em boa hora se comece a cumprir, como em boa hora se soube legislar!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
A Sr.ª D. Maria Guardiola: - Sr. Presidente: no Diário do Governo de 27 do mês passado foi, pelo Ministério da Educação Nacional, publicado um diploma de excepcional importância para a vida da Nação, diploma em que, com verdadeiro sentido do interesse nacional e exacta compreensão de quanto devemos às nossas gloriosas tradições de país civilizador, se enfrenta e resolve um dos mais graves problemas da vida portuguesa, qual é o da extinção do analfabetismo em Portugal.
O problema focado no Decreto-Lei n.º 38 968 e no Decreto n.º 38 969 tivera já várias tentativas de solução. Decorreram mesmo para cima de cem anos depois que pela primeira vez se fixou em texto legal o princípio da escolaridade gratuita e obrigatória para todas as crianças portuguesas de mais de 7 anos de idade. E, de então para cá, o princípio, sempre mantido em tantos diplomas que do nosso ensino primário se têm ocupado - diplomas citados no proficiente e completo
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relatório que antecede os decretos referidos -, foi ainda fortalecido por várias outras disposições legais.
Pois, apesar disto, a verdade é que se não conseguiu até hoje solução adequada à gravidade do problema. A taxa de analfabetismo da população portuguesa metropolitana, que em 189U era de 75,9 por cento, em 1911 de 70,3 por cento, em 1920 de 66,2 por cento e em 1930 de 61,8 por cento, acusava ainda em 1950 a elevada percentagem de 40,4 por cento. De 1890 a 1930 a taxa geral de analfabetismo pouco decrescera - 5,6 de 1890 a 1911 e 8,5 de 1911 a 1930.
Mas, a partir de 1930, a estabilidade governativa e o equilíbrio financeiro, que o movimento de 1926 tornara possíveis no nosso país, permitiram, numa visão mais ampla do interesse nacional, a adopção de medidas que aceleraram o ritmo desse decrescimento, fixando-o em 21,4 por cento no período decorrido de 1930 a 1950.
Apesar de tudo, o valor de 40,4, relativo ao ano de 1950, não satisfazia o brio nacional, e por isso o Governo se lança agora numa mais intensa e segura campanha de combate ao analfabetismo.
Vozes : - Muito bem!
A Oradora: - Nos decretos publicados o problema aparece abarcado em toda a sua extensão e profundidade, alinhados todos os elementos de combate e estudadas para cada um deles as suas possibilidades, numa visão de conjunto que o domina inteiramente.
Desde a actualização e aperfeiçoamento da legislação sobre recenseamento escolar à regulamentação em novas bases das matrículas e ao alargamento dos serviços incumbidos de promover e orientar esta campanha de dignificação nacional nada foi descurado ou esquecido.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora : - Alarga-se o período dentro do qual as crianças sem exame da 3.ª classe podem frequentar o escola; facilita-se e desenvolve-se a acção social e beneficente das cantinas e caixas escolares, fomentando-se também, deste modo, maior regularidade na frequência; agrava-se o sistema repressivo de transgressões da lei da obrigatoriedade escolar imputáveis aos encarregados de educação e transfere-se para outra autoridade que não do professor, cuja acção, neste campo, se revelara até hoje ineficiente, a aplicação dessas penalidades.
Também se não perdeu o sentido da recuperação cultural de adolescentes e adultos iletrados, para tanto se criando estímulos e impondo obrigações - as inibições e incapacidades postas aos analfabetos de mais de 18 anos de idade; as possibilidades que se lhes oferecem com os cursos de educação para adultos de adquirir aquele mínimo de instrução indispensável ao homem; o aumento da valorização profissional do professor por cada grupo de dez adolescentes ou adultos aprovados no exame do ensino primário elementar, e as comunicações impostas às entidades patronais singulares e colectivas do comércio e da indústria e às empresas concessionárias do Estado e dos corpos administrativos que, solicitadas, se recusem a colaborar com o Governo na organização dos cursos destinados ao seu pessoal não podem deixar de pesar, sobretudo nos meios rurais e operários, para a solução deste magno problema da vida portuguesa.
Finalmente, uma «Campanha de Educação de Adultos», com início já no próximo mês de Janeiro, irá mobilizar todos os sectores da vida social portuguesa, pois em todos se reflecte a mesma posição desprestigiante para a qual a incultura do nosso povo, durante cerca de cem anos, lançara a Nação.
Sr. Presidente: o problema da educação popular, cuidadosamente estudado, aparece resolvido nestes diplomas com o sentido exacto das nossas possibilidades e das realidades existentes. A sua eficiência será tanto mais perfeita quanto mais completa a nossa colaboração. Mas neste problema, Sr. Presidente, não há lugar para deserções, tão empenhados estão nele o prestígio e o bom nome de Portugal.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A oradora foi muito cumprimentada.
O Sr. Melo e Castro: - Sr. Presidente: desejava, embora em considerações que não se alongassem muito, trazer aqui um eco do aplauso caloroso que está a despertar, em todas as aunadas conscientes do País, a publicação do Decreto-Lei n.º 38 968, de 27 do passado mês, que estatui o Plano de Educação Popular, através do qual o Governo convida a Nação inteira, alicia-a, convence-a, coage-a até porque tanto a lição de passadas tentativas mostra ser preciso e tanto, em matéria assim ingente, cabia ao Governo, a empenhar-se, enfim, em combate frontal ao analfabetismo.
Eu queria sobretudo e apenas, Sr. Presidente, tentar exprimir, nesta casa da representação nacional, alguma coisa do agradecimento profundo que é devido ao Governo por tão belo e grandioso monumento legislativo, que há-de ficar, estou certo, entre as obras de mais duradouro alcance da era que vivemos, de restauração da vida portuguesa, porque ele dá o comando legal à arrancada final, enérgica e corajosa, mas prudente e sábia, na preparação para a empresa difícil e agreste mais que todas, porventura, mas que é chave do êxito de quantas se tem proposto a Revolução Nacional, a empresa da elevação do nível educacional do povo português.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: têm de vê-lo os cegos, têm de percebê-lo os surdos e de o reconhecer os cépticos mais contumazes que neste país se têm dado passadas largas e decisivas a caminho dum nível de progresso que dê lugar, não a minorias privilegiadas, mas à generalidade da gente portuguesa, no banquete dá vida civilizada do nosso tempo.
Simplesmente, a educação é o alfa e o orneia de todo o progresso.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nem por ser lugar-comum deixa de ser esta uma eminente verdade, que há-de portanto afirmar-se sem constrangimento.
Ora, em Portugal, o domínio onde mais fundos se gravaram os estigmas da decadência foi precisamente o da educação. Vêm a clamá-lo, desde o século XVIII, os espíritos de élite, os raros espíritos de élite que temos tido, porque o mal atacou tanto no alto como na massa. De pontos de vista diversos, até adversos, clamaram-no es grandes escritores da era romântica, melhor dito, os grandes homens da era romântica - Garrett, Herculano -, escreveram-no os Vencidos do último quartel do outro século e os patriarcas da fase pura e sincera do republicanismo de antes da demagogia e depois os doutrinadores nacionalistas, e ainda há pouco Salazar confiava à escritora francesa que veio ouvi-lo para satisfazer a curiosidade do mu mio culto: a acção excepcional de homens excepcionais não se apoia, em Portugal, disse Salazar, sobre uma base sólida que possa suportá-la e assegurar-lhe eficácia. A melhor garantia
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de futuro assentaria portanto na transformação da inteligência portuguesa. Para que a obra se mantenha é indispensável que se apoie sobre o homem novo. Daí vem a importância do problema da educação no domínio político.
Enquanto, pois, não houver reais progressos no domínio da educação continua o risco de tantas obras boas, tantas obras belas, terem o destino ligado ao da areia movediça sobre que foram edificadas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Por outro lado, Sr. Presidente, sem que, por forma sensível, suba o nível de educação da generalidade do nosso povo, o próprio progresso económico e social e ainda mais o progresso das instituições novas, por maiores virtualidade» que em si contenham - como se contém, por exemplo, a organização corporativa -, não podem deixar de deter-se e de se nos depararem decepções onde cuidávamos colher triunfos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Nunca é dado realizar tudo, ainda às mais perfeitas minorias governantes. O próprio Plano de Fomento, rasgando horizontes tão vastos no domínio económico, põe também, por forma aguda, o mesmo problema. Requer-se, como um dos factores decisivos, o aumento da capacidade técnica do nosso povo. Como poderemos obter, porém, em grau satisfatório as técnicas da indústria moderna, conhecida embora natural habilidade do nosso operário, se tão importante parte dos portugueses na força da vida (33 a 52 por cento), de quem há-de depender muito do êxito das tarefas de engrandecimento económico a que nos lançamos, carece ainda da instrução elementar?
Isto mostra quanto é premente, até só no mero aspecto utilitarista, o problema para que o Governo vem solicitar toda a Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: o combate ao analfabetismo, que é apenas um dos aspectos do mais vasto problema da educação, foi. para a maioria dos países de cultura ocidental, um problema característico do século XIX. Nós atrasámo-nos desoladoramente e deixámo-lo sobreviver, em face aguda, até esta vertente de cá do nosso século. Este atraso faz com que o problema nos apareça hoje coberto de muita poeira novecentista, que não seduz, antes enfastia alguns dos espíritos mais a par com a vida mental e com os temas do nosso tempo.
Assim é que, Sr. Presidente, não raro se encontra certo aristocratismo intelectual desdenhando das preocupações e até da angústia com que outros espíritos, por certo mais avisados, encaram o atraso nesta matéria, que até há pouco se não tinha procurado recuperar, no ritmo necessário. Já tem chegado a dizer-se e até a escrever-se, entre nós e em Espanha, que os povos peninsulares, dada a sua exuberância intuitiva e a densa espiritualidade católica que lhes ficou da era de esplendor, têm reservas de educação que dispensam a instrução abecedária ... E até se ouve acrescentar que convém manter o povo numa santa ignorância que o conserva mais feliz ...
Esta atitude será, em alguns, fruto daquele opaco conservadorismo que também leva a classificar de perigosas (para o pobre povo! ...) as conquistas da justiça social; em outros não passará de pirueta mental, e nos responsáveis a quem também tal se ouve creio, Sr. Presidente, que se tratará sobretudo daquele velho desdém da raposa que passa por baixo da latada demasiado alta ...
Trago isto, Sr. Presidente, para frisar que o Governo, ao propor ao País a tarefa de encarar finalmente de frente o problema do analfabetismo, de mele empenhar esforços e verbas que não podem ser pequenas, deu, além do mais, prova de coragem, de desinteresse e de nobre independência de espírito.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É bastante de descorçoar lançarmo-nos à carreira para uma meta onde os outros chegaram há muito. Saber de antemão que ao fim de penoso esforço, que tem de levar anos, já não há uma HO palma de louro para colher, mas apenas a humilde violeta do dever que sempre se chegou a cumprir!
Trago isto também para desta bancada parlamentar afirmar bem alto que só por deformado entendimento do problema, ou então por seco egoísmo, podemos recusar a colaboração activa que o Governo vem pedir a todos os portugueses, de todas as condições e de todas as alturas mentais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Também o atraso a que me referia na resolução do problema do analfabetismo tem gerado no aspecto polémico da política certas confusões e ilegítimas apropriações, que, embora ao de leve, desejaria ajudar a esclarecer.
Algumas pessoas habituaram-se a ligar à campanha contra o analfabetismo a imagem do libertário fim de século, de gravata à La Valière, e a verem essa campanha muito emaranhada entre ligas dos direitos do homem, associações do registo civil e outras espécies gremiais da propaganda maçónica. Do lado destas, até pela velha táctica de aproveitar as confissões úteis, houve a tendência para se apropriarem do lema e fazerem dele bandeira especialmente contra a Igreja. Ainda está na memória de todos a petulância retórica com que se anunciava irem derrubar-se igrejas para construir escolas.
Talvez precisamente por matéria tão séria ter sido subalternizada até aos comícios não chegaram a construir escolas, embora derrubassem algumas igrejas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O que importa, porém, é destacar a grave confusão que há nisto tudo: o combate ao analfabetismo nos países que, pelo século XIX fora, o levaram a mais completo êxito jamais foi conduzido contra o sentimento religioso ou contra as Igrejas, quer católica, quer protestante. Na Prússia, o país que mais cedo colheu frutos da instrução primária e que, como é conhecido nesta matéria, o grande Renan invejava, o programa incluía, a par da leitura, da escrita e dos rudimentos do cálculo, o ensino religioso e moral.
Outro tanto na Suíça, na Áustria - católica, na Dinamarca. Quanto à França, é interessante anotar, de passagem, recuando embora dois séculos, que o ensino primário, na sua forma moderna, quer dizer, como instrução primeira e as mais das vezes última do povo, à margem da escolaridade eclesiástica e da pretensão a graus superiores, teve origem na fundação, em 1684, da Ordem dos Irmãos das Escolas Cristãs por S. João Baptista de La Salle. Ele foi o fundador daquilo que, com orgulho, se havia de vir a inscrever em vários textos constitucionais dos séculos XIX e XX: o ensino obrigatório e gratuito. E curioso ler até um passo da sua conduite dada aos Irmãos, porque ilustra e estabelece
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honroso parentesco com certas das providências que este nosso Plano de Educação Popular adopta para dar realidade ao princípio da obrigatoriedade do ensino primário. Escrevia o Santo: «Se por entre os pobres alguns não quiserem aproveitar a vantagem da instrução, devem fazê-lo saber aos senhores curas. Estes poderão corrigi-los da sua indiferença, ameaçando-os de não os socorrer mais até que enviem os filhos à escola».
Também, Sr. Presidente, dos que trataram do ensino primário entre nós no século XIX, sem dúvida o de mais alto porte moral e intelectual, Herculano, não sincopava a fórmula-programa em ler, escrever e contar; antes, com todas as letras, escrevia: ler, escrever, contar e o catecismo.
Com que direito, pois, se pretendeu enfeudar a luta contra o analfabetismo ao ideário maçónico? Com que razão se rouba assim prestígio e atractivo, para todo um mais vasto e predominante sector do País, a uma tarefa tão nobre e alevantada que é para todos e a que todos devem dedicação?
Eu não queria, já agora, deixar de anotar que o ensino primário, precisamente, aia sua forma moderna, gratuito e obrigatório, tem as mais genuínas raízes evangélicas. Vem a ser singelamente a obra de misericórdia que manda ensinar os ignorantes e, como tal, figurava em muitos dos compromissos das nossas antigas Misericórdias, onde se interpretava o preceito evangélico precisamente sob a forma de aulas de primeiras letras.
Eu não queria também, Sr. Presidente, que esta breve rectificação, que me pareceu útil ao prestígio de uma nobre campanha para que o Governo convida todos os portugueses, pudesse ficar com arestas agressivas contra quem quer que seja. Não teve resultados palpáveis, é certo, antes do esforço dos Governos da Revolução Nacional, como mostram friamente as estatísticas, todo o rumor que à volta da luta contra o analfabetismo se levantou. Mas é de justiça não menosprezar a persistência com que algumas associações de cor marcadamente liberal têm mantido viva, por uma de quaisquer intuitos de polémica partidária, a chama da, instrução popular. Cabe-lhes também trazer à campanha, em que todos devemos empenhar-nos, a sua colaboração sincera e sem sombras.
De resto, em todo o mundo de cultura ocidental tudo de bom reverte à fonte cristã, ainda quando se pensa combatê-la. Disse Chesterton que as filosofias modernas vivem de verdades cristãs que enlouqueceram.
Eu desejaria, Sr. Presidente, assinalar os principais traços da lei magnífica que o Governo entrega ao País para ser cumprida com convencimento e adesão de alma.
Desejaria assinalar a originalidade, a firmeza e a prudência a um tempo de certas das soluções encontradas para tornar eficaz o princípio já antigo da obrigatoriedade do ensino: a justeza do alargamento até aos 13 anos do período de obrigatoriedade, a energia, sem excesso, com que se aperfeiçoou a cominação das transgressões por parte dos encarregados da educação, a bem justificada nova sanção de retirar aos pais omissos o abono de família; a proibição de os analfabetos menores de 18 anos serem admitidos ao serviço de empresas comerciais e industriais, a faculdade de o Ministério das (Corporações estender esta inibição a indivíduos de qualquer idade; a renovação da proibição de emigrarem os analfabetos; a procura de garantia de resultados nas escolas regimentais; a reorganização e simplificação dos serviços de recenseamento escolar e matrículas.
Desejaria, Sr. Presidente, destacar o propósito nobre o rasgado do aspecto da campanha, que respeita à educação de adultos e analisar a proficiência com que lhe foram dadas as bases legais.
Desejaria ainda, Sr. Presidente, demorar-me algum tempo no capítulo da assistência escolar (cantinas e caixas escolares), que julgo da maior importância para assegurar o êxito que se espera da nova política de instrução primária, como já tive ocasião de referir, nesta Assembleia, em Abril de 1950.
Desejaria também sublinhar o propósito marcado no relatório do decreto-lei de criar, enfim, as bibliotecas junto das escolas primárias.
Quanto a estes dois últimos pontos, que implicam aspectos predominantemente financeiros, como não devo continuar a abusar da atenção de VV. Ex.ªs e como desejava dedicar-lhes algumas considerações que podem ser úteis, embora humildes, guardo-me para as tratar quando se discutir o Lei de Meios.
Só queria, por agora, apontar que, n, propósito do diploma, em causa, ouvi há pouco dizer a um dos mais finos e cultivados espíritos dos que interferem na nossa governação pública que é preciso tudo empenhar para que, ao cabo desta campanha, não nos fiquem nas m fios apenas vitórias estatísticas ... Que é preciso porfiar atrás de resultados profundos e duradouros nas almas e nas instituições. Para tanto, entre os meios que temos de empenhar, são. sem dúvida, os financeiros de importância fundamental.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não me resta tempo para a análise do diploma e ela é, de resto, dispensável em face do primoroso relatório que o precede.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Seria preciso, Sr. Presidente, que esse belo texto chegasse se maior número de portugueses como melhor instrumento para afeiçoar os espíritos aos nobres propósitos do Governo. Há nele muito meticuloso exame das questões, sinceridade, coragem e a clareza, aquela clareza que fax da boa prosa uma boa acção.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não me sobra o tempo e, por hoje, eu não pretendia, de resto, Sr. Presidente, como referi no início, senão exprimir alguma coisa da gratidão que o País deve ao Governo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Este belo monumento legislativo é o fruto amadurecido, a conclusão que se impunha, a coroa merecida dum esforço que já não vem de ontem, na sucessão dos Governos da Revolução Nacional é também marco que fica a testemunhar uma galharda arrancada, vibrante dos mais puros impulsos de servir a grei, com todo o ser e com toda a fé, mas preparada, nestes últimos três anos, no estudo silencioso e na conscienciosa colheita das realidades, de hora a hora, de terra em terra, pelo país fora.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E é ainda, Sr. Presidente, uma grande janela aberta sobre o porvir, por onde é dado à nossa esperança entrever eras de vida mais digna, mais consciente para o povo português.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Como do todas as coisas grandes, há muito a dizer sobre o seu passado, o seu presente e o seu futuro.
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O Sr. Deputado Pacheco de Amorim abalou-nos aqui há meses, comparando, através da inclemência das estatísticas, o nosso nível cultural com o de outros países da Europa, destacando a percentagem dos analfabetos. A gravidade, a vergonha da nossa posição, que, aliás, pelos resultados do censo de 1950, já não será propriamente a de lanterna encarnada, não o impediu, todavia, de assinalar o esforço que, de há anos, vem sendo realizado. A baixa tão sensível nas percentagens, mormente nas que respeitam as idades escolares (71,2 em 1890, 73,1 em 1930, 20,3 em 19.50, 17 em 1952), o espectáculo consola dor a que todos assistimos de ver a nossa paisagem salpicada das novas escolas do Plano dos Centenários, o recrutamento e preparação de pessoal docente, revelam o esforço sério que vem a ser realizado de há anos para tentar vencer tão pesado, tão amofinante encargo que nos legaram.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Este diploma, dizia eu, é assim a justa coroa de uma sucessão de esforços. E se a justiça manda não calar os nomes dos homens públicos que deram o seu esforço às obras que assinalamos, é devida toda a homenagem aos Ministros da Educação Nacional, destacando o nome do Sr. Dr. Mário de Figueiredo, que à preparação de professores deu notável impulso.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E também o do actual titular, sob cuja orientação tão grandes coisas se estão a realizar no domínio do ensino primário.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Tem sublinhado a imprensa, Sr. Presidente, e foi justamente vincado num livro cheio de interesse que, sobre problemas do ensino primário, acaba de publicar o pedagogista Prof. Serras e Silva, o movimento de exame atento e entusiástico daqueles problemas que nos últimos três anos se desenhou, graças ao impulso criador, à persistência no trabalho, à segura inteligência, à bela formação de sentido social, à perfeita integração no pensamento da Revolução Nacional e do seu Chefe que definem a personalidade do Dr. Henrique Veiga de Macedo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Dir-lhe-ei ainda que os da sua geração de Coimbra temos orgulho em o ver ligado por colaboração assim relevante, decisiva, a um serviço que, levado a cabo, como se espera, é dos maiores prestados a Pátria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Iniciativas como esta do Plano de Educação Popular, vindo a par do Plano de Fomento, se são sinal de uma pujante maturidade do Regime e do génio político de .Salazar, elas confirmam também, por cima dos acidentes, efémeros sempre afinal, quer quando se não tinha razão, quer quando se tinha e foi negada, que permanece intacta a frescura dos grandes escopos da primeira hora. Conservam assim ou fazem-na renascer das cinzas, que a fidelidade nunca deixou espalhar, a esperança necessária.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cortês Pinto: - Peço u palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - V. Ex.ª deseja usar da palavra sobre que assunto?
