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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 160

ANO DE 1952 6 DE NOVEMBRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

V LEGISLATURA

(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)

SESSÃO N.º 160, EM 5 DE NOVEMBRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia. - Mandaram para a Mesa requerimentos os Srs. Deputados Amaral Neto e Jacinto Ferreira.
O Sr. Deputado André Navarro solicitou do Governo a construção de uma pista náutica em Aveiro.
O Sr. Deputado Vaz Monteiro enalteceu o valor da ponte Sarmento Rodrigues, inaugurada na Guiné.
O Sr. Deputado Manuel Vaz falou sobre os decretos-leis referentes ao combate ao analfabetismo.
Dos mesmos, e também do decreto que regula a entrada, de menores nos espectáculos públicos, ocupou-se o Sr. Deputado Cortês Pinto.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão na generalidade da proposta de lei de organização geral, recrutamento e serviço militar das forças ultramarinas.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Ribeiro Cazaes e Sousa Rosal.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Artur Proença Duarte.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.

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Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Yigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 70 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Corporações e Previdência Social, solicitados pelo Sr. Deputado Manuel Lourinho, que lhe vão ser enviados.
Estão também na Mesa os elementos solicitados pelo Sr. Deputado Pinto Barriga em seu requerimento apresentado na sessão de 14 de Março último.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Amaral Neto.

O Sr. Amaral Neto: - Pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte:

Requerimento

Requeiro que pelos serviços competentes do Ministério da Economia, e com a urgência necessária para que possam ainda servir à apreciação do Plano de Fomento, prestes a ser submetido a esta Assembleia, me sejam fornecidos os seguintes elementos acerca da execução da lei de melhoramentos agrícolas:

a) Por cada um dos anos de 1947 a 1901, inclusive e discriminadamente:

1) Importâncias das dotações atribuídas ao Fundo de Melhoramentos Agrícolas;
2} Número de podidos de assistência financeira recebidos;
3) Importâncias totais dos empréstimos solicitados;
4) Número de pedidos atendidos;
5) Importâncias totais dos orçamentos respectivos;
6) Importâncias totais dos empréstimos contratados;
7) Importâncias pagas em execução dos contratos de assistência financeira;
8) Proporções do repartição dos empréstimos concedidos por prazos de amortização;
9) Número e importâncias totais dos distrates ou reduções de empréstimos ao abrigo da base IX da lei;
6) Com relação ao conjunto dos cinco anos:

1) Discriminação das verbas concedidas, em número e importância global dos contratos, por espécies de melhoramentos;
2) A possível indicação das quantidades totais de trabalho realizadas ou a realizar ainda por força dos contratos feitos por espécies de melhoramentos;
3) Áreas totais de novos regadios estabelecidos ao abrigo da lei, discriminadas respectivamente por obras à base de barragens, de poços e de captações com elevação e distribuição de água, e seus custos médios.
Mais requeiro que me seja precisado se a existência de ónus hipotecários anteriores tem constituído motivo de negação, redução ou preterição de empréstimos cuja amortização fosse garantida pêlos aumentos de rendimento previstos.

O Sr. Jacinto Ferreira: - Sr. Presidente: pedi a palavra para apresentar o seguinte:

Requerimento

Requeiro que me sejam dadas as seguintes informações:

1.ª Pelo director-geral dos Serviços de Registo e do Notariado: indicação dos nomes dos fundadores e respectivo capital da Sociedade Industrial de Alhandra, constituída por escritura lavrada em 14 de Fevereiro do corrente ano no cartório do notário Cornélio da Silva, desta cidade;
2.ª Pela Caixa Geral do Depósitos, Crédito e Previdência: total da percentagem cobrada por este estabelecimento de crédito em cada um dos anos de 1945 a 1901 ao abrigo do § único do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 30 410.

Aproveito estar no uso da palavra para elucidar V. Ex.ª de que ainda não recebi quaisquer elementos

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sobre o abastecimento de açúcar, solicitados há sete meses ao Ministério da Economia.

O Sr. André Navarro: - Sr. Presidente: apenas duas palavras. E mesmo estas não terão outro fim do que fazer chegar a esta sala o eco da grande manifestação popular realizada há dias na cidade de Aveiro.
Reuniram-se na lindíssima cidade da Beira Litoral muitos milhares de pessoas. Gente do bom povo da nossa terra, juventude entusiástica, dirigentes e dirigidos, pedindo que o ilustre governador civil fosse intérprete junto do Governo da Nação dos desejos de todos de que fosse dotada a cidade de Aveiro, na sua maravilhosa ria, com uma pista adequada à prática dos desportos náuticos, para que esta cidade possa vir a ser, num futuro próximo, cenário apropriado para emoldurar competições nacionais e internacionais ligadas ao mar.
Não poderia deixar, Sr. Presidente, de levantar a minha voz para. deste lugar, aplaudir iniciativa de tão larga projecção no desporto nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E não podia deixar de o fazer por ser, desde muito novo, um entusiasta pela prática do desporto e um convicto da necessidade do a juventude criar verdadeiro amor pela vida sã ao ar livre. Mas no meu espirito esta ideia criou ainda raízes mais fundas quando a palavra, sempre sábia, de Salazar marcou o rumo do mar à juventude da nossa terra. E foi bem ouvida a palavra de Salazar. A juventude tem sabido interpretar bem o seu alto desígnio, dando aos desportos náuticos um lugar de realce no concerto internacional.
Será desnecessário apresentar aqui razões que militem a favor de uma tal iniciativa. Não é só a ria um ambiente de eleição para a prática dos desportos náuticos. Não é, também, apenas a privilegiada posição geográfica da cidade do Vouga, facilitando a afluência de visitantes do Norte e do Sul do País. E não é, também, ainda, direi, o clima, que se revela ideal para esse desporto. É, acima de tudo, a tradição, já muito antiga, que tem feito nascer em Aveiro, geração após geração, valores dos mais destacados do desporto nacional.
E assim é que no meu espírito não se apaga a imagem fulgurante de uni Mário Duarte e de tantos outros chefes destacados de famílias aveirenses tão queridas do desporto português. Todas elas deram a Aveiro, em entusiasmo e esforço desinteressado, o fulgor duma juventude que jamais envelheceu. Por isso, a ideia que hoje vem à tona de água, embora velha, continua plena de viço criador.
Estas as palavras que desejava proferir e, para terminar, apenas direi a confiança ilimitada de quem pede neste país por causas justas. E essa confiança, digo, hoje radicada no coração de todos os portugueses, é que me leva a solicitar ao ilustre Ministro das Obras Públicas, grande português e grande homem do desporto, a sua esclarecida atenção para que conceda a Portugal mais um precioso meio para que a juventude possa continuar trilhando o rumo do mar.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Vaz Monteiro: - Sr. Presidente: no dia 28 de Maio do corrente ano foi solenemente festejada na província da Guiné a data memorável do 26.º aniversário da Revolução Nacional.
Nesse dia houve na Guiné várias inaugurações nas sedes das circunscrições civis, mas a mais importante foi a da ponte de Ensalmá, que liga a ilha de Bissau ao continente africano o tomou o nome de «Comandante Sarmento Rodrigues».
Para se avaliar da grande importância que esta ponte representa para a província da Guiné devo esclarecer que a ligação da ilha de Bissau ao continente era feita, deficientemente, por Encludé, através do rio Geba, por Cumeré, Nhacra e Ensnlniá, atravessando o canal do Impernàl, e por João Landim, atravessando o rio Mansos.
A ligação feita na Nhacra era a mais concorrida, onde havia uma jangada e permanentemente grande movimento de passageiros, carga e veículos automóveis.
A ligação em Ensalmá era feita a pé, somente por indígenas habituados a caminhar no lodo, numa travessia difícil e fatigante, durante a maré vazia.
No local de Ensalmá o canal do Impernal apresenta a sua menor largura e fica sem água na vazante, que ai vaza em dois sentidos, para norte e para sul.
Este local há muitos anos estava destinado à construção da ponte.
Em 1932 chegou a ser solenemente iniciada a sua construção, tendo-se cravado a sua primeira estaca.
Há mais de um quarto de século que a travessia do Impernal constituía uma preocupação dominante. Foi durante todo este tempo o grande problema da Guiné.
Há pois, Sr. Presidente, justo motivo de satisfação para o Governo do Estado Novo e de agradecimento da população da Guiné.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A nova ponte construída em Ensalmá fica distanciada da cidade de Bissau cerca de 25 km, tem a extensão de 125.80 m, incluindo os encontros, e o seu custo foi de 5:500 contos, em cuja importância se incluem 700 contos das rampas de acesso, de betão armado.
É constituída por três tramos metálicos, sendo móvel o tramo intermédio, para dar passagem às embarcações na maré da enchente.
Se houve demorados e porfiados esforços até se conseguir assentar definitivamente na maneira de construir a ponte, a verdade é que durante a sua execução surgiram tremendas dificuldades, provenientes da constituição do subsolo em que assenta a ponte e que deu motivo ao emprego de quatro tipos de fundações.
Bastará dizer, Sr. Presidente, para se ficar a fazer ideia das dificuldades que surgiram na sua construção, que houve necessidade de se cravarem estacas à profundidade de 19 m. tal é a natureza das diversas camadas do terreno, e de realizar outras operações, o que tornou difícil, morosa e dispendiosa a execução das fundações.
Mas todas as dificuldades foram removidas, e a ponte de Ensalmá, sobre o Impernal, está aberta ao trânsito entre a ilha de Bissau e o continente e representa uma obra de extraordinária importância na vida económica e social da província da Guiné.
Sr. Presidente: foi finalmente substituiria a velha jangada da Nhacra que, apesar do seu relevante préstimo durante trinta anos de aturado serviço, agora apenas recorda as perdas de vidas que motivou e as demoras e incómodos que ocasionava na travessia do canal do Impernal.
E foram certamente estas desvantagens da velha jangada da Nhacra que tanto impuseram a construção de uma ponte e insistentemente reclamavam contra o antiquado e perigoso sistema, das jangadas, que mais deveriam ter contribuído para a realização de tão importante melhoramento de utilidade pública.
Sr. Presidente: a Revolução Nacional tem transformado o mundo português na metrópole e no ultramar.

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E a província da Guiné, que eu governei e por onde fui eleito Deputado, está de parabéns por ter já a sua desejada ponte.
E eu desejo acompanhá-la no seu agradecimento ao Governo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Manuel Vaz: - Sr. Presidente: no Diário do Governo de 27 do mês ando veio publicado o Decreto n.º 38 962, que contém o Plano de Educação Popular.
Trata-se de. um diploma de altíssima importância, e pena foi que ele não tivesse vindo prèviamente a esta Assembleia para nela ser devidamente apreciado, como requeria, dada a sua transcendência e magnitude.
É de lamentar que assim tivesse acontecido.
Não chego a perceber por que motivo o Governo deixou de o fazer.
Seria para evitar as demoras de longas discussões sobro as disposições o doutrina nele contidas?

O Sr. Manuel Múrias: - Esse decreto não veio à Câmara para poder ter imediata execução; se viesse, só poderia tê-la no próximo ano.

O Orador: - Talvez tivesse sido por isso.
Mas havia toda a conveniência em que elas fossem amplamente discutidas, a fim de que o País se pudesse aperceber da transcendência do problema e ficasse habilitado a cotejar o trabalho realizado neste campo antes e depois da Revolução Nacional.
Decerto que a discussão não se limitaria a estabelecer este simples confronto entre o passado e o presente, mas procuraria, simultaneamente, estudar as linhas gerais do plano traçado, analisar os elementos de combate que o Governo pretende utilizar e avaliar o grau da sua eficiência para alcançar o objectivo previsto, isto é, a extinção do analfabetismo no País.
Todos nós teríamos a lucrar, e muito, com a discussão: a Câmara, o Governo e a Nação.
A esta seria despertada a sua atenção mais vivamente para uma colaboração que o decreto reconhece preciosa, por ser indispensável, com os agentes da Administração encarregados de conduzir a campanha que vai iniciar-se.
Seria pelo receio de, durante a discussão, vir mais uma vez à tela o problema dos vencimentos do professorado primário?
Mas nada se perderia com isso, uma vez que a Câmara, consciente das suas responsabilidades, decerto o focaria, para uma possível solução futura, por saber que pertence a uma geração que tem de construir o futuro sacrificando-se.
Lucrava-se esclarecer o País, para o interessar, tornando-o consciente da grandeza do mal e dando-lhe a conhecer a eficácia dos remédios preconizados para a completa extinção do analfabetismo, mancha escura no horizonte claro da Revolução Nacional.
Por outro lado, acabava-se com a desonesta especulação, tanta vez feita, cá dentro e lá fora, com o nosso reconhecido atraso em matéria de cultura popular.
Chegou-se mesmo a acusar os Governos do Estado Novo de pouco ou nada terem feito no sentido de o extinguir, quase os responsabilizando pela sua existência passada e presente.
E não há nada. mais injusto do que essa acusação tendenciosa, de mal ocultos objectivos políticos, que a realidade desmente por uma forma categórica.
No luminoso relatório que precede o decreto encontra-se um mapa que esclarece meridianamente a questão e merece ser estudado com atenção, tão elucidativos são os dados que fornece.
Por ele fica-se conhecendo toda a evolução do problema desde 1890 para cá.
No que respeita ao analfabetismo das crianças em idade escolar, dos 7 aos 11 anos, a taxa de analfabetos em 1890 era de 71,2.
Nos dez anos imediatos, até 1900, essa taxa ainda subiu para 83,8, e dez anos mais tarde, em 1911, baixou 4 pontos. Vinte anos depois, em 1920, baixou cerca de 10 pontos, ficando, por isso, nessa altura, em 73,5.
Em 1930, isto é, quatro anos depois da Revolução de 28 de Maio, ainda essa taxa se mantinha sensivelmente a mesma, mas já em 1940, quer dizer, a catorze anos da Revolução, ela descera quase 27 pontos, e vinte e quatro anos depois dela, em 1950, caia verticalmente, baixando 52,8, encontrando-se por isso em 20,3 nessa data.
E isto apesar de a população em idade escolar ter aumentado de quase 100 000 crianças.
De 497 000 analfabetos daquela idade em 1920, numa população pouco superior a 600 000 crianças, desceu-se para 156000 em relação a mais de 700000 crianças no momento actual. E isto já não é pouco.
Se do analfabetismo infantil passarmos ao dos adultos, verifica-se que a percentagem de analfabetos vai aumentando dos 30 anos para cima è diminuindo gradualmente dessa idade para baixo.
Quer isto dizer que é também menor a taxa de analfabetos entre os adultos desde que começou a vigorar o regime actual do que na vigência dos regimes anteriores.
O gráfico da sua curva evolutiva, num e noutro sentido, denuncia que a responsabilidade do analfabetismo adulto, em tão larga escala, pertence quase exclusivamente aos Governos anteriores à Revolução Nacional e revela não passareni de mal intencionada especulação as críticas feitas neste sentido à obra do Estado Novo, que neste campo, como, aliás, em todos os outros, tem feito imenso.
Mas, se já fez muito, ainda não fez tudo.
Precisa-se de mais.
Há cerca de 156 000 crianças que não sabem ler nem escrever.
É preciso acabar com esta mancha.
Este objectivo pretende alcançá-lo o decreto.
É certo que o panorama ainda não é tão feio como à primeira vista parece.
Aquela taxa de 20,3 existente em 1950 é de facto menor se considerarmos que entre as 156 000 crianças analfabetas se encontram os inadaptáveis, os incapazes por doenças mentais, que lá fora se estimam em 8 por cento do total.
De forma que no caso português a percentagem de analfabetos em idade escolar não deve ser muito superior a 12 ou 13 por cento actualmente.
Os cálculos do relatório do decreto, se pecam, não é por optimismo.
Isto revela o êxito da luta travada neste sector pelo Governo da Nação.
Há ainda, já se frisou, o analfabetismo dos adultos, que é, afinal, em grande parte, triste herança do passado.
Num e noutro sector os meios preconizados pelo decreto parecem-me acertados para tornar efectiva a obrigatoriedade do ensino primário.
Não os analiso agora, embora julgue que certas disposições do decreto mereceriam ligeiras correcções.
Mas desejo tocar ainda uni outro ponto, e o tempo foge.
Para ensinar é preciso ter escolas, problema que me interessa profundamente como presidente de uma das

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câmaras municipais do País, que têm de arcar, a meias com o Governo, com a responsabilidade da sua construção.
O Plano dos Centenários procurou dotar o País com os edifícios escolares indispensáveis ao bom funcionamento dos serviços de ensino.
O número de salas de aula previsto seria de 12 500, que custariam cerca de 500:000 contos, a pouco mais de 40 contos cada sala.
Mas o relatório do decreto mostra que este cálculo foi muito excedido.
Construíram-se até à data 2 883 salas de aula que custaram 335:000 contos. De maneira que o preço médio de cada sala não foi de 40, mas de 116 contos.
Ora o Estado adianta essa importância, mas as câmaras terão de pagar a sua parte, ou seja 50 por cento do seu custo.
Esta contribuição das câmaras adiantada pelo Estado será por elas paga passados cinco anos após a conclusão do plano, prevista para dez anos.
Não é possível às câmaras suportar semelhante encargo, que absorveria todas as suas disponibilidades, se é que elas chegariam para o satisfazer, tão volumoso ele é, por mais pequeno que seja o concelho e mais reduzido o número de edifícios a construir.
O reembolso, pelas câmaras, em tão curto prazo é praticamente inexequível.
As câmaras têm de ser aliviadas.
O ensino, como serviço público nacional, tem de considerar-se como da responsabilidade exclusiva da administração pública, embora se não exclua a contribuição voluntária doutros organismos ou pessoas.
Desta maneira parece justo, que a. construção dos edifícios escolares constitua encargo do Estado.
Seria a solução ideal para as câmaras, tanto mais que elas já tem, nos termos da base viu da Lei n.º 1969, de fornecer material didáctico necessário, pagar o expediente, efectuar as reparações indispensáveis e suportar outros encargos que pesam soberanamente nos seus orçamentos, distribuídos com pródiga generosidade pelo Estado.
Mas se esta solução não for viável deverá alargar-se para trinta anos o prazo desse reembolso, para suavizar as dores da operação e tornar possível o cumprimento do reembolso, imposto e aceite pela necessidade imperiosa de colaborar.
Acho até que a melhor forma desta colaboração seria encarregarem-se as câmaras de construir esses edifícios, dando-lhes o Governo pelo menos a contribuição de 50 por cento do seu custo a que se obrigou.
As câmaras, aproveitando os recursos locais, as suas possibilidades e as das autarquias da sua dependência, a generosidade das populações, como subscrições, subsídios individuais, doações e outros recursos, encontraria, na grande maioria dos casos, a maneira prática de obter os 50 por cento que lhes compete fornecer.
Isto, é claro, sem prejuízo da fiscalização e orientação estaduais.
Seria a maneira mais eficaz e mais rápida de resolver o problema das construções, a curto prazo e sem penosos ou incomportáveis sacrifícios para as suas debilitadas finanças.
Senhor Presidente: é tempo de acabar; mas devo repetir.
A campanha que vai iniciar-se, que o decreto prevê e disciplina, deveria ter começo nesta Assembleia, pela sua longa projecção política e pela extensa repercussão em todos os recantos do País.
Seria a melhor oportunidade de render as nossas homenagens ao esforço do Governo nesta luta em que se vai empenhar, assegurando-lhe mais probabilidades de
êxito, como é absolutamente necessário para prestigio da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Prestaríamos com prazer, com alegria, a justiça devida às nobres e patrióticas intenções do decreto e dos seus autores, ao trabalho por eles desenvolvido e, em especial, ao esforço do titular da pasta da Educação Nacional e do seu ilustre Subsecretário, que à causa da instrução primária têm dado o melhor da sua dedicação e denodado esforço.
Felizmente que a luta vai ser decisiva e o mal terá de desaparecer, como é indispensável para o prestigio e bem-estar da Nação, que o Governo da Revolução Nacional defende com carinho e devoção insuperáveis.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Cortês Pinto: - Sr. Presidente, meus senhores: pedi a V. Ex.ª o favor de .me conceder o uso da palavra para me congratular com a publicação de doía decretos notabilíssimos: o Decreto-Lei n.º 38 964, que regula a assistência de menores aos espectáculos públicos, e o Decreto-Lei n.º 38 968, e o diploma que o regulamenta, que promove a maior expansão do ensino primário.
Publicados com tão breve intervalo, de tal maneira se completam um ao outro, de tal modo se valorizam mutuamente que a própria circunstância da sua quase simultaneidade se torna altamente significativa de quanto os altos poderes do Estado se preocupam em (resolver globalmente os problemas mais fundamentais da estrutura das sociedades: o da instrução e o da formação moral.
Por um lado, a luta contra o analfabetismo das- letras; por outro lado -, a luta contra o alfabetismo da imoralidade.
Se bem que as percentagens de analfabetos tenham vindo a decrescer nos últimos anos, a grandeza do seu número atinge ainda uma cifra altamente depreciativa do nível da instrução popular e sobretudo aldeã, o que denota um larguíssimo desinteresse ou incapacidade de resolver tão importantes problemas da parte dos nossos governos durante os últimos séculos. Não obstante os notáveis esforços realizados por verdadeiros apóstolos da instrução popular, nomeadamente pelos poetas António Feliciano de Castilho e João de Deus, o século XIX deixou-nos esta pesada herança, que o Estado Novo se tem esforçado por corrigir e que neste decreto enfrenta decididamente.
E, contudo, Portugal tinha uma tradição que, nascida no final da Idade Média, continuou viva e atenta ate à perda da independência, ou, antes, até à soberania filipina. El-rei D. Manuel tanto se interessava pela vulgarização e ensino da leitura que não se designava de vir ele próprio às escolas de meninos para se entreter a interrogar e ensinar a ler as criancinhas.
Em 1514 existiam escolas no Congo a 80 e 90 léguas de distância da costa, e no mesmo ano mandava ele uma embaixada à Abissínia, em que, além de uma tipografia - a primeira que no Mundo embarcou para além-mar, seguiam nada menos de 2000 cartilhas, para ensinar a leitura da nossa língua aos súbditos do negus. Dois anos antes vê-se de uma carta de Afonso de Albuquerque mandara el-rei uma arca de cartilhas para Cochim, para que se abrisse uma escola, noticiando o vice-rei que já andavam a aprender cem meninos índios.
D. João III, ao mesmo tempo que se ocupa tão superiormente do ensino superior, não esquece o ensino das

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primeiras letras. E, numa carta escrita a D. João de Castro, manda-lhe abrir escolas em todas as ilhas de Goa.
É na verdade estranho que, depois de andarmos a ensinar a ler os pretos do Congo, as gentes da Abissínia e os índios de Goa e de Cochim, das Molucas, da China e do Japão, fundando por todo o Oriente centenas de escolas e uma universidade florescentíssima, chegássemos a tanta escuridão nos séculos chamados das luzes!
Se bem que na verdade o analfabetismo tenha vindo a decrescer, devido a, tenacidade dos esforços realizados neste sentido pelo Estado Novo, é certo que nunca o problema foi, como neste diploma, enfrentado por forma tão ampla e decisiva. Nunca será demais louvar os Exmo. Ministros e (Subsecretário de Estado da Educação Nacional, que ao problema do ensino primário têm dedicado tão notavelmente a sua constante atenção.
O decreto da Presidência do Conselho sobre a frequência de menores aos espectáculos públicos resolve outro aspecto do problema, não menos importante: o da educação moral dos jovens portugueses e da remoção de condições prejudiciais ao trabalho intelectual dos jovens escolares.
Este decreto-lei tem, pois, um duplo alcance moral e mental, pondo as crianças, desde pequeninas, ao abrigo de um elemento notavelmente maléfico para a saúde da célula nervosa e protegendo o escolar preventivamente, desde a infância e puerícia, tanto sob o ponto de vista moral como efectivo e neurológico.
Efectivamente a psicologia experimental verificou a exactidão das conclusões a que todos os neurologistas e muitos psicólogos haviam chegado, em face das suas observações e da análise subjectiva do problema.
A Motion Picture Research Council promoveu o estudo experimental feito por médicos e psicólogos, tendo em vista principalmente a saúde física dos estudantes. A. comissão utilizou um aparelho eléctrico adrede inventado, o hipnógrafo, por meio do qual foram registadas as reacções nervosas e a duração do seu prolongamento durante o sono, após as sessões de animatógrafo. Verificaram o seguinte: que tais excitações eram mais violentas e prolongadas do que as causadas pela leitura ou narrativas (antes dos 11 anos as perturbações são causadas sobretudo por inquietação ou medo: desejo de dormir com luz, inspecção cuidadosa do quarto, do guarda-vestidos, debaixo das camas, pesadelos, agitações, sonos falados); que o erotismo se excitava principalmente a partir dos 11 anos, atingindo o máximo aos 16; que a impressão suscitada pelas tragédias ou fitas com situações perigosas começava mais cedo, atingindo a sua acuidade aos 12; que era um activador intenso de diversas psicoses.
Verificaram ainda a existência de grandes e prolongadas perturbações da tensão arterial.
Tudo isto se refere a transtornos de ordem psicológica. Porém, independentemente deste aspecto e logo desde a primeira infância, quando a criança ainda não tem o desenvolvimento mental necessário para seguir um entrecho de cinema, as moving pictures, quer dizer: a simples visão das cenas, a agitação do movimento, com suas alternativas de luminosidade, produzem, através da excitação do nervo óptico, uma série de excitações nocivas à célula nervosa.
O Dr. Cruz Neves, no seu trabalho sobre cinema e cultura, chama a atenção para o facto de vários psiquiatras admitirem a existência de uma nova psicose com carácter nosológico, denominada «psicose do cinematógrafo v, caracterizada por um síndroma mental em que predominam numerosas perturbações psicossensoriais, ideias delirantes, sobretudo eróticas e fantasistas, estados de ansiedade, agitação psicomotora mais ou menos violenta, tendência para a fuga e estados catatónicos ou convulsivos (Strasbourg Médicai, XC ano, Novembro de 1930).
As próprias fitas infantis não são de aconselhar na maior parte das vezes. Na exibição da lindíssima fita «Branca de Neve» vi sempre os adultos encantados e as crianças atemorizadas, mesmo crianças de 6 e 7 anos, algumas das quais choravam ou estremeciam com o aparecimento da bruxa. E parecem-me desaconselháveis, sobretudo, as de bonecos animados, cujo desconcertante entrecho os próprios adultos são muitas vezes incapazes de acompanhar.
Bonecos caricaturais pretendem representar animais por vezes irreconhecíveis. Todas as cenas são fragmentárias e desarticuladas. As explosões, as quedas e os embates sucedem-se, independentemente de qualquer nexo. O assistente ri do pitoresco de certos quadros, sem já pensar na sequência lógica da acção. E habituar a criança a desarticular o pensamento lógico é, necessariamente, concorrer para a superficialidade e desconexão da inteligência.
Estas fitas são para pôr à prova a capacidade de desintegração intelectual dos adultos e para dizer à criança que não existe ligação entre causa e efeito e que o destrambelhamento é uma coisa que os grandes acham perfeitamente natural.
Por outro lado, as cenas de carácter erótico, embora incompreendidas no momento, decantam-se sub-repticiamente no inconsciente, e ali ficam a levedar, mais ou menos demoradamente, até surgirem, mais ou menos confusamente, acordadas por impressões supervenientes, dando à criança uma precocidade libidinosa, de tão funestas consequências morais e mentais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O problema, Sr. Presidente, tem interessado vários médicos escolares, tendo sido realizados importantes inquéritos, sobretudo por dois médicos escolares da minha área, os Srs. Drs. Armindo Crespo e Cruz Neves, em Viseu, e outro, em Lisboa, pelo Sr. Dr. José de Paiva Boléu.
Segundo tiveram ocasião de observar, as perturbações oculares, mais ou menos passageiras, mas podendo influir no trabalho de estudo, vão de 34 a 30 por cento; as cefaleias, com o mesmo rebate escolar, 10 a 12 por cento; torpor, diminuição da memória, com nervosismo e impossibilidade total de assimilação intelectual, 5 por cento; impressões vivas e insistentes, 77 por cento. No inquérito de Viseu 51,6 por cento dos próprios rapazes reconhecem a influência nefasta que a cinema sobre eles exerce. Em Lisboa queixaram-se de perturbações (físicas (olhos, cefaleias, etc.), e do sistema nervoso 52,5 por cento dos alunos. Como VV. Exmo. vêem, as percentagens são praticamente iguais. Tem aluno do Sr. Dr. Paiva Boléu escreve, em resposta ao inquérito: e As fitas amorosas deviam ser proibidas antes dos 14 anos, porque nos incitam a vícios originados pelo amor». Em Viseu um rapaz de 19 anos de idade escreve: «Infelizmente, o cinema, que devia ser um poderoso auxiliar para o progresso, é-o apenas para o retrocesso, isto é, um meio de perverter a moral das raparigas dos nossos dias».
Não se julgue, porém, que estes exemplos constituem excepções. Muito pelo contrário: em ambos os inquéritos se contam numerosas apreciações neste sentido feitas por rapazes desde os 12 anos de idade.
Quanto ao reflexo da vida escolar, Paiva Boléu averiguou que o maior número de reprovações do liceu se verifica entre os que frequentam o cinema com maior frequência. Também em França a notável pedagogista M.elle Rabut afirma: uma criança que vai todas as semanas ao cinema não pode trabalhar.

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Entretanto, todos estes investigadores reconhecem que o cinema é a grande paixão da juventude.
Um ponto curioso é o que diz respeito ao seu reflexo sobre a disciplina familiar. Foi esta uma das verificações do inquérito da American Child Health Association, dos Estados Unidos da América: enfraquecimento da autoridade paterna, desenvolvimento da delinquência, exasperamento do sensualismo e, nas raparigas, alastramento da prostituição clandestina precoce.
O Prof. Théodor, da École des Hautes Études Sociales, de Paris, chama a atenção dos psicólogos para factos da mesma natureza, afirmando a existência de uma verdadeira «psicose de cinema».
De tudo se conclui quanto é forte a influência sobre a memória e a imaginação, o critério moral e a filosofia da vida na organização da personalidade, que se deve realizar desde a infância.
Outro aspecto do problema é o que diz respeito à cultura do espectador. Um dos campos mais explorados neste sentido é o da História. Porém quem vê uma fita histórica reconhece quanto ela é a cada momento falseada, umas vezes por mera conveniência da realização, outras com intenção de deprimir ou de elevar as personagens, segundo a paixão social ou política do autor. E tudo isto quase sempre misturado com uma incultura confrangedora. Pode dizer-se que a maior parte, a grande maioria destas fitas, não faz cultura, desfá-la.
Pelo que respeita a outros géneros de cultura, mesmo quando não falseada por interesse ou ignorância, o seu valor é tão insignificante quanto é potente o seu valor na desorganização moral.
Este aspecto da questão, que a priori se apresenta com grande poder de atracção, revela-se afinal de fraquíssimo valor. E que na verdade no cinema se agrava o que já por vezes constitui defeito na leccionação do professor. A velocidade mental do aluno não se ajusta à do professor. O bom mestre, porém, procura adaptar-se ao aluno, repetindo, voltando atrás, procurando tanto possível, conforme as reacções que observa, ajustar-se às diversas cronaxias mentais dos diferentes alunos.
Pois bem: o cinema não se ajusta a qualquer cronaxia, e por isso p próprio cinema educativo carece de valor pedagógico. Philippe Rotschild considera que tais fitas realizam ensinos esquemáticos superficiais, facultados em desordem a um público que não vem preparado senão para se divertir, e que tudo isto é contrário às possibilidades de assimilação.
Efectivamente a cultura do espírito .exige uma meditação atenta que a velocidade da sucessão cinemática não permite, de forma que tudo se baralha no cérebro sem deixar cultura, que é, na frase admirável de Bouget, «aquilo que fica no conhecimento quando nos esquecemos do que aprendemos». E a desconexão entre as cronaxias mentais e a velocidade do cinema é tão constante que Paul Valéry reconhece que só com um público devidamente preparado, e por isso restrito, seria possível realizar cultura.
O Dr. Cruz Neves expõe com magnífica clareza este problema. Transcrevemos:

«Suprimindo o esforço e acelerando demasiadamente o ritmo das imagens e das ideias, por sobre a retina e a consciência, as faculdades intelectuais do entendimento e do raciocínio não poderão nunca desenvolver-se e aperfeiçoar-se como seria mister. O homem pode, é certo, acelerar o ritmo exterior e mecânico da vida; o que não poderá nunca é modificar o ritmo fisiológico e psíquico do próprio cérebro, é libertar-se da lei do tempo, da sujeição, aquela cadência interior e cronáxica que comanda toda a sua actividade, desde a marcha ao pensamento, e que está inscrita de forma definitiva e irrevogável em cada célula do seu próprio corpo».
Sr. Presidente: sei que, em meio do coro geral de louvores que me tem sido dado ouvir por motivo da aplicação da lei1, algumas vezes, excepcionalmente, se levantam os protestos. O argumento é o de que é coarctado aos pais o direito de dispor dos filhos: «Pois se eu quero levar o meu filho, o que tem o Estado com isso?».
Ainda há pouco nas Semanas .Sociais, que acabam de findar em Braga, o Prof. Pacheco de Amorim, com o brilho da sua inteligência e da sua magnífica cultura, analisou este problema, pondo em foco a necessidade da intervenção do Estado, dado, a incapacidade de muitos pais. Sempre que tal se impõe, o Estado tem iniludivelmente o direito e o dever de se sobrepor à família, quando esta se manifesta inepta para educar as gerações que dia a dia vão sucedendo, e que hão-de trazer a Portugal a energia da sua força ou a debilidade moral do seu espírito. Ao Estado, que é por sua natureza uma elite, compete, e é sua principal função, girar e orientar superiormente o futuro da Nação através da influência exercida pelos seus organismos e pelo seu legítimo poder de corrigir a sociedade do presente para melhorar a sociedade do futuro. Ora o argumento da autoridade paternal que se manifesta contra este cerceamento do seu poder apenas serve para manifestar com inteira evidência a necessidade da presente legislação.
Em matéria de espectáculos desejo apontar um exemplo: um dos nossos empresários teatrais montou ao mesmo tempo em dois teatros duas peças de carácter inteiramente diferente.
Uma delas, obra de Shakespeare, foi montada com a maior dignidade, reproduzindo os últimos cenários com que a Inglaterra montou a peça nas comemorações shakespearianas. O guarda-roupa, magnífico, dá-nos uma nota do real esplendor da indumentária masculina e feminina da época. Tanto o desempenho como a montagem foram realizados com alto espírito de cultura e dignidade profissional.
O mesmo empresário montou noutro teatro, ao mesmo tempo, uma revista daquelas em que não existe sequer a menor altitude artística: apenas o interesse de servir às sociedades de cultura deficiente para as manifestações do espírito o gosto pêlos ditos dúbios, de sentido mais ou menos obsceno, que não se coíbem senão na linha sinuosa para além da qual se cai na alçada da polícia de costumes.
Pois bem! Há noites em que esta revista, funcionando, aliás, em casa de menor lotação, tem um rendimento de bilheteira quatro vezes superior. A esse espectáculo assistem famílias inteiras com meninos e meninas.
O que se aponta no teatro é agravado pela maior frequência do animatógrafo, cujos espectáculos são naturalmente de preços inferiores. E no cinema é constante a frequência de crianças até de colo.
Exemplos como estes é que levam os altos poderes do Estado à elaboração de diplomas legislativos tendentes a corrigir as deficiências educativas de alguns pais, como o fez o decreto-lei a que nos referimos, e pelo qual endereçamos os nossos agradecimentos a SS. Exas. o Presidente do Conselho e o Ministro da Presidência, a quem o assunto tem merecido tão particular e valioso interesse.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre a organização geral, recrutamento e serviço militar das forças ultramarinas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ribeiro Cazaes.

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O Sr. Ribeiro Cazaes: - Sr. Presidente: antes das considerações sobre o diploma que agora se discute, e que um imperativo de consciência me obriga a expor a esta Assembleia, desejo apresentar aos Srs. Deputados membros das Comissões de Defesa Nacional e do Ultramar os protestos do meu maior respeito, com as mais humildes desculpas por não poder afirmar-lhes uma completa concordância com os seus pontos de vista, pedindo que me relevem a limitada colaboração que lhes prestei, por falta de saúde e, também, por insuficiência de méritos.
Não apoiados.
Cumprindo este dever, que peço para não considerarem somente de simples cortesia, mas também de sincera estima e que a boa camaradagem e sã lealdade impõem, permita V. Ex.ª, Sr. Presidente, que entre no assunto que me fez subir a esta tribuna.
Foi com profunda emoção que recebi a notícia de que o Governo estava elaborando um diploma respeitante à organização, recrutamento e serviço militar das forças ultramarinas.
Era mais uma realização dos sonhos da geração de 26; era mais um passo em frente no caminho do ressurgimento; era, enfim, mais um valioso trabalho que nos conduziria «mais alto e mais além».
E quedei-me a meditar, então, nas ansiedades da gente moça do meu tempo, tão desejosa de conhecer o Império que os nossos maiores criaram, de colher, nas terras sagradas pelo sangue de tantos santos e heróis, espalhadas pelo Mundo além, novas emergias para a árdua caminhada que o seu firme sentido de servir lhes impunha.
Até que enfim, dizia eu comigo próprio, pode acabar esta apagada e vil tristeza de haver oficiais das forças armadas de Portugal vegetando e morrendo em Lisboa e arredores, só chegando a conhecer, quando muito, o pedaço do Império que vai do Minho ao Algarve; até que enfim, acrescentava de mim para mim, respirando fundo, se prolongam as grandes reformas militares de 37 no sentido que os soldados do 28 de Maio tanto ambicionavam.
Quando, porém, verifiquei que o diploma em questão era, como lhe chama a Câmara Corporativa, um projecto de proposta de lei, brotado dos Ministérios do Exército e do Ultramar, fiquei profundamente chocado. Como era possível situar os vários aspectos da organização militar em todas as terras de além-mar dentro do âmbito restrito daqueles dois Ministérios?
Havendo hoje os Ministérios do Exército e da Marinha e o Subsecretariado da Aeronáutica, como se explicava que só um desses departamentos militares interviesse em tão alto e melindroso problema?
Porque se alheava de assunto tão importante o Ministério da Defesa Nacional?
Não devia sair daí o diploma em questão?
Não compreendia e ainda hoje não compreendo por que se situara no Ministério do Exército o diploma em questão.
Poderá argumentar-se que se trata agora de assuntos que dizem respeito exclusivamente às forças terrestres e simplesmente destinadas ao tempo de paz.
Mas o projecto da proposta de lei em discussão não se limita a isso, e seria até difícil, se não impossível, situar-se em tão restrito ambiente.
Muito poderia dizer do que me foi dado concluir da análise detalhada e cuidada do diploma, mas não antevejo finalidade prática que daí resulte; e em política já sei que o que não resulta não conta, perdendo-se os melhores e os mais bem intencionados esforços no turbilhão dos verbalismos inúteis.
Assim, só desejo expor duas ou três das questões que mais me impressionaram, e sobretudo por estar convencido de que elas devem causar estranheza a muita gente.
Registo-as como simples apontamento e na esperança de que. nelas meditem os chefes responsáveis.
1.ª Haveria necessidade de ir mais além daquilo que se encontra prescrito nas reformas militares de 37 pelo que respeita a recrutamento e formação de quadros? E como pode o Ministério do Exército estar a dispor, sobre assunto de tal melindre, com uma amplitude que abrange departamentos que não lhe pertencem?
2.ª Porque é atribuído o comando militar das províncias ultramarinas somente a oficiais do Ministério do Exército? Nos outros departamentos militares também há oficiais e não se compreende que fiquem inibidos de desempenhar aquela missão.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ainda não há muito tempo esteve a comandar uma região militar um ilustre oficial da Aeronáutica, e S. Ex.ª o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas é oficial da Marinha.
Não pode argumentar-se dizendo que os comandantes militares referidos no diploma só comandam forças terrestres e servem, nessas condições, somente em tempo de paz.
O mesmo documento, ao tratar da importante questão das relações entre eles e os governadores das províncias respectivas, mostra claramente que assim não é.
Sr. Presidente: ao olhar estas duas questões do diploma em discussão poderá pensar-se que se trata de um passo dado pelo Exército em concordância com os outros sectores das forças militares.
Não desejo, a tal respeito, tecer quaisquer considerações. Elas teriam, fatalmente, de ser orientadas no sentido de mostrar que, em minha opinião, o projecto de proposta de lei que se discute deveria ser subscrito por SS. Exmo. os Ministros da Defesa Nacional e do Ultramar. E eu não tenho dúvidas de que não conseguiria convencer a Câmara a encarar o problema sob este aspecto.
Depois, penso também que talvez esteja a ver mal a questão.
Nestas condições, o que acabo de dizer basto, como apontamento, para ser ou não considerado por quem pode julgar e decidir.
E a ilimitada confiança que deposito nos chefes responsáveis faz surgir no meu espírito neste instante em pensamento de Foch que muitas vezes responde às minhas ansiedades:
Um plano, por melhor que seja, nada vale por si mesmo, ao contrário do que crê o estado-maior germânico; unicamente a execução, a aplicação nos detalhes, nos infinitamente pequenos, lhe confere a sua eficácia, a sua virtude.
3.º Há ainda uma outra questão levantada pela Câmara Corporativa a propósito do diploma em causa e que julgo da maior importância, podendo até conduzir a graves situações, que muito convém considerar.
Trata-se das alterações propostas pela Câmara Corporativa ao mapa anexo do projecto de proposta de lei que se discute, respeitante aos efectivos militares de cada província ultramarina.
A mais importante dessas alterações é a substituição das unidades de caçadores por fracções similares de outro tipo de infantaria.
A tal respeito diz a Câmara Corporativa:
Não só parece que a organização de caçadores tende a desaparecer, mas, ainda quando assim não fosse, a actual organização da companhia de infantaria com um pelotão de acompanhamento e a

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do batalhão com uma companhia de acompanhamento veio aproximar a organização da infantaria de linha da dos caçadores.

O ilustre relator do parecer da Câmara Corporativa ao afirmar que a organização de caçadores parece tender a desaparecer repete o que sempre se tem ouvido por aí desde que as unidades desse tipo existem. Distintíssimo oficial do Exército e heróico soldado da Revolução Nacional, servindo-a sempre no sentido mais alto e mais puro, sabe S. Ex.ª muito bem qual o fogo que tem alimentado os desejos da extinção de tais organizações.
Ë verdade que, há uns anos a esta parte, se ouve dizer, com certa frequência, que tendem a desaparecer em toda a parte as unidades de caçadores, acrescentando-se logo que a América, marchando na vanguarda da preparação militar, as não possui.
A loucura pelas coisas estrangeiras tem dado origem a cenas bem caricatas em todos os sectores da vida da Nação e vai às vezes tão longe, perturba tanto certos espíritos, que chega a haver quem roube trabalhos noutros países para os apresentar aqui, na nossa terra, como seus.
A cegueira pelo «bonito» lá de fora não deixa ver a verdade aos que sofrem de tal doença, e, embora nem sempre haja reservada intenção no que afirmam, não resta dúvida de que a sua ignorância se casa admiravelmente com a sua paixão pelo que no estrangeiro vêem ou julgam ver.
Ora a verdade é que todos os países que possuem unidade» de caçadores continuam a mante-las e a América, com que alguns enchem a boca a tal respeito, criou, com a organização dos combat team, um tipo similar, embora no plano da divisão.
Quer dizer: as unidades de caçadores não tendem a desaparecer e, antes pelo contrário, verifica-se uma acentuada tendência para criar organizações dessa natureza.
Se aqui estivesse o ilustre relator do carecer da Câmara Corporativa pedir-lhe-ia que permitisse que chamasse a sua atenção para factos passados entre nós, que eu não posso revelar, mas demonstrando claramente que tenho razão.
A distância entre as unidades de caçadores e infantaria de linha (servindo-me da expressão do ilustre relator do parecer da Câmara Corporativa) fica bem definida no ligeiro resumo de alguns dos meios de que dispõem e que peço licença, Sr. Presidente, para passar a ler:

Diferenças entre um batalhão de caçadores e um batalhão de infantaria (B.I.)

[Ver Quadro na Imagem].
(a) Mais de 1 000.

Diferenças entre uma companhia de caçadores e uma companhia de atiradores

[Ver Quadro na Imagem].

Quer dizer: pode tirar-se de um batalhão de caçadores um batalhão de infantaria - e ainda, sobra muita coisa -, mas o inverso é que não é possível realizar-se.
Pelo que respeita às companhias, o mesmo se observa.
Julgo terem sido analisadas suficientemente as considerações que levaram a Câmara Corporativa a eliminar as unidades de caçadores e que o assunto fica assim esclarecido, como convém.
Mas não é só pelo que respeita aos caçadores que se verifica a enorme diferença entre o mapa anexo do projecto da proposta de lei em discussão e o proposto pela Câmara Corporativa.
Um único exemplo para demonstrar o que afirmo: é proposta pela Câmara Corporativa a substituição das companhias de caçadores e de metralhadoras atribuídas à província de Macau por duas companhias de atiradores.
A diferença é tão grande que, só pelo que respeita à dotação de metralhadoras pesadas, se verifica disporem as duas companhias propostas pela Câmara Corporativa simplesmente de quatro e as outras fracções constantes do projecto de proposta de lei de vinte.
Poderá dizer-se que a última parte da base VII resolve a questão, quando diz:
As forças militares terrestres das diferentes províncias ultramarinas normalmente estabelecidas desde o tempo de paz constam do mapa anexo e terão a -constituição e composição a fixar na lei de quadros e efectivos das forças ultramarinas.
E poderá acrescentar-se: como caçadores e metralhadoras são infantaria, damos às fracções esta designação e ... depois se verá, depois se organizará.
Parece que foi baseadas nestas considerações que as Comissões de Defesa Nacional e do Ultramar votaram, por maioria, a eliminação dos caçadores e metralhadoras, substituindo essas designações por infantaria. A designação «companhia de infantaria» não identifica a fracção correspondente dessa arma. Há muitos tipos de companhia de infantaria e cada um deles tem o seu nome próprio.
Por outro lado, as dotações em armas não entram na elasticidade que se possa emprestar à base VII e tão-pouco o número de especialidades necessárias para o seu manuseamento.
Pondere-se que, se as armas e especialistas não estão nas províncias onde venham a ser necessários, levam tempo a chegar, se chegarem. E não podem improvisar-se.
Mas admitamos que ali se encontrem todos esses elementos. Então eu pergunto: porque não se organizam

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desde já as fracções consideradas indispensáveis e tal como devem actuar?
Poderão responder-me que se procederá à organização completa oportunamente. Então trata-se de um agrupamento que se verificará quando for conveniente e consoante as circunstâncias.
A isso responderei que se despreza um factor importante da eficiência das tropas: o espírito de corpo. E isto não o julgo aconselhável, pois é unia garantia de unidade que se perde no sentido alto que esta palavra define.
Poderão responder-me também que as fracções julgadas necessárias serão desde já organizadas, mas sem a subordinação ao efectivo e armas a que força a designação de caçadores.
Ao fim e ao cabo vamos então cair em organização similar dos caçadores.
Mas saberá ioda a gente o que é isto de tropa de caçadores?
Permita V. Ex.ª, Sr. Presidente, um ligeiro esclarecimento sobre o assunto.
Como é sabido, podemos considerar fundamentalmente três tipos de organização militar:

1.º O que só mantém pessoal nas fileiras durante a instrução chamada de recrutas;
2.º O que mantém nas fileiras permanentemente efectivos que permitam fazer face a qualquer emergência;
3.º O que dispõe sempre de alguns meios que permitam mobilizar, com alguma segurança, mais volumosos efectivos.
Este 3.º tipo, a que podemos chamar misto, por ser uni pouco como o 1.º e o 2.º, é o adoptado por nós.
País de limitados recursos, não poderíamos adoptar o 2.º tipo de organização, e, quanto ao 1.º, parece não ser de aconselhar segui-lo.
Nestas condições, dispõem-se, de modo conveniente, núcleos fortes, com certa independência, capazes de poder, só por si, realizar pequenas acções e aos quais se confia especialmente a cobertura.
Para ó regimento não poderíamos inclinar-nos para tal fim. Era demasiado. Para o batalhão também não seria conveniente. Era pouco. E criou-se, assim, um tipo de unidade, a que se chamou caçadores, que dispõe de um batalhão e quase da chamada cabeça do regimento.
A tais unidades deu-se o nome de «batalhão de caçadores».
Estas fracções foram criadas em 1808, se em 1810 Beresford publicou o plano da sua organização.
Corpos de elite da infantaria portuguesa cobriram-se de glória em muitos campos de batalha.
Têm por missão fundamental, como já disse, a cobertura, e, como reserva nas mãos do comando superior, empregam-se nos contra-ataques e em especiais missões de sacrifício.
As companhias que os constituem dispõem, por sua vez, de meios que lhes permitem também unia relativa independência. Julgo que esta explicação, tão resumida, chegará, todavia, para mostrar porque acho a distribuição de efectivos pelas províncias ultramarinas, conforme consta do projecto de lei que se discute, mais concordante com os interesses da defesa nacional do que as alterações propostas.
Se é o nome que desagrada, mude-se, mas julgo absolutamente necessárias organizações deste tipo, principalmente nas nossas províncias ultramarinas anais pequenas.
Nesta conformidade, voto o que a tal respeito se encontra fixado no projecto da proposta de lei.
Só mais duas palavras ainda sobre os batalhões de caçadores.
Com o advento da República, em 1910, foram extintas, como muitas outras coisas boas, as unidades de caçadores, e, para a execução dessa medida, logo delas se apossaram os elementos de maior confiança do regime nascente.
Do heróico caçadores d'el-rei o batalhão de caçadores n.º 5 - tomou conta quem devia ser mais tarde o chefe do 19 de Outubro.
Mal alcançada a vitória da Revolução Nacional, foram logo reorganizados os batalhões de caçadores, como unidades de maior potencial militar do País, para a alta missão que lhes é confiada.
Por intuição, mais do que em resultado de conhecimentos militares, todos os que desejavam o ressurgimento nacional se esforçaram quanto puderam para que tal reorganização se efectuasse sem perda de tempo.
Houve desde logo o maior cuidado na escolha dos comandos para essas unidades.
Todos sabemos o que se deve aos batalhões de caçadores neste quarto de século de ascensão nacional.

Vozes: - Miuto bem, muito bem!

O Orador: - Quando se ouve falar na sua extinção, só blagueando se pode encarar o assunto, e assim poderá perguntar-se se já se vislumbra uma mudança de regime.
Ou tratar-se-á, afinal, simplesmente do problema dos comandos?
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sousa Rosal: - Sr. Presidente: «A organização militar una para todo o território» e «a solidariedade entre as províncias ultramarinas e a metrópole ... para assegurar a integridade e a defesa de toda a Nação» suo princípios constitucionais que assumem neste projecto de proposta de lei estrutura prática.
Nele se articulam as bases que hão-de regular a organização, o recrutamento e o serviço militar nas províncias ultramarinas. A sua redacção foi inspirada nas Leis n.ºs 1 960 e 1 961, de 1937, chamadas, respectivamente, lei de organização do Exército e lei do recrutamento e serviço militar, e no conhecimento das circunstâncias peculiares do nosso mundo ultramarino.
Este projecto de proposta de lei tem como objectivos principais:
Dar homogeneidade e coesão ao Exército de terra, generalizando os princípios que regem a instrução e a formação dos quadros e uniformidade na distribuição do material para que a sua preparação para a guerra seja o, mais eficiente.
Reforçar o nosso potencial militar, estendendo as possibilidades de recrutamento a toda a população ultramarina, ou seja a mais 11 milhões de Portugueses.
Evitar ou reduzir ao mínimo o envio de expedições de forças metropolitanas para as províncias ultramarinas, no desempenho de missões de soberania ou para reprimir pequenos actos de rebelião ou de guerra. Expedições que, além de dispendiosas, não dão o mesmo rendimento das forças que podem actuar no seu meio mesológico.
Tornar mais flexível e pronto o emprego dos meios militares em caso de conflito localizado ou generalizado.
A sua apreciação não levanta questões de fundo que tenham de ser incluídas nas suas bases.

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Convida, contudo, a fazer algumas considerações de pormenor e acerca do papel que este projecto de proposta de lei pode desempenhar como instrumento de colonização.
Sob o ponto de vista militar, lia que prever e estabelecer, com fundamento nas suas bases, directivas de' diversa ordem, para dar unidade onde existe natural diversidade.
A instrução, muito embora se possa basear nos regulamentos em uso no Exército metropolitano, tem, contudo, de ser ministrada obedecendo a normas pedagógicas adequadas ao grau de conhecimentos, de civilização e índole dos instruendos.
A administração tem de respeitar, sem dúvida, as regras rígidas da contabilidade, mas tem de ser regulamentada e humanizada, não fazendo letra morta das necessidades e dos hábitos dos homens a quem tem de servir.
Vencimentos, alimentação, fardamento e aquartelamentos são problemas que não podem ter como padrão o que existe na metrópole, onde a» circunstâncias são diferentes e onde tudo isto se encontra desactualizado, excepto no que se refere a alguns aquartelamentos.
A economia das províncias ultramarinas também é factor importante a considerar na prática administrativa. Deve ser estudada cuidadosamente, não só com a preocupação de servir as necessidades de tempo de paz, mas também as da guerra na sua aplicação regional e no contributo que pode prestar à economia no plano nacional da defesa.
A disciplina tem de se inspirar em princípios morais e coercivos diferentes para poder ser entendida e respeitada.
As operações de recrutamento devem girar em volta de regras justas, para -incutir no ânimo dos recrutados que se trata do cumprimento de um honroso dever, e não duma violência da autoridade.
A missão dos quadros terá de ser mais absorvente e delicada que aquela que lhes cabe dentro do Exército metropolitano, para instruir e educar homens de diferentes raças, religiões e línguas e torná-los bons soldados e melhores, cidadãos.
Grande, nobre e difícil missão é esta.
Para bem a desempenhar, Sr. Presidente, não se pode contar apenas com o grau de conhecimentos profissionais dos homens que terão de enquadrar as massas.
E indispensável prepará-los para a missão educadora a desenvolver, porventura ti mais difícil e de maior projecção no futuro, e seleccionar aqueles a quem tenham de ser entregues funções superiores de comando ou de direcção, de modo a torná-los aptos para os cargos do chefia e em condições de poderem aplicar a doutrina às realidades do meio e das circunstâncias, explorando as reacções que tomarem o caminho do bem e contrariando as que enveredarem pêlos atalhos do mal, sempre 'com bom senso, espírito de justiça e oportunidade.
Como certo pode contar-se, desde já, com a dedicação e espírito de sacrifício revelados pêlos quadros das forças armadas em todas as circunstâncias em que a Pátria exige deles esforço e sacrifício.
Outro motivo de confiança reside nas qualidades natas e na predisposição especial dos homens da nossa roça para assimiladores de povos. É com sentido compreensivo que encaramos sempre as tradições, costumes e crenças estranhos e actuamos sobre eles com expressão paternal, não excluindo a coerciva quando aconselhável.
Para modificar e melhorar o conceito da vida dos povos que procuramos trazer ao nível da nossa civilização praticamos uma política de cooperação racial na intenção de fortificar a unidade nacional, transmitindo-lhes as nossas qualidades e até os nossos defeitos, para que em tudo sejam portugueses, cruzando mesmo o nosso sangue, no desejo instintivo de os aproximar, tanto quanto possível, da nossa própria cor.
Sr. Presidente, este projecto de proposta de lei obriga a determinadas regulamentações, que o hão-de guiar na sua execução, para que os meios a empregar, embora sejam impulsionados para os fins militares que se propõe atingir, possam criar um clima de feição colonizadora.
As instituições militares ultramarinas, agora em evolução, podem ser um meio capaz para fazer colonização em grande escala, continuando as tradições do nosso exército, que ao seu serviço tem posto sempre o melhor da sua dedicação e patriotismo.
A nossa expansão colonizadora tem sido, sem dúvida, obra da colaboração de todos os portugueses. Nela tomaram parte activa: reis, fidalgos, clérigos, soldados e povo, conduzidos por assinalados pensadores, governantes, heróis e mártires.
Mas - não é demais dizê-lo- na vanguarda da conquista, da ocupação e da acção colonizadora marcharam sempre as instituições militares, seguidas de perto pela Igreja, quando não era lado a lado.
Aos militares e aos missionários se devem os mais arriscados e gloriosos empreendimentos que se contam na história da nossa acção colonizadora no Mundo. Acção que tomou aspecto organizador e finalidade imperial com o infante D. Henrique, povoando a Madeira, com D. Afonso V, os Açores, com D. João II e D. Manuel, as ilhas do Atlântico Central, com D. João III, o Brasil, e com D. Sebastião, Angola e Moçambique. Estendeu-se depois ao Oriente e foi-se sempre consolidando e alargando, mesmo no período da usurpação, durante as crises de depressão nacional.
Veio até aos nossos dias numa afirmação insofismável da nossa vitalícia de criadora e realizadora. Estamos a mostrar, com o construir o presente, que somos um povo que não quer viver apenas embalado na exaltação do seu passado histórico, mas sim na plena consciência das suas responsabilidades de momento e do seu destino futuro.
Estamos a gerar nas nossas províncias ultramarinas, através de grandes obras de fomento, poderosas fontes de riqueza e de trabalho que serão novos certificados da nossa capacidade colonizadora.
Mas a par e passo com o erguer dos edifícios temos de cuidar do homem que o deve habitar, e tanto mais de cuidar quanto mais atrasado e diferente ele for nas suas origens e civilização. Neste alargar das instituições militares no vasto e complexo território ultramarino, sem dúvida verão elas os seus naturais em maior número.
Não é demais assinalar o grau de responsabilidade que os quadros assumem como garantes da sua boa execução em funções que transcendem o âmbito da preparação exclusivamente militar para atingir outros gloriosos objectivos que se encontram nos domínios do universal. A condução de homens atrasados, pouco mais que coisas, aos benefícios da civilização para os transformar em verdadeiros seres humanos, solicita, além das altas qualidades que têm de ter os condutores de homens, a evangélica visão e inspiração dos modeladores de almas.
E da boa formação das almas brota naturalmente o primado do espiritual que humaniza os homens e transforma por coacção moral os seus depressivos instintos egoístas em gestos de bem compreendida solidariedade.

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906 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 160

Mesmo no manejar da riqueza, onde esses instintos têm o seu clima mais propício, nos temos sabido conduzir de modo que a maior parte da riqueza explorada nos territórios ultramarinos por lá tem ficado, para seu próprio enriquecimento e factor do progresso, sem esquecer o que se deve aos seus trabalhadores, naturais ou não, em protecção e assistência.
As grandes obras de fomento em curso e projectadas não se destinam a produzir apenas para a metrópole, mas a servir em alto grau o interesse particular das províncias onde estão ou vão executar-se e o bem da população.
Temos dominado mais pela inteligência e pelo coração, aportuguesando sempre e docemente ao jeito cristão, com razão esclarecida e vontade vigorosa.
Assim temos trazido para o nosso lado a terra conquistada e os seus naturais.
Naturais que nos respeitam como irmãos mais velhos e não nos temem como despóticos senhores e por isso andam à porfia, nesta época de acesas lutas raciais, a mostrar ao Mundo, em exuberantes provas de amizade, a paz fecunda que fabricamos com razoes de solidariedade e espírito de cooperação.
Paz que perante os olhos do Mundo dá a medida perfeita da nossa unidade nacional forte e digna, que se afirmará mais potente com o aplicar judicioso deste projecto de proposta de lei.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi, muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Amanhã haverá sessão, à hora regimental, com a mesma ordem do dia de hoje, com a discussão na generalidade. E possível que amanhã se entre na discussão na especialidade desta proposta de lei.
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 55 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Délio Nobre Santos.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
António de Almeida.
António Finto de Meireles Barriga.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos Mantero Belard.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Miguel Rodrigues Bastos.
Sebastião Garcia Ramires.
Vasco de Campos.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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