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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 173
ANO DE 1952 5 DE DEZEMBRO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º173 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM DE DEZEMBRO
Presidente: Ex.mo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários : Ex.mos. Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diario das Sessões n.º 171.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente anunciou que recebem da Presidência do Conselho o Decreto-lei n.º 39 011, para os efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição.
O Sr. Deputado Manuel Domingues Basto ocupou-se do armazenamento de cereais no Minho.
Ordem do dia. - Continuou o debate na generalidade acerca da proposta de lei relativa ao Plano de Fomento Nacional.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Sousa Pinto, Jacinto Ferreira, Pinho Brandão, Moura Relvas e Matos Taquenho.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 45 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam, os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Finto.
António Abrantes Tavares.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
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Joaquim de Oliveira Galem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco de Campos.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 73 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 171.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto nenhum Sr. Deputado desejar fazer qualquer reclamação, considero-o aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofício
Da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, enviando cópia de uma representação dirigida a S. Ex.ª o Ministro da Educação Nacional, no sentido da criação nessa localidade de uma escola de ensino técnico através do Plano do Fomento.
Carta
Da comissão do homenagem ao visconde de Seabra a agradecer a representação da Assembleia Nacional, no Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu, na inauguração do respectivo busto.
O Sr. Presidente: - Esta na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, para os eleitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Decreto-Lei n.º 39 014, publicado no Diário do Governo n.º 269, 1.ª série, de 29 de Novembro passado.
Estão na Mesa os elementos solicitados ao Ministério da Economia pelo Sr. Deputado Amaral Neto. Vão ser entregues a este Sr. Deputado.
Estão também na Mesa os elementos solicitados aos Ministérios das Obras Públicas e das Comunicações pelo Sr. Deputado Salvador Teixeira, a quem vão ser entregues.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Manuel Domingues Basto.
O Sr. Manuel Domingues Basto: - Sr. Presidente: em sessão desta Assembleia de 14 de Novembro usei da palavra antes da ordem do dia no intuito de chamar a atenção do Governo, e em especial dos Srs. Ministro da Economia e Subsecretário de Estado da Agricultura, para o que se estava a passar em algumas localidades do Minho, em que o milho descera a um preço inferior ao justo o ao mínimo tabelado por determinação ministerial, devido a ter sido a colheita abundante e a verem-se os pequenos lavradores e os lavradores-caseiros forçados à venda, pela necessidade de fazer dinheiro para sustento da família o administração do casal agrícola.
Nessa minha intervenção prestei homenagem à acção da Federação Nacional dos Produtores de Trigo e à actuação benemérita do seu presidente, Sr. Engenheiro Quartin Graça, que no ano de abundância que se seguiu ao de longa estiagem salvaram a lavoura do Minho da ruína, abrindo celeiros para recolha do milho a um preço justo e razoável.
Sem estas providências da Federação Nacional dos Produtores de Trigo e do seu zeloso presidente a lavoura do Minho teria sido vítima mais uma vez, num ano de fartura de milho, como acontece tantas vezes com tantos outros géneros de produção agrícola, do açambarcamento, da especulação dos regatões e intermediários gananciosos.
E como tudo isto se dá normalmente por não ter a lavoura minhota uma organização que seja para ela escola, representação, serviço e defesa, logicamente reclamei na minha intervenção referida que se desse quanto antes à lavoura essa organização, modificando a lei, se fosse preciso, substituindo a orgânica que se criou e se demonstra na prática não servir e dando à pequena lavoura, pela nova organização, uma representação autêntica e uma defesa a sério.
Como medida extraordinária e de ocasião pedia que a Federação Nacional dos Produtores de Trigo valesse mais uma vez à lavoura naquelas localidades em que se dava o aviltamento do preço do milho.
Quis o Sr. Engenheiro Quartin Graça ter a bondade e a extrema gentileza de me procurar, alguns dias após a minha intervenção nesta Assembleia, para me dizer que os celeiros da Federação continuam abertos e que o Minho entrega habitualmente pequenas quantidades de milho aos celeiros da Federação Nacional dos Produtores do Trigo, e nem mesmo no ano de grande produção entregou quantidades apreciáveis.
Disse, então, ao ilustre presidente da Federação Nacional dos Produtores do Trigo que nos encontrávamos em face de dois factos certos e averiguados, mas contraditórios - ter a Federação celeiros bastantes para recolher o milho e não o entregarem os lavradores, mesmo naquelas localidades em que se queixam do aviltamento do preço, inferior ao determinado superiormente pelo Governo. Acrescentei que era manifesta a existência de uma causa psicológica que era forçoso e urgente ser estudada.
Posteriormente, em 20 de Novembro, a Federação Nacional dos Produtores de Trigo mandou a esta Assembleia as suas aclarações às minhas afirmações da intervenção de 14 desse mês e às do nosso colega e meu bom amigo Sr. Dr. Elísio Pimenta, feitas uns dias depois.
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nal dos Produtores de Trigo não resultem numa grande confusão, dei-me ao trabalho de investigar qual a causa psicológica ou, melhor dizendo, qual a sério do causas u que se deve o estado psicológico da aversão do lavrador minhoto em entregar milho aos celeiros da Federação.
Vou apontar essas diversas causas, mas pude já afirmar-se, para dizer tudo do uma vez, que isso se dá porque a lavoura de Alinho nau tem uma organização que a sirva, mas uma burocracia que lhe é pesada e incómoda.
Sr. Presidente: tornou público a Federação Nacional dos Produtores do Trigo que autoriza a criação de celeiros em toda a parto em que as ofertas de milho e justifiquem e isso é de agradecer e louvar. Se não fosse esta intervenção da Federação no caso do milho seria de angústia a situarão dos lavradores minhotos, porque a exploração c o açambarcamento teriam o campo livro e ficariam a vontade no espezinhamento do lavrador sem defesa.
Há. porém, na orgânica da Federação, na sua exigência aos grémios da louvoura e nas condições impostas para a entrega do milho coisas que complicam em extremo a vida simples e difícil do rural minhoto.
Em primeiro lugar a Federação dá ordens aos grémios da lavoura para montarem celeiros onde for preciso. Mas, segundo o testemunho do antigo presidente do grémio da lavoura de uma das cidades do Alinho, o que a Federação abona para aluguer dos celeiros não está do acordo com o preço das rendas na localidade.
Esse presidente referiu-me que procurou uma casa para recolha do milho da Federação mas não a conseguiu. Teve de valer-se para o efeito de um edifício escolar abandonado, porque não havia proprietário que arrendasse um prédio à base do estipulado pura o aluguer dos celeiros.
Isto deu-se, num dos últimos anos, na própria cidade de Braga.
Da circunstância apontada provém que os grémios da lavoura não gostam de se prontificar a arrendar celeiros, porque, fazendo-o, se metem em dificuldades que provêm ainda de outra circunstância: é à sua responsabilidade que os grémios da lavoura recebem o milho.
Só o milho se deteriorar, porque com o tempo de chuva mais intensa lhe chegou a humidade, se não está bem seco quando se recebe, ou se por qualquer forma se deteriora, quem sofro os prejuízos são os grémios da lavoura. Para fugirem destes encargos fogem de estabelecer celeiros e do receber milho.
Teoricamente a Federação estabelece celeiros em toda a parte ou dá ordens aos grémios da lavoura para que os estabeleçam.
Na prática, contudo, por estas e outras razoes, existem poucos celeiros para a entrega fácil do milho pêlos agricultores. Em todo o distrito de Viana do Castelo o único celeiro que recebe actualmente milho é o da sedo do distrito.
Foi o Sr. Engenheiro Quartin Graça quem mo afirmou. como pode o agricultor de Castro Laboreiro. em Melgaço, ou de Riba do Alouro ou Anhões, em Monção. freguesias que já ficam muito distantes du sede do concelho, entregar com facilidade o seu milho tendo o celeiro apenas na sede do distrito.
O Sr. Elisio Pimenta: - Conviria esclarecer que qualquer dessas freguesias fica a mais de 100 km da sede do distrito.
O Orador: - São mais de 100 km de distância. E estamos, de facto, nesta situação, que é um verdadeiro circulo vicioso. Os lavradores não entregam milho porque não têm onde fazer a entrega fácil, o a Federação não monta celeiros porque não há ofertas de milho.
Outra circunstância há ainda que leva os rurais a não entregarem milho aos celeiros da Federação, a não ser em casos extremos: é logo na colheita, pelo S. Miguel, que os lavradores caseiros precisam de dinheiro para liquidar as suas contas com o senhorio, ou porque vão tomar de renda outras terras, ou porque tem necessidade urgente de liquidar contas já atrasadas.
Há, porém, grémios da lavoura que autos de Dezembro, e às vezes mais tarde, não recebem milho da nova colheita, alegando que ainda não está bem seco. que vai fermentar no celeiro e deteriorar-se... E só o milho graúdo é que é recebido, pois a percentagem de milho são, mas pequeno, que agora é de 15 por cento e até aqui era de 10 por cento, é na maior parte dos casos, calculada a olho.
Sucede, por isso. muitas vezes que o lavrador, depois de ter andado muitos quilómetros a pé para fazer a entrega do seu milho no celeiro, volta com uma parte dele para casa rejeitado.
É um pouco mais pequeno, dá mais casca, e o celeiro não o aceita porque a Federação só quer milho muito bom.
O Sr. Elísio Pimenta: - Aparentemente, porque isso não devo ser assim; a Federação preocupa-se mais com o lucro próprio do que com o interesse do produtor. Há um aspecto comercial que não estaria certo.
O Orador:- O milheto, do terras secas e leves, tem o lavrador de o consumir em casa ou de o consumir ao desbarato. E por tudo isto se consome e sofre o pobre agricultor, pois, não tendo uma máquina separadora, é-lhe difícil calcular qual o critério do funcionário que recebe o milho e se terá do voltar com ele casa.
Estas e outras circunstâncias essenciais na análise o estudo do problema do milho explicam a relutância do lavrador em entregar milho à Federação Nacional dos Produtores de Trigo.
Por isso os celeiros da Federação não têm procura. É que, tendo sido este ano de abundância, dois fenómenos económicos-sociais se verificam nas terras do Minho.
Nas localidades em que abundam os operários fabris e é grande o consumo do milho os intermediários e regatões pagam-no um pouco acima da tabela, mas nas regiões onde não há fábricas o preço foi muito para baixo do estipulado pelo Governo. São as queixas que tenho ouvido.
O Sr. Elísio Pimenta: - Devo esclarecer que de há oito dias para cá, em Santo Tirso o milho baixou 550 em arroba, e nesse concelho ó a moagem que o compra.
O Orador: - Isso só vem confirmar a minha tese. E ainda se dá a circunstância de Santo Tirso ser uma região fabril em quo há procura de milho.
Nas regiões puramente agrárias pode calcular-se o que seja.
É o que já em 6 de Novembro, sob o titulo «Caso muito grave», publicava o Diário do Minho. de Braga, em local da primeira página. São dessa local estes períodos: «Acontece que devido às necessidades forçadas da lavoura, os preços do milho têm baixado de tal forma que só por favor o pagam a 2$ ou 1$90 o quilograma. O que isto representa de gravidade para a lavoura nem é bom pensar.
Em nome dos prejudicados, que são todos os lavradores, rogamos a quem de direito quo se tomem imediatas providências».
A local é assinada pelas iniciais J.G.S o embora publicada num diário de Braga, refere-se ao que se passa no distrito de Viana du Castelo, onde vive J.G.S.. colaborador do Diário do Minho.
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Sr. Presidente: do que acaba de expor-se se conclui que ficam de pé as razões da minha intervenção na sessão de 14 do Novembro e do meu bom amigo o colega nesta Câmara Sr. Dr. Elisio Pimenta alguns dias depois. A lavoura Minhota não encontra, na organização que lhe deram protecção nem defesa, porque a essa organização faltam meios para tal recursos financeiros e a assistência técnica indispensável.
A lavoura só está organizada na lei e no papel: de furto vivo sem defesa e sem auxilio, sem protecção e amparo, como se não possuísse organização. Era aos organismos corporativos primários da lavoura que esta defesa devia estar entregue. Deviam dotar-se esses organismos dos meios eficazes para a defesa o protecção indispensável ao lavrador.
O problema do milho, como o da batata, como o dos gados e carnes, não é um problema de celeiros a 100 km de distância ou de matadouros nas cidades onde não há gado. É um problema de crédito e cooperativas.
Mas quanto a crédito, os organismos associativos da lavoura tem de viver do crédito pessoal dos seus dirigentes locais nos bancos, porque as associações não estão dotadas do crédito necessário para as operações económicas em lavor dos associados.
Quanto a cooperativas são vedadas aos grémios da lavoura até as operações comerciais que se fazem exclusivamente dos sócios, com os sócios e com os sócios e tributados como negociantes aqueles grémios que tem o louvável critério do prestar aos associados o serviço de lhes colocar em boas condições de venda o que produzem e de lhes adquirir, livrando-os da exploração, aquilo de precisam.
Para cúmulo o maior desgraça da lavoura há organismos oficiais que têm a detestável opinião de que um grémio da lavoura é modelo de organização corporativa desde que tenha os orçamentos em dia, as contas em ordem e as actas das sessões lavradas a tempo. Mais nada é preciso.
Nos Tempos em que me debruçava com carinho o interesse sobre estes problemas aprendi que uma associação profissional, seja qual for o tenha o nome que tiver, é de sua natureza completa, isto é, abraça, protege e ampara o associado em todas as manifestações da sua vida.
Por isso no organismo profissional terá de haver uma secção de educação moral, sindical e profissional, uma secção cooperativa para as compras e vendas em favor dos associados, uma secção de mutualidade para seguro dos associados e dos seus haveres. Em vez disso ternos uma burocracia.
Não podem VV. Exas. , Sr. Presidente e Srs. Deputados, fazer ideia do que isto me atormenta. E que antes de haver organização corporativa da lavoura em Portugal, em qualquer espécie do organização corporativa, percorri grande número de terras do Minho a pregar associativismo e a demonstrar aos lavradores da minha região as vantagens da associação.
Não me arrependo disso.
Ensinei-lhes a verdade e mostrei-lhes o bom caminho, mas custa-me ver que a chama e espírito de associação foram mortos pêlos excessos de burocracia ou pelas preocupações de grandes realizações económicas, com desprezo do social, o mesmo do económico, no que tem de mínimo indispensável à vida das populações rurais.
Caiu-se assim na estagnação corporativa e deturpou-se na prática, ao realizá-la, uma grande ideia e um salutar principio de organização social. Reacendamos a chama e avivemos o espírito de associação, reduzindo a acção da burocracia a um meio que ajudo, deixando de ser peia que entrava os movimentos.
E nesta questão do milho desse a lavoura, pelos organismos que possui, a defesa a que tem direito em
vez de lhes dar celeiros que não funcionam, ou que estão ao serviço, não da lavoura produtora de milho, mas de um organismo que compra quando lhe convém e nas condições que lhe apraz e lhe assegurem lucro.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Salvador Teixeira: - Requeiro a V. Ex.ª se digne mandar inserir no Diário das Sessões os elementos hoje recebidos do Ministério das Comunicações em satisfação do meu requerimento de 14 de Novembro lindo e relativos à navegação fluvial em frente do Lisboa.
O Sr. Presidente:-Defiro o requerimento de V. Ex.ª Esses documentos são os seguintes:
Navegação fluvial
[ver tabela na imagem]
Carreiras fluviais Ida e Volta
1949 1950 1951
Tabela de preços
I) Passageiros
[ver tabela na imagem]
Carreiras fluvial
Classe única 1ª classe 2ª classe 3ª classe
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Tabela de preços
II) Veículos
Cais do Sodré-Cacilhas
[...ver tabela na imagem]
Veículos Ida ou volta Ida e volta
Condições gerais
As dimensões dos automóveis contam-se entre as partes mais salientes que os veículos apresentem.
No preço da passagem dos veículos está a passagem do condutor, excepto para as bicicletas.
Se os automóveis transportarem carga pagarão além do preço desta tabela o correspondente ao da carga transportada.
Os carros de reboque usados pelos automóveis pagarão como se fossem um outro automóvel, excepto aqueles cujo comprimento não exceda 2 m, os quais pagarão apenas 5-s.
Os bilhetes de ida e volta só têm validade no dia em que forem adquiridos, excepto quando adquiridos ao sábado ou véspera de dias feriados, em que a volta se pode efectuar no dia imediato. Os bilhetes de volta que não forem utilizados no dia respectivo não têm validade alguma.
Quando a carga transportada por um camião exceda a carga máxima que lhe corresponde em mais de 1000 kg o camião pagará pela classe imediatamente superior.
Se o peso total do veículo e carga exceder 12 000 kg, cobrar-se-á um suplemento de 25 por cento, não sendo permitida a passagem de pesos superiores a 15 000 kg.
Os veículos transportados nas carreiras nocturnas pagarão um suplemento de 10 por cento sobre os preços desta tabela.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa ao Plano de Fomento Nacional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Pinto.
O Sr. Sousa Pinto: - Sr. Presidente: venho à tribuna quando a discussão na generalidade do Plano de Fomento vai já um tanto adiantada. Isso me leva a ser breve, dispensando-me de renovar palavras do louvor e agradecimento ao Governo pela magnitude do novo impulso que se propõe dar ao nosso país. Direi apenas que tomei conhecimento da proposta de lei que nos ocupa com aquele patriótico orgulho que deve sentir, ao encará-lo, quem quer que tenha nascido em terra portuguesa da metrópole ou do ultramar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Limitarei as minhas considerações à parte do Plano que se refere à província de Moçambique, de cuja população tenho a honra de ser um dos representantes nesta Câmara.
A primeira parte do programa refere-se ao aproveitamento de recursos e povoamento. Consigna a verba de 464:000 contos para rega e enxugo de terrenos no vale do Limpopo e a de 220:000 contos para expropriação e preparação de terrenos no mesmo vale, instalação e transporte de colonos e assistência técna-a e financeira.
Há Cerca de duas dezenas de anos que se aguarda u realização desta momentosa obra, sobre a qual se têm formulado opiniões e vaticínios desencontrados. Em face dos que confiam firmemente no êxito da projectada colonização europeia em larga escala há os que duvidam e os que descrêem do sucesso do empreendimento, baseados estes últimos, em objecções diversas, predominantemente nas mas condições climáticas da região e consequente falta de Confiança na adaptabilidade do branco e na sua resistência ao trabalho rural.
É argumento que vai diminuindo de valor com o rodar do tempo. As medidas que pelos anos fora têm sido postas em prática vão, mais ou menos rapidamente, saneando as condições dos climas africanos, sendo numerosas, as regiões outrora consideradas muito insalubres que hoje se situam em paralelo com o clima metropolitano.
E o facto é que no vale do Limpopo, além dos numerosos indígenas que hoje ali são agricultores, já vivem colonos europeus.
Creio que o único modo decisivo de saber quem tem razão é pôr o sistema em execução. Pode objectar-se que como experiência é bastante cara. Mas eu creio. Sr. Presidente, que a despesa não será nunca improdutiva, na sua quase totalidade, por duas ordens de razões:
Em primeiro lugar, porque no conjunto da obra está compreendida a utilização da ponte-açude do Limpopo, para a ligação ferroviária de Lourenço Marques à Rodésia do Sul, problema que é do mais alto interesse para a província.
Em segundo lugar, e com vista aos incrédulos da colonização europeia naquela região, a obra. do rega do vale no Limpopo terá sempre grande valor para a província, ainda que, por inesperado insucesso do povoamento europeu, a agricultura, ali ficasse nas mãos dos indígenas, orientados e assistidos por europeus.
O vale do Limpopo, cuja excepcional fertilidade ninguém contesta, a ponto de já alguém o ter comparado ao vale do Nilo. salvas as proporções, está indicado para fornecer a Lourenço Marques a maior parte dos produtos alimentares, que hoje, são ainda importados um larga escala (milho, trigo, feijão, frutas, gado, leite, etc.).
Para que não haja dúvida de que o indígena se adapta bem ao regadio e a processos progressivos de amanho das terras, basta saber o que se passa com o regadio do trigo em Mavita e o que de admirável se está
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fazendo no Sul do Save, onde milhares de indígenas, no Chibuto e na Manhiça, fixados à beira, orientados e assistidos pelas autoridades administrativas, estão entregue, à agricultura, comparando satisfeitos a sua situação com a do «magaíça», que regressa do Rand quantas vezes com pouco dinheiro e com a saúde abalada ou perdida. Estão já organizadas cooperativas indígenas para facilitar as suas compras, tendo já casas comerciais em Lourenço Marques entregues a homens da mesma cor, onde o indígena vem, com o seu cartão de agricultor, vender as suas galinhas e produtos da terra. Numa dessas cooperativas indígenas está prestes a ser inaugurado um armazém com câmaras de expurgo. É um conjunto organizado, que se estenderia ao Limpopo se a colonização europeia falhasse.