O Sr. Cortês Pinto: - Desejo falar sobre o decreto que regula a frequência de menores aos espectáculos cinematográticos.
O Sr. Presidente: - Sinto não poder conceder a palavra a V. Ex.ª neste momento, visto que está esgotado o tempo reservado ao período de antes da ordem, do dia. Espero, porém, poder amanhã conceder a palavra a V. Ex.ª, e por certo a Câmara terá muito prazer em ouvi-lo.
O Sr. Cortês Pinto: - Muito obrigado a V. Ex.ª
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um ofício do juízo da 1.ª vara de Lisboa solicitando autorização da Assembleia para que o Sr. Deputado Pinto Barriga possa depor no respectivo tribunal no dia 7 de Fevereiro próximo.
O Sr. Deputado Pinto Barriga informou-me de que não há inconveniente para a sua. actividade parlamentar em ser autorizado o depoimento referido.
Consulto a Câmara sobre se concede a necessária autorização.
Foi concedida a autorização solicitada.
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vai entrar em discussão na generalidade a proposta de lei referente à organização geral, recrutamento e serviço militar das forças ultramarinas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Frederico Vilar.
O Sr. Frederico Vilar: - Sr. Presidente: foi a Comissão de Defesa Nacional encarregada por V. Ex.ª de proceder ao estudo do projecto da proposta de lei n.º 5Í8, sobre organização geral, recrutamento e serviço militar uns forças ultramarinas, que o Governo da Nação apresentou agora à Assembleia Nacional para ser discutido.
Como presidente da Comissão, entendo do meu dever abrir o debate sobre o referido projecto de lei, que mereceu o maior interesse a todos os seus membros, bem como aos da Comissão do Ultramar, que trabalhou em conjunto com a da Defesa Nacional. Quero aqui expressar os meus agradecimentos ao Sr. Presidente desta Comissão, Dr. Sousa Pinto, pela amabilidade que teve de propor que fosse eu quem dirigisse os trabalhos das duas comissões em conjunto, só tendo de lamentar que daí resultasse menos brilho e menor eficiência no trabalho realizado.
Tinham outrora as tropas ultramarinas portuguesas uma modalidade acentuadamente policial, que só perderam com a organização de 1895.
Porém, apenas com a organização de 1901 foi estruturalmente modificado o regime de recrutamento dos quadros, se ampliaram os quartéis-generais, se melhoraram os serviços de saúde e de administração militar e se fixaram os vencimentos.
Posteriormente, o largo emprego feito pela França de tropas coloniais no teatro europeu das operações, durante a guerra de 1914 a 1918, levou o Governo Português a rever o problema. Em consequência, a vasta legislação até então publicada aplicável às tropas do ultramar, e na sua maioria estudada independentemente para cada província, foi substituída por um documento, publicado em 1920, que extinguiu os quadros
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privativos de cada província, e que podemos, talvez, classificar como a primeira tentativa para n unificação de todas as nossas forças ultramarinas, disposição esta que foi altamente reforçada pela Constituição de 1933, que pelo § único do seu artigo 3.º institui a organização militar una para todo o território nacional.
A experiência colhida durante a última guerra mundial e as consequências das exigências que ela impôs, levaram à publicação do Decreto n.º 37 042, de 1940, cujo artigo 2.º coloca todas as forças do ultramar na dependência do Ministério do Exército.
A presente proposta completa, na medida do possível, a legislação ultimamente publicada e vem dar às forças nacionais muito maior coesão e homogeneidade de organização, permitindo assim obter não só muito melhor rendimento do pessoal e do material, como também vem aumentar a possibilidade de interactuação nos diferentes territórios de tão grande Império.
É evidente que esta proposta vem acarretar um acentuado aumento de despesa, do qual, em maior ou menor grau, todas as províncias terão de suportar a sua quota parte, uma vê que considero que a isenção dessa contribuição iria colocar a população da província a quem fosse aplicada em condições de nítida inferioridade moral e política em relação às outras.
Acerca desta proposta se pronunciou já a Câmara Corporativa, que, no seu douto parecer, classifica como características de apreciação mais importantes, com o que eu concordo, as seguintes:
1.º Mais acentuado o princípio da unidade da organização militar e bem assim o principio da dependência das forças terrestres ultramarinas do Ministério do Exército;
2.º Aumento, para as províncias ultramarinas, dos efectivos de tempo de paz e de comandos organizados;
3.º Maior descentralização de comandos, sobretudo nas grandes províncias;
4.º Alargamento das possibilidades de os portugueses naturais do ultramar chegarem a graduados e ao oficialato;
5.º Estacionamento de unidades metropolitanas nas províncias ultramarinas, com contribuição, financeira do Ministério do Exército;
6.º Idêntica disposição permitindo que forças ultramarinas possam permanecer na metrópole;
7.º Concorrer para a colonização das províncias ultramarinas pelas forças metropolitanas ali estacionadas;
8.º Identidade de instrução, quanto possível, através de todo o território nacional;
9.º Melhoria do recenseamento:
10.º Aumento do tempo de serviço nas fileiras para o contingente de ascendência não europeia e limitação do tempo de serviço militar a cinco anos sem organização dos escalões de tropas licenciadas e territoriais:
11.º Previsão de estatuto e obrigações especiais para os indivíduos de ascendência europeia;
12.º Constituição de unidades especiais territoriais combatentes nas localidades onde haja adequada fixação de europeus.
O simples enunciado destas características é mais do que suficiente para se poder deduzir todo o alcance do diploma que vai entrar em discussão, e não posso deixar de me congratular com a sua oportunidade, pois, dada a gravidade do momento que passa, é difícil prever o que poderá vir a ser exigido às forças nacionais.
E o mais elementar bom senso aconselha a que elas estejam nas melhores condições de actuar em qualquer parte do vasto império que, graças a Deus, ainda hoje possuímos, no momento em que a sua intervenção se torne indispensável.
Mas, apesar do o parecer da Câmara Corporativa haver já desbravado muito caminho e haver também salientado alguns problemas sérios de diferente natureza que no seio da Comissão de Defesa também foram abordados, cabe a esta Assembleia encontrar-lhes a solução mais adequada, para o que muito pode contribuir, na discussão na especialidade, o conselho daqueles que já tiveram oportunidade de servir nas nossas províncias ultramarinas em lugares de destaque, ou o dos seus representantes nesta Assembleia.
Mas, tendo sido as bases desta proposta largamente discutidas na Comissão conjunta de Defesa Nacional e do Ultramar, cumpre-me vir comunicar-vos o resultado do seu trabalho, fornecendo assim mais alguns elementos que julgo vantajosos ajusta apreciação de V. Ex.ª do projecto da proposta de Lei n.º 318.
Assim, as bases I, II, III, e IV foram aprovadas com a redacção da Câmara Corporativa, apenas com ligeiras alterações nos três parágrafos da base m.
A base VI foi aprovada com a redacção do Governo.
As bases VII, VIII e IX foram aprovadas com a redacção da Câmara Corporativa, com ligeiras alterações na base IX.
As bases X, XI, XII o XII foram aprovadas com a redacção do Governo.
As bases XIV, XV e XVI foram aprovadas com a redacção da Câmara Corporativa.
A base XVII foi eliminada.
A base XVIII foi aprovada com a redacção da Câmara Corporativa.
As bases XIX, XX, XXI e XXII foram aprovadas com a redacção do Governo.
A base XXIII foi aprovada com a redacção da Câmara Corporativa.
A base XXIV foi aprovada com a redacção do Governo.
As bases XXVI, XXVII e XXVIII foram aprovadas com a redacção da Câmara Corporativa.
A base XXIX foi aprovada com a redacção do Governo, com alteração da numeração.
As bases XXX, XXXI, XXXII e XXXIII foram aprovadas com a redacção da Câmara Corporativa.
É de notar que as alterações propostas são, na sua maioria, de pura redacção, pois que em nada vêm modificar o sentido primitivo.
No mapa anexo foram também aprovadas pequenas alterações na designação das unidades indicadas para as diferentes províncias.
Todas estas propostas foram aprovadas por unanimidade, com excepção da que se refere à substituição dos batalhões de caçadores, indicados na proposta do Governo por infantaria de linha, que foi aprovada por maioria.
Aqui deixo exposto a VV. Ex.ªs, o mais resumidamente possível, o resultado do trabalho das Comissões da Defesa Nacional e do Ultramar, dando assim por concluída por agora a minha missão.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Vaz Monteiro: - Sr. Presidente: a presente proposta de lei estabelece as bases para a organização das forças do Exército nas províncias ultramarinas e considera os capítulos da organização geral, do recrutamento e do serviço militar.
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Na organização geral mantém-se o princípio da unidade orgânica para todo o território nacional, conforme se acha estabelecido no § único do artigo 53.º da Constituição Política, que diz: «A organização militar é mm para todo o território».
No recrutamento e no serviço militar também a proposta de lei mantém o preceito constitucional estabelecido no artigo 54.º, visto que nela se propõe que o serviço militar nas províncias ultramarinas seja considerado geral e obrigatório.
E a solidariedade que deve existir entre as províncias ultramarinas e a metrópole para assegurar a integridade e defesa de toda a Nação, e que é preceito constitucional consignado no artigo 130.º, encontra-se igualmente mantido na proposta de lei.
Assim como as forças metropolitanas podem ser deslocadas para o ultramar, do mesmo modo as forças ultramarinas poderão ser deslocadas para a metrópole ou para qualquer província ultramarina.
O princípio português por nós mantido através de séculos durante toda a nossa vida ultramarina de atrair e nacionalizar os naturais, afastando todos os preconceitos raciais, está também incluído nas bases da proposta de lei.
«Nas escolas metropolitanas de formação de quadros poderão ser admitidos quaisquer naturais das províncias ultramarinas que satisfaçam às condições de admissão previstas na lei».
E no ultramar «os sargentos europeus poderão ser substituídos, em proporção a determinar, no enquadramento das tropas ultramarinas, por sargentos naturais do ultramar especialmente preparados para o efeito».
É da nossa tradição não estabelecer diferenciações raciais. E por isso mesmo é que em Portugal não há nem nunca existiu o problema da discriminação racial.
Foi a religião cristã que professamos desde a origem da nossa nacionalidade que maior influência exerceu sobre nós para tratarmos não só humanamente os povos de outras raças e civilizações atrasadas mas para irmos até ao ponto de os irmanarmos connosco.
Esta característica essencial dos Portugueses que contribuiu para que eles dilatassem a f é e o império, realizando no ultramar a obra que causa admiração no mundo inteiro, está nitidamente vincada na proposta de lei em discussão.
Por esta e outras razões fundamentais a proposta é merecedora da nossa inteira concordância.
Se há alterações aceitáveis introduzidas pela Câmara Corporativa e pelas nossas Comissões de Defesa e do Ultramar, essas alterações são apenas de pormenor, e em muitos casos são somente de simples redacção, para melhor traduzir a ideia.
É evidente que podemos discordar do número de unidades militares a estabelecer em cada província ultramarina e até da natureza e composição dessas unidades, por motivo de considerações de vária ordem, a que não deverá ser estranha a redução de despesas, para não ficarem sobrecarregados os orçamentos daquelas províncias; mas onde todos certamente estamos de acordo é na disseminação, que for julgada atendivel, das unidades militares por todo o território das províncias ultramarinas.
A presença destas unidades marca uma posição de soberania, de autoridade e disciplina que tem imediata influência na população civil. E, além disso, contribui muito para animar o movimento da vida comercial e o desenvolvimento progressivo das localidades. E justo será reconhecer que o estacionamento de militares metropolitanos nas províncias ultramarinas vai concorrer para a obra de povoamento europeu.
Onde também somente haverá motivo para uma concordância com a proposta de lei é na homogeneidade
que nela se estabelece entre as forças da metrópole e do ultramar, segundo o princípio constitucional, porque é idêntica a formação de quadros, uniforme o material distribuído às unidades e suo comuns as bases para a instrução e emprego das tropas em campanha.
Não há, pois, dúvida alguma que a proposta de lei segue o nosso rumo tradicional e atende ao preceituado na lei fundamental do País.
Porém, entre nós, muitas objecções se poderão formular relativamente à proposta de lei em discussão. E no meu espírito algumas surgiram quando tive ocasião do ler a proposta pela primeira vez.
No desejo de prestar o meu depoimento à Assembleia Nacional para que de algum modo possa esclarecer tais objecções, começarei por formular a seguinte pergunta:
A que propósito virá o Governo apresentar a proposta de lei sobre a organizarão geral, recrutamento e serviço militar das forças do Exército nas províncias ultramarinas?
É uma pergunta que ocorre imediatamente e que necessita de uma resposta, sobretudo para quem tiver de decidir, votando, ou quiser subir a esta tribuna para se pronunciar sobre a proposta de lei.
Eu vou responder por mim, dizendo apenas aquilo que se me afigura ser natural.
Entendo que a apresentação da proposta de lei ó unia lógica sequência da orientação que vem sendo seguida pelo Governo na preparação da defesa militar do nosso país.
Não será preciso mais do que indicar alguma legislação referente ao assunto para se reconhecer imediatamente que o Governo do Estado Novo continua no seu louvável propósito e até dever de preparar a defesa militar da Nação.
E assim limitar-me-ei a indicar os seguintes diplomas :
Lei n.º 2 024, de 31 de Maio de 1947, que indica as bases da defesa nacional;
Decreto n.º 37 542, de 2 de Setembro de 1949, que, pelo seu artigo 2.º, determina a passagem dos serviços militares do ultramar para a dependência do Ministério do Exército;
Decreto-Lei n.º 37 999, de 1 de Agosto de 1950, pelo qual é criado o Ministério da Defesa Nacional e o Subsecretariado de Estado da Aeronáutica;
Decreto-Lei n.º 37 955, de 9 de Setembro de 1950, que organiza o Secretariado-Geral da Defesa Nacional;
Lei n.º 2 051, de 15 de Janeiro de 1952, que promulga as bases da organização da defesa nacional;
Decreto n.º 38 732, de 28 de Abril de 1952, que criou a Direcção dos Serviços do Ultramar no Ministério do Exército.
Pela enumeração destes seis diplomas se vê claramente qual tem sido o caminho percorrido pelo Governo de Salazar até à data presente, em que foi apresentada a proposta de lei sobre as bases nas quais deverá assentar a organização das forças do Exército nas províncias ultramarinas.
O Governo prossegue nu política que traçou, o que lhe compete, de orientar superiormente a preparação da defesa nacional do País em todo o seu território continental, insular e ultramarino.
A proposta de lei não surgiu, pois, inopinadamente. Tem os seus antecedentes e procura atingir altos objectivos nacionais.
A Câmara Corporativa levanta um problema sério, que diz respeito às relações entre as autoridades militares e civis e particularmente entre o comando militar e o governador-geral.
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Este problema, embora seja da maior importância, não deverá ser aqui considerado.
Fica realmente melhor situado na lei orgânica do ultramar.
Reservo-me, pois, para dele me ocupar na ocasião oportuna.
Devo entretanto expor à Assembleia Nacional que, através da leitura da proposta de lei, se vê claramente que o Governo viu o problema e procurou resolve-lo na medida do possível tanto no Decreto n.º 37 542, de 2 de Setembro de 1949, como dentro do âmbito das bases da presente proposta de lei.
Como de todos é sabido, o governador e na respectiva província ultramarina o mais alto e directo representante do Governo da Nação. E por motivo do exercício das suas funções só convém ao interesse nacional ser revestido de grande autoridade e importância política.
Pois ó nesse sentido que o Governo tem agido como facilmente se poderá reconhecer.
Ao decretar em 1949 o princípio da unidade de organização militar, que torna dependentes do Ministério do Exército as forças terrestres ultramarinas, mostrou conhecer o problema que deveria surgir ao prever no § 3.º do artigo 4.º do Decreto n.º 37 542 que os comandantes militares informariam os governadores, em certos casos, de assuntos referentes às forças armadas.
Na base v da presente proposta de lei o Governo mostra quanto o preocupa a boa solução do problema das relações entre aquelas autoridades, e assim propõe que se comandante militar de cada província será nomeado pelo Ministro do Exército, com a concordância do Ministro do Ultramar, depois de ouvido o governador interessado».
Temos pois de reconhecer, em presença da base V, que o Governo foi até onde poderia ir na presente proposta de lei para alcançar a melhor solução do problema.
E, além do disposto na base v, propõe ainda o Governo, na base XIII, a audição do governador ao ser elaborado o regulamento de recrutamento da respectiva província ultramarina; e na base XV propõe a concordância do governador acerca da escolha dos locais e datas a fixar pelo comandante militar para apresentação dos contingentes de mancebos destinados à incorporação militar; e, nos termos da base XXIV, o comandante militar determina anualmente o número de praças a readmitir com a concordância do governador.
Não se pode deixar de reconhecer que o Governo vê bem o problema das relações entre as autoridades civis e militares das províncias ultramarinas; o na proposta de lei que se discute, embora não seja nela o lugar próprio para definir as respectivas atribuições, certo é que o Governo se orientou no sentido mais útil e mais favorável ao bem comum.
Se tivermos o cuidado de prestar atenção aos mapas do parecer da Câmara Corporativa com os aumentos e as reduções da organização militar actual e da proposta pelo Governo, verificamos haver «aumento quase geral para as províncias ultramarinas dos efectivos do tempo de paz e de comandos organizados».
Deixo a discussão sobre esta parte importante da proposta de lei, e especialmente sobre o número e a escolha das unidades das armas de artilharia, infantaria e cavalaria que forem julgadas mais apropriadas à defesa territorial de cada província ultramarina, aos técnicos que sobre o assunto se queiram pronunciar.
Mas sob o aspecto político, que mais essencialmente compete à Assembleia Nacional, desejo referir-me ao aumento do peso que vai recair na tabela das despesas dos orçamentos das províncias ultramarinas e à redução proposta com o desaparecimento das bandas de música.
Quanto ao aumento da despesa, direi apenas que estamos sujeitos a uma lei fatal, à qual não nos podemos furtar: se tivermos de aumentar a nossa preparação militar, fatalmente teremos de reduzir o impulso das obras de fomento o porventura outras.
Quanto à redução das despesas pelo desaparecimento das bandas de música das províncias da Guiné e de Angola, eu tenho de confessar francamente que não foi com agrado que vi este corte nas despesas daquelas duas províncias.
É certo que alguma parte me cabe na organização da banda de música da guarnição militar da Guiné, e portanto não admira que recebesse com desgosto esta proposta de redução de despesas públicas no orçamento daquela província ultramarina.
Mas, se os gastos com a organização gorai, recrutamento e serviço militar das forças do Exército naquelas duas províncias nos obrigam a esta redução, eu só tenho de me conformar e votar pula eliminação de tais despesas.
Mas não quero deixar por aqui as minhas considerações. Se, pela força imperiosa das circunstâncias actuais, declaro votar pela eliminação destas despesas, faço ao mesmo tempo um apelo para que as bandas de música não desapareçam.
Tudo ó possível.
E aqueles que amam enternecidamente o Exército a que têm a honra de pertencer sabem muito bem como as charangas e bandas se mantêm sem sobrecarregar a tabela de despesas do orçamento geral das províncias.
E os meus votos são para que todas as vontades se juntem e consigam manter a existência das bandas.
Julgo ter exposto o suficiente sobre a generalidade da proposta de lei para esclarecer a Assembleia Nacional e mostrar que, sendo a proposta a sequência lógica da orientação que o Governo tem vindo a seguir, ela satisfaz a exigência dos seguintes princípios fundamentais: a unidade de organização militar em todo o País, como está preceituado na Constituição Política; a solidariedade entre as províncias ultramarinas e a metrópole para assegurar a integridade e defesa do território nacional; os princípios cristãos e tradicionais da nossa acção ultramarina, que nos caracterizam entre todos os povos do Mundo; o serviço militar geral e obrigatório, tanto na metrópole como nas províncias ultramarinas; a homogeneidade entre as forças da metrópole e do ultramar pela identidade da formação de quadros, uniformidade do material e bases comuns para a instrução e emprego das tropas em campanha; a autoridade e prestígio de que revestimos os governadores das províncias ultramarinas; a paz das populações e defesa dos territórios nacionais do ultramar.
Parece, pois, haver fundadas razões para a Assembleia Nacional aprovar a proposta do lei na sua generalidade.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - A próxima sessão será amanhã, com a mesma ordem do dia. Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 50 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Délio Nobre Santos.
Jorge Botelho Moniz.
José dos Santos Bessa.
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Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
António Raul Galiano Tavares.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Coronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Gaspar Inácio Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Moura Relvas.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pinto Meneres.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Miguel Rodrigues Bastos.
Sebastião Garcia Ramires.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA