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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 161

ANO DE 1952 7 DE NOVEMBRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

V LEGISLATURA

(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)

SESSÃO N.º 161, EM 6 DE NOVEMBRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado, com uma emenda do Sr. Deputado Pinto Barriga, o Diário das Sessões n.º 160.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Galiano Tavares, sobre o recente decreto do ensino primário: Paulo Cancela de Abreu, sobre os Decretos n.º 38964, 38968 e 38969; Salvador Teixeira, acerca da data em que se comemora o dia litúrgico do Beato Nuno de Santa Maria e sobre a erecção da sua estátua.

Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei relativa à organização geral, recrutamento e serviço militar das forças ultramarinas.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Vasco Lopes Alves e Manuel Múrias.
O Sr. Presidente declarou encerrada a, sessão às 17 horas e 10 minutos.

CÂMARA CORPORATIVA. - Avisos relativos ao movimento desta Câmara. Acórdão da Comissão de Verificação de Poderes n.º 24/V.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Finto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Artur Proença Duarte.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Cardoso de Melo Machado.

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Frederico Afaria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano.
Amorim Ferreira.
João Ameal.
João Cerveira Finto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Gosta Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 68 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 159 e 160 do Diário das Sessões.

O Sr. Pinto Barriga: - Pedi a palavra para declarar a V. Ex.ª que, contrariamente ao que vem anunciado no Diário das Sessões n.º 160, estive presente à sessão a que só refere o mesmo Diário.

Pausa.

(O Sr. Presidente, depois de ouvidos os Srs. Secretários, resolveu mandar cancelar a falta).

O Sr. Presidente: - Visto mais nenhum Sr. Deputado desejar fazer qualquer reclamação, considero aprovados os mesmos números do Diário das Sessões, com a rectificação apresentada pelo Sr. Deputado Pinto Barriga.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Galiano Tavares.

O Sr. Galiano Tavares: - Sr. Presidente: noticiou a imprensa que durante o mês de Setembro, no Ministério da Educação Nacional, e sob a presidência do Sr. Subsecretário, se estavam efectuando reuniões da maior importância para o aperfeiçoamento do ensino primário, focando-se em especial o princípio da obrigatoriedade deste importantíssimo ensino, por ser fundamental para a cultura nacional, quer nas cidades quer nos campos.
O decreto-lei agora publicado consubstancia o resultado dos estudos a que me referi.
É um documento minucioso, apreciável e digno de enaltecer.
Menciono:

a) A instruía o primária é obrigatória para todas as crianças dos 7 aos 13 anos até aprovação no exame do ensino elementar;
ò) São criados cursos de ensino primário elementar destinados a adolescentes e adultos analfabetos;
c) As entidades patronais do comércio o da indústria não poderão, a partir do 1 de Janeiro do 1(.)Õ5, admitir ao serviço menores do 18 anos que não tenham sido aprovados no exame do ensino primário elementar;
d) Sem a habilitação da 3.ª classe não poderá sor passada autorização de emigração;
e) A partir do 1904 os mancebos incorporados nas forças armadas não poderão passar à disponibilidade som o exame do ensino primário elementar;
f) Os concessionários do Estado e dos serviços administrativos e as entidades patronais, singulares ou colectivas, do comércio ou da indústria que tenham nos quadros permanentes mais de vinte assalariados com monos do 35 anos de idade e em a habilitação da 3.ª classe do ensino primário poderão ser obrigados: fornecer instalações para o funcionamento de cursos destinados àquele pessoal;
g) A preparação até aprovação no exame da 3.ª classe de cada analfabeto dos 14 aos 35 anos será gratificada;
h) Os menores sujeitos à obrigação do frequência escolar que forem encontrados, dentro das horas lectivas, em qualquer lugar público, sem motivo legítimo, serão conduzidos à sua escola matriculados, se o não estiverem, e os encarregados da educação incorrem, neste caso, em multa;
i) Em Janeiro próximo será iniciada uma campanha contra o analfabetismo.

A obrigatoriedade do ensino primário data de 1772, tendo-se chegado a propor sanções para os desobedientes, as quais nunca foram, é claro, aplicadas.
Interessante ò anotar o rigor com que em certos países se cumpre essa obrigatoriedade.
Um episódio do meu conhecimento, entre muitos: há bem pouco tampo saiu de. Portugal para Inglaterra uma. família que aqui iniciara a educação de seus filhos.
Oito dias depois de se instalar, ainda a casa não adquirira aquele, conforto peculiar ao lume britânico e já à porta batia, pressuroso, um delegado escolar, para indagar meticulosamente por que não frequentavam a escola, do bairro as crianças que ali residiam.
Com efeito, logo que nasce, a criança adquire a expectativa de certos direitos- e a família tem, desde logo também certos deveres para com ela, que se resumem em educar, transmitindo, aumentada e melhorada, uma determinada herança. Na, verdade, à escola moderna é indispensável a colaboração da família, porque esta é, sem contestação, o primeiro e fundamental

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centro educativo, e não há internato que n substitua, embora, a partir de certa idade, a escola possa ser a continuação do lar, sem diferenças de natureza, mas apenas de intensidade.
E não esqueçamos que os atributos morais são tão necessários como as qualidades físicas e intelectuais.
A constituição, economicamente precária, de muitas famílias dificulta, inegavelmente, a obra educativa da escola, a par de desleixos, que são de punir com rigor.
Ensinar não é senão escolher o. se o mestre tem por si, a priori, o prestígio da função, a verdade é que, para o ser, se lhe exigem certas qualidades, pois que ensinar sem convicção, sem clareza e som verdadeiro interesse é apenas um arremedo do ensino.
A educação intelectual na escola primária é fácil do caracterizar: dar um namoro limitado do conhecimentos, mas de tal modo escolhidos e precisos que modelem e formem o espírito.
Não tem a escola primária como objectivo ensinar muito, mas ensinar bom, transmitindo conhecimentos apropriados, que constituam o firmo alicerço dos bons hábitos conducentes ao exercício da vida plena - a saúdo e a alegria, a força o a virtude.
Mas as ideias não caem nos espíritos como a somente na terra.
A inteligência não trabalha senão por uni acto de vontade e, por mais simples que sejam as palavras do mestre, quem educa deve sempre perguntar a si mesmo se são bastante simples para que possam ser compreendidas.
Um dos maiores obstáculos para a eficiência do ensino é o número excessivo de alunos por turma.
Nos países de escolaridade obrigatória há em regra
sem considerar o ensino especializado dos «atrasados» - para cada grupo de mil alunos trinta e quatro professores, ou ainda, e consoante a capacidade do edifício, «lê vinte a cinquenta o cinco alunos um professor com um auxiliar diplomado, ou de cinquenta e cinco a noventa um professor o dois assistentes, sondo o ensino da iniciação confiado geralmente a mestras com idade não inferior a 18 anos o «de boas maneiras» (em que o mundo moderno está sendo escasso e que já Montaigne considerava o ornamento da acção).
Tem razão o Ministro da Educação Nacional: o 011-sino primário obrigatório impõe-se, mas a iniciativa colide com o trabalho prestado pela própria criança, actividade indispensável a muitas famílias ou ainda à. colaboração, no lar, dos mais velhos em substituição dos pais, ausentes no trabalho.
As cantinas prestam, indubitàvelmente, um precioso auxilio, mas não bastam, embora, com efeito, «todos os recursos materiais que venham a mobilizar-se sejam insuficientes só a Nação não manifestar espírito largamente compreensivo e não fornecer decidido apoio moral».
Nos meios rurais, em que ó necessário calcorrear longos caminhos para atingir a oscula ou o posto, é impraticável, por outro lado, a escolaridade obrigatória sem amparo directo à família, para que indirectamente se protejam os filhos.
E que admirável obreiro deste ensino não ó o mostro da escola rural, defrontando as maiores dificuldades, vivendo com pouco ou nenhum conforto e já não mo refiro à cruel situação dos regentes -, sem auxílio, sem estímulos que não sejam a consciência do mérito da profissão.
«Que les enfants se plaisent à l'écolo - escrevia Poitrinal, inspector primário - et que leurs progrès y sont rapides, ils ne songent point à estimer quel mérito il faut au maître, quels scrupules profossionnels, quel travail, quelle ingéniosité et quelle patience pour atteindre à ces résultats; la plupart en font honneur à l'intelligence de leurs enfants et à leur docilité».
Também no campo há crianças que carecem absolutamente de amparo.
É um erro supor-se que a criança do campo, só por estar no campo, é invariavelmente saudável, e erro ó ainda ter como corto que o seu retraimento em confronto com a da cidade é prova de debilidade de espirito.
Tenha-se em conta o sou poder do observação, a livre riqueza das suas iniciativas, a intuição da própria vida na pluralidade dos seus problemas, o digam-nos se a criança da aldeia não é merecedora do todo o bem que se lhe faça.
O problema do ensino primário consisto, portanto, a par da gratuitidade na obrigatoriedade, na obrigatoriedade possível. Resolvido, pedagógica o socialmente, o problema do auxilio à criança através da cantina, caixa escolar e Casa do Povo com a indispensável e permanente colaboração do médico, do pároco o do professor, os resultados serão notórios, num futuro próximo.
Há, com efeito, alguma coisa que, como a Ciência, ó de todos os povos e do todos os homens: o amor aos filhos.
Tenho a maior satisfação em aplaudir, aqui, nesta tribuna a iniciativa, dos Srs. Ministro o Subsecretário de Estado da Educação Nacional, que irá marcar, de facto, uma nova época na vida da Nação.
O êxito é sem pró o resultado do esforço e do interesse, e nunca, principalmente no domínio da cultura, adiar foi resolver.
Disse.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: ora meu propósito desde o primeiro instante ocupar-me dos Decretos n.ºs 38 964, 38 969 e 38 969, de 27 de Outubro último, três diplomas na verdade notáveis e do transcendente finalidade; mas fizeram-no já outros ilustres Deputados, com a competência, e o brilho que eu não saberia empregar.
A Sr.ª D. Maria Guardiola e os Drs. Melo e Castro, Manuel Vaz, Cortês Pinto e Galiano Tavares, apreciando e. louvando os decretos relativos ao ensino primário, o Mons. Santos Carreto e o Pr. Cortês Pinto, apreciando o louvando o decreto que regula a assistência, do menores a espectáculos públicos, foram já os intérpretes lieis dos sentimentos, decerto unânimes, da. Assembleia, Nacional e do País; o fizeram-no não só brilhantemente, mas ainda com expressões do invulgar júbilo e do sincera, o justa homenagem ao Governo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nestas circunstâncias, resta-me apenas associar-me também jubilosamente às palavras dos nossos ilustres colegas e poucas mais acrescentar.
Trata-se, irrecusavelmente, do três diplomas importantíssimos, primeiramente por terem como objectivo fundamental a formação moral e cultural da mocidade, o ainda, sob certos aspectos, a dos adultos, e em segundo lugar porque vêm actualizar, corrigir, completar e regulamentar leis e decretos que, na generalidade, eram inexequíveis ou estavam votados ao abandono, nuns casos por erros e deficiências da sua contextura, noutros pela tradicional incúria dos homens.
Fui dos que, secundando o Dr. Querubim Guimarães na anterior legislatura e Mons. Santos Carreto e outros Srs. Deputados na actual, reclamaram repetidamente a

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regulamentação da Lei n.º 1 974, de 16 de Fevereiro de 1939, sobre assistência de menores aos espectáculos públicos, incompreensivelmente retardada, com manifesta infracção dos preceitos constitucionais. De maneira que, alvoroçadamente, VI, finalmente, publicado aquele decreto regulamentar, onde. numa primeira análise, se me afigurou encontrar-se a solução mais conveniente do sério e melindroso problema.
Pode haver quem, num ou noutro aspecto, encontre exagerado rigorismo, que, exactamente por existir, possa levar a infracções ou tolerância que comprometam a relevância do diploma; mas as pessoas compreensivas facilmente reconhecem que se algum exagero existo, será fácil atenuá-lo onde e quando a experiência o aconselhar.
Ponto é que a fiscalização possa ser rigorosa e eficaz. É esta a única reserva que ponho depois de uma primeira análise.
Não há dúvida: está de parabéns o Governo o estão de parabéns todos os que há muito tempo pugnavam pela publicação deste decreto. E não devemos esquecer a Dra. Domitila de Carvalho, espírito gentilíssimo, que. com o Dr. José Cabral, foi autora do projecto da Lei n.º 1 974, agora regulamentada.
São devidas estas palavras de justiça e não podia calá-las quem, como eu, repetidamente estranhou a demora naquela regulamentação.
Os decretos relativos ao ensino primário estão precedidos de um extenso relatório, peça notável que exaustivamente só ocupa, do magno problema em todas as suas modalidades. É um documento interessantíssimo, pleno de impressionante clareza e verdade, produto de largas lucubrações e revelador de uma análise séria, profunda o fundamentada, que muito honra os Srs. Ministro da Educação Nacional, Prof. Dr. Pires de Lima, e o Subsecretário do Estado, Dr. Veiga do Macedo, colaborador preciosíssimo, que durante muito tempo não se poupou a esforços e canseiras, em larga, peregrinação pêlos distritos escolares do País a ver e ouvir tudo o que podia interessar a esta obra, levada a bom termo de modo a satisfazer as melhores expectativas.
Não é o momento de entrar na apreciação de vasta matéria dos diplomas em referência, que merecem uma nova leitura cuidada e a análise crítica de outros mais competentes, só num ou noutro ponto porventura merecer reparos. A hora. é de regozijo e o meu propósito foi associar-me sinceramente a ele.
Quero ainda referir-mo à Portaria n.º 14 134. de 20 de Outubro último, publicada pelo Sr. Ministro das Finanças, para execução imediata da base II da Lei n.ºs 2 057, do 11 de Junho do 1952, sobre a utilização das viaturas oficiais, na parte que determina u colocação de dísticos com a designação de «Estado» ou «Organização corporativa», conforme os casos.
Deu-se assim, desde já, o primeiro passo para o cumprimento da lei aqui votada em 17 de Abril do ano passado. E estando já a proceder-se ã inventariação das referidas viaturas, por intermédio de uma comissão para este fim nomeada pelo Sr. Ministro das Finanças, não devemos duvidar de que não tardará a sor dada integral execução àquele diploma, em ordem a definitivamente se pôr termo aos abusos que aqui foram postos em evidência e, aliás, eram do domínio público, mas que o Governo, na proposta trazida à Assembleia Nacional, declarou não estar habilitado a reprimir eficazmente.
Ao que me consta, os infractores, certamente persuadidos agora de que a tolerância termina e lhes serão aplicadas as devidas sanções, estão procedendo mais cautelosamente, sendo por isso notória uma certa diminuição nos abusos mais escandalosos.
Antes assim; mas isto não basta e outros aspectos há a considerar, nomeadamente o do número de automóveis possuídos e as desposas feitas por determinados serviços e organismos, número este exagerado, como mostra a nota que tenho já em meu poder, solicitamente fornecida, a meu requerimento, pêlos Srs. Ministros da Economia, das Corporações e das Comunicações, e um minucioso e desenvolvido mapa criteriosamente elaborado pela Direcção-Geral dos Transportes Terrestres.
Reservo-me para noutra oportunidade fazer os comentários que estas informações sugerirem. Agora o meu objectivo é apenas aplaudir a portaria, que bem mostra que o Sr. Dr. Águedo de Oliveira, em contrário do que é frequente, foi solícito em, num começo de actuação, regulamentar o executar parte importante de uma lei aqui votada.
E agora, Sr. Presidente, não quero terminar sem me associar, com o maior aplauso, às palavras ontem proferidas pelo ilustre Deputado engenheiro André Navarro a propósito da construção «lê uma pista náutica em Aveiro.
Como natural do distrito o Deputado por ali sinto e perfilho os justos anseios da sua gente e, no caso presente, acresce que se trata de uma aspiração que transpõe os limites do interesse local ou regional, pois é de interesse, nacional incontestável, como foi dito e demonstrado por aquele Sr. Deputado na imponente manifestação realizada há dias naquela linda cidade.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Salvador Teixeira: - Sr. Presidente: parece-me não dever deixar de proferir aqui algumas palavras hoje. dia em- que a Igreja católica, que conta no seu seio a quase totalidade da nação portuguesa, comemora o dia litúrgico do Beato Nuno de Santa Maria.
Na sequência das intervenções que tenho tido nesta Assembleia em favor da erecção da estátua a Xun'Álvares Pereira, um dos maiores portugueses de todos os tempos -para mini até o maior, porque sem ele não seriam possíveis a epopeia dos Descobrimentos o os períodos de engrandecimento, dos quais estamos vivendo um-, não quero deixar de aproveitar esta data em que todos os católicos, e muito especialmente os portugueses, têm o dever de mais elevar ao Céu as suas preces para a rápida canonização do Santo Condestável.
Faço-o para renovar fervorosamente o voto de que muito em breve se efective a, já anunciada pela Emissora Nacional há cerca de três anos, «próxima inauguração» da estátua daquele herói o santo no alto do Parque de Eduardo VII, onde - e muito bem - já foi criado o ambiente urbanístico apropriado.
Não apoiados.

O Sr. Ribeiro Cazaes: - Nun'Alvares não pode ser cerra-fila de ninguém e muito monos do marquês de Pombal.

O Orador: - E não ficaria satisfeito se terminasse estas minhas ligeiríssimas considerações sem louvar e felicitar o centro escolar n.º 1 da Mocidade Portuguesa da ala do Liceu Nun'Álvares, em Castelo Branco, por ter tomado a nunca assaz exaltada iniciativa da construção de uma estátua ao seu patrono, a qual foi inaugurada, no átrio daquele estabelecimento de ensino, em 3 de Maio do ano corrente, com a assistência das mais categorizadas autoridades locais e dirigentes e filiados do centro do Liceu.
O prelado da diocese, Sr. D. António Ferreira Gomes, ao tempo bispo de Portalegre e actualmente do

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Porto, dignou-se dar a bênção da Igreja à estátua do patrono nacional da Mocidade Portuguesa, da Legião Portuguesa e da infantaria do nosso glorioso Exército.
As minhas felicitações torno-as extensivas ao distinto escultor Sr. Raul Xavier, que foi autor do monumento.
Disse.

Vozes: - Não apoiado!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa a organização geral, recrutamento e servido militar das forças ultramarinas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vasco Lopes Alves.

O Sr. Vasco Lopes Alves: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: permita V. Ex.ª Sr. Presidente, que mo congratule, muito desvanecidamente, por me ser dado o ensejo, em mais uma sessão legislativa, de oferecer à Assembleia Nacional os meus modestos recursos de trabalho, servindo sob a sua elevada orientação e em colaboração com os meus distintos colegas nesta Câmara.
Não desejo perder esta oportunidade para frisar de novo quanto mo tem sido grata a minha, missão de Deputado, pelo facto de ela se exercer no ambiente de levantado nível que sempre aqui domina o tratamento de todas as questões, afirmando que essa circunstância se deve à superior inteligência, à. craveira moral, à dedicação e ao são patriotismo que informam juntamente o espírito coordenador de V. Ex.ª e a prestimosa acção de todos os que servem nesta. Casa.
Dirijo por isso a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e a todos VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, os meus cumprimentos do mais alto apreço o de muito sincera admiração.
Depois destas palavras, ditas no cumprimento de um gostoso dever, quero justificar-me sobro ter resolvido falar nesta sessão. Não tendo de evidenciar pontos de discordância em qualquer questão fundamental, e apenas de esclarecer opiniões pessoais em casos de pormenor, afigurou-se, à primeira vista, não haver lugar para a minha intervenção.
Rendo-me, todavia, ao critério, defendido por um ilustre componente desta Câmara, o nosso querido amigo e distinto colega Sr. Dr. Mário de Figueiredo, com a autoridade que lhe dá a sua posição de leader da Assembleia, de que nem só para discordar ou inovar interessa subir a esta tribuna, mas também para apoiar, sobretudo em assunto de tanta projecção como o que está em causa, no qual, para interesso da Nação, convém que o Governo se sinta acompanhado.
Considero da mais alta importância o assunto que está em discussão, por note se tratar da segurança de territórios nossos e, particularmente, por esses territórios serem aqueles que temos no ultramar.
Constato, com extrema satisfação, o interesse crescente do Governo por todas as questões que se referem às nossas províncias «lê além-mar. Está ele bem patente pelo volume e pela natureza dos trabalhos que presentemente estão distribuídos às duas Câmaras desta Assembleia, os quais incluem, além do diploma que nos ocupa hoje, a reforma bancária do ultramar, o Plano de Fomento, em larga escala aplicável aos territórios ultramarinos, e a reorganização administrativa, pela qual hão-de reger-se as terras do Império.
O ultramar tem para Portugal uma inexcedível importância histórica, política, administrativa e económica.
Não deixa, portanto, de ser oportuno destacar como, em relação a ele, só vem corrigindo exuberantemente a acção descuidosa a que em tempos idos. a instabilidade interna do País por vezes conduziu.
Julgo poder medir-se o alcance do diploma, do que estamos tratando no êxito com que se me aparenta que há-de corresponder à alta intenção que o inspira. Visa. proporcionar às nossas províncias de além-mar melhores condições de defesa militar efectiva e sorve-se, para o conseguir, tanto do um substancial aumento das suas forças privativas, como de maiores possibilidades de cooperação destas com as tropas metropolitanas, por unificação da orgânica, de ambas.
Estou certo de que a execução corresponderá à intenção que o ditou; o, sondo assim, hão-de evidenciar-se os resultados.
Sr. Presidente: tanto no preâmbulo o na parte dispositiva do projecto do proposta de lei, elaborado pelo Governo, como também no parecer, produzido pela Câmara Corporativa, ressaltam, por um lado, a nítida compreensão das vantagens que para o País advém regulando a matéria de que o diploma trata e por outro, o esclarecido critério, o cuidado e a profundidade de análise que informaram o trabalho daqueles altos organismos da administração pública.
As Comissões, reunidas, do Ultramar e de Defesa Nacional não tiveram oportunidade de sugerir qualquer alteração de vulto ao corpo de doutrina que lhes foi presente. Limitaram-se a introduzir uma ou outra sugestão de pormenor o a optar, quando foi caso disso, por uma das fórmulas apresentadas quer polo Governo quer pela Câmara Corporativa.
O estudo do assunto, na sessão plenária desta Câmara, tem sobretudo um carácter político. Onde possa tornar-se indispensável a intromissão de comentários com fundamento técnico têm, por certo, cabimento maior as considerações, dos ilustres Deputados nos quais concorre a qualidade de oficiais do Exército. Nestas circunstâncias, quanto a mim, forçosamente me limitarei aos aspectos político e administrativo.
Apenas direi, polo que se refere aos problemas de feição militar, que os julgo tratados com a elasticidade indispensável para enfrentar a evolução rápida que sofrem nesta altura a orgânica e a táctica.
E noto também que neste diploma está contido o inicio de uma fase nova de existência para as forças militares ultramarinas, tendo em vista o paralelismo de evolução entre a missão que lhes cabe o as condições dos territórios em que actuam.
Essa missão vai-se diferenciando à medida que os territórios transitam do estado de conquista para os de ocupação, de desenvolvimento e de maturidade. E, quanto a este último, conforme ele se traduz por desintegração, segundo a política seguida por alguns outros povos, ou pela completa integração, de acordo com a política do nosso.
Tendo terminado há muito nas nossas províncias de além-mar a necessidade de mútua e quase inteira intercepção da autoridade militar e do poder civil; tendo-se já reconhecido que passou mesmo a fase de as funções coincidirem no escalão superior da hierarquia, julgo fundamentado o estatuto que informou a feitura do presente diploma, e dos que o precederam e como ele, se referem às coisas militares do ultramar, em tudo quanto visa a separar poderes, desde que se mantenha, para cada um deles, o inteiro prestígio que lho é necessário.
Concordo sem reserva com o princípio da dependência directa das forças terrestres ultramarinas do Ministério do Exército; mais genericamente: com a dependência das forças militares ultramarinas dos Ministérios militares.

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Cedo, para tanto, a uma evolução de pensamento pela qual fui passando nestes últimos anos, que me foi desprendendo da rotina que sempre conhecera no ultramar para deixar lugar a outros conceitos que, por certo, mais se ajusta m à época.
Mas insisto, agora como sempre, em que as novas relações da autoridade civil com a autoridade militar devem ser estabelecidas por forma a manter-se inalterado o prestígio dos governadores nos vários territórios.
A prática do princípio tem de ser conciliada com a circunstância de serem os governadores os mais altos representantes da soberania nacional nas terras que governam, mesmo que se lhes não atribua, como parece não dever atribuir-se, funções de comando sobre as forças militares.
Sabemos que esta questão tem sido cuidadosamente encarada, tanto pelo Governo como pela Câmara Corporativa. Limito-me, por isso, tendo em vista que a sua mais certa solução se torna indispensável à melhor condução das coisas públicas, a propor esta regra, para que se consigne, neste ou noutro diploma, onde melhor couber: tanto em tempo de guerra como em tempo de paz, devem as relações entre os Ministérios militares e os comandos militares ser estabelecidas, quanto possível, através dos governadores das províncias do ultramar, como representantes do Governo da Nação. Em caso de urgência ou de eventual conveniência, poderão decorrer directamente, mas sem quebra do princípio da sua autoridade, com simultânea comunicação aos governadores dos assuntos tratados.
Refere-se o parecer da Câmara Corporativa à vantagem de, quanto possível, serem distribuídas pelo território de cada província, fora dos pontos de maior concentração de tropas, subunidades ou pequenas unidades.
As vantagens são evidentes: melhor acção de soberania pela presença; mais franca contribuição para o policiamento das varias regiões; maior facilidade de desenvolvimento do comércio e dos núcleos populacionais do interior; maiores possibilidades de assimilação dos indígenas para a moral, para os hábitos e para a língua dos Portugueses.
Transparece em grande parte do parecer da Câmara Corporativa uma preocupação financeira, em face dos aumentos de despesa que hão-de seguir-se à reorganização.
Relativamente a este ponto, evidencia o desejo de que se dê prioridade ao preenchimento dos baixos postos, cujas funções levam ao contacto directo com as tropas, de preferência ao dos altos comandos, cuja necessidade em tempo de paz não será tão premente como em tempo de guerra.
Igual critério me pareceu sempre aconselhável no preenchimento dos quadros do pessoal administrativo.
Deve, todavia, ter-se em conta, segundo foi frisado durante os trabalhos das Comissões pelo nosso ilustre colega Sr. Tenente-Coronel Sonsa Rosal, que a existência dos comandos superiores diminui por vezes os encargos, em vez de os aumentar, pela simplificação dos comandos subalternos.
No estudo dos elementos de trabalho que nos foram facultados surgiu o problema da proporção em que devem ser custeadas, pela metrópole e pelas províncias ultramarinas, as despesas com defesa militar e com a manutenção da soberania.
Nos territórios do ultramar, por virtude da preocupação de reservar recursos financeiros para obras de fomento, está muito espalhado o conceito de que as despesas de soberania devem constituir encargo da metrópole.
O critério oposto, a meu ver igualmente errado, é o de fazer suportar a cada território todas as despesas normais com os seus organismos de defesa militar.
A verdade é que, segundo o pensamento português de unidade nacional, as despesas de soberania de qualquer parcela do território são encargo comum de toda a Nação, devendo ser suportadas, na medida que melhor se adapte às conveniências e às possibilidades, por todos os seus elementos componentes.
A metrópole gasta presentemente com as forças militares 23,5 por cento das disponibilidades do seu orçamento. As províncias ultramarinas gastam cerca de 9 por cento. Apesar de existir desproporção nos números, não me parece que ela possa ser profundamente alterada. A maior parte das províncias não poderão suportar despesa muito maior do que a actual. A metrópole não poderá, portanto, deixar de aumentar grandemente a sua comparticipação.
Sr. Presidente: dentro dos princípios de política colonial que sempre temos seguido, julgo muito oportuna a medida legislativa que passa a permitir o acesso ao posto de sargento de praças provenientes das tropas indígenas.
Relativamente a este ponto, merecem, de resto, inteira concordância as considerações do parecer da Câmara Corporativa sobre o valor das qualidades militares que geralmente se encontram nos indígenas.
Esta resolução, como é evidente, vai além da faculdade, que já tinham, de conseguir acesso na carreira militar os indivíduos com direito ao estatuto de europeu.
Quanto a estes - quanto aos portugueses naturais do ultramar, mesmo sem ascendência europeia, no uso de todos os direitos civis -, alargam-se também as possibilidades de atingir a condição de graduados e o oficialato.
Não deve passar sem reparo quanto estas disposições constituem um elemento mais para demonstrar que erram, por desconhecimento da nossa política ultramarina e dos seus efeitos, aqueles que julgam servir o interesse, das populações nativas portuguesas na África e na Ásia, apoiando-se em teses de emancipação.
O excesso demográfico da metrópole e a carência de braços do ultramar conjugam-se para tornar de interesse mútuo uma intensa colonização; isto sem ter em conta outras conveniências de ordem política, económica e administrativa.
É por isso inteiramente acertada a precaução, que o diploma determina, do seleccionar os indivíduos a nomear para as tropas metropolitanas que se destaquem no ultramar entre aqueles que tenham condições para lá se fixarem, dando assim contribuição maior para melhoramento da colonização.
Ficam resumidas nestas notas as considerações com que julguei poder dar concurso a este debate. Termino declarando que aprovo inteiramente, na generalidade, a proposta de lei. E acrescento que muito me impressionou o cuidado com que foi elaborada pelo Governo, com que foi comentada pela Câmara Corporativa e com que foi analisada pelas comissões desta Assembleia às quais o seu estudo foi entregue.
Disse.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Manuel Múrias: - Se a proposta de lei da organização geral, recrutamento e serviço militar das forças ultramarinas visasse apenas problemas de natureza técnica militar, mal se compreenderia a intervenção de um membro não militar na Comissão do Ultramar desta Assembleia.
Acontece, porém, que - como não poderia deixar de ser esta proposta de lei traz consigo problemas de ordem política que ultrapassam as questões de or-

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dem puramente militar e envolvem, por determinante constitucional, o próprio conceito de unidade nacional e da solidariedade entre as parcelas da Nação entre si.
Não será por outro motivo que o relatório da proposta de lei da organização geral, recrutamento e serviço militar das forças ultramarinas começa precisamente por invocar o único do artigo 53.º da Constituição Política, que estabelece a unidade da organização militar para todo o território nacional.
E não lia dúvida de que poderia também invocar o artigo 135.º, que declara as províncias ultramarinas, como parte integrante do Estado Português, solidárias entre si e com a metrópole, bem como o artigo 136.º, que, desenvolvendo e esclarecendo o pensamento do artigo anterior, afirma:
«A solidariedade entre as províncias ultramarinas e a metrópole abrange especialmente a obrigação de contribuir por forma adequada para assegurar a integridade e defesa de toda a Nação e os fins da política definidos no interesse comum pêlos órgãos da soberania».
Esta obrigação, comum a todos os portugueses, sem destrinça de raça ou de cor, antes de ser definida pela Constituição Política, a partir do Acto Colonial, era já um direito conquistado em mil combates aquém e além-mar, onde quer que algum dia desembarcaram marinheiros e soldados portugueses, na ânsia de aí implantarem, com a bandeira da Pátria, o espírito e alma de Portugal.
Essa obrigação e esse direito não tardariam a ser transmitidos aos indígenas das terras descobertas e ocupadas, cuja naturalização se fazia naturalissimamente pelo aprendizado da língua portuguesa e pelo baptismo Sabe-se que a expressão o indígena» é agora quase vedada na nomenclatura internacional. Impõem ou pretendem impor essa proibição os países que não souberam a tempo definir-lhe o sentido com elevação e grandeza, e procuram alcançar agora ou ultrapassar-
nos, utilizando fornias de dizer menos expressivas e menos compreensivas.
Quanto a nós, porém, já há muito, no Estatuto Político, Civil e Criminal dos Indígenas, vincávamos de maneira inconfundível o sentido da palavra ao declarar:
«são consideradas indígenas os indivíduos de raça negra ou dela descendentes que, pela sua ilustração e costumes, se não distingam do comum, daquela raça e não indígenas os indivíduos de qualquer raça que não estejam nestas condições».
A definição ó perfeita se nos termos «ilustração» e «costumes» compreendermos, como não pode deixar de ser, que, além da língua portuguesa, correctamente falada, se torna indispensável a aquisição dos hábitos de civilização que o cristianismo leva consigo, onde quer que o levem almas de apóstolos obedientes à palavra do Senhor.
Poderíamos esquecer tal mandato no momento em que se pretende ampliar as obrigações dos naturais das províncias ultramarinas na defesa comum da Nação, dando-lhes ao mesmo tempo maior consciência das responsabilidades que se lhe atribuem?
Só se nos dispuséssemos a renegar deliberadamente todas as lições que recolhemos do preceptorado da Igreja desde as horas genesíacas da formação de Portugal e tivéssemos esquecido já a posição constante da nossa gente nos momentos transfiguradores da expansão ultramarina.
E que não estamos, ao menos neste capítulo da acção renovadora de Portugal, a iniciar muitas coisas. Basta-nos a consciência de que já pudemos retomar rumos por tanto tempo esquecidos, conscientes mais do que nunca das responsabilidades que nos cabem perante o Passado - e perante o Futuro.
«... se a ideia fundamental - diz-se no relatório da proposta - do eventual concurso de quaisquer forças do Exército, da metrópole e do ultramar, para a defesa do território comum recomenda a unificação da organização geral, não é menos certo que a mesma ideia exige também a apropriada contribuição da. metrópole e das províncias ultramarinas para aquela alta finalidade.
Ainda que se desconte a circunstância de muitos dos territórios ultramarinos estarem numa fase de desenvolvimento que reclama a preponderância das despesas de fomento, terá de reconhecer-se que as províncias ultramarinas poderão contribuir para a defesa nacional num nível mais elevado.
Também, se não dirá que essas despesas, além, da finalidade directa de preparativo para a defesa do território nacional, não produzem nas províncias ultramarinas, e em maior e diferente escala do que sucede na metrópole, grande rendimento na acção civilizadora das populações nativas.
Por outro lado, também se terá de considerar como vantajosa capitalização a parte das despesas que venha a contribuir para que maior número de portugueses conheça o ultramar português e lhe dê oportunidade de nele se estabelecerem, pasmando a dedicar-lhe as suas vidas».
Sempre foi assim que se procedeu nas relações militares entre Portugal e as províncias ultramarinas. Assim no Brasil, quando foi necessário expulsar os flamengos de Pernambuco, em cujas batalhas colaboraram sempre portugueses da metrópole e do Brasil, índios e pretos, sob o comando de um mestre de campo general, mestiço de português e índio, um mestre de campo natural da ilha da Madeira, outro mestre de campo natural do Brasil e talvez mestiço e dois chefes: um negro, Henrique Dias; outro índio, o famoso Camarão ... Assim em Angola, aquando da reconquista de Luanda aos holandeses por uma armada organizada em Lisboa, mas completada de gente e abastecimento no Rio de Janeiro ... Assim em Moçambique, aquando da tentativa de estabelecimento na baía de Lourenço Marques pela Companhia Austríaca de Trieste, impedida por uma esquadra organizada espontaneamente em Goa ... Assim, para dizer tudo, onde quer que foi necessário em qualquer parte do território nacional ameaçado por invasores, na junção voluntária, e também espontânea de naturais da própria província ou de outra e dos reinos lá estabelecidos ou enviados expressamente da metrópole, mesmo quando se tratava de campanhas de ocupação na Guiné, em Angola, em Moçambique, e os naturais haviam de combater contra os seus irmãos de raça, menos evoluídos.
Eis por que se tornava inevitável que não fosse doutra maneira, agora, quando, à imagem do Exército metropolitano, se estabelecem as normas da organização do Exército ultramarino, para assegurar a integridade e defesa, de toda a Nação e os fins da política nacional definida no interesse comum pêlos órgãos da soberania».
Só com esta diferença: a consciência da unidade de espírito e da obrigação de solidariedade entre todos os Portugueses - fosse qual fosse a sua raça ou cor - era facilitada além-mar pela existência de uma consciência mais profunda da igualdade de todos os homens perante Deus e até pela compreensão do destino que nos era mareado - consciência e compreensão que transparece nos actos de toda a gente portuguesa, e não apenas, como depois passou a ser, de um escol tantas vezes reduzidíssimo.
Já o padre Vieira fazia notar (e com a segurança de quem não receava não ser entendido pelos fiéis) que fora preciso esperar mil e quatrocentos anos para que a palavra do Senhor aos Apóstolos: «Ide pelo Mundo inteiro e pregai o Evangelho a todas as criaturas ...» pudesse começar a ser cumprida. «Serviço de Deus e

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de Vossa Alteza» - dizia-se a todo o momento aos reis do século XVI, quer fosse um capitão como Afonso de Albuquerque, ou apóstolos como S. Francisco Xavier ou Manuel da Nóbrega - ou um António Fernandes qualquer, talvez degredado, que se fez desembarcar na costa africana, e logo se sentiu possuído da missão de desbravar o sertão e as almas em serviço de Deus e de Portugal.
E quando, aras», se desviavam dos rumos superiormente definidos, não faltavam então a& vocações, missionárias a levantar a voz contra os poderosos, a recorrer para o rei - que mandasse socorrer os oprimidos e castigar abusos «tanto contra serviço de Vossa Majestade - gritava do Brasil, no século XVII, Frei Cristóvão de Lisboa - e da lei de Deus».
Este sentido de missão, que por tanto tempo se olvidou, quando os Portugueses pareciam haver trocado a alma, também parece voltar agora a retomar-se. Somente, resultado da campanha sistemática de descristianização prolongada por mais de um século, quase se secaram se almas e faltam agora as vocações missionárias.
Daqui as maiores obrigações do Estado, que também durante esse tempo assistiu insensível à campanha amaldiçoada, quando não colaborava expressamente nela, facilitando-a e dirigindo-a. O serviço militar, e tanto na metrópole como nas províncias ultramarinas, já não pode, por isso mesmo, dispensar-se de influir sobre o ambiente em que trabalha, como já se observou nas reformas do Exército metropolitano e se verifica na proposta de lei em discussão.
Ainda há poucos dias o Decreto-Lei n.º 38 968, de 2 de Outubro, que reforça o princípio da obrigatoriedade o ensino primário, e o Decreto n.º 38969, da mesma data, que regula execução daquele, não dispensam a colaboração do Exército. Assim, nos termos desta nova regulação, os mancebos incorporados em todos os ramos das forças armadas não poderão passar à disponibilidade sem obterem habilitação correspondente ao exame do ensino primário elementar. Ficam assim obrigados à frequência das escolas regimentais e equivalentes todos os mancebos que não passaram com aprovação naquele exame, e não apenas os que não saibam ler ou ler e escrever. Em contrapartida, estabelece-se que os exames do ensino elementar prestados nessas escolas têm, para todos os efeitos, a mesma validade que os realizados perante estabelecimentos dependentes do Ministério da Educação Nacional.
Não será preciso tanto nas províncias ultramarinas; deverá, no entanto, estabelecer-se a norma de não deixar que os recrutas passem à disponibilidade, sem falarem correntemente a língua, portuguesa e sem terem adquirido novos hábitos de vida considerados indispensáveis ao homem arrancado, à selva para ingressar numa caserna.
A caserna é, naturalmente, um centro de educação, e portuguesismo - como está, aliás, nas suas tradições, sempre que os chefes têm de facto a noção perfeita das suas obrigações.
O conhecimento da língua portuguesa adquire-se quase sem esforço no convívio diário com os elementos metropolitanos dos quadros.
E foi graças a difusão da língua do povo descobridor e colonizador que se tornou possível legar ao Brasil aquela unidade de idioma, que tem sido com a unidade religiosa e a unidade de território, a força maior do Brasil - e será sempre o fundamento mais sólido da sua grandeza.
E quando se começou o Brasil seríamos pouco mais de l milhão de portugueses, que, se tivessem embarcado todos para o Brasil, ainda assim deixariam por ocupar os 8500000 km2 de terra brasileira.
O milagre fez-se sem se despovoar Portugal - obra de todos os que por lá andaram e, em não pequena parte, dos soldados sempre prontos.
Se hoje não somos tão poucos nem por isso se podem dispensar esforços: «todos não somos de mais».
A Espada e a Igreja, que nos assistiram nas epopeias da Fundação e da Expansão, hão-de trabalhar unidas, na obra ingente do Portugal Maior, que se adivinha no esforço de elevação até à civilização dos homens das variadas raças .confiados à nossa experiência secular e ao nosso sentido cristão da vida.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão, à hora regimental, com a mesma ordem do dia de hoje: continuação da discussão na generalidade e depois na especialidade da mesma proposta de lei.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 50 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Calheiros Lopes.
António Joaquim Simões Crespo.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Délio Nobre Santos.
José Luís da Silva Dias.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Teófilo Duarte.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
António de Almeida.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos Mantero Belard.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Pinto Meneres.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Sebastião Garcia Ramires.
Vasco de Campos.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

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CÂMARA CORPORATIVA

V LEGISLATURA

AVISOS

Nos termos do § 2.º do artigo 29.º do Regulamento da Câmara Corporativa, convoco para se reunirem as seguintes secções:

Produtos florestais - no dia G do corrente, pelas 15 horas:
Minas, pedreiras e águas minerais - no dia 7 do corrente, pelas 15 horas:
Electricidade e combustíveis - no dia 7 do corrente, pelas 10 horas e 30 minutos;
Transportes e turismo - no dia 10 do corrente, pelas 15 horas, com o Digno Procurador agregado Luís Supico Pinto:
Obras públicas e comunicações - no dia 10 do corrente, pelas 15 horas e 30 minutos;
Indústrias metalúrgicas e químicas-no dia 11 do corrente, pelas 15 horas.

Palácio de S. Bento, 3 de Novembro de 1952.

O Presidente,

Marcello Caetano.

Convoco para se reunir no dia 5 do mós corrente, pelas 15 horas, a Comissão de Verificação d« Poderes.

Palácio de S. Bento, 4 de Novembro de 1952.

O Presidente,

Marcello Caetano.

Determino que cessem a partir de hoje os efeitos do aviso convocatório publicado no 23.º suplemento ao n.º 157 do Diário das Sessões, de 19 do Setembro findo, na parte respeitante aos Dignos Procuradores António de Deixas Soares Júnior. João Baptista do Araújo, Frederico de Lemos Macedo Santos o Henrique José Quirino da Fonseca.

Palácio de S. Bento, 5 do Novembro de 1952.

O Presidente,

Marcello Caetano.

Acórdão da Comissão de Verificação de Poderes

Acórdão n.º 24/V

A Comissão de Verificação de Poderes da Câmara Corporativa, eleita na sessão preparatória, de 25* de Novembro de 1949, no uso da competência atribuída pelo artigo 106.º da Constituição Política o tendo em vista o disposto no artigo 7.º e seus parágrafos do Regimento desta Câmara e no Decreto-Lei n.º 29 111, de 12 de Novembro de 1938, bem como a relação a que se refere o artigo 8.º do mesmo decreto-lei, publicada no Diário do Governo n.º 251, 1.ª série, de 24 de Novembro de 1949, reconhece o valida os poderes como Procurador ao Sr. Engenheiro Raul da Costa Couvreur, eleito presidente do conselho directivo da Ordem dos Engenheiros, e que, nessa qualidade, passa a representar na Câmara Corporativa a mesma Ordem, em substituição do Sr. Engenheiro Ricardo Esquível Teixeira Duarte (docs. n.ºs 82 a 84).

Palácio de S. Bento e Sala das Sessões da. Comissão de Verificação de Poderes da Câmara Corporativa, 5 de Novembro de 1952.

José Gabriel Pinto Coelho.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Adolfo Alves Pereira de Andrade.
Inocência Galvão Teles.
Manuel Duarte Gomes da Silva.
Tomás de Aquino da Silva.
Virgílio da Fonseca.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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