A obra deve pois fazer-se, e o que se pode lamentar é que não tenha sido feita há mais tempo, quando o caudal do Limpopo era mais abundante, antes dos apro-veitamentos feitos há anos no curso superior do rio pelos nossos vizinhos.
O que parece de aconselhar é que dos cinco aldeamentos previstos se construa, de entrada, só um. Deve ele alojar 600 famílias, que, colocadas nas condições previstas, serão já em número suficiente para decidir a construção dos restantes aldeamentos se o ensaio se tiver mostrado satisfatório.
É uma medida de prudência que me parece não deve ser posta de parte. Sem que me preocupem muito os exemplos de fora em assuntos desta natureza, não deixa de ter interesse dizer que no plano decenal para o desenvolvimento económico do Congo Belga, publicado em 1949, depois de se afirmar a necessidade de enviar colonos europeus para o Congo, se diz prudentemente:
Não se trata de introduzir no decurso dos próximos anos um número maciço de colonos brancos atingindo, por exemplo, algumas dezenas de milhares.
As facilidades abertas ao colonato multiplicar-se-ão na medida do desenvolvimento da economia interior: querer forçar o ritmo é organizar uma emigração artificial de europeus que não se integrarão solidamente na estrutura económica da colónia.
Além de que tal política comportaria perigos para aqueles mesmos que fossem levados a instalar-se, ela arriscaria também os meios de existência dos antigos colonos, que lutariam com a concorrência dos novos, estes protegidos, em certos casos, por um auxílio do Estado de que eles próprios não teriam beneficiado.
Creio que é a boa doutrina. Ir caminhando com segurança, à luz dos resultados que forem sendo colhidos, os quais permitirão também verificar, logo no primeiro aldeamento, se os 23ha chegam para permitir a cada colono uma vida folgadamente equilibrada.
Vem a seguir a 1.ª fase do aproveitamento hidroeléctrico de Movene. Abrange ela a construção do canal de Ressano Garcia para Movene, a da barragem e da central eléctrica e o transporte do energia e água para Lourenço Marques.
A Câmara Corporativa no seu douto parecer pondera a vantagem e conveniência que haveria em deixar esta 1.ª fase para, em conjunto com a 2.ª prevista (regadio e povoamento de 30 000 ha), vir a ser realizada mais tarde, atendendo a que já está adquirida para Lourenço Marques uma central térmica e a que a verba que assim ficaria disponível poderia ser utilmente empregada em estradas ou outras obras.
Julgo preferível aprovar a proposta do governo. Estou informado de que a geradora térmica adquirida para Loureiro Marques não é suficientemente potente para garantir durante muito tempo o abastecimento da cidade, além de que terá ainda bastante demora a sua entrada em funcionamento, sendo possível que nessa altura já não chegue para as necessidades.
A obra que nos ocupa representa uma solução definitiva e dará a Lourenço Marques a energia e a água de que precisa. E isso é tão importante para a vida da cidade que me parece não dever negar-se o voto a este empreendimento. Acrescentarei que ao contrário do que se supõe no parecer da Câmara Corporativa, fui informado de que a despesa com a preparação dos terrenos da Manhiça já está incluída na verba de 640:000 contos.
Seguem-se nesta primeira parte do programa, verbas de 60:000 contos, 10:000 contos e 32:000 contos, consignadas, respectivamente a transporte de energia eléctrica do Revué para a Beira, participarão nos estudos sobre o aproveitamento do lago Niassa e prospecção geológico-mineira. Julgo-as de aprovar sem hesitação.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - Passando à segunda parte - comunicações e transportes - nada se me oferece observar quanto à construção e apetrechamento do caminho de ferro do Limpopo, nem quanto à continuação do caminho de ferro de Vila Luisa até à Manhiça.
Já não sucede o mesmo com o prolongamento do caminho de ferro de Tete. Destinando-se a servir a Macanga e a Angónia, regiões das de melhor clima da província, próprias para a fixação de brancos, é fora de dúvida que este caminho de ferro tem de vir a ser prolongado. O que julgo é que não chegou ainda a oportunidade de o fazer. Condenado, por um traçado infeliz, a ficar, na primeira centena de quilómetros da sua linha, entalado entre a fronteira da Niassalândia e o Zambeze, quase sem tráfego intermediário, tendo de fazer subir vagões vazios para descerem com carvão do Moatize, o actual caminho de ferro de Tete constitui por enquanto, um pesado encargo para a administração dos respectivos serviços. Será oportuno acrescentar-lhe já um novo troço, investindo nele a avultada soma de 127:000 contos e onerando a administração da província com um aumento inevitável do actual deficit da exploração? Penso que não.
Num trabalho publicado há dois anos sobre a evolução dos meios de transporte em África o falecido engenheiro Lopes Galvão terminava o seu estudo com algumas conclusões, de entre as quais destaco as seguintes:
1.º O aparecimento da camionagem veio modificar radicalmente a política de transporte em África;
2.º O problema da construção de novos caminhos de ferro perdeu a acuidade que antes da camionagem tinha;
3.º Os caminhos de ferro devem construir quando as correntes de tráfego se achem já criadas e assegurem ao caminho de ferro tráfego que o justifique.
Eu acrescentaria a esta terceira conclusão um complemento: é que mesmo antes do tráfego criado devem também construir-se quando a política internacional o exija. Mas tal não é o caso do caminho de ferro de Tete.
Ora eu recordo-me de, numa visita que fiz em 1939 a brigada de estudos do caminho de ferro de Tete, no seu acampamento do Furancungo, ter ouvindo a um dos técnicos ali presentes as seguintes estimativas derivadas dos estudos feitos:
O custo do prolongamento do caminho de ferro até ao Furancungo (aquele a que se refere a proposta do
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Governo) e mais o ramal para a Angónia estava estimado em 330:000 contos. O custo de uma boa estrada com obras de arte para trânsito permanente todo o ano, e atingindo as mesmas regiões, incluindo material de transporte moderno (tractores e atrelados), poderia custar 30:000 contos. Admitindo mesmo que seja insuficiente esta última verba, que ela tivesse sido indicada com optimismo exagerado, eu pergunto: se ainda que custasse o dobro, não valeria mais a pena atingir já simultâneamente a Macanga e a Angónia, com boas estradas, e quando com a camionagem já se tivesse conseguido obter a criação de tráfego apreciável, dentro de alguns anos , atacar então o problema da construção do caminho de ferro. Creio que não podem pôr-se em dúvida as seguintes vantagens:
1.ª Atingir-se-ia já a Angónia, região privilegiada, que na solução ferroviária só será atingida, na melhor das hipóteses no sexénio seguinte;
2.ª Não haverá dinheiro mal gasto, porque, quando vier a fazer-se o caminho de ferro, a despesa com o material de transporte estará amortizada pelos serviços prestados e a feita com a estrada ficará sempre constituindo, a par da linha férrea, um elemento do progresso das regiões atravessadas:
3.ª Poupar-se-ia à província um aumento garantido do deficit de exploração do caminho de ferro.
Se esta sugestão fosse aceite, eu lembraria que as dezenas de milhares de contos que assim ficariam libertas fossem empregadas nos trabalhos de campo e projecto de uma obra de que a província carece e cuja falta muito se faz sentir - a estrada, longitudinal norte-sul, ligando os distritos entre si.
É obra de grande vulto, mas que alguma vez tem de ser começada, e que não poderá ser feita pelas verbas dos orçamentos da província, pois compreenderá, além de numerosas obras de arte, a travessia do Zambeze numa nova ponte, talvez em Tete, ou, pelo menos a pavimentação, que não ouso afirmar seja tecnicamente possível, da plataforma da ponte do caminho de ferro em Sena, a qual actualmente serve muito deficientemente o trânsito de todas as viaturas estranhas nos serviços ferroviário, pois esse trânsito só pode ser feito sobre zonas do caminho de ferro, com as inevitáveis demoras resultantes da carga, descarga e extensão da ponte, e ainda com o pesado encargo que representa a taxa cobrada pelo caminho de ferro da Trans-Zambezia Railway.
Uma estrada que venha a fazer-se do norte ao Sul da província, longe das terras baixas do litoral, dando passagem durante tudo o ano, é sem duvida um dos grandes melhoramentos que Moçambique deve desejar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As considerações que acabo de fazer acerca do projecto de prolongamento do caminho de ferro de Tete talvez tivessem cabimento a respeito do prolongamento do caminho de ferro de Moçambique até Catur. Mas aí o caso talvez seja um pouco diferente, não só pelo que diz respeito ao tráfego, como ainda porque já vai chegar perto da fronteira, no lago Niassa e por isso próximo de atingir um dos objectivos que devem ter todos os nossos caminhos de ferro de penetração: a ligação com as redes ferroviárias dos países vizinhos, ligação que aí talvez possa vir a ser feita através do lago. É uma questão já de política internacional, de que só o Governo pode ser juiz.
Como o plano em discussão trata de problemas de caminhos de ferro, não será talvez considerado descabido que, embora á margem do plano, eu toque num ponto que já aqui foi abordado por um dos oradores que me precederam. Refiro-me ao facto de o Caminho de Ferro da Beira continuar propriedade da metrópole. Este caminho de ferro foi adquirido pelo Governo Central. Tem uma contabilidade à parte dos restantes caminhos de ferro da província e o lucro considerável da sua explorarão pertence à metrópole. Parece-me que seria justo que a província, assim como suporta as linhas de reduzido rendimento ou deficitárias tivesse a compensação de colher os lucros das linhas mais remuneradoras.
Seria acertado que o dinheiro que custou o resgate da Beira Railway fosse escriturado como empréstimo, do que a província pagaria os juros, arrecadando ela os lucros da exploração e ficando assim unificada a contabilidade do toda a rede ferroviária da província, com a única excepção do TZR, enquanto este não passar para o Estado.
Relativamente aos trabalhos de portos direi apenas que, fazendo o relatório da proposta de lei uma referência ao apetrechamento de Porto Amélia, nada se destina para esse fim. Creio que a excelência do porto e o desenvolvimento da região dele tributária justificaria que alguma verba fosse incluída no plano.
Para terminar, resta-me apenas, Sr. Presidente, congratular-me pela, cabal confirmação dada pelo Governo à afirmação, repetidas vezes feita no diploma de que nos estamos ocupando, de que o desdobramento do plano em nada prejudica ou diminui a marcha normal do progresso da província pela força das dotações ordinárias e extraordinárias do seu orçamento.
Que melhor demonstração poderia esperar-se do que a notícia de que estão concedidas verbas para a grande reparação o asfaltagem da estrada da Beira á Machipanda na fronteira da Rodésia e para a construção da ponte sobre o Pungue, obra do maior alcanço para o distrito de Manica e Sofala e para as relações comerciais e turísticas com o país vizinho?
É com a afirmação do regozijo que sinto ao ver em via de realização este notável melhoramento que termino hoje as minhas considerações, dando o meu voto favorável na generalidade à proposta de lei.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Jacinto Ferreira: - Sr. Presidente: qualquer plano de fomento económico, a menos que seja irrealizável, fictício ou de execução ruinosa, é um trabalho construtivo, e portanto, merecedor da compreensão e do louvor de todos aqueles a cujo benefício foi destinado.
Afora isto, pode discordar-se da ordenação das matérias, da precedência de algumas obras, de parte do seu conteúdo, das regras do seu financiamento, até mesmo da sua oportunidade, mas todos estes aspectos serão já questões de pormenor que não poderão alterar-lhe o mérito superior - o de procurar a melhoria das condições de vida do agregado nacional.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - É preciso, porém, distinguir entre plano de fomento e plano de obras públicas, porque nem toda a obra pública é obra de fomento, sendo às vezes apenas obra de pré-fomento e paralelamente é possível fazer-se muito fomento e do melhor, sem a obrigatoriedade de construções ou edificações.
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Eu explico o meu pensamento:
Conquistar terrenos ao mar pode ser obra de fomento, mas apenas na hipótese de posteriormente ser estimulada a sua cultura, pois, em caso contrário, tais terrenos ficariam tão improdutivos como estavam, e o fomento não se verificaria, apesar da realização de obras dispendiosas. A construção de edifícios militares, de auto-estradas, de estádios, representa obras públicas, mas não pode ser considerada, strictu sensu, contributo para o fomento nacional. A prospecção mineira, é o passo imprescindível para uma racional exploração, mas se a esta não forem criadas condições vantajosas os jazidos reconhecidos permanecerão tão intactos como anteriormente. Mesmo as albufeiras e as barragens, para a produção de energia eléctrica, só serão de inteiro fomento na medida em que essa energia resulte a preço economicamente utilizável, convidativa de um consumo largo, capaz de fazer elevar a nossa tão reduzida capitação.
Pelo contrário, a introdução de novas técnicas, de novas normas de vida, de diferente orientação, de enfim, uma mentalidade nova em muitos sectores da actividade nacional, isso seria, de certeza, uma fonte magnífica de fomento independente de novos elementos de actuação material que pudessem vir a ser-lhes concedidos.
Por fazer parte da Comissão de Economia desta Assembleia, foi-me enviado o texto oficial deste Plano ao mesmo tempo que para a Câmara Corporativa. E amimadas as impressões que a sua leitura me deixou, foi-me agradável verificar a concordância delas neste aspecto com as opiniões expostas no parecer daquela Câmara.
De facto, a p. 1 095 do Diário das Sessões, pode ler-se:
Seguindo a tendência da época, o documento em apreciação é mais precisamente um plano das obras de fomento do que um plano de fomento, porque este, na maior generalidade do seu nome, deve incluir também aqueles caminhos que, implicando aumento de produção ou de produtividade, não arrastem obrigatoriamente a execução de obras novas.
Não admira que haja coincidência de opiniões, porque esta é que é afinal a verdade sem quaisquer rodeios ocultantes.
O Plano do Fomento apresentado agora à nossa apreciação mostra-se grandioso e ousado e não precisaria mesmo de ser realizado na, sua totalidade para influen-ciar poderosamente o nível de vida do povo português. Nele se prevê a valorização do solo e do subsolo nacionais, o aproveitamento de recursos naturais até agora desprezados e a instalação de novas indústrias capazes de fornecer muito do que presentemente somos obrigados a adquirir além-fronteiras em condições onerosas e às vezes difíceis.
Não obstante isso alguns reparos ele me suscita na sua generalidade, os quais irei resumidamente expor.
O primeiro é a falta de sentido da unidade da nação portuguesa, facto que se verifica não só na ordenação do Plano como também na sua redacção.
Se este pensamento tivesse presidido à sua feitura, deveria ele aparecer dividido, antes, por grandes rubricas, como meios de comunicação (terrestres, aéreos, marítimos e fluviais), novas indústrias, aproveitamentos hidráulicos, etc., em cujos subcapítulos se indicasse a participação de cada província do território nos benefícios a atribuir e os encargos que lhe competissem no respectivo cômputo geral.
Seria esplêndido que se aproveitasse a oportunidade para abater as barreiras alfandegárias entre as diversas províncias de Portugal, como já em tempo foram
abatidas as barreiras ad valorem entre os diversos concelhos da metrópole, e que se procurasse integrar a economia de cada província num plano geral comum a toda a Nação, onde os encargos e os benefícios fossem proporcional e equitativamente distribuídos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O Plano mostra-se, pelo contrário, fraccionado e os territórios ultramarinos são nele considerados cada um à sua parte, em oposição ao espirito de unidade que conviria vincar e acentuar a propósito e até mesmo a despropósito de tudo.
Parece que o próprio relator se apercebeu deste facto, pois na segunda parte do Plano, isto é, na que se refere ao ultramar, escreveu palavras de explicação dos motivos por que se não estabeleceu uma relação mais intima entre os planos das províncias ultramarinas e os elaborados para a metrópole.
Não se mostram, porém, convincentes as razões de particularismo oferecidas por certos aspectos da economia ultramarina, pois as mesmas rubricas se encontram em relação a todas as províncias do ultramar: portos, comunicações e transportes, aproveitamentos hidroeléctricos, etc. E se no plano geral surgisse mesmo uma rubrica de povoamento, isso estaria longe de ser deslocado em relação à metrópole, que tem na colocação dos seus excedentes demográficos tantos ou mais interesses do que o ultramar.
Diz o relatório: «A natureza foi avara connosco, pois nem nos deu um solo fértil nem um subsolo rico». Não posso estar de acordo com essta frase, porque uma nação que inclui nos seus territórios a Guiné, S. Tomé e Príncipe. Angola e Moçambique não pode alegar que tem um solo pouco fértil e um subsolo pobre.
Esfalfam-se muitos a dizer que lá também é Portugal e parece que esta noção se aplica apenas, na prática, aos pontos escritos nos exames de instrução primária. Sou legado a supor que o relator teria, escrito, na frase citada, a palavra «metrópole», e que esta caiu durante a composição, sem que a, revisão disso se tivesse apercebido. A não ser assim, tratar-se-ia, de um lapso lamentável em documento de tão larga repercussão.
Outro reparo:
Este plano revela-se elaborado sob o signo da angústia que causa a muita gente o aumento constante da população portuguesa e sob o império da necessidade urgente de proporcionar trabalho a todos os que estão e aos vindouros.
Vezes sucessivas se faz nele referência ao aumento demográfico, à pressão demográfica, num tom que deixa a impressão de isto ser considerado uma calamidade, causadora de cabelos brancos aos governantes chamados a conjurá-la.
Sei bem quanto se admiram os chefes de família numerosa da aflição dos celibatários, dos maltusianistas dos casais naturalmente sem filhos, mesmo dos que têm um só quando tomam conhecimento dos seis, oito ou dez filhos que alegram o lar daqueles. E recordo-me da frase ouvido uma vez a uma senhora ilustre pela sua cultura e pela sua ascendência, mas não muito provida de bens materiais, em resposta a outra, horrorizada com os doze filhos que a primeira tinha: «Eles quando nascem já trazem o pão debaixo do braço».
Há, sem dúvida, mais dificuldades materiais nas famílias, numerosas; mas, na maioria dos casos, há menos dificuldades morais e espirituais. E, desde que se disponha de um mínimo indispensável, certos anseios, pequenas ambições legítimas, desejos contidos, só contribuem para a formação do carácter, para o robustecimento da vontade, para o desabrochar do espírito de iniciativa, ao contrário do que é proporcionado pela
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satisfação de todos os caprichos, pela realização de todas as vontades, sem a participação do esforço próprio.
Penso que também as nações como aos homens são dirigidas as palavras do Divino Mestre:
Não vos inquieteis com o que haveis de comer e de beber, nem com o que vestireis. Os pagãos é que têm cuidados com estas coisas. Olhai para o lírio do campo e para a avezinha do Céu... Procurai primeiramente o reino de Deus, e todas estas coisas vos serão dadas.
E o reino de Deus poderá ser aqui, justiça - uma mais justa repartição da riqueza.
Não é de admirar que nos tempos modernos muita gente se preocupe em demasia com o vestir e de comer e que tanto uma como a outra destas coisas sejam escassas por toda a parte. Quem é que cuida de procurar em primeiro lugar o reino de Deus? Nem os melhores , nem sequer os que deveriam ser os mais diretamente interessados!
Mas haverá de facto um aumento aflitivo da população portuguesa? Vejamos os números e façamos a sua interpretação.
Segundo se lê no relatório do Plano em discussão, nos últimos dez anos do regime monárquico constitucional a taxa do aumento populacional foi de 9,9 por cento.
Nos primeiros dez anos de republica a taxa baixou para 1,2 por cento. Parece incrível, mas até as próprias fontes vida estancaram sob a influência deste regime tão estranho ao sentimento português.
Nos últimos trinta anos - diz ainda o relatório - o acréscimo acentuou-se notavelmente. Ora a média das taxas desse tridecénio dá 10,7 por cento, ou um aumento de 0,6 em relação a 1910. Simplesmente, no último decénio a taxa foi para 9 por cento, a mais baixa dos últimos cinquenta anos, exemplo 1911-1920.
Porquê dizer então que verificou um aumento acentuado? Mas se formos aprofundar o aumento referido teremos de fazer um desconto pela rubrica « Emigração », porque em 1929 emigraram 10 000 pessoas, enquanto que em 1943 este número baixou para menos de 1 milhar.
A emigração é um problema secular que ainda não encontrou solução satisfatória. A humilhação nacional causada pela incultura e analfabetismo da maioria dos emigrantes sucedeu outra humilhação devida às deserções e fugas para o estrangeiro, as quais devem dar aos países de destino a noção de que vivemos aqui num inferno, tais as condições dramáticas a que muitos se sujeitam para se poderem ver daqui para fora.
E, afinal, um povo que tem territórios tão extensos e tão poucos povoados não deveria sofrer os problemas da emigração nem se preocupar com o sobrepovoamento. Deveria antes dar graças a Deus, colectivamente, pela sua juventude perene e pelas suas faculdades procriadoras. Um excesso notável de gente nova sobre a gente idosa é um bem que poucos povos da Europa hoje em dia usufruem.
Já há cinquenta anos Anselmo de Andrade escrevia na Portugal Económico:
Ninguém pode negar as vantagens de uma população numerosa ... O território português poderá alimentar um número de habitantes duas ou três vezes maior do que o actual.
Escreveu-se no relatório que « não se deve esperar que os empreendimentos destinados a fomentar o povoamento de Angola possam resolver só por si o magno problema da colocação dos excessos demográficos metropolitanos». Este « só por si » não sabemos a que propósito vez, porque seria cairmos no extremo contrário ao atrás apontado pensar que para os problemas nacionais possa haver soluções singulares dependentes apenas dos territórios ultramarinos.
A obsessão da demografia levou até a interpretações erradas dos fenómenos económico-sociais quando se diz que « a crescente pressão demográfica colocou o País perante a necessidade de cultivar os produtos indispensáveis á alimentação», o que não é verdade, porque sempre fomos um povo essencialmente agrícola, e as palavras de Anselmo de Andrade atrás referidas foram escritas muito antes destes trinta anos de notável desenvolvimento demográfico.
Outro reparo:
Anuncia o Plano que serão gastos 121:500 contos em escolas técnicas.
Confesso que esta notícia me deixa inteiramente indiferente, depois de ter ouvido afirmar ao reitor da Universidade de Lisboa que a sua Faculdades de Direito só tem capacidades para um terço dos alunos matriculados e que a de Farmácia tem laboratórios já há umas dezenas de anos sem canalizados de água nem de esgoto. Sabe-se, ao lado disto, que a Faculdade de Letras funciona há dezenas de anos numa espécie de cave, e que a Escola Superior de Medicina Veterinária (também técnica) ainda não conseguiu uma granja experimental para estudos zootécnicos e bromatológicos. E como as preciosidades da Biblioteca Nacional e da Torre do Tombo continuam em perigo porque os edifícios onde estão guardadas não reúnem condições de segurança, parece-nos que a verba a despender melhor aplicação teria se fosse incluída numa remodelação das nossas instalações de ensino cientifico, técnico e cultural. Isto também seria fomento, e do mais reprodutivo.
Num sentido semelhante se pronuncia a Cãmara Corporativa ao escrever:
Não se vê que isto necessite de alinhar entre os capítulos do presente Plano, dado que não alinham aí outros edifícios ou obras públicas sem reprodutividade directa, mas que, com igual legitimidade, lá poderiam figurar.
Ter-se-ia compreedido melhor a inclusão desta rubrica no Plano se se tivesse encarado um campo mais vasto de ensino técnico quanto aos seus diversos ramos e quanto às suas necessidades além dos edifício.
Sobretudo o ensino agrícola, tão necessário e tão deficiente..., bem merecia a proteção generosa de um plano de fomenfo disposto a atacar de frente esse difícil e momentoso problema.
De resto, não se compreende a que título se inclui a construção de escolas comerciais num plano de fomento puramente industrial.
Outro reparo ainda:
Da leitura comparada do Plano com o parecer da Cãmara Corporativa resulta a impressão de o Plano ter sido elaborado com pouca ponderação e talvez um tanto à pressa.
Por outro lado, o relatório deste diz no capítulo da siderurgia: «A opção por qualquer dos processos, e até a escolha de uma solução mista, não se afigura fácil. Só será possível formar-se um juízo seguro sobre a via em que convém orientar a nossa siderurgia depois de um ensino em escala adequada. Não obstante isto, anuncia-se que se vai proceder à montagem imediata de uma instalação para a produção anual de 20 000 t de gusa, e destinada a preparar pessoal técnico e a permitir a instalação definitiva. Por mim não descortino em que bases científicas assenta este empreendimento,
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uma vez que se confessa não se saber o que se há-de fazer.
Mas por outro lado, a câmara Corporativa não só não considera satisfatória a produção de 20 000 t de gusa por ano. como afirma também que «já hoje se possuem conhecimentos técnicos suficientes para se poderem definir com rigor as características dos nossos minérios, assim como os processos a seguir para a transformação das matérias-primas básicas em gusa». E, a garantir este ponto de vista ,afirma que existe mesmo um grupo financeiro apto a tomar conta deste sector de fomento industrial.
No capítulo da electricidade o parecer demonstra que as contas do plano estão erradas, porque longe de faltar energia , ela, pelo contrário, excederá a procura, e quanto a caminhos de ferro fazem-se no parecer considerações que deixam muito mal colocados os pontos de vista oficiais.
Por fim, dá-nos a novidade que «alguma» das obras e aquisições que fazem parte, destes empreendimentos do Plano já se encontram umas adjudicadas e outras em execução ou a concurso», o mesmo sucedendo com os petroleiros, que já estão encomendados. Acentuando a inutilidade, do parecer a tal respeito, verifica-se que o chamado Poder Legislativo, já não legislando coisa alguma, até pura consultivo deixou de servir.
Em face disto, limito-me a dizer à Administração;
assim não vale...
E um último reparo:
Neste Plano uma boa parte da verba a despender é destinada, à agricultura. Pois, apesar disso e de sermos um país essencialmente agrícola, isto e, que continua a ter na agricultura a sua maior riqueza, a parte do relatório que lhe é dedicada não excede a décima parte das considerações totais.
A falta de um Ministério da Agricultura mostra-se com toda a evidência na orientação do Plano, revelando que o Ministério da Economia é-o muito mais do Comércio, e principalmente da Indústria, do que o é da Agricultura. Para cúmulo, na câmara Corporativa as secções de assuntos agrícolas não colaboraram na elaboração do respectivo parecer, E assim é que está certo, porque no Plano nada há de concreto que justifica a sua intervenção. Apenas a secção de Produtos florestais emitiu opinião a este respeito, e muito bem, afirmando que «o fomento rural não pode estar ausente sem um programa definido num plano de desenvolvimento económico».
Se lermos atentamente todo o relatório, verificamos que a própria conquista de terrenos ao mar no litoral algarvio não lhe merece mais de quatro linhas, o sobre a pecuária nacional entendeu-se ser suficiente uma simples referência esquemática de treze linhas de registo de progressos já feitos.
E verdade que no Plano se afirma a intenção de aproveitar as modernas aquisições da ciência agronómica; pena é que pareça não interessarem as também modernas aquisições da, ciência. silvícola. tanto mais que o principal objectivo do Plano neste sector é o povoamento florestal. E se procurasse ainda aproveitar os progressos da ciência veterinária aplicados à agricultura, decerto nada perderia, como tentarei demonstrar.
Gera-se no meu espírito uma grande interrogarão sobre a conveniência de nesta idade do Mundo caminharmos para uma elevada industrialização, deixando em plano secundário o progresso agrícola.
Oliveira Martins, no relatório do seu projecto de lei de fomento rural, escreveu em 1887 palavras que poderiam per repetidas agora:
Quando nós, em Portugal, acordámos para a vida económica, despertou-nos do nosso sono histórico o silvo agudo da locomotiva, e, estonteados por ele. supusemos que todo o progresso económico estava em construir estradas e caminhos de ferro. Esquecemos todo o resto.
Se neste período, substituirmos estradas e caminhos de ferro por barragens e altos fornos, poderia ele ser inteiramente actual. O acordar é que teria de ser diferente. E, no entanto, Oliveira Martins era um adepto fervoroso da industrialização.
Durante muito tempo, alguns países europeus foram os detentores da grande massa, das indústrias transformadoras e a agricultura foi tratada como negócio de somenos importância, porque lhes era fácil comprar, no estrangeiro, as matérias-primas a preço baixo e dar escoamento aos seus produtos manufacturados. Hoje em dia, os ventos mudaram, e é a própria Inglaterra que, tomando consciência das modificações do ambiento mundial, se dedica a reparar os erros acumulados durante cem anos, restaurando a sua agricultura e fazendo dela uma das condições essenciais para o seu restabelecimento económico.
Não há muitas semanas, lemos numa revista americana recém-publicada estas palavras:
A nossa nação, vigorosa, forte e saudável, está dependente, por muitos elementos essenciais à sua alimentação, de lacticínios, carne e ovos. As nossas forças militares dependem em 40 por cento das suas rações dos produtos de origem animal, os quais representam 70 por cento do valor alimentar das suas dietas. A saúde dos homens e a marcha da guerra estão ainda ligadas, em larga escala, às lãs, às crinas, aos couros, a certos produtos biológicos, como extractos glandulares, soros, etc., que só os animais nos podem fornecer.
Eu não me insurjo contra a industrialização; insurjo-me, sim, contra o desinteresse a que num plano do fomento é votada a agricultura, sobretudo no ramo pecuário.
Estará esta tão adiantada, ou em tal progresso, que possamos dispensar-nos de olhar por ela com o maior dos cuidados? Muito pelo contrário.
Para bem avaliarmos quanto estamos atrasados bastará dizer-se que em 1939, último ano anterior à guerra. O valor da nossa produção de leite e de lacticínios não foi além de 2 por cento da produção total, agrícola e pecuária, enquanto que na Suíça ele atingiu 27 por cento. Isto na metrópole, porque no ultramar pior ainda.
Na Alemanha, em anos anteriores, aquele valor atingiu 3:200 milhões de marcos ouro. enquanto o idos cereais e batatas se ficava pêlos 2:630 milhões.
Cita-se no Plano a capitação de energia como índice Já inferioridade, do nosso nível de vida, não obstante se fazer figurar (decerto para atenuar mu pouco) ao lado das capitações actuais dos diferentes países a capitarão provável de Portugal em 1958. Também se poderia citar, com igual intenção, a nossa capitação em carne, porque este género de consumo não é menor indício do grau de desafogo económico de um povo.
Ora, se para consumir mais energia é necessário produzi-la, também para se comer mais carne é necessário criar mais gado.
O deficit da nossa produção cárnea tem sido coberto pela importação, mesmo no nível baixo de 15,25 por habitante. em que se situa o consumo, o que nos coloca num grau muito baixo da escala dos países europeus.
No resto, o leite é pouco e mau, a manteiga é cara e as lãs e peles estão longe de chegar para as nossas necessidades, não obstante o progresso real e acentuado
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que no campo lanígero se tem registado nos últimos anos. por fim, os terrenos de cultura esgotam-se amiugua fertilizantes naturais.
E tudo isto porquê?
Em relação a 1852 a nossa população aumentou 106 por cento, enquanto que o gado bovino aumentou apenas 59 por cento. E pela estatística do matadouro de Lisboa ainda se verifica, além disso, que a média de produtividade de um bovino adulto era, em 1910, de 264 kg e em 1943 era apenas de 206. Em 1870 tínhamos, em média, um terço de cabeça de gado por habitante e em 1940 esta média baixou para um quarto.
Como disse um técnico esclarecido, temos andado n sustentar os bovinos para trabalhar a terra, em vez de trabalharmos a terra para que ela sustente os bovinos.
Além do mais, convém ter presente que a criação de gados é o grande antídoto contra o desemprego rural que a mecanização da agricultura poderá vir um dia a ocasionar. Quanto mais gados mais trabalho para o homem - trabalho que eles generosamente retribuem.
Eu não me esqueço de que no relatório se afirma o reafirma que muitos empreendimentos referidos e não referidos serão realizados através das dotações a inscrever nos orçamentos ordinários e também sei que muitos aspectos de pormenor podem ser objecto de planos parcelares, a cargo das diferentes direcções-gerais.
Porém, essas alegações deixam-me um pouco incrédulo, porque não vejo que se tenha seguido um tal critério quanto ao sector industrial do Plano. onde se desceu ao ponto, que considero impróprio de um documento desta envergadura. de transferir para ele as discussões dos gabinetes e das cátedras sobre o rendimento dos carvões e os processos de aproveitamento das sucatas. Mas se me dissessem que aquelas passagens do relatório representam resposta antecipada às objecções e às denúncias de falha do Plano, então toda a discussão seria ridícula. E a nós, Deputados, que mais ou menos acreditamos na nossa função, só reataria responder a alguém que proclamasse «seja louvado o Governo» com um «paia sempre seja louvado» e, feito isto, pormos o chapéu na cabeça e tomarmos o elevador.
Mas também me parece que esta objecção não terá cabimento, porque a propósito da prospecção mineira só faz um largo relato de pesquisas e se termina por dizer que os trabalhos a efectuar serão pagos pelas dotações ordinárias do orçamento, porque se referem então estes trabalhos no Plano? Ou porque não referiram todos os outros, a cargo também do orçamento normal?
Na parte do fomento agro-pecuário não se vislumbra uma ideia , não se adivinha um plano, não se esboça uma directriz de melhoramento.
Será esse o caminho mais indicado? Não o creio.
O grande Anselmo de Andrade, já atrás citado, escreveu com a sua habitual lucidez:
Não se pode pensar em fazer de Portugal um país de indústrias, que nunca poderiam competir com as dos países estrangeiros: é a agricultura a nossa legítima função de trabalho.
Hoje, sem alterar o texto, poderíamos, contudo completar o conceito dizendo: a agricultura e as industrias ,à custa dos seus produtos a técnica moderna tem conseguido criar.
A industrialização crescente de todos os países do Mundo limita cada, vez mais as possibilidades de larga exportação de produtos industrializados, como está sucedendo com as nossas conservas de peixe .Por outro lado, quanto mais os agricultores dispuserem de elevado poder de compra ,pela criação de riqueza à custa da terra, tanto maior será o consumo de máquinas , de vestuário ,e de calçado, de energia eléctrica, de carburantes, etc. A agricultura é, de facto, a nossa legítima função de trabalho, ou, pelo menos a primeira das nossas actividades fundamentais.
Procurar trabalho para todos é bom; mas melhor seria que, ao lado desta ambição louvável, se procurasse também produzir alimentos para todos .Podem dizer-me, talvez que isto equivale ao mesmo, mas eu não aceito a equivalência. Num âmbito de economia familiar, e em épocas familiar, em épocas normais, ter o chefe de família trabalho equivale e ter pão e conduto para si e para os seus. Mas no quadro da economia nacional já assim não é. E em épocas anormais, há muita gente que tem dinheiro e valores, sem que, por isso, tenha o seu sustento garantido.
Como num plano de fomento se poderia traçar um programa de melhoramento da alimentação do povo português, sobretudo em produtos de origem animal, que são os mais nobres e os mais importantes para a produção de energia, não e este o local mais apropriado para o dizer. Mas, apesar disso, não quero deixar de contribuir com o meu depoimento no que se refere a um sector do campo animal, por ser esse o que menos mal conheço.
O nosso povo, especialmente o das zonas rurais, alimenta-se escassamente, e raro figura nas suas refeições um mínimo do protídeo indispensável ao equilíbrio orgânico.
No inquérito rural realizado em 1934 por intermédio da Universidade Técnica pode tornar-se conhecimento da emende de uma família rural minhota:
Almoço (às 7 horas) -Caldo verde o pão de milho.
Jantar (ás 12 horas) - Caldo verde, pão de milho e conduto (sardinha ou bacalhau ) quando o há.
Ceia (às 20 horas) - Caldo verde e pão de milho.
Eu não sou comilão, nem em sentido próprio nem em sentido figurado, e tão-pouco sou apologista das grandes comezainas. Mas, sem dúvida, esta alimentação é, aos olhos de todos a gente, fisiològicamente insuficiente. Se esta família come tão pouco, que pudera ela despender em vestuário e calçado, em objectos de uso doméstico fabricados pelas industrias, em energia e combustíveis, em transportes, etc., mesmo naquelas actividades que, não sendo indispensáveis à existência, fazem, no entanto, parte da vida do espírito e da condição de pessoas civilizadas?
Poderão responder-se que estas famílias não vivem melhor por falta de recursos e que outros meios do aplicação das suas possibilidades já lhes facultariam melhores bases de subsistência.
Estou de acordo. Mas não seria indicado que esta melhoria de aplicação de meios lhes fosse oferecida no ambiente rural em que vivem pelo aumento e valorização dos produtos da terra? Se assim não fizermos, estes milhares de famílias serão solicitados a um consumo mais avultado de produtos nobres, sobretudo de carne, e, como apesar da nossa inferior capitação já somos obrigados a uma larga importação, esta subirá progressivamente, e taremos então a surpresa do gastarmos na importação de carne e de gorduras as divisas que conseguirmos poupar na importação de ferro e carvão.
Num estudo publicado em 1931 pelo Ministério da Economia deu-se conta do que o povo português precisaria em 1960, se agrupasse então 8 650 000 almas, para se alimentar com 3 033 calorias por dia, o que ainda não seria muito. Ora como o presente Plano
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de Fomento se refere a num provável população de 9 000 000 em 1938, a correcção dos cálculos presentes naquela publicação dá os seguintes números do que seria ou será necessário, em excesso sobre a actual produção:
61 600 t de pescado fresco e salgado:
103 000 t de carne limpa:
330 000 t de leite:
8 300 t de laticínios:
13 000 t de ovos.
Penso, porém, que as necessidades serão bastante superiores a isto, porque o cálculo do consumo actual foi feito por média. Ora quem se alimenta bem há-de continuar a fazê-lo na medida em que isso lhe for possível, e são os deficientes que terão tendência para crescer, no sentido de preencher o espaço que os separa
de um mínimo essencial, pelo menos.
O que precisamos ,por tanto ,é de produzir muito mais alimentos, especialmente muito mais carne, o que equivale a dizer que precisamos de criar muito mais gado.
E como já afirmei, um aumento sensível nos efectivos pecuários é capaz de proporcionar trabalho a muita gente, no seu cuidado directo e na laboração dos subprodutos que os animais fornecem para as indústrias. Aqueles a quem parecer divisória a aplicarão de braços nas indústrias animais eu direi, a titulo de esclarecimento, que a indústria de prepararão de carnes, por exemplo sustentava, não obstante a sua desorganização, só no distrito de Portalegre 413 oficinas em 1944.
E não é segredo para ninguém que a estes problemas se dedique o facto de as indústrias dos têxteis e dos curtumes -indústrias animais, em grande parte- utilizarem, proporcionalmente, muito mais braços do que a dos carburantes. Por exemplo.
De resto, isto é apenas um parêntese que já fechou porque não me interessa agora tratar da aplicação de braços, mas das satisfação das bocas.
Para termos mais gado formoso é ter com o que sustentar e teremos nós à nossa disposição a soma de alimentos exibida para um acréscimo substancial nos efectivos pecuários;
Vale a pena fazer um inventário, mesmo sucinto, porque, com a toda certeza não faltaram surpresas.
Segundo os cálculos do ilustre agrónomo A. Ruela, e aos quais já tenho feito referência em outros estritos, só nas províncias do Nordeste de Portugal se perdem por ano l 500 000 t de alimentos aquosos, os quais não podem ser ensilados nem fenados por nessa época as condições climatéricas serem adversas a estes processos de conservação. É na Primavera, quando as terras estão carregadas de pasto e a preparação delas para a cultura do milho obriga a enterrar, para transformação em estrume, a quase totalidade das plantas desenvolvidas. Na Beira Litoral perdem-se. Por idêntico motivo. 500 000 de erva. estes dois desperdícios dariam para o sustento de 100 000 cabeças normais de gado, e o que representaria isto de acréscimo em carne, em leite, em couros e nos restantes produtos de origem animal pode dizer-se que tem tanta importância como um alto forno ou uma central eléctrica.
Se tornarmos extensivo este cálculo às outras regiões, obteremos uma noção segura das possibilidades que nos são oferecidas e que, insensatamente, nos permitimos desprezar. Mas, há mais:
Todos os anos as plantas destinadas à fenação sofrem uma quebra enorme no seu poder nutritivo; por não serem ceifadas na altura mais favorável, aguardam que o tempo se mostre propício. Por outro lado, dezenas de toneladas de feno sofrem a putrefacção no campo, causada pelas chuvas, ou sofrem, pelo menos, considerável
diminuição no seu poder nutritivo, acabando os animais por rejeitar toda essa, massa, de alimentos tornados insípidos, os quais no fim só servem para camas.
Acresce a isto que nos locais de matança de gado impropriamente designados matadouros, se perdem no esgoto cerca de 6 milhões de quilogramas de sangue por ano, o qual, dissecado e farinado, daria óptimo produto pura enriquecer os alimentos grosseiros de que em grande quantidade dispomos, mas que são insuficientemente nutritivos, por si sós, para o perfeito sustento dos animais.
E ainda os milhares de toneladas de peixe que vão para o guano, em vez de serem transformadas em farinhas, de grande riqueza proteica, e, portanto, de elevado valor nutritivo.
Por último, como se estivéssemos a nadar em abundância, ainda nos temos permitido exportar o que tanta falta nos devia fazer. Não tive possibilidades de averiguar o valor actual da nossa exportação em produtos alimentares para o gado. mas posso dizer que antes da guerra cheirámos a vender por ano para o estrangeiro 12000 t de bagaços de oleaginosas, muitos milhares de toneladas de alfarroba e alguns de sémeas.
É perece que isto chega para tomarmos consciência do muito que desperdiçamos e para nos converter de que se impõe adoptar um remédio fácil-aproveitar.
Ninguém duvidará de que isto é fomento, e do menos dispendioso.
E como faze-lo? Vejamos;
O aproveitamento dos alimentos aquosos está dependente de uma propaganda e demonstrarão intensas da ensilagem, mas pensamos, e já o escrevemos algures, que a dissecação por meio de máquinas capazes de rapidamente fazerem baixar de 73 por cento para 2 por cento o teor de humidade da erva, respeitando a sua riqueza vitamínica e permitindo a sua armazenagem, a mesmo a tarinação, é processo preferível.
Não nos consta que no nosso país tenha já sido feito qualquer estudo sobre o rendimento destas máquinas, mas sabemos que se faz delas um uso cada vez mais largo na América e nos países do Norte da Europa.
Há muitos proprietários rurais que não possuem capacidade financeira para construir silos, os quais, por baratos que fiquem, não importam em menos de 3.000$, tomando como padrão um para 10t de capacidade. E se para estes a lei dos melhoramentos rurais poderia ser preciosa ajuda, outros há que, por serem apenas rendeiros, não estão dispostos a fazer construções em propriedade alheia.
Para os pastos produzidos por todos estes a dissecção é o método de conservação ideal, pois é possível a estas maquinas deslocarem-se às propriedades de cada um em regime semelhante ao das debulhadoras.
A aquisição pelo Estado de um certo número de dissecadoras, distribuídas por cada um dos postos zootécnicos, das estações agrárias, etc., poderia muito bem constituir o primeiro acto de fomento da nossa riqueza pecuária, com um dispêndio de 3:000 a 4:000 contos, números redondos. Mas os rendimentos destas máquinas talvez permitisse pagá-las logo no primeiro ano, pois a sua potência de trabalho está calculada em 1600 kg de erva verde por hora, ou seja, num dia normal de oito horas, a capacidade total de um silo de 12 t. E isto poderia ser o ponto de partida para novas aquisições por pariu dos grémios da lavoura, e mesmo por lavradores, desta maneira esclarecidos, os quais assim aproveitariam grandes mascas de forragens.
E até me recordei de outras aplicações que tais máquinas poderiam ter, ao ler em jornais agrícolas que este ano o trigo se apresentou em deficientes condições de conservação devido ao excesso de humidade com que saiu das eiras.
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Os que se deixam encandear com o brilho dos milhões decerto pensarão que tudo isto é irrisório, em face do enorme dispêndio de um plano de fomento. Estou de acordo. mas fico muito satisfeito por se verificar que é fácil de fazer e custa pouco dinheiro. Se tem ou não importância, já ficou demonstrado.
O aproveitamento do sangue nos matadouros é impossível fazer-se com o actual redime de matança de gado.
Um plano de fomento pecuário terá de incluir nas suas disposições basilares a revisão das normas de abastecimento de carnes, pela supressão de quase todos os actuais locais de matança e a construção de alguns matadouros industriais nas regiões mais capazes de os abastecerem em animais de talho. Mas estes estabelecimentos terão de funcionar fora do critério acanhado das administrações municipais. Estaria a indústria particular apta a assumir estas responsabilidades? Em caso negativo, competiria ao Estado tomar esta iniciativa, porque a importância do empreendimento e o valor da riqueza nacional a ele libado largamente, o justificariam e compensariam. Depois, à medida que a unidades industriais, devidamente apetrechadas entrassem em serviço, seria nelas concentrado todo o abate de gado numa área considerada suficiente e necessária para a sua laboração.
Não seria demasiado criar, pelo menos, dez matadouros industriais espalhados pelas regiões mais ricas em gados e na vizinhança dos maiores centros de consumo, cada um dos quais poderia laborar por ano um mínimo de 6 000 t de carne e respectivos subprodutos, ou seja 20t por dia útil, o que seria suficiente para lhes assegurar um trabalho regular e industrialmente, lucrativo.
Nos actuais locais de matança, ou pelo menos, na sua maioria, não é possível fazer-se o aproveitamento do sangue e dos restantes subprodutos porque a instalação da maquinaria apropriada não se concilia com uma laboração fraccionada ou rudimentar, sob pena de ser um motivo certo de ruína. Toda a instalação industrial, para dar rendimento, precisa de trabalhar com regularidade e sequência.
E por isso que considero absurdo construir-se um matadouro grande em Lisboa e continuarem funcionando matadouros pequenos em Loures, em Oleiras, em Sintra, etc.
De igual modo, não se compreende a existência do matadouro industrial em Setúbal e continuarem Setúbal os locais de matança em Palmela, em Sesimbra, no Seixal ,etc. Ou um no Porto e outro em Vila Nova de Gaia e assim por diante.
Nos simples locais de matança, a perda do valiosissimos subprodutos é quase total (sebos , sangue, ossos e fâneros .mesmo a carne imprópria para consumo) e o esgoto e o estrume são os dois grandes beneficiários desta incompetência técnica e administrativa. Até as peles e os couros são consideràvelmente danificados, porque a prática de esfola não se adquire trabalhando em uma rês por semana mas sim em muitas, por dia. E disto resulta grave prejuízo para a indústria dos curtumes e concomitante operação no preço do calçado.
A instalação de matadouros regionais teria ainda uma outra vantagem - a de poupar carne in rico. Cada bovino transportado em caminho de ferro, desde os centros de criação até aos de consumo, onde é abatido, perde uma média de 25 a 30 kg. E por estrada esta perda atinge de peso vivo. Por mar desde os Açores até Lisboa cada rês perde mais de quatro arrobas. Multiplicando estes valores pelo número de cabeças de gado bovino transportadas, encontraremos um valor vizinho de 10 000 t de carne perdidas , inteiramente perdidas ..
O valor dos subprodutos e o interesse que eles possuem como matéria-prima para tantas industrias , desde a farmacêutica à de plásticos, é mais um motivo incitamento à instalação de matadouros industriais. Nestes, o observador chega a esquecer-se da carne ,que é tornada quase o produto menos importante.
Uma vez aprovada a careaça para o consumo ,a carne recolhe as câmaras de refrigeração ,onde fica ,enquanto o trabalho nas oficinas continua, durante muito tempo.
São trabalhados os ossos dos quais se extrai 10 por cento das gorduras, 20 por cento de gelatina, e 60 por cento de farinha de ossos e ainda cola e produtos químicos com base no cálcio e fósforo .Em Portugal continental arrecadam-se actualmente cerca de 13 000 t de ossos por ano.
É trabalhando o sangue o qual, além farinado para alimentação de animais permite a extracção de albuminas (negra, clara e vermelha)de grande aplicação na industria dos aglomerados, nas de plásticos, de tinturaria, saboaria, curtumes, papelaria e químicas.
São aproveitadas as cerdas e os pêlos, óptimos para o fabrico de escovas e pincéis, e a lã, da qual se extrai lanolina.
As glândulas de secreção interna dão os opoterápicos, entre os quais a preciosa insulina.
Por último, os intestinos servem para ensacar carnes, para fabricar cordas de instrumentos musicais, e cut-gut para suturas em cirurgia.
E o próprio conteúdo estomacal e do intestino delgado com o peso de algumas arrobas em cada bovino pode dar depois de dissecado e farinado um magnífico enriquecedor de rações pela soma de princípios nutritivos que contém, já parcialmente digeridos associados ao suco digestivo e as diástases transformadoras.
Tudo isto parecerá pequenino, mas a industria nacional dos lacticínios já mostra como o pequeno se pode tornar grande. Esta já produz, além de manteiga e do queijo, também lactose, ácido láctico, cascina e outras matérias-primas para industrias subsidiárias de grande utilidade e rendimento.
Um dos argumentos mais em voga contra a concentração dos locais de matança em unidades industrias é a dificuldade invocada dos transportes das carnes para os múltiplos e dispersos centros de consumo. Mas nem este argumento tem Valor, porque o mesmo acontece com a farinha, com o azeite até com o peixe, embora com este aconteça muito mal.
A solução poderia já ficar indicada no presente Plano se tivesse preocupado com instalação no nosso país da industria do frio. Mas infelizmente, a este respeito o Plano é inteiramente omisso. Alguns vagões-frigoríficos, a juntar aos restantes cuja inquisição foi planeada, alguns camiões-frigoríficos e um barco-frigorífico, com o qual se iria enriquecer a nossa frota mercante sem prejuízo dos outros barcos a adquirir, e a construção de dois frigoríficos um em Angola e outro nos Açores, resolveriam o problema da conservação e da distribuição não só da carne como também do peixe, dos ovos. do leite, etc.
Pensou-se há tempo na construção de um matadouro industrial em Angola, com as respectivas câmaras frigoríficas de reserva. Mas, como empreendimento português que era logo entrou a padecer do mal do tudo ou nada: o projecto admitia a construção de câmaras capazes de alimentar a exportação mensal de 1000 t.de carne e o respectivo, custo elevava-se só na parte industrial a 133:000 contos.
Também, a propósito das novas instalações do matadouro de Lisboa, foi há semanas publicada nos jornais diários a informação de que elas serão as mais grandiosas da Europa. Ao lê-la, fiquei imediatamente
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fazendo sinceros votos por que ela fosse simples propaganda, pois, em caso contrário, seria sumamente ridículo que um pais com uma capitação cárnea das mais baixas da Europa tivesse, em compensação, um matadouro com as instalações mais poderosas.
Parece que em Angola se enveredou posteriormente para outra solução mais modesta e menos perigosa, mas de positivo nada posso dizer a tal respeito.
Sei, porém, que o gado vindo de lá suporta elevadas perdas de peso, os transportes são ocupados por uma carpa indesejável, que toma muito espaço, vale relativamente pouco e danifica muito pela acção corrosiva dos dejectos.
Nos últimos vinte anos Angola exportou para a metrópole a média anual de 3 300 bovinos, mas destes animais alguns sofriam tanto que morriam durante a viagem, e outros tinham de ser vendidos ao desbarato, por preço inferior ao valor do ouro que lhes envolvia os ossos e as vísceras. A carne que se consegue aproveitar é de qualidade bem inferior à que se obteria se o gado fosse abatido na origem, e, acima de tudo, a sanidade dos gados metropolitanos tem sido prejudicada por agentes mórbidos veiculados pelos animais importados.
Tudo o que se diz a respeito dos gados angolanos, neste capítulo, se pode dizer, em grau mais atenuado, a respeito do gado açoriano também embarcado para o continente.
Não se pense que o incremento que preconizamos para a criação pecuária na metrópole poderia contrariar a do ultramar. As possibilidades de Angola, não estão limitadas à Mãe-Pátria que, mesmo no estado actual do seu consumo, poderia importar de lá cerca de 2 000 t por ano de carne frigorificada. Nem mesmo a metrópole conseguiria bastar-se a si própria no dia em que a sua capitarão cárnea ascendesse ao mesmo nível que a dos países do Norte da Europa, por exemplo.
Moçambique e os mercados estrangeiros, como o Congo Belga, a África du Sul e as Rodésias, aguardam os fornecimentos de Angola. Na nossa província de Moçambique as crises alimentarem de que frequentemente sofre a população indígena podem ser resolvidas pela importação de carne angolana, até que o seu armentio se torne um valor real a contar para o consumo.
E porque não produz também Moçambique carne em larga escala? Apenas porque mais de metade do seu território está fortemente infestada pela mosca tsé-tsé, transmissora da nagana, que dizima todo o gado susceptível a esta Tripanossomíases. Seria o maior plano de fomento e ao mesmo tempo de salubridade para a África Oriental Portuguesa a bonificação e o saneamento das áreas já cientificamente determinadas na sua localização e na sua extensão. As dificuldades desta acção encontram-se hoje, em grande parte, removidas. Na província de Natal, na União Sul-Africana, as glossinas estão já praticamente exterminadas à custa de insecticidas modernas, lançados de helicópteros, que têm a faculdade de poder voar muito baixo, acompanhando todos os acidentes do terreno.
Nesta província de Moçambique está, ou estava há pouco ainda, na dependência do exterior em quase todos os produtos de origem animal. Não tem praticamente indústria de lacticínios, sendo obrigada a importar centenas de toneladas de queijo e manteiga, no valor de milhares de contos. E até para os animais que consegue manter é obrigada (parece impossível!) a importar alimentos azotados, como farinha de peixe, sémeas e rações compostas. Em Lourenço Marques as crises de carne são frequentes e no Norte da província a escassez deste alimento é constante.
Por aqui se vislumbra o largo mercado aberto á exportação de carne angolana, bastando para isso que nesta província seja instalada a indústria do frio, a
que me referi, e que os seus gados sejam melhorados zootècnicamente, que se lhes assegure uma maior defesa contra as epizootias grassantes e, sobretudo, que se procure um melhor aproveitamento dos seus recursos forraginosos. Neste último aspecto o principal papel cabe aos reconhecimentos agro-pecuários que permitam fazer uma distribuição mais racional das culturas, definir as reservas pastoris e as reservas floresta, a classificação das áreas de possível captação de águas. etc. Um trabalho de grande envergadura, levado a efeito em louvável e auspiciosa colaboração de veterinários, agrónomos e geólogos - colaboração que eu desta tribuna desejo exaltar e saudar -, permitiu reconhecer nas regiões de Oncócua-Pédiva valores pastoris capazes de transformar essa extensa zona de território numa nova Argentina, quanto à produção de carne.
Em várias passagens do Plano de Fomento se faz referência ao fomento agro-pecuário no ultramar, mas a sua leitura atenta deixa a impressão de que esta expressão é nele vazia de sentido. Assim, quanto a Cabo Verde, são destinados 45:000 contos para melhoramentos hidroagricolas, florestais e pecuários. Mas pergunta-se: que melhoramentos? Nada se diz a este respeito, ou, antes, diz-se que por força dos Decretos-Leis n.ºs 33 508 e 35 666 se têm efectuado estudos desta natureza. Mas os citados decretos prevêem estudos de hidráulica, fomento agrícola e florestal, defesa e conservação do solo e das estradas. E o mesmo quanto a S. Tomé e Príncipe.
Em Angola também se fala nisso, mas a aplicação prática tem estado até agora bastante afastada do pensamento. Bastará dizer que no primeiro colonato para europeus a estabelecer no planalto de Cela tudo foi previsto, menos a assistência veterinária, apesar de o efectivo pecuário desse empreendimento se elevar a 24 cabeças, por família logo de início.
Não sei se terá havido omissão na descrição, tanto custa a acreditar que a tenha havido na realização. Contudo, devo dizer que a fonte onde bebi estas informações era de carácter oficial.
Ainda que houvéssemos de chegar á conclusão de que não éramos capazes de produzir todos os alimentos exigidos para o sustento do excesso de gados necessários a um regular consumo de carne, restar-nos-ia, como último recurso, a importação de alimentos, o que sempre ficaria mais barato do que a importação de carne ou de manteiga. É, afinal, o que fazem muitos países dos mais progressivos, agricolamente e dos maiores exportadores de produtos de origem animal.
A Inglaterra chegou, antes da guerra, a importar 37 milhões de quintais de alimentos concentrados para os seus gados. Mas, se não quisermos ir tão longe, fiquemo-nos pela Holanda, que importava à, roda de 3 milhões de toneladas, ou pela Dinamarca, que importava 2,5 milhões. Se nos propomos importar ferro para alimentar a indústria siderúrgica, não seria absurdo importar alimentos concentrados para a indústria pecuária.
É certo que para o incremento da nossa criação de gados não possuímos na Europa terrenos de fertilidade comparável aos dos países referidos, nem condições climatéricas tão propícias à produção leiteira, mas a desproporção também não é tão grande que torne desvaliosa a referência.
Não basta, porém, produzir rações abundantes e a preços módicos, criar raças precoces, seleccionar reprodutores, etc. É preciso protecção, organização e estímulo para a produção. Se o lavrador, no momento da venda dos seus produto, tiver de se entregar de mãos atadas à ganância dos marchantes e dos agiotas, por não encontrar para o seu esforço uma compensação segura e séria, de que poderá servir tudo o mais?
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É preciso carinho e compreendo para a lavoura, e isso não tem existido.
Dou dois ou três exemplos apenas, para não fatigar - e porque eles são bastante elucidativos, especialmente por serem bastante recentes -, desta falta de compreensão:
Os impostos e taxas que à roda do fino incidem sobre a carne directamente sobem acima de 50:000 contos, não contando com os encargos especiais superiormente autorizados. No distrito de Setúbal há uma câmara que exige de taxas quase 150$ por porco de 10 arrobas.
Mas não só as câmaras, porque também muitas repartições do Governo Central manifestam do várias formas a sua hostilidade para com a lavoura: no final do ano cerealífero foi publicada nos jornais uma nota afirmando que o lavrador já podia afoitamente semear trigo, pois, não tendo os adubos sofrido aumento de preço, com 195 Kg de trigo a 38 o quilograma já lhe era possível adquirir uma tonelada de superfosfato de 18 por cento. A Associação Central da Agricultura Portuguesa procurou corrigir os números e valores indicados nesta nota, provando que, devido ao baixo peso específico do trigo colhido este ano, seriam necessários 236 kg daquele, cereal, em média, para a referida aquisição, e não 195, como indicava o quadro emanado da repartirão oficial. Pois foi impedida de publicar o esclarecimento. Se a nota oficial era verdadeira, tudo indicava que se desse publicidade à suposta correcção e que, acto contínuo, ela fosse contestada inexoravelmente.
Mas se, pelo contrário, era verdadeira, para que se fez sufocar a verdade, deixando-se a massa das pessoas de boa fé com uma noção errada, talvez propositadamente errada, dos fatos? Terão sido, pelo menos, chamados a explicar-se os funcionários incompetentes ou maldosos autores ou elaboradores da nota publicada?
Não se sabe, e é pena; mas, para exemplo do estímulo à produção e de compreensão oficial, este caso é deveras eloquente.
Pode afirmar-se que não temos em Portugal uma verdadeira produção de carne, a não ser de carne de porco. Os bovinos são criados para trabalho ou para leite; os ovinos para leite e lã. Destas duas espécies animais o que vai para o talho é o que não pode ser alimentado nas condições actuais, o refugo da criação, os animais velhos e os de inferior rendimento. E porquê? Porque um boi de trabalho vale muito mais do que um boi para talho. Mas no dia em que nos matadouros se faça o aproveitamento dos subprodutos já os dois valores poderão ser igualados ou mesmo dar-se um excesso a favor do segundo.
No dia em que a carne deixar de ser considerada um produto de luxo e, como tal, objecto de alcavalas, que em alguns concelhos ascendem a quase 5$ por quilograma, poderá ela ficar mais barata para o consumidor e ser mais bem paga ao produtor.
E dos matadouros passemos aos portos de pesca. No Plano estende-se um discurso introdutório a respeito da importância dos portos comerciais, o qual é perfeitamente inútil, porque se reconhece, sem dúvida, ser supérfluo encarecer, perante esta Assembleia ou perante a Câmara Corporativa, o que um porto significa no quadro da economia nacional. Em contrapartida, só acidentalmente se fala em portos de pesca, e em duas linhas aqui e três acolá.
Um porto não é de pesca, em rigoroso sentido, só porque nele estão matriculados barcos de pesca ou na sua vizinhança residem pescadores. Um porto será de pesca, sim, na medida em que proporcionar aos trabalhadores do mar um mínimo de condições exigidas para a segurança da sua faina, um escoamento fácil e rápido do pescado e um aproveitamento integral dos subprodutos da vida do mar.
No Plano fala-se na construção de portos de pesca, mas nada vi com referência ao seu apetrechamento. Ora, em todos os países progressivos o pescado é eviscerado e descabeçado já nos próprios barcos, ou nos portos de pesca, sendo proibida a sua venda a retalho sem estar privado das partes não comestíveis. Neste pais ainda se permita a venda do peixe inteiro pelas ruas, ao sol, às poeiras e sujeito a todas as conspirações das muitas pessoas que nele mexem.
Além disto, a nossa pesca do alto é praticada a muitas milhas da costa, e como as vezes a viagem de regresso dos barcos chega a demorar catorze dias, resulta que, devido à falta, a bordo, de condições de conservação, as inutilizações nas lotas são elevadíssimas, atingindo 25 t por dia. Grande parte do peixe vai assim para o guano, enquanto a outra terá de sofrer no preço o prejuízo resultante da eliminação da primeira.
É uma grande riqueza o pescado. Mas, das 250 000 t anuais em média, descarregadas nos portos do continente português, quantas são aproveitadas para a alimentação da sua população? Acresce que a falta de previdência neste campo faz com que a pesca abundante se torne num verdadeiro malefício, porque a falta de meios para a sua conservação ou transformação obriga a vendê-la ao desbarato, por qualquer preço e para qualquer fim. Já vimos referido o caso passado num porto de centro, onde se vendeu chicharro a &10 o quilograma aos lavradores da região, que o faziam transportar em carros de bois para com ele fazerem estrume!
E, no entanto, em determinados anos a nossa capitação em pescado não excede 35 g incluíndo espinhas e guelras, que também são vendidas para comer.
O peso do peixe deitado ao mar por ser pequeno ou não pertencer a espécies comestíveis, constitui um valor avultado, calculando-se que representa um mínimo de 35 por cento e um máximo de 80 por cento do total da pesca; a própria safra do bacalhau, porventura o sector destas lidas do mar mais bem organizado no nosso país, desperdiça em cada campanha cerca de um peso igual do peixe que aproveita, ou seja 25 000 t a 30 000 t por ano.
Por isso, muitos países fazem acompanhar as suas frotas de pesca de fábricas flutuantes para a transformação do que não presta em óleo de peixe, em glicerina, em farinha de peixe, em colas e albuminas, em curtidos finos obtidos da pele de certos peixes, etc. Não entrando em conta com os números respeitantes ao bacalhau, o prejuízo resultante da nossa falta de organização neste campo está calculado em 80:000 contos anuais, correspondentes a 20 000 t de farinha de peixe.
Para que esta verba entre na nossa economia necessário será apetrechar alguns portos de pesca com as instalações capazes de transformar os resíduos em subprodutos e também dotar a nossa frota de pesca do alto, assim como a do bacalhau, com a sua fábrica flutuante, trabalhando na mesma finalidade.
Mas não só do peixe podem tratar os portos de pesca, porque a riqueza do mar não se limita ao peixe. Todo o arquipélago dos Açores, como o de Cabo Verde, as ilhas de S. Tomé e Príncipe e as costas de Angola e Moçambique, são especialmente propícias à caça da baleia.
Nos Açores já se pratica esta actividade marítima desde o século XVIII.
Nas ilhas do Pico, S. Jorge, Flores e Graciosa, bem como na Horta e em Ponta Delgada, ainda hoje constituem uma grande fonte de receita o óleo e os guanos produzidos por este gigante dos mares, que é caçado pelo processo mais primitivo - o arpoamento - causador, todos os anos de grande número de baixas entre
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os bravos portugueses a quem as necessidades da vida forçam a este rude mister.
A soma de produtos e subprodutos fornecidos pela baleia é notável e justifica o especial interesse que esta indústria merece em todo o Mundo. E a carne, de grande valor alimentar, tão tenra como a de vilela, e consumível tanto em fresco como conservada. E o sangue os tendões, a pele, o âmbar, o marfim dos dentes, os ossos, o óleo, etc., tudo utilizável em vinte pequenas indústrias diversas.
Nos Açores, porém, o primitivismo dos processos industriais permite quase só o aproveitamento do toucinho para fazer óleo, perdendo-se quase todo o resto.
Presentemente, com o fim de dar caça aos cetáceos longe das costas, das quais eles fogem, devido à perseguição que sofrem, já se constróem navios apetrechados para a caça e para todas as operações do transformação, desde os óleos às farinhas alimentares. Há pouco a Inglaterra lançou ao mar um navio de 13 000 t destinado a fim, tendo a bordo tudo o necessário para a, conservação da carne, a industrialização de gorduras e de [...] e conduzindo uma missão cientifica para o estudo do aproveitamento da carne de baleia na alimentação humana, sua selecção e conservação. Antes deste já ela havia, enviado para os mares antárcticos outro navio, que, em alguns meses, caçou 1 600 baleias.
Estas produziram 15 000 t de óleo, que a bordo foi convertido em margarina, precioso alimento para o exército inglês em guerra.
Infelizmente do nosso lado faltam-nos até os estudos biológicos indicativos das regras que devem presidir a este género de caça, para que não se torne exaustiva e o desaparecimento da espécie seja motivo certo de falência da indústria.
Finalmente, a colheita de algas do gênero laminária, no Outono e nos períodos de defeso de certas actividades piscatórias, seria mais uma indústria ligada aos portos de pesca, depois de se fazer um estudo sério sobre a sua localização ao longo da nossa costa e do condicionalismo da sua apanha. Além de óptimo alimento para o gado, de valor superior ao da aveia, estas plantas marinhas são actualmente muito usados em indústrias de laboratório, de pastelaria, têxteis, plásticas, etc.
De muitos dos subprodutos citados se tem apossado a técnica moderna para a indústria de produção de farinhas alimentares ou rações compostas. Os bagaços, de oleaginosas, a alfarroba, a bolota, hoje consumida em bruto, adicionados à farinha de sangue, à farinha de peixe e aos alimentos grosseiros, também farinados, dariam milhares de toneladas dessas misturas de tão elevada digestibilidade, se racionalmente feitas e honestamente preparadas.
Entre nós essa indústria pecuária, que tão próspera poderia mostrar-se, está reduzida a poucas unidades, quando na vizinha Espanha, por exemplo, existem cerca de duas centenas de estabelecimentos fabris especializados. É que, durante anos, esta actividade foi deixada entregue, sem qualquer fiscalização ou responsabilidade técnica, a toda a fraude, à livra actuação dos oportunistas sem escrúpulos, e os produtos desacreditaram-se de tal forma que só uma campanha intensa de propaganda e de demonstrações poderá reabilitar no espírito do criador de gados esses produtos do mau conceito que deles faz à custa da própria experiência e dos logros em que caiu.
Seria outra indústria a fomentar, a qual, pelo seu carácter de utilizadora e valorizadora de inúmeros resíduos, é de verdadeira utilidade económica.
Poderá objectar-se que muitos dos problemas enunciados se situam no âmbito da iniciativa privada. Mas eu responderia que também no Plano são referidos inúmeros aspectos de fomento os quais ele próprio reconheço serem da competência, normal das empresas particulares, sendo, porém, prudente prever que o listado tenha de as auxiliar. São os casos da aviação civil, das empresas hidroeléctricas, da Sacor, das empresas de navegação, das Administrações dos Portos de Lisboa e de Leixões, etc.
Por último, nada se consegue de todo este labor se os gados, duplicados ou triplicados no seu número e no seu valor, ficarem entregues a uma variação zootécnica desordenada e desamparados quanto à actuação dos microrganismos patogénicos e dos parasitas, que muito os desvalorizam e menino os aniquilam.
É necessário reforçar a assistência técnica e sanitária, as quais em pouco sobrecarregam o erário público quando os técnicos são colocados em condições de poderem desenvolver livremente as suas aptidões e a sua cultura especializada.
Fala o Plano de Fomento no reforço desta assistência técnica, tão necessária mesmo aos actuais efectivos pecuários. Isso será já o bastante para fazer renascer a esperança na alma de tantos jovens recém-formados, que há muitos anos arrastam no desemprego as suas desilusões e a esterilidade profissional a que têm sido votados.
Por outro lado, não há dúvidas de que esse reforço se impõe, mesmo no aspecto estritamente económico. Cito, para exemplo, o caso de Timor, como poderia citar tantos outros. Há nesta tão remota quanto querida província portuguesa 100 000 búfalos, 50 000 cavalos, 130 000 porcinos, 110 000 caprinos e 50 000 ovinos, efectivo este com tendência a aumentar e a atingir, dentro de três a quatro anos, os quantitativos anteriores à guerra, superiores aos actuais em cerca de 30 por cento. Pois bem, Para velar pelo melhoramento zootécnico, pela sanidade de todo este armentio e ainda, para fiscalizar a salubridade dos alimentos de origem animal de destinados à alimentação humana existe em todo o Timor português um veterinário. E isto é agora, porque há pouco tempo não havia nenhum!
Em resumo: a preocupação do arranjar trabalho para todos os portugueses deve ser das mais prementes para todos os que suportam encargos de governação, mas deve ser acompanhada de outra: a de lhes proporcionar simultaneamente alimentação suficiente e ao alcance de todas as bolsas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Da efectivação deste Plano que estamos apreciando há-de forçosamente resultar uma melhoria do nível de vida do povo português. É uma das primeiras consequências dessa melhoria será naturalmente alimentação mais substancial.
Tudo aconselha, por isso, a enveredar-se paralelamente pelo caminho do engrandecimento da nossa agricultura - fonte natural dos produtos capazes de corresponder àquele melhoramento económico.
No ramo animal - o fornecedor da maior soma de alimentos nobres e de uma série riquíssima de subprodutos que são novas fontes de trabalho para numerosas indústrias subsidiárias - este engrandecimento poderá basear-se nas seguintes medidas:
1.ª Adopção de métodos modernos de conservação para as grandes massas de alimentos para os gados, tanto os aquosos da Primavera, perdidos na sua quase totalidade, como os grosseiros, também perdidos quando as condições climatéricas se mostram adversas à fenação;
2.ª Construção e apetrechamento de matadouros industriais, onde se possa fazer um aproveitamento total dos subproduto, da matança como
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meio seguro de valorizar os gados e de embaratecer a carne:
3.ª Apetrechamento de alguns portos de pesca no sentido de se conseguir o aproveitamento dos subprodutos do pescado, tanto destinados à alimentação pecuária, como a indústrias subsidiárias;
4.ª Instalação da indústria do frio, por meio de matadouro-frigoríficos, transportes-frigoríficos. etc.;
5.ª Enriquecimento da nossa marinha mercante com navios-oficinas, para acompanharem as frotas de pesca do alto do bacalhau e da caça à baleia ;
6.ª Fomento da indústria das rações compostas, para valorizado dos alimentos grosseiros superabundantes à custa de tantos concentrados que se desperdiça:
7.ª Incremento da assistência técnica tanto na metrópole como nas província- ultramarinas;
8.ª Política de protecção e estímulo à lavoura, cuja actividade deve ser considerada a maior fonte de riqueza nacional.
Não concretizo estas considerações que acabo de fazer em qualquer moção ou proposta de alteração ao Plano por saber de antemão que isso seria absolutamente inútil.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Pinho Brandão: - Sr. Presidente: o Plano do Fomento Nacional contido na proposta de lei em discussão integra-se no espírito que presidiu à elaboração e execução da Lei n.º 1 914, chamada de «Reconstituição Económica », e assegura e firma a continuidade de um dos períodos mais brilhantes - senão o mais brilhante - da administração pública do País para o sexénio que se segue.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Equilibrado o orçamento do Estado o saneadas as finanças públicas começam as contas a fechar-se com saldos apreciáveis e dotado o Estado com a armadura constitucional necessária a um Governo estável e a uma administração eficiente eis que se inicia essa vasta obra do fomento do País, a cujos autores e principalmente ao seu obreiro máximo - Salazar - a História não deixará de prestar a devida justiça.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O conjunto de obras e empreendimentos realizados nas duas últimas décadas fica já a assinalar em toda a história de Portugal um período fecundo de realizações, que, sem dúvida, determinaram uma elevação do nível de vida dos portugueses e uma transformação completa na vida do País.
O Estado deixou de subordinar-se aos princípios do liberalismo económico e, sentindo que o mero cumprimento dos seus deveres de polícia (aliás no passado muito mal cumpridos) não chegava para acudir ao bem comum e para realizar os interesses da colectividade, alargou a sua esfera de acção e intervém decisivamente na vida económica do agregado nacional, embora respeite o princípio da iniciativa privada, que estimula e favorece.
Daqui o desenvolvimento e progresso da vida toda do País, não só industrial como agrícola, em relação no passado, e a elevação da técnica, melhores condições e rendimentos de trabalho e elevado sentido da justiça social.
E, todavia, Sr. Presidente, apesar desta obra ingente que orgulha a geração a que pertencemos, o próprio relatório da proposta em discussão assinada em Portugal um rendimento por habitante muito interior ao rendimento dos demais povos do ocidente europeu.
Ora isto significa, Sr. Presidente, que não podemos nem devemos parar e que, como frisa esse relatório, é preciso ainda desenvolver mais a técnica e tornar mais eficiente a produção.
A realização destes grandes objectivos nacionais que visam a integrar-nos no nível de vida dos demais povos do Ocidente europeu, se propõe o actual Plano de Fomento, cuja discussão ocupa actualmente esta Assembleia.
Trata-se, Sr. Presidente, de um documento sério do administração pública, em que o Governo procura subordinar a sua acção a planos de conjunto com o fim de servir os mais altos interesses nacionais e em que sc despreza, como lesiva do bem comum, a execução improvisada da obra pública.
É um documento notável que honra o Governo que o elaborou e se propõe executar o Plano de Fomento nele emitido, sobre o qual a Câmara Corporativa, por força da Constituição, emitiu parecer elaborado com profundos conhecimentos e extraordinária proficiência, sendo-me grato prestar neste momento homenagem respeitosa ao muito saber e elevada competência dos ilustres relatores do parecer geralec dos pareceres subsidiários.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: o mapa n.º 1 do Plano de Fomento relaciona os investimentos do continente e ilhas e além de referir a conclusão de obrar, em curso e a realização de obras novas destinadas ao ensino técnico, distribui esses investimentos pela agricultura, pela indústria e pelas comunicações e transportes.
Os investimentos na agricultura são distribuídos somente pelas três grandes iniciativas: hidráulica agrícola, povoamento florestal e colonização interna, e deixam-se, como acentua o relatório, para as dotações do orçamento ordinário as iniciativas respeitantes â assistência técnica à lavoura, confiando-se na acção da Lei n.º 2 017 no que respeita à realização de melhoramentos agrícolas por meio dos empréstimos concedidos à lavoura.
Mas aqui, Sr. Presidente, eu não posso deixar de acompanhar a crítica justa que é feita pela Câmara Corporativa a este propósito: a necessidade da integração de um plano de fomento rural no conjunto dos planos do desenvolvimento económico da Nação.
Como afirma a Câmara Corporativa. «há que intensificar a assistência técnica, que divulgar o ensino agrícola, que aconselhar as melhores culturas, os melhores métodos, as melhores sementes, que fazer a propaganda da adubação racional, do uso de insecticidas, da mecanização conveniente; há que fazer a assistência pecuária, que organizar um programa de produção que se adapte de perto às nossas necessidades e caminhar para ele quanto o permitam as condições do meio; há que desenvolver os centros de investigação; há que estimular uma intimidade de pequenas obras, aconselhando-as e financiando-as . . .
O fomento rural, na nossa economia agrária, precisa de ter personalidade para se saber, ao menos, que existe; e precisa de ser dotado por fora das verbas normais para existir de facto. As grandes obras hidráulicas ou florestais . . . têm sempre um carácter local que não substitui a função extensiva da assistência generalizada ».
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Como, no iniciar a discussão desta proposta de lei, afirmou o ilustre Deputado Sr. Melo Machado, urge ainda promover em todas as regiões vinícolas do País com o auxilio e a assistência do Estado, a criação das adegas cooperativas, destinadas a elevar a qualidade dos nossos vinhos e a garantir aos produtores j* um rendimento razoável, livrando-se de crises, até agora fatais em anos de abundância, e dos exagerados lucros dos intermediários, que conseguem comprar aos produtores o vinho a 2$ o litro, para depois o venderem em garrafas de 7 dl a 7,8 e mais escudos !
É preciso, Sr. Presidente, que não se esqueça o papel dominante que a agricultura desempenha na economia da Nação, pelo valor da sua produção, pela parte da população portuguesa que nela exerce a sua actividade, pelo lugar que ocupa na exportação dos nossos produtos e ainda pelas matérias-primas que fornece à indústria nacional.
Ao acompanhar a Câmara Corporativa nas críticas que faz a este respeito, eu não posso deixar de lamentar que do Plano em discussão não faça parte um vasto plano de fomento rural, que levasse a todas as regiões agrícolas do País o auxílio e a assistência do Estado e que, por essa, forma, determinasse a elevação do nível da nossa economia agrária.
E passo, Sr. Presidente, à análise do Plano no que respeita a comunicações e transportes.
Nesta parte, não posso deixar de notar a ausência, da construção da grande ponte de Lisboa, a ligar esta cidade à Outra Banda, obra esta, que, pela sua influência na economia da Nação e pelo destacado relevo que emprestaria à capital, merecia figurar num plano de fomento nacional.
Permita-me V. Ex.ª Sr. Presidente, que eu gaste todo o tempo que me resta para usar da palavra na defesa da construção desta obra magnífica, que viria ocupar lugar de destaque no conjunto das obras de ressurgimento nacional realizadas pelo Estado Novo.
Numa intervenção que fiz nesta Assembleia em 28 de Outubro do corrente ano, ao afirmar o dever do País de comemorar os vinte e cinco anos do Governo de Salazar, lembrei eu que essa justa comemoração devia, ser assinalada pela inauguração de obras de vulto e de grande interesse nacional, e a propósito citei então a adjudicação das obras de construção dessa ponte que, em homenagem ao maior estadista português de todos os tempos, se deveria ficar a chamar a «Grande Ponte Salazar».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A imprensa diária do País, quer do Sul - O século, Diário da Manhã e Diário Popular - quer do Norte - O Jornal de Notícias e o Diário Norte - , fazendo-se eco das aspirações nacionais, acolheu com o maior entusiasmo a ideia da realização dessa obra e manifestou e pós em relevo a alto interesse do País nessa importantíssima realização.
Quanto a mim, Sr. Presidente, estou firmemente convencido de que será um Governo de Salazar que terá a glória da realização duma obra tão notável, obra em que o País pensa desde há perto de oitenta anos pelos seus melhores valores e que constitui, suponho, o mais ardente sonho desse notável homem público, tão exuberante de qualidades, que no Estado Novo deu expressão material e física - o engenheiro Duarte Pacheco.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Estou certo de que este malogrado estadista sonhou até à morte na realização dessa importantíssima obra, que viria transformar a fisionomia desta linda cidade de Lisboa.
E se desde, pelo menos, até que faleceu, em Novembro de 1943, o grande Ministro Salazar pensou a sério na construção da ponte sobre o Tejo, entre Lisboa e a Outra Banda, integrando-a no conjunto da obra de reconstrução e renovação do País, muito mais razões ocorrem hoje para isso, dado o desenvolvimento e progresso que na Outra Banda se verificam desde há meia dúzia de anos.
E não há dúvida de que toda a península que fica a oeste da linha que passa aproximadamente de Alcochete a Setúbal contém já, e no futuro muito mais, dado o ritmo actual de desenvolvimento, uma zona turística do maior relevo no País, uma importantíssima zona industrial e um centro urbanístico de expansão irreprimível: sendo lícito supor que num futuro mais ou menos próximo virá a estabelecer-se a continuidade urbana entre as actuais vilas de Almada, Seixal, Barreiro, Moita e Montijo, dado que a margem esquerda do Tejo se revela o espaço mais próprio para a expansão da capital.
Imprõe-se, pois como necessidade inadiável e irreprimível, a construção dessa ponte, que estabeleça entre as duas margens do formoso rio, em frente de Lisboa, comunicação rápida, cómoda e fácil.
Como necessidade inadiável, afirmo, porque o protelamento da sua construção para mais tarde tornará até a obra muito mais dispendiosa, porque, estando a Outra Banda em rápido desenvolvimento urbanístico, quanto mais tarde se faça a ponte mais edifícios terão de ser demolidos para o seu acesso.
Mas terá esta obra de tanta grandeza e de tanto interesse nacional justificação económica?
A avultada verba que se gaste na sua construção não será, pelo menos em parte, improdutiva, não podendo as finanças do Estado arcar, no momento actual, pelo menos, com despesas tão elevada?
Sr. Presidente: no relatório apresentado, em 1933, no 'Ministério das Obras Públicas. pela comissão nomeada pelo então Ministro engenheiro Duarte Pacheco, para o efeito de fazer o estudo das condições económicas e técnicas da construção da ponte sobre o Tejo e sua localização e características, comissão essa constituída por técnicos de reconhecida competência e de que fazia parte o conhecido técnico português em construções de pontes o ilustre engenheiro Sr. Barbosa Carmona, nesse relatório, repito, afirma-se, em relação a 1933 e com dados estatísticos rigorosos, que o rendimento anual provável da ponte (então do Beato ao Montijo) seria de 17:000 contos, e acrescentava-se aí que a construção da ponte, sob o aspecto do seu rendimento, abria perspectivas de muito melhor futuro, pelo desenvolvimento da população da Outra Banda, de forma a justificar o lançamento de tranvias eléctricas sobre a ponte, à semelhança do que se passa com a ponte de D. Luís. no Porto.
E razão tinha essa ilustre comissão, porque, mesmo sem a construção da ponte, se verificou de então para cá, e como já acentuei, um desenvolvimento populacional de tal ordem nas vizinhas vilas de Almada e do Barreiro que bem se justifica que sobre a ponte, logo que a mesma se construa, se lancem as tranvias eléctricas.
Ora, Sr. Presidente, aquele rendimento anual provável de 17:000 contos, em relação a 1933 equivale a cerca de 40:000 contos da nossa actual moeda, e é sabido que desde 1933 até hoje as possibilidades do tráfego sobre a ponte aumentaram enormemente.
E no referido relatório concluía-se a respeito do rendimento da ponte:
As possibilidades que se antevêem são grandes e levam à convicção de que num curto prazo, depois
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de concluída, a ponte renderá para os seus encargos e dará ainda receita liquida apreciável. Mas, ainda que o futuro se não mostrasse optimista, a construção da ponte, mesmo para o tráfego actual, encontra-se suficientemente justificada.
Previa-se então em 1933 que a ponte sobre o Tejo, do Beato ao Montijo, viesse a custar 500:000 contos. A ponte que se construísse agora sobre o canal de saída do Tejo, não teria a extensão daquela e dado o provável custo da obra em 1933, parece poder afirmar-se que o seu custo actual andaria à volta do 1.000:000 de contos, e isto sem ter em conta o aperfeiçoamento da técnica e da técnica e da mão-de-obra desde 1933 até hoje; e assim o seu provável rendimento daria para ocorrer aos encargos resultantes das despesas com a sua construção.
Sabem VV. Ex.ªs. Srs. Deputados, quanto já está a render anualmente a ponte de Vila Franca de Xira? Perto de 5:000 contos. Ora o possível tráfico da ponte de Lisboa, que aliás, comportaria tráfico misto (rodoviário e ferroviário), seria infinitamente superior ao tráfico da ponte de Vila Franca de Xira; estou certo de que iria além de oito vezes mais, e, por isso, o seu rendimento excederia ainda os 40:000 contos anuais.
Mas ainda por outro lado, Sr. Presidente, e afora o rendimento provável, em si, da ponte n construir sobre o Tejo, poderá o Estado conseguir receita mais do que suficiente para ocorrer às despesas com a execução da obra. Como?
A construção da ponte sobre o Tejo e no canal de saída deste majestoso rio, acarreta, fatalmente, a expansão da capital do Império para a margem esquerda, pois, além do mais, os terrenos dessa zona situam-se a uma pequena distância do que se pode chamar o coração da capital. Daí uma valorização enormíssima de todos os terrenos que se situam na margem esquerda do Tejo, desde o Montijo, e que desta margem se estendem pela península compreendida entre os dois estuários - o do Tejo e o do Sado.
Todos os terrenos aí situados e que ficam a oeste da linha Montijo-Sesimbra viriam, com a construção da ponte, a atingir, em média, uma elevação de valor de mais de 50$ por metro quadrado e desta mais valia, dada a área dos terrenos em causa, resultava para o Estado, directa ou indirectamente, uma avultadíssima receita, que, possivelmente, excederia a verba que se julga precisa para a construção da ponte.
Sr. Presidente: acabo de expor resumidamente a justificação económica da construção da ponte sobre o Tejo, e suponho que essa construção é economicamente viável. E este seria o problema essencial e que dominaria todos os demais.
Não digo bem: haveria, apesar da viabilidade económica da construção da ponte, uma razão de peso, que, se ocorresse, mas não ocorre, obrigaria o Estado a ser cauteloso e prudente na execução da obra; seria o resultar dela inconvenientes para a defesa nacional, tanto mais que quando há ruiva de trinta anos, o ilustre engenheiro espanhol Alfonso Peña Becuf pediu ao Governo Português a concessão da construção da ponte sobre o Tejo, fazendo acompanhar o pedido do respectivo projecto, foi a petição indeferida com o fundamento de ser prejudicial à navegação e inconveniente à defesa nacional.
Suponho, porém, Sr. Presidente, que essa inconveniência para a defesa nacional não resultava da construção da ponte em si, mas da execução do projecto da ponte apresentado por aquele ilustre engenheiro espanhol - projecto este exigia a construção de nada menos do que catorze pilares no Tejo para sobre eles as-sentar-se a ponte, donde também resultava prejuízo para a navegação do rio.
E assim penso, porque há anos escrevia o distinto engenheiro general José Cheluicki no seu livro Esboço a Defesa de Portugal:
Em se realizando a projectada ligação do caminho de ferro do Sul com a estacão de Lisboa, por meio de um ramal de Pinhal Novo a Aldeia Galega, e construindo-se a ponte do Montijo a Xabregas, isso poderosamente influirá para a defesa de Lisboa, facultando ao mesmo tempo as operações no Alentejo.
Sr. Presidente: no relatório que acompanha a proposta de lei em discussão afirma-se a necessidade de ser transformada a rede ferroviária do País, substituindo-se a máquina a vapor pelo motor de combustão, renovando-se alguns troços da via e electrificando-se a rede. Diz-se aí, é certo, que a electrificação das linhas não se inicia por enquanto, salvo quanto ao ramal de Sintra.
Prevê-se, todavia, no Plano, para melhoramento dos transportes por caminho de ferro, a verba de 300:000 contos, alargada pela Câmara Corporativa para 750:000 contos. Acompanho a Câmara Corporativa na crítica que faz à proposta do Governo no que respeita a caminhos de ferro e entendo ainda, pelas razões já aduzidas, que na rubrica de «Comunicações e transportes» se deve incluir a grande ponte de Lisboa sobre o Tejo. a qual vindo a produzir receita suficiente para ocorrer aos encargos do empréstimo respectivo, teria ainda o mérito de servir, por se destinar à viação rodoviária e de caminho de ferro, para o estabelecimento de uma mais perfeita rede ferroviária do País, cujo centro não pode deixar de ser Lisboa.
Se o mercado interno comporta ou não o empréstimo a efectuar para a execução dessa obra, empréstimo que aliás não precisa de ser contraído de uma só vez, ou se convém ao País que nessa execução colabore o capital estrangeiro, somente o Governo o poderá dizer, como fiel intérprete dos interesses nacionais.
Certo é, Sr. Presidente, que a construção desta ponte ficaria a constituir a obra mais representativa da política do Estado Novo, no alto sentido em que a política é tomada por Salazar.
A propósito de um empreendimento notável, Salazar afirmou:
Para além destas realizações alguma coisa as explica, as ilumina, as torna efectivamente possíveis - um pensamento, uma vontade, um Estado, digamos a palavra - uma política.
Pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, haverá outra realização que melhor simbolize a ideia que se expressa nestas justas e magníficas palavras?
O ilustre titular da pasta das Obras Públicas. Sr. Engenheiro José Frederico [...], a quem o País já deve tantos e assinalados serviços . . .
Vozes: - Muito bem !
O Orador: -. . . e que na execução da ponte de Vila Franca pôs todo o seu dinamismo e entusiasmo de estadista de grandes méritos, não deixará, suponho de ordenar com a brevidade possível, os estudos necessários à localização definitiva da grande porte de Lisboa e de dar realidade à aspiração nacional de que se construa essa ponte imediatamente.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Que se torne a resolução firme de construir-se a « Grande Ponte Salazar» e que ela efectiva-
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mente se construa como símbolo da política do mais eminente estadista que até hoje surgiu na história pátria - é o que voto como deputado do meu pais .
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito comprimentado.
O Sr. Moura Relvas: - Sr. Presidente: dois objectivos me fizeram subir a esta tribuna na apreciação do Plano de Fomento.
Com o principio pretendo exprimir a minha reacção pelo valor exclusivista atribuído por alguns aos melhoramentos materiais.
São do grande historiador português Oliveira Martins estas palavras duras: «Enriquecer é excelente, mas é apenas um meio; quando se torna um fim, em vez de excelente, é péssimo. Antes polires com ideias e carácter, do que chatins vulgares e dinheirosos». Merece , portanto, o desprezo do historiador uma concepção da vida utilitária e materialista.
Que diria o autor do Portugal Contemporâneo se lhe tivesse sido dado observar o que se passa numa sociedade cuja estrutura político-social se baseia não só num conceito materialista da vida, mas, ainda na base de luta contra o espirito?
Soube à nossa geração verificar que existem agregados humanos onde pela primazia espiritual, o trabalho é livre, ao lado de outros onde , trabalho escravo se tornou a consequência lógica de uma doutrina que só pude triunfar pela força: em cima, a mais obstinada inclemência: em baixo, o mais profundo terror.
O Plano de Fomento tem grandeza, porque, guiado sem dúvida por uma forca, abrigado por uma protecção providencial de cuja existência eu não posso duvidar, um homem- Salazar- o tornou praticável.
Vozes: - Muito bem!
O Orador :- Aquele Plano vai ser executado tranquilamente pêlos nossos engenheiros, pulos nossos agrónomos, pêlos nossos industriais, pêlos nossos trabalhadores, como homens livres duma nação onde cada um pode trabalhar livremente.
São, verdadeiramente, nacionais os estadistas que assinam a propostas. pois tem uma concepção de vida da Nação que lhes permite compreender as aspirações e atender às necessidades da Pátria.
Temos, por nossa vez, de compreender que sem a protecção de Deus o a alma de Salazar isto não seria possível.
Vozes: - Muito bem !
O Orador :- Seria absurdo atacar o Plano do Fomento, mas haverá quem lhe fique indiferente, tanto mais que os povos são como as crianças: contentam-se com os ruídos da rua e só quando a pátria estremece, ameaçada, reagem com toda a energia, Tomando-se cônscios da força e da majestade histórica da nação. Precisamente a nós compete mostrar que alma, imaginação e vontade foram os agentes que puseram de pé e deram viabilidade ao Plano de Fomento, porque não agentes que não passeiam pelas ruas.
Que fim se pretende atingir?
Pretende-se dar nos Portugueses o supérfluo, sem fluxo, e sobretudo atenuar as dificuldades da vida. pois onde haja fome e frio difícil será encontrar gente ponderada e reflectida. O Plano de Fomento transcende assim os limites da economia e terá, depois de realizado, um valor psicológico incalculável. Acima de tudo ficará reforçada a nossa ordem social e a nossa estrutura espiritual, forças vivas, traves mestras de um destino histórico indissolúvel.
As nossas casas e os nossos castelos, o presente e o passado, a nossa admirável unidade nacional, a nossa autonomia intacta através de tantas crises, uma obra grande o luminosa à vista, atestam o vigor de um povo conduzido por quem sabe ir ao encontro das suas precisões.
Estas todas são algumas das razões que me levam a dar o meu apoio à proposta.
O segundo objectivo a que me referi no início das minhas considerações diz respeito a uma disposição do Plano de Fomento, que não esqueceu as obras do porto e barra da Figueira da Foz.
Pode falar-se do porto da Figueira no passado, no presente e no futuro.
O alicerce da nossa independência tem como um dos seus pontos de apoio a foz do Mondego. Com efeito, no estuário do Mondego só abrigaram os primeiros navios portugueses que em 1147 acompanharam a armada dos Cruzados para a conquista de Lisboa.
No passado, a Figueira foi o terceiro porto do Pais, chegou a ser o primeiro da pesca do bacalhau, pois possui, segundo os entendidos, um clima excepcional para a cura daquele peixe.
Pela Figueira exportávamos vinhos, madeiras e frutas e importávamos ferro e carvão.
Pode afirmar-se que a Figueira foi a capital marítima das Beiras.
Que nos diz o presente? O que é hoje o porto da Figueira? A que estado chegou a sua barra?
Numa entrevista concedida ao jornal O Século, grande e simpático paladino do porto da Figueira, em Novembro de 1950, eu acentuava a extrema gravidade da situação actual, que impunha e impõe solução urgente porque o tempo a torna cada vez pior.
Traineiras. arrastões navios bacalhoeiros, não podem utilizar o seu porto não podem por vezes sai nem entrar a barra. Navios de 400 t - e na Figueira já se podem construir navios de 5000 t- depois de aliviada a carga para 90 t (sirvo-me de exemplos concretos, que não discutem) tiram dias e dias imobilizados no porto, sem poder sair.
Até navios mais pequenos, de 80 t, precisam de marés vivas para entrar a barra. São poucos os arrastões que demandam o porto porque mesmo nas marés vivas às vezes encalham.
Pode admitir-se que, sendo privilegiadas, na opinião dos técnicos, nas suas condições de porto de pesca de bacalhau, empresas como a Companhia Atlântica e a Empresa de S. Jacinto se tenham deslocado para Lisboa e que empresas como a Companhia Lusitânia e a sociedade luso-brasileira se tenham visto forçadas a abandonar o porro-mâe e a escolher portos do Norte como base dos seus navios?
Pode justificar-se a transferência de empresas de pesca de bacalhau para Lisboa, cujo clima não é conveniente para a preparação do peixe?
Ora o porto da Figueira não é nem nunca foi inavegável, e isso prova-o um passado relativamente recente. Mas encontra-se assoreado, e esse assoreado há-de progredir cada vez mais até que se tomem medidas para o combater.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - A crise da Figueira, como porto comercial e como porto de pesca, está à vista. A que foi capital marítima das Pieiras vive uma hora de retrocesso, que contrasta de uma maneira estranha com o progresso, o desenvolvimento económico, a pujança grandiosa du realizações do resto do Pais.
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Enquanto em portos como Matosinhos ou Peniche a Peniche da pesca não sofre interrupções, vemos os homens do mar da Figueira de braços caídos, quando uma relativamente pequena agitação do mar obriga as traineiras e ficar retidas no porto, amarradas à doca.
Depois desta exposição, que encerra toda a verdade, há-de pensar-se que o porto da Figueira morreu, que a vida ali só extinguiu asfixiada pelo banco de areia que fecha as suas comunicações por via marítima.
Pois bom. Vejamos o que diz o sábio parecer da filmara Corporativa:
Apesar da inexistência prática do instalações portuárias, cruzam anualmente a barra da Figueira, muitas vezes com sério risco, 13 000 t de mercadorias, 10 000 t do pesca geral e 3 000 t de bacalhau, com um valor total de 60:000 contos.
Pode, portanto, assegurar-se ser necessário que tal porto tenha condições excepcionalíssimas de vitalidade para ainda poder movimentar 60:000 contos através da sua barra.
Isto prova que a Figueira luta, que a Figueira se não rende e que a sua tenacidade e o seu espirito de empresa são a própria, essência da sua vida económica, como porto comercial e como porto de pesca.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Passemos agora ao futuro. O porto da Figueira interessa aos distritos do Castelo ,Branco, Coimbra, Guarda, Leiria e Viseu. Estes distritos, pelo censo de 1940, têm uma população de l 824 751 habitantes, para 7 183 143 habitantes do continente português. Isto quer dizer que o porto da Figueira interessa à quarta parte dos portugueses residentes no continente (25.7 por cento).
O centro do Pais está isolado do Atlântico por um banco do areia que é necessário desapareça para dar vida aos pescadores e homens do mar da Figueira, para valorizar a obra dos grandes empreendedores que a Figueira se orgulha do possuir e para melhorar as condições de vida alimentar e económica (industrial e agrícola) da quarta parte da população do Pais.
Para confirmar estas afirmações transcrevo as seguintes considerações do parecer da Câmara Corporativa :
Testa de duas das mais importantes linhas do sistema ferroviário nacional - a da Beira Alta e a de Oeste.-, ligada pelo ramal de Alfarelos à linha do Norte e por uma boa rede de estradas à vasta e rica região do centro do pais. sede de indústrias de vulto (cimento e cal hidráulica, vidrarias, carvões, salinas, etc.). possuindo no seu hínterland dois terços da produção nacional do resinosos, situada no fulcro de vasta região florestal e a curta distância de regiões agrícolas de grande riqueza, centro distribuidor por excelência do combustíveis líquidos e de asfaltos para uma extensa área, com todas as condições pura servir como porto de pesca da zona central do País. eis as razões invocadas em relatório dos serviços competentes do Ministério das Obras Públicas para fundamentarem a sua convicção, que temos de perfilhar, de que a Figueira da Foz é susceptível de assegurar rendosa retribuição, em curto prazo, aos investimentos aplicados à construção do seu porto. Aliás, deve considerar-se intimamente relacionada com as obras do porto a recuperação para a agricultura dos terrenos valiosos e extensos que marginam o Mondego inferior.
Sobre este último aspecto, repito a interrogação aqui feita pelo ilustre Deputado Sr. Melo Machado acerca da regularização do regime torrencial do Mondego.
Em 1937 a Junta Autónoma do Porto e Barra da Figueira da Foz acentuava as suas características incomparáveis como porto de pesca: disponibilidades do terreno plano, com possibilidade de ampliação praticamente ilimitada, batido pelos ventos favoráveis à secagem (norte e leste ), com bom fundeadouro. vias de comunicação próximas dos secadouros, abundância de mão-de-obra, para a pesca, para a secagem do peixe, para a reparação o construção de navios e finalmente, a excepcional posição geográfica do seu portos, quase a meia distância entre os grandes portos de Lisboa e Leixões, com estradas o caminhos de ferro a ligá-lo com o centro do Pais.
Todas estas circunstâncias explicam a clássica preferencia dos armadores pela Figueira. Eis como, apesar de tudo, com todos os contratempos, prejuízos e demoras a que já aludi, a Figueira ainda ocupa hoje o quarto lugar como porto bacalhoeiro.
Tem o terceiro lugar na indústria do sal, depois de Lisboa e Aveiro. Com o porto e barra em boas condições poderia pensar-se na organização, em larga escala, da salicultura.
As outras regiões onde existe a indústria salicola não possuem a estabilidade de produção dos terrenos aluvionários do Mondego, com alimentação de água salgada facilmente assegurada. Esta estabilidade de produção vem assinalada desde o século XVIII, como informa o relatório da Junta Autónoma.
Ora nas indústrias o importante é poder garantir-se um nível constante, de produção, sem oscilações de supérflua abundância ou de prejudicial carência.
Creio ter demonstrado, com estas modestas considerações, que a Figueira deve ressurgir como porto comercial e não pode morrer como porto de pesca.
Acontecimentos recentemente verificados e já por mim relatados nesta Câmara demonstram a necessidade de se acudir com urgência a um porto privilegiado pela natureza e que os homens não devem abandonar a injusto destino.
Vozes: - Muito bem !
O Orador:-O Sr. Engenheiro José Ulrich, ilustre titular das Obras Públicas, estadista nacional cuja inteligência ordenada não receia afrontar dificuldades e quem até procura pessoalmente averiguar onde elas se encontram para as remover, vai decerto, como primeiro empenho, concentrar na Figueira a sua indiscutível vocação do realizador.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Nenhum porto é prejudicado, porque as vantagens futuras de abrir as Beiras para o mar trarão ao centro do Pais alimentação, combustíveis, asfaltos. em magníficas condições de frete, e. por sua vez, a exportação de produtos agrícolas e do sal poderá efectuar-se em condições do merecer que os produtores desenvolvam as suas culturas.
No quadro do parecer referente à situação do plano de obras portuárias de 1944 verifica-se que se gastaram 40:000 contos em Aveiro, 37:000 em Peniche, 21:300 em Sesimbra. 31:000 em Portimão em Farolhão e apenas 2:500 na Figueira.
Esta comparação ilustra as dificuldades técnicas da construção do porto, não o desinteresse do Governo.
Mas amar a luta, não a luta estéril da política facciosa, caluniadora e vil, mas a luta tendente a suprimir os obstáculos que se opõem ao bem-estar do povo. tem
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sido apanágio dos nossos governantes dentro do Estado Corporativo.
Ora as exigências inadiáveis do presente e as grandes compensações do futuro obrigam o Governo a acudir sem demora ao descalabro a que se chegou, ocupando-se com urgência do porto da Figueira, cuja construção é. para o progresso e facilidade de vida da gente das Beiras, uma necessidade natural, uma necessidade imperiosa, como matar a fome ou matar a sede.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Matos Taquenho: - Sr. Presidente: repetidas vezes nesta tribuna se acentuou a necessidade de um plano de conjunto que fomentasse a vida económica da Nação. Já em 1935, quando foram debatidos os problemas que levaram à promulgação da Lei n.° 1 914, se insistiu nesta necessidade e posteriormente a Assembleia reconheceu que a planificação que se desejava deveria ter significado imperial, isto é, deveria articular convenientemente todos os recursos e necessidades de Portugal continental e ultramarino.
Findos os quinze anos de vigência da Lei n.º l 914, foi aqui largamente debatida a forma como o Governo a executou e, à parte um ou outro pormenor, que não o fundo dos problemas que se esperava fossem resolvidos, a Assembleia louvou a acção do Executivo. Verificou-se que a revolução financeira tinha permitido não só o dispêndio previsto de 6:500 milhares de contos, mas sim cerca do dobro. Há-de recordar-se que, se não fora a pressão do condicionalismo internacional, não teria sido imperioso despender com a defesa nacional cerca de 4:400 milhares de contos, que da mesma forma teriam sido destinados em grande parte ao fomento económico.
Por outro lado, a apreciação justa e imparcial dos resultados obtidos exige que se tenha presente como era o ponto de partida, isto é, tudo faltava, e a dificuldade maior cifrava-se em escolher aquilo que deveria ter prioridade na execução.
Havia falta de técnicos nacionais e, o que era mais grave, faltavam estudos convenientemente fundamentados das possibilidades que ofereciam o solo e subsolo nacionais.
Se em matéria de finanças muito se tinha progredido, nestes últimos aspectos estávamos, na verdade, quase que às escuras, o que impossibilitava realmente elaborar um autêntico plano de fomento. Poderia planear-se um conjunto de obras que nos faltavam e que em outros países há muito tinham constituído base para o desenvolvimento económico, poderia determinar-se o custo dessas obras, poderia estudar-se o seu financiamento, mas não era fácil situá-las no campo económico.
Paralelamente, um outro aspecto preocupou o Governo: não realizar a penas uma obra material, que seria contrária à nossa tradição histórica. Se vivíamos uma hora de reeducação nacional, se procurávamos retomar a linha de rumo que tinha definido a nossa personalidade no Mundo, tornava-se imperioso que se salvasse da ruína o nosso património histórico e os templos que materializam a espiritualidade que nos fez grandes no passado e cujo abandono por pouco nos não faz cair sem remição no materialismo absoluto.
Sr. Presidente: Os quinze anos ao longo dos quais se executou a Lei n.º 1914 deram ao Governo e ao País uma experiência que constitui uma lição viva e palpável que não pode ser esquecida e onde podem assentar críticas fundamentadas, o consequentemente construtivas, por representarem experiência própria e já
não apenas o transplantar para o quadro nacional ensaios ou tentativas estranhos.
Todo e qualquer plano de fomento, para resultar, carece de um sólido e firme financiamento. Só com os recursos nacionais foi possível realizar os objectivos da Lei n.º l 914 e o País reabilitou-se no conceito do estrangeiro, porque deu provas indiscutíveis da sua capacidade administrativa e ainda, de que anteriormente os seus recursos se escoavam por falta de conveniente saneamento da administração.
Entrada esta na vida nacional, sem ter de servir clientelas, foram postas ao serviço da Nação as disponibilidades do Tesouro Público e Portugal renasce de si próprio.
Passados alguns anos de articulada a organização corporativa, foi possível pôr ao serviço da comunidade, e não de interesses de grupo, os capitais acumulados pelas instituições de previdência, assegurando-se-lhes assim rendimentos por uma capitalização multiforme.
O atraso em que se debatia o País não concorria grandemente para modificar os espíritos temerosos de investir os seus capitais em empresas industriais. O Estado viu-se, portanto, forçado a animar a constituição de empresas, colocando nelas avultadas quantias, esperando, pacientemente, a evolução do espírito dos capitalistas, para lhes entregar a posição inicialmente tomada.
Noutros casos, ou pela necessidade de conhecer ele próprio a realidade económica de determinados empreendimentos, ou porque eles se ligavam aos mais altos interesses da Nação, viu-se coagido a realizar grandes financiamentos, tornando assim possível nina menor dependência do estrangeiro.
Não que o Estado procure substituir a actividade privada, pois nela reconhece o melhor elemento de fomento da Nação. A falta de iniciativa particular, a descrença mesmo da viabilidade dos empreendimentos, constituíam círculo vicioso, que o Estado procurou romper com a utilização dos dinheiros da Nação, colocados ao serviço do interesse geral.
Em 1932 a situação é inteiramente outra.
O Governo apresenta um novo plano de obras basilares para o fomento, articulando os recursos e necessidades de Portugal continental e ultramarino. Para a sua realização propõe a constituição de um conselho económico, que centralizará a orientação da sua execução. E manifesta a vantagem deste conselho, parecendo, no entanto, que se torna necessário que ele seja assistido, pelo menos, de um secretariado, que prepara os estudos sobre os quais se terá de pronunciar.
Comporta o novo plano, além de outras, a conclusão de obras previstas na Lei n.° l 914 e que não puderam ser acabadas até ao presente. Não há portanto, divergências, nem foi entendido necessário mudar de rumo.
No seu conjunto envolve dispêndios no montante global de 13:500 milhares de contos, sendo 7 300 a despender no continente e ilhas e 6 000 a investir no ultramar.
Não se trata. verdadeiramente, de um autêntico plano de fomento, no sentido de um planeamento económico, pois para tanto o Governo ainda hoje, como em 1935, não está habilitado com os necessários estudos que lhe serviriam de base indispensável.
Trata-se de um conjunto de grandes obras a realizar durante seis anos prazo mais curto e mais aconselhável na presente conjuntura.
O seu financiamento é apresentado por forma diferente do anterior, pois, além dos recursos nacionais, prevê a eventual utilização do crédito externo, até ao montante de 1.200:000 contos.
Dos recursos, nacionais serão utilizados os saldos, dos orçamentos ordinários, os recursos provenientes, de fundos especiais, reservas das instituições de previdência.
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das instituições do predito, das empresas seguradoras, das entidades particulares, autofinanciamentos de entidades interessadas e outros mais diminutos.
Pode concluir-se que se faz uma chamada geral a recursos disponíveis, para obtenção de 9 milhões de contos. Não se poderá portanto continuar a afirmar que o Estado está rico num país empobrecido, como se tem querido fazer acreditar.
Entre os recursos a utilizar está a importante verba, de 1 400:000 contas a obter das instituições de previdência, que já anteriormente colaboraram na execução de grandes obras. Julgo defensável esta aplicação dos fundos de previdência, muito mais que na capitalização em prédios urbanos, onde já se encontram investidas quantiosas importâncias. A diversidade da aplicação, em obras garantidas pelo Estado, defende a poupança dos economicamente débeis e garante-lhes uma segurança maior, o que é muito de considerar, pois estes capitais têm de merecer um respeito e uns cuidados muito especiais.
A verba referida, a obter durante os seis anos da vigência do plano, significa que a previdência continuará ainda durante este lapso de tempo a seguir o caminho da capitalização e não da distribuição, mas este é outro assunto, cuja discussão aqui seria descabida.
Sr. Presidente: no relatório da proposta o Governo reconhece que:
O progresso económico da País depende de um conjunto de iniciativas, nas quais se integram, assumindo particular importância, as que promovem o desenvolvimento da agricultura;
De todos os melhoramentos fundiários, as obras de hidráulica, e muito especialmente as de transformação da cultura de sequeiro em regadio, são as que mais se recomendam pêlos seus resultados económicos o pelo seu alcance social;
A criação de novos, regadios tem especial importância no Sul do País, não só por conduzir a um apreciável aumento do potencial económico, mas, sobretudo, por permitir resolver - em grande parte pelo menos - certos problemas agrários característicos destas regiões;
O desemprego rural periódico, a traça densidade demográfica, o baixo rendimento por unidade de superfície e tantos outros males do que enferma a agricultura do sul podem ser, senão eliminados. pelo menos atenuados. por uma intensificação das obras de rega, completada pela colonização.
O Sr. Melo Machado: - Colonização não directa.
O Orador: - Muito bem. Colonização espontânea, quando criado o ambiente conveniente.
Os problemas que urge resolver no Sul, a que se referem as transcrições feitas, situam-se na região em que predomina o sequeiro, ou seja o Alentejo, Alto e Baixo, além de uma parte dos distritos de Setúbal e Santarém.
Apoiado na insuspeita opinião do Governo, sinto-me perfeitamente à vontade para voltar a tratar do Alentejo, embora haja ainda quem se não tenha apercebido da sua gravidade e considere o problema de somenos importância.
A área desta região cifra-se em -35 por cento da área cultivável do Pais, o que lhe empresta lima importância fundamental na economia nacional.
Sr. Presidente: na minha intervenção efectuada nesta tribuna em 22 de Fevereiro do último ano tive ocasião de afirmar que «é na verdade desolador verificar que há profundo desnível no desenvolvimento da zona compreendida entre o Tejo e o Algarve, comparada com o resto do País».
A leitura do relatório da proposta do Governo deu-me de início uma grande esperança de que finalmente se estabeleceriam condições firmes tendentes a fazer desaparecer o profundo desnível anteriormente verificado, mas, com pesar e mágoa, certifiquei-me de que era esperança de pouca dura, porque adiante encontrei:
As iniciativas acima referidas, complementares das grandes obras, serão, todavia, realizadas através das dotações a inscrever no orçamento ordinário.
É certo que hão se pude fazer tudo quanto nos falta de um jacto, mas não é menos verdade que nenhuma região do País tem os problemas graves, tanto no económico como no social, que se comparem aos do Alentejo, como tantas vezes tem sido evidenciado nesta tribuna.
O Sr. Bartolomeu Gromicho: - É de lamentar que o plano importante da irrigação do Alentejo fique postergado para além de 1939 e não considerado neste Plano.
O Orador: - Já lá vamos.
Por outro lado, a extensão da área em causa e a sua pouca fertilidade convenceu-me do que ali se deveria, quanto antes, empregar os maiores esforços para lhe aumentar a produtividade, visto que nisso vai o interesse local e nacional.
Não obstante as grandes obras e os grandes dispêndios realizados , aos quais não regatearei os merecidos e juntos louvores, há que reconhecer, paralelamente, que se não alteraram substancialmente os grandes problemas que são preocupação dominante de todos os governos e que também entre nós estão na ordem do dia.
Entre eles avulta o da elevação do nível de vida, quo entre nós continua muito baixo, notando-se maior contraste entre as possibilidades das cidades e as do campo do que antigamente. Farta legislação de carácter social procurou melhorar a situação dos economicamente débeis, os que ao seu braço apenas devem o sustento próprio e dos seus familiares.
Melhoraram as condições de vida dos operários e artífices, mas outro tanto se não verificou com os trabalhadores rurais, não obstante todas as disposições proteccionistas que foram decretadas.
Não parecerá estranho que me detenha sobre este ponto, não só por interessar em alto grau aos meus eleitores e, consequentemente, constituir uma imposição do meu mandato, mas ainda porque a situação económica dos rurais é parte integrante do problema da lavoura, que continua a ser o primeiro problema nacional.
Por muito que me custe, por imposição da minha consciência, tenho de manifestar a minha pouca esperança de que o problema do Alentejo possa, ao menos em parte, ser resolvido por força de dotações do orçamento ordinário, no decorrer dos próximos seis anos. Teria gostado de o ver incluído entre os novos empreendimentos do novo plano, com uma verba definida, concreta, com destino certo ao Alentejo, dada a sua particular situação.
Os estudos cada vez mais desenvolvidos das bacias hidrográficas dos nossos rios, parece, pelo menos a quem não é especialista, que deverão levar a confiar na sua água para a solução que se pretende. Sem água não se transforma o sequeiro em regadio e, se é certo que muito há a esperar dos pequenos regadios, a grande obra de levar água sobrantes o nefastas ao Alentejo já não parece ser um sonho ou um mito. Talvez antes con-
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tinue A faltar a coragem para enfrentar este magno problema.
Reconhece o Governo que o rendimento nacional, embora, não rigorosamente determinado, é muito baixo o que a média individual determinada para 1930 (suposta uma população de 8 430 000 habitantes) é da ordem dos 3.900$.
O confronto do rendimento individual médio português. com o de vários países da Europa Ocidental mostra bem que é necessário e urgente aumentar a riqueza nacional, fulcro do problema social, ainda que incapaz só por si de o resolver.
O aumento demográfico, o atraso da nossa lavoura, a deficiente produção do alimentos, assuntos tão debatidos nesta a Assembleia, e as suas reflexas no problema social tornam cada vez mais evidente a necessidade de dar prioridade ao que leve a aumentar a produtividade do nosso solo, visto que se considera, terminado o ciclo do seu aproveitamento extensivo, ressalvando as possibilidades de enxugo e dessalga.
Julgo mesmo de maior interesse que se procure dar preferência, ao aumento da produtividade daquilo que já é cultivável, que recuperar para a produção sapais ou terrenos salgados. Talvez errada concepção de quem nasceu e vive em terras de sequeiro.
O Sr. Melo Machado: - Isso é consequência do estarem completamente destruídos os terrenos da serra do Caldeirão e outros. São terrenos que hoje nada produzem e que a população precisaria de agricultar para seu sustento.
O Orador: - Posso concordar com essa opinião, mas a minha longa, experiência diz-me que no Alentejo a tendência ancestral, em vista do fraco rendimento da superfície daquela região, é a du novas aquisições. Trata-se de uma região imensa, que, uma vez rogada, poderia aumentar consideravelmente a produção.
Sr. Presidente: da terra e do mar há-de viver a humanidade, e se esta aumenta em percentagens que constituem já problemas grandes que se avolumarão no futuro, parece indispensável que se lhe dediquem todos os esforços, e mesmo alguns sacrifícios quando necessários.
A manterem-se entre nós os índices de natalidade o mortalidade dos últimos anos, é de presumir que ao continente sejamos em 1960 cerca de 9 830 000 almas, quando em 1900 éramos apenas 5 423 000, ou seja que a densidade por quilometro quadrado terá passado de 59.1 para 107 habitantes.
Mais de 60 por cento da população activa das províncias alentejanas vive da terra, mas vive mal, muito mal mesmo, excluído uma pequena minoria, que só confirma a regra.
O mal que sempre viveram os trabalhadores rurais alastrou muito e o agravamento da situação económica fez desaparecer a prestimosa categoria dos seareiros, que deram o seu forte tributo no desbravar da charneca, hoje reduzidos à simples situação de trabalhadores rurais. Mas mais: pequenos proprietários, que viviam trabalhando eles próprios as suas terras e por vezes algumas arrendadas ou tomadas em parceria, vão, a pouco e pouco, aumentando o número, sempre crescente, dos trabalhadores, ou seja dos que estão ciclicamente submetidos às crises de desemprego.
Por pendor natural sou contra o pessimismo, o que me não impede de reconhecer as realidades, mesmo quando pessimistas, para tirar as conclusões que os factos não podem desmentir.
As caixas sindicais puderam já contribuir para o fomento nacional com os seus capitais acumulados. Para
o Plano agora em discussão vão concorrer com a verba de 1.400:000 contos.
Em que situação se encontram os rurais?
A experiência mostrou a impossibilidade de manter a funcionar uma caixa de previdência dentro de cada casa do Povo, como de principio se estabeleceu, e a legislação fio modificada. Com um leve aumento da quota inicial de sócios da Casa do Povo, os sócios efectivos passaram a ter direitos e regalias idênticas aos conferidos pelas desaparecidas caixas de previdência. É certo que, pura tanto, foram elevadas as quotizações dos sócios contribuintes, elevação que se fez por várias formas e ocasiões, tendo em alguns concelhos do distrito de Beja atingido elevadíssimas proporções, que parece não serem necessárias directamente àqueles a que se destinavam, visto que alguns empreendimentos já ofuscam as sempre pobres juntas de freguesia rurais e em breve realizarão mais que a quase nula actividade da maior parte das câmaras municipais.
No entanto não se verifica elevação do nível de vida do trabalhador rural, mesmo se poderá verificar o contrário, embora seja de reconhecer que a assistência e a previdência estão montadas em vários aspectos. mas que têm sido incapazes de lhes proporcionar aquilo de que carecem o que era objectivo obter-lhes.
Tive há meses ocasião de apreciar um projecto para a construção de uma sede para Casa do Povo numa freguesia do meu concelho, que previa um teatro e um bar. Ao seu autor tinha sido explicado que na região eram cíclicas as crises de desemprego e que estas totalizavam cerca de cinco dos doze meses de cada ano. Não carece de comentários.
Reconhece o Governo na proposta em discussão que:
... a melhoria do nosso nível de vida está dependente não só da modernização da técnica e do equipamento na agricultura e nos indústrias actuais, como na absorção de braços em condições suficientemente remuneradoras.
O primeiro passo importante para melhorar as condições de vida dos trabalhadores rurais alentejanos, sem agravamento da já precária situação económica da maioria das entidades patronais, seria a obtenção do possibilidades de trabalhos com significado económico na altura das crises de desemprego. Ora se estas são a consequência da cultura de sequeiro, por outras serem presentemente impraticáveis. só a água poderá fazer aparecer notas épocas de trabalho.
Sabe-se, por outro lado, que o alentejano. na sua maioria, por uma ancestralidade que raro domina. tem tendência para alargar, por novas aquisições, o seu rendimento, em vez de melhorar aquilo que já tem. A preparação para a aceitação do regadio carece, portanto, de ser feita com antecedência.
Se nas zonais pouco arborizadas, e elas não são pequenas no distrito de Beja, a cultura cerealífera constitui o rendimento fundamental quando não único, e este é aleatório , de pouco valeria a elevação do preço dos produtos da terra.
O que interessa fundamentalmente é que entre o custo da produção e o valor de venda dos produtos haja uma margem de lucro.
A federação Nacional dos Produtores de Trigo mandou fazer um inquérito sobro o custo da produção do trigo a técnicos idóneos, e os seus resultados são hoje conhecidos por terem sido divulgados. E um documento interessante para se possuir juntamento com outros sobre economia. agrária, mas infelizmente parece que para mais nada.
Na verdade não há ainda hoje nenhum estudo completo por onde se possa fazer a determinação do rendi-
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mento da lavoura, e esta na sua maioria. é constituída por indivíduos de fraca cultura. que não tendo quem os encaminhe pelas vias dos novos conhecimentos da ciência agronómica, continuam a adoptar sistemas culturais antiquados.
Uma, pequena maioria lançou-se na mecanização da lavoura tendo adquirido a certeza de que não obstante o elevado custo das máquinas, poderia baratear produção, embora com os olhos sempre postos no peso dos encargos sociais que lhe possam ser atribuídos, cujo peso já conhecem por experiência própria.
Mas tudo se faz, quando se faz. por tentativas individuais, sem a possibilidade de conseguir uma assistência técnica que pudesse tentar melhorar a produtividade. As brigadas técnicas fazem o que podem, mas o número dos especializados é diminuto para as necessidades de uma assistência regular que não pode ser suprida com a boa vontade sempre demonstrada.
Mas não basta conseguir produzir mais por unidade de superfície; o resultado pode ser nulo para o produtor, que sabe poder ter maiores vantagens em anos de menor produção, porque o intermediário joga permanentemente com a lei da oferta e da procura. Sem a defesa da comercialização dos produtos da lavoura não vale mesmo a pena a quem quer que seja tentar aumentar a produtividade.
São estas coisas lugares-comuns que nesta tribuna têm sido afirmados muitos vezes e por muitas vozes de diferentes regiões do País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: no conjunto da exploração da terra há factores que escapam quando se não aprofunda convenientemente o problema e com facilidade se pode chegar a conclusões menos verdadeiras.
Assim, tem importância fundamental no resultado económico da exploração a circunstância de o lavrador semear em terra própria ou arrendada, Como é sabido, para tentar ir ao encontro do agravamento do custo da produção do trigo foi criado o bónus de cultura, que é pago sobre cada quilograma de trigo vendido e que a lei determina ser devido apenas àqueles que produzem, e portanto que arriscam, e não a quem dá arrendamento as suas terras.
Tendo-se levantado dúvidas, foi oficialmente esclarecido que nem as rendas nem os foros, embora estabelecidos em trigo, deveriam ser pagos em género, mas sim convertidos em escudos, praticamente ao preço da tabela do trigo de 1938, que não incluía o bónus de cultura.
Por outras palavras, esta disposição, a não ter sido violada, faria com que os proprietários rústicos que tinham arrendado a trigo e os senhorios directos que recebiam dos seus enfiteutas os foros em trigo estariam legalmente condenados a viver em 1932 com os rendimentos de 1938.
No entanto, aos seus servidores o Estado reconheceu o direito de aumentarem os seus proventos, em face do agravamento do custo da vida.
No distrito de Beja, em virtude do cadastro geométrico da, propriedade, que se completou e entrou em funcionamento entre os anos de 1944 e 195l, os rendimentos colectáveis subiram em percentagens várias entre 19.9 e 233.74. dando no final um aumento distrital de 69 por cento. Aumentaram, em consequência, a contribuição predial rústica, os adicionais para os corpos, administrativos as quotas dos Grémios da Lavoura das Casas do Povo. enquanto a terra dava o mesmo rendimento, porque os processos culturas são os mesmos.
Tinha de haver, como houve, um desequilíbrio, que cada um procurou remediar na medida do possível.
O proprietário rústico que explora de conta própria não encontrou para eles agravamentos- solução alguma.
O que arrenda com a plena liberdade de pedir o que quer e entende explora a fundo , sempre desarmado agricultor ,ou seja ,o tradicional amor à terra ,a ausência de conhecimentos que lhe permita mudar de vida ,a falta de contabilidade agrícola ,a confusão entre os prejuízos ocasionados factor tempo e a orientação inadequada da sua exploração e, fundamentalmente a esperança de que nada faz desvanecer da possibilidade de um bom ano salvador.
De um modo geral. sente-se a cidade é incapaz de compreender o que se passa em volta dos arrendamentos da propriedade rústica. e só assim se justifica, que se não tenha criado ainda um estado de espírito que aceite como imperiosa a necessidade de se legislar no sentido de limitar a ganância, como já foi feito para a propriedade urbana.
Mas mais: esta necessidade é tanto mais promente quando é certo que os próprios arrendamentos estão na base da desvalorização da propriedade e concorrem para tornar impossível um aumento da produtividade na zona do sequeiro em quase metade da sua área.
No inquérito ao custo da produção do trigo a que já me referi vêm elementos que permitem formar o seguinte quadro sobre áreas semeadas:
[ver tabela na imagem]
Regiões agrícolas Áreas Semeadas Percentagens
Conta própria Arrendamento Parcela
Verifica-se deste mapa que as elevadas percentagens de terra arrendada, cujos arredamentos, na maior parte dos casos, são feitos em autêntico leilão, a quem dá mais, têm necessariamente de ter uma influência decisiva na economia das explorações. A estes proprietários senão interessa senão a renda sempre maior, que foi garantida por bom fiador. o que já pouco se usa e está sendo substituído pela renda total adiantada. ou paga metade em 13 de Agosto e a segunda metade em 13 de Fevereiro do ano a que diz respeito. O rendeiro, que teve de aceitar uma renda cara, ainda tem de financiar a vida do senhorio, antes mesmo de ter colhido qualquer interesse da terra arrendada.
Explorando a fundo a procura de terras por partido lavrador, tentando elevar a renda em cada novo arrendamento, os senhorios, na sua maioria absentístas. vieram reduzidos o prazo de duração dos arrendamentos e, assim, contratos que se faziam a nove e mais anos são hoje correntes a três ou quatro, mostrando o proprietário o maior desinteresse pelas velhas instalações agrícolas das herdades, na sua maioria não só antiquadas mas transformadas em autênticas ruínas.
Não é com instalações desta natureza que se hão-de arrecadar os fenos ou as ensilagens que se hão-de produzir com a terra regada. Não é sem abrigos para gados que se pode pensar em fomentar a pecuária.
Não é com rendas caras, abusivamente caras, reservando os senhorios para si a cortiça , que os rendeiros podem fazer melhorias fundiárias na herdade alheia que o proprietário abandona ,esquecendo que a terra
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tem uma função social. Votada ao abandono pelo proprietário, instrumento apenas para obtenção do elevado rendimento no presente, com sacrifício da produtividade futura, o rendeiro não tem outro caminho que não seja o do esgotamento da terra e o aproveitamento ao máximo das madeiras, quando em terras arborizadas.
O interesse nacional obriga a medidas que defendam o património privado, reconhecido como está que o proprietário por si não defende mas o desvaloriza pelas exigências feitas no arrendamento.
Outro aspecto é o da transferência dos encargos sociais da propriedade para o rendeiro.
Para muitos será inacreditável que se passem os factos apontados, e para que se aceitem é necessário conhecer a índole do homem da terra e a humildade da maior parte dos rendeiros, em confronto com a posição social da maior parte dos proprietários absentístas, que tira ao modesto lavrador toda a ideia de discutir em pé de igualdade um contrato de arrendamento. Triste reminiscência do senhor tratando com o servo.
Antes de ir mais longe na análise das consequências da liberdade absoluta de dar de arrendamento vejamos as percentagens da produção por formas de exploração:
[ver tabela na imagem]
Regiões agrícolas Produção-Percentagens
Conta própria Arrendamento Parceria
Excluindo a região agrícola de Beja, em que a percentagem da produção em terras arrendadas pouco passa de 25 por cento do total, as duas outras regiões de Elvas e Évora apresentam-se com percentagens que não andam muito longe de 50 por cento.
Encara-se agora o peso da renda na economia do lavrador.
Segundo o mesmo inquérito, os preços de custo médio efectivo da exploração por conta própria e por arrendamento formam o seguinte quadro:
[ver tabela na imagem]
Regiões agrícolas Conta própria Arrendamento Percentagem de agravamento
A incidência do arrendamento no custo da produção do Trigo é, portanto, de 22 por cento na Évora e 13 por cento na de Beja.
Não se afigura, portanto, descabido que se transcrevam as seguintes conclusões do inquérito:
... nada menos de 87 por cento da produção média continental custam aos lavradores que a originam quantias superiores às resultantes da aplicação da tabela actual,
o que permite concluir que apenas 13 por cento dos produtores do trigo do continente podem, na verdade, obter vantagens económicas das suas explorações trigueiras.
Os elementos componentes do custo médio ponderado que levou aquelas conclusões são os seguintes:
Percentagens
Despesas de exploração efectivas 78,9
Despesas de exploração condicionais 7,5
Encargos do capital fundiário 10,4
Juros do capital de exploração 3,2
100
As casas de lavoura que mantêm uma escrita detalhada levam às suas contas apenas as despesas efectivas e algumas outras com maior ou menor grau de aproximação e deixam de fora as restantes. Desta forma não se apercebem de uma realidade que está na base da sua própria descapitalização.
O inquérito a que me reporto estimou o custo completo de uma colheita de média de 423 000 a 450 000 t de trigo no continente em 1.664:000 contos. Entende que os produtos secundários (palhas e restolhos) devem ser avaliados em 99:000 contos, e por isso mesmo o custo daquela quantidade de trigo seria de 1.565:000 contos. Aquela tonelagem, ao preço da tabela, vale l.306:000 contos, e somando-lhe o valor dos produtos secundários chegamos ao rendimento bruto médio anual de 1.405:000 contos.
Em conclusão, o prejuízo da lavoura trigueira, considerada no globo a produção continental, pode avaliar-se em 239:000 contos, dando-se ao termo «prejuízo» o significado corrente em terminologia económica de excedente de juros normais sobre o rendimento líquido.
Julgo, de resto, muito teórico o valor atribuído aos produtos secundários, porquanto a maior parte da palha produzida não encontra compradores.
Computa-se a terra arrendada no continente um 28 por cento da área semeada e estimou-se no inquérito a renda da terra em 63:882 contos. Julgo que a realidade do valor da renda ultrapassou em muito o que serviu de base para a determinação daquele valor.
O inquérito, inteligentemente conduzido, apresenta também os resultados dos estudos efectuados quando encarado o custo da produção apenas tomando em consi-deração as despesas efectivas, isto é, sem levarem linha de conta os juros do capital fundiário e do capital de exploração, que representam uma larga centena de milhares de contos, hoje, na maior parte dos casos, de considerar, visto que na realidade são pagos no empréstimo da Campanha do Trigo ou a instituições bancárias ou ainda às caixas de crédito agrícola.
Nesta base, as conclusões são outras. Em 42 por cento da produção média continental a tabela nem sequer assegura a recuperação integral dos encargos efectivos. O custo efectivo de uma produção como a já apontada é da ordem dos l.280:000 contos, ou seja que, para o valor de venda da tabela, a lavoura em globo aufere uma receita líquida de 26:000 contos, manifestamente insuficiente para os riscos que importa esta cultura e volume dos capitais investidos. Lucros líquidos de 2 por cento são manifestamente insuficientes.
Entende-se, necessário afirmar que os números e conclusões não são de um lavrador produtor de trigo, mas sim de um professor de competência reconhecida, com projecção internacional.
Estou a entrever a incredulidade dos que não experimentaram praticamente os encargos desta exploração e da aplicação da tabela dos trigos; julgo mesmo que sinto o desejo de perguntarem como é que se explica que sendo a situação tão grave a lavoura alentejana ainda não definhou de todo.
A pergunta não formulada, mas entrevista, já deu cabal resposta o nosso colega Nunes Mexia no seu magnífico discurso de há dias - cujas conclusões em abso-
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luto perfilho - ao afirmar: «Vivemos praticamente da riqueza que havia e não da que criamos».
O desaparecimento das reservas constitui a primeira fase. O recurso ao crédito, cada vez mais utilizado e hoje insuficiente para os pedidos, fui a segunda. A terceira será para muitos o desaparecimento da propriedade, para solver encargos, se a tempo se não corrigir a orientação seguida até aqui - se continuarmos a ter ti ódio ao lucro e não simplesmente a tê-lo ao exagerado lucro, como muito bem deduziu o Deputado Nunes Mexia.
Desta realidade se há-de partir para avaliar das possibilidades de desenvolvimento que levem a um aumento da produção, que só será viável com investimentos fundiários, quer seja para a rega, quer para fomento pecuário ou povoamento florestal.
No relatório da proposta diz o Governo:
A transformação das condições deficientes da agricultura nacional, no que respeita à técnica agrícola e ao apetrechamento que lhe é indispensável, há-de ser obra sem dúvida, dos próprios lavradores.
Julgo puder afirmar, Sr. Presidente, sem receio do desmentido, que a lavoura não deseja outra, coisa que poder modificar as condições deficientes em que se arrasta a sua existência. A prova encontra-se na teimosia com que insiste em lutar, não obstante a agonia do sen viver de longos anos.
Quando as possibilidades de crédito estejam esgotadas, quando os encargos resultantes sejam superiores ao rendimento das explorações financiadas, quando o crédito a curto prazo force a que as amortizações se façam antes do empreendimento ter produzido rendimento, não há estímulo que o faça aproveitar, não há querer possível por parte da lavoura.
Não se nega, nem se diminui o esforço feito para auxiliar a vida difícil do agricultor, simplesmente se reconhece que ele é incapaz de realizar o que pretende exactamente porque a actuação num sentido é anulada por efeitos que de outro sentido actuam. A economia agrária terá de ser um todo interligado e não se pude perder esta noção.
Sr. Presidente: já aqui foi dito que um grupo de especialistas agrários foi encarregado pelo engenheiro agrónomo Pereira Caldas, quando Subsecretário de Estado da Agricultura, de fazer o estudo daquilo que temos, onde o temos e como produzimos. Daqui se partiria para se chegar finalmente a saber o que poderemos ter, onde e como vir a ter, para, nas melhores condições económicas, suprirmos as nossas faltas internas e medir as possibilidades de aumentar as exportações.
Tive já ocasião de visitar estes trabalhos e, como prático da terra, devo à mais elementar noção de justiça prestar as mais rendidas homenagens àquele grupo de portugueses que, através de dificuldades sem número, encontram no seu patriotismo e amor profissional estímulo e vontade heróica para concluir o estudo de que foram incumbidos. A honestidade do trabalho, a sua criteriosa orientação, a imparcialidade das conclusões e significado verdadeiramente objectivo, merecem o mais decidido louvor e apoio.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Já verdade, só depois deste trabalho concluído é possível realizar um verdadeiro plano de fomento agrário e ele mostrará, pelos desvios praticados da boa prática agronómica, a razão de ser da situação actual da lavoura e da necessidade de ser profundamente remodelada a sua actual estrutura.
Desde Julho de 1949 que se trabalha neste estudo, que não tem podido progredir como seria de desejar por falta de verbas especialmente a ele destinadas. O Plano em discussão não lhe dedica nenhuma parcela, mas no parecer subsidiário da secção de Produtos florestais a Câmara corporativa coloca-o entre as necessidades que mais se impõem, o que merece o meu mais formal aplauso.
O grupo do especialistas que u vem realizando ao estudar a orientação que deveria seguir partiu desta grande verdade:
Falta ainda à nossa agricultura - que fui o será sempre o centro de gravidade da economia nacional - o exame de conjunto e coordenado das condições fisiográficas económicas e sociais inerentes a cada um dos sectores agrícola, florestal e pecuário.
Parece, Sr. Presidente, que estas palavras só por si bastam para confirmar a urgência em se terminarem aqueles estudos, mas para tanto é necessária uma verba da ordem de duas dezenas de milhares de contos, que na verdade se deveriam considerar como verba extraordinária e bem caberiam no Plano que discutimos. O interesse de sair das trevas para a luz não cabe nas despesas do orçamento ordinário.
Sr. Presidente: vão longas estas considerações, mais à margem daquilo que o Plano não considerou do que propriamente ao seu conteúdo. É a consequência lógica que sentir que o mais importante problema da economia agrária continental não foi considerado. Estimarei ter contribuído para lembrar que assim é, se um tiver logrado convencer de uma parte ao menos du muito que aflige o Alentejo.
Breves palavras ainda, para me referir à electrificação do Baixo Alentejo.
Se não é muito optimista a posição do sequeiro no que respeita a possibilidades de evolução satisfatória durante os próximos seis anos, parece ser de esperar que melhorem consideràvelmente as condições de fornecimento de energia eléctrica.
Na alínea d) do n.º 6 do relatório em discussão vê-se que o Governo só propõe despender na construção de redes de grande distribuição para a electrificação do Baixo Alentejo e Algarve a importância de 60:000 contos.
O consumo especifico do distrito de Beja em 1950 foi o penúltimo na escala dos consumos País, e traduz-se em 7 kWh por habitante, quando o do Porto já era então de 236. Se mais se não consumiu a circunstância deve-se apenas a não haver linhas de distribuição, e não porque os povos não sintam a sua falta e não a lastimem, por inibitória do seu desenvolvimento.
As freguesias electrificadas daquele distrito constituíam apenas 13 por cento, quando as do Porto subiam a 77 por cento em fins de 1950. Na sua grande maioria as redes existentes são mais que primitivas e em poucos casos as centrais térmicas existentes se destinam exclusivamente à produção de energia.
Constituíram num passado já longínquo uma inovação e um melhoramento considerável, mas hoje impressionantemente insuficientes, têm criado já bastantes problemas graves especialmente na sede do distrito.
A cidade de Beja tem sofrido verdadeiros pesadelos, as actividades dependentes desta energia prejuízos sem conta, hospitais, instalações radiológicas. etc., viram a sua acção quase paralisada, circunstância que a imprensa local largamente comentou.
Tem a Câmara Municipal de Beja envidado os melhores esforços para resolver tão grave problema, cuja duração vem já, desde a eclosão da segunda guerra
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mundial. Logrou pôr a funcionar em princípios de 1951 um motor novo, cuja aquisição importou um dispêndio de mais 1:000 contos, mas que submetido a trabalho contínuo, já não oferece segurança e as constantes avarias ocasionam intermitência do fornecimento de energia. As restantes unidades que existem na central, por velhas o repetidamente reparadas, não asseguram o mínimo de garantia desejável.
Acrescente-se a estas circunstâncias que a aquisição do último motor foi feita por meio de um empréstimo, que não foi fácil à Câmara obter, e que está na eminência de ter de repetir a operação se em breve não chegar ali a energia hídrica.
Não se pode também esquecer que, uma vez assegurado o fornecimento, o ritmo de crescimento do consumo em breve mostraria que um novo motor de igual potência não chegava.
Em Março de 1951, ao ser distribuído o relatório do conselho de administrarão da Companhia Nacional de Electricidade, uma onda de desânimo invadiu o espírito dos que esperavam para breve ver checar a Beja a energia, hidroeléctrica. Com efeito, na p. 7 do relatório pode ler-se:
Da linha de Setúbal para Ferreira do Alentejo, cuja data de conclusão foi fixada para Maio de 1953 pelo Decreto n.º 37 926, que modificou a nosso pedido alguns artigos do caderno do encargos, nada lixemos por enquanto. Continua por resolver o problema do abastecimento do Sul, pelo que não existe presentemente nenhum distribuidor em condições de se alimentar através daquela linha. Parece, por-tanto, descabido pensar na sua construção enquanto não estiver definida a maneira de lhe dar utilidade.
Parecia, portanto, ter-se entrado num círculo vicioso. Não se montava a linha de transporte porque não havia distribuidor e não aparecia este porque, não se montava a linha de transporte.
Em consequência, as camarás municipais mais directamente interessadas, acompanhadas pelo governador civil de Beja e ainda pelo de Évora, e a Câmara Municipal de Viana do Alentejo dirigiram um apelo ao Sr. Ministro da Economia pedindo solução urgente para o problema.
Com a sua habitual clarividência nos grandes problemas com o propósito firme de resolver uma situarão que compreendeu ser angustiosa, o Sr. Dr. Ulisses Cortês chamou a si o caso para o qual encontrou uma solução imediata, sem a desarticular dos preceitos estabelecidos na Lei n.º 2 002.
Efectivamente, por despacho de 23 do Julho de l951, publicado no Diário do Governo n.º 196. 2.ª série, de 24 de Agosto de 1951, S. Ex.ª, depois de uma larga apreciação das necessidades reconhecidas e das possibilidades entrevistas, determinava que a Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos procedesse imediatamente ao estudo de um diploma que, mediante a outorga de uma concessão a titulo precário, habilitasse a União Eléctrica Portuguesa a construir e explorar as linhas e mais instalações necessárias à grande distribuição de energia no Baixo Alentejo e Algarve.
No mesmo despacho se verifica que a estimativa realizada implica um investimento total de 60:000 contos, a despender em seis anos.
Reconhece o despacho:
A União Eléctrica Portuguesa empresa privada que já distribui energia em alta tensão, além de outros, nos distritos do Setúbal e de Évora, requereu em 1947 o 1950 a ampliação das suas concessões em vários concelhos do Baixo e Alto Alentejo e do Algarve. Trata-se de uma sociedade de bom nível técnico, com larga experiência na realização e exploração de empreendimentos desta natureza. oferendo garantias de pronta execução dos trabalhos que se têm em vista.
Vão decorridos largos meses sobre a publicação daquele despacho e não obstante ser do conhecimento das câmaras interessadas que a empresa referida imediatamente procedeu aos estudos de campo para a montagem da linha até Beja e que está habilitada a dar imediato inicio à sua montagem, a demora na publicação do decreto que outorgará a concessão criava graves apreensões, especialmente à Câmara de Beja, tanto mais que se espera, se possível, ter a energia na sede do distrito volvidos seis a oito meses sobre a data da concessão.
Ao ser tornado público o Plano em discussão, ao verificar-se a inclusão nele da verba de 60:000 contos para electrificação do Baixo Alentejo e do Algarve, o distrito que tenho a honra de representar nesta Assembleia serenou imediatamente e compreendeu que a demora que tanto impressionava se filiava na necessidade de integrar este nos restantes problemas de electrificação.
Se me falta competência técnica para poder pronunciar-me em assunto de tamanha transcendência, sinto-me perfeitamente tranquilo quanto ás possibilidades do futuro distribuidor do Baixo Alentejo que se não pode incluir nas justíssimas apreensões do ilustre relator engenheiro Ferreira Dias, expressas nas seguintes palavras do parecer da Câmara Corporativa:
Dar subsídios à multidão de pequenos distribuidores que hoje existem, sem condições de vida independente, é uma forma de gastar dinheiro a prolongar o mal.
Por outro lado, o parecer subsidiário da secção do Electricidade e combustíveis, salientando os baixos consumos específicos de Trás-os-Montes e Baixo Alentejo, conclui:
Agora como então (parecer de Agosto do 1944) a Câmara emite o voto de que só procure recuperar sem demora este atraso, que parece resultar mais de se não ter pensado nele do que da falta de fundos para o remediar.
Numa visão clara do atraso em que se encontram as freguesias rurais, o mesmo parecer acrescenta:
Manisfesta-se, pois, esta secção favoravelmente ao princípio de que o Estado se interesse pelo crescimento e melhoria das redes do distribuição em alta e baixa tensão, como meio do estimular a actividade industrial e de tornar menos desconfortável e até menos dura a vida no Campo.
Mostrando-se bem ao par da situação real em que se encontra a maior parte das redes de distribuição rural, com o conhecimento das suas deficiências, da ausência de técnica e em tantos casos, da precária situação financeira e económica, comenta ainda o parecer referido:
Melhorar uma rede não se consegue fazendo pequenas obras em cada freguesia, como sucede nos melhoramentos rurais, porque o fontanário de uma povoação é independente da pavimentação do caminho da aldeia vizinha: mas as diversas redes locais ligam-se entre si numa rede só, tem problemas comuns e características interdependentes, e
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uma acção de fomento só é eficaz quando se exerce com unidade de vistas e de acção, com carácter regional mais ou menos extenso.
Parece, pois, legítimo, a quem não é técnico, concluir, como se disse ao entrar neste assunto, que o Ministério da Economia, ao estudá-lo em 1951, viu em toda a sua extensão, não apenas os problemas locais dos concelhos mais directamente interessados, mas sim toda a zona praticamente despovoada do Sul do distrito de Beja e ainda a situação do Algarve, como a parte do País mais afastada da zona onde são previsíveis construções de centrais hidroeléctricas.
O problema em conjunto parece ter encontrado solução inteligente e criteriosa e pode ser resolvido à margem da construção da linha de transporte Setúbal Ferreira do Alentejo. Uma vez montada esta linha de transporte, nada há perdido, pois a rede de distribuição será da mesma forma utilizada, fazendo-se a sua ligação a Ferreira, em vez de Setúbal, como acontecerá enquanto não estiver á funcionar a subestação de Ferreira do Alentejo.
Sr. Presidente: resta-me apenas solicitar de V. Ex.ª se digne transmitir a SS. Ex.ªs o Ministro da Economia e Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria os agradecimentos do distrito de Beja pela forma como resolveram tão importante assunto para interesses imediatos e futuros daquela região. Ousarei ainda pedir que não demore a publicação do decreto que outorgará a concessão, porque a situação presente da central térmica da Gamara de Beja assim o exige.
Terminarei as minhas considerações com a declaração de que votarei o grande Plano que o Governo se propõe realizar, lastimando, embora, que ao Alentejo se não tenha dado o que reputo de fundamental e que se não tenha considerado o chamado plano de fomento agrário, dotando-o com a verba necessária à sua rápida conclusão.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Amanhã haverá sessão à hora regimental, com a mesma ordem do dia. Está encerrada a sessão.
Eram, 19 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
Artur Proença Duarte.
Carlos Mantero Belard.
Herculano Amorim Ferreira.
Manuel França Vigon.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
António de Almeida.
António Calheiros Lopes.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
José Cardoso de Matos.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pinto Meneres.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA