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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 174
ANO DE 1952 6 DE DEZEMBRO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.° 174 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 5 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmos. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão ás 15 horas e 50 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 172.
O Sr. Presidenta anunciou estarem na Mesa os elementos fornecidos pelos Ministérios da Economia e da Ultramar em natifação dos requerimentos apresentados pêlos Sn. Deputados Salvador Teixeira e Pinto Barriga.
Pelo Sr. Presidente foi também anunciado ter sido recebido na Mesa um oficiado Ministério do Exército a pedir autorizarão para, o Sr. Deputado Ribeiro Cazaca depor como testemunha no 1.° Tribunal Militar Territorial.
Foi concedida a autorização solicitada.
Usou da palavra o Sr. Deputado Pinto Barriga sobre assuntos referentes ao regime florestal.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei relativa ao Plano de Fomento.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Proença Duarte, Paulo Cancela de Abreu, Miguel Bastos, Sousa Campos, Salvador Teixeira e Vaz Monteiro, que não tendo concluido as suas considerações, ficou com a palavra reservada para a sessão seguinte.
O Sr. Presidente encerrou n se anão às 19 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 15 horas e 40 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Finto.
Américo Cortês Pinto.
António Abrantes Tarares.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Cortês Lobão.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
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Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 64 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 50 minutos,
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.° 172.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer a seguinte rectificação ao Diário deu Sessões n.° 172.: a p. 123, col. 2.ª, 1.32.ª e 33.ª, onde se lê: «Bem hajam esses eminentes académicos por terem firmemente acreditado...», deve ler-se: «Bem hajam esses eminentes académicos - entre os quais a minha velha admiração me obriga a destacar o ilustre Procurador a Câmara Corporativa Sr. Dr. Júlio Dantas, que a esse convénio idiomático deu o melhor do seu talento, do seu finíssimo tacto diplomático - por terem firmemente acreditado ...».
O Sr. Duarte Silva: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer a seguinte rectificação ao Diário em reclamação: a p. 124, col. 2.ª, 1.57.ª, onde se se diz: «efeito», deve dizer-se: «defeito».
O Sr. Presidente: - Visto mais nenhum Sr. Deputado desejar fazer qualquer outra reclamação, considero-o aprovado, com as alterações apresentadas.
Estão na Mesa os elementos fornecidos pêlos Ministérios da Economia e do Ultramar em satisfação dos requerimentos apresentados pêlos Srs. Deputados Salvador Teixeira e Pinto Barriga.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes do ordem do dia o Sr. Deputado Pinto Barriga.
O Sr. Pinto Barriga: - Vou falar de assuntos que se prendem com o regime florestal.
Em Portugal a defesa da floresta é difícil de fazer, quer agricolamente quer pelo seu policiamento. Não há organizada uma polida rural e é deficiente a que existe em sua substituição. Muito se falou já sobre este assunto quer nesta Assembleia, quer nos jornais. Foram feitos múltiplos requerimentos a pedir a sujeição de terras ao benefício do regime florestal e passaram-se já dois ou três anos sem serem deferidos esses requerimentos. Esta situação não pode continuar porque é prejudicial para os proprietários o sobretudo para a economia nacional.
É necessário e urgente refazer-se a legislação sobre o regime florestal, destacá-la das coutadas de caça. É necessário também que seja feito o policiamento das zonas florestais mas de forma adequada. Assim, a floresta não encontra os meios de defesa de um policiamento bem adestrado tecnicamente. Preso ao regime florestal está o problema dos resinosos, que merece a atenção nacional.
É que não vemos, a respeito da matéria de resinosos, o assunto tratado com equilíbrio económico-corporativo; sacrificam-se a lavoura e a pequena indústria resinosa em proveito das indústrias de saboaria, de papel, de tintas u vernizes, de cera, etc. Estas indústrias prosperam por não se ter anteolhado com equilíbrio a lavoura, a exploração florestal c as indústrias de produção resinosa.
Numa economia como a nossa não me parece justo que tanto a indústria dos resinosos como a exploração florestal sejam as principais sacrificadas; assim vivemos num regime corporativo de privilegiamentos em quo o consumidor pareceria u primeira vista o beneficiado, mas, no final de contas, as vantagens para ele não são evidentes. E estas indústrias afins luzem reservas muitas vezes para períodos de alta, deixando o mercado desguarnecido.
Era isto o que eu queria dizer. Estou inteiramente confiado na acção do Sr. Ministro da Economia e na do Sr. Subsecretário de Estado da Agricultura para que o assunto tenha pronta resolução: dando aos proprietários florestais as possibilidades de sujeitar as suas matas à defesa do regime florestal; aos caçadores a vantagem de obterem no couto a defesa da cinegética, como condições próprias mas não onerosas, e a corporativização do regime de resinosos em proveito do Pais e de todos, e não de indústrias especializadas e com o pretexto da vitima propiciatória que é sempre o consumidor nacional.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Encontra-se na Mesa um ofício do Ministério do Exército a solicitar autorização da Assembleia parti o Sr. Deputado Ribeiro Cazaes ir depor, no dia 9 do corrente, no 1.° Tribunal Militar Territorial, como testemunha.
O Sr. Deputado Ribeiro Cazaes informa que não vê inconveniente em que seja autorizado a prestar o seu depoimento.
Consultada a Assembleia fui concedida autorização.
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão, na generalidade, a proposta de lei relativa ao Plano do Fomento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Proença Duarte.
O Sr. Proença Duarte: - Sr. Presidente: pela segunda voz no espaço de quinze anos o Governo da Re-
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volução Nacional apresenta ao País um plano de fomento, ou seja um conjunto, orgânico e sistematizado de realizações extraordinárias a levar a efeito durante um período de tempo predeterminado.
À sua designação - Plano de Fomento - marca a natureza do objectivo a atingir: promover o aumento da riqueza colectiva para que seja sólida a estrutura económica da Nação, que é uma das condições da sua existência plena.
Justa primeira consideração desde logo me determinaria a aprová-lo decididamente na generalidade, sem ter de recear que pudesse ser precipitada a determinação.
É que o Plano emana de um Governo que continua a ser presidido por Salazar, que através de duas dezenas de anos de acção governativa concebeu e realizou uma obra de reconstituirão nacional das mais salientes de toda a nossa história.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O Plano provoca a adstrição da acção governativa futura e da actividade dos serviços à realização dos objectivos a alcançar, e assim assegura que eles se alcançarão.
Também o Plano marca um sentido de orientação para as actividades económicas particulares, que necessariamente procurarão integrar-se no ordenamento concebido para dentro dele alcançarem melhor produtividade, realizando assim o seu objectivo imediato e contribuindo indirectamente para o objectivo nacional.
E é um imperativo do presente a mobilização racionalmente ordenada de todas as possibilidades para se obter a melhor produtividade económica com vista à satisfação das essenciais necessidades da vida, vivida como requer a dignidade humana.
Vozes:-Muito bem!
O Orador: - Considero o Plano de Fomento em discussão como legítima e oportuna interferência do Estado no processo económico, realizando grandes obras de interesse colectivo criadoras de riqueza através das quais proporciona às actividades particulares novos meios de produção, colabora com elas para aumento da produtividade e melhor remuneração do trabalho. Esta interferência ajusta-se à letra e ao espírito dos princípios constitucionais consignados nos artigos 29.º a 41.º da Constituição.
Ainda o Plano de Fomento têm, a meu ver, uma benéfica repercussão psicológica sobre a massa geral da população: convence cada um e todos os portugueses das aptidões criadoras e realizadoras da grei, capaz de acompanhar e caminhar ao lado do ritmo de vida dos povos mais progressivos, desde que seja bem governada; congrega e une vontades e esforços para a realização de altos desígnios que passam a ser considerados como imperativo patriótico; cria uni clima de confiança e optimismo, indispensável na vida dos povos, como na dos indivíduos, para se manterem e progredirem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Estas são algumas das considerações de ordem geral sobre as quais se formou o meu juízo de plena aprovação na generalidade do Plano de Fomento, que em boa hora o Governo elaborou e submeteu à apreciação e deliberação da Assembleia Nacional para que se torne lei do País.
Produzidas as razões que me levam a aprovar na generalidade o Plano de Fomento, considerarei agora se as linhas mestras que o estruturam enquadram ou não as mais prementes necessidades da nossa economia e se a cada uma das que nele se encontram consideradas foi dado o lugar e o tratamento que lhe corresponde na hierarquia dos valores económicos da Nação.
Contempla o Plano simultânea e articuladamente a economia metropolitana e as economias das províncias ultramarinas.
 uma e outras dá tratamento de igualdade, considerando-as como um todo indivisível, o que está de harmonia com os interesses da Nação, com os preceitos constitucionais, com as exigências da economia mundial, com a interdependência das economias nacionais e com a nossa tradição colonizadora.
Sob este aspecto só há que louvar a orientação adoptada.
Na enumeração dos sectores económicos a incluir no Plano aparece no relatório em primeiro lugar a agricultura.
Quero crer que o facto de esta actividade económica ser colocada cronologicamente em primeiro lugar tem também um significado de classificação hierárquica no quadro dos valores económicos nacionais.
De facto a agricultura em Portugal constitui a mais importante fonte de riqueza colectiva e é a actividade que emprega maior número de portugueses, pois que, segundo o Inquérito Económico Agrícola dirigido pelo Prof. Lima Basto, em 1935, ela emprega 460 habitantes por cada 1000 da nossa população activa.
Por isso ela tem de estar no primeiro plano das preocupações governativas quando considera aspectos económicos da vida portuguesa.
Mas a verdade é que a agricultura, sendo enumerada em primeiro lugar no Plano para o continente e ilhas, sob o ponto de vista de dotações financeiras aparece em último lugar, pois lhe são atribuídos 1.290:000 coutos, enquanto que à indústria se atribuem 3.310:000 e às comunicações e transportes 2.540:000.
O Sr. Melo Machado: - É a parente pobre . . .
O Orador: - Depois dela aparecem as escolas técnicas e o crédito ultramarino, que são actividades de natureza e ordem diferentes.
Tanto o relatório do Plano como o parecer da Câmara Corporativa enunciam várias outras providências que há que tomar em relação à agricultura para que esta desempenhe eficientemente a função que lhe cabe no complexo da vida económica.
Porém, essas medidas de auxílio são consideradas pelo relatório do Plano como complementares das grandes obras nele incluídas e relegada a sua satisfação para o orçamento ordinário.
O Plano só considera como iniciativas de carácter extraordinário a levar a efeito em benefício da agricultura a hidráulica agrícola, o povoamento florestal e a colonização interna.
Estou em crer que só pelas dotações a incluir no orçamento ordinário não se conseguirá dar à agricultura, o impulso de que ela, carece para se colocar ao nível moderno de outros sectores da vida económica.
O Plano Monnet, em França, designado por « Plan de Modernisation et d'Equipement» considerou a agricultura como a primeira indústria francesa e como actividade de base.
E o comissário-geral do dito plano, no relatório que sobre este elaborou, escreveu:
Dês 1'établissement du Plan il avait été recounu qu'il n'y aurait pás d'économie moderne sans agriculture moderne...
E a verdade é que a indústria agrícola francesa, mercê do auxílio que, por força desse plano, lhe foi
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dispensado, mesmo descontando o factor das boas condições meteorológicas, alcançou desde logo uma maior produtividade, que lhe permitiu exportar produtos alimentares de base que até ali não exportava.
E, como se diz nesse relatório, não haverá agricultura moderna se não for agricultura de exportação.
Pelo que deixo dito parece-me que neste nosso plano de fomento se deviam inscrever maiores dotações para impulsionar a agricultura e, por isso, daria o meu apoio às conclusões que se contêm no proficiente parecer subsidiário da secção de Produtos florestais da Câmara Corporativa, de que foi relator o Digno Procurador engenheiro agrónomo Luís Quartin Graça.
Na verdade, Sr. Presidente, a lavoura só por si não pode proceder com a rapidez que se requer a um moderno equipamento de material agrícola; aos pequenos aproveitamentos hidráulicos para obra de regadio; à montagem de indústrias de conserva e transformação dos seus produtos de regadio, destinados não só a consumo interno mas também a exportação, que devem estar em suas mãos e não nas de empresas capitalistas que lhe absorvam a melhor parte do lucro, como acontece com o arroz, com a azeitona e com outros produtos, facilmente transportáveis, de origem pecuária. Dir-se-á que muitas das deficiências da lavoura são supridas através da lei de melhoramentos agrícolas e do Fundo de Desemprego.
Nem todas, e esses sistemas são, aliás, complicados e morosos.
Quanto a dotações a inscrever no orçamento ordinário para os serviços realizarem a sua função auxiliar e de cooperação, elas têm sido tão exíguas que os serviços técnico-agrícolas têm entre nós um carácter estático, visto que as ditas verbas para esse efeito lhes não permitem deslocar-se até junto das explorações agrícolas senão reduzido número de dias do ano, como já noutra oportunidade aqui referi.
As brigadas técnicas não puderam renovar o material agrícola que já possuíam, pelo que o mesmo se encontra, amontoado e inútil nos respectivos parques.
Grande parte dos nossos concelhos não tem sequer um veterinário e noutros, em que um existe com carácter municipal, não tem este dotações para percorrer periodicamente todas as freguesias do concelho e prestar assistência, às pequenas explorações agrícolas, cuja economia não comporta pagar essa deslocação quando dela carecem.
E assim morrem anualmente milhares de animais nessa s aldeias, sobretudo porcinos, pertencentes a pequenos lavradores e a simples trabalhadores, com grave prejuízo para a economia desses agregados familiares, e até para a economia nacional, o que em parte se poderia evitar.
Mas talvez estas considerações melhor se ajustem à discussão da Lei de Meios, pelo que na duvida oportunidade espero repeti-las e desenvolvê-las, se mo for possível.
Consideremos então os investimentos na agricultura compreendidos, no Plano.
Repartem-se, eles pela hidráulica agrícola, povoamento florestal e colonização interna.
Sr. Presidente: sou dos que desde a primeira hora acreditei nos benefícios da hidráulica agrícola, e aqui defendi, nesta mesma tribuna, com todo o entusiasmo, os investimentos extraordinários que nos propunha o projecto de lei depois transformado na chamada Lei de Reconstituição Económica.
Não me arrependo de o ter feito, em face dos resultados obtidos com as obras realizadas.
Considerarei algumas das que melhor conheço, começando pela realizada no concelho em que nasci o me criei e que para sempre será objecto da minha mais
comovida saudade, ou seja a obra da campina de Idanha-a-Nova, que volta a ser dotada neste Plano, para a realização da segunda parte do projecto.
Está concluída a primeira parte e a água corre já através dos canais e vai regar as terras na época própria.
Está a transformar-se gradualmente em regadio o que através de todos os tempos foi sequeiro.
Os possuidores das terras aproveitaram já essa água e o resultado obtido constitui experiência comprovativa das previsões feitas.
A produtividade das culturas aumentou extraordinariamente. A propriedade dos terrenos abrangidos pelo projecto começou a dividir-se, verificando-se que desde então para cá já nessa área foram alienados a vários compradores, e por poucos dos antigos grandes proprietários, mais de l 000 ha. E a divisão está a prosseguir, mas desordenadamente, pois há alienações que variam entre l e 100 ha, de que não poderá resultar uma exploração útil, nem sob o ponto de vista económico nem social, como se teve em vista.
Alguns possuidores desses terrenos realizaram já por si as obras complementares de adaptação ao regadio, construindo de terra as caleiras necessárias para a derivação da água dos canais para o terreno irrigável, o que por vezes e para alguns representou pesado sacrifício.
Em menos de um ano os que cultivam essas terras adquiriram trinta tractores -até então não existia ali nenhum e estão adquirindo outras máquinas modernas, para melhor exploração das terras. Enfim, é um facto que dos terrenos considerados irrigáveis pelo projecto já executado estão sendo alguns regados pêlos respectivos possuidores, a despeito da falta de assistência técnica eficiente, de que tanto carecem e tanto têm reclamado improficuamente, pois ainda ali não foi devidamente instalada. Mas é preciso que reguem todos.
Também pela lei dos melhoramentos agrícolas ainda lhes não foi concedido nenhum financiamento, porque estes estão para eles suspensos, enquanto não se decidir se- o aproveitamento dessas terras será feito de harmonia com o projecto elaborado proficiente e diligentemente pela Junta de Colonização Interna, ou se a sua colonização «era feita espontânea e voluntariamente.
Estes fartos demonstram uma vez mais que a lavoura nacional não é rotineira e retrógrada, mas sim d inani iça e progressiva.
Portanto, os resultados já verificados justificam a dotação dos 6:000 contos influída no Plano para a execução da segunda parte do projecto.
É, porém, urgente que se resolva definitivamente como será feita a exploração desses terrenos -se conforme estabelece o plano elaborado pela Junta de Colonização Interna, se por colonização espontânea e voluntária - e que se instale, a assistência técnica aos regantes e se lhes facultem os créditos necessários para a obra a realizar em conformidade com os imperativos a que a lei os submete.
Devo dizer que os regantes ali estão por ora pagando apenas as taxas de conservação, e não ainda as taxas de rega.
O regime jurídico estabelecido tem necessariamente de ser revisto, como se anuncia no relatório do Plano e já aqui foi exposto pelo Sr. Deputado Melo Machado, pois mostram-se incomportáveis os encargos estabelecidos sobre estas terras de regadio, e nem todos serão justos, pois uma parte da reintegração dos capitais investidos deve considerar-se feita pelo aumento das contribuições. Em nenhum país da Europa onde só fazem grandes obras de hidráulica agrícola estas são integralmente. pagas pêlos beneficiários; o listado paga uma parte dessas obras.
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Outra demonstração experimental dos benefícios da, hidráulica agrícola é feita com os resultados obtidos com a obra do enxugo e rega do paul de Magos, junto a Salvaterra de Magos.
De campos anteriormente improdutivos, por estarem permanentemente alagados e constituírem pântanos, fizeram-se magníficas terras do produção, onde hoje se cultiva ajustadamente o arroz e se obtêm muitas centenas de toneladas desse cereal.
Lucrou a economia nacional o lucrou o erário público, que viu grandemente aumentado o volume da correspondente contribuição predial.
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - faz favor.
O Sr. Melo Machado: - É preciso não esquecer que, entretanto, se deu a desvalorizarão do dinheiro e, assim, se tornou caro o que era barato.
O Orador: - Consequentemente, subsiste de pé que a Companhia das Lezírias, que reclamava contra as taxas impostas sobre as obras de regadio e que pretendia demonstrar ser impossível pagar essas taxas, pagou de uma só vez toda a obra de hidráulica agrícola que o Governo realizou e passou a fazer a exploração directa das terras, sem ter de pagar daí para o futuro mais taxas.
Mas dizia eu que se perdeu o fim social, porque as terras deixaram de se repartir e de ser cultivadas por pequenos proprietários, como se pretendia e tinha em vista.
E parece que a obra não foi tão cara que a beneficiária, a Companhia das Lezírias, se é certa a informação que tenho, a pagou integralmente e de uma só vez ao Estado. Mas perdeu-se o fim social da obra.
Continuo, portanto, a considerar que iodas as grandes obras de hidráulica agrícola incluídas no Plano são económica e socialmente úteis, sendo de louvar a política do Governo neste sentido.
O Sr. Melo Machado: - Com isso estamos de acordo.
O Orador: - Mas desejaria ver também incluídas no Plano as pequenas obras de hidráulica a realizar pêlos serviços hidráulicos, por conta do Estado, como a regularização e limpeza de valas não navegáveis nem flutuáveis, cuja obstrução tantos malefícios causa à agricultura na província do Ribatejo, retardando o escoamento das águas nas terras baixa» e impedindo a sua cultura nas épocas próprias, de que advêm vultosos prejuízo» para a economia dos particulares e para a economia da Nação.
E os particulares, com a fraca produção e rentabilidade das suas terras, não podem ser constrangidos a essas limpezas e às reparações de cômoros e valados.
E há tantos hectares de boas terras alvercadas, assoreadas e improdutivas que bem se justificaria no Plano de Fomento uma verba geral para estas pequenas obras, que largamente compensariam com o aumento da produtividade das terras beneficiárias, aumento de produtividade que « o objectivo a alcançar na agricultura.
Dessa verba geral poderiam ainda sair as importâncias necessárias para reparações de rombos nas margens do Tejo, insusceptíveis de serem feitas pelas verbas atribuídas aos serviços aio orçamento ordinário, por onde as águas entram impetuosamente nas terras em épocas de pequenas cheias, por vezes quando as sementeiras já estão feitas, inutilizando-as por completo e dando lugar, a mais, ao alveavamento e assoreamento dessas boas terras aplicadas à cultura de cereais.
Por mim considero que estas pequenas obras de hidráulica são tão reprodutivas e de tanto alcance económico e social como as dos grandes investimentos da hidráulica agrícola incluídas no Plano, e tais obras nunca se farão pelas verbas do orçamento ordinário nem por força do anacrónico Regulamento para os Serviços Hidráulicos du 14 de Dezembro do 1892, modificado pelo Decreto de 2l de Janeiro de 1897, que quase; confina a acção dos serviços a uma função de polícia e levantamento de untos du transgressão; quanto a entes, com tal obstinação que não respeitam nem observam repetidas decisões dos nossos tribunais superiores que contrariam o seu critério jurídico.
Dessa verba geral podia aplicar-se também uma parle para se apressar, concluir e publicar o plano de fomento agrário ordenado pelo despacho de 5 de Julho de 1949 do então Subsecretário de Estado da Agricultura, engenheiro José Garcês Pereira Caldas, que ali se está elaborando numa repartição do Ministério da Economia, com entusiasmo e amor da gente nova que nele trabalha afincadamente, e que considero elemento da maior valia para uma racional exploração das nossas possibilidades agro-pecuárias e até para uma fundamentada acção legislativa sobre o assunto.
Suponho que para quantos de nós ali fomos tomar contacto com o que se está fazendo constituiu esse trabalho uma verdadeira e animadora revelação.
Bom seria, Sr. Presidente, que outros serviços públicos pudessem igualmente convidar os Deputados a visitar trabalhos em realização de tão alto nível e tão profundo sentido utilitário.
No Plano aparecem em segundo lugar os investimentos na indústria.
Também neste sector da vida económica os investimentos que o Plano considera só dirigem às actividades industriais que já foram objecto da Lei de Reconstituição Económica, como era lógico, pois não se compreenderia que se deixassem a meio caminho empreendimentos que então foram considerados atentamente como de maior valia para a economia da Nação, que já se encontram realizados em parte e em laboração, importando, porém, levá-los até ao limite de boa exploração económica, para que passam manter-se e preencher o fim que lhes foi assinalado.
É manifesto que a mais saliente determinante dos empreendimentos industriais seleccionados foi o da utilização das nossas matérias-primas pêlos aproveitamentos hidroeléctricos e pelas indústrias-base.
Parece-me só haver que louvar a orientação seguida. Sobre uma das indústrias- -base, quero, porém, fazer algumas considerações. Escolho a indústria dos adubos azotados, naturalmente pela posição que nela ocupo e pelo esforço que lhe tenho dado com que muito me honro. Parece que, precisamente, o facto de ocupar nela uma posição me devia inibir de aqui a vergar.
Mas não.
O Amoníaco Português, n cujo conselho de administração pertenço, é verdadeiramente uma obra do Estado.
Os capitais que pessoalmente ali investi são insignificantes e não contam no meu património nem influem nos meus juízos, nem poderiam influir quando esses juízos são formulados nesta tribuna.
Sr. Presidente: ao abrigo da Lei n.° 2 005, chamada da reorganização industrial, foi possível levar a cabo a fábrica do Amoníaco Português, em Estarreja, destinada à produção de adubos azotados, designadamente o sulfato de amónio.
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Com idêntico objectivo se instalou em Alferrarede e no Barreiro a fábrica da União Fabril do Azoto.
Na fábrica de Estarreja investiram-se cerca de 207:000 contos. Entrou esta em laboração em 4 de Fevereiro do ano corrente e produziu até 29 de Setembro 20 286 t de sulfato de amónio, em média 91 t por cada dia de laboração, o que dá em trezentos e cinco ias de possível funcionamento cerca de 27 500 t.
Deixaram assim de sair já para o estrangeiro, para aquisição de sulfato, cerca de 45:000 contos.
Porém, o que está realizado constitui apenas a 1.ª fase do que foi concebido e planeado e consta do respectivo alvará. Para que esta unidade fabril possa subsistir com exploração económica não deficitária, de harmonia com os pressupostos que a determinaram, importa construir rapidamente a 2.ª fase, como está previsto e planeado.
Na verdade, a fábrica tem já várias construções c instalações com vista à 2.ª fase, entre as quais avulta o tubo de síntese, com capacidade para produzir 60 t diárias de amoníaco, mas que nesta 1.ª fase só é utilizada para uma produção de 20 t.
Essas instalações, que podem ser utilizadas para a 2.ª fase, custaram milhares de contos.
O plano em discussão inscreve uma dotação de 150:000 contos para a 2.ª fase do sulfato de amónio.
Mas consigna no relatório que o hidrogénio para a síntese do amoníaco dessa 2.ª fase deverá ser obtido por via química, porquanto «este processo, além de exigir menos consumo de energia eléctrica, permitirá obter custos de produção mais económicos e reduzir, assim, o preço médio do adubo».
Parece não haver dúvidas de que o hidrogénio químico a produzir pela destilação dos nossos carvões e lignites, ou pelo aproveitamento dos gases de cracking, se obterá por um custo de produção inferior ao do hidrogénio electrolítico desde que a energia eléctrica não possa ser cedida a estas indústrias por preço inferior àquele por que lhe está sendo fornecida.
Entretanto, há-de reconhecer-se que a electroquímica consome, durante uma parte do ano, só energia sobrante que as empresas hidroeléctricas deixariam de colocar se ela não existisse.
São, portanto, duas indústrias interdependentes, poderemos dizer complementares uma da outra.
Só o Amoníaco Português entregou u produção hidroeléctrica, nos primeiros nove meses de laboração, o montante de 8:500 contos, números redondos, para pagamento da energia fornecida. E, neste momento, há empresas que lhe estão oferecendo energia mais barata do que a que está pagando.
O Sr. Ernesto de Lacerda: - Nesta época de energia sobrante ...
O Orador: - Do que se pode depreender que há, indiscutivelmente, um momento na vida das empresas hidroeléctricas, em que só é vantajoso existirem indústrias que lhes consumam essa energia sobrante que, se não fosse assim, teriam de lançar para o rio.
Assente, pois, que o hidrogénio a obter para se aumentar a produção de azotados o será por via química, sugere a Câmara Corporativa no seu parecer que, para a produção desse hidrogénio químico e do correspondente amoníaco, se instale uma nova fábrica para aproveitamento dos gases do cracking e das lignites, porquanto, diz: «a produção química do hidrogénio nas duas fábricas existentes (Estarreja e Alferrarede) equivalia a dispersão em duas pequenas unidades de uma possibilidade de aproveitar os gases e com difícil aproveitamento das lignites».
Esta sugestão é directamente oposta ao que se propõe 110 Plano do Governo, segundo me parece poder-se concluir do respectivo relatório quando diz:
Convém, pois, enquanto as tendências do consumo se não definem mais nitidamente, dimensionar com prudência o complemento das actuais instalações, sem prejuízo de se assegurar desde já inteiramente o abastecimento nacional.
Creio que o que fica transcrito do relatório revela o pensamento de se aplicar a dotação inscrita para azotados na construção da 2.ª fase das fábricas existentes tal como foi previsto e planeado quando se lançaram estes empreendimentos e foi considerado como pressuposto necessário da sua viabilidade económica.
Na verdade não pode aceitar-se que existindo já na fabrira de Estarreja instalações que ultrapassam as possibilidades de produção da l. ª fase, e que para serem utilizadas apenas aguardam que se produza mais hidrogénio, se fossem deixar sem utilização, para ir construir noutro local uma nova unidade fabril em que teriam de se fazer instalações idênticas às que já existem e não estão plenamente aproveitadas.
Haveria, assim, um desperdício de capitais, com a agravante de que essa duplicação de despesa importava a saída para o estrangeiro desses capitais, pois todas as máquinas necessárias ali são compradas.
Haveria ainda o desvio de um caminho já traçado há anos e pelo qual vimos seguindo, sem nenhuma vantagem para a economia nacional e até com manifesto e seguro prejuízo para a mesma, pois se deixavam as duas fábricas sem possibilidade de laboração económica, de que resultariam, consequências facilmente previsíveis.
Por isso o Amoníaco Português pensa nem nunca pensou entrar para a Sociedade de Adubos de Portugal, ao contrário do que julga a Câmara Corporativa.
O Amoníaco Português tem instalada uma unidade fabril para uma produção de, pelo menos, 60 t de amoníaco diárias e está a produzir apenas cerca de 20 t por falta de hidrogénio. Propõe-se obter esse hidrogénio por via química, utilizando os combustíveis nacionais em condições pelo menos tão económicas como seria obtido por uma terceira unidade fabril.
Tenho por certo, Sr. Presidente, que o Governo du Nação, em seu alto critério, dará rápida solução a este problema desta indústria-base no sentido que deixo preconizado.
Farei ainda uma rápida consideração sobre os investimentos nas comunicações e transportes só para dizer que me parecia necessário incluir neste Plano de Fomento uma verba extraordinária para construção e reparação dos caminhos rurais.
Não está nas possibilidades financeiras das câmaras municipais proceder à construção e reparação desses caminhos, como se verifica pelo estado em que se encontram.
E quem conhece a vida das populações rurais sabe das dificuldades que estas têm de vencer para a exploração agrícola das terras, por vezes em posição de difícil acesso a qualquer meio de transporte para até lá conduzirem os materiais agrícolas ou delas retirarem os géneros que produzem.
Daí resulta um desgaste anormal de meios de transporte, dos animais de tracção, de perda de tempo e o consequente aumento de custo de produção dos nossos produtos agrícolas, contribuindo assim para o baixo nível dos nossos salários rurais, que é preciso melhorar por todas as razões, até mesmo para que estes não apareçam como dos mais baixos dos povos civilizados.
E para terminar direi também uma palavra sobre escolas técnicas. Inscreve-se no Plano uma verba de
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certo vulto a repartir pela conclusão de obras em curso e pela construção de obras novas.
E bem sensível a necessidade de criar no País uma rede de escolas para o ensino técnico elementar.
Mas essas escolas devem ter uma orientação nitidamente utilitária, para que delas saiam trabalhadores de várias artes e ofícios aptos a realizar com perfeição e bom rendimento de trabalho os misteres a que se dedicarem.
Da criação dessas escolas resultará que se resolva o problema de muitos chefes de família que não sabem que orientação dar aos filhos quando concluem a instrução primária e que não podem, por força de lei, dar entrada como aprendizes em qualquer oficina antes de atingirem os 14 anos.
Daí resulta que muitos deles, nessa idade, vagabundeiam pelas ruas, adquirindo maus hábitos, que porventura os acompanharão por toda a vida, tornando-os socialmente inúteis e prejudiciais.
A existência de escolas técnicas absorverá uma grande parte desta população infantil, desviará outra parte do ensino liceal, para onde se dirige, por vezes com grandes sacrifícios dos pais, para obter mais alguns conhecimentos, mas afastando-a do caminho que naturalmente lhe estava indicado.
Nota-se no País grande falta de operários com boa preparação técnica, donde resulta ser fraco o rendimento do trabalho.
A modificação para melhor do rendimento do trabalho nacional pode depender em boa parte da criação dessa rede de escolas técnicas elementares.
Na província do Ribatejo, que me elegeu, há povoações que aspiram a ver nelas criadas uma escola técnica e oferecem ao Governo todo o possível auxílio e colaboração local.
Santarém, por seus próprios meios, mantém de há anos a esta parte um Ateneu Comercial, que não tem instalações próprias e anda de empréstimo pelas escolas primárias nas horas em que estas não funcionam.
Por isso a instituição tem vida precária e sem o rendimento que devia dar.
A cidade de Abrantes, que tem à sua volta os importantes centros metalúrgicos do Rossio de Abrantes e Tramagal, dos mais importantes do País, aspira legitimamente a ter uma escola industrial e propõe-se dar ao Governo a melhor colaboração c contribuição para que ela ali seja criada.
Espero ver, Sr. Presidente, que dentro em breve estes importantes centros urbanos do Ribatejo verão realizadas, através do Plano de Fomento, as suas legítimas aspirações, que se integram no plano de engrandecimento nacional.
Sr. Presidente: termino estas minhas considerações prestando ao Governo as homenagens e louvores que justamente lhe são devidos por mais este inestimável serviço a bem da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: de conformidade com a alínea d) do artigo 26.° do Regimento, a Comissão de Política e Administração Geral e Local, representada pela maioria dos seus vogais, mas sem prejuízo do direito de estes e os restantes intervirem livremente na discussão, pronuncia-se do seguinte modo sobre a proposta do Plano do Fomento Nacional:
A Comissão de Política e Administração Geral e Local, apreciadas as bases do Plano de Fomento Nacional e ponderados o relatório da proposta e os pareceres geral c subsidiários da Câmara Corporativa, aplaude e louva a notável iniciativa do Governo, como expressão exacta das necessidades vitais da Nação e manancial de riqueza pública, que além de concretizar o programa de algumas das realizações de finalidade largamente reprodutiva, compreende investimentos de tal envergadura que só o grande desafogo resultante de uma impecável administração financeira podia possibilitar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Como a Câmara Corporativa, a Comissão entende, porém, que não basta haver uni plano: é necessário executá-lo com um tacto e uma oportunidade em nada inferiores aos que exige a sua elaboração; é necessário dedicar-lhe atenção e persistência, porque se é essencial a unidade 110 programa, não o é menos na execução; e, sob este aspecto, a Comissão julga aconselhável que à selecção de competência? técnicas necessárias ao estudo e execução dos empreendimentos deve aliar-se, como matéria-prima indispensável à sua relevância, uma rigorosa fiscalização sempre atenta e operante, para que erros irremediáveis ou a ineptidão, o desleixo e o fraco rendimento da mão-de-obra (de recear especialmente nos trabalhos de administração directa) não comprometam 05 resultados legitimamente esperados de mais uma iniciativa portentosa que ficará a assinalar a era nova que atravessamos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Realmente, se, segundo o relatório do Governo, o rendimento médio nacional é apenas de cerca de 32:953 milhares de contos e o individual não atinge 4.000$, colocando-nos assim à esquerda da maioria dos países da Europa Ocidental; se, como o mesmo relatório acentua, o rendimento do trabalho não depende exclusivamente dos recursos reprodutivos, mas ainda e em muito do nível da técnica, da eficiência da mão-de-obra e do equipamento empregado, a Comissão conclui que deve pôr em relevo este tríplice aspecto fundamental e decisivo no grande plano, a saber: técnica perfeita, mão-de-obra hábil e activa e vigilância rigorosa e persistente.
Embora, segundo a base I da proposta, o Plano do Fomento actue à margem e independentemente das aquisições e obras em cada ano dotadas nas despesas extraordinárias do orçamento do Estado, a Comissão anota a circunstância de nalguns passos os investimentos, isto é, as conclusões não condizerem com as premissas postas doutamente no relatório e nos pareceres da Câmara Corporativa com dados e argumentos conducentes, sem dúvida, à opinião de que, embora baseada em fundos alicerces, a estruturação das linhas mestras do grande edifício não fica completa.
Diz, é certo, o Governo não se tratar evidentemente de um plano geral abrangendo todos os investimentos e jogando com todos os consumos, tanto públicos como privados, antes é um plano parcial enquadrado nas possibilidades de financiamento; mas, sem embargo, outros problemas, a que os próprios relatórios e pareceres deram o merecido realce, carecem desde já de investimentos directos e substanciais, que, pelo seu volume, a dotação orçamental porventura não pode comportar e, aliás, são dignos de equiparação e, em alguns casos, de primado sobre alguns dos compreendidos no Plano.
Merece referência especial a agricultura, que naquele parecer geral justamente se afirma ser agora e sempre a nossa primeira indústria, acrescentando que «tudo o
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que afecte a agricultura pura bem ou para mui afecta 110 mesmo sentido toda a economia portuguesa».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É também por reconhecê-lo que, no seu relatório, o Governo coloca na primeira linha o desenvolvimento agrícola e preconiza a aplicação a terra das conquistas da ciência agronómica.
Mas não se afigura à Comissão que, quer em quantidade, quer em amplitude, os investimentos indicados no Plano estejam em equivalência ou conformidade com a importância basilar unanimemente reconhecida da economia agrária do País, pois 1:290 milhares de contos que lhe são destinados para o sexénio correspondem a menos de 10 por cento do total e a pouco mais de 17 por cento dos investimentos na metrópole. A aplicação apenas em obras de hidráulica agrícola, de povoamento florestal e colonização interna não corresponde à vastidão por todos desejada de um programa urgente de fomento agrícola em que, para nos servirmos novamente das palavras do parecer, há que intensificar a assistência técnica, divulgar o ensino agrícola, aconselhar os melhores métodos e as melhores sementes, fazer a propaganda da adubação racional, do uso de insecticidas e de mecanização conveniente, para assistência pecuária, desenvolver centro» de investigação e ainda estimular uma infinidade de pequenas obras, aconselhando-as e financiando-as, etc., tudo sem esquecer o problema gravíssimo da erosão, que não pode resolver-se unicamente com o repovoamento florestal em período longo.
E também indispensável o alargamento do crédito agrícola com encargos mínimos e amortização longa, destinado a, investimentos fiscalizados, e facultar aos organismos de coordenação económica e corporativos os meios necessários ao fomento das cooperativas, através das quais se pode realizar a indispensável assistência técnica.
Há, numa palavra, que aumentar e aperfeiçoar a produção por unidade, possibilitando assim um maior rendimento médio do trabalho rural e a melhoria substancial da condição de vida do trabalhador pelo aumento do poder de compra e um razoável nível de preços, facilitados pela eliminação completa de intermediários dispensáveis e por outros processos aconselháveis.
Dir-se-á e é verdade: o Governo enfrentou este e outros problemas, e, além disto, de modo indirecto, mais ou menos relevante, vão contribuir para a realização daquelas aspirações os principais investimentos do Plano, nomeadamente os de aproveitamentos hidroeléctricos e de transportes e ainda o de escolas técnicas profissionais, não se tendo, aliás, feito referência sequer implícita às de ensino agrícola fixo e por brigadas moveis, que é mister multiplicar. Mas, pelas razões resumidamente apontadas, aquela verdade não satisfaz completamente os justificados anseios da lavoura.
Foi especialmente neste aspecto que, ao analisar o Plano de Fomento na parte relativa ao continente e ilhas adjacentes, a Comissão de Política e Administração Geral e Local deteve a sua atenção e resolveu submetê-lo à ponderação da Assembleia e do Governo, crente como está de que não é inutilmente que formula d voto para que as considerações sucintamente expostas encontrem eco e boa aceitação.
Mas ainda em relação a amplitude do Plano, a Comissão não deixou também de contemplar outros problemas ali não especificados, como sucede com o das estradas e caminhos municipais, que muitas câmaras, apesar da elevada comparticipação do Estado, não podem reconstruir ou restaurar por falta de recursos; os dos portos dos Açores de transportes para este o neste arquipélago e do apetrechamento do porto do Funchal como interposto de reabastecimento e também o melhoramento de outros portos secundários não incluídos no Plano; e ainda o problema do turismo, que por ser, sem admissível discussão, uma das indústrias mais reprodutivos do País, mas atrasada e em manifesta crise, bem carece, desde há muito, de largo investimento, com vista a imediatas realizações especificadas ou para constituição de um fundo privativo destinado à reorganização completa e montagem dos serviços em perspectiva, a financiamento de melhoramentos em praias, termas e estações de repouso, a construção de hotéis como os de Lisboa, Fátima e Évora, ao alargamento e modernização da rede dos restantes e a uma propaganda publicitária larga, intensiva e permanente por toda a parte, etc.
Confiadamente esperamos que o Governo encare de frente e urgentemente este e outros problemas nacionais.
Finalmente, como corolário natural dos raciocínios expostos e das objecções já postas no decurso do debate, à Comissão afigura-se que seria, porventura, preferível a Assembleia Nacional traçar livremente o plano definitivo das realizações com uma amplitude razoável, mediante mais algumas rubricas devidamente ponderadas, e em seguida votar globalmente a verba dos 13.500:000 contos, destinada aos investimentos totais, ou separadamente a dos 7.500:000 coutos para o continente e ilhas e a dos 6.000:000 de contos para o ultramar.
Daqui podia resultar um trabalho mais útil, uma iniciativa mais ampla, embora prudente, enfim, uma intervenção mais eficiente na factura de uma lei cuja transcendência transpõe em alguns aspectos as melhores previsões e a faz digna da colaboração de todos; e, por outro lado, o Governo teria maior amplitude de movimento e ficava liberto dos embaraços que inesperadamente proviessem do erro nas estimativas ou de surpresas na execução dos trabalhos, como tem sucedido, com manifesto prejuízo para a economia dos projectos e para os cálculos da sua utilidade.
Seja-me permitido agora esclarecer, pessoalmente o em breves palavras, o raciocínio que ditou a opinião que fica esboçada.
Este notável Plano, ou, melhor, este notável programa, compreende duas partes distintas: os empreendimentos a realizar e os seus investimentos ou dotações.
Chamemos-lhe o aspecto económico e o aspecto financeiro.
Ora, postos estes dois aspectos em conjunto, era completa interdependência, como o estão na proposta, nós, se formos para uma interpretação constitucional rígida, encontrar-nos-emos de tal modo ilaqueados que resulta, a bem dizer, estéril ou inútil a discussão, não obstante o brilho das orações que tivemos e vamos ter o prazer espiritual de ouvir.
Na verdade, ter apenas a faculdade de eliminar do Plano qualquer das obras projectadas (e nisto decerto não pensamos) ou substituí-las por outras com igual dotação ou transferir para estas parte da dotação daquelas é muito pouco; e mesmo este pouco será praticamente inconveniente porque pode importar o sacrifício de outros investimentos igualmente aconselháveis.
Digamos tudo: manietados pelo rigorismo extreme da artigo 97.° da Constituição, só podemos, na verdade, eliminar, e não acrescentar; isto é, no fim e ao cabo podemos destruir, não podemos construir!
Por outro lado, se é certo que o relatório da proposta e os nove pareceres da Câmara Corporativa (espécie de jogos florais de técnica, mas que se exprimem em realidades objectivas palpitantes), se é certo, dizia eu, que esses relatório e pareceres muito nos elucidam sobre o valor e a primazia doa empreendimentos a efectivar,
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certo é também que não dão nem podiam dar-nos, que não fosse mediante cálculos falíveis, uma estimativa, aproximada das verbas a despender no longo período
de um sexénio, tão frequentes têm sido as surpresas e as reacções da natureza (de que dão exemplo flagrante os portos e as fundações das barragens e de grandes edifícios) e a variante dos preços de material e mão-de-obra.
E porque, incontestavelmente, assim é em cada hora, quase em cada instante, por maioria de razão estes inconvenientes hão-de surgir através de um longo período de seis anos.
Portanto, por mais perfeitos que sejam os estudos, por mais completos e exactos que sejam os cálculos para a estimativa das obras e elaboração dos respectivos cadernos de encargos, fica sempre uma larga margem de contingências e os imponderáveis, julgo eu, só não existem nas ciências exactas.
Nestas circunstâncias, estamos longe de podermos fazer um juízo seguro sobre o preço e, portanto, sobre o aspecto financeiro de cada empreendimento que o Governo se propõe levar a efeito. E, consequentemente, há-de ser forçosamente precário, desprovido de uma base que conscientemente o justifique, o voto que nos pedem na parte relativa ao investimento parcelar para cada um dos trabalhos de fomento em perspectiva catalogados no Plano. Aprovar as verbas só porque o Governo as indica não basta. Contraria-o a razão e a independência do nosso raciocínio e a própria função constitucional e, por outro lado, não sabemos fazer geometria no espaço.
Por seu turno, o Governo, pelas mesmas razões por que o fez agora e por coerência, deveria voltar ao Parlamento a pedir aumento ou alteração dos investimentos por motivo das tais circunstâncias ou contingências supervenientes que surjam inesperadamente.
Não carece de fazê-lo? Neste caso, porque o fez agora ?
Não bastam para justificá-lo o grande vulto e a transcendência do Plano, partindo a iniciativa, como parte, de um Governo a cujo chefe repugnam, por instinto, os efeitos espectaculares.
Faz-se mister que os investimentos sejam feitos parcelarmente e por departamentos no Orçamento Geral do Estado? Mas é ao Governo que compete fazê-lo, como o faz sempre em relação às despesas ordinárias e extraordinárias que a Assembleia Nacional vota também globalmente na Lei de Meios.
De resto, Sr. Presidente, o Governo afinal demonstra que entende não ter de submeter-se aos pareceres e votos dos dois órgãos do Poder Legislativo, pois já fechou antecipadamente empreitadas ou abriu-as e, portanto, efectivou ou comprometeu investimentos definitivos em algumas das obras compreendidas num plano de fomento que ainda não foi votado, o que não se compreende muito bem, embora já figurassem em programas anteriores. Efectivamente, conforme a imprensa noticiou, estão em concurso ou já adjudicadas obras de hidráulica agrícola no vale do Limpopo, no ultramar, e no vale de Sorraia, no continente, e a construção no Alfeite de novo navio-tanque, que julgo ser um dos dois previstos na proposta, obras estas das quais duas podiam tecnicamente estar sujeitas a controvérsia e a terceira foi considerada actualmente dispensável pela Câmara Corporativa.
Decerto o Governo deve ter ponderosas razões para não aguardar a aprovação do Plano, mas, em todo o caso e por mais esta razão, sou levado a perguntar: o
que estamos a fazer aqui?
Que utilidade têm, em última análise, o tempo empregado e os esforços despendidos no estudo e na apreciação da proposta na Câmara Corporativa, que produziu mais um trabalho cientifico e tecnicamente exaustivo e brilhante, e na Assembleia Nacional, numa discussão conscienciosa e elevada, que de nitro modo também seria de incontestável utilidade para auxílio de Governo e elucidação do País?
Sr. Presidente: estas ligeiras considerações não afectam de modo algum o merecimento da importante iniciativa do Governo, digna dos aplausos do País, pagam quais ferem os reparos que, num ou noutro pormenor, possam ser-lhe feitos. Por estar incompleta nos aspectos que aqui têm sido anotados, não deixa de representar uma séria e grande iniciativa que só a Revolução Nacional podia tornar possível.
E faço votos para que esta iniciativa seja ampliada e melhorada para bem de todos, o que equivale a dizer para bem da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Miguel Bastos: - Sr. Presidente: intervenho neste debate perfeitamente seguro da minha pequenez perante a grandeza dos problemas que nele estão em jogo e sabedor de que me faltam os conhecimentos técnicos que exige questão de tão grande magnitude. No entanto, julgo que não ficará mal que um homem simples, mero observador da vida económica e social do seu país, diga também uma palavra, uma modesta palavra, sobre a proposta de lei (pie fixa, para os seis anos que vão seguir-se, os pontos essenciais à volta dos quais vai girar o trabalho dos Portugueses, num novo esforço, cheio de interesse, de procurar tornar maior a terra portuguesa e mais feliz a vida de cada um de nós, a vida de nós todos.
Vozes :- Muito bem !
O Orador : - A primeira palavra não pode deixar de ser de saudação e louvor. Realmente, creio que ninguém deixará de saudar e louvar com alegria o Governo pelo trabalho feito e agora apresentado ao nosso estudo, e através do qual se sente que a própria Revolução prossegue o seu caminho certo e firme. Aquela promessa de um dia de que a nossa Revolução havia de continuar enquanto houvesse um português sem trabalho ou sem pão tem, no rasgar de horizontes que este Plano nos proporciona, a sua progressiva e constante satisfação.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - No esquema gorai deste Plano um aspecto desejo salientar: é o de que no quadro do problema económico actual o Governo toma posição clara ao afirmar que para melhorar as condições de vida do homem o que há que resolver em primeiro lugar, como condição básica, é o problema da produção; e, assim. vai deliberadamente enfrentar os trabalhos que produzam aumento da produção e da produtividade.
Na verdade, eu creio, Sr. Presidente, que na alternativa produção ou distribuição não se pode hesitar em colocar aquela como o ponto essencial de onde se há-de partir para o melhor bem-estar da vida social. Muitos têm julgado que as questões postas no nosso século, no inundo do pensamento económico e social, se resolvem não pela maior produção, mas sim pela melhor distribuição.
Esta noção não só contaminou socialistas, e comunistas, mas não se exagera dizendo que mesmo outros professando ideologias contrária- têm sido arrastados neste erro. Mas a verdade é que produção e distribuição
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são problemas complementares. Não há verdadeiramente possibilidade de distribuir se não o que se tem, e para que dessa distribuição resulte real aumento do nível de vida é preciso que os bens de consumo tenham atingido um grau de produção tal que da sua distribuição resulte realmente, para cada um dos beneficiados, uns acréscimo de riqueza que efectivamente melhore as suas condições de vida.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Pode dizer-se que o supérfluo de alguns distribuído poderia trazer melhoria para a situação dos pobres, mas é necessário não esquecer que essa portão de bens, mesmo grande em alguns, não solucionaria o problema de todos com vista a uma elevação satisfatória do nível de vida, tão grande é a desproporção entre o volume, do que possivelmente se distribuiria em relação ao número daqueles por que se leria de fazer, com justiça, essa distribuição.
Pareço, pois ser segura a opinião de que o segredo da subida do nível de vida está no aumento da produção por número de habitantes e nesse sentido se pronuncia o actual Plano que discutimos e que constitui, sem dúvida, novo marco valioso no caminho longo e firme que, como sulco fundo e seguro aberto por bom arado, se vai abrindo na história de Portugal.
Está dito já que este Plano de Fomento é verdadeiramente um plano du investimento. Na realidade trata-se dum conjunto de obras todas elas importantíssimas para a vida económica e social do País, a que se atribui, para a sua efectivação, determinadas verbas.
É evidente que ficaram de fora muitas obras de grande importância e urgência, mas seria impossível prever todas sem se atingir um montante do financiamento inteiramente incomportável com a realidade das nos»as possibilidades financeiras. No entanto, peço licença para colocar à margem do Plano em discussão algumas pequenas e leves notas de comentário, em que são focados certos aspectos, que suponho, não se deverão deixar totalmente passar sem uma referência ou citação.
No que se refere à agricultura, parece que anda mais tenho a acrescentar ao que já aqui foi dito por outros oradores, mas, realmente, parece indispensável que se reforce o princípio de que se deve incluir no Plano uma verba para instalações e armazenagem. Ao que sei pelo que se passa no círculo que represento, o que se dá com a produção da batata é verdadeiramente arrepiante.
Assim, todos os anos se estraga grande quantidade deste produto, porque ou se lança no mercado toda a batata produzida na altura da colheita, e o preço baixa a verdadeira, ruína, ou se procura fazer a sua conservação para época de preço de remuneração justa, e então parte dela apodrece por não termos onde a armazenar em condições de se não deteriorar. No entanto, ainda em 1950 importámos 12 238 t, despendendo com esta importação 116:031 contos. Isto afigura-se absurdo, visto parecer estar provado que temos condições para nos podermos bastar a nós próprios. Bastaria que existissem instalações de armazenagem que conservassem durante o ano a produção necessária.
Dou por isso o meu voto caloroso à sugestão da Câmara (Corporativa quando escreve na alínea c) do capítulo VIII do parecer subsidiário da secção de Produtos florestais que no Plano se deve incluir unia verba extraordinária para «a construção ou subsídio para a mesma de instalações tecnológicas cooperativas e de armazenagem indispensáveis à melhoria da preparação e conveniente conservação dos produtos agrícolas.
Julgo também que, ao falar-se de maior produção ou produtividade da terra, se não deve deixar de mais uma vez referir n grande necessidade de se reformar o regime do arrendamento da propriedade rústica. Lembro o que disse aqui no princípio desta Legislatura o ilustre Deputado Dr. Melo e Castro. São suas estas palavras:
Nós temos de encarar de frente o problema do absentismo e da atrasada regulamentarão, no nosso direito, do contrato de arrendamento dos prédios rústicos, sabido que cerca de 40 por cento das terras do Alentejo andam ainda dadas de ronda pelo, seus proprietários, que da sua beneficiação e condições de exploração se desinteressam.
Reproduzindo estas palavras, aplaudo-as inteiramente.
Na verdade, sendo grande o número dos absentistas, parece difícil, no actual regime de arrendamento da propriedade rústica, conseguir-se a indispensável intensificação agrícola, pela luta contra a erosão, pelo estudo e aplicação do melhor e mais adequado sistema de rotações e afolhamentos, pela aceitação dos melhores processos de cultivo, pelo emprego do melhor conjunto de alfaias e de máquinas, pela procura intensa du água que permita a rega. Ora tudo isto e só exemplifiquei não é possível fazer-se na grande área de propriedade arrendada que existe no nosso país enquanto o seu arrendamento permanecer nas circunstancias precárias e incertas previstas na legislação actualmente vigente nesta matéria.
Faço este apontamento na certeza intima de que este problema leni, na economia nacional, uma posição de grande importância.
E evidente que nada tenho a opor à atribuição dos 280:000 contos para a ampliação e modernização da refinaria de Cabo Ruivo, tão grande é para todos nós o interesse de possuirmos uma refinaria que, em qualidade e quantidade possa satisfazer as necessidades e até como se prevê- pudermos exportar combustíveis líquidos refinados em Portugal.
Já tive porém, ocasião de assinalar aqui que a localização escolhida para esta actividade é péssima e, pior do que péssima, é perigosa para a segurança da navegação no nosso primeiro porto. As razões e os fundamentos deste meu receio foram então por mim indicados com todo o pormenor e neles não desejo agora insistir. Apenas lembro que o erro não foi sanado nem se quis adoptar francamente a única solução que as circunstâncias aconselham e a técnica impõe: a localização na margem esquerda do Sado das instalações petrolíferas.
Deus permita que um dia não tenha a Noção de sofrer dolorosamente pelo descaso que se fez da minha modesta prevenção.
Economicamente já ela está sofrendo duramente com este caso. Digo porque: tive oportunidade de frisar, quando me referi aqui a este assunto que um dos inconvenientes das instalações de Cabo Ruivo advinha de obrigar a trasfega a meio do rio de grande parte das ramas.
Estudado este assunto em todas os seus pormenores, parece ter-se chegado à conclusão de que a única forma eu sublinho a «única forma»- será a construção dum pontão que avance pelo rio até fundos acessíveis à cabeça do qual acostarão os petroleiros. Esta obra, diz-se, custará 50:000 contos, obrigará a navegação fluvial a um penoso desvio da sua rota e não se vê que possa evitar os perigos assinalados se, em momento de vazante do rio, se der por qualquer motivo, eventual ou provocado, a explosão do líquido inflamável.
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Poder-se-á dizer que os 50:000 coutos vão ser dados pela Sacor, mas creio que isto não significa deixarem eles de ser pagos pela economia nacional.
Também se poderá, talvez, dizer que, uma vez feitas naquele local as primitivas instalações, não era possível, sem um extraordinário dispêndio, fazer agora qualquer modificação, tal a interligação daquelas instalações com as previstas neste momento.
É me muito difícil avaliar para que lado deva pender a balança da justiça, mas parece-me que entre o valor dinheiro e o valor vidas não são perfeitamente legítimos a dúvida e a hesitação . . .
Fala o parecer cia Câmara Corporativa em que há negociações em curso para a destilação de 200 000 t anuais por conta de uma sociedade francesa. Se esta se instalar, como calculo, em Portugal, espero que a sua localização seja estudada com seguro critério e que nele se não despreze mais uma vez o porto de Setúbal, que tem para porto petroleiro -como já aqui referi - condições naturais esplêndidas.
Sr. Presidente: vou agora fazer dois pequenos apontamentos acerca de duas realizações não previstas no Plano e que foi pena terem sido omitidas: refiro-me ao canal Sado-Tejo e a instalação entre nós de zonas francas.
A ideia do estabelecimento de uni canal ligando os estuários do Sado e do Tejo data de 1811 e tinha então finalidade caracterizadamente militar. O que actualmente se preconiza, temi como finalidade primordial fomenta? economicamente toda a região do vale do Sado, drenando para o estuário do Tejo os produtos industriais e agrícolas de toda aquela região e da bacia e estuário do Sado. Este canal trará também a vantagem de tornar salubres, eliminando pelo esgoto, os pântanos e lagoas existentes ao longo do seu percurso.
O valor económico desta obra, para a riquíssima região do sul do Tejo, só pode ser igualado pelo da construção da ponte Lisboa-Cacilhas, tal como nesta Assembleia sugeriu com notável oportunidade o ilustre Deputado Dr. Pinho Brandão, a quem aproveito a ocasião para desta tribuna saudar, transmitindo-lhe a alegria e satisfação com que as suas palavras foram ouvidas pêlos povos do distrito de Setúbal. Não será demais frisar que esta rasgada ideia tem inspiração directa no pensamento do grande estadista que foi Duarte Pacheco.
O canal Sado-Tejo teria desde já um interesse económico perfeitamente assegurado, quer com o tráfego que nele lançaria a fábrica de cimento Secil, quer com a drenagem dos produtos agrícolas, entre os quais sobressaem os das zonas irrigadas pelas barragens do vale do Sado, quer ainda com o transporte das cortiças.
A Secil produz hoje cerca de 300 000 t de cimento, ou seja quantidade idêntica à da fabricação total do País em 1937.
Desta produção umas 100 000 t são transportadas por via marítima e as 200 000 t restantes por via terrestre e em viação ordinária.
O principal centro de consumo dos cimentos Secil é servido pelo estuário do Tejo. constituído não só pelas margens norte e sul do estuário como pela exportação que deste se faz para o nosso ultramar e para o Brasil.
Pode, pois, computar-se em cerca de 150 000 t o cimento que utilizaria o canal Sado-Tejo, dado o menor preço do transporte fluvial, quer em relação ao marítimo, quer, principalmente, em relação ao feito por estrada.
A zona irrigada pelas barragens do vale do Sado alcança os 6 000 ha. Computando em 4 t/ha a produção de arroz nesta zona, e tendo em conta a produção de outras regiões, como a da Comporta, não se anda longe da verdade avaliando a capacidade de produção de arroz no vale do Sado em 30 000 l.
A região de Grândola é uma das maiores produtoras de cortiça, a qual poderia ser drenada para os centros de preparação do Montijo, Barreiro. Seixal e Mutela por viu fluvial, desde Alcácer do Sal em vez de utilizar o transporte por estrada.
Tendo ainda em conta a valorização das propriedades atravessadas e o grande centro de consumo dos seus produtos que representam as populações que circundam as margens do estuário do Tejo - cerca de l 000.000 de habitantes - pode avaliar-se em 50 000 t o tráfego previsível do canal de produções agrícolas e florestais.
Verifica-se, assim, som levar em conta as possibilidades da zona franca do porto de Setúbal, ter o canal Sado-Tejo assegurado desde já um tráfego da ordem das 200 000 t anuais.
A este número é muito natural - diremos mesmo certo- vir a juntar-se, num futuro mais ou menos próximo, o tráfego de petróleos em batelões, uma vez que o porto de Setúbal possui as condições ideais, como disse, para ser o nosso primeiro porto petroleiro. Nesse caso teríamos que contar com mais umas 300 000 t de mercadorias em trânsito no canal.
E se tivermos em vista que uma vez esgotada a mina de S. Domingos, a C. U. F. irá buscar minérios às minas de Aljustrel ou de Lousal. para o que utilizaria também este canal, teremos atingido o número de 600 000 t para o tráfego anual do canal Sado-Tejo, valor este que se pode considerar verdadeiramente excepcional.
A estimativa do custo desta obra dá-nos o valor de 140:000 contos, o que representa - só para se ter um termo de comparação - metade do custo de qualquer dos dois navios construídos pelas empresas de navegação nacionais para a carreira do Brasil.
Não penso que seja possível incluir neste Plano obra de tão grande valor económico, e isso sinceramente me entristece. No entanto, ouso sugerir ao Governo que monde completar com rapidez o estudo desta obra, que talvez possa ir realizando por fases andino dentro dos próximos seis anos, pois a natureza deste trabalho o permite perfeitamente, e ele podia até constituir, por largo tempo, o balanceiro tão necessário, capaz de ocorrer às crises periódicas de falta de trabalho que todos os anos, e infelizmente, se verificam na grande zona alentejana do distrito de Setúbal.
Agora as zonas, francas.
Este problema é, entre nós, velho de muitos anos.
Desde o começo do século XIX que se multiplicam os estudos e os projectos. Em 1913 chegou-se mesmo a publicar uma medida legislativa que criava no porto de Lisboa uma zona franca.
Os tempos, porém, não iam propícios a realizações. Tudo se perdia na esterilidade de tempos tão difíceis!... E assim sucedeu com a Lei de 12 de Junho de 1913 e o Decreto n.° 789, de 22 de Agosto de 1914.
A ideia, porém, continuou a ser tenazmente defendida por todos aqueles que reconhecem no regime de franquia importante arma económica com que lutam hoje quase todos os povos do Mundo.
Em 1937 a ideia da criação da zona franca logra obter realização efectiva com. a aprovação por esta Assembleia Nacional da Lei n.° 1947, de 12 de Fevereiro daquele ano. E certo que esta lei se referia apenas à importação, armazenamento e tratamento dos petróleos brutos e seus derivados, mas a excelência do princípio da zona franca é finalmente e efectivamente reconhecida e a sua aplicação considerada necessária c útil para o estabelecimento em Portugal de uma importantíssima indústria.
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Era, no entanto, necessário ir mais longe, e a velha ideia de uma zona franca continua a apaixonar alguns dos melhores espíritos da nossa terra.
Na realidade, o País tem grande e vivo interesse em possuir zonas francas, tão reais e evidentes são as vantagens que cias oferecem, quer sob o aspecto económico, quer sob o aspecto social. Lembro apenas estas: a possibilidade de se criarem novas fontes de actividade em proveito da navegação, do comércio e da mão-de-obra nacionais e de aumentar, pelo poder de irradiação que fornecem os grandes portos, a penetração das mercadorias nos pequenos portos e nos países menos adiantados ou cuja capacidade de absorção, em relação a determinados produto, é mais lenta e limitada, e o poderoso estímulo que a franquia aduaneira dá ao capital particular, que assim mais afoitamente se lança em novos empreendimentos industriais de largo valor económico e social.
É evidente, por conseguinte, o grande interesse que há no estabelecimento de zonas francas.
E foi já certamente dominado por este pensamento que o Governo mandou em 4 de Dezembro de 1939 uma missão visitar alguns portos de Espanha e realizar o estudo preliminar do estabelecimento de uma zona franca em Lisboa, pensamento que se renovou em Novembro de 1949 o Abril de 1950, quando encarregou outra comissão de estudar o estabelecimento de uma ou mais zonas francas nos portos de Lisboa e Setúbal.
Os trabalhos dessa comissão estão concluídos e, creio, há muito entregues ao Governo. No entanto, o Plano que estamos estudando não tem para esta obra uma única palavra de referência - e esta era, a meu ver, uma verdadeira obra de fomento. Lamentando o facto, ponho, no entanto, toda a esperança de que o assunto não esteja esquecido, e, dado que o orçamento para a zona franca do porto de Setúbal previa p investimento de uma soma não incomportável para o Orçamento Geral do Estado, visto não ir além de 50:000 contos, espero que mesmo dentro dos próximos seis anos será possível dotar o País com esta obra de tão grande valor e de tão largo alcance económico.
Peço a todos muita desculpa pelo tempo que injustamente lhes roubei e espero que me relevem o não ter sabido dizer em menos palavras assuntos que, afinal, mereciam ainda muitas mais.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sousa Campos: - Sr. Presidente: quando há meses apareceu nos jornais o Plano de Fomento, cujas bases estamos neste momento discutindo, qualquer português ligeiramente interessado pêlos problemas nacionais e medianamente informado acerca desses problemas deve ter desde logo obtido, através das considerações largas que precedem essas bases, a confirmação desta ideia, que só por fantasia ou puerilidade não é possível deixar de ter: a da nossa incontestável pobreza.
Por outro lado, esse mesmo português, se não for tocado por qualquer prejuízo que o prive de reconhecer a verdade e a honestidade onde elas estão, se o não mover a má fé ou qualquer factor inibitório que o prive do necessário espírito crítico para bem julgar, terá de reconhecer as elevadas intenções do Governo e, mais, terá de reconhecer que o Plano, tal como está elaborado, dá a medida exacta da nossa capacidade e das nossas necessidades, som optimismos que iludam, nem pessimismos que deformem.
O Plano deixa-nos a convicção de que se continua a trabalhar conscientemente e que os problemas nacionais são tratados de forma a dar-nos a verdadeira imagem das realidades e as balizas razoáveis, das nossas possibilidades.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Somos um povo pobre, tão pobre que nos chega a fanar em certos sectores o essencial, e esta realidade é tão premente, dela promanaram tão dolorosas realidades, que tem de ser considerada como a primeira das premissas sempre que quisermos resolver qualquer problema. Não temos uma indústria, hão temos um comércio próspero nem actividades lucrativas de forma a colocar o nível de vida português a par dos restantes povos europeus, numa palavra, a riqueza é tão escassa que das estatísticas mais recentes resulta este número gritante da nossa quase indigência: do rendimento nacional cabe a cada português 3.900$ anuais !
Propõe-se o Plano de Fomento criar fontes de riqueza e fazer derivar duma série de providências um tal resultado que eleve de maneira sensível aquele número, na verdade tão baixa que nos coloca, entre os demais: países europeus, no último e bem pouco honroso lugar; propõe-se o Plano de Fomento criar as bases da nossa prosperidade futura e. como consequência, fazer elevar o nível de vida português u uma posição se não igual, pelo menos aproximada dos povos, de cultura e civilização idênticas ao nosso.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Creio bem, senhores, que este Plano de Fomento, pêlos largos objectivos que o animam, pela» elevadas intenções que o norteiam, é um dos documento* mais notáveis dos últimos tempos, mas tem ainda para nós uma característica que importa desde já salientar e que lhe é dada pelo prosseguimento de uma política que nos assegura que o Plano não ficará a dormir eternamente nas gavetas da Administração, mas será nona realidade viva dentro dos seis anos previstos, de forma a permitir aos nossos olhos contemplar tantas e tão belas coisas que serão sem dúvida os alicerces da nossa prosperidade e da nossa modesta grandeza.
Só merece louvores o Governo pelo empreendimento e a todos os portugueses compete cooperar com ele, na medida das suas possibilidades, num a obra que não é apenas de enriquecimento, mas também de dignificação nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Posto isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, vou considerar alguns pontos que me parecem mais salientes no conjunto geral do Plano e de modo especial nus designações genéricas que dizem respeito ao desenvolvimento da agricultura, e assim, sem entrar propriamente no problema da economia planificada, tão novo mas também tão debatido entre os modernos economistas, limitar-me-ei a considerar que o presente Plano de Fomento ao abordar os problemas agrários não o faz de maneira a causar receios aos defensores da chamada troca livre.
Pelo contrário, e sob este aspecto, o Plano é modesto e tão moderado que as decisões fundamentais que prevê nem dizem respeito à aplicação de capitais particulares nem à produção, mas tão somente a investimentos por parte do Estado em obras de hidráulica agrícola, no povoamento florestal e na colonização interna.
Nesta modéstia e nesta moderação, juntas à sua generalização, está a um tempo a sua virtude e também o seu defeito. Em problema tão importante da nossa vida económica como é o da agricultura o Plano parece, na
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verdade, demasiadamente parcimonioso, e creio que não encara a lavoura portuguesa na sua verdadeira medida como factor principal da nossa riqueza e como a nossa mais viva realidade económica.
Sr. Presidente: já nesta legislatura foram debatidos alguns problemas agrários locais, focando-se aspectos da lavoura do Minho, das Beiras e do Alentejo, mas eu tenho para mini que não há, fora dê certos tipismos muito restritos, um problema agrário específico do Minho, das Beiras, de Trás-os-Montes ou do Alentejo, mas uni problema agrário nacional, uma vez que as dificuldades da lavoura se verificam com o mesmo aspecto e com a mesma acuidade desde o enclave trasmontano de Tourém até ao cabo algarvio de Santa Maria. Por toda a parte as mesmas vozes, as mesmas solicitações, as mesmas inquietações e, para bem dizer, por toda a parte a mesma incompreensão, os mesmos vícios, a mesma rotina, a mesma falta de sentido agrário.
Em Portugal, de forma geral, ignora-se - e creio que sobre o assunto já se levantou nesta Casa uma voz autorizada - o que é a agricultura e, sobretudo, o que a agricultura representa na vida nacional.
Não me refiro, por agora, ao aspecto tecnológico das coisas agrárias, aos métodos de produção, aos pormenores de estrutura agronómica nas várias regiões do País, tão díspares na paisagem, nos costumes, nos factores geofísicos, mas ao conjunto da lavoura nacional, à sua valorização económica, às suas necessidades gerais, aos seus anseios e às suas graves deficiências.
Segundo o censo de 1940 a população masculina activa agrícola representava 02 por cento da população masculina activa do País, percentagem na verdade notável se a compararmos com a de outros países, designadamente a Inglaterra, que conta apenas com 10 por cento da sua população para as suas actividades agrícolas. A percentagem portuguesa referida, porém, não nos dá a verdadeira fisionomia agrária do nosso país, dado que ela representa tão somente a população masculina activa e não aquela que da lavoura vive mais ou menos directamente, nem a população feminina que activamente se dedica às lides dos campos, e assim não andaremos muito longe da verdade se afirmarmos que 70 por cento da população portuguesa vive da lavoura.
Isto tem, sem dúvida, um significado muito importante - é o de que a actividade fundamental dos portugueses é a lavoura e de que a estrutura económica de Portugal é essencialmente agrária.
É evidente, Sr. Presidente, que não é este o lugar próprio para historiar as várias fases ou épocas da nossa economia ; basta que se diga que a nossa tradição económica é estritamente agrária, não lhe modificando o verdadeiro sentido, nem o surto da nossa expansão ultramarina, nem os ciclos ocasionais do nosso comércio com produtos exóticos, primeiro, e o rendimento quase fabuloso, mas efémero, das minas de ouro do Brasil, depois. Verificasse, de facto, que a única constante da nossa história económica é a lavoura - em boa verdade a lavoura deu-nos um sentido económico e, de certo modo, modelou-nos a alma.
Enquanto por todo o século XVIII se foram formando as indústrias europeias, quase todas elas originárias do pequeno artesanato local, em Portugal perdiam-se as suas poucas tradições industriais em benefício do estrangeiro, que nos comprava o vinho e nos vendia produtos manufacturados. Sob o signo de Metween plantámos as nossas vinhas, fechámos as nossas fábricas de lanifícios, deixámos arruinar a nassa única fundição de ferro, nas proximidades do Zêzere, esquecemos os nossos segredos da fabricação das sedas e dos damascos e, em contrapartida, espalhámos pela Europa, largamente, o ouro que nos vinha do Brasil, circulando pelo Mundo, como dinheiro corrente,, boas moedas com a efígie do nosso senhor rei D. João V! Como seria interessante estudar a contribuição do ouro português na formação das indústrias inglesas ...
George Valois, logo no pórtico da sua formosa Economie Nouvelle, observa que só apelando para as forcas do espírito se pode restaurar uni povo pois os rumos da acção são sempre dados pelo espírito, que projecta os seus pensamentos e as suas imagens diante dos desejos, das paixões e da energia do homem». «Não é o modo de produção -continua o conhecido economista- «que determina as formas da vida moral, política e intelectual: é a vida intelectual, moral e política que determina as forma da vida económica».
Qualquer que seja o sentido da posterior evolução mental e política do famoso economista da Action Française considero inteiramente válida a observação que acabo de reproduzir: «toda a acção tem de ser conduzida por uni pensamento, por uma ideia, por um princípio». Não é possível criar uma economia sem formular uma doutrina económica. Mas teremos nós, Portugueses, uma doutrina agrária?
Teremos nós, Portugueses, um conjunto de ideias fundamentais capazes de imprimir um impulso e determinar um rumo à nossa agricultura?
Creio que, infelizmente, não temos.
Povo rural por vocação, talvez até, como alguém disse, por vício, fazemos da terra um sentimento, e, quer ela nos leve para a abundância, quer nos atire para a miséria, amamo-la sempre com o mesmo amor fiel, incapacitados, como temos estado até aqui, de realizar em relação a ela um pouco mais do que simples e desconexos arroubos líricos. E esse lirismo, esse sentimento quase mórbido, que nos liga à terra e aos seus destinos, esse ruralismo vicioso que não nos deixa ver para além da linha do horizonte, faz-nos aceitar resignadamente três ou quatro afirmações pessimistas que não nos deixam avançar um passo.
Fala-se, por exemplo, das fracas condições agrológicas do solo, fala-se da irregularidade climatérica e da irregularidade da distribuição das chuvas, fala-se até de um vago fatalismo na mediocridade de uma incapacidade inata de transformar os nossos campos, de repositórios, de pitoresco e de folclore, em manancial de riqueza e abundância.
Certo é que, comparando o nosso solo e o nosso clima ao clima e ao solo de alguns países europeus, estamos em situação de manifesta inferioridade, mas países há igualmente pobres, sob o ponto de vista agrológico, o deficientes, sob o ponto de vista climático - e recordo neste momento a Alemanha e a Inglaterra -, que conseguiram com perseverança, com arrojo, com esforço e com imaginação alcançar um nível agrário dos mais elevados em todo o Mundo.
Importa, pois, que essas razões pessimistas se volvam em estímulo para acometermos as realidades com o esforço e com o denodo adequado à sua medida - a hidráulica agrícola, o emprego do fertilizante próprio, a semente melhorada, o barateamento da electricidade, o dry-farming -, e, sobretudo, senhores, uma educação agrária que dê ;à grande massa dos nossos rurais a consciência do valor da sua actividade, educação agrária que dê aos nossos rurais a necessária e adequada mentalidade para transpor os horizontes estreitos da sua vida rasteira e os faça compreender em toda a sua extensão os problemas que lhes são próprios.
Só quem vive em contacto com as nossas massas rurais pode verificar o atraso mental, a ignorância e a incompreensão dos seus próprios problemas. Porque, meus senhores, é preciso que não vejamos a vida das nossas aldeias através do optimismo dos seus arraiais, do lirismo dos seus poetais e do bucolismo da sua paisa-
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gem; é preciso que vejamos essa vida tal qual é, não apenas no seu pitoresco, porventura na sua rudeza franca e sadia, mas também no seu baixo nível económico e mental ,na espessa ignorância dos suas massas, no atraso da sua vida gregária, que provocam a rotina, a incúria a incompreensão a desconfiança, a inadaptação e a impermeabilidade a tudo quanto implique renovar métodos e processos.
Pelo que me é dado saber, pelo observação directa nas províncias, do Norte e em parte das Beiras e pelo que chega ao meu conhecimento sobre o viver das massas agrárias nas províncias ao sul do Tejo, chego à conclusão- triste conclusão, de resto- de que a mentalidade média do agricultor português é baixíssima e o mesmo problema de educação agrária se põe em Trás-os-Montes e no Minho e no Alentejo e no Algarve.
O que salva o agricultor português nas províncias do Norte e nas Beiras, o que preserva a sua alma e a afasta dos grandes pecados do nosso tempo é a fé, a sua viva fé, que o humílimo pároco da sua aldeia, com uma nocivo muito exacta do seu apostolado, com perseverança, tantas vezes com heroísmo, mantém e defende. Ë o seu amigo, o seu conselheiro, resolve-lhe as dificuldades, acompanha-o nos seus desgostos, está presente nas, suas alegrias. O pároco da aldeia na sua roupeta negra, quantas vezes no fio é a grande e também a única figura que se agiganta entre as massas dos nossos rurais. Desprovido do único elemento espiritual que dá sentido humano à sua existência quase primitiva, o nosso rural das províncias da metade Norte do País teria há muito já aceitado as soluções- extremistas paru desforra da sua miséria.
É urgente, meus senhores, que se dê às populações dos nossos campos a escola que saiba criar lavradores, que possa dar sentido agrário à vida dos agricultores portugueses, que permeabilize a sua mentalidade, de forma a poderem secundar o esforço dos dirigentes na campanha que se me afigura indispensável de valorização agrária nacional.
Não é possível desenvolver através dos nossas campos, como já se tem tentado fazer com aplauso dos mais lúcidos, qualquer acção séria no sentido de levar aos nossos lavradores o conhecimento de certos métodos, de certos cuidados, de ensinamentos enfim de ordem prática, sem lhes criar desde a meninice ou, pelo menos, desde a juventude a receptividade necessária. E tal objectivo só pode atingir-se por meio da escola primária rural, isto é, pela escola que ensina não só a ler, escrever e contar, mas também os rudimentos essenciais da lavoura, que ensina não só a amar a Deus e a Pátria, mas também a terra que lhe dá o pão, a árvore que lhe dá o fruto.
Em geral o lavrador português, à parte certas regiões muito restritas, de resto, não sabe cultivar a terra- lembro, por exemplo, Alcobaça, onde os monges do seu grande mosteiro deixaram fama não só de grandes letrados, mas também de excelentes e experimentados lavradores-, não sabe podar, não sabe enxertar, não sabe regar, não sabe adubar, não sabe lavrar, não sabe semear.
Faz tudo isto pêlos métodos mais antiquados e rotineiros, sem conhecer os mais elementares rudimentos técnicos de textos estes serviços que são essenciais.
A sua incapacidade e ignorância revela-se ainda na escolha quase sempre má das plantas, das sementes e até da cultura mais adequada às suas terras; e no que diz respeito a adubações, a sua ignorância é total. Daqui resulta que as colheitas são deficientes, e só os anos extraordinariamente propícios à germinação ,e ao desenvolvimento das plantas lhe trazem colheitas compensadoras.
É indispensável, quanto a mim, a criação da escola primária rural, porque ao lavrador não basta possuir a prenda inestimável de poder soletrar os dizeres de uma tabuleta ou desenhar o seu nome, precisa de conhecer os rudimentos da sua profissão, s valor económico da sua actividade, o alto sentido, do seu labor.
A escola primária rural há-de, portanto, diferir da escola primário urbana, há-de diferir nos programas e nos métodos, couto há-de diferir também quanto aos agentes de ensino.
Não é esta oportunidade, creio eu, para desenvolver pormenorizadamente todo um programa de ensino primário rural; basta que fique a ideia fundamental de que educar e dar sentido agrário às grandes massas dos nossos agricultores constitui, quanto a mini, um dos primeiros problemas a resolver dentro do quadro das nossas actividades económico-agrícolas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É um trabalho árduo, porventura desanimador, nos primeiros contactos com a realidade, trabalho lento, para anos, talvez para gerações, mas trabalho útil e indispensável, se queremos encarar com realismo os problemas nacionais.
Não se faça como se tem feito até aqui, verdadeiros contra-sensos em matéria de tão grande importância, como seja a criação de escolas comerciais e industriais em regiões onde praticamente não existe indústria, mas que são eminentemente agrícolas.
No meu distrito, o de Vila Real, há uma destas escolas na capital e outra em Chaves, com frequências, em qualquer delas, da ordem dos 400 alunos, que aprendem contabilidade, matemática, francês, direito comercial, caligrafia, serralharia mecânica, carpintaria, etc.; só não aprendem esta coisa comezinha e útil -numa região onde, além de meia dúzia de oficinas de reparação de automóveis, dos ferreiros e carpinteiros que bastam, de duas fábricas de cerâmica e mais duas ou três de curtumes e de rechauchutagem, há apenas campos para cultivar- podar uma árvore.
Mas ao Estado não basta, Sr. Presidente, fomentar a educação das massas rurais, importa também levar até elas os ensinamentos úteis, a orientação fecunda da sua actividade, o conhecimento das soluções técnicas mais adequadas e mais eficientes por meio de uma assistência barata e fácil. Não basta que os nossos rurais adquiram a necessária mentalidade agrária; é preciso o conselho prático, a indicação útil, a renovação de processos, o abandono da rotina, e tudo isto só lhe pode ser levado pelo técnico competente que o acompanhe, que lhe resolva problemas, que cuide das suas árvores, das suas vinhas, das suas sementeiras, como o médico veterinário, que cuide dos seus animais.
A assistência técnica à lavoura julgo constituir um dos mais importantes problemas da nossa economia agrária e, no entanto, parece-me não ter sido ainda considerada devidamente.
Os estabelecimentos de investigação, que existem, onde trabalham homens de comprovada competência e alto valor científico, são, sem dúvida, indispensáveis para o estudo de problemas agrológicos e têm dado boa conta de si, mas o problema, Sr. Presidente, é outro quanto a mim, porque o que mais importa, no ponto de vista em que estou encarando a lavoura dentro do Plano de Fomento, são os problemas técnicos imediatos, aqueles problemas que resultam do aparecimento de doenças, de uma poda mal feita, de um regadio defeituoso, de mil pequenas grandes catástrofes que surpreendem o lavrador mesmo atento, mesmo cuidadoso, sem que saiba remediar o mal, atalhá-lo ou de qualquer forma salvá-lo; são aqueles problemas que resultam de uma inadequada escolha de cultura, porque a terra é imprópria ou imprópria é a semente de
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uma errada adubação devida a aplicação de fertilizantes cujos elementos estão mal combinados ou não são os indicados em relação à constituição do solo.
A actividade agrária é, sob o ponto de vista técnico, extremamente complexa e os problemas que suscita são por vezes tão graves que comprometem profundamente a mais robusta economia.
O ano que decorre veio pôr à prova toda esta ordem de considerações e mostrar como é importante, direi mesmo decisiva, a assistência técnica à lavoura - as doenças das árvores de fruto, das vinhas e de outras plantas, que destruíram completamente colheitas inteiras, fazendo diminuir a nossa produção frugífera e vinícola para cerca de metade da média dos últimos cinco anos, podiam talvez ser em grande parte atenuadas se aos primeiros sintomas o lavrador tivesse a quem recorrer para lhe dar os conselhos e indicações indispensáveis de combate aos fungos e a toda a parasitagem daninha.
Só tarde o lavrador se apercebeu do irremediável e viu perder-se toda uma colheita de fruta e vinho que representa algumas centenas de milhares de coutos. Ele aplicou as caldas cúpricas com as percentagens e nas ocasiões em que costumava fazê-lo, mas o ataque, excepcional pela virulência e pela surpresa, impunha percentagens e um ritmo de aplicações muito diferentes; sem o conselho ou a indicação de um técnico, o lavrador, de surpresa em surpresa, de desespero em desespero, viu, pouco a pouco, destruída a sua preciosa colheita sem atinar com a forma de debelar o mal, de nada lhe servindo a experiência e os cuidados.
A assistência técnica à lavoura não é, devo desde já declará-lo, a panaceia universal para os seus males, mas atenua-os e por vezes evita-os e serve principalmente para indicar ao lavrador a forma mais económica e tecnicamente mais correcta para aumentar a produção.
E eis-nos chegados a um dos aspectos mais importantes, senão o mais importante, da nossa economia e em relação ao qual a lavoura ocupa um lugar que a coloca a unia enorme distância das restantes actividades económicas nacionais.
Logo na abertura das considerações que antecedem as bases do Plano de Fomento se acentua a intensificação, levada a cabo desde que entraram em execução os planos elaborados por força da Lei de Reconstituição Económica, do aproveitamento dos vários recursos nacionais, conseguindo-se apreciável aumento de produção agrícola. Ninguém pode contestar esse aumento real; a verdade, porém, é que ele é devido ao correspondente aumento da área cultivada, e não ao aumento de produtividade unitária, e o aumento de área cultivada corresponde quase sempre ao aproveitamento de terras pouco apropriadas às novas culturas, terras pobres, de fraca produtividade e em muitos casos excelentes para plantação de várias espécies florestais.
O inadequado cultivo destas terras leva, sem dúvida, a um aumento de produção, mas tal aumento conseguido dessa forma não é o que mais se ajusta às nossas necessidades agrárias, não só porque implica a ocupação de terrenos pouco próprios para a cultura e de fraca produtividade, mas também porque rouba essas- terras à floresta, cujo futuro se antolha, em face do Plano de Fomento, cheio de interessantes possibilidades económicas.
Numa época em que os alimentos tom uma decisiva influência na economia, o problema do aumento unitário da produção agrícola tem de ser encarado a sério e com rapidez. Temos de nos lembrar que o aumento da nossa população é da ordem dos 70 000 novos portugueses em cada ano e que praticamente está esgotada a área das nossas terras de cultivo e temos de nos lembrar principalmente que o nível alimentar médio da gente portuguesa é extremamente baixo e é sabido que a má ou deficiente nutrição determina a baixa estatura, o raquitismo, a tuberculose e muitos outros males, isto é, a má nutrição provoca a decadência do homem.
Estes dois factores -aumento da população e necessidade imperiosa de elevação do nível alimentar português - impõe-nos um imediato aumento unitário de produção agrícola, quer no que diz respeito a sentimentos energéticos, quer protectores, e esse aumento de produção só pode ser levado a efeito por meio de uma assistência técnica à lavoura organizada de modo a tornar-se prática, eficiente, e barata.
Para isso creio que importa dar à já existente organização corporativa, da lavoura os meios necessários para poder manter de. forma suficiente e eficaz a assistência técnica do lavrador, com técnicos, laboratórios e tudo quanto seja indispensável a esse fim, instalados nos respectivos grémios.
É curioso sublinhar a relutância- que, os nossos lavradoras a princípio tinham pêlos médicos veterinários, em quem viam apenas homens que se limitavam a quebrar a sua rotina e os seus preconceitos, de que não queriam desprender-se.
A pouco e pouco o médico veterinário foi-se impondo e hoje poucos são os lavradores que o dispensam logo que os seus gados mostram os primeiros sintomas de doença e poucas são as câmaras do País que não criaram o seu partido médico veterinário.
Dada a mentalidade rotineira da generalidade dos nossos lavradores, ele não se desloca da sua freguesia ou do seu concelho para ouvir um técnico sobre a melhor fornia de tratar a vide ou de aplicar o adubo, e muito menos ele se desloca para fazer a análise da sua terra. As brigadas agrícolas, de resto, não estão devidamente equipadas e a maior parte das vezes não possuem um laboratório rudimentar, meia dúzia de provetas e uma lamparina para fazerem as observações mais comezinhas. Além disso estão longe e as deslocações algumas vezes são penosas o são sempre caras.
Essa assistência técnica, além do mais, tem de só adaptar à mentalidade média do lavrador português e assim tem de dar as suas provas, provas cabais e indiscutíveis que quebrem as desconfianças dos primeiros contactos - por isso ela tem de ser competente.
Vocação ou vício, talvez uma e outra coisa, o certo é que a lavoura é um destino; certamente que não é o nosso único destino, mas de tal sorte a lavoura acompanhou o desenrolar da vida económica nacional, de tal sorte se insinua ainda hoje na nossa perplexidade perante tantos e tão graves problemas, de tal sorte se liga à nossa presente conjuntura económica que temos por força de lhe dar o primeiro lugar na hierarquia das nossas actividades.
E, todavia, Sr. Presidente, por um desconcertante contra-senso, por uma destas incompreensíveis situações cuja origem se torna indeterminável, esse primeiro lugar que todos reconhecemos à lavoura redunda, para seu mal e para mal do País inteiro, numa grotesca posição, se a compararmos com outras actividades menos fecundas e menos prestimosas mas incomparavelmente mais lucrativas.
A lavoura nacional sofre neste (momento as consequências funestas - embora não irremediáveis duma inversão de valores económicos que caracterizou um período de dois ou três unos que se seguiu ao fim da última guerra. Durante esta a carência e tudo fez elevar o preço dos produtos agrícolas - e correlativamente o valor da propriedade rústica - a números incomportáveis, o que levou o Governo a uma justa fixação desses preços e da repressão da especulação.
Importaram-se grandes quantidades de produtos agrícolas e assim, em pouco tempo, os preços regressaram
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a uma expressão mais modesta e compatível com os orçamentos caseiros.
Medida de emergência porém, como todas as medidas de emergência, resolveu de momento um problema, mas criou outro cujas consequências estamos hoje sofrendo, dado que esse regresso não correspondeu ao regresso proporcional dos preços dos produtos manufacturados.
A emergência era grave demais para se poder medir a exacta extensão dos efeitos dessa medida, creio mesmo que tal medida se adequava ia verdadeira situação alimentar do País, por isso não critico, verifico um fenómeno. Ora esta falta de correspondência de preços entre os produtos agrícolas e os preços dos produtos manufacturados criou aquilo a que eu chamava inversão de valores económicos.
Na verdade, se analisarmos os preços dos produtos que dá a lavoura e aqueles que exprimem o valor de qualquer outra actividade, a disparidade é flagrante e desconcertante e este facto determina um mundo de consequências.
A primeira, a mais saliente, a mais vincada, a mais trágica direi até, é a desvalorização da lavoura, não digo já do produto agrícola, mas da lavoura como actividade económica, desvalorização de lamentáveis reflexos no crédito, até na psicologia do lavrador, desvalorização de lamentáveis reflexos na estruturação económica do País.
Esta desvalorização da lavoura, em face da valorização crescente e desproporcionada de outras actividades na realidade meai os ricas e menos essenciais, determina o alargamento de uma ficção económica, transforma pouco a pouco a nossa economia num puro bluff.
Posso ilustrar a minha afirmação com um exemplo: na minha região um lavrador remediado que acabava de receber a legítima paterna, depois de um inventário conflituoso entre maiores, arredondou cerca de 500.000$ em terras, não devia nada e linha um nome honrado. Para pagar as custas do inventário faltavam-lhe 3.000$, não tinha de momento essa importância e não queria recorrer ao crédito particular, sempre caro e quase sempre exigente, e recorreu a um estabelecimento bancário para a obter.
Foi-lhe negada, com o pretexto de que tinham ordens superiores para não abrirem novas contas.
Demonstrou não só que possuía bens, que valiam cerca do 500.000$, livres de qualquer ónus, mas também que- não devia um centavo. Menino assim foi-lhe negada a operação, operação corrente de desconto de letra com sacador idóneo.
Pois, pela mesma altura, um rapazola, apenas conhecido pêlos seus dotes de simpatia, que nada tinha, a não ser boa vontade, que não oferecia nenhuma garantia, a não ser a promessa do seu trabalho e a interrogação do seu êxito, conseguiu, pelo mesmo processo e no mesmo estabelecimento bancário, 50.000$ para montar um quiosque, onde vende tabacos, revistas, jornais e utilidades.
Este caso é típico e, juntamente com tantos outros iguais ou parecidos que conheço, é suficientemente demonstrativo do que vale a lavoura, ou, antes, do que não vale, como actividade económica em face de outras actividades cujas garantias são constituídas por simples promessas, meras possibilidades, enfim, esperanças vagas num futuro incerto.
A nossa lavoura é pobre, é extremamente pobre, e é a sua pobreza, a baixa capitação- do seu rendimento, que faz diminuir consideravelmente, até ao número que o próprio Plano cita, a capitação anual do rendimento nacional.
Sem crédito, como qualquer outra actividade económica, crédito adequado à natureza da sua actividade, crédito que se adapte às suas circunstâncias específicas, a lavoura não pode, apesar de todos os seus esforços, atingir o nível de produção que é imperioso que atinja. Ao lavrador falta geralmente o fundo de maneio indispensável ao amanho das suas terras, às despesas com as sementeiras, com as adubações e fertilizações, e se a propriedade ultrapassa, um pouco o tipo de propriedade familiar e se vê obrigado a chamar trabalhadores que o ajudem no amanho, as suas despesas de cultura sobem ainda mais. Por isso ele tem quase sempre de recorrer ao crédito.
Essas despesas serão ainda maiores quando se vir obrigado a adoptar novos processos de cultura, novos fertilizantes, novos encargos com o regadio. Os brincos emprestam dinheiro a prazos curtos e taxas desproporcionadas aos lucros da lavoura, e assim o lavrador tem, fatalmente, de cair nas mãos do usurário, que lhe empresta o dinheiro mais caro, mas por prazos que o livram de preocupações até à próxima colheita.
A lei dos melhoramentos agrícolas é interessante e beneficia o lavrador sob certos aspectos, permitindo-lhe instalações próprias, captações de água, etc., mas os investimentos feitos por meio destes empréstimos constituem capital fixo que lhe não dá rendimento imediato e não supre as deficiências de numerário para as despesas correntes de cultura.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: porque não sou um economista nem um agrónomo, limitei-me a considerar rapidamente e sumariamente três dos aspectos que, pelo meu contacto permanente com a lavoura da minha região e com os seus problemas, se me afiguram essenciais e que, quanto a mim, deviam constituir os três passos fundamentais de um plano de fomento agrário do País.
Considerados no conjunto do Plano de Fomento que constitui a proposta do Governo que estamos discutindo, esses três aspectos juntos a um quarto aspecto que o Plano prevê -a hidráulica agrícola- não perdem o seu valor nem a sua oportunidade e, julgo, a urgência da sua realização. Não me preocupei com números, com dados técnicos, com o aparato científico e com o rigor exacto de certas leis fenoménicas, porque me lembrei que, falando perante uma assembleia política, não devia trazer para aqui senão a expressão das ansiedades, das necessidades e das deficiências da quase totalidade dos meus eleitores, sabendo, como sei, quais os reflexos políticos que essas necessidades e ansiedades provocam.
Assim eu sei o que vale o repovoamento florestal e a colonização interna, mas tenho de trazer a esta Casa o brado de milhares de lavradores portugueses que se debatem há muitos anos com uma crise calamitosa de ignorância, de incerteza e de penúria; tenho de trazer aqui as verdadeiras necessidades imediatas dos nossos lavradores, para que a Câmara e o Governo as conheçam e possam no Plano de Fomento conciliar-se as realizações que satisfaçam essas necessidades com as outras realizações que satisfaçam o pensamento dos técnicos.
É preciso, entretanto, que se não deixe passar esta ideia fixada no Plano: «A transformação das condições deficientes da agricultura nacional, no que respeita u técnica agrícola e ao apetrechamento que lhe é indispensável, há-de ser obra, sem dúvida, dos próprios lavradores».
Num país como o nosso, onde as massas agrárias são ignorantes e pobres, dificilmente essa transformação de que fala o Plano se pode operar só com o esforço do próprio lavrador. É indispensável que o Estado auxilie de forma efectiva e em larga medida essa transformação e não apenas como a seguir no Plano se diz: «... investigando, experimentando e demonstrando os processos culturais mais apropriados a cada região, preparando a gente do campo para aplicações de novas técnicas, assistindo aos agricultores nas suas dificuldades e au-
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xiliando a formação de associações cooperativas de diferentes finalidades ».
Isto é o que até aqui o listado tem feito em limitada medida, mas os resultados não são, no conjunto do País, tão animadores que aconselhem o prosseguimento deste caminhar demasiadamente cauteloso e lento.
E preciso ir mais longe e mais depressa do que até aqui se tem feito, sob pena de resultar em pura perda o caminho percorrido e talvez aquele que há a percorrer.
No quadro geral do Plano a lavoura, pelo que diz respeito as suas necessidades mais urgentes, ocupa um Ligar modesto, e o próprio parecer da Câmara Corporativa reflecte neste ponto essa modéstia e diz a certa altura que o que importa é só princípio de que o fomento rural não pode estar ausente fiem uni programa definido, um plano de desenvolvimento económico. A grandeza e o reflexo da obra são incompatíveis com a situação apagada e abaixo de modesta que lhe dá a inscrição nas verbas normais do orçamento».
Sr. Presidente: para dar à lavoura os meios de se instruir, de se esclarecer, de modificar os seus métodos e entrar franca e decisivamente nos. caminhos do progresso é essencial que ela seja encarada no Plano de Fomento sob os aspectos convenientes e que lhe sejam atribuídas verbas compatíveis uma a necessidade e a grandeza desses aspectos.
A lavoura tem vivido, apesar do seu inegável relevo oiti economia nacional, uma vida precária, entregue por assim dizer a si própria, numa penúria quase constante, muito vizinha da miséria - estes são factos evidentes que algumas, excepções locais ou circunstanciais não desmentem, mas, não quero com isto significar que se não tenha trabalhado já no sentido de modificar as condições de vida rural. Caminhos, fontes, estradas, pequenas obras de beneficiação local são outras tantas realidades que representam no conjunto um admirável esforço e que, sem dúvida, tendem s melhorar, humanizando-a e dignificando-a, a vida dos nossos rurais. Mas não se confunda a agricultura como actividade económica .com os aspectos sociais da vida rural e esses melhoramentos que, de certa forma, modificaram o aspecto e até a vida da maioria das aldeias portuguesas, pouco pesam ou só indirectamente pesam na economia agrária nacional.
Ao aflorar problemas e ao sublinhar três ou quatro aspectos da vida económico-agrária nacional só pretendo trazer o meu contributo- modesto para a solução duma crise antiga da lavoura que a simples boa vontade não conseguiu ainda debelar, e por isso os meus votos s>ão no sentido de que o Plano de Fomento lhe dê o relevo que merece no âmbito das suas previsões.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Salvador Teixeira: - Sr. Presidente: em época já bem distante levaram-me os meus deveres profissionais a um lugar em que a grandeza majestosa das arribas do Douro se aliava ao matizado feérico da Primavera, que ali parecia reunir as suas melhores galas.
Acontecia isto lá para as bandas de Miranda do Douro, onde a natureza é agreste, mas a gente é boa, trabalhadora e não se esquece de dar graças a Deus, até mesmo nas ocasiões de maior provação.
Terras sem fim, gente de palmo e meio, mas de grandeza incomensurável, que só o Estado Novo verdadeiramente descobriu, para acarinhar devidamente, na alta compreensão de que «ali também é Portugal».
O local de sonho agora recordado é Picote, onde a devoção das gentes erigiu em tempos de antanho uma capela românica. E só Deus sabe se as preces ingénuas, mas bem sinceras, levantadas nessa capelinha foram a grande força motriz do descobrimento da enorme fonte de riqueza que ali corre a seus pés e que é o troço do Douro internacional, que a nós, Portugueses, pertence aproveitar entre Para dela e Bemposta. de harmonia com tratado firmado há anos com a nação vizinha e amiga, agora numa feliz compreensão de quanto vale a nossa leal amizade de vizinho dedicado e de aspirações semelhantes, mas paralelas.
Isto me ocorreu ao ler o relatório da proposta de lei relativa ao Plano de Fomento e o respectivo parecer da Câmara Corporativa, remetidos pelo Governo a esta Assembleia.
Seria pleonástico enaltecer o valor, quer da proposta, quer do douto parecer da Câmara Corporativa, porque ambos estão na altíssima e lógica sequência da acção da Revolução Nacional, que prossegue, fazendo cada vez mais e melhor a bem da Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Praza a Deus que o timoneiro inconfundível que lhe deu possa, por muitos e frutuosos anos, continuar a conduzi-la.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-De assombro seria a leitura feita daqueles dois documentos só nós não estivéssemos já habituados, apesar da nossa modéstia, às grandes realizações levadas a cabo depois de 1926 e sobretudo após a publicação da Lei n.º l 914.
Mas, mesmo assim, não deixamos de sentir uma vivíssima satisfação ao verificar o cuidado e o carinho com que os mais altos interesses nacionais, somatórios de todos os interesses regionais, ali são locados e serão resolvidos dentro do sexénio de 1953 a 1958.
Até os grandes problemas do Nordeste transmontano, que tenho a muito subida honra de aqui representar, e que outrora tão desconhecido era dos Poderes Públicos e do mundo, vão ser resolvidos numa alta compreensão da necessidade e conveniência, para a economia nacional, de aproveitar o incomensurável valor das suas riquezas, destacando-se as do seu subsolo e dos seus rios.
Mas o tempo urge e eu não devo tomar à Câmara muito do seu precioso tempo para dizer da minha quase plena conformidade com o plano do Governo.
E, porque os meus ilustres colegas tom vindo tratando dos problemas de que ele se ocupa, eu, mais modestamente, procurarei aflorar vários, que tenho a certeza o Governo terá na melhor conta para os resolver através de dotações a inscrever no orçamento ordinário, isto antes de me ocupar do aproveitamento do Douro internacional e da siderurgia.
Reconhecido por todos, governantes e governados, que é indispensável dedicar ao sector agrícola a mais desvelada atenção, confio plenamente em que será inteiramente cumprido o que o Governo afirma no n.º 5 do relatório preambular:
Será pois de promover á intensificação da assistência técnica à lavoura, defesa sanitária e do melhoramento pecuário, dotando-se os serviços respectivos com os meios materiais e a rede de estabelecimentos indispensáveis a realização dos objectivos indicados.
A isto devo eu acrescentar que é indispensável que os meios materiais indicados não deixem de incluir, sobretudo para as regiões de pequena propriedade, as máquinas agrícolas (tractores, etc.), cujo uso de há já muito tempo devia estar generalizado.
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Como é certo que a em Guadremil, onde se acha em curso o plano de avaliação, já se encontram cubicados 4 milhões de toneladas, sendo l milhão de limonite o mais 3 milhões de siderite», muito razoável é, como afirma o relatório, que se ultime o seu reconhecimento.
Como é de primacial importância levar mais longe o estudo das castinas, indispensáveis para a resolução do problema siderúrgico, confio em que não deixará de executar-se a afirmação de que «deve pormenorizar-se o estudo dos principais depósitos ao norte do Douro e da possibilidade de utilização de calcários cristalinos dos arredores de Lisboa».
E eu acrescentarei que não sejam esquecidos o jazigo de Santo Adrião no concelho de Miranda do Douro, e as pedreiras de S. Pedro, nas proximidades de Bragança.
Também me parece conveniente que além do prosseguimento dos estudos da faixa de sulfuretos auríferos do Outeiro, Mogadouro, não deixem também de ser estudadas as minas auríferas de França, no concelho de Bragança, e as de Revelha, no concelho de Vinhais.
Não seria compreensível que afrouxasse o ritmo da construção de estradas nacionais e mesmo municipais e que não fosse resolvido o problema da conservação destas últimas, que, quanto a mini, deve ser encargo do Estado, com comparticipação das câmaras municipais, variável com a extensão da rede das suas áreas.
É que só o Estado pode ter a maquinaria e o pessoal técnico para tal efeito.
Se a tempo tivesse recebido uns elementos de estudo pedidos aos Ministérios da Economia e das Obras Públicas, talvez me abalançasse a fazer, para a solução deste magno problema, uma sugestão mais pormenorizada ao Governo, que certamente não ignora que uma grande parte do esforço feito para a construção das estradas municipais será perdido inteiramente, em prazo curto após a sua conclusão, por falta da necessária conservação.
Torna-se também indispensável não afrouxar, mas antes intensificar, sobretudo no norte do distrito de Bragança, a construção de edifícios escolares para o ensino primário.
Talvez valesse também a pena focar a necessidade de ser revisto o plano de construção de novos liceus ou sua ampliação, de harmonia com as necessidades presentes e futuras, dado que a sua população escolar, pelo menos para alguns, tem aumentado desmedidamente.
Para desenvolvimento da indústria de turismo, parecia-me muito conveniente que o Estado estimulasse a construção de hotéis e pousadas onde fosse julgado mais conveniente e necessário, concedendo-lhe isenção de contribuição predial durante alguns anos, facilidades de crédito e assistência técnica para a construção e arranjo de instalações e exploração.
Quero aqui deixar bem expresso o meu completo aplauso à sugestão feita pelo nosso ilustre colega Sr. Joaquim Pinho Brandão, e o seu reforço feito hoje pelo ilustre Deputado Sr. Dr. Miguel Bastos, para a construção da ponte sobre o Tejo em frente de Lisboa, obra de larguíssima repercussão económica e -porque não dize-lo? - política, e cujo rendimento deve compensar largamente o investimento que se fizer na sua construção e conservação.
Mas agora reparo que já vou abusando desmedida mente da generosidade de V. Ex.ª, Sr. Presidente, e dos meus ilustres colegas, do que peço humildemente perdão.
E agora consenti que eu seguidamente defenda o meu ponto de vista de que se deve dar a prioridade ao aproveitamento do Douro internacional entre Paradela e Bemposta.
É que ali será possível obter a fio de água --o caudal resultante das albufeiras espanholas construídas a montante é já muito grande - 2 000 milhões de kilowatts-horas anualmente e ao baixo custo de $11 ou $12, quando é certo que o custo da energia produzida na central do Castelo do Bode é de $22 e na de Venda Nova é de $24 por kilowatt-hora.
É, indubitavelmente e de longe, a mais rica fonte de energia hidroeléctrica de que dispomos, como será proporcionalmente a de mais baixo custo de aproveitamento. E não se diga que a linha de transporte da energia para Ermesinde será muito cara.
Temos, em primeiro lugar, que ter em atenção que o Nordeste transmontano também precisa de energia eléctrica, pelo que a linha de transporte em alta tensão é indispensável, quer para Ermesinde, quer para o Douro internacional, minas de ferro de Moncorvo, etc.. isto é, num sentido ou no outro.
Embora o custo de tal linha seja de 120:000 contos, o acréscimo da despesa seria apenas do 90:000, visto que a linha de transporte para Ermesiude ida de Carrapatelo, na hipótese de ser dada a prioridade a este aproveitamento no Douro nacional, custaria 30:000 contos.
Os 2 biliões de kilowatts-horas produzidos anualmente no Douro internacional dariam uma economia anual de 200:000 contos, pelo que no fim do 1.º semestre já estaria paga a diferença do custo da linha de transporte, e isto considerando que a diferença do custo de produção de cada kilowatt-hora fosse apenas de £10; mas parece que será maior.
Se me objectarem que o aproveitamento do Douro internacional será feito por fases, eu retorquirei que. admitindo mesmo que o fosse em três fases, a primeira produziria logo entre 600 e 700 milhões de kilowatt-hora anuais, com uma economia de custo da produção de 60 a 70:000 contos anuais, que logo no primeiro ano pagava pelo menos dois terços do custo da linha de transporte.
Pelo que respeita ao aproveitamento do Carrapatelo, dá-se a circunstância do, além do alto custo da produção, sor necessário ir buscar a fundação da barragem 40 m abaixo do leito do rio, que ali tem o perfil transversal com grande desenvolvimento, ao contrário do que acontece com o Douro internacional, que é de perfil transversal apertadíssimo o de fundo a desafiar os séculos, sendo as margens quase a pique.
Neste último aproveitamento não haverá submersão de terrenos de franca produtividade, ao contrário do que acontece no Carrapatelo.
Em resumo, a construção será muitíssimo mais económica no Douro internacional do que no Carrapatelo, mesmo que os estudos presentemente em curso provassem que a base da albufeira de Carrapatelo não terá de fundar-se 40 m abaixo do nível do leito do rio.
Aos outros aproveitamentos da bacia hidrográfica do Douro (Côa e Távora) referidos no parecer da Câmara Corporativa não vale a pena fazer referência, dado que eles não são de valor que justifique a primazia sobre qualquer dos outros atrás citados.
Só o aproveitamento do Douro internacional permitirá fornecer à siderurgia, às fábricas dos azotados e outras que venham a exigir altos consumos a baixo preço a energia de que careçam para poderem produzir, a preços convenientes, adubos, tão necessários à nossa débil agricultura, ou outros bens de consumo que não suportam tarifas altas, e sem sobrecarregar as outras consumidas com preços compensadores dos prejuízos sofridos com o fornecimento feito para a produção atrás indicada.
O aproveitamento do Douro internacional pode ainda levar-nos a dispensar por largo tempo a central térmica de apoio, cuja instalação está prevista para junto de um jazigo carbonífero, de forma a queimar os combustíveis pobres de produção nacional, que muitíssima falta nos
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podem fazer para outras aplicações, dado que as existências reconhecidas nos não dão garantia de folgado consumo para incertos anos.
E digo que poderia, dispensar-se por muitos anos, visto que o apoio pura as épocas de muito prolongada estiagem nos poderia ser dado pelas albufeiras que alimentam as centrais de mais elevado custo de produção, e que só funcionariam em ocasiões de falta de energia de mais baixo custo.
Agora não quero deixar de lembrar aqui as intervenções que tive nesta Assembleia, para que fosse feito o aproveitamento rápido do Sabor, nas sessões de 12 de Dezembro de 1946, 13 de Dezembro de 1948 e 12 de Dezembro de 1949.
Recordarei que o seu aproveitamento produzirá 121 milhões de kWh anualmente e pode se isso for julgado necessário e conveniente, ser também aplicado à rega das terras da Vilariça, vale no sul do distrito de Bragança e que é o de maior potencial agrícola de Portugal continental.
E, se agora mio volto a insistir pela sua prioridade, é porque o valor económico do Douro internacional, dê que ele virá a ser um complemento imediato, o excede em muito.
Antes de terminar, é meu dever ter uma palavra de confiança em que o início da siderurgia nacional se faca em Moncorvo, onde já estão reconhecidos 400 milhões de toneladas de hematites com teor de ferro superior a 45 por cento.
Nenhum local melhor, nem sequer igual àquele, para ali se iniciar e desenvolver a indústria do ferro.
Tem o Douro internacional a 20 km as minas de calcário em Santo Adrião, no concelho de Miranda do Douro, e as pedreiras de S. Pedro, nas proximidades de Bragança, e o carvão de que carece pode ser-lhe levado nos vagões que transportam para o Porto o ferro preparado e que deixarão de subir vazios, como vem acontecendo agora com a descarga do minério para Leixões, onde embarca para o estrangeiro a fim de ser aproveitado, o que é uma garantia insofismável do seu valor, que será ainda, maior para nós se o prepararmos à boca da mina.
Parece ser de aconselhar que se comece com um baixo forno eléctrico para a preparação da gusa e um forno Krupp-Renn para a da lupa.
Para o primeiro haverá energia à farta e a baixo preço e para o segundo aproveitar-se-ão os nossos carvões de fraco teor, visto que ele consome qualquer combustível: antracite, lignite, pó de carvão de madeira, poeiras de semicoque, lamas, etc., e funde de preferência os minérios com alto teor de sílica, parecendo assim ser aplicável as hematites de Moncorvo.
Enquanto se não fizer a preparação da gusa e da lupa em Moncorvo, pode o material circulante, que ali regressa depois de levar o minério a Leixões, transportar para cima os materiais necessários para as obras do aproveitamento do Douro internacional e da instalação da siderurgia.
O estabelecimento da indústria siderúrgica em Moncorvo será também um óptimo processo de colonização interna, dando emprego a muitos trabalhadores longe dos grandes centros, o que se me afigura ser de enorme vantagem de ordem social.
As acomodações para o pessoal seriam ali muito mais fáceis e económicas, atendendo ao reduzido preço do terreno, do que nas proximidades do Porto, onde os terrenos são caríssimos.
Pelo que fica dito e pelo muito que ainda se poderia dizer, até para contrariar a tendência, a meu ver muito errada, de procurar concentrar tudo em Lisboa e Porto, me parece que o local ideal para a exploração da siderurgia em Portugal é Moncorvo.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Vaz Monteiro: - Sr. Presidente: ao iniciar as minhas considerações sobre a generalidade do Plano de Fomento eu desejo apresentar a V. Ex.ª as minhas homenagens e o meu reconhecimento pela preocupação e cuidado revelados por V. Ex.ª para que nos fosse distribuído o douto parecer da Câmara Corporativa com a maior antecedência possível, o que realmente sucedeu.
Só assim, Sr. Presidente, se tornou possível que tão cedo se iniciasse a discussão do projecto de proposta de lei n.º 519.
Aceite pois V. Ex.ª, com as minhas respeitosas homenagens, o meu sincero agradecimento.
Desejo igualmente cumprimentar e agradecer ao nosso ilustre colega Sr. Prof. Mário de Figueiredo, prestigioso leader da Assembleia Nacional, pelo facto de já em 9 de Outubro findo e com o ofício n.º 578, quando ainda se encontravam encerrados os nossos trabalhos, nos ter enviado a proposta do Governo para desde então nos podermos dedicar ao seu estudo.
Daqui dirijo ao Sr. Prof. Mário de Figueiredo os meus cumprimentos e o meu agradecimento.
Satisfeito este dever de gratidão e depois de manifestar o respeito e a simpatia que todos tributamos ao Sr. Conselheiro Dr. Albino dos Reis e ao Sr. Prof. Mário de Figueiredo, eu vou entrar na discussão do assunto que me fez subir a esta tribuna.
Sr. Presidente: pela proposta de lei do Plano de Fomento propõe-se o Governo de Salazar realizar nos seis anos que vão decorrer de 1953 a 1958 uma obra gigantesca e de influência decisiva nas condições de vida do País, em continuação da política seguida pelo Estado Novo, e para prosseguir no caminho percorrido durante o período em que vigorou a Lei de Reconstituição Económica, n.º l 914, do ano de 1935.
Quer dizer, o Plano de Fomento é a continuação da Lei de Reconstituição Económica e deve representar o impulso mais vigoroso que se julga ser possível imprimir à economia da Nação.
Em virtude daquela Lei n.º l 914 despendeu o Estado Novo são todo 14 milhões de contos, que assim se investiram, dos quais cerca de 10 milhões no fomento económico».
Deste modo se produziu um valioso somatório de realizações que se pode e deve considerar a l.a fase da obra de renovação material do País planeada pelo Estado Novo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Como de todos é sabido, deu-se ao País uma feição de prosperidade que não tem paralelo em épocas anteriores, mesmo considerando aquela em que governou Fontes Pereira de Melo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Começou há pouco mais de quinze anos o esforço extraordinário do Estado Novo, desenvolvido na reconstituição económica do País ao abrigo da Lei n.º l 914. Assim se realizou uma soma enorme de obras reprodutivas e indispensáveis, que estão à vista de todos nós e por isso mesmo me dispenso de enumerar.
Mas devo dizer que as grandes e dispendiosas obras realizadas pela Revolução Nacional, que causam espanto e admiração a nacionais e aos estrangeiros que nos
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visitam, tiveram a sua plena execução porque Salazar soube previamente preparar, entre outros, os meios financeiro e técnico ....
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- ... e as obras foram planeadas metodicamente e divididas por étapes de harmonia com a Lei de Reconstituição Económica.
Ora a Revolução Nacional não continuaria na sua marcha progressiva de triunfos que se sucedem constantemente se nos déssemos por satisfeitos com o estádio marcado pela Lei n.º l 914.
Foi preciso estudar e elaborar a proposta de lei do Plano de Fomento para dar continuidade à renovação e progresso material do Pais.
A época de Salazar é a de Portugal renovado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-E podemos estar certos de que o Plano de Fomento tem o seu êxito assegurado, porque, além das condições previstas do financiamento, outras existem, igualmente preparadas e defendidas por Salazar, que permitem a execução de tão grandioso empreendimento nacional.
A estabilidade da moeda, a sucessão ininterrupta do equilíbrio do orçamento e das contas da metrópole e das províncias ultramarinas, a paz que se desfruta em todo o território nacional, os progressos verificados em todas ás províncias de aquém e de além-mar, são condições favoráveis à realização do Plano de Fomento o com as quais devemos contar.
O saneamento financeiro é incontestavelmente n base sólida em que se deverá firmar a política do fomento.
Se Fontes Pereira de Melo conseguiu realizar o chamado «milagre» da Regeneração, foi devido à reforma financeira que então se operou.
A sua obra de fomento deve atribuir-se, sem dúvida, às altas qualidades do estadista, mas temos de concordar que a grandeza da obra feita se deve fundamentalmente ao facto do Fontes ter gerido, não só o Ministério das Obras Públicas, mas também o da Fazenda.
O milagre» fontista realizou-se porque houve um homem o li ouve também disponibilidades financeiras.
A Revolução Nacional teve igualmente por base o aparecimento providencial de Salazar no tablado político e o saneamento financeiro realizado por este grande e extraordinário estadista a partir de 1928.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Mas a diferença é profunda entre uma u outra época. O Estado Novo tom uma vida de saneamento financeiro que se mantém inalterável há vinte e quatro anos.
A solidez e as dimensões das bases construídas dia a dia por Salazar oferecem mais segurança o mais prolongada estabilidade para o Estado Novo prosseguir na. sua obra de renovação nacional, tanto na metrópole como no ultramar.
Salazar no Ministério das Finanças desde 1928, criou as mais sólidas bases da renovação do País; no Ministério das Colónias publicou o Acto Colonial e no Ministério da Guerra fez a reforma do Exército; no Ministério dos Negócios Estrangeiros orientou a política da guerra mundial de tal modo que dela nos livrou sem deixar de cumprir os compromissos assumidos; e na Presidência do Conselho, desde Novembro de 1930, há portanto dezasseis anos, vem sem descanso desenvolvendo um esforço intenso a orientar e a coordenar a acção do Governo.
A era de Salazar é extraordinariamente grande o ficará inconfundível.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-É a era nacional de Portugal renovado. Metrópole: contos Agricultura .......................... 1.290:000 Cabo Verde ........................... 102:000 Importa desde já notar que «os investimentos totais na metrópole somam 7.500:000 contos, a que cumpre adicionar 1.000:000, destinados a completar o financiamento da l.a fase do plano do ultramar, na parte que não pode ser coberta pêlos recursos próprios das províncias ultramarinas»; e portanto à metrópole caberá o encargo total de 9 milhões de contos. ... quanto às províncias ultramarinas, a metrópole concedeu ou facilitou largos créditos para obras de fomento aos Governos de Angola, Moçambique. Cabo Verde, Guiné e Timor; participou nas despesas da farolagem e do reconhecimento mineiro de Angola; financiou directamente alguns empreendimentos particulares.
A proposta do Plano de Fomento vem dar um vigoroso impulso à economia da Nação que tem vindo a ser promovida polo Estado Novo.
Trata-se de um projecto de lei que abrange os mais importantes interesses da terra portuguesa -continente, ilhas adjacentes e ultramar , cujos encargos atingem a elevada importância de 13.500:000 contos, cabendo 7.5
Indústria ............................ 3.310:000
Comunicações ......................... 2.540.000
Escolas técnicas ..................... 200.000
Banco de Fomento do Ultramar.......... 160:000
_______________
7.500:000
Províncias ultramarinas:
Guiné ................................ 78:000
S. Tomé e Príncipe ................... 210:000
Angola ............................... 2.896:000
Moçambique ........................... 2.342:000
Estado da índia ...................... 180:000
Macau. ............................... 120:000
Timor. ............................... 72:000
________________
6.000:000
Entendo que este ponto da proposta de lei deve ser especialmente notado, porque define o interesse da metrópole pelo ultramar.
Por várias vezes me tenho referido na Assembleia Nacional, e com manifesto aplauso, aos auxílios financeiros que o Governo tem concedido às províncias ultramarinas, parcelas integrantes da Nação.
Realmente merece todo o nosso aplauso esta política do Estado Novo. porque, auxiliando assim o progresso do ultramar, contribui também, e poderosamente, para estreitar ainda mais os laços da unidade nacional.
Relativamente ao auxílio financeiro prestado pela metrópole às províncias ultramarinas, peço licença para ler do relatório do Governo uns períodos que lhe dizem respeito:
Porque esta política do Estado Novo ó verdadeiramente nacional, desta tribuna manifesto a minha inteira, concordância e o meu sincero aplauso.
Mas o Governo de Salazar, em matéria de concessão de créditos ao ultramar, e com o fim de mais desenvol-
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ver o seu fomento económico, inclui na sua proposta de lei a criação do Banco de Fomento do Ultramar.
Para se constituir este Banco a metrópole contribuirá com o capital de 160:000 contos e as províncias de Angola e Moçambique cada uma com 20:000 contos.
Salazar, com a sua larga visão e amor ao ultramar, há muito tempo que pretende satisfazer melhor as necessidades das actividades económicas das nossas províncias ultramarinas, por tal maneira que o crédito acompanhe e favoreça o progresso económico do ultramar.
Não é já a primeira vez que Salazar procura, por intermédio de um banco de fomento, favorecer e impulsionar a evolução do progresso económico dos nossos territórios ultramarinos.
Ao estabelecer um novo regime bancário no ultramar que fosse mais adaptado à situação da sua economia, criou o Banco de Fomento Colonial pelo Decreto n.º 18 571 de 8 de Julho de 1930.
Este Banco tinha por finalidade realizar operações de crédito agrícola, pecuário e industrial, empréstimos para obras de fomento e povoamento e funções de participação na constituição ou no desenvolvimento de empresas comerciais, industriais, agrícolas, pecuárias, de transporte, de obras públicas e de construções urbanas.
O Banco criado pelo referido Decreto n.º 18 571 não chegou a ter execução. Porém, pode-se afirmar que há mais de vinte anos paira no espírito de Salazar a ideia de impulsionar o fomento das províncias ultramarinas por meio de um banco de fomento.
Não deve pois causar surpresa a criação do Banco de Fomento do Ultramar, que o Governo fez inscrever na proposta de lei em discussão; mas é motivo para nos felicitarmos por haver possibilidades de ser criado e numa hora em que a sua falta muito se iria fazer sentir.
O Banco de Fomento do Ultramar é um estabelecimento de crédito que há muito tempo era insistentemente ambicionado pelo ultramar.
Também há muitos anos, como já esclareci, estava incluído no programa de governo da Revolução Nacional.
Somente agora chegou a oportunidade da sua criação pelas possibilidades financeiras existentes e pela maior necessidade e urgência impostas pela proximidade da execução do Plano de Fomento.
As obras a empreender nas províncias ultramarinas de harmonia com a proposta de lei tem realmente grandeza e oportunidade, mas necessitam de crédito a longo prazo, sobretudo nas províncias de povoamento europeu de Angola e Moçambique.
E com a realização dos seus planos de fomento as províncias ultramarinas passam o assim a colaborar ainda mais estreitamente na grande obra de enriquecimento nacional iniciada com a Lei de Reconstituirão Económica».
Na elaboração da proposta de lei do Plano de Fomento não só se reconhece o manifesto interesse do auxílio financeiro da metrópole ao ultramar, mas verifica-se também ter havido a maior preocupação em atender ao conjunto económico nacional, sem deixar de ter em atenção as particularidades económicas do cada província ultramarina.
Da leitura da proposta de lei e do seu primoroso relatório descobre-se com a maior clareza a ideia mestra de fomentar na metrópole e no ultramar com empreendimentos da mesma natureza: desenvolvimento da agricultura, aumento da produção de energia eléctrica, obras de rega, vias de comunicação e meios de transporte, colonização interna e colonização branca nas províncias ultramarinas.
Há, pois, íntima ligação entre os planos de fomento da metrópole e do ultramar.
No notável relatório se diz que a de qualquer modo parece fora de dúvida que a melhoria do nosso nível de vida está dependente, não só da modernização da técnica e do equipamento na agricultura e nas indústrias actuais, como na. absorção de braços em condições suficientemente remuneradoras, através da colonização interna, da colonização ultramarina o da instalação de novas indústrias».
Não há dúvida, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de que o aumento das áreas do regadio torna possível intensificar a colonização interna e cultivar terrenos que estavam incultos ou cultivados em extensão, assim como o aproveitamento dos recursos das nossas províncias ultramarinas, principalmente Angola e Moçambique, facilita uma larga colonização ultramarina.
Os problemas considerados na proposta de lei e relativos à agricultura, à indústria, às comunicações terrestres, marítimas e aéreas, à colonização interna e ao desenvolvimento das províncias ultramarinas relacionado com o aproveitamento do nosso excedente demográfico traduzem o pensamento superior da unidade portuguesa, pois são aspectos. de conjunto da vida económica da Nação.
Sr. Presidente: não há dúvida de que à elaboração da proposta de lei presidiu a elevada concepção do conjunto económico nacional; mas porque o caso português constitui a unidade na variedade, como uma vez assim foi definido por Salazar, vemos com enorme satisfação que o Plano de Fomento atendeu às particularidades económicas relativas a cada província ultramarina.
Nele foram devidamente considerados os problemas particulares e mais essenciais de cada território ultramarino.
Mão experimentada e profundamente conhecedora dos problemas do nosso ultramar deveria ter colaborado na proposta de lei.
E assim é que na província de Cabo Verde se atendeu, além de outros, aos problemas particulares dos transportes marítimos entre as ilhas do seu arquipélago, do porto de S. Vicente e de melhoramentos hidroagrícolas, florestais e pecuários.
E nas restantes províncias ultramarinas procurou-se igualmente dar satisfação às suas aspirações.
A Guiné aspira à conclusão da ponte-cais de Bissau, à regularização e dragagem do rio Geba e à construção das pontes dos rios Geba, Corubal e Cacheu.
S. Tomé e Príncipe tem o seu problema particular da fixação de mão-de-obra para manter as suas modelares plantações.
Angola sente a urgente necessidade de desenvolver o seu sistema de transportes, devido às suas grandes distâncias, o maior apetrechamento dos portos de Luanda, Lobito e Moçâmedes, o aproveitamento hidroeléctrico das Mabubas, do Biópio e da Matala, o prolongamento para leste do caminho de ferro de Moçâmedes a irrigação e o povoamento europeu.
Moçambique necessita igualmente intensificar o povoamento, preparar o terreno no vale tio Limpopo, executar o aproveitamento hidroeléctrico de Movene, estabelecer fáceis comunicações com o interior da província e com os territórios vizinhos.
O Estado da índia tem o seu problema de a produção do arroz ser inferior ao consumo, e por isso se vê na dura necessidade de importar cerca de um terço da produção local.
Com as obras hidroagrícolas dos canais de Parodá e de Candeapar elimina-se parte do déficit cerealífero em dezenas de milhares de candis.
A conclusão da do cais e a dragagem e apetrechamento do porto de Mormugão, assim como a aquisição de material circulante para o seu caminho de ferro, são ne-
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cessários ao desenvolvimento económico da índia Portuguesa.
A província de Macau tem os problemas particulares do turismo, das dragagens e dos aterros.
E, finalmente, Timor necessita reconstruir a cidade de Díli e desenvolver o fomento agro-pecuário.
Pois a tudo se atende na proposta governamental do Plano de Fomento submetido à discussão da Assembleia Nacional, para dar incremento à vida progressiva do ultramar.
Há, portanto, unidade e coesão na variedade contida em cada uma das parcelas da terra portuguesa.
Mas para haver contínua harmonia na execução do Plano de Fomento, cujos problemas dependem dos Ministérios da Economia, das Finanças, do Ultramar, das Obras Públicas, da Marinha, das Comunicações e da Educação Nacional, resulta a necessidade imperiosa de existir uma coordenação superior interministerial.
Na elaboração da proposta de lei houve realmente o cuidado de atender a este factor importante, que terá de garantir o melhor êxito a execução do Plano de Fomento.
A sua direcção superior ficou confiada a um Conselho de Ministros restrito sob a presidência do Presidente do Conselho ou do Ministro da Presidência.
Na proposta de lei do Plano do Fomento tudo se encontra previsto para se alcançar a sua alta execução e a sua alta finalidade.
Em todo o caso tenho uma sugestão a fazer, assim como duas alterações a indicar, e ainda me desejo referir às dificuldades que no ultramar podem surgir na execução do Plano de Fomento.
A sugestão refere-se à maneira prática, mais segura e rápida de efectuar a travessia dos rios das nossas províncias ultramarinas, substituindo as demoradas e perigosas jangadas por embarcações de atracarão frontal, isto é, de tipo ferry-boat.
É sabido que os barcos de atracação lateral têm a vantagem de dispensar disposições especiais de atracação, mas apresentam o inconveniente da demora na entrada, arruinarão e saída das viaturas.
Os barcos de tipo ferry-boat têm a desvantagem de exigir disposições especiais de atracação mas facilitam rapidamente a entrada, arrumação e saída das viaturas devido à circunstância de atracarem do proa e do ré.
É este tipo de barcos que eu ouso indicar, onde for aconselhado, em substituição de numerosas, incómodas, demoradas e perigosas jangadas, que ainda são utilizadas na travessia de rios do nosso ultramar.
Esta sugestão não representa novidade alguma para nós.
A utilização de barcos de tipo ferry-boat para transporte de passageiros e viaturas faz-se no Estado da índia na travessia dos rios Mandovi e Zuari.
As travessias do Mandovi em Betim, ligando Goa com o Norte daquela província ultramarina, assim como a do rio Zuari em Cortalim, ligando a estrada de Goa para Margão, são feitas satisfatoriamente por embarcações de tipo ferry-boat.
E já houve até quem propusesse a substituição de jangadas da província da Guiné por embarcações daquele tipo.
Não há, pois, nada de novo para nós nesta sugestão e apenas pode ter a vantagem de lembrar o emprego de tais embarcações na travessia dos nossos rios do ultramar.
O Sr. Presidente: - Como a hora vai adiantada, se V. Ex.ª não visse inconveniente nisso, poderia suspender as suas considerações para as prosseguir na sessão de amanha.
O Orador:-Nesse caso interrompo por aqui as minhas considerações e ficarei com a palavra reservada para a próxima sessão.
O Sr. Presidente: - O debate continua na sessão de amanhã, à hora regimental, com a mesma ordem do dia. Está encerrada u sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram, durante a sessão:
André Francisco Navarro.
António Carlos Borges.
António Jacinto Ferreira.
António Raul Galiano Tavares.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Délio Nobre Santos.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Pinto Meneres.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Cruz.
António de Almeida.
António Calheiros Lopes.
António de Matos Taquenho.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos de Azevedo Mendes.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Botelho Moniz.
José Cardoso de Matos.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA