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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 172
ANO DE 1952 4 DE DEZEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 172, EM 3 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.
Antes da ordem do dia: - Deu-se conta do expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Castilho Noronha, para se referir às cerimónias, que estão a decorrer em Goa, comemorativas do centenário da morte de S. Francisco Xavier; Salvador Teixeira, que requereu fossem publicados no Diário das Sessões os elementos que havia solicitado ao Ministério das Comunicações na sessão de 12 de Novembro passado, e Pinto Barriga, que fez considerações sobre o acordo ortográfico entre Portugal e o Brasil.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei relativa ao Plano de Fomento Nacional.
Usaram da palavra os Sr. Deputados Duarte Silva, Sousa Rosal e Sousa Meneses.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 50 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Bartolomeu Gromicho.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
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João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 70 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegrama
Do presidente da comissão de turismo da Figueira da Foz a sugerir a inclusão no Plano de Fomento do crédito hoteleiro para empresas que ofereçam garantias.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Castilho Noronha.
O Sr. Castilho Noronha: - Sr. Presidente: passa hoje uma data duplamente grata - grata para a Igreja e grata para Portugal.
Vão já decorridos quatrocentos anos. Ao sopro adusto da morto sucumbia numa remota e solitária ilha o gigante do apostolado cristão no Oriente - S. Francisco Xavier.
Que desoladora e pungente cena!... Longe da sua família, longo de seus irmãos na religião, longe dos seus cristãos, que eram a sua mais cintilante coroa, longe das terras que haviam sido o teatro dos seus apostólicos feitos e próximo da terra em que ia iniciar um novo ciclo de triunfos, tombava, exausto de forças, o ínclito apóstolo que é justamente reputado como um dos maiores de todos os tempos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - No duro transe em que ele sentia esvair-se-lhe a vida não o penalizaria ver-se só, tendo apenas a companhia de dois jovens que lhe recolheram o derradeiro suspiro; não o penalizaria a própria morte que tão prematuramente vinha pôr termo à sua existência. O que verdadeiramente o penalizaria era ver que diante de seus olhos moribundos se desdobrava um mundo novo com uma imensa multidão de almas que ele, na sua insaciável sede de evangelização, quereria ganhar para Cristo.
No mesmo dia em que Xavier cessava de existir despontava a radiosa aurora a prenunciar o sol de glória que iluminaria para sempre a sua bendita memória. É que o apóstolo cristão não morre nunca. Vive nas páginas imperecíveis do nosso hagiológio; vive nos templos que a piedade cristã erige em sua honra; vive, principalmente, no coração dos que lhe devem o precioso dom da fé.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É o que está a realizar-se em toda a plenitude com a memória do grande santo. No momento angustiante da sua morte ele, decerto, vislumbraria, numa visão antecipada, que, a contrastar com a solidão e o isolamento do lugar em que morreu e foi sepultado, viriam, a breve trecho, colossais apoteoses em consagração do seu nome e da sua memória.
A maior de todas até à data é a que se realiza hoje na velha cidade de Goa, sob a presidência do Eminentíssimo Cardeal-Legado, D. Manuel Gonçalves Cerejeira, o com a assistência dos Exmos. Ministros da Justiça de Portugal e de Espanha, em representação dos respectivos Governos, e de um grande número do bispos, clérigos e fiéis. Para essa histórica cidade, que está sendo o teatro da mais imponente glorificação de S. Francisco Xavier, convergem hoje as atenções de todo o mundo cristão.
Longe da terra bendita em que se assiste a tão emocionantes manifestações de piedade religiosa, acompanho em espírito essa formidável mobilização dos devotos do S. Francisco Xavier, que, sujeitando-se a todas as inclemências, a todos os sacrifícios, a todos os desconfortos, vão em piedosa romagem depor aos pés do santo o preito da sua gratidão e da sua veneração.
A vetusta cidade de Goa revive hoje os dias mais gloriosos da sua história.
Zona habitualmente envolta em silêncio e solidão, ela tornará hoje a ser a metrópole do Oriente que era no período áureo do seu esplendor. Para ela afluirão nos próximos trinta dias multidões compactas de peregrinos, sem distinção de raças, de cores, de religião, irmanados nos mesmos sentimentos, unidos por uma mesma alta finalidade.
Mal nos iria pensar que toda essa ruidosa mas comovente explosão de religiosidade é uma estéril manifestação de um gregorismo inconsciente. Contra uma tal afirmação erguer-se-ia um clamoroso protesto dos próprios peregrinos que se dirigem ao templo em que estão expostas ao culto público as venerandas relíquias do seu santo patrono, com o entusiasmo, com a consciência, com a satisfação de quem lhe presta a sua devota homenagem.
Tão-pouco essas romagens são manifestações do um sentimentalismo piegas, não tendo, por isso, nada que as imponha ao nosso respeito.
Esta outra afirmação teria o seu formal desmentido no doce murmúrio de preces esperançadas que se fazem ao santo, dos ex-votos - expressão agradecida do reconhecimento pelos favores e graças recebidos - que se acumulam junto do túmulo do santo. Nessa magnífica parada de devotos de Xavier, que dá à exposição
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um cunho de singular imponência, facilmente se descobre a irresistível atracção, que sobre eles exerce o sagrado túmulo que se conserva na Basílica do Bom Jesus.
Maravilhoso túmulo - maravilhoso materialmente, como obra de arte que é, e ainda mais maravilhoso espiritualmente, como facho luminoso do qual irradia em ondas de luz vivificante a civilização cristã para pontos mais afastados do Oriente. E assim o tão venerado túmulo que guarda os restos mortais do heróico missionário transformou-se em berço de uma nova civilização que, arrastando as maiores dificuldades, se espalhou por remotas terras.
E não teria sido esse precisamente o nobre e alevantado ideal que levou Portugal a arriscar-se às arrojadas aventuras que assinalaram a período áureo da sua história?
As gloriosas arrancadas que tão alto levantaram o prestígio de Portugal tornaram-se ainda mais memoráveis pela alta finalidade a que elas obedeciam - fazer cristandade.
Nessa época Portugal, correspondendo com galhardia, com generosidade, à sua vocação missionária, empenha-se ardorosamente na cruzada da difusão do Evangelho. Não o aterra a magnitude da empresa. Não o detém a visão dos perigos a que vai expor-se.
Parece incrível que um país tão pequeno, com diminuta população, se lance ao ousado cometimento de conquistar terras à ponta de espada para as conquistar espiritualmente. Os seus feitos de armas, os seus esforços de conquistador e as suas vitórias deviam culminar na expansão da fé cristã.
No seu ardor da evangelização Portugal excede-se a si mesmo. Integrando terras nos seus domínios, ele, movido por um alto pensamento, quer integrá-las na civilização cristã.
E nesse grandioso movimento pró-cristianismo, ao qual ele se empenha em dar um impulso cada vez mais vigoroso, tem a fortuna de inscrever entre os seus combatentes quem, ao cabo de dez anos de extenuantes trabalhos, seria considerado o maior apóstolo do Oriente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Trocando as suas insígnias doutorais pela roupeta da Companhia de Jesus, Xavier renuncia ao prestígio que a nobreza da sua linhagem lhe assegurava, aos confortos que os seus ricos haveres lhe proporcionariam, às honras mundanas que o seu privilegiado talento, valorizado por todo um conjunto de altas qualidades que possuía, lhe conquistaria. Renuncia a tudo isso para aceitar a missão que Roma e Portugal lhe confiam.
Relevantes são os serviços que Xavier prestou à causa da Religião, que para Portugal, nessa época, era também a causa nacional.
Tão notáveis foram esses serviços que Xavier pôde ser considerado, ao lado de Afonso do Albuquerque, herói nacional.
Afonso de Albuquerque e Francisco Xavier são dois nomes com tão larga projecção na história de Portugal no século XVI que seria impossível escrevê-la sem os mencionar, sem exaltar e encarecer a grandiosa obra que perpetua esses nomes através dos séculos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Albuquerque, numa genial vista das trágicas e funestas consequências da conquista material, da conquista a golpes de espada, se esta não fosse seguida da conquista espiritual, adoptou desde logo a política de atracção para se insinuar no ânimo dos povos dominados.
E, fiel a essa política, entre outras medidas que promulgou, promoveu a expansão e o incremento da religião cristã nessas terras.
Essa salutar ideia convertia-se em realidade cada vez mais brilhante pelos fecundos labores apostólicos do Xavier.
Com o coração incendido na mais pura ascese, Xavier entrega-se ao trabalho da regeneração dos cristãos em Goa e, estendendo muito além o raio da sua acção, ao da formação de novas cristandades.
Portugal segue com vivo interesse as jornadas apostólicas do abnegado missionário - jornadas que se assinalam por crescentes triunfos. E por isso as autoridades portuguesas não se recusaram a auxiliar a quem tão ardorosamente se devotara ao belo ideal que era a sua única preocupação.
Xavier, por sua vez, deu eloquentes testemunhos do seu reconhecimento pelo muito que Portugal fazia pela causa da religião.
Em abono desta afirmação poderia aduzir sinceras passagens das suas memoráveis cartas. E quando digo cartas evidentemente não me refiro às que são justamente consideradas apócrifas, e que ultimamente têm servido para uma odiosa campanha.
Tal era o apreço e a simpatia que Xavier sentia por Portugal que, sendo espanhol, em vários passos das suas cartas se chamava português.
A comemoração centenária que hoje se realiza na velha cidade de Goa é a mais apoteótica consagração da obra imorredoura do ínclito herói da religião e de Portugal que S. Francisco Xavier é.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Salvador Teixeira: - Requeira a V. Ex.ª, Sr. Presidente, se digne mandar publicar no Diário das Sessões os elementos vindos do Ministério das Comunicações que V. Ex.ª comunicou ontem estarem à minha disposição, e que dizem respeito ao requerimento que apresentei em 12 de Novembro de 1952.
São os seguintes:
Resposta ao requerimento apresentado na sessão da Assembleia Nacional de 12 de Novembro de 1952 pelo Sr. Deputado Salvador Teixeira:
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MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES
DIRECÇÃO-GERAL DE TRANSPORTES TERRESTRES
Cobrança da portagem na ponte Marechal Carmona
Resumo mensal das taxas cobradas a partir de 1 de Março de 1952
[ver tabela na imagem]
Média mensal
Média das importâncias cobradas mensalmente no período decorrido de 1 de Março a 31 de Outubro 404.932$43
Cobrança da portagem na ponte Marechal Carmona
Período decorrido a partir de 1 de Março de 1952
[ver tabela na imagem]
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O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: é sempre com enternecimento, com orgulhoso enternecimento, que em Portugal falamos no Brasil, e hoje, ao referirmo-nos à situação confusa do acordo ortográfico no Brasil, não o fazemos com uma quezília de crítica, mas no desejo sincero de que o problema de unificação gráfica, que se deveria apresentar como um traço de união entre as duas nações irmanadas pela sua origem, possa dar uma ideia, até uma simples sombra de suspeita, de divergências ainda persistentes, que se projectem para além do seu aspecto idiomático.
No ano de 1931 firmou-se o 1.º acordo, que não atingiu a unificação ortográfica, por não terem sido as bases discutidas em reunião de representantes dos dois países. Imprimiram-se vários vocabulários em Portugal e no Brasil, todos, porém, com divergências e duplas grafias.
A Academia das Ciências de Lisboa editou, em 1940, o seu grande Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa e a Academia Brasileira deu a lume, em 1943, o Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, mas em ortografia comum.
Em consequência da Convenção de 1943, realizou-se a Conferência Interacadémica. Com os pareceres, firmou as 51 bases que constituíram o 2.º acordo ortográfico, de 10 de Agosto, para a organização do vocabulário, que ficou impresso em Dezembro de 1947.
Em Portugal tudo correu normalmente. Ratificada a Convenção, aprovou-se na altura própria o acordo e adoptou-se o vocabulário.
No Brasil, apesar de o ilustre académico e diplomata Dr. Ribeiro Couto, vigorosa e inteligentemente, ter concluído que ninguém de boa fé, bom senso e boa cultura pode ter interesse em apressar os divórcios idiomáticos e avultado que a liberdade de falar e escrever a língua materna, em função do berço e da latitude, nunca poderá ser prejudicada pela existência de uma ortografia comum, a Convenção do 1943 só foi aprovada pela Câmara dos Deputados em Dezembro de 1931, ainda está no Senado para discussão, e naquela Câmara apareceu em Outubro passado um projecto do Deputado Sr. Dr. J. Coelho de Sousa, em que se lêem estas asserções:
É revogado o Decreto-Lei n.º 8286, de 5 de Dezembro de 1945, que aprovou o Acordo Ortográfico de 1945;
Restabelece-se o sistema ortográfico de 1943, consubstanciado nas Instruções aprovadas pela Academia Brasileira de Letras aos 12 de Agosto de 1943 e no Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa.
Em relatório justificativo havia, antes escrito o mesmo Deputado:
a) Seja remetido ao Plenário, para devida aprovação, o projecto de decreto legislativo, oriundo da Comissão de Diplomacia e Tratados, que aprova a Convenção Ortográfica de 29 de Dezembro de 3943, ficando destarte legalizado em definitivo o Acordo de 1943, consubstanciado nas Instruções e no Pequeno Vocabulário daquele ano;
b) Que esta Comissão redija um projecto de decreto legislativo revogando o Decreto-Lei n.º 8286, de 5 de Dezembro de 1945, que aprovou o acordo ortográfico de 1943, para que «as divergências ainda persistentes» a que se refere a mensagem presidencial sejam dirimidas por uma nova convenção que consulte a realidade brasileira e aos interesses do nosso povo, caso não seja julgado bastante, em face desta experiência, o acordo de 1943.
Em recente sessão do Plenário brasileiro foi aprovado o parecer do Sr. Deputado Coelho de Sousa. O leader da maioria, Sr. Dr. Campanema, apresentou um substitutivo que propõe nova conferência.
A discussão prossegue no Congresso Brasileiro, mas nós, por nossa parte, continuamos a cumprir um acordo que se revelou quase puramente interacadémico, embora sancionado pelos dois Governos.
Não nos aventuramos a determinar a nossa posição oficial, nem se há ambiente para novas sugestões, convenções ou conferências, mas surpreende-nos, como professor de Direito Internacional, a situação tão demorada de cumprimento. Confiamos inteiramente no alto tacto do nosso Ministro dos Estrangeiros para clarificar essa questão. Embora reconhecendo, como dever de elementar justiça ao Brasil, o condomínio da Língua e o muitíssimo que fizeram os Brasileiros para o seu extraordinário enriquecimento, não podemos deixar de estranhar esta demora. Acabamos como começámos: trazemos no nosso coração a imagem querida do Brasil, precisamos conhecê-lo ainda melhor na sua vida intelectual e económica, para nos ser mais familiar ainda do que é, com a singeleza da nossa língua comum.
Muito e muito mesmo para além do acordo ortográfico está a amizade fraterna entre Brasil e Portugal, que vive e revive como símbolo e expoente magnífico da nossa luminosa língua. O acordo foi interacadémico, mas, para fora desse ambiente, precisa de ter uma realidade política: executar-se, ou então reconhecer-se que ficou apenas a vegetar a vida efémera das rosas académicas, o que não desmerece o altíssimo serviço que as Academias prestaram. Bem hajam esses eminentes académicos por terem firmemente acreditado, na lúcida expressão do conceituadíssimo Prof. Doutor Rebelo Gonçalves, no futuro de um idioma, orgulho do dois povos e de duas culturas.
Terminamos com a frase expressiva e cintilante do Sr. Presidente da República irmã: a unificação ortográfica e uma obra destinada a respeitar essa força íntima e a conservar a fisionomia plástica do Idioma.
Tenho dito.
Vozes : - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua um discussão na generalidade a proposta de lei relativa ao Plano de Fomento Nacional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Silva.
O Sr. Duarte Silva: - Sr. Presidente: não me proponho fazer uma análise do Plano de Fomento Nacional que o Governo submeteu à apreciação da Assembleia. Outros, com muito brilho, já o fizeram. Alguns mais o farão depois de mim e todos com uma autoridade e uma competência que eu não posso arrogar-me e com um interesse da Assembleia que eu só por deferência e magnanimidade poderia esperar.
Vou, pois, ser muito breve.
Subi a esta tribuna, de que me acerco sempre receoso, com o simples propósito de fazer ligeiras observações à proposta do Governo na parte que diz respeito a Cabo Verde. São os reparos que ao Deputado pela província suscita o programa enunciado na proposta e o sincero desejo de colaborar de quem nasceu e tem vivido em Cabo Verde, conhece um pouco os seus problemas, aos quais tem ligada a sua vida, e a quem, por isso, não podem ser indiferentes as soluções que aos mesmos se pretendam dar.
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Antes, porém, de expor, sucintamente como penso fazê-lo, as observações que me sugere o programa dos trabalhos a realizar em Cabo Verde, não posso deixar de me associar aos louvores que ao Governo têm sido rendidos pelo magnífico trabalho que apresentou e pela grandiosa tarefa que se propõe com o Plano de Fomento Nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se o ambiente político em que temos vívido há um quarto de século não tivesse modificado a nossa mentalidade, ensinando-nos a reconhecer nos homens de governo a seriedade de propósitos e a honestidade de processos, se não nos tivéssemos já habituado às realizações, por certo que o Plano não seria tomado a sério.
Um programa mais modesto do que aquele que se contém na proposta do Governo seria há vinte e cinco anos, e com razão, considerado um bluff político ou, pelo menos, fantasia de um sonhador.
Felizmente, Sr. Presidente, mudaram os tempos; e, se o Plano nos merece reparos, não é que o consideremos irrealizável, mas porque pretendemos mais e melhor.
E essa própria insatisfação representa, sem dúvida, um notável progresso: mostra que a Nação adquiriu a consciência das suas possibilidades e encara confiadamente o futuro.
O Plano é a demonstração irrefutável de que o País tem sido superiormente governado; só uma administração honesta e criteriosa poderia permitir a elaboração e a execução de um programa de obras de tal vulto.
Nunca serão, pois, excessivas as palavras de louvor e agradecimento a quem tornou possível uma tão profunda transformarão da vida nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A elas me associo calorosamente e dou, portanto, o meu apoio à proposta do Governo, que tende a mobilizar todas as fontes de riqueza do País para garantir a todos os portugueses uma vida melhor.
No que toca especialmente a Cabo Verde, permito-me, todavia, apresentar algumas reservas à forma como o problema é encarado e às soluções que a proposta sugere.
Quer no quantitativo que o Plano destina a Cabo Verde, quer na sua distribuição pelas diferentes rubricas, a proposta do Governo, a meu ver, não satisfaz.
Sabe-se, efectivamente, ser Cabo Verde a província ultramarina que mais necessita de auxílio financeiro.
Pois no Plano, que prevê o investimento de 6 milhões de contos no ultramar, apenas se destina a aplicar a Cabo Verde a diminuta quantia de 102 mil contos!
É certo que o Plano se baseia, para o respectivo financiamento, nos recursos orçamentais de cada província e nas possibilidades de garantia que o seu orçamento possa oferecer para a efectivação de empréstimos.
Todos sabem que o orçamento de Cabo Verde é muito pobre; que as receitas dificilmente chegam para cobrir as despesas; que estas se não podem reduzir, e que a vida financeira da província é, portanto, muito precária. Os funcionários são tão mal pagos que os dos quadros comuns fogem de servir em Cabo Verde. Os aposentados vivem em tão grandes dificuldades que, sempre que podem, mudam a residência para a metrópole, onde as pensões recebem sensível melhoria. Não há possibilidade, por virtude da natureza insular do território, de diminuir o número de funcionários. Nas tabelas de despesa ordinária os verbas para obras de fomento são, a bem dizer, inexistentes. Assim, para o ano de 1951 o orçamento inscrevia para obras novas a quantia de 390 contos, aumentada na tabela de despesas extraordinárias com 600 contos para obras diversas. E no orçamento do corrente ano a dotação das obras públicas para construções novas é de 100 contos apenas, prevendo-se, todavia, na despesa extraordinária o gasto de 1200 contos em obras diversas e 500 contos em serviços agrícolas e pecuários.
Uma pobreza franciscana, como se verifica.
As dificuldades financeiras de Cabo Verde são tais que, como já aqui declarei, são elas a principal razão por que advogo a sua exclusão do sistema ultramarino, já que a orgânica deste sistema determina que cada província se baste financeiramente a si própria.
Não se julgue, porém, que Cabo Verde careça de condições de vida. O que sucede é que as suas fontes de riqueza estão todas por explorar.
Cabo Verde é um caso típico da nossa colonização. Sendo incontestavelmente das nossas províncias africanas aquela onde melhor se fez sentir a influência civilizadora sobre o elemento humano, criando uma população homogénea, completamente integrada na maneira de ser portuguesa, vivendo, pensando e sentindo como se vive, pensa e sente na metrópole, na Madeira ou nos Açores, o que, em minha opinião, só constitui para a Nação motivo de orgulho, Cabo Verde é também a província cujos recursos económicos menos atenção têm merecido; aquela que, no ponto de vista material, se encontra mais atrasada.
Daí a dolorosa condição de um povo que criou necessidades iguais às do europeu, que mantém o mesmo nível de vida e que se vê na triste situação de não obter os recursos de que necessita.
A responsabilidade moral da Nação é grande.
E o problema não se resolve com a simplicidade que alguns supõem, dizendo ao cabo-verdiano: se queres viver vai para S. Tomé substituir os angolanos e moçambicanos que para lá já não querem ir.
Essa solução só seria de aceitar quando de facto se reconhecesse que a terra cabo-verdiana tinha já esgotado todos os recursos próprios.
Cabo Verde, porém, tem, a meu ver, condições de vida e só é necessário que se promova o aproveitamento adequado dos seus recursos naturais.
Apetrechando convenientemente o Porto Grande, desenvolvendo a agricultura, facilitando as comunicações, intensificando a pesca e fomentando a indústria, Cabo Verde ficará em condições de utilizar toda a sua população.
São para tanto necessárias duas ou três centenas de milhares de contos?
Pois que se emprestem, ainda que a província não possa garantir a liquidação em curto prazo dos encargos respectivos.
Manda a verdade que se diga que a metrópole não tem faltado a Cabo Verde com os auxílios de que a província tem necessitado em épocas de crise. Mas o efeito é precisamente esse: os auxílios só aparecem nos momentos de crise aguda, e, por isso, não remedeiam o mal e apenas debelam os sintomas de ocasião.
Em 1948, sendo Ministro das Colónias o ilustre Deputado capitão Teófilo Duarte, que conhece bem a província, à qual dedica particular afeição, como ainda ontem demonstrou no notável discurso que proferiu neste debate, foi concedido a Cabo Verde um empréstimo de 50:000 contos, assumindo a metrópole generosamente o encargo dos juros durante os primeiros cinco anos.
O decreto que autorizou o empréstimo dizia:
Reserva-se, porém, a parte substancial do empréstimo para ser despendida no fomento de Cabo
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Verde, em harmonia com um plano devidamente organizado e aprovado. Na concepção deste houve que procurar apoio para a economia da colónia numa base mais larga do que a estabelecida em trabalhos anteriores, de modo a promover a utilização de outras fontes de riqueza diversas da agricultura. E, assim, além das obras hidroagrícolas e de correcção de ribeiras e torrentes, das medidas de povoamento florestal e outras de interesse agro-pecuário relacionadas com o regime da propriedade, da abertura e reparação de estradas e caminhos, teve-se a preocupação de assegurar os meios indispensáveis à realização do inventário cuidadoso dos recursos do arquipélago e ao estudo de todos aqueles considerados susceptíveis de exploração rendosa, procurando-se, simultaneamente, auxiliar as iniciativas privadas por meio do crédito agrícola e industrial.
A verdade, porém, é que as circunstâncias não permitiram a aplicação prevista e do empréstimo nenhum outro benefício resultou a não ser terem-se salvo alguns milhares de vidas, o que, diga-se de passagem, justifica bem o dispêndio do dinheiro.
No entanto, a província tem de começar no próximo ano a satisfazer os encargos desse empréstimo, num montante superior a 5:000 contos anuais, sem que se saiba como, num orçamento apertado de 35:000 contos, se poderá encontrar contrapartida para tão pesada verba.
Ora, é precisamente para fugir a esse vicioso sistema que se torna necessário dar a Cabo Verde um auxílio substancial que lhe permita organizar a sua economia e firmar em bases sólidas a sua vida financeira.
Não pode Cabo Verde dar garantias para um empréstimo?
Mas, Santo Deus! Em que consiste a solidariedade solenemente proclamada na Constituição?
Ao facilitar créditos aos membros da comunidade nacional o Estado não pode colocar-se na posição de um prestamista vulgar. Assim o tem entendido o Governo. Assim o entende ainda, propondo que as somas destinadas à reconstrução de Timor sejam concedidas a título de subsídio gratuito, reembolsável na medida das possibilidades orçamentais da província.
Porque não tornar extensivo a Cabo Verde esse princípio, como sugere a Câmara Corporativa?
E, aceitando a sugestão, será isso motivo para se não alargar o financiamento?
Não nos parece.
O empréstimo, para ser operante, tem de bastar ao que é necessário.
De contrário, melhor será não o fazer, pois constituirá um encargo sem que se tenha aumentado a possibilidade de o satisfazer.
Sr. Presidente: certamente porque houve a preocupação de não exceder o montante de 102:000 contos, o Plano destina ao apetrechamento do Porto Grande de S. Vicente a verba de 20:000 contos.
Não são necessários conhecimentos especiais para se avaliar da exiguidade de tal verba para o apetrechamento de um porto.
A Câmara Corporativa expressamente o reconhece e aconselha o aumento substancial dessa verba, fundando-se, aliás, na própria proposta do Governo, que prevê o seu ajustamento.
Se, porém, não for possível um aumento substancial, entende a mesma Câmara que melhor será aproveitar a verba para a aquisição de mais material flutuante, de forma a permitir uma maior rapidez nos fornecimentos de combustível e água.
Não nos parece de aceitar a sugestão: primeiramente porque julgamos imprescindível e urgente a construção de um cais acostável e de um plano inclinado capaz, e, em segundo lugar, porque, sendo o material flutuante actualmente em serviço pertença de empresas privadas, que podem aumentá-lo e consta pensarem nisso, não se afigura conveniente o desvio da citada verba.
Se esta é insuficiente, como parece não haver dúvida, o que há a fazer é aumentá-la, como primeiramente sugere o bem elaborado parecer.
Para mais a ocasião é particularmente favorável para obras dessa natureza. Temos disponível abundante mão-de-obra que, com fracas possibilidade de êxito, se está escoando para as outras províncias para trabalhos agrícolas, em que anteriormente se não empregava. Por outro lado, revelou-se recentemente, graças à tenacidade de um curioso, a existência, também em abundância, de uma excelente matéria-prima - a pozolana natural - que diminui consideràvelmente e com vantagem o emprego do cimento nas obras hidráulicas. Estamos, pois, em condições de trabalhar barato.
Que razoes haverá para não aproveitarmos esta oportunidade?
Seria abusar da condescendência de VV. Ex.ªs repetir-lhes mais uma vez o que é e o que pode e deve ser o Porto Grande na economia de Cabo Verde e o que ele representa para os superiores interesses da Nação.
Limitar-me-ei, por isso, a afirmar que o apetrechamento do porto de S. Vicente constitui a base indispensável do desenvolvimento económico de Cabo Verde.
Creio mesmo que tudo quanto se faça em benefício da agricultura não terá influência sensível se se não tiver apetrechado convenientemente o Porto Grande.
E com menos de 50:000 contos nada de eficiente se poderá pensar em fazer.
Claro que não bastarão as obras indicadas no Plano. Como bem observa o parecer da Câmara Corporativa, elas precisam de ser acompanhadas de outras na ilha de Santo Antão, que é o abastecedor natural de S. Vicente.
Sr. Presidente: lê-se no relatório da proposta do Governo:
Portos, navios, rios, canais, estradas, pontes, caminhos de ferro, aeródromos, foram e são elementos indispensáveis para a economia, e a sua eficiente existência constitui o mais claro e seguro contributo que o Estado poderá prestar à melhoria das condições económicas.
Na mesma esteira, diz o parecer da Câmara Corporativa:
A segunda rubrica do Plano ocupa-se das comunicações e dos transportes, elementos fundamentais para o fomento, pois é através deles que vem a valorização das produções, proporcionando mais riqueza e facultando meios para desenvolver e melhorar em larga escala as condições económicas e sociais dos territórios e zonas que servem. Por isso se dá no Plano especial importância aos caminhos de ferro, rios, canais, estradas e pontes e aos portos e aeródromos, como meios necessários e indispensáveis de acesso que asseguram não só os transportes fáceis e rápidos dos vários produtos a distribuir, como ainda a sua exportação através das vias marítimas.
Escusado se torna salientar o valor da orientação, que a todas as províncias ultramarinas evidentemente interessa, de se procurarem impulsionar e desenvolver de forma apreciável os seus meios de comunicação e transporte.
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Qual a posição actual das comunicações em Cabo Verde?
O Porto Grande, que só por incúria nossa não é o melhor porto de reabastecimento do Médio Atlântico, mas ainda hoje tem uma frequência anual de 800 navios de longo curso, não garante o fornecimento rápido de combustíveis a vários barcos que simultaneamente o desejem, não possui um cais em. condições, não é servido de um armazém frigorífico, numa palavra, está dotado ao abandono, se lhe não acodem a tempo.
Dos outros portos da província nem vale a pena falar. O embarque e o desembarque, quando não oferecem perigo, constituem uma prova desportiva que demanda coragem e agilidade.
E quanto a estradas?
Melhor fora talvez não olharmos para o assunto. O panorama é desolador, direi mesmo angustioso.
Com uma superfície dupla da dos Açores, Cabo Verde não chega a ter a quinta parte das estradas daquele arquipélago.
S. Tomé, que tem uma área inferior à da ilha de Santiago, possui 329 km de estradas, quando esta ilha, que é de longe a mais bem dotada do arquipélago, apenas possui 190 km.
A ilha de Santo Antão, que é uma ilha essencialmente agrícola, com admiráveis condições de riqueza, que podia exportar, em quantidade apreciável, café, bananas, laranjas e outros produtos, e que é, como se disse, o centro abastecedor de S. Vicente, tem pelas estatísticas 60 km de estradas, quando a Madeira, que tem uma área sensivelmente igual, desfruta de uma rede de 298 km de estradas nacionais, além das municipais, que são importantes. E digo pelas estatísticas porque, se formos a ver bem, esses 60 km ficarão reduzidos a 40 km que possam ser utilizados por automóvel.
S. Nicolau, outra ilha de excelentes condições para a agricultura, e tanto assim que o plano lhe atribui 5:000 contos para melhoramentos hidroagrícolas, apenas tem 18,5 km de estradas para uma superfície de 343 km2!
Estão VV. Ex.ªs vendo que pouco ou nenhum valor terão os melhoramentos preconizados na proposta se estas ilhas não forem dotadas de vias de comunicação que facilitem a drenagem dos produtos.
Em Santo Antão, além de outras de necessidade não tão premente, há que construir desde já a estrada Pombas-Janela-Porto Novo, orçada em 6:600 contos, e em S. Nicolau a estrada Vila da Ribeira Brava-Praia Branca-Barril, computada em 1:300 contos.
Estas estradas muito beneficiarão a ilha de S. Vicente, garantindo-lhe o fornecimento de frutas e frescos à navegação que frequenta o Porto Grande.
A ilha do Fogo, que, além do café, muito procurado pelos apreciadores, produz rícino e purgueira, de colocação garantida, precisa de uma estrada que ligue S. Filipe aos Mosteiros, passando por Monte Vaca (2:600 contos), e da reparação da estrada que liga S. Filipe a Cova Figueira.
Isto para só indicar o que se julga de necessidade imediata.
Em relação a Cabo Verde, não destina a proposta do Governo qualquer verba para estradas, afirmando mesmo que ficarão, como até aqui, a cargo dos recursos do orçamento normal.
Ora nós já sabemos que o orçamento normal não comporta possibilidades para tanto.
Segundo os últimos números publicados, a despesa com estradas foi de 137 contos em 1944 e 133 contos em 1945!
Não comento.
Parece, pois, imprescindível que, a par dos melhoramentos hidroagrícolas, se inscreva no plano uma verba para estradas.
A dotação de Cabo Verde deverá, portanto, ser aumentada com mais 41:000 contos, pelo menos, sendo 30:000 para acrescer à verba do porto de S. Vicente e 11:000 para as estradas indicadas.
Tratando-se de quantias a obter por empréstimo, creio que o aumento não implica a necessidade de, em compensação, se reduzir qualquer outra verba.
Se, no entanto, assim não for, certamente que nas dotações das outras províncias se poderão encontrar verbas que sejam susceptíveis de redução, sem prejuízo da sua eficiência.
Lembro, por exemplo, a verba de 80:000 contos destinada à aquisição de terras e construção de casas para famílias de trabalhadores em S. Tomé.
Prevê a proposta que se possam fixar naquela ilha uns milhares de famílias cabo-verdianas que forneçam mão-de-obra às plantações e cultivem de conta própria terrenos incultos ou abandonados.
É de louvar, Sr. Presidente, a intenção do Governo. Parece-nos, todavia, que ela assenta numa base falsa - a existência de um excedente demográfico em Cabo Verde.
Em nossa opinião, uma vez mobilizados os seus recursos, Cabo Verde suportará desafogadamente não só a sua população actual, como mesmo alguns milhares mais. A prova de que a população não é excessiva é que, quando, após as crises que determinam a emigração em massa, surge um ano de boas chuvas, logo se sente a falta de braços para trabalhar a terra.
Depois, também é de considerar que o Cabo-verdúnio não se adapta bem nem ao clima nem ao regime de trabalho de S. Tomé.
Por outro lado, parece que o problema agudo de S. Tomé não é precisamente o povoamento, mas a mão-de-obra, que aquele só muito longinquamente poderia resolver.
E, porque se trata de uma verba a obter por empréstimo, é de supor que S. Tomé não tivesse motivo para lamentar ou mesmo estranhar a sua redução.
Concluo, Sr. Presidente, pedindo a V. Ex.ª e Srs. Deputados desculpa do tempo que lhes tomei com estas despretensiosas considerações, que mais não representam do que o meu legítimo e sincero desejo de que o Plano de Fomento seja para Cabo Verde o início de uma nova vida, mais tranquila, mais próspera e mais conforme à dignidade da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador fui muito cumprimentado.
O Sr. Sousa Rosal: - Sr. Presidente: mais um plano a marcar nova étape na marcha incessante e já gloriosa da Revolução Nacional.
Este traz, como os demais, bem à vista o cunho da «Era de Salazar». Está na moda governar por planos.
No tablado político surgiu por toda a parte uma nova técnica de governo que se generalizou e popularizou sob o nome de «planismo».
Nenhuma palavra, porém, teve menos significado político nem rotulou mais divergentes actuações nos campos económico e social.
Representou dureza e agressividade nos extintos regimes totalitários, mobilizando todos os recursos e energias para os impulsionar com um comando centralizado para fins imperialistas.
Representa desumanidade e opressão no regime comunista, escravizando o homem a uma ideia e a um sistema de trabalho para atingir fins políticos e ex-
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pansão territorial, estimulando os instintos materialistas, como se eles fossem a única razão de viver, sob a capa sedutora de reivindicações sociais.
Representa nos regimes socialistas a burocratizarão das nações e a despersonalizarão do homem, fazendo tábua rasa dos bens físicos e morais com que a natureza o dotou diferenciariamente. Sem incentivo individual e disciplina moral as qualidades peculiares do homem não se manifestarão plenamente no seu poder criador e realizador.
Mesmo nos países que ainda se dizem democráticos o planismo também se manifesta pela intervenção dos governos em determinados sectores, sob a pressão dos acontecimentos, para acudir a situações de emergência. Porém, quando querem fazer subsistir lado a lado o laissez-faire e o intervencionismo do Estado, só geram conflitos e insucessos. Planificam então quase sempre a desordem com a prática, de uma política de expedientes, servindo ao respeitável público, como coisa boa, um cocktail, todo feito de conservadorismo, liberalismo e socialismo, que não liga e sabe a velho.
Os problemas do nosso tempo não se podem solucionar dentro dos limites em que se desenvolviam com êxito anteriormente, nem com o antigo equipamento de ideias. As coisas e os homens encontram-se no Mundo numa disposição diferente. Estamos no limiar duma nova época, começa a ter-se uma nova noção de estado, soberania e liberdade, conforme o sentido presente das relações entre os povos, e das suas necessidades no seu estado actual de civilização, como, aliás, a história assinala sem pire em períodos de transformação do sistema social, como aquela a que estamos assistindo.
Que assim é revela-nos o estado de crise que se manifesta em vários cantos da Terra numa série de incidentes e perturbações, evidenciando a desagregação de uma ordem social que resiste a adaptar-se ao novo sentido da vida.
É nos países fortemente industrializados que esses sintomas são mais evidentes. A industrialização tem sido o elemento mais preponderante na transformação do ser social e do ambiente político, pela maior pressão de exigências que surgem dos aglomerados humanos que por efeito dela se constituem e pelo despotismo da técnica indispensável ao seu labor.
Essa técnica, fatalidade do nosso tempo, impõe um sistema de trabalho pensado e planeado que não pode exercer-se com eficácia sem condicionar e limitar até certo ponto a acção política.
Foi a sua projecção no campo político que deu origem à palavra «planismo», que, não definindo determinada filosofia política, concretiza um sistema de trabalho assente no método e no respeito pela hierarquia, marchando disciplinadamente para um fim determinado.
Se planismo se pode definir como sendo uma ideia posta em marcha, depois de amadurecida, por caminhos balizados, com meios adequados e sentido da oportunidade, para servir o bem público, quer em espaços e em tempos limitados, quer projectando-se na história como criadora de uma melhor civilização, já podemos encontrar no planismo, além de uma mecânica adaptada à vida moderna, uma expressão humana.
Assim despida da sua concepção, inteiramente materialista, pode não ser tida apenas como uma técnica do Governo para as circunstâncias presentes e caracterizar um sistema político.
O génio reformador de Salazar tem sempre operado por planos.
Salazar referiu-se ao planismo com as seguintes palavras que pronunciou no discurso de abertura do III Congresso da União Nacional:
Uma política é em si mesmo um plano, e um plano, mesmo medíocre, é sempre superior à falta dele, porque o trabalho certo, com fito determinado, revela a experiência superior mesmo aos golpes de génio esporádicos e sem sequência.
Podemos dizer que o Estado Novo tem evolucionado sob o signo do planismo desde o delinear dos princípios até às realizações.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A Constituição, estruturando e definindo o território da Nação e a, sua política, os direitos do cidadão, encarado individualmente, em família, e em sociedade, e a organizarão política do Estado, estabeleceu o nosso plano político.
O Estatuto do Trabalho Nacional, definindo a posição do Estado perante a Nação, a função social do indivíduo e dos factores da riqueza e os princípios fundamentais que regem a organização corporativa e a magistratura do trabalho, estabeleceu o plano económico e social.
A Lei de Reconstituição Económica, de 1935, ergueu o primeiro pilar do Plano de Fomento.
A proposta de lei que o Governo apresentou à Assembleia Nacional e estamos apreciando representa o erguer de novos e consistentes pilares do Plano de Fomento de que a Nação carece para atingir o nível de vida que procura e assegurar na ordem internacional o lugar que lhe pertence.
É mais um passo em frente que os homens, no nosso tempo vão dar no caminho do resgate, de há muito trilhado com timoneiro seguro e esforço heróico, espírito
de sacrifício e de compreensão, se não de todos, pelo menos da grande maioria de portugueses.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quem possa comparar o passado com o presente tem de ter como milagre nos nossos dias o que fez de grande e útil uma geração nascida e criada na infância e juventude entre lutas estéreis e mal preparada política e tecnicamente para os afazeres pesados da vida de hoje.
O passo que se deu com a Lei de Reconstituição Económica, de 1935, podia alguém julgá-lo mal medido e não assentar em terreno seguro, tal a sua grandeza e em razão da falta de confiança no nosso poder construtivo, não experimentado em obra de tanta monta.
E ao fim teve razão quem o pensou, lançou e lhe assistiu na sua execução.
O poder da direcção técnica, as possibilidades do trabalho nacional e a resistência financeira do País deram boas provas. Então podia-se ter dúvidas e contar com hesitações. Hoje já as não temos. O nosso poder de realização está exuberantemente provado no que fomos capazes de fazer ao abrigo da Lei de Reconstituição Económica e em sua continuação. Por isso o que se planeia nesta proposta de lei o encaramos com confiança quanto a solidez da construção, às limitações no tempo e apoio financeiro. Isto é muito, mas não é tudo para levar a bom fim tão grandes coisas.
O regime está em plena maturação e pode determinar com grande margem de segurança o que é de interesse nacional realizar, o que é possível realizar e quando e como o pode realizar. Tem de dispor, apesar de tudo, de um escol de administradores à altura do que se empreende, ainda não revelado suficientemente.
No Plano de Fomento estão claramente traçadas as linhas mestras que hão-de seguir-se na execução e os altos fins a atingir. Preside a ele a ideia de continuar a montar-se o equipamento económico para que em toda a terra portuguesa se aproveitem e movimentem com
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o menor esforço e o maior rendimento os seus recursos, de modo a chegarem a todos e na quantidade suficiente pura garantir uma vida sã e moral.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Distinguem-se no Plano de Fomento nitidamente as seguintes intenções:
Exercer uma acção colonizadora equilibrada e medida para distribuir e aproveitar melhor a nossa gente. Enraizá-la no território português e encaminhar ao mesmo tempo o excesso demográfico para terra estranha, convenientemente guiado, acompanhando e assistindo, para não só desnacionalizar e continuar a ser fonte de riqueza e de respeito pelas nossas qualidades de inteligência e de trabalho.
Aumentar a produção da energia, eléctrica indispensável ao desenvolvimento dos bens de utilidade pública e do bem-estar da população, tornando-a mais acessível.
Melhorar com a ajuda da técnica e da ciência as actividades agrícolas e industriais para aumentar o rendimento nacional e individual, e consequentemente o nível de vida.
Completar a renovação e alargamento dos meios de transportes e comunicações para fazer circular convenientemente os produtos naturais, as matérias-primas e os produtos transformados e dar mais conforto e comodidade às populações nos transportes colectivos.
Desenvolver o ensino técnico para preparação dos agentes que hão-de dirigir e executar com proficiência as missões de administração e técnicas nos desenvolvidos domínios económicos que estamos a talhar.
Estas parece que são as linhas e os objectivos principais dos problemas que o Governo equacionou nesta proposta de lei, e que já foram apreciados no notável parecer da Câmara Corporativa e estão agora a correr pelo nosso pensamento nesta Assembleia.
Problemas que vão ser postos à Nação para serem resolvidos com o entusiasmo, as preocupações e o esforço que suscitam, cabendo ao Governo, no momento oportuno, dar as suas ordens para se aplicarem as forças impulsionadoras, coordenar para os objectivos marcados os meios divergentes e múltiplos que na vida real se movimentam e corrigir, porventura, as directivas iniciais quando a previsão falhar ou os imponderáveis prejudicarem a tarefa ou a intenção.
Este processo em marcha para modificar a técnica da produção e desenvolver o potencial produtivo, em que está prevista a coordenação da economia metropolitana com a ultramarina, no propósito de constituir uma poderosa e completa unidade económica, leva a supor que estamos no caminho de uma reforma estrutural do nosso sistema económico, com as inevitáveis repercussões na ordem social.
Esta evolução no sistema económico influenciará, como disse, a ordem social.
Devemos contar com boas e com delicadas repercussões. As boas serão as que contribuírem para a melhoria dos bens e dos serviços e para os pôr a preços compatíveis com os rendimentos, os ordenados e os salários. As delicadas serão as que hão-de resultar dos atritos no ajustamento da nova estrutura económica às necessidades reais da Nação e ao evoluir da mentalidade social na presença de novos e mais potentes factores de riqueza.
Na série dos empreendimentos previstos no Plano de Fomento há aspectos complexos a encarar.
Complexidade que não vem só da grandeza dos problemas de natureza técnica ou financeira a ter em conta. Estes, apesar das dificuldades que apresentam, podem ser resolvidos com rigor matemático, desde que estejam devidamente planeados. Quero referir-me àqueles em que intervém o factor humano, com as suas emoções, difíceis de medir e dominar.
Há a contar que os interesses dos vários grupos económicos e sociais, engrandecidos e fortalecidos pelo desenvolvimento do Plano de Fomento, e encontrem e não se entendam. Este desentendimento pode vir a provocar crises e conflitos que levem a trair a verdadeira finalidade do Plano de Fomento se não soubermos transformar os conflitos de interesses que se adivinham numa acção colaborante por transacção racional e ajustada ao interesse geral e aos deveres da solidariedade a respeitar entre, os homens.
Não nos devemos deixar seduzir pela grandeza, e vastidão das obras; temos de prover, antes de as lançar, se correspondem a uma necessidade real, se são viáveis economicamente e se o homem será capaz de se comportar bem dentro delas. Não nos vamos nós encontrar, no fim e ao cabo de tamanho esforço e valiosos investimentos, na presença de desagradáveis surpresas por não termos considerado justamente o que supomos ser pormenor e que, em dada altura, verificamos ser vital.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Surpresas que podem manter-se nos domínios dos imponderáveis, desde que se pratique um verdadeiro planismo.
Planismo envolve a ideia de um conjunto de planos, mesmo dentro de um determinado ramo de actividade.
Plano financeiro, plano de construções e equipamentos, plano de organização e plano social. A conjugação meditada destes planos é o que dá a medida do êxito do empreendimento e da sua expressão política.
O plano financeiro garante os investimentos e marca logo de início, no recrutar dos capitais, as suas tendências económicas e consequências políticas.
Para evitar ofensas ao nosso corporativismo deviam atrair-se directamente às organizações das grandes empresas as pequenas e médias economias por meio de uma ajustada propaganda e garantias especiais.
Recrutar o capital sempre nas mesmas origens leva a colocar as empresas nas mesmas dependências e nas mãos dos mesmos homens ou dos interesses que eles representam.
Como corporativistas condenamos o sistema capitalista e não devemos, por falta de previsão e precaução, ser conduzidos à sua forma mais, prejudicial e detestável: a plutocracia.
Quando os métodos põem em causa os princípios tudo aconselha a mudar de métodos.
O plano de construções e equipamentos materializa os meios que tornam possível pôr de pé uma política.
O plano da organização é que dá sentimento à política que escolhemos e desejamos seguir. Este plano é a trave mestra do conjunto de planos. É nele que o homem, tendo que lidar com os outros homens e as coisas e conjugar os seus esforços, manifesta as suas qualidades de inteligência, senso prático e poder de reacção perante os acontecimentos que inopinadamente surgem e podem contrariar o planeado, até nos próprios fundamentos. As actividades a movimentar neste plano devem ser ligadas entre si, num esquema de orientação de conjunto, sem esquecer as formas de cooperação humana, com as suas qualidades adquiridas por cultura, aprendizagem e educação.
Isto pede uma divisão de trabalhos que permita colher os frutos da especialização e uma atribuição de responsabilidades, compreendendo nelas a previsão, a iniciativa e o risco, para todos os indivíduos ou grupos abrangidos, segundo as suas categorias.
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Uma das facetas mais vivas e importantes da organização é, sem dúvida, a administrativa. Obedecendo a regras e normas não políticas, podem engrandecer ou denegrir uma política pela simples análise e interpretação de contas de resultados, quer se trate de administração pública, quer de administração de negócios, na qual o Estado tenha tomado posição de natureza directiva e fiscalizadora.
Naquilo em que o Plano de Fomento incita e apoia a iniciativa particular há precauções especiais a ter em linha de conta.
A escolha cuidada das indústrias e culturas a instalar e a intensificar deve ser o primeiro passo a dar para evitar que as empresas vindas à luz do dia e às primeiras páginas dos jornais, com hinos de fé e de esperança, tenham depois de viver da caridade das pautas ou das organizações subsidiárias ou dependentes.
Não basta produzir mais e melhor; é necessário produzir economicamente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não basta criar riqueza; é indispensável que ela esteja disponível e seja útil à economia. Nem uma alta cifra de riqueza nacional nos diz que estamos num período de esplendor; tanto pode significar grandeza como pobreza; depende do número dos que têm de comparticipar dela e da maneira como está distribuída.
O aumento de produção não conduz sempre à prosperidade ou ao bem-estar geral, sendo até algumas vezes motivo de pobreza e de intranquilidade.
A prosperidade vem da garantia do consumo do produzido e de conceder ao produtor o rendimento justo e suficiente.
O consumo assegura-se pondo nos mercados os produtos a preços compatíveis com as possibilidades do consumidor e ao seu gosto, em condições de concomincia com os produtos similares estrangeiros.
Não se deve tomar como indicativo de uma boa aceitação nos mercados o que acontece em épocas de emergência, porque, sendo puramente eventual, não pode dar segurança, antes traz em si o germe de uma crise que se manifestará tarde ou cedo, se não forem tomadas precauções.
A produção deve ser encaminhada para satisfazer o consumo, segundo o grau das suas exigências, quanto à quantidade e quanto à qualidade. Se ao produtor não se garantir o rendimento remunerador, a produção, por falta deste estímulo básico, não progride.
O rendimento remunerador é a mola impulsionadora das organizações e um elemento de peso para o seu sucesso e continuidade. Essa rotina, de que somos acusados, tem na insegurança e pobreza do rendimento a sua mais séria justificação.
Não há afluxo de capitais nem poder de direcção que possam manter de pé organismos que trabalhem em regime de deficit periódico ou de intermitentes dificuldades de colocação de produtos, por mais patriotismo que se pregue e maior respeito que mereça a causa pública.
Tudo que tenha influência no rendimento tem de ser pesado e medido para que este se mantenha dentro dos limites compensadores, sem ser à custa de um viver parasitário.
As maneiras artificiosas de garantir rendimentos não dão segurança económica nem ajudam a progredir as organizações.
Restringir a produção para aumentar os preços, estabelecendo quotas de produção, tem o inconveniente de proteger pequenas unidades, mal apetrechadas, que lançam nos mercados produtos de inferior qualidade, que o consumidor se vê obrigado a adquirir por falta de melhor, e dá origem à negociata de compra e venda, de alvarás.
Subvencionar os produtores é outro artifício que dá certa segurança ao rendimento, mesmo em anos de abundância e de preços baixos. Deste modo, pode garantir-se uma relativa estabilidade económica ao produtor, que desempenha com mais gosto uma função útil que também lhe é proveitosa. Tem o defeito do provocar o lançamento de uma contribuição indirecta que atinge o produtor e o consumidor. É verdade que daí lhes vêm algumas compensações na aquisição de outros produtos a melhores preços, mas exige uma organização que absorve grande parte dos tributos.
O processo que se afigura de mais eficiência é o de aumentar o poder de compra, o que aumentaria automaticamente a procura. Desta maneira o produtor procuraria satisfazê-la, utilizando todos os recursos da ciência e da técnica para melhorar as qualidades e tirar o melhor rendimento.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O poder de compra é condicionado pelo movimento natural dos preços da produção e pela economia do consumidor. E, se não se consegue equilíbrio entre eles, entram ambos em crise. Estabelece-se então um círculo vicioso.
A produção queixa-se do consumidor porque este não lhe procura os produtos ou não lhos paga a preço remunerador. E o consumidor queixa-se da produção porque esta não remunera o trabalho suficientemente para poder comprar os produtos na qualidade e na quantidade que precisa. E ambos têm razão.
Na interrupção deste círculo vicioso está uma dificuldade séria a resolver.
Os factores que o dominam e lhe dão origem devem ser ajudados a procurar o equilíbrio, sem ser a custa de rendimentos artificiosos nem restrições desumanas no consumo.
Para isso pode o Estado contribuir de alguma maneira, promovendo que o trabalho seja remunerado o melhor possível e não consentindo rendimentos exagerados nem de especulação.
A melhor maneira de actuar é sempre pelo exemplo.
A aplicação de apreciáveis saldos de gerência das contas públicas em investimentos fomentadores, como se menciona no financiamento do Plano de Fomento, sem considerar devidamente a situação dos seus servidores, não é um bom exemplo. Tanto mais que as fontes naturais do financiamento de obras remuneradoras são os empréstimos, e estas não estão esgotadas. Segundo diz a Câmara Corporativa no seu parecer, com a sua autoridade técnica, não se afectaria o nosso prestígio e independência se tivéssemos mesmo de recorrer ao crédito externo.
Os servidores do Estado não podem deixar de contribuir, como toda a gente, para que não se detenha o obra magnífica do erguer do Portugal Novo. Eles devem ser o contribuinte que mais sente os sacrifícios. Estes não se medem pelo que se paga ou não se recebe, mas sim pelo que sobra ou falta para uma alimentação higiénica e um viver decente, depois de pago o tributo que se impõe.
Será equitativa a taxa aplicada ao funcionalismo público, avaliada pelo desnível entre o custo da vida e o que vence, considerando também o desconto de 30 por cento aplicado sobre o vencimento-base por efeito da passagem à situação de aposentação, justamente no período em que carece de mais conforto, atendendo à sua velhice ou estado físico?
Julgo que esta pergunta não é inteiramente despida de fundamento e de razão e não deixa também de ser
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oportuna, nas vésperas do início de mais um ano, em que se anuncia e prevê mais uma boa e fecunda administração pública.
É esta a altura de se lhe dar a resposta que merecer.
A contribuição do Estado para evitar rendimentos exagerados e de especulação pode dá-la, fazendo respeitar, por intermédio do controle oficial que exerce e que precisa de ser revisto, nomeadamente no que se refere à situação e poderes dos delegados do Governo junto das empresas, a sua autoridade coordenadora e fiscalizadora e limitando ao indispensável as medidas protectoras.
Compreende-se que a técnica, exigindo capitais fixos volumosos para a concentração conveniente da produção em grandes empresas, force o Estado, neste período de juventude da nossa industrialização, a protegê-la e auxiliá-la até com comparticipações de capital.
Competindo-lhe não perder o contacto com os organismos a quem concedeu regalias especiais, em nome dos interesses superiores da Nação, mas só para a servir, tem o dever de os amparar em momentos de crise que ponha em perigo o bem colectivo e a paz pública e a obrigação de não permitir abusos prejudiciais à função económica e social que desempenham e contrariar tendências de monopolização, indo até, quando for conveniente, à regulamentação da aplicação dos lucros. Estes devem ser encaminhados não apenas para os dividendos e gratificações desmedidas.
Os direitos do capital, da empresa e do trabalho devem ser respeitados com o espírito de equidade. Para o capital, o juro corrente; para a empresa, a constituição de uma reserva para a sua consolidação e desenvolvimento, e para o trabalho, a constituição de um fundo que assegure a assistência e a previdência que se deve ao trabalhador. Se o contacto se perder e o Estado se desinteressar da marcha dos negócios no plano nacional em que devem desenvolver-se, podemos ter como certo de que o espírito de incompreensão que instintiva e cegamente se manifesta em homens de todas as condições ofenderá o bem público e porá em perigo a harmonia social.
É justamente o bem público e a harmonia social que o Plano de Fomento deseja servir no fundo à custa do esforço heróico e abnegado sacrifício que vai exigir à Nação, no que todos, temos de comparticipar com devoção.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - As repercussões do Plano de Fomento estender-se-ão inevitavelmente ao mundo do trabalho, o que leva a pensar que se tem de pôr em marcha uma técnica social planificada.
O trabalhador não será letra morta no evolucionar da vida da Nação para novos e mais largos horizontes, para o estender dos quais terão de ser diligentes e disciplinados obreiros.
A acção educacional técnica e moral deve desenvolver-se junto deles, com bom senso, oportunidade e carinho, para os tornar seres conscientemente colaborantes. Não se podem submeter as predisposições naturais e habituais a normas mecânicas; se é certo que a técnica mecaniza cada vez mais as funções próprias do homem, não deixa por isso de exigir deles maior soma de conhecimentos. Esta maior cultura permite-lhe descortinar um sentir diferente da vida, que se manifesta visivelmente por um acréscimo de actividade e desejo intervencionista estranhos ao seu labor quotidiano, na procura, do caminho e do processo que o hão-de levar onde julga, que está a defesa e o prestígio do seu agregado familiar e social.
Estas manifestações tornam-se mais intensas e objectivas à medida que o trabalhador se concentra por efeito da industrialização ou se dispersa, organizadamente por efeito de uma colonização dirigida. Em ambos os casos terão de ser resolvidos problemas de habitação, assistência escolar educativa e técnica, assistência sanitária, e moral e segurança contra o desemprego e velhice. Problemas que têm de alcançar resultados idênticos, embora tenham de ser equacionados de maneira diferente.
As necessidades e as exigências do trabalhador fabril não são iguais às do rural; a todas elas se deve a mesma atenção e todos eles aspiram humanamente a uma melhoria das suas condições de vida. Todos eles têm tendências para exercer pressões colectivas, por intermédio dos seus organismos corporativos ou fora deles, quando custes se revelem incompetentes ou impotentes para interpretar e representar aquilo que julgam ser o seu direito.
Uma técnica social diferenciada deve actuar sobre as massas sociais concentradas junto dos núcleos industriais e as massas sociais dispersas pelo meio rural, ligadas pelos organismos corporativos. As massas industriais são conduzidas a um tipo de vida diferente do que o escolhido pelas rurais.
As suas reivindicações são mais vivas e impressionantes e por isso susceptíveis de se desviarem do seu caminho natural e humano, para campo político, onde se revelam prejudiciais aos seus próprios interesses.
As reivindicações das massas rurais são menos exuberantes do que as vindas dos meios industriais. No meio agrícola, ao contrário do que sucede no meio industrial, o trabalhador, espalhando-se por toda a terra agricultável, em pequenos centros ou casais agrícolas, e atraído para o sistema de vida patriarcal.
Os grandes centros fazem perder a noção de certos preceitos morais e de previdência, convidando a gastos supérfluos, enquanto que no meio rural os costumes st mantêm mais vinculados às tradições e hábitos dos seus maiores. Neste o agricultor aspira a constituir o seu pé-de-meia, na intenção de acudir aos dias maus que tantos são, e alargar o património que deseja legar a seus filhos, acrescido em extensão e rendimento.
Não estamos desprevenidos, na verdade, para acompanhar o progresso industrial no seu estender e aprofundar e mantê-lo construtivo e disciplinado dentro da nossa concepção política e técnica social. A organização corporativa, que maneja esta, tem em si o necessário para agir e ajustar-se aos acontecimentos, desde que saia da apatia em que se encontra, em virtude do ambiente e espírito burocrático que a envolve e a anima, de alto a baixo.
O corporativismo, para ser respeitado e estimado como sistema social que convém, terá de levar por educação os dirigentes e dirigidos a um nível análogo de pensamento e sentimentos, e só assim será quando todos estejam contentes consigo mesmo, por terem contribuído para o bem e a paz da sociedade e da Nação, encontrando neles o bem e a paz que desejavam para si o para os seus.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Termino aqui esta série de divagações de intenção política que alinhavei e vou entrar propriamente no assunto que me levou a tomar parte neste debate.
Alguns aspectos do Plano de Fomento que interessam ao Algarve: portos e aeroportos.
É com a mesma intenção que a eles me vou referir, dada a circunstância de não poder evocar outra autoridade ou qualidade além da que me vem da função
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política que estou a exercer. A função política tem que ver e abordar por alto e de conjunto, com isenção, os problemas que preocupam, afligem e dão prazer aos povos, indo buscar à técnica e até ao interesse privado, bem medido, a dose indispensável a uma solução humana, justa e nacional.
Se o político tivesse de ser necessariamente um técnico, onde o iríamos buscar para exercer a sua acção intervencionista na vida complexa e vária das nações com o conhecimento especializado dos assuntos bem diferentes que tem de enfrentar? Doutra maneira teria de ser ao mesmo tempo um bom economista, um bom engenheiro, um bom jurisconsulto, um bom agricultor e ter ainda muitas outras especializações, coisa impossível de conseguir e que nunca, alguém sequer intentou.
É com esta ideia que vou dizer alguma coisa sobre portos e aeroportos.
As velocidades e o conforto, cada vez maiores, oferecidos pelos meios de transporte marítimos e aéreos tornaram o Mundo mais pequeno e aguçaram o apetite de viajar. Os homens começaram a conhecer-se melhor pelo contacto directo que facilmente podem estabelecer.
A vida de relações culturais, políticas e económicas tornou-se mais intensa e íntima.
O transportado por mar e pelo ar melhorou em quantidade e qualidade, o que implica a obrigação de apetrechar convenientemente os portos e aeroportos, como elementos apreciáveis que são de engrandecimento e de prestígio nacional. É através deles que se estabelece o primeiro contacto com a terra estranha e logo se avalia pelas facilidades de acesso, dispositivo e natureza das instalações e pela ordem nos serviços do grau de civilização e importância económica do país em que se entra. Assim o tem entendido o Governo, dedicando-lhes desde as primeiras horas do ressurgimento uma cuidadosa atenção e vultosas verbas.
A verba de 985:000 contos prevista no Plano de Fomento para portos e aeroportos atesta a continuidade do propósito de desenvolver a importante função comercial e de fomento dos portos e aeroportos.
Portos. - O Algarve, pela sua situação geográfica, recursos naturais e actividades industriais e agrícolas, está intimamente ligado ao mar e de certo modo na sua dependência.
O mar é para aquela nesga de terra lá do Sul, com cerca de 200 km de costa, não só fonte de riqueza de trabalho para a sua indústria de pesca e de conservas, mas também caminho próprio para levar os produtos naturais ou transformados aos seus melhores clientes, que são os mercados externos.
O valor das suas exportações de frutos secos, cortiça, conservas e outros produtos tem atingido, por vezes, a cifra de meio milhão de contos. Para que o escoamento dos produtos de exportação e ainda a importação se façam em condições económicas e de segurança e a sua importante e numerosa, frota de pesca tenha abrigo conveniente e possa negociar em boas condições o seu pescado e fornecê-lo à indústria de conserva e consumo público em bom estado é evidente que a sua costa deve estar apetrechada para tal.
No desenvolvimento das obras de equipamento portuário nacional a costa algarvia tem estado presente com algumas obras e projectos de vulto, dirigidos essencialmente para os portos de Faro-Olhão, Portimão e Vila Real de Santo António.
No definir da política portuária, na chamada «lei dos portos» - Decreto n.º 12 757, de Dezembro de 1926 -, um dos primeiros planos de realização da Revolução Nacional, o Algarve não foi esquecido.
Na 1.ª fase das obras levadas a efeito em consequência do planeado despendeu-se a verba de 394:268 contos, paga pelo orçamento extraordinário do Ministério das
Obras Públicas e pelas receitas próprias das administrações portuárias locais, reforçadas, por vezes, com subsídios vindos de verbas inscritas no orçamento ordinário do Estado.
Dela beneficiaram o porto de Faro-Olhão, com 12:000 contos, gastos em obras de melhoria das condições de acesso ao porto, e o porto de Vila Real de Santo António, com 10:400 contos, gastos com a conclusão das obras de adaptação comercial.
O Decreto n.º 33 922, de 1944, fixou a 2.ª fase do plano portuário. No seu programa foram esquematizadas as obras que deviam consolidar e continuar as executadas da 1.ª fase a as destinadas a servir outros portos não abrangidos na fase inicial e ainda a promover a construção das instalações complementares para o desempenho das funções, económica e fomentadora dos portos.
Também, nesta fase, o Algarve foi considerado. Desta vez, além dos portos de Faro-Olhão e Vila Real de Santo António, incluídos nos trabalhos da 1.ª fase, apareceu mais o porto de Portimão a ser tomado na devida conta. No programa de obras a executar foi previsto o seguinte:
Porto de Portimão, 27:500 contos para obras de melhoramento da barra e equipamento do cais.
Porto de Faro-Olhão, 16:500 contos para conclusão das obras de melhoramento do acesso e obras interiores da costagem e equipamento do cais.
Porto de Vila Real de Santo António, 3:000 contos para equipamento do cais.
De facto não tem passado despercebida a importância dos portos algarvios, que marcam uma assinalada posição como elementos que não podem ser desprezados no conjunto económico nacional, na qualidade de portos de comércio, de cabotagem e de pesca.
O vento não tem soprado de feição aos desejos, nem com a intensidade esperada dos recursos, postos à disposição do portos do Algarve.
Procura o Plano de Fomento concluir as obras previstas na 2.ª fase do plano portuário de 1944 nos portos de Faro-Olhão e Portimão, para o que anuncia as seguintes dotações:
Para conclusão das empreitadas em curso de melhoramento da barra e construção da 1.ª fase da doca de pesca do porto de Faro-Olhão - 10:000 contos.
Para acabamento das obras na barra do Arade e instalações interiores para exploração comercial do porto de Portimão - 17:000 contos.
Parece que é intenção terminar com estas dotações as obras que desde há muito se arrastam, ultrapassando prazos, verbas e as previsões da técnica, com prejuízo da actividade normal das regiões que servem e do rendimento esperado da valiosa assistência financeira prestada.
O porto de Faro-Olhão serve a principal região produtora de frutos secos do Algarve e o seu principal mercado no País, que é Faro, e o grande centro industrial de pesca e de conservas de peixe, que é Olhão, e ainda importantes empresas industriais de cortiça.
As suas obras têm uma longa história que vem desde 1870, primeiro estudo feito pelo oficial de marinha e engenheiro hidrógrafo Bento Freire de Andrade.
Depois foram feitos outros estudos e projectos, dos quais se destaca o valioso estudo, datado de 1926, da autoria do engenheiro Duarte Abecasis, no qual se baseiam as obras em curso no porto de Faro-Olhão.
Estas obras foram iniciadas em 1927, sob a administração da extinta Divisão Hidráulica do Guadiana, com a abertura de uma nova barra, com 80 m de fundo, através da ilha da Culatra, em virtude das más condições das barras naturais existentes. A barra nova foi inaugurada em 1929, mas, triste é dizê-lo, apesar dos esforços feitos, ainda hoje não ofecere garantias
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seguras de navegabilidade. Esta situação espera-se que termine com a conclusão das empreitadas em curso, se não surgir mais algum azar ou surpresa.
De 1928 a 1933 foram gastos com a barra 6 744 contos e em 1933 e 1936-1937, com grandes reparações provocadas pelo vendaval de Janeiro de 1933 que assolou a costa algarvia, 12 756 contos.
O Anuário dos Serviços Hidráulicos de 1937 publicou o projecto aprovado para as obras da defesa, fixa do canal.
Em 1944 e 1945 foram feitas dragagens importantes para defesa e conservação das trabalhos realizados no canal de acesso e nos molhes.
Só em 1946 foi possível adjudicar as obras referidas no Anuário dos Serviços Hidráulicos de 1937, conjuntamente com as obras de ligação para as futuras instalações portuárias interiores o terrapleno destas, consideradas como acessórias das empreitadas das obras exteriores, por 19:030 contos.
Em 1948 foi adjudicada a empreitada de construção da doca de Olhão.
Estas obras deviam estar terminadas em 1951. Os encargos previstos de 16:500 contos no programa da 2.ª fase de obras portuárias de 1944 foram ultrapassados em muito, atingindo presentemente 33:500 contos.
Só a construção da doca de Olhão fez alterar a previsão das obras interiores de 3:000 contos para 14:337 contos.
Mais uma vez se anuncia o fim das obras do canal de acesso, que duram já há vinte e cinco anos e vão durar mais um certo tempo. Desta vez temos fé em que chegarão ao seu termo.
Elas têm sido o dente de coelho do porto Faro-Olhão e pomo de discórdia entre técnicos e práticos. Uma vez arrancado, será mais fácil o caminho a percorrer.
A dotação do Plano de Fomento mal chegará para a conclusão das obras do canal de acesso e da doca de Olhão.
Com o acabamento delas fica ainda longe a satisfação do que é indispensável fazer para que o porto Faro-Olhão seja na verdade um porto. Continuarão a faltar-lhe os cais de embarque e desembarque e as instalações comerciais e o equipamento solicitado pelo seu movimento.
Estas obras não estão completamente planeadas, mas julga-se que absorverão ainda cerca de 10:000 contos.
O porto de Portimão serve também uma importante região produtora de frutos e de indústrias de cortiça e é sede de uma das mais valiosas organizações de pesca, e de conserva do País.
De 1928 a 1945 o porto de Portimão beneficiou apenas de dragagens periódicas para conservação dos fundos e de pequenas obras interiores de aterros, drenagens e saneamento. Em 1937 o Anuário dos Serviços Hidráulicos publicava já os desenhos e projectos das obras de melhoramento da barra de Portimão, que foram incluídas, como já disse, na 2.ª fase do plano de obras portuárias de 1944, com mais uma verba para equipamento do cais. Foram só adjudicadas em concurso público em 1946, pela quantia de 35:507 contos.
A partir de certo ponto os trabalhos como que adormeceram e não houve forças que conseguissem resolver com a prontidão adequada às circunstâncias as dificuldades levantadas pela empresa adjudicatária.
Recentemente começou a actuar com outro ritmo, o que leva a supor que desta vez vai. O aspecto do porto foi durante muito tempo de abandono. Os perigos da passagem da barra, que se pretendiam evitar com as obras, aumentaram com o que se fez e não se concluiu, a tal ponto que nos princípios do corrente ano o acesso ao porto se fechou completamente à navegação, com grave dano para a laboração industrial e comercial da região que o porto serve e para a vida da numerosa população operária local.
Este estado de coisas foi remediado com a pronta intervenção do Sr. Ministro das Obras Públicas, que para ali mandou uma draga para desassorear a barra. A dificuldade não ficou resolvida com esta actuação de emergência e só o será com o acabamento das obras projectadas e dragagens periódicas da barra em virtude da sua disposição natural desfavorável.
O parecer da Câmara Corporativa parece optimista neste particular, no pensar dos leigos, em face do que se vê e do que se diz. São dele estas palavras acerca do estado das obras do porto de Portimão: «estão já em estado adiantado de execução, faltando apenas menos de um terço para o seu acabamento». Julga-se que esta conclusão, foi tirada não do que se fez e ha a fazer mas sim do que se gastou. Nesta altura as despesas somam, 31:000 contos.
Com a dotação do Plano de Fomento também o porto de Portimão não verá satisfeitas as exigências do seu tráfego de pesca e comercial, por falta de cais, instalações e equipamento apropriados. Não há ainda projectos feitos para o conjunto das obras interiores, por dependerem, em parte, do resultado dos trabalhos em curso na barra, não podendo ainda prever-se o seu custo, mesmo aproximado.
A continuidade das obras dos portos de Faro-Olhão e de Portimão tem de ser encarada desde já, para que a solução não se faça demorar. Para tal chamo a atenção do Governo, solicitando-lhe que lhe reserve a primeira oportunidade, se não for possível materializá-la no Plano de Fomento que estamos apreciando.
As juntas autónomas dos portos do Algarve, que presidem, aos seus destinos e sabem melhor do que ninguém os meios de que dispõem ou podem utilizar para o conseguir e a oportunidade e a natureza das diligências a fazer, devem estar atentas ao desenrolar dos acontecimentos.
Há que pensar desde logo nos respectivos projectos, e isto será a primeira deliberação a tomar e a primeira diligência a fazer.
O principal inimigo das obras dos portos do Algarve tem sido a falta de continuidade nos trabalhos. Para que o esforço financeiro do Estado na efectivação das obras portuárias, e designadamente nas de acesso e protecção exterior e de regularização e aprofundamento de estuários, resulte eficiente e se tire delas o rendimento previsto e esperado é necessário que o trabalho se realize com um ritmo certo e contínuo, porque o mar, no seu movimento constante e eterno, não perdoa hesitações nem demoras. Destrói o que se fez e não se consolidou e obriga a novos trabalhos quando se pára.
O não acabamento das obras interiores dos portos destinadas a exploração comercial (cais acostáveis, docas, planos inclinados e outras obras de carenagem) impossibilita o Estado, nos termos da base II do Decreto-Lei n.º 33 922, de 1944, de se reembolsar das despesas feitas, porque o reembolso só se inicia depois das obras acabadas. Tem mais o inconveniente de reter verbas que podiam ser novamente canalizadas para novas obras portuárias.
Dos portos do Algarve é o de Vila Real de Santo António que oferece presentemente condições de segura utilização, em virtude da sua disposição natural, da dragagem permanente da sua barra, do seu belo cais acostável, que permite a atracação de navios de grande calado, e do seu progressivo apetrechamento comercial. Foi ele, dos portos do Algarve, o primeiro a beneficiar com a política de valorização dos portos. As suas obras principais decorreram de 1928 a 1935, tendo-se gasto com elas, até 1935, 9:225 contos. As obras continuaram
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depois com o equipamento do porto comercial, terraplenagens, arruamentos, desembarcados flutuante e ligações com a via férrea. Para ser um porto apto a cumprir inteiramente a sua missão, como elemento indispensável à importante região algarvia e alentejana que serve e ao tráfego fluvial do Guadiana, falta-lhe, além de trabalhos complementares, a construção de docas de pesca que estejam à altura do seu intenso movimento. As suas lotas têm às vezes atingido os maiores valores dos portos de pesca do País, nomeadamente na época em que estão no mar as armações do atum. A ele não se faz referência no Plano de Fomento, mas o Governo não deixará de pensar no seu acabamento com as dotações orçamentais, ordinárias ou por arranjo de verbas no Plano de Fomento.
A falta de docas de pesca no porto de Vila Real de Santo António está causando prejuízos e canseiras às actividades ligadas à pesca e à indústria de conservas, quer no abrigar dos barcos em ocasiões de temporal, quer nas operações da lota, quer na descarga e carga do peixe.
A propósito do serviço permanente de dragagem da barra do Guadiana, que permite manter sempre aberto à navegação o porto de Vila Real de Santo António, feito pela empresa da mina de S. Domingos, mediante facilidades concedidas pelo Estado e ultimamente com um subsídio anual de 100 contos, isto porque lhe interessa, que a barra esteja sempre em condições de trânsito para os navios que vão ao Pomarão carregar o seu minério, deixai-me dizer que as obras de defesa das barras, para serem eficazes, têm de ter como acção complementar um serviço de dragagem permanente, sem o que teremos periodicamente situações difíceis para a navegação e para as organizações e pessoal que dependem do movimento dos portos da natureza daquelas que derivaram do assoreamento da barra de Portimão, a que me referi.
Os trabalhos de dragagem têm-se revelado insuficientes para o conjunto das necessidades portuárias nacionais, apesar da intensidade do esforço feito, expresso nos seguintes números: durante o período de 1947 a 1949 foram dragados mais de 2 milhões de metros cúbicos de areia, lodos e rocha quebrada e lançados, por bombagem, para aterros perto de 300 000 m3 dragados e quebrados perto de 6 500 m3 de rocha submarina, em vários portos. Os valores dos trabalhos efectuados pela Divisão de Dragagens nos anos de 1948 e 1949 atingiram, respectivamente, as cifras de 6 743 contos e 5:215 contos, não incluindo as dragagens feitas pela Administração do Porto de Lisboa com material próprio adquirido nu América.
Estes números impressionantes e a necessidade de uma assistência permanente aos portos justificam a existência de um serviço público autónomo de dragagens convenientemente dotado em pessoal e material e pago pelas administrações e juntas autónomas dos portos e pelo Estado, quando fosse caso disso, por efeito da prestação de serviços eventuais ou periódicos resultantes de uma ronda das dragas para manter os portos limpos. Outra modalidade seria a de permitir e facilitar a formação de organizações regionais para tal fim.
As Juntas Autónomas dos Portos de Barlavento e Sotavento do Algarve poderiam, em face do agrupamento natural e da importância dos seus portos e das exigências da sua constante dragagem, organizar um serviço privativo, que talvez fosse mais eficiente e económico se considerarmos as verbas despendidas normalmente e as dificuldades que têm surgido.
É um assunto que as juntas autónomas dos portos do Algarve não devem deixar de mão, pelo muito que interessa à administração que exercem.
No porto de Portimão têm-se gasto com dragagens durante os onze últimos anos cerca de 10:000 contos.
As suas exigências neste particular são da ordem dos 2:000 contos de dois em dois anos.
O problema de dragagens deve ser tomado na devida conta e oportunidade, como meio indispensável que é para o bom êxito da política portuária em desenvolvimento.
Quantos mais portos aprontarmos mais dragagens haverá a fazer para manter as barras, os estuários e os canais limpos e aptos à navegação atraída a eles.
Afigura-se assim que é de promover o reforço e renovo do material de dragagem.
As dragas ao serviço da Divisão de Dragagens têm uma vida que vai de quarenta a vinte anos e sempre intensa. Para as manter em condições de uso gastam-se anualmente acerca de 10:000 contos, e cada vez será mais. No Plano de Fomento devia ter sido atribuída uma verba para aquisição e renovo das dragas, a fim de evitar que, em dada altura, surja uma dificuldade quase insuperável pela inutilização simultânea das dragas em uso.
A sua substituição custaria então de 200:000 a 300:000 contos, considerando o número de dragas existentes e o seu custo actual. Não será do mais pensar neste caso; neste momento é dar-lhe começo de solução no Plano de Fomento, se for possível e aconselhável, como penso e corre nos meios competentes.
Voltando aos portos do Algarve.
Poderá parecer a alguns muito porto para tão limitada região. Os factos demonstram que esses não tem razão.
Todos os referidos portos têm a sua vida própria, como se pode verificar por este mapa com o apanhado do movimento dos principais portos do Algarve nos anos do 1946 a 1951, que não vou ler para não maçar, e que mando para o Diário das Sessões para apreciação:
Mapa de movimento dos principais portos do Algarve durante o período de 1946 a 1951
[ver mapa na imagem]
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Mapa de movimento dos principais portos do Algarve durante o período de 1946 a 1951
[ver mapa na imagem]
[continuação]
Nota. - Não vão mencionados os valores do pescado vendido nos portos do Albufeira e Quarteira e em outros portos de menos importância por falta de elementos, mas pode-se calcular que ultrapassam a dezena de milhares de contos.
Têm as suas zonas de influência mais ou menos definidas e caracterizadas e são assistidos por importantes organizações comerciais e industriais que em volta se criaram e os fazem movimentar.
No estudo comparativo do valor económico dos portos verifica-se que os três portos algarvios de Faro-Olhão, Portimão o Vila Real de Santo António se mantêm sempre entre os primeiros da sua categoria no que respeita à pesca desembarcada, ao comércio especial e a receitas alfandegárias.
O princípio de concentração em grandes portos, se tem vantagens quanto a facilidades de tráfego, resultantes do melhor rendimento que se pode tirar do equipamento e da administração portuária, não tem, entre nós, grande justificação, pelas condições particulares da nossa economia, geralmente muito parcelada e movida por actividade de dependência regional.
As indústrias e o comércio que dão vida aos portos do Algarve seriam prejudicados se não pudessem utilizá-los para as suas exportações. As mercadorias, por efeito das suas deslocações para portos centrais, seriam oneradas com transportes terrestres desnecessários.
Os centros populacionais e produtores que servem não se desenvolveriam e as populações ficariam privadas de meios do trabalho tradicionais, o que levaria à atrofia o até ao aniquilamento de centros de produção muito importantes para a vida equilibrada e próspera da Nação.
No Algarve temos um exemplo vivo da influência dos portos no desenvolvimento local. O declínio da vida e importância das cidades de Tavira e Lagos deve-se, de maneira preponderante, à insuficiência dos seus portos. Basta a actividade piscatória do Algarve para dar categoria aos seus portos no quadro das obras portuárias.
Apesar das deficientes condições em que os portos do Algarve têm trabalhado, são procurados regular e intensivamente pela navegação, mantendo-se neles um tráfego relativamente importante. Deficiências que têm origem nas dificuldades do acesso e de atracação, obrigando a transbordos incómodos fora da barra e nem sempre possíveis e, consequentemente, a um acréscimo de despesas com barcagem, aumento de fretes por efeito de demoras e de seguros por falta de segurança nas operações de embarque e desembarque.
É fora de dúvida que a conclusão das obras iniciadas desde há muito levaria a um maior incremento do labor económico da província, dando maior volume e garantia de prosperidade às organizações comerciais, industriais e agrícolas, facilitaria e melhoraria a situação de milhares do trabalhadores que utilizam o de outros que viriam a utilizar, do que resultaria uma substancial contribuição para o fortalecimento do poder económico e a melhoria de vida que se procura com este Plano de Fomento.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Há ainda outros portos algarvios do importância, como os do Lagos, Albufeira e Tavira, que não têm merecido ainda a atenção que o seu destino requer. Destes apenas no de Tavira foram feitas obras de vulto, destinadas essencialmente ao acesso da navegação do pesca e de cabotagem. Obras em que se gastou a quantia do 6:443 contos de 1927 a 1933, com a abertura de uma nova barra, através da ilha do Tavira, por só ter assoreado completamente o antigo acesso marítimo.
O porto de Albufeira deverá um dia ser apetrechado para porto de pesca e de abrigo com o fito de servir as necessidades dos seus pescadores e as dos espalhados pelas desabrigadas praias vizinhas, como local de refúgio, quando surpreendidos pelo temporal durante a sua faina, dadas as suas condições naturais e localização.
O de Lagos, por natureza da sua formação e situação geográfica, com a sua notável baía, que mede de abertura cerca de 5 milhas e com a profundidade de 1 milha e magníficos fundos de areia de 30 m, recomenda-se para instalação duma base naval, a considerar no aumento do nosso poder marítimo.
Se ela já fosse um facto, estou convencido de que seria de grande proveito para a estratégia da defesa ocidental, em virtude da segurança e independência que ofereceria às frotas das Nações Unidas para actuarem nas rotas do Mediterrâneo e do continente africano.
Este porto tem visto diminuir, dia a dia, o seu movimento por falta de obras que lhe satisfaçam as suas necessidades comerciais, industriais e piscatórias presentes o bem merece ser olhado sob este aspecto enquanto não lhe for dada a categoria que lhe está marcada no seu destino.
As suas obras têm-se limitado quase às periódicas reparações no velho molhe do cais da Solaria, projectado em 1905 e construído nos anos seguintes, pois, apesar de estar assente em rocha, tem de ser continuamente reparado, pela exposição aos ventos e ao mar do fora.
Compreende-se muito bom que nem tudo o que devia ser é possível, como e quando se deseja. Porém, para que uma aspiração possa um dia ser realidade, no que tiver de verdadeiramente útil, é bom não a tirar do pensamento nem deixá-la navegar ao sabor da descrença.
Nisto, como em tudo, é preciso fé e persistência no pedir e no fazer.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É conveniente dizer, aqui e nesta ocasião, que a política portuária, que tem estendido a sua benfeitoria aos portos do Algarve, que a passos largos e mal medidos historiei, com base nos elementos que consegui colher, para dar à Assembleia uma ideia da natureza, do volume e do estado em que se encontram as obras, não os tem considerado, na justa medida, no que diz respeito ao que se fez e ao que se projecta fazer, com as verbas consignadas no Plano de Fomento, se tivermos em conta a relatividade existente entre o
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valor económico dos portos e o valor dos benefícios já distribuídos e dos projectados agora no Plano do Fomento.
Aeroportos. - No plano das infra-estruturas continentais, julgadas necessárias para servir a navegação internacional e as carreiras aéreas nacionais contava-se com o estabelecimento dum aeroporto no Algarve.
Chegou a estar inscrita no Orçamento Geral do Estado dos anos de 1946 e 1947 a verba de 3:000 contos para lhe dar princípio de execução. Foi mesmo fixado o quadro do seu pessoal, com as respectivas remunerações, no Orçamento Geral do Estado dos anos de 1948 e 1949.
Pelo que se sabe, só por critério administrativo mal orientado pelas autarquias provinciais e por falta de intervenção superior adequada o processo de construção do aeroporto foi interrompido.
Os que estão convencidos de que a construção de um aeroporto no Algarve representa da nossa política de aeronavegação um valor indispensável têm como certo que não serão pequenas dificuldades fáceis de resolver que devem impedir a sua construção.
Este convencimento nasce da ideia que se tem de que o sul do Tejo não deve estar excluído dos benefícios da aeronavegação.
O Algarve reúne um conjunto de condições que o tornam a sul do País um caso preferencial, com base em razões que ultrapassam os limites das aspirações e interesses puramente regionais.
Em primeiro plano surgem as condições meteorológicas de excepção que fazem do Algarve uma região única do País para instalar um aeródromo de recurso e segurança para a navegação aérea internacional que utiliza intensamente o Aeroporto de Lisboa. Todos temos conhecimento, pelo que periodicamente publicam os jornais, de que circunstâncias climatológicas perturbam por vezes o serviço de chegadas e partidas de aviões no Aeroporto de Lisboa. No território continental apenas dispomos de mais uma infra-estrutura capaz de se pôr ao serviço dos aviões das carreiras internacionais: o Aeroporto das Pedras Rubras.
No parecer da Câmara Corporativa recomenda-se que este Aeroporto não seja omitido na distribuição da verba consignada a aeroportos no Plano de Fomento, com fundamento na sua função alternante do de Lisboa.
Este fundamento parece não ser o apropriado para o que se recomenda.
O Aeroporto das Pedras Rubras é indispensável para servir a numerosa e valiosa população nortenha e a segunda cidade do País, mas como alternante do de Lisboa parece que não, isto pelo que disse o ilustre engenheiro geógrafo o astrónomo do Observatório de Lisboa Dr. José António Madeira, numa comunicação que fez ao II Congresso Algarvio, recente manifestação cultural e intelectual das elites algarvias, sobre as «Características meteorológicas do Algarve no quadro geral da climatologia portuguesa», nas seguintes palavras:
É certo que temos um aeródromo na cidade do Porto (Pedras Rubras), mas as condições do meio ambiente não lhe dão categoria de figurar como alternante, visto se apresentar poucas vezes com melhores possibilidades de utilização que o Aeroporto da Portela. Quando neste último está mau tempo, naquele é quase sempre ainda pior, sucedendo às vezes o próprio Aeroporto ter do funcionar de alternante em relação ao da capital do Norte.
O que se tem constatado nos dias em que o Aeroporto da Portela não permite a aterragem de aviões é que a aviação internacional toma o rumo de aeroportos estranhos, nomeadamente os de Madrid, Casa Branca e Gibraltar. Isto não se faz sem prejuízo dos nossos interesses, sem agravamentos de despesa para as empresas de navegação aérea e sem incómodo para os passageiros.
Estas contingências, que se dão em toda a parte, em grau maior ou menor, poderiam ser reduzidas, entre nós, a proporções insignificantes se houvesse um aeroporto no Algarve.
Esta afirmação faço-a com fundamento na referida comunicação, que cita o resultado do estudo comparativo que fez o seu autor das condições meteorológicas do Lisboa e de Faro, região escolhida para situar o aeroporto do Algarve nos dias em que o tempo impedir a utilização do Aeroporto da Portela.
A título elucidativo, refere-se o que se passou no Aeroporto de Lisboa no dia 2 de Novembro de 1949, transcrevendo a seguinte noticia do Diário da Manhã, que julgo oportuno ler, para documentar as razões que militam a favor do aeroporto de Faro:
O nevoeiro que na manhã de ontem envolveu Lisboa afectou, como sucede sempre em tais circunstâncias, o movimento marítimo e aéreo. Sobretudo no Aeroporto da Portela de Sacavém, tanto as chegadas como as partidas dos diversos aviões da carreira sofreram sensíveis atrasos.
Os da British European Airways, da carreira Lisboa-Londres, e os dos Transportes Aéreos Portugueses, para o Porto e Paris, não puderam sair dentro do horário.
Por outro lado, os aviões da TWA e da Pan American, que eram esperados entre as 7 e as 8 horas, sobrevoaram o Aeroporto entre três a cinco horas, tendo o primeiro, em viagem do Nova Iorque para Roma e Cairo, seguido para Madrid, donde voltou cerca das 14 horas e 30 minutos.
O Clipper sobrevoou a zona do Aeroporto durante quatro horas e vinte minutos, tendo aterrado normalmente com diversos passageiros para Lisboa e África do Sul.
O avião da Panair vindo da América do Sul, depois de sobrevoar o Aeroporto, também durante largo tempo, tomou o rumo de Madrid, onde aterrou. Voltou a Lisboa com passageiros para Paris e Londres.
O avião cubano chegou também com um atraso de cerca de duas horas, trazendo abordo quarenta e um passageiros espanhóis e cubanos para Espanha.
Outro avião, o B. S. A. A., vindo de S. Paulo para Londres, como não pudesse aterrar, seguiu para Gibraltar.
E comenta:
Enquanto isto se passava no céu de Lisboa, a zona de Faro apresentava boas condições meteorológicas; nem sequer existia ali uma simples névoa.
Estas diferenças de condições do meio ambiente foram verificadas em vários outros dias em que o Aeródromo de Lisboa esteve fechado à navegação aérea; e em virtude do estudo comparativo já citado escreveu mais o seguinte:
Nos anos de 1948 e 1949 esteve o nosso Aeroporto encerrado durante duzentas e onze horas e trinta e seis minutos e cento o sessenta e cinco horas e um minuto, referente a trinta e nove e dezanove dias. Enquanto isto se passava na Portela de Sacavém, apenas se registaram dois dias de nevoeiro, e poucos mais de céu totalmente coberto de nuvens, na região de Faro, mas em qualquer dos casos os objectos eram bem visíveis e identificáveis à distância de 2 km.
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Só com estas razões podemos dizer que a construção do aeroporto de Faro representa uma premente necessidade para a nossa política de aeronavegação e será motivo do prestígio internacional.
Há outras razões de peso que também não são de exclusivo interesse regional. Como elemento de turismo também o aeroporto de Faro prestaria um bom serviço à província e ao País. O turismo é uma valiosa indústria fomentadora de riqueza e ao mesmo tempo um meio agradável de cultura.
A passagem e paragem forçada de estrangeiros pelo aeroporto do Algarve teria a vantagem incalculável de estabelecer o contacto com a sua paisagem, o seu clima e a sua gente, o que faria despertar em alguns o apetite de voltar noutras circunstâncias.
O Algarve, pela sua situação excêntrica em relação ao resto do País e pela interposição do vasto e melancólico Alentejo, é uma província pouco conhecida e apreciada nas suas belezas características, no seu clima privilegiado e nos seus pergaminhos históricos.
Um meio mais rápido e mais cómodo de transporte seria um instrumento apreciável para quebrar um pouco esse encantamento em que está.
Não só a maioria dos portugueses o não conhecem suficientemente, como também alguns dos homens responsáveis pela direcção e marcha da coisa pública, o que não tem sido agradável nem proveitoso.
Porventura são suficientemente conhecidas as belezas inigualáveis da sua rendilhada costa e das tonalidades diferentes da sua paisagem cheias de vida e de luz, que a sul é envolvida por horizontes infindos, porque o céu se confunde com o mar por andarem ambos vestidos do mesmo azul raro e lindo?
Porventura são suficientemente conhecidas a tranquilidade do mar e a amenidade do clima, que tornam as suas praias apetecíveis estâncias marítimas do Inverno e meio propício para a prática de desportos náuticos e de pesca?
Porventura são suficientemente conhecidas as particularidades do clima para tratamentos helioterápicos, tratamento de esgotados e de doentes pulmonares?
Porventura é suficientemente conhecido o papel do Algarve e da sua gente na fundação da nacionalidade e na gesta dos Descobrimentos, atestado pelos seus monumentos e lugares históricos?
Por lá se encontra o túmulo de D. Paio Peres Correia, na Igreja de Santa Maria do Castelo de Tavira, heróico cavaleiro dos tempos da fundação da nacionalidade e conquistador de vastas terras do Algarve; o Arco do Repouso, onde D. Afonso III descansou em Faro depois da conquista das últimas terras do Algarve e do Portugal velho; o Castelo de Alcoutim, onde se fez a paz entre os reis de Portugal, D. Fernando, e de Castela, D. Henrique; os Castelos de Loulé e de Silves, em volta dos quais se verteu tanto sangue cristão para os conquistar à aguerrida mourama; as hospitalares Caldas de Monchique, impossibilitadas de continuar a sua caridosa missão porque o Governo, que as mandou derrubar para as fazer melhores, depois se esqueceu de as mandar erguer, procuradas pelo grande rei que foi o Príncipe Perfeito para alívio dos seus males, tendo vindo a morrer deles na terra algarvia de Alvor; a janela manuelina do arruinado castelo dos governadores do reino do Algarve, em Lagos, donde D. Sebastião assistiu ao embarque da garrida e belicosa mocidade que se havia de perder em Alcácer Quibir, e com ela a independência; a terra santa de Sagres, onde não há um simples padrão que ateste condignamente que por ali andou o infante D. Henrique a pensar, a estudar e a gizar os meios que nos puseram no caminho da epopeia dos Descobrimentos.
Foi lá que se finou, com os olhos postos em Deus e o pensamento no grande sonho, embalado pelo bater do mar e o assobiar do vento por entre as ribas altas da costa, seus aliados e seu tormento, como que a despedirem-se e a mostrarem o respeito em que o tinham.
Por tudo isto, julgo que chegou a oportunidade de fazer sair dos arquivos onde recolheram, em hora de má inspiração, os planos do Aeroporto do Faro, para voltarem novamente às mãos do Sr. Ministro das Comunicações, que assim terá uma oportunidade de prestar mais um valioso serviço ao País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Estou certo de que desta vez o Algarve não lhe faltará com a indispensável colaboração.
Sugestionado por estas considerações, que englobam interesses materiais e espirituais que não podem manter-se arredados da marcha objectiva da governação pública, que tem estendido os seus olhos e a sua acção a todos os cautos do mundo português, venho solicitar, neste momento em que a Assembleia Nacional, pela boca dos representantes de toda a terra portuguesa, agita problemas da maior transcendência para o futuro do País, a atenção para alguns, em que o Algarve é digno comparticipante, de corpo e alma.
Vou finalizar submetendo à apreciação da Assembleia os seguintes alvitres que me parecem dignos de trazer à discussão e de serem atendidos nas resoluções a tomar, com base no que disse acerca dos portos do Algarve e aeroporto do Faro e no que o parecer da Câmara Corporativa sugestiona para outros portos e Aeroporto do Porto:
1.º Que se acrescentem duas novas rubricas à alínea c) do n.º 1 do mapa n.º 1 anexo ao Plano de Fomento, na epígrafe «Investimentos nas comunicações e transportes»:
Diversos portos;
Aquisição de material de dragagem.
As verbas a inscrever seriam destinadas a cobrir os encargos de obras de acabamento e continuação nos portos, dotados ou não no referido mapa, cuja paragem possa fazer perigar ou tornar inútil o trabalho feito, e ainda para manter a continuidade dos estudos respeitantes a melhoramentos portuários presentes e futuros, e bem assim ao aumento e renovo do material de dragagens;
2.º Que na hipótese de a Assembleia não se sentir habilitada para fixar verbas nas referidas rubricas, por falta de elementos ou insuficiência de poderes constitucionais, se faça uma recomendação ao Governo exprimindo o desejo que a Assembleia manifestar no referido sentido.
O Governo pode dar-lhe satisfação durante a vigência do Plano, com os poderes de que dispõe e com o conhecimento que vai tendo das necessidades e possibilidades. As verbas fixadas, representando simples previsões para um período tão longo e destinadas a satisfazer projectos ainda não definidos suficientemente, terão de sofrer alterações, tal qual sucedeu durante o período abrangido pela Lei de Reconstituição Económica;
3.º Que a verba do 70:000 contos inscrita no mapa n.º 1 na epígrafe «Investimentos nas comunicações e transportes», no seu n.º 2, beneficie também o Aeroporto do Porto e sirva para executar obras no aeroporto de Faro.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Sousa Meneses: - Sr. Presidente: não se pode de facto entrar neste debate sem começar por afirmar que é caso para todos nós nos sentirmos contentos com a apresentação deste Plano de Fomento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Só pode ser um desejo de vida nova e remissão de velhos pecados, como diz o ilustre relator do parecer da Câmara Corporativa, mais do que isso ele representa um desejo de engrandecimento nacional.
No seu apreço geral, na vasta amplitude do seu traçado, só há de facto que louvar. Mas é justamente por ter tamanha extensão que este Plano só pode ser apreciado se o fragmentarmos e o seguirmos na direcção dos objectivos a atingir.
É nesse sentido que eu também subo a esta tribuna para fazer algumas considerações e trazer alguns reparos sobre a sua extensão ao distrito que aqui represento. Assim, irei concretamente à aplicação do Plano, sem entrar nas regras gerais da sua concepção.
Se para alguns este Plano não é mais que o complemento de obras já projectadas em planos anteriores, não iniciadas algumas, não acabadas outras, mesmo que só isso fosse, ainda seria muito, porque seria poder terminar o que se tinha começado e, em qualquer circunstância, uma afirmação de possibilidades.
Mas não é só isso o que ressalta deste Plano. Temos de o considerar como junção de novas vontades e novas forças para o impulso a dar às construções do futuro.
Não se poderá negar que são revelações da capacidade dos homens que nos governam, afirmações de vitalidade do País, realidade de possibilidades, que agora se juntam para remir esses velhos pecados mencionados no parecer da Câmara Corporativa. Não se pode também negar que com ele voltam esperanças que já haviam adormecido, renascem confianças que já se consideravam esbatidas, acendem-se certezas que já se julgavam perdidas. Se é continuação do que se começara, é também vida nova que segue.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Há razão de facto para que um grande contentamento paire sobre toda a Nação, como se tem vindo a manifestar.
Se pode ser pequena a massa de povo que aqui represento a manifestar também esse contentamento, é grande a sinceridade com que deponho nas mãos de V. Ex.ª, Sr. Presidente, toda a vibração, todo o entusiasmo, toda a confiança que o meu distrito também sentiu ao tomar conhecimento desta iniciativa do Governo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não é porque ele venha especialmente mencionado em qualquer dos empreendimentos indicados, pois de facto é o único distrito insular que em nenhum figura, mas isso não obsta a que se considere a grandeza do Plano e não obstará, creio eu, que para ele revertam também benefícios incluídos na generalidade do que ainda não vem especificado, porque à Nação o distrito igualmente pertence. Eu quero mesmo acreditar que ele esteja sempre presente no pensamento do Governo, como por certo tem estado nas preocupações que lhe tem trazido.
Eu quero acreditar que nas justificações do Plano cabemos também, e com fundadas razões, quando nele se diz que «para a economia metropolitana os principais
objectivos a tomar em conta nos próximos anos são o fomento da agricultura, o aumento da produção da energia hidráulica, o desenvolvimento das vias de comunicação e dos meios de transporte».
Embora desta vez tivesse esquecido a consagrada fórmula «continente e ilhas adjacentes», é consolador verificar que o não esqueceu a Câmara Corporativa na frequência com que esse inseparável conjunto, na velha usança de se dizer «continente e ilhas adjacentes», vem amiúde à citação no decorrer do parecer.
Se a Nação não é só a metrópole, se as ilhas não podem ser separadas do agregado nacional, se vivem no mesmo conjunto de preocupação governativa, e nestes tempos por certo mais do que nunca, eu penso que a omissão terá sido ocasional e não porque o significado «adjacente» passasse à consideração de um apêndice desligado do conjunto da Nação.
Vejo que para o continente o Plano dá grande relevo à necessidade de acelerar o povoamento florestal e não posso calar que para o meu distrito a razão é mais que precisa, é imperativa, porque um sexto da ilha tem baldios aproveitáveis, e a sua arborização, que já era pequena, tem sofrido ultimamente fartas destruições.
A carência florestal é tal que dentro de alguns anos, se persistir o mesmo abandono, não haverá lenhas para as necessidades domésticas e muito menos se poderá dispor, como hoje já se não dispõe, das madeiras precisas para a construção das habitações que o constante aumento demográfico obriga a levantar.
Bastará contar que, com o mesmo ritmo de crescimento da população dos três últimos recenseamentos, dentro de noventa anos a população terá duplicado e há ainda que lembrar que a mobilização militar, na última guerra, levou o consumo de lenhas e madeiras a tal ponto que a situação de carência desde logo se manifestou e cada vez mais se foi avolumando pelas circunstâncias dela derivadas na posição militar que a ilha está hoje atribuída.
Não é exagero afirmar que a população luta já com dificuldade de aquisição e elevado custo das lenhas precisas para os seus consumos caseiros.
Espera, portanto, o povo do meu distrito que daquele investimento de 400:000 contos para o plano florestal geral de arborização de 70 000 hectares de baldios seja consignada a quantia precisa para o povoamento florestal do meu distrito, visto encontrar que para outros dois distritos insulares se destinou dotação em separado.
E não se diga que por emulação ou contraste se traz o facto à consideração. Só a realidade objectiva, a emergente circunstância, impõe esta revelação, lamentavelmente esquecida no conjunto do Plano, e tanto mais de admirar quanto é sabido e devia lembrar que aos movimentos militares se tornam sempre imprescindíveis esses recursos económicos.
Se é consolador verificar que neste campo não estamos sozinhos, que o parecer da própria Câmara Corporativa e o da sua secção de Produtos florestais entendem que se devem concluir os projectos relativos aos outros distritos insulares e dar início às plantações, será razão para esperar que neste campo e na execução do Plano se abra margem à sua inclusão, tão inconsideradamente esquecida.
Das três razoes essenciais do plano agrícola - povoamento florestal, produção de energia hidráulica o colonização interna por aproveitamento de baldios - é a primeira de facto a mais instante e imperativa, porque nas outras duas já o distrito caminho, por diligência própria, num esforço que merece ser apreciado, apoiado o auxiliado pelo Governo com empreendimentos de aproveitamentos hidráulicos e de recuperação de bal-
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dios, mas inteiramente à responsabilidade da sua Junta Geral no que respeita à amortização de capital e juros dos empréstimos feitos para esse fim, como consta dos Decretos n.ºs 38 770 e 36 363.
Em face de tamanho esforço para os recursos do distrito é natural que este faça o reparo de não vir no Plano qualquer previsão de auxílio, tanto mais que viria ao encontro do parecer da Câmara Corporativa quando diz que no campo dos aproveitamentos hidráulicos e eléctricos mais alguma coisa há a fazer na ilhas adjacentes do que o que vem consignado no Plano.
Servem estas referências para demonstrar quanto valem os esforços locais para que o distrito possa vir acompanhando os desenvolvimentos que por todo o País se verificam e nisso se julgue com merecimento para também haver sido incluído no Plano de Fomento em apreciação no que respeita a aproveitamentos hidráulicos e de baldios.
Como diz o parecer da Câmara Corporativa, em todos 03 empreendimentos desta natureza há que ter em conta as contingências das obras e as três fases interdependentes por que elas se distribuem - a obra propriamente dita, a adaptação e a exploração.
Ora com tão previstas e experimentadas razões seria de esperar que o Plano olhasse esta obra no âmbito da valia que o esforço representa e na prevenção precisa para que ela não acarrete a asfixia da administração distrital, se aquelas fases da obra sofrerem qualquer demora no seu desenvolvimento sem haver ainda produção e, portanto, receita antes de se atingir a imposição dos prazos de pagamentos, tão duramente condicionados, a que os empréstimos obrigam.
E caso talvez para levantar a dúvida se empreendimentos desta natureza devem ou não caber nas actividades das juntas gerais dos distritos autónomos, mas, seja como for, são também economia nacional, tiveram a aprovação do Governo e têm de ter o seu amparo, sabendo-se que estas pequenas administrações não têm melhor condão para vencer dificuldades de obras que as que surgem ao Estado, quando é obrigado a demorar as suas.
Se tal viesse a suceder, seria uma maneira bizarra de fomentar, ao mesmo tempo que com a mão na garganta se estrangulava a administração distrital.
Sr. Presidente: vistas de ânimo leve, podem parecer lamúrias estas considerações, quando afinal são coisas muito sérias.
Tudo que se passa presentemente neste distrito merece por certo ser olhado pelo Governo com atenção muito especial e não será descabido que àqueles a quem foram concedidas atribuições de responsabilidade pública o venham aqui dizer.
Não é sem fortes transtornos na ordem do trabalho, costumes, tranquilidade, haveres, provimento de necessidades caseiras e de vida familiar que se desenrola a posição da ilha em face de compromissos necessários e estabelecidos.
Basta olhar para esta declaração sobre expropriações inserta neste Diário tio Governo de 15 de Outubro findo para se avaliar quantos prejuízos já sofreu o povo daquela região com a vasta área ocupada pelo aeródromo das Lajes, quando agora, com as expropriações deste complemento, com cerca de 70 ha de terreno, se encontram descritos 352 prédios rústicos com 312 proprietários e 57 prédios urbanos com 55 senhorios.
Quando a perda desses terrenos vem perturbar a economia familiar em regime de tão pequena propriedade, parece-me inútil ter do insistir na prontidão que compete ao Estado de a suprir com o pagamento de prontas e justas indemnizações, tanto as que sejam agora devidas, como as que ainda estejam em dívida por utilizações anteriores, cuja demora já constitui clamor popular pelo atraso no recebimento desses seus parcos haveres.
Tenho aqui várias cartas desses pequenos proprietários que solicitam a minha diligencia pelos transtornos que essa demora lhes causa, já, vai para cinco anos, até ao ponto de alguns se verem obrigados a pedir dinheiro II juros para poderem instalar novos meios de vida.
O Sr. Melo Machado: - Que razões se dão para essa demora?
O Orador: - Burocracia.
Permita V. Ex.ª, Sr. Presidente, que eu aproveite o ensejo, neste momento, em que tanto se fala de desenvolvimento económico, para insistir pela rápida solução deste assunto de pura economia familiar o se apressem as formalidades precisas a essas indemnizações com a mesma rapidez com que se tem tomado conta desses pequenos haveres da população e pareciam resolvidas com o Decreto-Lei n.º 38 749, de 12 de Maio do corrente ano.
Se, como diz o parecer da Câmara Corporativa, tudo que afecta a agricultura no nosso país afecta a sua economia, bastará olhar esta lista de pequenos proprietários para concluir quanto isso virá afectar a vida íntima desta população.
É que a exploração agrícola da ilha, o aproveitamento da terra, está já na sua maior parte resolvida no sentido da exploração agrícola de tipo familiar, com que tanto simpatiza o relatório do Plano como finalidade do aproveitamento dos baldios.
Julgo que são razões fortes para que mais nada seja preciso acrescentar para justificar a presteza de pagamento das indemnizações devidas pela expropriação ou utilização de terrenos pertencentes a esta população como verdadeira medida de fomento para a sua necessidade de trabalho e para o giro da sua economia familiar. E como actualmente só se contam razões de ordem económica, nem trago à justificação o que no campo sentimental poderiam valer os desassossegos, sacrifícios e obrigações pedidos a esta população, porque a esses ela nunca se negou nos vários ciclos da História, sempre que lhe foram pedidos serviços à Pátria.
O Sr. Melo Machado: - Parece-me que não deveria ser necessário pedir, desde que se trata de fomento. Cinco anos sem pagar parece-me que é o mais desfomentador possivel.
O Orador: - Diz ainda a justificação do Plano que «os portos suo elementos fundamentais nas linhas de comunicações», que importa promover a sua segurança e eficiência por meio de obras portuárias de protecção e abrigo, de acostagem e correspondentes instalações terrestres» para que os serviços se façam com regularidade e em condições satisfatórias de trabalho, e sendo tudo isto verdade elementar, consideração comezinha, razão preponderante, com admiração continuo a ver que o distrito de Angra foi mais uma vez omitido nesta parte do Plano, quando aqueles dizeres pareciam postos de propósito para referir a real existência das deficiências dos seus portos.
Nem ao menos uma referência se faz à correcção dos planos já elaborados, se há razões técnicas a pôr em dúvida, como parece depreender-se do parecer da Câmara Corporativa, que o volta a lembrar, mencionando o que se planeou, o que parou e o que é preciso tornar a movimentar, relativo a este malfadado porto de Angra.
Mas sempre lembrarei que este porto, segundo o plano de obras portuárias de 1944, devia ter início em 1946 e
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fim em 1952, o que ficou só no papel e acabou por trazer aos habitantes, com este silêncio do Plano, a convicção de que ele não anda mais. Neste Plano nem a ele se faz referência, que mais não fosse, como para outros portos, por necessidade de novos estudos de precisão técnica.
O que se verificou foi a dotação de 30:000 contos do plano de 1944 ser destinada a benefícios em outros portos e nem sequer uma parcela ficar para o distrito ou voltar a ser atribuída, que mais não fosse para melhorar e apetrechar os cais existentes.
Se, como diz o parecer subsidiário da secção de Obras públicas e comunicações, há que rever para o porto de Angra estudos já efectuados, que demonstram a necessidade de alterar as premissas do plano de 1944, no que respeita a proporções e concepções das obras necessárias, e como o relator desse parecer sugere esses novos estudos e a inclusão no plano de uma dotação a eles destinados, o meu voto apoia inteiramente tão justificada proposta.
Não pode aquela população ficar por mais tempo na indecisão de uma solução, e é este outro problema que entra já no campo do desespero das gentes, quando vêem que daquelas»duas baías vizinhas abrigadas pelo mesmo monte, segundo o vento sopra de um lado ou do outro, podia uma ou outra servir para embarcar e desembarcar carga e passageiros com segurança, se de um e de outro lado existissem ao menos cais devidamente extensos e apetrechados, como o vêm desejando as gerações sucessivas de cinco séculos.
Não pode a população de facto aceitar que fosse mais uma vez omitida essa deficiência das suas comunicações, nem posso também compreender como se tenha sugerido a solução portuária de uma ilha que vem enchendo os navios da carreira com passageiros e carga e nela pousam presentemente todos os olhares das grandes preocupações da hora presente e futura.
Se as condições portuárias assim se apresentam, as de comunicações ainda mais se agravam de ano para ano.
Mantém-se o ritmo das viagens dos navios da carreira nas mesmas bases de há oitenta anos, quando a população era pouco mais de metade da que é hoje, e, portanto, não admira que este Verão os vapores aparecessem com macas armadas por todos os lados, como se fossem navios-hospitais a evacuar os sinistrados de uma grande hecatombe humana.
A solução autorizada, por mais extraordinário que pareça, foi a de se aumentar o custo das passagens e fretes em 30 por cento, o que só se pode perceber como medida impeditiva a tal afluência e necessidade de transporte.
Diz-se agora que a Companhia, para solucionar o caso, vai construir dois pequenos navios de 6001, os quais farão o transbordo às capitais dos distritos da carga e passageiros das outras ilhas.
Afigura-se-me que isso será perder tempo mais lima vez.
Além de novos incómodos, demoras, agravamentos de despesa e outros transtornos de vária ordem que é fácil prever, a existência desses dois tão pequenos navios de pouco servirá. São regalias de comodidade de transporte que se vão tirar às respectivas populações e será um tormento a mais para os que têm de viajar, porque o mal existe na comunicação das ilhas para o continente, e não nas comunicações interilhas.
E não se julgue que o meu bairrismo me leva a apreciações hipertróficas; a sua confirmação vem dos próprios serviços do Estado.
Como apreço colateral do que são as novas e rápidas urgências que aparecem no meio, direi apenas que há quatro anos foi inaugurado o novo edifício dos correios, que parecia grande, e já se fazem diligências para o ampliar, com a expropriação de uma boa casa ao lado, porque já se verifica ser pequeno o que existe e precisa de ser aumentado; que há cerca de quinze anos a Caixa Geral de Depósitos comprou, demoliu e construiu um edifício para a sua agência e acaba de comprar um outro prédio maior, que vai também demolir para construção de novas instalações, porque no primeiro já não cabem os desenvolvimentos dos seus serviços.
Cito estes dois factos como nota comparativa do que nos outros sectores igualmente se desenvolve, e é sabido que estas coisas andam sempre a par a precisar solução.
Sr. Presidente: faço, em relação ao meu distrito, estas considerações por as julgar com cabimento na amplitude do Plano de Fomento posto em apreciação e trago-as na convicção da utilidade da sua lembrança, sem mesmo aludir ao que ainda importaria dizer sobre carência do chamado equipamento social, hospitais, assistência, cultura, propaganda, etc., afirmativas do grau de adiantamento do meio e tão preciso no contraste em que a população da ilha está com povos de outras civilizações.
Melhor do que ninguém sabe o Governo a importância que lhe deve dar, mas trago-as na convicção da valia, da lembrança o do apreço que deve merecer aquela população, sujeita a estas provas de influências estranhas onde é preciso não surjam possibilidades do comparações em nosso desfavor.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
Artur Proença Duarte.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Délio Nobre Santos.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
António de Almeida.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Carlos de Assis Pereira de Moio.
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José Cardoso de Matos.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA