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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 175

ANO DE 1952 9 DE DEZEMBRO

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º175 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 6 DE DEZEMBRO

Presidente: Ex.mo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMARIO: -O Sr. Presidente, declarou aberto a sessão às 15 horas e 50 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 173.
Foi aprovado um voto de pesar pela morte de um irmão do Sr. Deputado Carlos Mantero Belard.
O Sr. Presidente comunicou que recebera da Presidência do Conselho uma proposta de lei que reorganiza a educação física nacional, acompanhada do parecer da Câmara Corporativa.
Ordem do dia. - Continuou o debate sobre a proposta de lei relativa ao Plano de Fomento Nacional.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Vaz Monteiro, Mascarenhas Gavão, Tasco Mourão. Alberto do Araújo, Pedro Cymbron e Borges do Canto.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 10 minutos.

CAMARÁ CORPORATIVA. - Pareça r n.º 33/V. acerca do projecto de proposta de lei n.º 516 (reorganização da educação física nacional).
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 40 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Gazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto,
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Maria da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas
Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto. João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral. Joaquim Dinis da Fonseca.

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Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarelhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José Pinto Meneres.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Franca Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 63 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 50 minutos.
Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 173.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto nenhum Sr. Deputado desejar fazer qualquer reclamação considero-o aprovado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Faleceu há dias um irmão do nosso colega Carlos Mantero Belard. Suponho interpretar o pensamento desta Assembleia, afirmando a esse senhor o nosso profundo pesar.
Está na Mesa uma proposta de lei sobre a reorganizarão da educação física nacional, acompanhada do parecer da Câmara Corporativa. Esta proposta vai baixar às Comissões de Legislação e Redacção e de Educação Nacional.
Não está ninguém inscrito para usar da palavra antes da ordem do dia, pelo que se vai passar à.

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade, a proposta de foi relativa ao Plano de Fomento.
Continua no uso da palavra o Sr. Deputado Vaz Monteiro.

O Sr. Vaz Monteiro: - Sr. Presidente: na sessão de ontem, quando foi encerrada, eu ia iniciar as minhas considerações acerca de duas alterações que desejaria fossem introduzidas na propo-la da lei do Plano de Fomento, parte II, relativa ao ultramar.
Estas duas alterações referem-se á província de Moçambique.
Uma delas traz consigo um aumento de despesa, mas em compensação a outra elimina totalmente uma despesa.
Começarei pela alteração que diz respeito à borragem da ribeira de Movene e à irrigação dos terrenos da área da Manhiça, na margem direita do rio Incomati.
O que pretendo eu com a minha alteração? Que as outras tanto da barragem de Movene como do canal do Incomati, este destinado à irrigação dos terrenos de Manhiça, sejam na incluidas na fase do Plano de Fomento.
Na proposta de lei o aproveitamento de Movene foi encarado em duas fases.
A primeira abrange a construção do canal de Ressano Garcia a Movene, para alimentar a albufeira com as aguas do rio Incomati, a consideração da barragem, da central eléctrica e o transporte de energia e água para a cidade de Lourenço Marques.
A 2.ª fase consistirá em construir o canal do Incomati, para transportar a água da albufeira de Movene para as terras da Manhiça, a fim de regar 30 000 ha destinados à cultura agrícola e ao povoamento europeu.
Mas, perguntar-se-á, que razões levam este Deputado a pretender incluir tudo na 1.ª fase?
Não será preferível proceder cautelosamente por étapas, como propõe o Governo, ou, antes, relegar para uma 2.ª fase a construção destas obras, como propõe a Câmara corporativa ?
Eu considero que o conjunto destas obras forma uma só unidade económica, e portanto, não convirá dividi-lo, para o seu custo ser economicamente defendivel.
E sou contrario neste ponto, ao douto parecer da Câmara Corporativa, porque sei que ha maior urgencia em abastecer com abundância de água e luz a cidade de Lourenço Marques.
Melhor se compreenderá, a razão que assiste se VV. Exas. quiserem ter a bondade de atender e tomar em consideração o relato e as objecções que vou fazer.
Enunciemos primeiramente o problema e vejamos depois como se tem procurado dar-lhe a devida solução.
Inicialmente o problema consistia apenas em abastecer de energia eléctrica e água a linda cidade de Loureço Marques.
E foi assim que a missão a Moçambique da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola, criada, em 1948 pelo Sr. Ministro Teófilo Duarte e sendo Presidente da mesma o Sr. Engenheiro Trigo de Morais, estudou e elaborou o projecto de uma albufeira na ribeira de Movene, um canal de condução das águas do rio Incomati para aquela albufeira e um gerador de pé de barragem.
Ao Ministro Teófilo Duarte se fica devendo a iniciativa deste importante projecto, que um dia será posto em execução.
E esse dia não virá longe, porque a obra é tão necessária e urgente à Província de Moçambique que a sua realização se impõe.
Reconhecendo-se, porém, que o custo destas obras hidráulicas, na importancia de 430:000 contos, era muito elevado e por isso mesmo encarecia muito o preço da energia. Resolveu então o Sr. Subsecretário de Estado do Ultramar aproveitar também as águas da albufeira de Movene para irrigar os terrenos da área da Manhica.
E, deste modo, desde que os encargos com as obras se dividissem pela energia e pela rega, já o preço da energia eléctrica desceria bastante.
Quer dizer, verificou-se que na solução do problema de abastecimento de água e energia a cidade de Lou-

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renço Marques a despesa com as obras do canal e da barragem de Movene somente seria defensável se a energia fosse ligada ao regadio.
E é então que em 18 de Agosto de 1951 foi criada a missão hidrológica do Incomati e Sabié, que fez o trabalho de campo e elaborou o projecto do canal do Incomati. numa extensão aproximada de 110 km, que liga a albufeira de Movene com as terras da área da Manhiça. para regar 30000 ha.
Tanto a missão de 1948 com a de 195l foram chefiadas pelo distinto engenheiro e inspector superior do Ministério das Obras Públicas Publicas Sr. Viriato de Noronha de Castro Cabrita, que sendo autorizado a prestar serviço no Ministério do Ultramar, elaborou o projecto do Incomati-Movene.
Além do canal do Incomati, foi prevista em Corumana, próximo da fronteira, uma barragem com características tais que não permitam inundações no território vizinho da União Sul-Africana e possam ser descarregadas as suas águas nos rios Sabié e Incomati, até Magude, onde está construída a ponte do caminho de ferro para o vale do Limpopo e tem o nome de nosso saudoso marchal Carmona. Está projectado que esta ponte sirva de apoio a um açude de alças móveis para derivação das águas do Incomati destinadas a rega dos terrenos marginais, visto que a água armazenada na albufeira de Movene não á suficiente para regar esta vasta zona.
Como disse, está feito o projecto da albufeira de Movene e até homologado pelo Governo, assim como o canal do Incomati, para irrigar 30 000 ha de terrenos da Manhiça, cujas verbas são:

Contos

Aproveitamento hidroeléctrico do Incomati-Móvene 450:000
Conduta da água para a cidade de Lourenço Marques 20:000
Canal do Incomati às terras da Manhiça 230:000
700:000

Se estas, obras forem realizadas na 1.º fase, é evidente que será muito inferior o preço da energia eléctrica em Lourenço Marques, e então a obra já é economicamente defensável.
Eu tenho a mesma opinião da Câmara Corporativa e deu-lhe o meu inteiro aplauso quando pondera a vantagem quo haveria em não separar uma obra da outra e que a sua execução deveria ser total e conjunta das duas fases do aproveitamento Incomati-Movene.
Realmente uma obra completa a outra. E só assim poderá haver a indispensável justificarão económica.
Porém, tenho pena de não concordar com o parecer da Câmara Corporativa quando propõe que se de outro fim à verba de 470:000 contos que na proposta de lei foram inscritos para a barragem de Movene e conduta da água para a cidade de Lourenço Marques.
Se não concordo nesta e noutras passagens com o parecer da Câmara Corporativa relativo ao ultramar, devo dizer, em abono da verdade, que este parecer foi relatado por quem conhece e ama o ultramar, e Digno Procurador comandante Albano de Oliveira, antigo governador da província de Macau; e, além disso, apraz-me testemunhar-lhe, a minha consideração pela incompetência e interesse revelados na elaboração de parecer, que merece palavras elogiosas e divinas dignas do nosso apreço.
Não concordar aqui ou ali não significa que eu deixe de muito apreciar o trabalho extenuante e complexo realizado pelo Sr. Comandante Albano de Oliveira.
A progressiva e linda cidade do Lourenço Marques luta presentemente com falta de água e de energia eléctrica, não devendo prolongar-se por mais tempo a situação em que se encontra, sem dispor com abundância destes dois elementos, indispensáveis à sua vida normal e ao seu progresso.
O facto de já estar adquirida para Lourenço Marques uma central térmica não impede que se procure produzir energia hidroeléctrica barata e abundante.
A central térmica passaria a servir de apoio.
Mais acontece que há muitos meses ainda se anda á procura de local para instalar aquela central: e quando for encontrada, dizem os técnicos que somente as fundações devem levar um ano. atendendo, entre outras circunstâncias à natureza lodosa do terreno.
Não poderá, pois, a geradora térmica encontrar-se em funcionamento com a pressa que se possa supor.
E se atendermos ao problema de rede de distribuição da cidade, que levará mais de três anos a realizar-se, mais nos convencemos de que aquela geradora não funcionará tão cedo, como seria para desejar.
Seja como for, certo é que uma central não dispensa a outra.
E como se pode compreender que uma das mais lindas Cidades portuguesas, capital da rica e progressiva província de Moçambique, ainda hoje se encontre com deficiência de Luz e água?
Não deixemos que a construção da albufeira de Movene, fique reservada para uma 2.º fase, por ser considerada somente daqui por seis anos.
E quanto nos terrenos de Manhiça, a rega é igualmente factor indispensável ao desenvolvimento agrícola daquela área, pois nela se. encontram presentemente fixados inúmeros indígenas agricultores e nessa área se situam os territórios da Incomati Estates, que foi agora adquirida pela importância de 1 milhão de libras por um grupo de portugueses.
A rega dos terrenos da Manhiça não só resultará em manifesto e imediato benefício para a economia da província, como até irá estimular o nosso capital, sempre timorato em empresas agrícolas no ultramar.
Além do benefício de natureza económica e do apoio que deve ser dado à iniciativa daquele grupo de portugueses que adquiriram a Incomati Estates, a irrigação em terrenos da Manhiça tem a vantagem psicológica de atrair capital português para auxiliar o desenvolvimento dos territórios ultramarinos.
É, pois, necessário e urgente o aproveitamento hidroeléctrico e hidroagrícola do Incomati-Movene.
Eu desejaria aproveitar esta oportunidade para enviar para a Mesa uma proposta de alteração, para, ser incluída na 1. ª fase, e, portanto, na presente proposta de lei: a execução do conjunto da albufeira, de Movene, para fornecer água e luz à cidade, de Lourenço Marques, e do canal do Incomati, para irrigação dos terrenos da Manhiça.
E só o não faço porque tal proposta traria aumento de despesa; mas nem por isso deixo de pedir ao Governo a ha maior atenção para a urgência na realização das obras e para as vantagens que resultariam se forem consideradas no seu conjunto como uma .só unidade económica.
Sr. Presidente: disse que desejaria ver introduzidas duas alterações na proposta de lei.
Para seguir na minha exposição, vou agora passar a referir-me as outra alteração, lista não tem o inconveniente de trazer aumento de despesa, e, pelo contrário, irá eliminar despesa muito avultada.
Na rubrica «Comunicações e transportes» da província de Moçambique eu desejaria que se eliminasse a alínea 2) «Continuação do caminho de ferro de Vila Luísa até Manhiça» e a respectiva verba, de 50:000 contos.

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Sem querer, por agora, fazer uma cuidadosa justificação do meu propósito, visto que nos encontramos a discutir a proposta de lei na generalidade, não posso, no entanto, deixar de dizer rapidamente a Assembleia Nacional quais as razões que me levaram a desejar que se elimine uma verba, não concordando com o prolongamento doo caminho de ferro de Marracuene até Manhiça.
Parece à primeira vista que este prolongamento proposto pelo Governo, de que à Câmara Corporativa mereceu toda a concordância, assim como ao nosso ilustre colega e presidente da Comissão do Ultramar, Sr. Prof. Doutor Sousa Pinto, deverá ser realizado, e não só até Manhiça, mas, indo mais além, até Magude, a entroncar com o caminho de ferro do Limpopo.
Realmente os argumentos apresentados chegam a convencer: «descongestionar o aumento de tráfego previsto para o troço comum às duas linhas, de Muamba a Lourenço Marques, «segundo os tragados actuais, às linhas do Transval e da Rodésia do Sul, logo que esta segunda entre em. serviço, e, além disso, ir servir uma zona de bons e férteis terrenos na futura área. de povoamento do Imcomati».
Visto assim o problema, é de aceitar a proposta do Governo e de concordar com o parecer da Câmara Corporativa.
Mas o problema tem outras facetas.
Quanto ao descongestionamento do tráfego previsto, devo informar a Assembleia Nacional de que, por enquanto, o Futuro aumento de tráfego previsto é numa suposição, e que, a avaliar-se, ainda deverá demorar o seu tempo: cerca de dois ou três anos para a linha, da Rodésia do Sul entrar em serviço e outros três anos para o aumento do tráfego. se este vier a confirmar-se.

O Sr. Mascarenhas Gaivão: - Da Rodésia, de que por enquanto não há nenhum! Não se pode fazer conta tem uma coisa que não se sabe qual o rendimento.

O Orador: - Pois é realmente por não se poderem fazer previsões no sentido do congestionamento do tráfego no troço comum Moaniba-Lourenço Marques que a intervenção de V. exa. vem em reforço do meu propósito de não se prolongar o caminho de ferro de Vila Luísa de Manhiça.
Mas vamos admitir que o nosso caminho de ferro do Limpopo já está ligado, no Pafuri, com a rede ferroviária da Rodésia do Sul e os produtos de exportação deste território vizinho vieram aumentar o tráfego, como está previsto.
Quer dizer: admitamos que daqui a meia dúzia, de anos vai suceder aquilo que hoje se prevê e nos obriga. a fazer a despesa de. prolongar o caminho de ferro de Marracuene à Manhiça e a Magude.
O que sucederá então:
O troço comum de Muamba a Lourenço Marques ficará descongestionado, porque o Irá fogo proveniente da Rodésia do Sul será encaminhado por Marracuene e do território do Transval continuará a seguir pela estação de Muamba.
E o que faremos nós à linha de caminho de ferro de Muamba a Macule? Terá de ser completamente abandonada e perdida. Ora isto deverá ser evitado.
Mas, perguntar-se-á, se não for prolongado o caminho de ferro de Marracuene e se sé aumentar o tráfego, virá a ficar congestionado o troço Muamba - Lourenço Marques? Também não é receio que possa ler justificado fundamento.
Aquele troço comum, assim como o seu prolongamento até Ressano Garcia, é de linha dupla, e portanto não será facilmente congestionado.
Talvez por não se terem considerado estes factores, e outros que na discussão da especialidade terei ocasião de expor á Assembleia Nacional, se julgou útil incluir no Plano de Fomento o prolongamento do caminho de ferro de Vila Luisa a Manhiça.
Embora tenha muitas considerações a fazer quanto ,a eliminação da alinea 2) da rubrica «Comunicações e transportes»da província de Moçambique, por enquanto apenas sugestiono esta alteração: que a respectiva verba de 50:000 contos seja destinada às obras hidroeléctricas e hidroagrícolas do sistema Incomati-Movene.
Sr. Presidente: vou agora passar a referir-me a algumas das dificuldades que por enquanto se podem prever na execução do Plano de Fomento em relação ao Ultramar.
Essas dificuldades foram previstas pelo Governo e na proposta de lei indica-se a maneira de as evitar.
No n.º 2 da base VII da proposta de lei estabelece-se que na definição de cada fase e na elaboração dos planos anuais em que a mesmo se desdobre para cada província o conselho Económico ouvirá o respectivo governo se as deliberações não tiverem emanado ou aqueles planos não tiverem sido revistos em conferência económica dos governos ultramarinos».
Quer dizer: tanto na elaboração das fases como dos planos anuais o Conselho Económico ouvirá o governo das respectivas províncias ultramarinas.
Desta maneira se colhem informações seguras que hão-de habilitar a decidir e a evitar dificuldades.
Entendo por dificuldades a insuficiência da capacidade téchnicae da mão de obra financeira para o montante das obras ou para manter o ritmo acelerado da sua execução; e. além destas insuficiências, outras dificuldades poderiam surgir, como a discordância entre os planos das províncias ultramarinas e o Plano de Fomento.
Em poucas palavras vou dar uma rápida ideia do que se afigura que poderia suceder na prática. a contrariar o êxito na execução do Plano de Fomento se a proposta de lei não tivesse incluído o n.º 2 da base VII.
O prolongamento das linhas de caminho de ferro impõe a necessidade de construir estradas e mante-las em bom estado de conservação para servir essas linhas. Somente assim o caminho de ferro pudera desempenhar cabalmente a sua função económica.
Ora, Sr. Presidente e Srs. Deputados: nas províncias de Angula e Moçambique o prolongamento dos caminhos de ferro ficou incluído no Plano de Fomento, ao passo que as estradas ficaram a cargo dos orçamentos privativos daquelas províncias ultramarinas.
Daqui a evidencia a necessidade que há de os planos de construção e reparação de estradas das províncias de Angola o de Moçambique serem elaborados de maneira a ter em conta n traçado dos prolongamentos das linhas férreas.
Por este exemplo se vê quanto será vantajoso para a boa execução do Plano de Fomento a inserção do n.º 2 da base VII da proposta de lei.
Mas as dificuldades que podem surgir no exemplo apontado não dizem respeito só a elaboração dos planos.
A construção e reparação de estradas exigem técnica, mão-de-obra dotações orçamentais, tal qual como as obras do Plano de Fomento.
E bastará este simples enunciado para nos apercebermos das dificuldades a que me quis referir e das razões que. deveriam ter levado o Governo a incluir na sua proposta aquele número da base VII.
Uma das grandes dificuldades que. certamente deverá o surgir para levar a efeito a execução do Plano de Fomento no ultramar é motivada pela falta de téc-

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nicos especializados com prática suficiente para dirigirem os trabalhos das obras hidráulicas.
Creio que o Ministério do Ultramar poderá suprir esta dificuldade recorrendo à cooperação interministerial.
Nota-se para não haver confusão. Que eu anteriormente me referi à necessidade da existência de uma coordenação superior interministerial; e esta coordenação superior foi prevista no projecto de lei do plano de Fomento e deu motivo à criação do Conselho de Ministro interessados denominado conselho
Económico.
Ao que presentemente me vou referir é à cooperação interministerial que já não diz respeito à elaboração de planos, mas sim à boa execução dos planos.
Hoje há realmente necessidade imperiosa da, cooperação interministerial para se dar solução satisfatória à boa execução de muitos e variados problemas das províncias ultramarinas, porque o Ministério do Ultramar não dispõe de elemento bastantes para dar cabal cumprimento á sua missão.
Constantemente surgem problemas no ultramar que necessitam da cooperação as Ministérios da Economia, das Finanças da Educação das Obras Públicas, dos Estrangeiros, etc.
E tanto assim é que pelo artigo 12.ª da proporia de lei orgânica do ultramar, que ainda havemos de ler oportunidade de discutir, se preceitua sobre a necessidade da cooperação interministerial.
E além disso vária é a legislação que ao assunto se refere desde a Lei de 14 de Junho de 1913.
Pelo Decreto - Lei n.º 34411 de l2 de fevereiro de 1945, permite-se ao pessoal técnico especializado dos quadros do Ministério das Obras Públicas com mais de. quatro anos de serviço ser autorizado, mediante requisição, a prestar serviço no Ministério do Ultramar.
E mais recentemente o Decreto n.3770 de; Dezembro de 1449. que regula os serviço Hidráulicos do Ministério das Obras públicas poderá prestar assistência
Técnica outros departamentos do estado na condições que forem visadas para cada caso o departamento interessado.
Esta dificuldade do pessoa técnico especializado em Hidráulica é pois facilmente pela cooperação interministerial.
Se apontei algumas da principais dificuldades que antevejo ao efectivar se plano de fomento no ultramar fui assim orientado por muito desejar a na boa execução, mas devo também fazer notar que não me limitei apenas à simples indicação das dificuldades.
No douto e claro parecer da Câmara Corporativa, que considera o Plano de Fomento motivo de todo o luovor, nele também se diz que «não basta ter um plano, é necessário executá-lo».
As condições que eu [...] indispensáveis à boa execução do plano mais adiante me voltarei a referir.
Sr. Presidente: outro assunto que convém especialmente notar nesta proposta de lei é a continuidade governativa mantida pelo Estado Novo, tanto na metrópole, como no ultramar, em matéria de fomento económico.
O Plano de Fomento submetido à nossa apreciação não é um acto esporádico do Governo de Salazar. É a natural sequência da orientação anteriormente seguida.
Embora represente um esforço extraordinário que cousa admiração, convém sempre acentuar, em abono da verdade, que as possibilidades do Plano foram alcançadas à custa do talento, da tenacidade e do enorme trabalho despendido pelo Sr. Presidente do Conselho, de quem se pode dizer que entregou toda a sua vida ao serviço exclusivo da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pode afirmar-se afoitamente que pela proposta de lei em discussão nem é alterada a orientação política, do Governo, nem há solução de continuidade na grande obra de fomento já realizada.
Este é um ponto essencial que eu desejo destacar para melhor se compreender o alcance das obras de fomento que o Governo se propõe realizar.
Que o Plano de Fomento é o natural seguimento da obra de Salazar é fácil verificar.
Nesta 4.ª sessão da V Legislatura da Assembleia Nacional já tive oportunidade de fazer referência ao despacho de S. Ex.ª o Presidente do Conselho, de 22 de Maio findo, pelo qual foi autorizado o prolongamento para leste do caminho de ferro de Moçâmedes.
O referido despacho, que despertou grande contentamento em Angola, permitiu o prolongamento daquele caminho de ferro de Cavilongo à Matala, numa extensão de 119 km, e os trabalhos respectivos já estão a ser executados.
Pela presente proposta de lei pretende o Governo prolongar o mesmo caminho de ferro desde Matala até Cuanavale, numa extensão aproximada de 480 km.
Sr. Presidente: não tem a Câmara Corporativa a mesma opinião e entende que «o prolongamento do caminho de ferro de Moçâmedes para leste se deveria fazer por fases mais pequenas, não devendo na primeira ir além de Vila da Ponte, sensivelmente a meio do percurso Sá da Bandeira-Cuito Cuanavale».
Mas. Sr. Presidente, a política do caminho de ferro de Moçàmedes já foi definida por S. Ex.ª o Presidente do Conselho.
Durante o nosso período de sessões extraordinárias usei da palavra para me congratular pelo êxito retumbante do célebre despacho de Salazar de 22 de Maio findo, no qual se definiu a directriz daquele caminho de ferro - Vila da Ponte, Serpa Pinto, Cuito Cuanavale e daqui apontada à Rodésia do Norte em Livingstone - consoante se diz numa nota do Ministério do Ultramar, que foi publicada nos jornais.
Nem haveria qualquer vantagem em retroceder ou parar.
Parar em Vila da Ponte o prolongamento do caminho de ferro seria demorar por muitos anos as vantagens previstas para Angola e para a Nação, que nós temos o dever de alcançar quanto antes, enquanto dá tempo, e quem sabe até - e iríamos perder para sempre essas vantagens com a demora no prolongamento para leste do caminho de ferro.
O caso é mais sério do que poderá supor-se.
Apressando-se o prolongamento para leste do caminho do ferro de Moçâmedes, o Governo procede, muito avisadamente.
Procura-se deste [...] o desenvolvimento económico do Sul de Angola e ao mesmo tempo pretende-se favorecer o desenvolvimento dos territórios vizinhos, onde mantivemos sempre é mais amigável vizinhança.
Como de todos nós é sabido, a Rodésia do Sul pretende um corredor ferroviário através de Angola ligando Livingstone a um porto na costa ocidental de África, possivelmente [...], que é o maior porto de toda a costa ocidental africana, onde se podem abrigar mais de 5 500 navios.
A Rodésia é um estado fechado no interior [...] sem qualquer saída para o mar.
Tem-se servido do nosso porto da Beira para dar saída aos seus produtos para o oceano Índico; mas pretende obter uma passagem para o oceano Atlântico para

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ficar assim mais perto da Europa e da América, reduzindo muito a extensão do trajecto por via marítima.
E se as vias mais curtas para os mercados consumidores da Europa e das Américas são os portos da costa ocidental africana, é evidente que Portugal, como nação sempre pronta a colaborar da melhor maneira no interesse dos outros povos, vai espontaneamente ao encontro dos desejos e interesses dos nossos vizinhos.
Já o Sr. Engenheiro Vicente Ferreira, em A Política Colonial Portuguesa em Angola, nos diz que: «as condições geográficas fazem de Angola a zona natural de saída para o mar de uma grande parte do Congo Belga, da Rodésia e, porventura, também do antigo Sudoeste Alemão»).
E com a sua autoridade e reconhecida competência, dá-nos esta abalizada opinião sobre o caminho que devemos seguir:

Temos não só conveniência, mas também obrigação de dar passagem para aqueles territórios; e podemos dizer que, sob o ponto de vista dos nossos interesses, é uma grata obrigação.

É neste sentido que o Estado Novo tem seguido, e a proposta de lei do Plano de Fomento traduz exactamente essa orientarão.
Salazar procura sobretudo servir os superiores interesses da Nação, mas não se esquece que Portugal tem deveres a cumprir na colaboração internacional.
E com o mesmo louvável propósito procura dar saída nos produtos pelos nossos portos da costa oriental africana.
E assim é que se deverá entender a razão pelo qual o Governo incluiu também no Plano de Fomento a construção e apetrechamento do caminho de ferro do Limpopo com a dotação de 572:000 contos.
Trata-se do prolongamento desta linha desde a margem esquerda do rio Limpopo até a fronteira, da Rodésia do Sul, no Paturi, numa extensão de 297 km.
Os estudos já se encontram feitos no território nacional, e o Governo da Rodésia procederá depois à respectiva ligação desde a fronteira á rede geral, em Bannockleura.
Presentemente já está em curso a construção do troço da linha férrea do Guijá que se dirige, ao rio Limpopo, próximo de Caniçado, e em preparação a ponte provisória sobre esse rio para servir de passagem do caminho de ferro enquanto se não construir a ponte-açude posta a concurso.
Logo que o caminho de ferro do Limpopo fique ligado no Pufuri com a rede ferroviária da Rodésia do Sul os produtos de exportação deste território vizinho ficarão a ter acesso ao porto de Lourenço Marques, e assim ficará descongestionado o porto da Beira.
O Plano de Fomento foi na verdade admiravelmente concebido.
devemos notar que este Plano não abrange num planificação geral. E somente assim considerado se poderá apreciar devidamente. Não deverá, pois, parecer entranho que, incluindo verbas pura os caminhos de ferro do Limpopo, de Tete de Moçambique e do porto de Nacala, na província de Moçambique, não destine qualquer dotação ao porto e caminho de ferro da Beira.
Como é de todos nós sabido, o Governo de Salazar resgatou o porto da Beira em 1948 por 2,5 milhões de libras, e em 1949, pela importância de 4 milhões de libras, fez entrar na posse do Estado Português o caminho de ferro da Beira.
É consolador registar uma vez mais que estes actos do Governo do Estado Novo, fazendo regressar o porto e caminho de ferro da Beira á posse e soberania da Nação, representam, sem dúvida alguma, um dos acontecimentos mais notáveis da Revolução Nacional na parte respeitante à administração pública do nosso ultramar.
Se a proposta de lei do Plano de Fomento vem consolidar e impulsionar os melhoramentos materiais do País, de maneira a estabelecer mais um vínculo da era de Salazar na história da nossa pátria, certo é também que este período de esplendor governativo fica exuberantemente enaltecido com a posse do caminho de ferro e porto da Beira.
Este conjunto do porto e caminho de ferro constitui um dos mais importantes valores económicos e políticos do ultramar português. Além de servirem o tráfego do território nacional nos distritos de Manica e Sofala, da província de Moçambique, servem também a Rodésia do Sul, a Rodésia do Norte, a Niassalândia e o Congo Belga Oriental na sua ligação com o oceano Índico.
A sua importância económica e política traduz-se praticamente em mais de 2 000 000 t de carga - 2 335 000 em 1951 -, entrando o tráfego internacional com perto de 95 por cento.
Com a nacionalização dos transportes da Beira pode, pois, dizer-se que o Governo de Salazar realizou na província de Moçambique uma obra extraordinariamente grandiosa de fomento e do mais alto significado político.
E, desde que passaram a ser administrados, há quatro anos, pela Direcção dos Serviços dos Portos, Caminhos de Ferro e Transportes de Moçambique, resultou um aumento considerável no tráfego P uma diminuirão 110 tempo de demora dos navios naquele porto, o que é para nós altamente honroso.
Se não há qualquer dotação no Plano de Fomento destinada ao porto e caminho de ferro da Beira, apesar da sua alta importância económica c política, é porque, avisadamente, o Governo tem despendido avultadas importâncias no seu apetrechamento o na construção de novos cais.
O novo cais do crómio já foi entregue, em regime experimental, a Direcção dos Serviços dos Portos, Caminhos de Ferro e Transportes de Moçambique; e tenho conhecimento de que no corrente mês de Novembro o primeiro navio que ali atracou, o holandês Marickerk, carregou 1 000 t de minério de crómio.
Vê-se, pois, que se, continuam normalmente a realizar obras não incluídas no Plano de Fomento.
E, assim, convém notar que este Plano se destina á realizarão de várias obras de fomento mas não abrange a totalidade das obras que se vão realizar nos anos de, 1953 a 1908, nem mesmo abrange todos os sectores do fomento.
Sobre este assunto n relatório do Governo que precede a proposta de lei é inteiramente elucidativo:
Tudo o que se não inclui no Plano ficará, como até aqui, a cargo do orçamento ordinário, com os serviços normais para a executar.

Sr. Presidente: no douto parecer da Câmara Corporativa, na parte I, relativa ao continente e ilhas adjacentes, no capítulo x «Comunicações e transportes», n.º 3) «Caminhos de ferro», ao tratar da aquisição de material circulante, faz-se nm reparo que merece ser considerado, pois evidencia um aspecto de fomento da nossa indústria que é bem digno da maior atenção.
Eu peço licença para ler a referência feita no parecer da Câmara Corporativa. para mais clara elucidação:
Tem sido regra que todo o material circulante (motor e rebocado) dos caminhos de ferro do continente a províncias ultramarinas se compre no estrangeiro. Nada há que dizer quanto a locomotivas, porque é muito cedo para pensar em as obter

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De fabricação nacional; mas nas carruagens e vagões dar-se-á uma prova de desinteresse pelo fomento da indústria se o grande volume do material que se projecta comprar não for a base do estabelecimento dessa nova actividade entre nós.

Na verdade, temos o dever de defender e fomentar a industria nacional.
E, havendo oficinas portuguesas onde se fabricam carruagens, precisando apenas de importar os rodados, justo será que nas encomendas a fazer se atenda, particularmente à indústria nacional.
Ora este reparo, feito no douto parecer da Câmara Corporativa, abrange a metrópole e o ultramar, quando eu sei que o Ministério do tramar tem marcado a sua presença na defesa dos interesses da indústria nacional.
E, porque há interesse público em esclarecer este assunto, eu apresso-me a informar a Assembleia, Nacional de que a recente adjudicação feita naquele Ministério, num total de cerca de 65:000 contos, para o caminho de ferro de Moçâmedes, cerca de 30:000 couberam a empresas nacionais, para a construção de carruagens, furgões e vagões-cisternas.
Quer dizer: o Ministério do Ultramar entregou ;indústria nacional quase 50 por cento do valor total da adjudicação.
É por isto que eu posso afirmar que, pelo menos no Ministério do Ultramar, se atende ao aspecto de fomento industrial a que o douto parecer se refere.
A César o que é de César.
Sr. Presidente: a proposta de lei sobre o Plano de Fomento sexenal destina avultadas verbas para obras de rega e enxugo de terras no vale do Limpopo. em Moçambique, e no vale do Cunene, em Angola, e para preparação de terrenos nos vales daqueles dois rios, transporte e instalação de colonos e assistência técnica e financeira.
O Governo de Estudo Novo lança-se decididamente no caminho da ocupação útnica das províncias de. Angola e Moçambique com famílias de trabalhadores rurais da metrópole.
Louvado Deus que inspiraste o Governo de Salazar a propor medidas de tão largo alcance nacional!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A ocupação étnica do nosso Ultramar é uma necessidade indiscutível. A ocupação agro-pecuária dos territórios das província ultramarinas de Angola e Moçambique foi já preconizada na Assembleia Nacional.
Referindo-me a este magro problema da colonização branca de Angola e Moçambique, já tive ocasião de dizer:
A solução deste importante e complexo problema nacional impõe-se à consideração dos Portugueses pelas grandes vantagens que se deverão alcançar. as quais poderão ser assim enumeradas.
a) Maior desenvolvimento e mais eficiente aproveitamento dos vastos recursos das zonas de povoamento branco daquelas províncias ultramarinas;
b) liais sólido fortalecimento dos elos que ligam a. metrópole àquelas parcelas nacionais, geograficamente separada, mas tudo constitui mio um bloco indestrutível e um só unidade nacional;
c) Uma achega para a solução do magno problema traduzido no exerdento demográfico;
d) Um travão a possíveis ambições estrangeiras, que poderão ver na escassez da população europeia daquelas nossas províncias ultramarinas uni pretexto para gananciosas e ilegítimos ideias de partilhas.
A presente proposta do lei sobre o plano de Fomento veja dar plena satisfação às aspirações da metrópole e do ultramar, particularmente no que; diz respeito ao problema nacional do povoamento europeu ao ultramar.
O povoamento do vale do Cunene em Angola, computado em 8 000 famílias agrícolas e o do vale do Limpopo, em Moçambique, em 3000 famílias, concedendo-se a cada famílias concedendo a cada família 3 ha de terreno regadio e 27 ha de sequeiro para aposentação de gados.
É curioso 1925 o engenheiro Trigo de Morais elabora o projecto das obras de irrigação do vale de Limpopo 1946 foi o mesmo engenheiro quem chefiou a
Missão que estudo o aproveitamento hidráulico e de colonização do vale do Cunene.
E se há dias, em 28 de novembro findo ao ser assinado no Ministério do Ultramar do fornecimento de comportas para as obras de irrigação do vale do Limpopo, o engenheiro Trigo de Morais praticando comovedoramente um acto de inteira justiça. Estou nome de Manuel Moreira da Fonseca que no Governo-Geral de Moçambique. O incumbira daquele trabalho, eu julgo devo aproveitar esta ocasião para evitar o nome do Ministro Marcelo Caetano, que em 1946 nomeou a missão de estado ao sul de Angola, chetada pelo engenheiro Trigo de Morais para estudar o aproveitamento da águas do Cunene.
E o que resultou dessa feliz iniciativa?
Resultou o aproveitamento hidráulico e de colonização que o governo incluiu na proposta de lei em discussão. Vão realizar-se; obras adequadas a instalação de milhares de famílias agrícolas. Haverá mas pão para maior número de portugueses, como disse o Sr. Subsecretário de Estado do Ultramar no acto em que se atinou o contrato a que me referi.
Sr. Presidente: se é certo que todos os métodos de colonização branca são praticáveis e todo, se devem empregar para alcançar a finalidade do povoamento metropolitano daquelas das nossas grandes províncias ultramarinas, a verdade é que pelo qual insistente tenho pagado, se obtém resultados rápidos e maciços na ocupação de certas zonas próprias para a exploração agrícola.
De outro modo os colonos metropolitanos procurar os certos populacionais em busca de emprego, nas não vão ocupar o maio. As terras desocupados continuam a espera de quem seja Capaz de as explorar convenientemente, ao passo que a colonização agrícola dirigida promove a ocupação efectiva de certa zonas por casais agrícolas metropolitanos ou das próprias províncias ultramarinas.
considero, pois a pois de lei em dissensão, sob este aspecto , como medida de mais largo alcance e de mais rasgada visão que o governo do estado Nosso tomou para assegurar a portugal metropolitano e ultramarino o seu desenvolvimento económico e a sua perpetuidade no Mundo.
Ao tratar-se do magno problema nacional do povoamento europeu no ultramar poderá parecer que se exagera procurando desenvolver a agricultura por meio da rega, gastando enormes somas em obras hidroagricolas e Hidroeléctricas.
Deveria talvez o plano de Fomento dedicava-se também ao desenvolvimento de industrias tanto metropolitanos como naturais das províncias ultramarinas fomentando-se assim a colonização livre, menos dispendiosa e a menos preocupações.
E com este outros critérios se poderiam seguir para se intensificar o povoamento metropolitano no ultramar.

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Porém, para se avaliar quão acertadamente o Governo do Estado Novo andou em escolher o critério do aproveitamento da água no desenvolvimento da agricultura, eu peço licença para indicar o caminho seguido por um país que é o mais industrial do Mundo.
No relatório da comissão nomeada em 3 de Janeiro de 1950 pelo presidente Truman para estudar o magno problema da água como factor de colonização o de criação de forca motriz, aumento de produção e de bem-estar encontramos ensinamentos nos três volumes publicados em Dezembro de 1950 em que convém meditar, pois se destinam ao país mais industrializado do Mundo e do petróleo.

Com os produtos das nossas terras, das florestas, das nossas minas, dos nossos poços de petróleo pudemos levantar grandes cidades e sulcar um grande continente com caminhos de ferro e estradas, mas foi a água que nos facultou este milagre. A água, é força activa e dela deponde tudo o mais. Mais água é necessária para. levarmos mais terras a produzir os alimentos de que carecemos. As civilizações são edificadas sobro um alicerce, feito com a combinação da água, da terra e do homem.
A população americana, está em crescimento e dentro de vinte e cinco anos coutará 190 milhões de habitantes, e para mantermos o nosso nível de vida temos cada vez mais de procurar que a água irrigue mais terra», para, lhes aumentar e garantir a» produções, e dê mais forca motriz, tudo indispensável ao nosso aumento populacional. A água é para nós essencial ao nos»o progresso económico.
É esta a política de um grande país que já em 1944 contava 21 milhões de [...] regados, foi a irrigação que levou ao Oeste Americano seminário o bem-estar de que hoje desfruta. E ali fez brotar uma agricultura próspera, que sem a água de rega era impossível, e deu ao meio as condições de habitabilidade e de colonização, que sem ela eram igualmente impossíveis. Quanto aos resultados financeiros, 108 milhões de dólares investidos de 1916 a 1949, só em sete grandes projectos de rega na referida; região semiárida, ou seja mais de 4.800:000 contos, rendiam em taxas de mais valia, em 1940, 57 milhões de dólares, ou seja quase um terço do capital investido.
Resultado quanto ao povoamento: a migração interna da população americana para o Oeste desde 1940 a 1950 traduzida por um aumento de 25 para 52 por cento.

Em face do que acabo de expor num país altamente industrializado, podemos apreciar qual será o alcance do Plano de Fomento em relação ao problema, do povoamento no ultramar quando a agricultura é a base da economia daquelas nossas províncias.
No sexénio de 1953-1958 serão instaladas, nos vales do Cunene e do Limpopo, um total de 11 000 famílias agrícolas, ou seja aproximadamente 44 000 portugueses de raça branca. Cada casal familiar tem paisagem gratuita para si e para dois filhos menores.
Esta proposta de lei representa a melhor solução que o Governo poderia dar á moção da Assembleia Nacional de Março deste ano acerca dos excedentes demográficos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na moção por nós aprovada em resultado do debate sobre o aviso prévio do nosso ilustre colega Sr. Dr. Armando Cândido exprimiu-se «o confiante voto do que o Governo, por meio de uma política migratória estudada e exercida sob a mais efectiva unidade de conjunto, intensifique o mais possível a valorização e o consequente povoamento da metrópole e do ultramar, utilizando, afinal, as correntes emigratórias, devidamente preparadas e assistidas».
Creio, Sr. Presidente, que o Governo deu a melhor e mais ampla satisfação aos anseios então manifestados pela Assembleia Nacional.
Porém, depois de ouvir o discurso do nosso ilustre colega Sr. Capitão Teófilo Duarte e das suas considerações relativas ao vale do Limpopo, é natural que a Assembleia Nacional tivesse ficado muito impressionada. Na verdade, porque este nosso colega é o mais antigo vogal do Conselho Ultramarino e já desempenhou as elevadas funções de governador de duas províncias ultramarinas e de Ministro das Colónias, estas circunstâncias revestem as suas palavras de uma grande autoridade em problemas do ultramar.
Do seu discurso, embora tivéssemos ficado com a impressão que S. Ex.ª é contrária à ocupação étnica do vale do Limpopo, eu creio que este nosso colega assim não deverá pensar: e entendo que ele não só é favorável à irrigação deste vale como até à sua colonização branca. Pelo menos é a impressão que se colhe da leitura do seu livro intitulado Estudos Coloniais e publicado pela Agência-geral das Colónias em 1942, donde S. Ex.ª extraiu trechos que leu à Assembleia Nacional.
E, para tanto, peço licença para ler do referido livro e do capítulo «A irrigação do vale do Limpopo» - «declaração de voto», os seguintes periodos:

Estando as obras e as necessidades do crédito agrícola computadas em 140:000 contos (e tudo me leva a crer que esta verba é pequena, principalmente no que, diz respeito ao crédito), como é que se lança um empréstimo dessa importância, que renderá aproximadamente apenas uns 125:000?

Quer dizer: o nosso ilustre colega não só aceitou o projecto de colonização branca do vale do Limpopo.
Porque o votou como vogal do Concelho do Império, como até entendeu, ao fazer a sua declaração de voto que deveria ser aumentada a verba para aquele fim.
E a sua categorizada opinião era tão favorável à execução do projecto que então se discutia no Conselho do Império que no referido livro e no mesmo capítulo se pode ler o seguinte:

Entendo que ao administrador-delegado se deve dar a máxima força, de molde a levar a rabo a execução do projecto mais transcendente dos últimos cinquenta anos.

Não devemos pois considerar desfavorável a opinião deste ilustre colega nem quanto à irrigação nem quanto à fixação de famílias agrícolas metropolitanas no vale do Limpopo depois de concluídas as obras hidro-agrícolas.
Presentemente vivem já muitos colonos europeus com mulher e filhos no vale do rio Limpopo. Não há razão para se julgar que neste vale não possa viver população branca.
E quanto ao facto de enviarmos gente portuguesa metropolitana para o vale do Limpopo, não significa ele que vamos enveredar pela política de segregação, que nós Portugueses, sempre repudiámos.
Em política e economia não há fórmulas rígidas que se apliquem cegamente. Há, sim, fórmulas que tem a sua instabilidade e que só se efectivam com eficácia e reprodutividade se houver uma certa elasticidade inteligente na sua aplicação.
No caso do vale do Limpopo não vamos expulsar o indígena deita vasta zona para o substituir pulo me-

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tropolitano. Na mesma região ficam reservados dois terços do vale do Limpopo para o indígena agricultor, e há no Plano de Fomento verbas avultadas para lhes construir casas e machambas e prestar toda a assistência.
Parece-me, Sr. Presidente, que uma das raras faltas do nosso sistema de colonização era o facto de até hoje o português branco não trabalhar a terra em África, reservando para si trabalhos menos violentos. Essa lacuna vai agora ser colmatada.
O português preto vai corroborar a convicção que sempre teve do português branco de que este não teme o trabalho, ainda que violento.
Agora o branco e o preto vão irmanar-se ainda mais, trabalhando a terra dentro da mesma zona.
Que grandes vantagens daqui advirão!
O camponês português, detentor das virtudes rácicas, levará para o mato as qualidades de trabalho, persistência, amor à terra, sobriedade e suavidade de costumes, frugalidade, que certamente se irão repercutir na educação do português preto.
E a nossa missão em África é colonizar, que tem como faceta principal civilizar o indígena, encaminhá-lo para uma mentalidade essencialmente cristã, humanitária.
Acresce a isto que o camponês metropolitano levará uma técnica mais apurado de trabalhar a terra, transformando-se a região onde se fixar como que numa grande quinta-modelo, onde o indígena irá colher lições práticas.
Não me deverei tornar mais extenso por falta de tempo, mas inuito haveria ainda a dizer sobre este magno problema.
Eu já disse anteriormente que no sexénio de 1953-1958 serão instalados cerca de 44 000 portugueses brancos nos vales dos rios Cunene e Limpopo.
A despesa prevista com trabalhos de rega, enxugo e preparação de terrenos, instalação e transporte de colonos, assistência técnica e financeira atinge 1.668:000 contos.
É realmente, a obra de maior vulto que se apresenta em todo o Plano de Fomento.
Mais uma vez se verifica quanto a Revolução Nacional de Salazar procura desenvolver e impulsionar o progresso dos territórios ultramarinos.
1.668:000 contos para o povoamento europeu das províncias ultramarinas de Angola e Moçambique!
Para se ajuizar da grandeza da obra a realizar com o povoamento europeu do ultramar, que tantas vezes insistentemente tem sido apontado pela Assembleia Nacional, é necessário que se fixe e se divulgue esta cifra, verdadeiramente impressionante atendendo aos nossos recursos e às nossas possibilidades.
Oxalá que a execução corresponda às patrióticas e entusiásticas aspirações.
Na boa e cuidada execução do povoamento e na fé daqueles a quem ela for confiada residirá a virtude do seu êxito.
Se fracassos tivemos quando nos lançámos na aplicação do sistema dirigido, não os devemos atribuir ao sistema, mas à deficiência na execução e à falta de continuidade.
Honra nos seja feita por termos usado de todos os sistemas para levar por diante o grandioso empreendimento nacional do povoamento, da ocupação étnica dos nossos territórios ultramarinos.
E os resultados não são desanimadores.
Desde o sistema de colonização livre, como sucedeu no planalto de Benguela, à colonização por empresas de tipo capitalista, que a executem dentro das suas zonas, como sucedeu com o caminho de ferro de Benguela, desde a colonização dirigida ou oficial, como se praticou no planalto da Huíla, ao método de colonizar por meio de cooperativas, à semelhança dos açorianos que se instalaram em Angola, no vale do Catofe, onde vivem da agricultura, da criação de gado e da indústria, do Leite, todos estes processos têm sido por nós empregados para ocupar e desenvolver os territórios do ultramar.
Pela maneira como foi concebido o Plano de Fomento na parte respeitante às províncias ultramarinas, e especialmente a Angola e Moçambique, eu antevejo a realização daquilo que a muitos e durante muito tempo foi considerado como um sonho.
Durante dezenas de anos um engenheiro português realizou estudos, sob o calor da sua dedicação àquelas terras, que nos prendem e fascinam quando as conhecemos. Os seus estudos e a elaboração do projecto de irrigação do vale do Limpopo datam de 1925. Há quase vinte e oito anos.
Desejoso de contribuir com o seu esforço para o engrandecimento da Pátria, estudou, dirigiu trabalhos doutros engenheiros, calcorreou o mato africano, pondo o seu vigor e a sua competência ao serviço do ultramar e da Pátria.
Muitos o olharam como um visionário, um sonhador; e se não se opunham às suas concepções e à realização dos seus estudos é porque era forte a sua força de vontade, sinceras e patrióticas as suas intenções.
Ainda recentemente, quando proferiu a sua célebre conferência intitulada A água na valorização do ultramar, preconizando o aproveitamento dos rios Cunene, Cuanza, Limpopo e Incomati, para ser dado grande incremento ao fomento económico das províncias de Angola e Moçambique e ao seu povoamento por casais agrícolas metropolitanos, houve quem se apercebesse da sua tenacidade e do valor dos seus estudos, mas houve também quem continuasse a supor que o conteúdo da conferência do engenheiro Trigo de Morais era ainda o mesmo sonho.
Apesar disto, Sr. Presidente, ninguém ignora que é indispensável e urgente ocupar o mato africano por casais agrícolas metropolitanos, para desenvolver a sua exploração agrícola e desviar a cobiça alheia.
Todos sabemos que na metrópole o aumento demográfico se avalia em 1 milhão de almas de dez em dez anos e que a produção de 3 400 000 ha de terra já não é bastante para a nossa alimentação.
E apesar de se afirmar que, por todas estas razões, a nossa emigração rural deverá ser de preferência encaminhada para os nossos territórios africanos, ainda foi possível supor que aquele engenheiro continuava em lucubrações da sua fantasia.
Sr. Presidente: como se poderá realizar a ocupação agrícola do mato das províncias ultramarinas de Angola e Moçambique se não se fizerem primeiramente as obras hidroagrícolas necessárias?
Ainda bem que o Sr. Ministro do Ultramar incluiu no Plano de Fomento uma boa parte dos estudos realizados pelo Sr. Engenheiro Trigo de Morais.
E que são propostas consideradas como tendo verdadeiro valor nacional diz-nos a suprema concordância que obtiveram do Sr. Presidente do Conselho.
Salazar está ao leme da nau Portugal. É o nosso timoneiro. Abençoada seja a hora em que Deus iluminou o saudoso marechal Oscar Carmona para lhe confiar a Presidência do Conselho.
A era de Salazar marcará na história de Portugal um capítulo grande e inconfundível.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A 4.ª sessão da V Legislatura da Assembleia Nacional vai ficar assinalada nos anais desta Assembleia pelas quatro propostas de lei, de extraor-

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dinária importância tanto para a metrópole como para as provincias ultramarinas.

E o Plano de Fomento virá impulsionar a vida económica e social «Io País, trazendo-nos um período de grande actividade e continuando a dar à Nação as mesmas directizes superiores e renovadoras, da Revolução Nacional.

O Plano de Fomento, na parte respeitante ao ultramar merece aprovação e aplauso.

Daqui me congratulo. com todo o meu entusiasmo patriótico e amor ao ultramar, ao reconhecer que o sonho daquele engenheiro vai ser uma autentica realidade. Mas devo dar a minha. opinião, ao terminar as minhas considerações, dizendo que para a boa execução do Plano de Fomento no ultramar indispensável se torna que haja a tenacidade, a competência, a experiência de técnico de bom saber do Sr. Engenheiro Trigo de Morais, a cooperação do Ministério das Obras Públicas, pela Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, dispensando técnicos especializados em hidráulica, e a melhor colaboração da Direcção-Geral de Fomento do Ultramar e dos governadores das províncias ultramarinas.

Ora, Sr. Presidente, como tudo se conjuga neste sentido, tenho de concluir que estará assegurado no ultramar o êxito do Plano de Fomento.

Tenho dito.

Vozes : - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Mascarenhas Gaivão: - Sr. Presidente: das brilhantes exposições aqui feitas pêlos ilustres Deputados que me antecederam no uso da palavra de pouco ou de nada poderá servir o meu modesto contributo em debato de tanta complexidade.

Na parte que respeita ao ultramar já brilhantemente expuseram no seu ponto de. vista ilustres coloniais, entre os quais figura um ex-ministro e alguns ex-governadores.

Pouco ou nada, portanto, dizia, eu, poderá adiantar a palavra de um mais que modesto colono, que apenas pode; apresentar as credenciais que lhe advém de trinta • anos de trabalho ao serviço da actividade privada e um nome. que se orgulha de há quatro gerações vir pugnando pelo engrandecimento de Moçambique.

Ali tendo vivido esses trinta anos. quase que sem interrupção, nem sequer para retemperar a saúde do tão injustamente por vezes apregoado mau clima, ali tendo constituído família, ali desejando ficar para. sempre, natural é que sinta mais do que qualquer outro tudo quanto se relaciono com aquela abençoada terra, terra que. como uma vez ali disse S. E. o Cardeal Patriarca de Lisboa: «é para beijada, e não pisada».

Com tão fracos atributos, portanto, não roubarei mais do que uns momentos à Assembleia ao tentar dar o meu contributo para o esclarecimento do problema em debate.

Como não podia deixar de ser. todos aqueles que realmente acreditam na continuidade da nossa civilização no continente africano e que admitem, como eu admito, que Moçambique ou Angola poderão continuar a ser ofectivamente outra.-, parcelas de Portugal rejubilaram quando tomaram conhecimento do Plano de Fomento que o Governo pretendia levar a efeito.

Com efeito, com aquela franqueza que é apanário dos homens de Africa, nascida da luta dura pela vida, sem conhecimentos de política, a não sei aqueles restritos ao arreigado sentimento patriótico, devo confessar que foi com alvoroço e admiração que lá longo tomei conhecimento da proposta lei relativa ao Plano de Fomento Nacional.

Ë que. Sr. Presidente. já não estávamos habituados a encarar a possibilidade de invenstimentos de tanto vulto em obras de fomento, sobretudo quando tais realizações se revelem, com esta, de espírito audacioso o renovador.

Sem desprimor para o muito que se fez nesta últimos tempos no respeitante à valorização do patrimonio nacional. a verdade é que o Plano de fomento agora em causa representa mais do que se havia feito, exactamente porque vai por a prova a nossa capacidade tecnica e. empreendedora.

Estávamos já habituados a ver, e em boa hora, o Governo nacionalizar empresas estrangeiras estabelecidas há dezenas de anos, que, muito embora na sua época tivessem prestado bons serviços, convinha nacionalizar. Os resultados de tal política, estão patentes no porto e caminho de ferro da Beira.

O prestígio que no estrangeiro useiro criámos. com a efectivação de tais medidas não se torna necessário encarecer. uma vez que já aqui foi exaltado. Mas havia necessidades. até de carácter político, de fazermos a demostração de que éramos também capazes do estudar, projectar e efectivar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Obras de fomento, com vista à valorização do nosso próprio território, aproveitando as suas inesgotáveis riquezas em benefício de colonos europeus.

Especialmente por esta razão e que eu dou o meu inteiro acordo à proposta de lei. particularmente no que respeita a .Moçambique.

Se o ponto do vista economico podem ser discutiveis o investimentos a que o Plano faz referência, do ponto de vista político não podem oferecer dúvidas.

Existe uma urgente necessidade de ocupar efectivamento o nosso hinterland, exactamente para que se não continue a dizer e a pensar que todos ou praticamente. todo os investimentos que temos em Moçambique visam a servir somente os países vizinhos, a União Sul-Africana e as Rodésias.

Se e do mais alto interesse servirmos tais paises. dando aproveitamento aos esplêndidos portos do que estamos dotados se é também gesto de boa vizinhança permitirimos que uma grande massa da nossa população nativa vá procurar trabalho nos mesmos países, parece--me ser chegado o momento de, .sem prejuízo de tal objectivo, valorizarmos o nosso próprio território por forma tal a conseguirmos, também no que é nosso aquilo que temos estado a ajudar a fazer aos outros. Não nos falta para tal todos os requisitos.

O Plano de Fomento. nas suas linhas gerais, vem quanto a mim, conduzir a este objectivo, motivo, por que lhe dou o meu incondicional apoio. É certo que ficam ainda por resolver em Moçambique muitos problemas den capital importância.

A eles faz referência o parecer da camara Corporativa, especialmente no que respeita à rede de estradas. e de facto, quanto a um, problema que carece de urgente estudo e só de lamentar é que não tenha sido possível encará-lo neste Plano. Uma estrada norte-sul de cabo Delgado a Lourenço Marques que garantisse, pelo menos, passagem a veículos automóveis durante todo o ano é problema que muito conviria ver encarado com urgência, procedendo-se aos respectivos estudos. Não é obra que se possa fazer com os próprios recursos da província. Presentemente, para se poder ir, por estrada, de Lourenço Marques para a Beira, por

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exemplo, haverá necessidade de se sair do nosso território e servirimo-nos das esplêndidas estradas da União Sul-Africana, e da Rodésia.

Não seria difícil demonstrar que do ponto de vista económico outras obras de fomento se poderiam levar a cabo em Moçambique, com melhores resultados do que aqueles que se esperam obter dos enunciados no Plano. Toda a Zambézia, o Niassa, as regiões da Angónia e outras oferecem excelentes condições para empreendimentos daquela natureza, como também climas excelentes ])ara a fixação de colonos em região de altitude.

As obras, porém, estudadas e enunciadas visam, quanto a mim, a um objectivo político que não pode deixar de ter primazia.

Vai para trinta anos que foi feito o estudo do aproveitamento do vale do Limpopo e já então o actual ilustre Subsecretário do Ultramar, engenheiro Trigo de Morais, então encarregado de tal estudo, apontava as vantagens da sua execução.

O que seria hoje essa região se então se tive»-e. levado por diante A ideia que agora e, e vai materializar? O próprio engenheiro Trigo de Morais, quando em referiu ao assunto na conferencia que fez sobre a água na valorizarão de ultramar, nos disse «que o caudal de estiagem, que no projecto de 1923 se situava nos 27 m2/segundo, não chega hoje a uma oitava parte». Actualmente a situação deve ainda ser pior.

A água, que um l925 corria abundante e que o génio empreendedor do ilustre engenheiro aconselhava a aproveitar, foi aproveitada sim, em grande parte, mas pêlos nossos vizinhos.

Há necessidade, pois, de fazer, pela nossa párte,o aproveitamento do que resta, e quanto antes, com vista a assegurar a distenda e realizar a consolidação de uma obra de colonização agrícola já em parte existente e ao mesmo tempo afrouxar a nossa capacidade realizadora no campo da técnica.

O caudal do rio UmheluZi. donde, de há Cinquenta anos a esta parte, se. abastece de água a cidade de Lourenço Marques, também tem diminuído consideravelmente como consequência dos aproveitamentos que a vizinha Suazilándia tem estado a fazer. No aproveitamento agora enunciado de Movene, no rio Incomati, já se preza, e muito bem, o abastecimento da água deste rio a Lourenço Marques, em substituição da que actualmente se obtém do Umbeluzi.

No que respeita ao sistema de colonização europeia preconizado um Plano ponho as minhas duvidas sobre os seus resultados. A colonização dirigida tira, quanto a mim, pelo menos em África, o valor ao homem que dela se. serve exactamente porque se é cercado o seu espírito de iniciativa. Tudo lhe aparece feito, tudo lhe será indicado no que respeita ao que tem a fazer, resultando dai que o colono passará a ser um outro funcionário.

Eu não quero crer que o problema não tenha sido visto pelo autor da proposta do e por isso mesmo acredito que. ele próprio tenha sobre ele- ideias concretas com vista a eliminar os inconvenientes que a mim me parecem evidentes.

A colonização livre é aquela que melhor resultado nos tem trazido. A iniciativa privada é aquela que melhores garantias oferece de continuidade.

Pode-se estabelecer uma colonização livre desde que se criem meios de vida necessários e que, sobretudo, se estimule a iniciativa.

Em Moçambique tem a iniciativa privada bejas provas da sua capacidade realizadora, não sendo ;afrojado afirmar que é dela a que o Governo deve esperar o aproveitamento para as obras de fomento que vai levar efeito. Quantos daqueles que certamente terão de ser deslocados da metrópole para a execução das obras projectarias não virão a ser outros tantos colonos que livremente se fixarão!

O mesmo sucedeu quando da permanência dos batalhões expedicionários em Moçambique. Muitos dos quais tem como soldados ou até em postos superiores são hoje comerciantes, agricultores ou industriais.

No que respeita ainda ao vale do liimpopo certamente também não foi esquecida a posição os indígenas ali estabelecidos. Tem sido inteligente políiica do actual Governador-geral. comandante Gabriel Teixeira, a sua fixação à terra, da qual não .o fizeram esperar os frutos. Na me alongo a fazer- hes referència. porque com mais brilho o já fez o ilustre Deputado Dr. Sousa Pinto.

No seu parecer sugere a Câmara Corporativa que a verba de 470:000 contos destinada a execução do aproveitamento hidroeléctrico do Movene seja desviada para o de estrada? da provincia. sem dúvida que o .problema das comunicações por estrada é daqueles que se faz sentir com enorme asuidade.

O desenvolvimento dos vastos territórios de Moçambique depende, como é sabido, das suas vias de comunicação. Muitas das estradas existentes não são propriamente estradas, mas picadas abertas, cuja indispensável utilização representa, tambem para o Governo cumo .para os, particulares, um pesadíssimo encargo com o desgaste do material circulante.

Contudo, como não é possível ambicionar realizar tudo num primeiro .plano de fomento, e meu parecer e que os facto da não existência das verbas destinadas aquele fim não deve prejudixcar as destinadas a estudos já feitos. Torna-se necessário sim proceder a outros estudos, entre eles os respeitantes à rede de comunicações ou estrada, e então lançar-se o Governo em mais planos

Nào tenho dúvida em afirmar que todo o dinheiro que foi aplicado no estudo das inesgotáveis possibilidades de Moçambique será dinheiro bem gasto.

O aproveitamento hidroeléctrico do Movene é, como o do Limpopo, um problema que envolve além do aspecto económico o político. Aqui como ali temos necessidade de mostrar a nossa presença efectiva para que não suceda ao Incomuti o mesmo que sucedeu ao limpopo e esta a suceder ao Umbeluzi, isto é, a antecipação dos Sul-Africanos e os Rodesiunos na realização do aproveitamentos hidráulicos para rega e outros a montante do nosso território. Só isto bastaria paru dar o meu inteiro apoio à execução de tal obra.

E Poderia juntar àquele argumento outros justificativos do valor económico do empreendimento. E a não demorar a minha exposição peço a V. ex., Sr. Presidente, mande publicar nu Diário das sessões os elementos que me foram facultados respeitantes ao assunto.

Poderia, Sr. Presidente, alongar as minhas considirações, dando a conhecer à Assembleia muitas outras ambições de Moçambique. A seu tempo eles virão a ser consideradas e conhecidas, uma vez que continue a existir a mesma fé que agora existe quanto às coisas do ultramar.

Termino, fazendo minhas na palavras do ilustre Deputado Dr. Sousa Pinto no respeitante ã justiça que representaria para Moçambique a inclusão do porto e raminho de ferro da Beira na Direcção dos Serviços dos Portos. Caminhos de Ferro e Transportes de Moçambique.

Tenho dito.

Vozes : - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

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Elementos a que se referiu o orador no decurso do seu discurso:

Aproveitamento Incomati-Movene

1) A verba de 470:000 contos não é só para a produção de energia.
Na 1.ª fase o canal é previsto para regar 10 000 há das terras da Moamba e a albufeira para abastecer com 86 400 m/dia a cidade de Lourenço Marques.
A albufeira enche-se durante a época das águas altas no Incomati, e não lhe interessa nada a caudal de estiagem deste rio.
2) A despesa com a preparação dos terrenos da Manhiça, a que se alude no parecer da Câmara Corporativa, já está incluída na verba de 640:000 contos, ao contrário do que aí se diz.
3) A geradora térmica que foi adquirida para Loureuço Marques não é potente em condições de garantir o serviço durante largo tempo, pois apenas se pretende instalar, por agora, dois grupos de 5 000 kw: assim, ela não chega sequer para cobrir a ponta que se apresentará logo que os tarifas sejam acessíveis, cujo valor se prevê que venha a ser de 11 885 KW.
O kilowatt-hora paga-se hoje a 6$20 e poderá vir a pagar-se - na distribuição - entre 1$ e 1$50, quer pela solução térmica quer pela solução hidráulica.
Nesta baixará para valor muito inferior quando se fizer a 2.ª fase do aproveitamento hidráulico (rega da Manhiça), porque então a produção de energia passará a ser subproduto da rega.
4) Consumos (só pela geradora municipal):
kwh
Em 1937 .................................. 4 321 623
Em 1946 .................................. 8 619 750

Em dez anos duplicou, como é regra geral, apesar de todas as restrições e das tarifas altas.
Contando com todas as outras geradoras que terão do ser substituidas por uma única para não haver a pulverização que conduz ao mau rendimento económico, e visto a produção Ter sido em 1947 de 22 696 028 kwh, serão necessários em 1956 + - 45 000 000 kwh, admitindo que o valor duplicará em dez anos.
5) A geradora térmica não estará pronta a funcionar antes de três anos, a partir da data em que se inicie a sua instalação. Mas, então, quando começar a funcionar já não poderá fazer frente às necessidades de Lourenço Marques, pois não poderá fornecer mais de uns 30 a 35 milhões de kilowatts-hora, e não terá, como se viu, potência bastante para cobrir a ponta de carga.
Quer dizer, mantendo o critério de se ficar só com a térmica, ela ficará suturada antes de um ano, a contar da sua entrada em serviço. Haverá então que- adquirir novos grupos térmicos com todos os inconvenientes de maior despesa de exploração, relativamente á solução hidráulica, e na dependência absoluta da importação de combustível. Se não vier carvão não há energia.
6) Nota-se ainda que a rede de distribuição - que tem de ser refeita - não poderá estar concluída antes de cinco anos, a contar da data em que se iniciem os trabalhos da sua substituição, que se ignora ainda quando seja. A criação da geradora hidráulica não necessitará mais de três a quatro anos para iniciar o seu fornecimento, após a data do início da sua construção.
7) O abastecimento de água à cidade, embora melhorado ultimamente, não dispõe de água abundante e em condições de exploração económica como lhe assegura albufeira do Movene.

1) Elementos relativos ao aproveitamento Incomati-Movene:

1) Fins do aproveitamento:
Produção de energia:
Rega:
Abastecimento de água á cidade de Lourenço Marques.

B) Custo das obras da 1.ª parte:

Nestas obras considera-se a produção de 727 milhões de kilowatts-hora na geradora do Movene:
A rega de 10 000 há de terras da zona de Moamba:
O abastecimento de 86 400 uni/dia à cidade, ou seja 1 m/segundo.
O orçamento de todos os elementos de obra, até à saída da albufeira, incluíndo despesas de administração, encargos gerais e imprevistos, é de 450:000 a que se junta, por estimativa o custo da conduta que há-de levar a água desde a albufeira à cidade 20:000
470:000

C) Distribuição do custo das obras nesta 1.ª parte de aproveitamento:
Contos

Produção de energia ........................... 345:390
Rega (parte do canal de derivação que é de atribuir às terras de Moamba) ................. 91:550
Abastecimento urbano .......................... 21:890
458:830

Valor do equipamento de estaleiro no final da obra (a) ............................ 11:170
470:000

(a) O valor inicial do equipamento de estaleiro necessário á construção dos elementos de obra e estimado em 55:850 contos.
Depois do seu desgaste normal na construção, no final da obra esse equipamento representa um valor que tem de ser abativo no custo real da obra.
Arbitra-se esse valor em 20 por cento do valor inicial, ou seja 11:170 contos.

D) Encargos sobre os múltiplos fins do aproveitamento:

Custo do kilowatt-hora produzido:

Nas barras da geradora ...................... $54(2)
A entrada da cidade em baixa tensão .......... $59(9)

Encargo que pesa sobre as terras de Moamba (só pelo que se refere ao canal de derivação) .................................. 291$20/há
Encargo que pesa sobre o custo da água á entrada da rede de distribuição da cidade ...................................... 5032m3

Nota. - O estudo da rede de distribuição da rega não está feito.
Apenas está feito o levantamento topográfico e o rendimento agrológico.
Pode-se admitir que, em primeira aproximação o encargo total da beneficiação andará por uns 4.000$/há.

E) repercussão das obras da 2.ª fase nos diferentes enncargos:

a) Custo total das obras (1.ª e 2.ª partes):

Na 2.ª fase prevê-se - segundo o Plano de Fomento, note-se - a rega de 30 000 há das terras de Manhiça.

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Neste caso. e nas condições previstas no Plano que serão diferentes no futuro, pois é possível com a água que passa nas turbinas da geradora de Movene regar área muito superior à prevista - cerca de 70 000 ha), as condicões económicas de empreendimento serão como segue:

Contos
Custo total das obras da 1ª parte 470:000
Custo total das obras da 2ª parte 300:000
Total 970:000

6) Distribuição do custo das obras das 1.ª e 2.ª partes:

Contos
Produção de energia 251:983
Rega:
Terras da Moamba 69:017
Campos da Manhiça 627:551
Abastecimento de água a Lourenço Marques 21:049
Valor do equipamento de estaleiro no final da obra 40:400
Total 1.010:000

c) Encargos sobre os múltiplos fins do aproveitamento :

Custo do KWS produzido:
Nas barras da geradora $27(5)
A entrada da cidade em baixa tensão 528
Custo da beneficiação hidroagricola: 5
Terras da Muamba 6.9025 ha
Campos da Manhiça 15.6893 ha

O ónus sobre a, terra, nos termos da Lei n.° l945, para reembolsar o capital investido, em 30 anuidades, à taxa de juro de 2 por cento, será:

Para as terras da Moamba 219562/ há*ano
Para os campos da Manhiça 499522/ ha*ano

Se a instalação que interessa ao abastecimento de água à cidade for paga em cinquenta anos, a taxa de juro de 4 por cento ao ano, o encargo que pesa solire o custo da água à entrada da rede de distribuirão da cidade será de ,503(l)/ms.

2) Consequências do atraso na realização das obras. Uma delas e esta de importância, capital é a antecipação dos Sul-Africanos na realizacão de aproveitamentos hidráulico para rega. a montante dos nossos.

Da conferencia «A água na valorizacão do ultramar». feita em l de junho de 1931 no Instituto Superior Técnico pelo engenheiro Trigo de Morais, Subsecretário de Estado do Ultramar: «... criaram-se ainda muitas albufeiras nas cabeceiras do Limpopo. para lá do Pafuri, e tantas que o que era caudal de estiagem no projecto de l925 e se situava nos 27 m2/.segundo, hoje não chega a uma oitava parte».

3) Aproveitamentos na União Sul-Africana. - Existem na União Sul-Africana umas quantas pequenas geradoras hidráulicas. algumas delas na bacia do Incomati -Sábie. Barbertom. l'mtata e ceres, onde se aproveitam apenas cursos de água de escoamento permanente. Substituem com vantagem geradoras térmicas onde. se. queimaria carvão que teria de vir de longe.

Ora Lourenço Marques ainda fica mais longe desse mesmo carvão.

Nota-se, a propósito, que as Sul-Africanos deixem que o incomati, com o seu tributário crocodilo. e um rio de excelentes escoamentos perenes e onde. existe a possibilidades muito animadoras.

O Sr. Vasco Mourão: - Sr. Presidente.: trazendo à apreciação e votação desta Assembleia, o Plano de Fomento agora em discussão, quis certamente " Governo que sobre ele se abrisse um longo debate que abrangesse os seus mais variados aspectos o se furmulassem as críticas julgadas por convenientes quanto a cada um dos multiplos projectos que no Plano se contêm.

Pela minha parte não quis deixar de prestar o meu modesto concurso à discussão do Plano, formulando algumas observações, que se mé afiguraram como necessárias, quanto às obras nele previstas que mais directamente interessam à zona regional que tem cidade d Porto como centro da sua actividade económica.

Quero referir-me as, obras a efectuar nos portos do Douro e Leixões.

Por um dever de elementar justiça prestada à memória, de quem foi um dos mais persistentes defensores dos interesses do Norte do Pais, não quero deixar do frisar neste momento que as obras do porto de Leixões se devem fundamentalmente à iniciativa e perseverante tenacidade do nosso saudoso colega Dr. Antunes Guimarães, quando Ministro do Comércio e Comunicações.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Para conseguir levar a efeito a primeira fase de melhoramentos no porto de Leixões teve o Dr. Antunes Guimarães do vencer a poderosa resistência de todos aqueles que não acreditavam ou não queriam acreditar nas possibilidades futuras desse porto como realidade efectiva e necessária, não apenas para serviço duma zona regional mas para o conjunto da economia nacional.

Felizmente o rodar dos tempos veio demonstrar como eram fundadas as previsões quanto ao futuro do porto do Leixões, e o aumento verificado no seu tráfego comprovou a necessidade imperiosa do alargamento das suas instalações, como do Plano de Fomento se conclui.

Não quero, pois. deixar de manifestar deste lugar o meu caloroso aplauso à compreensiva actuação do Governo, dotando essas obras no Plano em discussão com a verba substancial de 170:000 contos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-No entanto. Sr. Presidente, apesar da dotação valorosíssima. que no Plano se contém quanto a ampliação das instalações do porto comercial do Leixões, não pode passar sem reparo que no mesmo Plano se não contenha qualquer verba destinada ao apetrechamento do seu porto de pesca.

Na verdade, tudo fazia crer que assim não viesse a suceder, em face do que já constava do relatório do Governo apresentado a esta Assembleia sobre a execução da Lei n.° 1914.

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Para não perder a especial autoridade que resulta de se tratar de uma inequívoca afirmação do próprio Governo, permita V. ex.. Sr. Presidente, que eu leia uma passagem desse relatório.

Diz-se ai, a p. 162:

Leixões, primeiro porto de pesca costeira do Pais e também o mais importante da Península, não tem ainda instalações para a pesca, donde os consequentes prejuízos e inconvenientes de vária ordem e dificuldades de abastecimento da zona norte do País com peixe fresco.

Limitei-me a reproduzir textualmente a afirmação governamental que a tal respeito no relatório se contém.

Pois bem, apesar da grandeza do Plano em discussão, ainda hoje, como ontem e certamente por mais alguns anos, continuará «o mais importante porto de pesca da Península» a não possuir qualquer apetrechamento quer para as operações normais e correntes da descarga do pescado, quer para a conservação do peixe até à sua distribuição para entrada no consumo público.

Ora tudo fazia crer, em face da importância que o próprio Governo lhe reconhece, que o porto de pesca de Leixões viria a ser tratado no Plano com mais esclarecida atenção.

Com eleito, no relatório a que já me referi dizia-se ainda:

O Decreto-Lei n.° 33:922 (2.º fase do plano de portos) previa a construção do porto de pesca de Leixões e dotava essa obra com 25:000 contos. O seu projecto está em estudo e calcula-se que o sen custo seja de [...] contos.

Apesar disto, no Plano de Fomento agora em discussão não se contém qualquer referência ao porto de pesca de Leixões.

E, pelo que consta do parecer da Camará Corporativa, parece ter de esperar-se novo plano, depois de inteiramente executado o que agora vai iniciar-se, para que o apetrechamento do «mais importante porto de pesca da Península venha a ser uma realidade.

Mas, como se ainda não bastassem as perdas materiais avultadas que esta falta de apetrechamento acarreta no que respeita ao aproveitamento do peixe e à sua qualidade, e que são vultuosíssimas, dá-se ainda a circunstancia lamentável de os trabalhos diários de descarga do pescado serem ainda hoje levados a efeito em tão deploráveis condições de risco para os trabalhadores que neles se empregam que os acidentes ali verificados nessas operações normais são duma extrema frequência e gravidade.

Não possuo elementos estatísticos certos quanto a acidentes, mas, para dar uma ideia da importância que revestem, bastará referir que o seu volume é de tal grandeza que representa um dos mais pesados encargos da respectiva mútua seguradora em acidentes no trabalho.

É, pois, indispensável que este estado do coisas seja remediado com urgência.

Em contrapartida com o que se passa quanto ao porto de pesca de Leixões, outros portos secundários do mesmo tipo foram tratados no Plano com muito mais atenção e as respectivas obras de tal forma antecipadas que, ao que me informam, algumas delas se encontram já em franca execução.

Aqui liça feito o reparo que julguei necessário e que deixo à esclarecida apreciação do Governo.

Um outro ponto do Plano de Fomento, este relacionado com a barra do Douro, merece também alguns comentários.

Prevê-se no Plano a construção de um cais acostável na margem esquerda do rio Douro e que era já encarado igualmente no relatório do Governo sobre a execução da Lei n.° l914.

Essa realização não pode deixar de merecer tambem o meu franco aplauso, pois represento uma velha aspiração que finalmente parece estar em vias de vir a efectivar-se.

Mas não pode deixar de fazer-se um breve reparo quanto a uma omissão que no Plano se contém e que directamente se relaciona com a construção do novo cais.

Quero referir-me às obras complementares e indispensáveis de melhoramentos na barra do Douro, a que no Plano se não faz qualquer referencia.

E, a ajuizarmos pelo que se lê no parecer da Camara Corporativa, essas obras de dragagem e quebramento de rochas só virão a realizar-se depois de concluído o cais acostável.

Ora, salvo o devido respeito, não fez sentido que se planeie a construção de um cais acostável no rio Douro, que deverá estar concluído nos próximos seis anos abrangidos pelo Plano e com o qual se despenderão; 35:000 contos, ficando no entanto para novo plano as obras indispensáveis para que a barra do Douro venha a proporcionar condições favoráveis de acesso ao novo cais. Tais obras representam um conjunto global, que devia e deve ser efectivado simultaneamente.

A falta de coordenação entro estes dois aspectos do mesmo problema não se compreende justamente num plano destinado a seriar e coordenar a efectivação das obras que nele se prevêem e seus necessários complementos.

Sob este aspecto dos melhoramentos ou até de simples conservação da barra do Douro há ainda que frisar um facto curioso.

É bom subido que as condições de acesso ao rio Douro não podem manter-se com um intenso serviço de dragagens.

Pois bem, nos tempos em que nada do vulto se realizava no nosso país possuíam os portos do Douro o Leixões uma draga privativa de tipo moderno.

Mas essa draga foi dali retirada pela respectiva direcção-geral para serviço em outros portos, e o porto do Douro ficou privado, consequentemente, do seu serviço próprio e permanente de indispensáveis dragagens.

Formulados estes ligeiros reparos que me foram sugeridos quanto ao que no Plano de Fomento se contém em relação aos portos do Douro e Leixões, não quero terminar as minhas considerações sem uma palavra de confiança.

forno as previsões financeiras do Plano se acham assentes numa muito prudente e cautelosa estimativa, incluindo-se além disso dotações porventura excessivas quanto a alguns serviços, como, por exemplo, aqui já foi referido no que respeita à Junta de Colonização Interna, quero crer que mesmo durante a execução do Plano poderão ser libertadas algumas dotações que representam encargo orçamental.

E, se tal facto vier a verificar-se, é de supor que possa vir a executar-se ainda no período de vigência do Plano, por dotações orçamentais, pelo menos uma parte das obras que referi, quer quanto ao porto do pesca de Leixões, quer quanto à barra do Douro.

Confio, portanto, em que o Governo considerará as inconvenientes omissões que apontei a traços largos e procurará resolver estes aspectos do problema dos portos do Douro e Leixões com a mesma prontidão e acerto com que tem resolvido outros de maior monta e quo até há bem poucos anos eram por todos nós encarados apenas como inacessíveis miragens.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem

O orador foi muito cumprimentado.

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O Sr.. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: não quero deixar de subir a esta tribuna para me referir á proposta do lei que estabeleço o novo Plano do Fomento na parto que se refere à ilha da Madeira. Já aqui foi focado, com grande brilho, por outros oradores o aspecto nacional desse Plano. Mas, a par do seu significado geral, a proposta em discussão envolvo benefícios directos especiais para determinadas regiões, que é conveniente e necessário apreciar. O Plano de Fomento prevê para a ilha da Madeira verbas importantes destinadas :

1) A Segunda fase dos aproveitamentos hidráulicos e hidroeléctricos;

2) Ao repovoamento florestal:

3) As obras do porto du Funchal.

Na parte referente aos aproveitamentos hidráulicos e hidroeléctricos o Plano para o próximo sexénio visa assegurar a continuidade de uma obra que, uma vez integralmente efectivada, fica a marcar na valorização da economia agrícola da Madeira uma das maiores. realizações de todos os tempos da Administração.

Não há apenas que destacar a valor técnico dessa obra, os riscos que se correram, os sacrifícios que só fizeram, o trabalho que se despendeu e as verbas que se gastaram para transformar em realidade o que durante anos foi sonho e esperança do gerações.

No dia 8 de Maio último efectuou-se a inauguração da fase mais importante dos aproveitamento hidráulicos da Madeira, que permite a irrigação das zonas mais produtivas dos concelhos da Ribeira Brava e de Câmara de Lobos.

Melhor do que as minhas palavras, a emoção e a alegria que nas cerimónias inaugurai* tiveram as populações agrícolas beneficiadas, ao verem a« águas frescas do norte regar a terra fértil do sul. exprimem o reconhecimento da Madeira por essa notável realização da Administrativo de Salazar.

Estão concluídos os aproveitamentos hidroagrícolas de Machico-Caniçal, Ribeira Brava-Càmara de Lobos e Calhota-Ponta do Pargo e em via de acabamento os aproveitamentos hidroeléctricos da. Serra de Agua e da Calheta, com as linhas de transporte do energia para u Funchal, incluindo postos do seccionamento da Ribeira Brava e Casa Branca e subestação do Funchal.

Construíram-se 140 km do canais, dos quais l6 em túneis, muitos dos quais em rochas escarpadas o inacessíveis e onde algumas vezes o bom e rude trabalhador da Madeira teve de contribuir com a vida para que a obra prosseguisse sem interrupções ou afrouxamentos.

Para se fazer ideia da grandeza, e da importância deste empreendimento basta dizer que ato agora as águas aproveitadas davam para irrigar aproximadamente 10 500 ha. Os aproveitamentos hidráulicos em curso permitem irrigar perto do 50 00O ha, ou seja quase 30 por cento a área total do regadio, com a vantagem de beneficiar terrenos da magnifica fertilidade.

Vai aumentar-se assim a produção da ilha em algumas dezenas de milhares do contos, não se de produtos necessários à subsistência pública, mas de outros que são valores essenciais da exportação insular. A vantagem económica do aumento de produção o as consequências sociais na melhoria das condições do vida e na fixação de maiores contingentes demográficos à terra fazem desta empreendimento uma obra de transcendente alcance, quo ó do toda a justiça assinalar precisamente no momento em que. através do novo Plano de Fomento. o Governo procura assegurar a sua continuidade e completa efectivação.

No plano hidroeléctrico está a concluir-se a construção de quatro edifícios para as respectivas centrais, postos subestação do Funchal, o lançamento de 37 km de linhas de alta tensão e a montagem de quatro condutas forcadas, totalizando um desnível de 2 330 m, e de quatro grupos geradores com a potência total do 7 O00 H. P., além de um grupo do reserva de 3000 H. P.

A segunda fase do plano das aproveitamentos hidroagrícolas. a iniciar no próximo ano. compreende os aproveitamento de Funchal- Santa Cruz. Ponta do Sol (zimbreiros), S. Vicente (Cardais) e Porto Moniz, abrangendo a abertura de 116 km de canais principais, dos quais 16.5 km em túneis.

Essa segunda fase do plano inclui ainda a electrificação dos concelhos rurais e a remodelação da rede de distribuição do Funchal, de maneira a utilizar a energia produzida nas novas centrais.

A produção eléctrica das novas centrais é de 15 milhões de KW anuais, ou seja duas vezes e meia, 1.1 actual consumo do Funchal.

Vai assim ter-se energia mais barata e mais abundante, dispensar-se a importação dos combustíveis líquidos indispensáveis ao funcionamento das centrais térmicas, levar a toda a parte a luz, no duplo aproveitamento da água!

As entidades mais representativas da Madeira já exprimiram ao Governo o seu júbilo pela efectivação deste grandioso empreendimento. Mas creio que não pode haver melhor oportunidade do que esta, nem melhor local do que a tribuna da Assembleia Nacional para exprimir ao Governo o reconhecimento de uma população que na devoção à Pátria encontra o seu maior título de desvanecimento e orgulho.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:-Sr. Presidente: as obras dos aproveitamentos hidráulicos não teriam sentido se não fossem completadas com a realização de um plano sistematizado e ordenado de protecção florestal, defendendo as matas existentes e fomentando a plantação de novos arvoredos, para quo a ilha não perca a sua riqueza o ale mesmo a razão do sem nome ...

Todos os aproveitamentos hidráulicos e hidroeléctricos se basearam em certos caudais de água actualmente, existentes, bastantes para a irrigação de determinadas áreas e para a produção do certa quantidade de energia. Para que os aproveitamentos realizados mantenham no tempo os seus benefícios e não sejam regalia de uma geração, torna-se necessário proteger c fomentar a arborização, como requisito indispensável à fixação da terra o h, regularização Jn próprio clima.

A inclusão do quantitativo de 64:000 contos no Plano de Fomento destinado a obras do repovoamento florestal nos dois distritos insulares do Funchal e de Ponta Delgada aparece. pelo menos quanto à Madeira, como o complemento de uma louvável política do fomento agrícola nos diversos aspectos quo este comporta.

Sr. Presidente: estou certo de que do todas as obras previstas no novo Plano de Fomento nenhuma interessou mais o povo da Madeira do que o desejado melhoramento e apetrechamento du porto do Funchal.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:-Todos na Madeira constatamos, com júbilo, a continuação da política do engrandecimento nacional que o Plano de Fomento exprime e traduz. Todos verificamos, com orgulho, que esta vai intensificar a valorização dos extensos o valiosos recursos do ultramar português. Mas entre tantas obras previstas, umas arrojadas na concepção, outras grandiosas pelo pensamento quo as anima, entre tantos e numerosos empreendimentos anunciados, nenhum nos alvoroçou mais do que a in-

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clusão de novas obras no porto do Funchal no plano a executar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Os povos sofrem profundamente as influências ancestralidade e do meio. E esta gente da Madeira, que do litoral até aos recônditos montanhosos do interior conquistou e amanhou carinhosamente a terra, olha sempre para o mar como o campo infinito das suas esperanças o dos seus sonhos ...

Não se apagou anula no seu sangue de voz dos capitãos e navegantes, dos marinheiros o dos colonos que fizeram do primeiro descobrimento a mais bela e fulgurante jóia da coroa do Portugal.

Foi pelo mar que a ilha se povoou e colonizou. Através dele vieram a cana sacarina e as videiras afamadas, as plantas dos trópicos, as frutas exóticas, os primeiros elementos do vida o do riqueza, e quando se desenvolveu e prosperou foi no mar novamente que a ilha jovem e prudutiva encontrou o caminho do seu engrandecimento económico. Ficaram célebres, os seus vinhos de torna-viagem, o os que a visitaram desde recuados tempos nunca deixaram de celebrar o encanto surpreendente das suas paisagens naturais.

Que admira, pois, que os Madeirenses liguem a maior importância às comunicações marítimas e as considerem elemento fundamental de. progresso o do riqueza?

O porto do Funchal, tão directamente libado à expansão comercial e ultramarina dos Portugueses, teve sempre importante tráfego de navegação. Em 1938, último ano anterior à guerra, os navios que escalaram o funchal totalizaram 10462001 brutas, acompanhando assim do perto o porto de Lisboa, que nesse mesmo ano registou um movimento de l3 124 897.

As vantagens desse grande tráfego marítimo reflectiram-se em toda a economia insulana. Desenvolveu-se a indústria do turismo pela construção de alguns hotéis verdadeiramente modelares, facilitou-se a exportação de produtos locais, que. no turismo encontraram o veiculo natural da sua propaganda, como os vinhos, e bordados o as frutas, deu-se trabalho a numerosas classes ligadas ao mar ou ao movimento de visitantes, canalizou-se para a ilha um movimento do cambiais e de divisas que ajudavam a contrabalançar o que a Madeira tinha de pagar ao estrangeiro para prover à subsistência da sua, população.

A guerra trouxe pesadas perdas às frotas do todos os países e os anos que se seguiram ao seu termo foram de menos movimento na generalidade dos portos de todo o Mundo.

Mas a pouco e pouco foi-se activando a construção naval, aumentou o tráfego marítimo e a tonelagem mundial é já hoje superior em cerca de 25 por cento à existente em 1938. Os portos portugueses, que se ressentiram da diminuirão da frota mundial, logo acusaram a sua reconstituirão. E assim o porto de Lisboa no ano último registou já um movimento de 3 960 navios, com u deslocação de 11 713 713 842 t brutas.

O Funchal não tem acompanhado este movimento do recuperação. Assim, em 1951. os navios entrados naquele porto totalizaram apenas 4 868 417 t brutas, ou seja menos de metade do movimento anterior à guerra.

Este declínio da navegação não deixa de causar inquietações numa terra tão dependente do mar e de todas as actividades a este ligadas.

Não é difícil enunciar os motivos determinantes desta diminuição do movimento marítimo do Funchal!. Todos eles se filiam no deficiente apetrechamento do porto, que não permite à navegação abastecer-se do combustíveis líquidos nas suas viagens de longo curso,

E farto é tanto mais chocante para nós quanto perto da Madeira dois portos insulares como o nosso -os espanhóis de La Luz, em Lãs Palmas, e de Santa Cruz, em Tenerife- -. registam notável movimento marítimo de navios, muitos dos quais pertencentes a companhias, como a Mala Real Inglesa, a Blue Star Line, a Elder Dem e outras, que antes da guerra incluíam o Funchal nas suas rotas habituais.

As Canárias conseguiram efectivamente transformar-se num grande centro de navegado, dando-nos uma lição que devemos aceitar - não com desânimo. mas com o propósito firme de aproveitar na medida em que for útil e conveniente.

Têm evidentemente as Canárias uma extensão territorial maior do que a Madeira, maior população, maior produção agrícola e maior volume de exportação.

A cerca de 800 km2 de superfície do arquipélago da Madeira opõem as Canárias uma superfície de 7 542 km2. dos quais l 532 relativos à Grà-Canária e 2 057 a Tenerife.

Têm as Canárias o mais elevado coeficiente do natalidade da Espanha. O censo de l940 atribuía-lhes 680 000 habitantes, mas actualmente a população daquelas ilhas excede 820 000 habitantes.

Com a Madeira, as Canárias são ilhas férteis e produtivas, com condições excepcionais para a cultura de frutas e produtos hortícolas. A produção total do arquipélago espanhol de bananas foi em 1949 de 166 317 t, das quais a Espanha continental absorveu lO9 000 t e a Inglaterra 25 000. De tomates exportaram as Canárias naquele ano 133 000 t, das quais 122000 para a Grã-Bretanha.

Ligaram sempre os espanhóis grande importância à sua política portuária, tendo-lhe merecido particular interesse os portos insulares das Canárias, dada a sua função geográfica no caminho da navegação que demanda a América do Sul ou costeia, pelo Ocidente, o continente africano.

Têm as Canárias dois grandes portos: o de La Luz, em Lãs Palmas, na Grà-Canária, e o do Santa Cruz de Tenerife.

A importância desses portos insulares, naturais concorrentes e rivais dos portugueses do Funchal, na Madeira, e do S. Vicente, em Cabo Verde, pode ser avaliada pelo conhecimento do número de navios e sua tonelagem que. os demandam.

Em 1950 entraram no porto de Santa Cruz de Tenerife, excluindo os veleiros, 4 676 navios, deslocando 9 409 000 t brutas e 5 407 000 t liquidas.' E no porto de La Luz 4 996 navios, com 16 947 000 t brutas, excedendo assim em muito o movimento do porto de Lisboa.

Estas cifras são por si significativas e exprimem o desenvolvimento dos portos insulares espanhóis, um dos quais, o do La Luz, em 1950 registou o movimento de quase 5 000 navios, ou seja a média aproximada de mais de treze embarcações por dia.

Procuraram sempre os espanhóis atrair a navegação àqueles seus portos. No tempo da navegação a vapor fizeram de Lãs Palmas um grande, centro de abastecimento de carvão, o qual era fornecido às embarcações em regime de franquia. K em 1U13, mercê das facilidades concedidas à navegação, o porto do La Luz colocou-se na classe dos grandes portos mundiais, registando o movimento do 0717 navios, com a tonelagem bruta de 18 000 000.

Mas dentro em breve ia operar-se uma grande transformação no accionamento da navegação, e o carvão ceder o lugar aos combustíveis líquidos.

Logo as Canária procuraram adaptar os seus portos às novas condições e, mercê de um esforço perseverante, conseguiram manter e melhorar a posição anteriormente conquistada. E quando a frota mundial atingiu

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a tonelagem anterior à última guerra logo as Cantinas recuperaram o movimento marítima das épocas passadas.
O fornecimento de óleos à navegação, iniciado em 1920, atingiu em 1951, no porto do La Luz, a cifra de 1 100 000 t o aumentou um ritmo tão acelerado que foi necessário autorizar novos depósitos com maior capacidade, aumentando-se assim as instalações existentes e pertencentes a diversas companhias petrolíferas. O servido está tão bem montado e é tão perfeito o apetrechamento portuário que os fornecimentos de combustíveis líquidos - ou seja fuel-oil, diesel-oil, gas-oil, gasolinas e lubrificantes - são leitos permanentemente, com quaisquer condições de tempo, tendo o porto do La Luz instalações que lhe permitem abastecer, simultaneamente, quatro navios de fuel-oil, dois de gas-oil, um de petróleo e outro de gasolina, dispondo do 2 000 m de molhe, sem limitarão de calado (CLXVI), especialmente destinado a este tráfego.
Tem os portos de La Luz e de Santa Cruz do Tenente sido instrumento fecundo de progresso económico do arquipélago das Canárias e factor do vulto na valorização da balança de pagamentos da Espanha pela entrada de divisas e do cambiais que através deles se opera.
E por isso tem o Governo do Espanha investido somas avultadas em tão importantes empreendimentos. Ainda em 1047 se autorizaram novas obras de ampliação, financiadas, em parte, com um empréstimo do 100 milhões de pesetas.
Sr. Presidente: tem a Madeira lutado sempre pela valorização e apetrechamento do porto do Funchal. É uma aspiração antiga, que está constantemente no pensamento e, mais do que isso, no sangue e no coração dos Madeirenses.
Compreenderá, por isso, V. Ex.ª o a Câmara a satisfação pública causada pela noticia da inclusão do obras a realizar no porto do Funchal na execução do novo Plano de Fomento.
Enunciado neste Plano o propósito de se iniciarem no Funchal obras necessárias pura assegurar ao porto condições satisfatórias de acostagem, abrigo e reabastecimento de combustíveis à grande navegação, ao Governo cumpre agora estudar todas as soluções técnicas que o problema comporta, por forma a ser dada execução àquele objectivo.
O que a Madeira pretendo é ter um porto abrigado, onde a navegação possa entrar e sair livremente, com quaisquer condições de tempo o de mar e ser abastecida do óleo com as mesmas facilidades que encontra nos portos que são os sons naturais competidores.
Não podemos oferecer, ó certo, à navegação o movimento de carga que oferecem outros portos. Mas a verdade é que o tráfego chama a navegação e esta aumenta o facilita a exportação. É o caso das Canárias, cujo fomento agrícola coincidiu precisamente com o apetrechamento dos seus portos. São índices do desenvolvimento económico da Madeira a exportação de frutas, (que no ano último foi de 15 625 t, a exportarão de vinhos, com o valor estatístico do 40:000 emitas, e a exportação do bordados, que atingiu a soma de 141:000 contos, dos quais a maior parte para a área do dólar.
Uma terra de tão diminuta extensão territorial, cuja população duplicou em sessenta anos, que dá trabalho e ocupação a 280 000 habitantes, cujos índices de progresso podem ser verificados através do volume das contribuições que paga. do montante do seu rendimento aduaneiro, das cifras que exprimem o seu comércio do importarão e exportação, uma terra cujas possibilidades de produção se encontram agora notavelmente aumentadas pelo alargamento substancial da área do regadio,
pode pedir um porto que corresponda às suas condições naturais do riqueza.
A ampliação do porto não pode depender apenas do seu rendimento directo. Há que tomarem consideração as vantagens económicas do movimento marítimo, as compras dos passageiros, o reclamo dos produtos locais, o dinheiro que entra e se divido por todas as classes da população. Com todas as suas deficiências, o porto do Funchal teve em 1951 um movimento de 137 432 passageiros em trânsito, ou sejam 10000 passageiros a mais do movimento de passageiros em trânsito no porto de Lisboa nesse mesmo ano. Daqui se pode inferir o que seria o turismo da Madeira se a navegação ali encontrasse as possibilidades de abastecimento que lhe são indispensáveis.
Sr. Presidente: os Espanhóis chamavam em tempos passados ao seu porto de Las Palmas «parador de Atlântico».
Tive já este ano oportunidade de passar nas ilhas Canárias em viagem de avião do Funchal para Lisboa. Deixei a Madeira de manhã cedo.
No porto, tranquilo e calmo, não havia nesse dia um único navio. Mas durante a viagem nunca mais se apagou da minha lembrança a visão da ilha magnifica c verdejante, batida pelo sol esplendoroso da manhã.
Quando descemos no porto de La Luz e lá vi cerca de trinta navios atracados aos molhes, alguns deles nossos conhecidos por tocarem no Funchal em tempos idos, novamente a Madeira me veio à mente u logo no meu espirito se radicou a convicção de que. se tivéssemos um porto devidamente apetrechado, a ilha portuguesa seria certamente o mais frequentai Io dos ancoradouros atlânticos...
Sr. Presidente: não quero terminar sem agradecer desta tribuna ao Governo, especialmente ao Sr. Presidente do Conselho e ao Sr. Ministro das Obras Públicas, o interesso que a SS. Exas. tem merecido este problema do porto do Funchal.
Perdoarão SS. Exas. o entusiasmo e a paixão com que o pomos, talvez porque melhor do que ninguém o sentimos e vivemos.
E juntando os meus votos aos do chefe do distrito, da União Nacional e das forças vivas da minha terra, as minhas considerações às dos meus colegas nesta Câmara, na actual e nas anteriores legislaturas, afinal é só a voz da Madeira que aqui se ouve exprimindo confiança nos seus próprios recursos e, simultaneamente, na política que tornou possível a restauração e o engrandecimento de Portugal.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pedro Cymbron: - Sr. Presidente: o Plano de Fomento que estamos a discutir contém uma manifestação de fé nas possibilidades dos Portugueses e representa para nós uma esperança viva no futuro.
È evidente o entusiasmo que o conhecimento do Plano de Fomento provocou no País e o eco de aplausos que coroaram o seu aparecimento ainda se não apagou. Da impressão que causou por toda a terra portuguesa é testemunho bem expressivo a palavra dos seus representantes nesta Assembleia.
Como vai longe a época em que quem ousasse gizar plano da ordem do grandeza daquele que nos ocupa agora, mesmo a título de mera especulação, seria considerado visionário sem cura. Quem haveria então que entendesse viável arrancar à economia de Portugal meios financeiros suficientes para empreendimento de tal amplitude? Que Governo se atrevia a julgar os

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técnicos nacionais capazes de assumir as responsabilidade» que lhes vão ser entregues?

Trinta ou vinte e cinco anos passados sobre a era do desânimo nacional, por toda a parte se ouvem opiniões, embora mais ou menos autorizadas, exprimindo a ideia de que se deveria ter ido mais além e que o Governo foi modesto na apreciação da possibilidade financeira do País, e vê-se o Governo tomar o risco de cumprir um plano que se não consegue executar sem muito poder de realização técnica.

Temos os Portugueses cheios de confiança no futuro, vemos o Governo com fé nos Portugueses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não me esqueço, Sr. Presidente, de que, acima da obrigação que todos nós temos de representar os distritos que nos elegeram e de nesta Assembleia defendermos as justas aspirações dos povos que representamos, somos Deputados da Nação.

Parece, pois, em boa lógica, que devíamos apreciar em primeiro lugar o Plano de Fomento no aspecto geral e só depois abordar o que mais toca aos interesses locais, muito importantes porque o seu somatório é que constitui a própria Nação. No entretanto, em vista da ligação que a economia de cada região tem com os grandes problemas nacionais e na intenção de poupar tempo, tratarei, a propósito de cada assunto, do caso particular do distrito de Ponta Delgada quando os interesses das ilhas que o compõem estiverem em jogo. Nesta ordem de ideias, vejo-me obrigado a começar por relembrar à Assembleia que nos distritos autónomos as juntas gerais têm a seu cargo a administração e o fomento dos serviços da agricultura e pecuária, além das obras públicas e da saúde, e possuem ainda várias atribuições sobre educação, cultura e assistência. Esta descentralização administrativa leva a encarar a posição dos distritos autónomos de forma especial, o que nos obriga a fazer-lhes algumas referências particulares.

Assim, quando se trata de determinadas actividades a cargo das juntas gerais, se houver o intuito de intensificar o seu fomento (caso da agricultura e pecuária), não pode esperar-se que os distritos insulares acompanhem o passo acelerado do continente.

Aqueles corpos administrativos não têm, nem podem ter, capacidade técnica nem possibilidades financeiras para os largos voos em que todo o País necessita lançar-se.

Também convém lembrar que grandes trabalhos de fomento planeados, como, por exemplo, os que dizem respeito à electricidade, com repercussão imediata na economia e bem-estar de todo o continente, praticamente não são sentidos nos distritos insulares, que só muito indirectamente deles beneficiarão.

Por estas razões é necessário, a propósito de cada capítulo, estudar a posição especial daquelas nossas regiões metropolitanas.

Eu sei que os reflexos de obras reprodutivas de grande envergadura se sentirão também na Madeira e nos Açores, mas a aplicação de braços que as obras novas vão trazer é que não chega àquelas ilhas (facto para S. Miguel de particular importância) e a subida do nível de vida que a riqueza geral provocará só muito mais tarde pode atingir as nossas ilhas atlânticas.

No Plano de Fomento, a par da aspiração de melhorar as condições de vida nacional (e até como forma de chegar à posição que nesse campo se pretende atingir), nota-se o desejo de conseguir trabalho para todos os portugueses. E preocupação constantemente manifestada no relatório do Plano.

Os Deputados de Ponta Delgada estão certamente, relativamente a esta ansiedade do Governo, entre os que melhor o compreendem e mais de perto o acompanham no desejo de ver tão grave mal debelado. £ que nos aflige intensamente a ideia de ver o País todo cair na situação angustiosa em que se encontra o nosso distrito, porque, se a população do continente continuar a crescer, como aliás é natural, no ritmo em que vem a verificar-se e não for encontrada ocupação para os novos na metrópole, no ultramar ou em países estranhos (má solução, como reconhece o próprio Governo), a catástrofe é fatal.

V. Ex.ª, Srs. Deputados, devem ter presente o problema demográfico micaelense porque há apenas alguns meses o nosso colega Armando Cândido o expôs nesta Assembleia com a justeza e brilho que suo características do seu alto espírito. Espero, pois, que bem se compreenda porque, sabendo a tragédia que representa a posição à beira da qual o País se encontra, não posso deixar de tomar particular interesse por aqueles investimentos que mais mão-de-obra absorverem, não esquecendo evidentemente o que cada um representa como fonte de riqueza, amanhã geradora de mais trabalho para os Portugueses.

A população do distrito de Ponta Delgada sabe que as suas autoridades e os seus representantes têm mantido o Governo no conhecimento exacto do que se passa nas ilhas de S. Miguel e Santa Maria.

Também sabe que a Junta Geral, no cumprimento das disposições do Estatuto dos Distritos Autónomos, enviou ao Governo o seu plano quadrienal, que veio publicado no Boletim daquele corpo administrativo. Aquele plano contém um projecto de fomento agro--pecuário e de obras públicas, trabalhos em curso, que tem por fim criar riqueza e originar mais ocupação para os Micaelenses.

A Junta Geral expôs nesse plano a situação administrativa em que se encontra e mostrou a posição económica e social do distrito.

São bastante expressivas as próprias palavras do plano quadrienal para 1953-1955, que transcrevo.

Começa o relatório daquele plano assim: «... o combate à falta de trabalho com que lutam os rurais da ilha de S. Miguel constitui há alguns anos preocupação dominante das pessoas que têm responsabilidades na marcha (a administração pública e na vida política do distrito de Ponta Delgada»; e mais adiante afirma-se: c... como acto de justiça, na mais pura significação da palavra, e como prémio para as virtudes dos rurais micaelenses, símbolos de capacidade de sofrimento e de conformidade com a dor, de sentimento, de respeito pêlos outros e de espírito de ordem, é indispensável atenuar os seus tormentos e privações sem par».

Passou-se um ano, apareceu o Plano de Fomento, e o distrito de Ponta Delgada, que esperava encontrar nele disposições destinadas a minorar as dificuldades que atravessa, só se vê citado na parte florestal, sem dúvida muitíssimo importante, mas que se refere a trabalhos em curso há mais de um ano, e no apetrechamento do Aeroporto de Santa Maria.

Não ignoro que o projecto em discussão se ocupa de grandes empreendimentos, que foi traçado no plano nacional e que o facto de o nome do distrito quase não figurar no Plano não quer dizer que esteja ausente do pensamento do Governo.

A verdade porém é que as populações que aqui represento sabem a urgência que existe na realização dos aproveitamentos hidráulicos, que podem regar 1400 ha e produzir mais de 15 milhões de kilowatts-hora (por preço nas barras da ordem dos que se estão obtendo nas grandes centrais do continente), tão necessários à melhoria da sua vida. O distrito conhece a situação por-

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tuária local, particularmente a de Santa Maria (que hoje se toma indispensável ligar, fácil e regularmente, com todas as outras ilhas), a de Povoação (onde o tráfego para as embarcações se faz como no tempo dos Descobrimentos) e a da costa norte da ilha (sem qualquer abrigo onde se recolham os barcos de pesca com o mau tempo), e sabe a tremenda falta de trabalho que aflige os seus rurais.

Aquelas populações, não vendo, num plano traçado para resolver os grandes problemas nacionais, medulas que atenuem as enormes dificuldades em que se debatem, sentiram natural amargura por se julgarem esquecidas. E note-se este facto notável e absolutamente próprio do carácter sofredor dos Micaelenses sentiram, sofreram, calaram-se, esperando confiadamente que o auxílio do Governo se não faça esperar. Julgo que haveria solução que desse satisfação às populações do distrito de Ponta Delgada sem prejuízo algum das verbas gerais do Plano, mas é evidente que também fora dele se pode encontrar forma de dar trabalho aos rurais e melhorar a economia micaelense.

Terminadas estas considerações de ordem política, algumas palavras sobre o Plano, que serão proferidas de acordo com o esquema que atrás tracei, isto é, analisando a posição do distrito de Ponta Delgada sempre que tratar qualquer capítulo do Plano.

Quanto à parte agrícola, estou de acordo com as opiniões já aqui formuladas por vários Srs. Deputados e com o parecer subsidiário da Câmara (Corporativa, parecendo-me indispensável uma muito maior extensão dos serviços oficiais, de forma que o País possa beneficiar do avanço da ciência agronómica, e esta extensão deve chegar aos Açores.

Também concordo, e incondicionalmente, com os Srs. Deputados que se manifestaram pela necessidade de dar apoio material e moral aos admiráveis trabalhadores do chamado c plano de fomento agrário», que em hora de inspiração o Sr. Engenheiro Pereira Caldas pôs em andamento.

Aproveito a ocasião para felicitar este antigo Subsecretário da Agricultura pela iniciativa que arrojadamente tomou e os técnicos com tanto acerto escolhidos para executar obra de tal amplitude e projecção pelo trabalho magnífico que estão a realizar. Apesar de o fomento agro-pecuário ser encargo da Junta Geral, os homens que estão a organizar o plano de fomento agrário no continente devem ir aos Açores realizar o estudo das possibilidades daquelas regiões.

Embora seja facto reconhecido por altas figuras da agronomia nacional o espírito progressivo dos agricultores Micaelenses, a verdade é que muito há a fazer para aumentar a produção unitária e melhorar a sorte dos rurais.

lio plano quadrienal micaelense a Junta Geral de Ponta Delgada manifesta a convicção de que com um mais perfeito trabalho, com as culturas mais convenientemente adaptadas às qualidades dos terrenos, com as sementes cientificamente estudadas, com um amanho mais completo e perfeito, etc., se ocupará muito maior número de braços, conseguindo-se satisfazer as necessidades do consumo local com menor área agrícola e podendo então caminhar-se para a expansão das culturas industriais.

Não está terminado o aproveitamento da terra micaelense. Os particulares vão arroteando os seus incultos e estão ainda conquistando algumas jeiras para culturas arvenses. Novos pastos aparecem em toda a região mais acidentada da ilha, coberta por cerca de 18 000 ha de incultos, isto é, 25 por cento da área total da ilha.

Torna-se indispensável o auxílio do Estado facultando as vias de comunicação nessas terras de fornia a que os esforços despendidos pêlos particulares atinjam

pleno valor e o seu trabalho encontre estímulo fecundante.

Julgo que se o Fundo dos Melhoramentos Agrícolas, instituição utilíssima e trabalhando optimamente, à qual é indispensável aumentar os recursos, facilitasse o crédito por forma colectiva para caminhos de penetração, de maneira a permitir aos beneficiados, por meio de pequenos encargos, a valorização das terras agora incultas, muitos proprietários dessas terras se abalançariam a construir as estradas indispensáveis à expansão do um trabalho que muita mão-de-obra ocupa.

Por outro lado, temos o armentio açoriano, que é uma riqueza bem conhecida do País, mas para que possa aumentar de fornia substancial e constitua fundo de trabalho e riqueza local necessita de amparo e auxílio do Governo, pois as juntas gerais não têm capacidade financeira para o que no campo pecuário há a fazer nos Açores.

As ilhas, em 1951) produziram metade da manteiga consumida no País, com o valor de algumas dezenas de milhares de contos, e podem cobrir totalmente as necessidades nacionais. Em S. Miguel, onde o nível zootécnico é muito elevado, torna-se indispensável a aquisição de reprodutores de alta qualidade, para fazer subir ainda mais o alto nível zootécnico conseguido, e em grande número, a fim de aumentar o armentio, para o que basta aproveitar a boa vontade da iniciativa particular, já lançada na criação de gado com entusiasmo que é necessário amparar.

Não vejo incluída no Plano qualquer verba destinada a fins zootécnicos, pelo que se torna necessário substancial aumento nas dotações orçamentais dos próximos anos, que devem ter em vista a posição dos Açores, região excepcional para este ramo da economia.

É com enorme satisfação que vejo os serviços florestais dotados no Plano com uma verba importante. Não sei se por influências ancestrais, se porque fui criado entre árvores, se por razões de ordem estética ou qualquer outra, a verdade é que as motas exercem sobre mini particular encanto. Quando os serviços públicos trabalham como os florestais, que em Portugal já há tantos anos vivem rodeados de justo prestígio, parece--me merecer confiança a obra que se propõem realizar e não poder haver dúvidas sobre os resultados que se vão obter.

Noto também que o Governo reconhece ser indispensável intervir nos incultos particulares de forma a defender a terra, que é património também dos portugueses que hão-de vir substituir-nos.

Quando se organizou o plano florestal de Ponta Delgada, região onde 80 por cento dos incultos são particulares, o distrito deu o seu apoio ao plano, que incluiria o repovoamento das propriedades privadas, mas então foi julgada inoportuna a intervenção do Estado nesse sentido.

Assim o plano, em curso, do distrito de Ponta Delgada não leva nem à protecção indispensável do solo, que não pode deixar de se considerar, apesar da permanência da flora viva em quase toda a terra, desde a beira-mar ao alto da montanha, nem ao indispensável teor da arborização, pois que, terminada a execução do plano, a área coberta de mata não deve ultrapassar 10 por cento da superfície do distrito, ao passo que, se todos os incultos adaptáveis ao regime florestal se cobrissem de árvores, poderia atingir-se 30 por cento.

Hoje todos nós aqui presentes sabemos a situação em que se encontra a serra do Algarve, onde o solo de 500 000 ha se acha quase completamente degradado. A terra é toda de particulares; portanto, aí, se não houver intervenção oportuna do Governo, teremos, a breve prazo, um deserto e maior miséria ainda para a já in-

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feliz, embora pouco numerosa, população que a trabalha.
As verbas destinadas ao repovoamento florestal são das que, ao mesmo tempo que criam riqueza para os vindouros, nas (próprias madeiras e nos produtos subsidiários, na valorização e conservação do solo, na regularização do clima e no embelezamento da paisagem, que também é riqueza viva, imediatamente darão trabalho a muitos braços.
Calculo em 5 milhões as jornas que a proposta na parte florestal vai movimentar em Içada ano, e isso significa pão seguro para 120 000 portugueses aproximadamente. Com a extensão do povoamento florestal aos incultos particulares aquele número deve subir substancialmente.
Atendendo à necessidade de cobrir de árvores terrenos de particulares, não concordo com a redacção que a Câmara Corporativa propõe para o n.º 4 da base VI, porque nessa redacção não se deixa claramente expresso que o Governo deverá legislar no sentido de permitir a sua interferência nas terras não públicas.
Aguardo, pois, com muito interesse as medidas legislativas a que se refere o n.º 4 da base VI da proposta ao Governo, e dar-lhe-ei o meu voto com a maior satisfação.
Segue-se ainda na parte agrícola do Plano de Fomento a colonização interna. Julgo que ninguém discute o interesse que estes serviços têm nem o valor da obra de recuperação de terras e de gentes que foi realizada, mas parece-me que os investimentos agora atribuídos à colonização interna podem ter aplicação mais rendosa como fomento e ocupação de braços.
A Câmara Corporativa, no magnífico trabalho que realizou, entendo conveniente transferir parte das verbas destinadas na proposta do Governo à colonização interna para outros fins, critério que me parece de apoiar.
No que se refere ao fomento mineiro vem no Plano um magnífico programa de trabalho para o sexénio; simplesmente não lhe destina verba própria e pretende o Governo realizar os estudos indicados pelas dotações normais do orçamento. Há muitos anos que os serviços mineiros estuo a ser cerceados nas suas aspirações de trabalho por falta de verbas orçamentais. Tenho, pois, receio, que me parece inteiramente justificado, de que, agora que se conta com as disponibilidades do erário público para execução do Plano, seja mais difícil dotar tão importante obra de fomento.
A realizar-se o programa da proposta do Governo, teríamos a possibilidade de duplicar a produção mineira, que atinge hoje o valor de 750:000 contos aproximadamente, passando esta indústria a ocupar mais 10 000 a l5 000 operários do que actualmente.
Até como operação de tesouraria os investimentos no fomento mineiro têm particular interesse, pois que o imposto mineiro, mantendo-se as mesmas taxas, passaria de 15:000 para 30:000 contos (sem contar a taxa especial sobre o volfrâmio), o que permitiria reembolsar as despesas feitas em prazo muito curto.
Também merecem particular atenção os serviços geológicos, que necessitam de dotação suficiente para permitir a publicação da Carta Geológica do País com a brevidade indispensável, de forma a nos refazermos do atraso em que caímos. Em dezasseis anos publicaram-se cinco cartas, estando uma no preto, e de continuarmos no ritmo actual necessitamos de cerca de cento e vinte anos para publicar a Carta Geológica do País na escala de l:50 000!
Não posso deixar de estabelecer o paralelo entre o valor económico e social dos serviços mineiros, cujos encargos não estão incluídos no Plano, embora um sábio programa de trabalhos esteja nele previsto, e a projecção da colonização interna, tão largamente dotada, ou o valor como fomento da electrificação do caminho de ferro de Sintra, a que adiante me refiro.
No que respeita a electricidade, merece-me o projecto do Governo uma objecção, porque nele não se inclui, como já atrás disse, a electrificação dos distritos açorianos. Não me refiro a Angra do Heroísmo, porque tem já o problema resolvido com um financiamento substancial e comparticipação do Estado para trabalho que anda por volta de 30:000 contos.
O estudo dos aproveitamentos hidráulicos da ilha de S. Miguel, que está aprovado pelo Conselho Superior de Obras Públicas e pelo Sr. Ministro das Obras Públicas, conclui que podem irrigar-se l 395 ha e produzir-se ainda 15 a 20 milhões de kilowatts-hora.
A população de S. Miguel, que foi a terceira do País a ter electricidade, pois a conhece desde o século passado, está muito mal servida actualmente, embora esta forma de energia tenha sido levada a um número considerável de freguesias. A verdade é que, apesar de há cerca de um ano terem sido dados ao consumo perto de 4 milhões de kilowatts-hora (quase tanta electricidade como a que já existia), encontra-se aquela ilha novamente a braços com enorme carência. O fornecimento é mau, com oscilações de tensão que atingem 30 por cento e por vezes mais.
As disponibilidades de potência hidráulica não são muitas, visto que não poderemos ir além de 100 kWh por habitante, mas uni aumento daquela ordem é considerado óptimo na situação presente.
Para solucionar o caso de Ponta Delgada serão necessários, julga-se, 30:000 a 40:000 contos. Sei que o distrito da Horta também está muito mal servido e que necessita de cerca de 15:000 contos. Por isso julgo que deveria no Plano destinar-se 50:000 contos para estes distritos insulares.
Diz a Câmara Corporativa que a central térmica a instalar não absorverá mais de 170:000 contos, o que deixa relativamente à estimativa do Plano uma folga de 30:000 contos, que poderão ser aplicados nos Açores. Se das verbas, atribuídas à rede de grande distribuição na parte destinada «a complemento de electrificação de outras províncias e remodelação da rede geral» e da alínea c) a Rede de pequena distribuição das zonas rurais e urbanas de concelhos pobres» se destinassem 20:000 contos, aqueles distritos veriam os seus desejos e anseios satisfeitos. Uma solução fora do Plano, idêntica à que foi dada para o distrito de Angra, seria satisfatória, mas é urgente.
No que respeita às indústrias o projecto encara o complemento das instalações das indústrias-base já em parte iniciadas, e é certamente lógico terminar o que se começou antes de nos abalançarmos a novas empresas.
Ao iniciar o estudo da parte industrial do projecto do Governo, a Câmara Corporativa, sob o título «Modernização industrial», trata um assunto que merece a maior atenção e que cabia inteiramente dentro de um plano de fomento. Refiro-me à investigação científica, que aquele parecer infelizmente não aprofunda, limitando-se a aflorar o problema.
Não sei como acompanhar e aproveitar o avanço técnico e científico dos outros países - fornia única de manter a vida em nível compatível com a posição que devemos ocupar no Mundo - sem dar à investigação o lugar que lhe compete.
A falta de um laboratório de engenharia industrial, centro de estudos da aplicação da ciência pura à técnica, é uma lacuna que se torna indispensável preencher. Se a grande indústria pode manter laboratórios privativos que estudam os seus problemas, os outros sectores industriais não têm quem os auxilie e encaminhe.

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Conheço bem os prejuízos que este campo importantíssimo da economia nacional sofre, porque os industriais, mesmo quando dispõem de técnicos proficientes, não possuem, nem podem possuir, instalações adequadas. É, conhecida também a desconfiança que à média e pequena indústria inspiram os técnicos.
Aqui, como na agricultura, se torna necessário um trabalho de extensão, no qual teria profunda e eficaz acção um laboratório do engenharia, por intermédio do qual indústrias recebessem das mãos de engenheiros, que assim prestigiariam a classe, as soluções dos seus problemas.
Certamente seria esse laboratório, direita e indirectamente, importante factor para a colocação de engenheiros, o que tem particular valor social.
É evidente que um laboratório de engenharia industrial seria instalação bastante onerosa o do manutenção também pesada, ma» certamente a sua criação estaria de acordo com a ordem de grandeza do um plano de fomento da amplitude do que discutimos agora.
A experiência do Laboratório do Engenharia Civil, cujo prestígio enorme constitui não só glória de quem nele trabalha mas também de quem lhe deu amplas funções, justifica plena confiança no sucesso de uma iniciativa que se baseia no valor do outro ramo da engenharia portuguesa. O Ministro que tomar sobre si a responsabilidade de criar um instituto científico desta ordem pode contar com o sucesso só lançar a iniciativa com a amplitude e profundidade que são indispensáveis.
O Sr. Engenheiro Magalhães Ramalho, actualmente Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria, que nesta Casa tratou de vários assuntos de interesse parti a nossa economia, com a competência e acerto que tanto impressionaram a Assembleia Nacional e aquela parte do País que se debruça sobre esses assuntos, nos seus discursos sobre a investigação cientifica e o condicionamento industrial referiu-se à necessidade do se criar um organismo que poderia chamar-se Laboratório de Engenharia Industrial.
Sinto-me, bem acompanhado no desejo que aqui exprimo.
Comunicações e transportes:
No que diz respeito ao programa do Governo de obras portuárias, não pode haver dúvidas sobre o interesse nacional dos trabalhos previstos. O parecer da Câmara Corporativa, neste ponto, como em todos, elaborado com ciência e consciência, dá-nos copiosa documentação para a apreciação do problema. Tenho em especial atenção a parte final daquele parecer, na qual se exprimiu o desejo de ver 30:000 coutos destinados a estudos e pequenos portos de pesca e cabotagem no continente e ilhas.
Está terminado desde 1949 o plano portuário dos Açores.
A estimativa das obras previstas para aquele arquipélago atinge o valor de 342:000 contos, dos quais 218:000 se referem à construção e apetrechamento do porto de Angra do Heroísmo e a trabalhos e apetrechamento dos portos de Ponta Delgada e da Horta.
O porto da Horta está incluído no Plano, e era indispensável que assim fosse. Quanto ao porto de Angra, não posso deixar de lastimar não lhe ver destinada verba substancial.
Uma ilha não pode desenvolver a sua riqueza em ter assegurada a regularidade das comunicações com o exterior, e a Terceira, além do valor da própria economia, possui um magnifico aeroporto, que obriga a substanciais abastecimentos por mar.
Relativamente a Ponta Delgada, as obras no porto artificial foram computadas em 72:000 contos e, se bem que necessárias, podem esperar, sendo de certa urgência só o que se destina a obras interiores complementares e ao apetrechamento.
Também naquele número está incluída a estimativa do porto de pesca de Ponta Delgada, que urge fazer, porque o movimento da pesca se está realizando no único local possível, á entrada do porto, onde os passageiras e carga formosamente, têm de passar.
Quero agora apenas referir-me em especial aos pequenos portos dos Açores, que em conjunto constituem obra de interesse económico notável.
Reportando-me às estimativas do plano portuário dos Açores, e não considerando o distrito de Angra, porque, ao que me consta, se adiantou já e tem o seu problema em vias de solução, encontramos 51:000 contos para o distrito de Ponta delgada e 62:000 para o da Horta, o que perfaz cerca de 110:000 contos. È certo que pode escalonar-se a construção destes pequenos portos por duas fases e julgo que com 50:000 contos se completaria a parte fundamental da obra a realizar. Parece-me, por isso, pequena a verba citada no parecer da Câmara Corporativa.
Os pequenos portos de cabotagem nos Açores constituem hoje problema de muito grande, importância, do qual o brio nacional não está ausente, dada a situação geográfica dos Açores e a ligação fácil que hoje têm com a América.
Vou tratar em detalhe de Santa Maria, porque já há alguns anos é porta de entrada em Portugal e se impõe, por isso, colocar na punição que deve ocupar.
Nas ilhas, como é obvio, o mar foi sempre meio de comunicação fundamental, se bem que hoje a navegação aérea seja também indispensável á economia e á vida insulares. Os portos de cabotagem constituem nas ilhas elemento insubstituível e de preponderante valor no aumento da riqueza e na subida do nível de vida.
Parece-me, pois, que um plano que tem estes factores de progresso na sua base devia incluir a execução daqueles portos.
O plano portuário a que acima me referi considera indispensável para a pequena cabotagem, além de um porto de abrigo e refúgio nas Flores (dada a distância desta ilha à do Faial, onde há porto artificial de defesa segura contra o tempo) e outro na Madalena do Pico (também necessário à economia e progresso das ilhas do Faial e do Pico), construir em condições de bem servir a cabotagem, portos em S. Jorge e na Graciosa.
Quanto a Santa Maria o caso é mais difícil. O problema do cabotagem em Santa Maria é de tal forma complexo que a missão encarregada de organizar o plano de melhoramentos dos portos nos Açores, no capítulo em que apresenta e justifica as obras a realizadas ilhas onde não estão previstos ou construídos os grandes portos artificiais (S. Miguel, Terceira e Faial), gasta com Santa Maria vinte e quatro páginas de boa argumentação e para as outras cinco ilhas (S. Jorge. Graciosa, Pico, Flores e Corvo) apenas vinte páginas incompletas.
A missão entende que o problema portuário de Santa Maria deve resolver-se de forma a conseguir ligações para o exterior com permanência e prevê, para tanto, uma solução estimada em 24:000 contos, constituída por uma pequena doca com possibilidades de manobrar um navio de 6000 t e atracá-lo a um cais com fundo cota de (- 5 m).
Estudou aquela missão outra solução que não dá as mesmas garantias de comunicações, obrigando muito mais vezes a recorrer a S. Lourenço (porto colocado a N. E. da ilha, quando Vila do Porto e o Aeroporto estão no outro extremo a S. V.). através de estradas difíceis, que não se podem melhorar sem grande dispêndio.
A convicção da missão de que a solução do problema de Santa maria está na primeira hipótese é tão forte

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que entende será forçoso, mais cedo ou mais tarde, recorrer a ela, e, assim, julga que a segunda hipótese deve ser projectada de forma a que os trabalhos a fazer em Vila do Porto sejam realizados de maneira a que nunca venham a impossibilitar ou dificultar a execução da primeira hipótese.

Não quero alongar-me e não posso transcrever para aqui as vinte e quatro páginas do relatório da missão, mas quero citar ainda os casos que a missão não registou, porque na ocasião dos seus estudos estes casos não se davam. Hoje Santa Maria abastece todas as ilhas do arquipélago com combustíveis líquidos.

Os grandes petroleiros que fornecem os depósitos do Aeroporto descarregam pelo pipe-line, mas os combustíveis saem de Santa Maria embidonados nos pequenos navios de cabotagem, que, na segunda hipótese, durante cerca de um terço dos dias do ano não conseguem trabalhar em Vila do Porto e em sessenta dias lugar algum da ilha lhes permite tráfego com terra.

Pode considerar-se- efémera a vida ido aeroporto, em vista do [vertiginoso desenvolvimento da aviação, e pensar-se que a economia da ilha só por se não justifica neste momento o esforço que representa um porto de 24:000 contos. Parece, porém, que o Governo, que vai gastar muitos milhares de contos naquele aeroporto, grande parte deles em construções de pedra e cal, com vida para séculos, não pensa que o Aeroporto de Santa Maria deve desaparecer dentro de poucos anos.

Só a exportação do gado da ilha - que pode facilmente atingir, se as condições do porto permitirem o embarque com segurança e regularidade, 2 000 cabeças por ano, valendo mais de 6:000 contos-, o movimento de géneros alimentícios com regularidade, para uma população que já quase atinge 12 000 almas, o serviço de passageiros justificam inteiramente a opinião da missão dos portos dos Açores.

Também julgo de considerar o seguinte facto de ordem moral, que é particularmente importante:

Servem-se do avião, por não ser mais caro do que a viagem marítima, descendo em Santa Maria, muitos açorianos que na América conseguiram situação desafogada e que, na manifestação de um sentimento que só devemos acarinhar e estimular, vêm aos Açores matar saudades e mostrar aos seus filhos a terra onde nasceram.

Acontece muitas vezes passar o vapor da carreira e não comunicar com Santa Maria, e então os sentimentais açorianos «ao obrigados ou a novo voo e novas despesas, para em Ponta Delgada tomarem o barco, ou a esperar em Santa Maria mais quinze dias, arriscando-se a, nessa ocasião, mais uma vez o vapor não fazer serviço. E se Flores, Pico, S. Jorge e Graciosa, para onde esses antigos emigrantes possivelmente se dirigem, não tiverem também condições para receber os novos barcos de 600 t - já encomendados por força do bem conhecido, mas nunca demais louvado, despacho n.° 100 do Sr. Ministro da Marinha e indispensáveis ao desenvolvimento da sua economia-, pode dar-se o caso de o saudoso açoriano rodear pelo mar a ilha a que se destina e recolher-se à Horta ou voltar a Ponta Delgada sem ter conseguido pisar a terra dos seus sonhos. Ë este facto pode repetir-se até ao ponto de o firme patriota perder dinheiro e tempo, e regressar à América triste e despeitado. O brio nacional exige que isto não aconteça.

Não posso alongar-me, mas, resumindo, enumerarei as razões pelas quais julgo que Santa Maria exige um porto de cabotagem onde um navio de 600 t se possa refugiar e abrigar. São elas as seguintes:

1.ª Necessidade de garantir a saída dos passageiros que em consequência do aeroporto comercial aí descem com destino às outras ilhas;

2.ª A própria existência do aeroporto, ao qual o Governo atribui tanto valor que o dotou no Plano com verbas avultadas, em parte destinadas a construção d« edifícios;

3.ª O facto de Santa Maria ser fonte de abastecimento das outras ilhas em combustíveis líquidos, que só podem sair daquela ilha em bidões;

4.ª A projecção que um porto, garantindo ligações regulares, representa na possibilidade do desenvolvimento económico da ilha;

5.ª A necessidade de o porto servir de refúgio aos navios de 600 t que devem dentro de dezoito meses estar ao serviço entre as ilhas açorianas.

Não podendo o problema dos portos de pesca e cabotagem dos Açores ser resolvido pelo Plano de Fomento, torna-se indispensável ser considerado, com urgência, fora dele.

Ainda a propósito dos transportes, julgo que o investimento que o Plano destina à electrificação da linha de Sintra não tem na economia do País a projecção correspondente à verba necessária para o realizar, pois não vejo importante reflexo na elevação do nível de vida nacional nem intensa aplicação de mão-de-obra.

Tiro elementos do parecer da Câmara Corporativa para calcular em 150:000 a 200:000 coutos a despesa a fazer com aquela electrificação, que reconheço beneficiará o descongestionamento de Lisboa, mas trará complicações de execução enquanto a electrificação não se estender até ao Entroncamento, com a promiscuidade das máquinas eléctricas, a vapor e Diesel no túnel de Campolide.

A electrificação até ao Entroncamento é, sem dúvida, alto benefício para o País, verdadeira obra de fomento, e deve incluir, naturalmente, a de Sintra.

O encanto da paisagem e a beleza dos jardins de Sintra têm notável afinidade com os Açores. Talvez por isso aquela região exerce sobre mini tal atracção que sempre que posso fujo até lá. Teria, pois, imensa satisfação em ver facilitado a todos os portugueses o prazer de conhecer as suas maravilhas; mas parece-me que sob o ponto d b vista económico melhor aplicação se encontraria ao capital que se atribui à electrificação do caminho de ferro que serve aquela terra.

Sr. Presidente: não queria enfadar mais V. Ex.ª, nem os Srs. Deputados que mo escutam, mas desejo ainda abordar um assunto que ao estudar o Plano me admirei não ter sido considerado.

Refiro-me às pescas.

Esta actividade movimenta todos os anos muitas .centenas de milhares de contos, ocupa algumas dezenas de milhares de portugueses e alimenta uma das nossas mais importantes indústrias de exportação (que por si também dá trabalho a mais de 20 000 pessoas), pelo que deve ser particularmente acarinhada.

Em 1951 o montante das três principais pescas chegou a quase 1.200:000 contos, sendo 772:000 relativos ao bacalhau, 229:000 à sardinha e 191:000 ao arrasto.

Naquele número não entra, pois, o valor das pescas locais, que ó importante e representa ocupação para muita gente (mais do que a que trabalha nas três pescas principais, em conjunto).

Ao chegar a Lisboa para tomar parte nos trabalhos desta Assembleia fui informado de que o fomento da pesca estava devidamente estudado pêlos respectivos grémios. Mais tarde tomei conhecimento de um despacho, luminoso pela clareza da linguagem e poder de síntese, no qual o Sr. Ministro da Marinha, a quem a economia nacional já tanto deve no desenvolvimento da marinha mercante e das pescas, por virtude de uma

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acção, que tem sido recta sem desvios, enérgica sem violências e clarividente sem artifícios, ordenou e definitivamente aprovou o plano traçado pelos grémios.

Daquele despacho, o n.° 181, resulta o seguinte programa de acção:

Quanto ao bacalhau, a construção de dez barcos de pesca à linha, no valor de 14:000 contos cada.

Este plano elevaria a produção total do bacalhau para 700 000 q, o que está de acordo com os votos do III Congresso da Pesca. Entendeu este Congresso conveniente que a nossa pesca cobrisse 75 por cento do consumo nacional, neste momento de 870 000 q, mas certamente superior ao findar o prazo de execução do plano. Como infelizmente durante esse tempo algum navio se inutilizará, talvez com o programa aprovado se não satisfaçam ainda os desejos do Congresso.

Pretende-se também melhorar instalações terrestres, com desenvolvimento de secagem artificial e construção de câmaras frigorificas.

Executado o plano, mais seiscentos pescadores entrariam na bela organização que ampara e auxilia os bacalhoeiros e mais algumas centenas de homens encontrariam trabalho em terra.

Aquele despacho também entende indispensável a existência de um navio oceanográfico para estudos o para pesquisa de pesqueiros mantido pelo Estado, mas admite que só quando haja possibilidade de dispensar um draga-minas da marinha de guerra para esse serviço se poderá iniciar tão útil trabalho.

Para a execução deste programa seria necessário um financiamento de 113:000 contos, visto os armadores tomarem 25 por cento dos encargos.

Relativamente à pesca de arrasto consta do plano a compra de oito navios, no valor de 11:000 contos cada, para a pesca do alto e a construção de uma fábrica paru se farinarem os resíduos. Não se pretende aumentar a produção, por o consumo não o justificar ainda, tendo-se apenas em vista a substituição de barcos velhos, pois, dos actuais, dezoito têm mais de 40 anos e dezasseis mais de 20 e só quinze menos de 20 sendo, desses, cinco acabados de construir!

É uma renovação lenta, mas as condições actuais da vida da indústria não permitem maior rapidez. Preconiza ainda o plano o aumento da capitação de peixe, fazendo-o chegar a toda a parte do Pais suficientemente fresco e a diminuição dos encargos na colocação e distribuição deste magnifico produto alimentar.

Para execução do plano o arrasto necessita de 67:000 coutos.

No que interessa à pesca da sardinha, verificado que a frota existente é mais do que suficiente para satisfazer o consumo do País, e nada havendo a acrescentar relativamente à forma como se irá fazendo a substituição dos barcos, o despacho só visa a tornar mais económica a sua exploração.

Pretende-se apenas munir as embarcações com meios de acção mais eficazes, como seja, por exemplo, a sonda ultra-sonora, que permite a localização dos cardumes em circunstancias impossíveis de determinar sem aquele instrumento. Assim se facilita a faina, diminuindo os lanços o trabalhando com redes mais pequenas e mais baratas.

Também se prevê a instalação de T. S. F. nos barcos, de importância enorme para a defesa das vidas e das embarcações.

A construção de dois barcos frigoríficos para descongestionamento dos mercados e melhor abastecimento dos centros conserveiros falhos de matéria-prima também foi considerada.

Serão necessários 17:000 coutos para dar execução a este plano.

A propósito da pesca da baleia, incluindo nesta designação a captura e aproveitamento dos cachalotes,

o despacho, reconhecendo, quanto às ilhas, que a necessidade principal é modernizar o apetrechamento industrial e organizar convenientemente as actividades dispersas, destina-lhe 13:000 contos.

No que respeita à pesca dos rorquais e, de um modo geral, de todos os grandes cetáceos, pretende-se aproveitar as águas das nossas províncias ultramarinas, começando por Angola.

Este problema é complexo. A captura dos rorquais exige capital muito mais avultado do que a dos cachalotes, que se faz nos Açores por meio de pequenos barcos e com o lançamento do arpão e mão.

No entretanto, actuando apenas com dois navios providos de canhão-lança-arpão e com uma só instalação fabril de aproveitamento completo em terra, vai realizar-se trabalho cujos resultados serão ensinamento precioso para iniciativas de maior amplitude.

Considera o despacho necessários 23:500 contos para dar execução a uma 1.ª fase da pesca dos cetáceos no ultramar.

Besta-me uma referência à chamada pesca local, que ocupa cerca de 40000 pescadores, exactamente os menos protegidos em terra e os mais sujeitos a ser tragados pelo mar quando vencidos na luta heróica que travam com ele.

É notabilíssima a acção das Casas dos Pescadores e extraordinária a dedicação do sen incansável animador, mas, como ó natural, os homens ligados às pescas mais importantes gozam de benefícios que não chegam com a mesma intensidade ou perfeição aos que trabalham nos pequenos portos continentais ou perdidos nos recantos das extensas costas das nossas ilhas.

Julgo que tudo quanto seja feito para segurança das vidas dos arrojados pescadores merece o mais entusiástico aplauso, o a motorização prevista para as pequenas embarcações do pesca local (fornecendo máquinas de funcionamento garantido) constitui a primeira e mais eficaz forma de protecção daquelas vidas.

Considera o despacho n.° 181 necessários 10:000 contos para motores e redes.

Lembro aqui que a pesca dos similares do atum nas ilhas tem já importante desenvolvimento, atingindo a consequente industrialização o valor de alguns milhares de contos só em S. Miguel e ocupando a pesca daquela espécie ictiológica em todas as ilhas algumas centenas de homens.

É muito contingente esta pesca, porque nada se sabe das leis que regem a migração destes peixes. No entretanto talvez alguma coisa se pudesse fazer, a fim de facilitar a faina dos pescadores nos nossos mares atlânticos, pois se verifica que há anos de extraordinária abundância numa ilha, faltando em todas as outras. Lembro a conveniência de o Estado promover o estudo das águas das nossas ilhas no sentido de auxiliar tão importante indústria.

Também o plano se refere & exploração de ostras e outros bivalves, para cujo fomento bastariam 3:000 contos.

Ao todo o financiamento atinge 250:000 contos, verba importante sem dúvida, mas que a importância das actividades piscatórias bem merece.

A leitura do despacho n.º 181 é reconfortante, porquanto nos deixa a impressão de quo, embora a pesca não tenha sido incluída no Plano de Fomento Nacional, será considerada, à margem daquele Plano, noutra forma de financiamento, pela, criação de um fundo especial, que seria chamado «Fundo de renovação e apetrechamento da indústria da pesca».

Assim veremos as pescas continuar a sua progressiva marcha, em virtude das medidas que com tanto acerto e sentido das realidades foram traçadas.

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Sr. Presidente: se dar opinião que não nos foi podida é inconveniência, dizer o que se pensa a quem solicita o esforço da nossa razão é virtude e exprime vontade de sincera colaboração.
Se o Governo enviou o Plano de Fomento à apreciação da Assembleia Nacional é porque deseja a critica dos Deputados. Esto facto, e ainda a obrigação que me cabe do defender os interesses do distrito de Ponta Delgada, obrigaram-me a tomar a palavra.
Mas é árdua e difícil a missão de discutir e apreciar trabalho como uni plano do fomento, elaborado por homens do valor dos que constituem o nos»o Governo o em presença dos altos espíritos reunidos nesta Casa, mormente para quem como eu tem justa e plena consciência, das limitadas aptidões o faculdades próprias.

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - Por isso nunca como bojo me senti tomado por tão avassaladora inibirão que me tolheu a razão e me dominou a vontade, quase mo impedindo de subir a esta tribuna.
Afinal. Sr. Presidente, quero afirmar que as palavras aqui proferidas furam todas animadas de um sincero o enorme desejo de bom colaborar com n Governo e termino declarando que é tal a minha confiança no homem que detém o leme da nau que fico com a certeza de que continuará no rumo certo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Borges do Canto: - Sr. Presidente: depois de dirigir a V. Ex.ª as minhas respeitosas e calorosas saudações, desejo patentear o meu profundo reconhecimento por me ser dado o ensejo de subir a esta tribuna no momento em que se discute o famoso diploma que o Governo submeteu à Assembleia Nacional, contendo o Plano de Fomento para o sexénio de 1953-1958.
Não é meu propósito discutir os fundamentos desse Plano, tão maravilhosamente expostos no relatório que o antecede, nem tão-pouco me proponho criticar a sua estrutura, porquanto os ligeiros reparos que a Comissão de Política, e Administração Geral e Local entendeu dever fazer, como resultado do estudo a que se obrigou, foram aqui proficientemente enunciados pelo ilustre presidente dessa Comissão, traduzindo o pensamento unânime dos seus membros.
O depoimento que aqui trago, portanto, poderia ser acoimado de impertinente se eu, depois de outros tão brilhantes e competentes, o informasse de novos conceitos, de diferentes apreciações, em oposição ao que já aqui se expôs com tanta autoridade e colocando-me em desacordo com o meu voto anterior.
Isto não é de modo nenhum abdicar, comodamente de uma opinião pessoal, conformando-me, incondicionalmente, com o que os outros pensam; no entanto não podemos deixar do confessar que, de um modo geral, só nos merece admiração e louvor o diploma que se discute ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... e, embora habituados, como já estamos, pela prática destes decorridos vinte e seis anos, a receber com confiança e aplauso todas as providências governamentais que tenderam ou tendem no nosso ressurgimento e a desenvolver e firmar os progressos da nossa economia, não será nunca demais aplaudir «bendizer todos os instrumentos que, com o mesmo objectivo, vão sendo postos à disposição do País para firmar a sua independência e aumentar a sua riqueza, com a produção do que lhe falta e com o aumento, valorização e boa colocação do que já produz.
Isto, se não é um dever que legalmente se nos imponha, é pelo menos, uma manifestação elegante da nossa consciência agradecida. Eis uma pequena primeira parte do meu depoimento.
Nota-se que na [...] do Plano, no ordenamento dos meios a pôr em prática e na atribuição dos respectivos investimentos se encara como razão primordial de todas estos medidas o baixo rendimento individual do nosso país, a que corresponde um nível de vida também baixo e um reduzido poder de aquisição da maioria, impondo-se como grande necessidade1 o aumento desse rendimento, apesar do muito que só conseguiu com o esforço espantoso realizado nestes últimos anos e da incontestável melhoria, alcançada. Chega-se, a concluir que, para se atingir essa finalidade, o Plano terá de visar:

O desenvolvimento da agricultura;
A produção de energia eléctrica, seu transporte e distribuição;
As indústrias-base;
Os transportes e meios de comunicação;
As escolas técnicas.

Recordados assim os pontos em que vão incidir os importantes investimentos do Plano, desejo fixar, em especial, o primeiro, o segundo e o quarto, ou seja os que se referem à agricultura, à energia eléctrica e aos transportes e meios de comunicação.
A razão primeira do depoimento que aqui me trouxe é precisamente o interesse que ao distrito de Angra do Heroísmo oferecem essas actividades e principalmente a ausência absoluta desse distrito na repartição dos benefícios que o Governo quer promover com a adopção e execução do Plano.
Não quero crer que se deva a mero esquecimento essa ausência e também não acredito que, ao invés do que se verificou para o continente e mais povos insulares, se tenha julgado que os habitantes das ilhas Terceira.
S. Jorge e Graciosa são possuidores de uma riqueza ou condições de trabalho que lhes proporcionam um rendimento individual diferente. É certo que a ilha Terceira está nesta ocasião beneficiando de circunstância» especiais que concedem trabalho melhor remunerado aos seus naturais e a muitos de outras ilhas. No entanto, daqui resulta um manifesto e prejudicial desequilíbrio, pois têm desertado muitos braços da agricultura, cujo trabalho é muito meios compensador, e a produção não tem acompanhado, nem poderá acompanhar, o aumento da população que lá se tem produzido, mercê dessas circunstâncias.
Oferece-se-me aqui o ensejo, que não posso perder, de me referir a esta anormalidade, que está requerendo providências instantes, e a um seu efeito bastante sensível, que é o aumento do custo da vida, pois, tendo sido e Terceira a capital de distrito insular onde mais barato se vivia, constitui agora um centro de vida cara, mesmo comparado com os mais caros do continente.
Daqui a pouco a vida ali será incomportável para aqueles que não possam, por si fazer crescer os seus meios, se se não lhes acudir com um auxilio suplementar.
Ainda um outro facto que afecta a vida económica da ilha pode ter aqui oportuna referência e não resisto no desejo de o citar, impetrando providências para a sua solução, ainda que não esteja propriamente no âmbito deste Plano.
Reside ele na demora de pagamento pela Junta Nacional dos Produtos Pecuárias dos lacticínios que recebe

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e retém nos seus armazéns, talvez por dificuldade de colocação imediata.

Não residirá naturalmente na vontade da Junta este procedimento, cuja causa talvez venha de longe, mas a verdade é que afecta a indústria, logo depois o produtor do leite e, finalmente, o proprietário da terra. que não pode ver realizado a tempo o seu justo rendimento.

Resulta daqui, como se vê. um adiamento sucessivo de pagamentos de consequências graves, pois os pequenos lavradores produtores de leite vêem-se meses e meses sem receber o valor dos seus fornecimentos e sem poderem pagar a importância dos seus encargos.

Seja-me desculpada esta diversão e seja-me permitido dizer que as circunstâncias especiais a que aludi v em que se encontra a ilha Terceira presentemente não são de ordem permanente, ao que se me afigura, antes revestem um carácter nitidamente provisório (mal de nós se assim não fosse), e, sendo assim, elas não podem criar nina riqueza de rendimento efectivo que venha a suprir aquele que o Plano procura promover, a muito maior prazo, por certo, mas com mais segurança e efectividade.

Por isso. o facto de o distrito de Angra não gê ver contemplado na distribuição dos auxílios com que o Governo quer fomentar a riqueza pública causou nos seus povos uma impressão a que eu já chamei funesta, porque é não só desagradável como prejudicial, no seu aspecto político, e eu não podia deixar de a vir fazer sentir à Assembleia, ao mesmo tempo que daqui peço ao Governo que aceite o apelo para que o meu distrito não deixe de ser beneficiado como merece, até mesmo em virtude das invocadas circunstâncias em que se encontra .

Vejamos, porém, como poderemos integrar neste Plano as necessidades do distrito que represento.

Creiam VV. Exas. que me custa sobremodo, na discussão destes problemas de interesse nacional, vir intercalar as reclamações de um pequeno distrito -embora esta providência governamental se apresente, ela própria, com o carácter de parcial e não geral-. procurando desviar do alto sentido que devem tomar assuntos de tal natureza a atenção dos ilustres Deputados, que à magnitude dos grandes interesses económicos do País têm presos o seu estudo e preocupações, tanto mais que o meu distinto colega Dr. Sousa Meneses já focou aqui, com brilho e precisão e com o conhecimento que lhe dá a sua função de presidente da Junta Geral do Distrito, o mesmo assunto que me propus tratar.

Posso assegurar que por uma e outra razão, hesitei em usar da palavra neste debate, mas, finalmente, não me pareceu descabida a minha intervenção, quanto mais não seja um aplauso às considerações do Dr. Sousa Meneses e em plena concordância com elas, animado pelo douto parecer da Guinara Corporativa, que não deixou no esquecimento o distrito de Angra.

Cabe nesta altura pedir ao Governo que se digne ter em conta esse parecer, mas não só para receber as sugestões nele contidas, senão também para lhes dar efectivação dentro de uma melhor repartição das verbas destinadas a içada obra, trabalho ou serviço de fomento, uma vez que não podemos pensar em obter por decisão desta Assembleia pois teríamos o terrível veto de inconstitucional- o aumento dessas verbas.

Colorando, pois, o distrito de Angra dentro dos pontos do Plano que procurei fixar, falemos da sua posição em cada um deles, a começar pela agricultura.

Todos sabem que é a agricultura a fonte da nossa, principal riqueza, como. de resto, de todo o País. e há muito que o distrito reclama auxílio para o seu desenvolvimento, desde n assistência técnica, divulgação do ensino agrícola e conselho das melhores culturas e pro-

tão preconizados pelo aludido parecer, até uma real e profícua organização cooperativa.

Mas tais assistência, divulgação e conselho só podem tornar-se efectivos e eficientes quando estiver concluído o Plano de Fomento .Agrário, serviço dependente, do Ministério da Economia, a cargo dum conjunto de técnicos competentes e altamente interessados no seu trabalho, certamente pêlos benefícios que dele advirão, mas que têm encontrado grandes 'dificuldades para a sua, execução e prosseguimento por falta idas necessárias dotações.

Tive o prazer de visitar há dias a sua sede, e por isso a oportunidade de me inteirar da utilidade de tal serviço e de reconhecer que o seu arrastamento, pelo motivo indicado, é grandemente prejudicial para a execução do Plano de que tratamos.

O ilustre Deputado Sr. Melo Machado, incontestada autoridade nestes assuntos, referiu-se a .este serviço nos termos mais laudatórios no seu apreciado discurso, aconselhando até a sua necessária dotação pelas verbas deste Plano de Fomento económico. Atenho-me às palavras de S. Ex.ª pois que melhor mão podia eu definir as vantagens desse serviço e necessidade de ser activado. Apenas direi que está longe de ser concluído no continente e muito mais longe, portanto, de abranger os Açores.

Mas é parte integrante deste capítulo da agricultura o repovoamento florestal, e não pode deixar de incidir sobre este ponto o meu reparo.

Todo o distrito reclama olhos misericordiosos para a sua falta de arborização; contudo, na esperança de que a todo ele cheguem as providências reclamadas, citarei apenas o que se passa, na ilha Terceira.

Há muito que se fala no plano florestal da ilha, cujo estudo ou primeiras diligências para tal datam, salvo erro, de 1938. Que há feito Creio que apenas o estudo dos solos, ao que me consta, de modo que neste momento, em que poderíamos ver o nosso distrito dotado também para esse melhoramento, a par dos distritos do Funchal e de Ponta Delgada, vemos que o Governo o reserva para outra oportunidade.

Teremos de esperar o decurso destes seis anos e aguardar novo plano? As árvores não se fazem com ligeireza que nos permita desperdiçar tempo, e a situação, neste aspecto, da ilha vai-se agravando de ano para ano. A tanto terreno que outrora pedia a plantação de árvores juntam-se agora os claros produzidos pêlos cortes sucessivos de inatas para satisfação das necessidades da base aérea, ou das facilidades que, por via dela, têm sido dadas."

E de repetir o que diz a Câmara Corporativa a este respeito no parecer geral:

A Câmara Corporativa apenas sugere que a arborização insular se não limite aos dois distritos citados, mas se torne extensiva a todas as ilhas em que tal se aconselhe.

Fórmula mais precisa se encontra no parecer subsidiário da secção de Produtos florestais:

Parece, porém, à secção de tomar em consideração os projectos relativos aos distritos de Angra e da Horta, em vias de conclusão, e lhes dar início na medida do possível.

Esta a medida do possível» parece-nos que seria activar a conclusão dos projectos; e daqueles 400:000 contos destinados ao repovoamento florestal do continente tirar uns tantos para se ir fazendo alguma coisa, onde tanto há que fazer.

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Também se lê nu citado parecer geral, quando trata ria hidráulica agrícola:

E interessa afio esquecer que no domínio dos aproveitamentos hidráulicos e eléctricos mais alguma coisa haverá que fazer nas ilhas adjacentes.

Isto parece referir-se às previsões para depois de 1938, mas o que há a fazer mais convinha que o fosse já.

Se na ilha Terceira a obra daqueles aproveitamentos está em pleno curso -embora com o encardo para a Junta Geral de uni empréstimo de 19:500 coutos, verba esta que muito bem incluída teria sido neste novo Plano, sem amarrar a tamanha dívida aquele corpo administrativo, já bastante sobrecarregado com despesas de serviços que pertenciam ao Estado-, na ilha de S. Jorge está-se, quanto à produção de energia eléctrica, numa situação precária e de quase afogamento. Por isso era inadiável e de inteira justiça estender àquela ilha o benefício dessa importante obra, mas não a cargo da Junta Geral, que não poderá suportá-lo.

Não sei donde se poderia distrair verba para esse fim, e só a boa vontade do Governo poderá acudir a essa instante necessidade.

Finalmente chego ao terceiro ponto que fixei, no desenvolver «Do Plano: os transportes e meios de comunicação, ou seja, mais claramente para o nosso ponto de vista, os portos e os transportes, e. por um dos meus pecados, dos nossos pecados, volto a importunar a Assembleia com a história do porto de Angra do Heroísmo, a que não posso deixar de acrescentar os pequenos portos do distrito.

Estes, por felicidade, têm a sua dotação assegurada nas economias da Junta Autónoma dos Portos, que são perto de l2:000 coutos, todos saídos da economia do distrito, sem favor do Estado, naqueles 2 por cento ad valorem que se cobram sobre tudo o que entra e sai pêlos portos (por este indicativo talvez VV. Ex.ª avaliem um pouco uma das razões da nossa vida cara}.

Mas prossigamos. Estudos há muito tempo feitos por uma comissão destacada da respectiva direcção-geral aguardam a ordem superior paru a sua execução e que sejam aplicados esses dinheiros que têm estado cautelosamente arrecadados.

Com respeito ao porto de Angra a questão é muito mais séria e vultosa nos cabedais a empregar e no problema técnico a resolver.

Em resumo, o caso é este: aspiração secular da ilha Terceira, nunca, além de promessas, se conseguiu vislumbrar uma esperança de realização, até que em 1944 Angra do Heroísmo viu com regozijo » seu porto incluído na 2.ª fase do plano de obras portuárias, com a dotação inicial de 30:000 contos. A obra devia começar em 1946 e estar concluída em 1952-neste ano que está a findar.

Vieram então as esperanças de que alguma coisa se iria realizar, as quais a cada passo aumentavam com as declarações produzidas por pessoas responsáveis. Fizeram-se estudos, anteprojectos, experiências num laboratório da Suíça -coisa que ainda nào existia em Portugal-, e, finalmente, surgiu um projecto, cujo estudo no tal laboratório tive o gosto de ver num filme muito interessante, projectado para o governador e Deputados de Angra.

E de notar a boa vontade e interesse votados a este trabalho pelo -Sr. Ministro das Obras Públicas e pelos técnicos dele encarregados.

Julgo dever de justiça salientar aqui a arção do chefe da Repartição dos Portos, engenheiro Viriato Ganas.

Surgiram, porém, as dificuldades orçamentais, a dotação respectiva nunca apareceu, e talvez esta falta ajudasse a encobrir a realidade, que tem sido ou simples oposição ao projecto ou grave oposição ao porto. Não sei.

Fez-se silêncio; e foi de tal ordem o silêncio que, na magnitude deste Plano de Fomento, em que se vai fazer o investimento de 7.500:000 contos na metrópole, o porto de Angra não teve cabimento.

Entretanto, o parecer subsidiário da secção de Obras públicas e- comunicações da Câmara Corporativa diz, em referência à situação do plano de obras portuárias [2ª fase) de 1944, o seguinte:

Um exame das indicações do quadro n.° 1 revela que o programa de obras proposto pelo Governo está na continuação da efectivação do plano da 2.ª fase de obras portuárias.

Há que frisar que este plano é excedido sensivelmente, não só em relação ao porto de Leixões - para o - qual as obras previstas constituem programa novo -, como no que se refere a outros empreendimentos - como os relativos a Viana do Castelo, Figueira da Foz e Funchal -, cujos estudos definitivos conduziram a ampliar bastante a envergadura do programa inicial. Observação semelhante se tem de fazer ainda em relação a outros portos - com menção especial do porto de Angra do Heroísmo -, para os quais, embora não projectados em termos de execução, estudos já efectuados demonstram u necessidade de alterar as premissas do plano de 1944 no que respeita as proporções e concepção das obras necessárias.

E mais adiante:

Por outro lado, a continuação para além do período de vigência do Plano «lê Fomento da actividade em matéria de melhoramentos portuários torna necessário que no decurso deste período se proceda a estudos demorados e dispendiosos, incluindo ensaios laboratoriais das soluções para os novos empreendimentos u abordar, tendo em vista garantir priori a maior eficácia e economia das obras. Casos concretos, entre outros, serão provavelmente os dos portos da Póvoa de Varzim, de Sines e de Angra do Heroísmo.

Afigura-se, assim, a esta secção recomendável incluir no Plano de Fomento uma dotação especial destinada u cobrir estes dispêndios, que não seria economia evitar e que não devem ficar sujeitos às contingências dos orçamentos ordinários. Para este efeito sugere que seja acrescentada ao programa proposto pelo Governo, em seguida ao último porto da alínea c) a rubrica «Outras obras», com a dotação de 3O:000 contos, a compensar por dedução de igual quantia na importância atribuída a conclusão do plano de melhoramentos do porto de Lisboa, cujo montante será assim alterado, sem inconveniente apreciável, para 254:000 contos.

Isto quer dizer que a Câmara Corporativa reconhece a justiça da reclamação da ilha Terceira e entende que a obra do porto de Angra se deve fazer, preparando para tanto, desde já, o seu projecto em condições de exequibilidade. «Será aceite essa .sugestão com o desvio .daqueles 30.000 contos. Estou em crer que o porto de Lisboa se insurgirá valentemente.

Muito bom seria se se pudesse adoptar o parecer nesta parte, mas na condição de se chegar depressa, quanto possa ser, a uma finalidade, porque, de contrário, para levarmos em estudos e vãs esperanças, mais valia o abandono dessa falaz ideia de um porto de abrigo « cuidar-se resolutamente de arranjo e apetrechamento

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dos dois portos que podem servir a cidade de um e outro lado do abrigo natural que é o Monte Brasil.

Do lado oeste, isto é, na baía do Fanal, as obras nau seriam pequenas, pois seria precisa a construção de. um novo cais na tosta daquele Monte -cais que poderia ser acostável, tais são ali os fundo» e a mansidão das águas com certos ventos-. o qual se prolongaria ao longo da costa para alcançar uniu comunicação fácil com a cidade por fora da fortaleza. A isto acresceriam &s devidas instalações e petrechos. Não sei fazer um cálculo do que poderiam custar tais obras, mas julgo que a primitiva dotação de 1944 chegaria, e talvez assim se resolvesse este magno problema.

Quanto a transporte, não se pode levar a mal que os Açorianos, tendo ouvido falar tanto de renovação da nossa marinha mercante, tenham a veleidade de querer também novas unidades no serviço das suas ilhas, e daí pretendam que a Empresa Insulana de Navegação mande fazer maiores e melhores vapores do que aqueles que possui actualmente.

Há. ao que parece, impedimentos a uma tal pretensão. Por um lado, informa a Junta Nacional da Marinha Mercante que a Empresa Insulana de Navegação não teve a sorte que as outras locou de realizar grandes lucros durante a guerra, o que a. não deixou entrar no programa de renovação.

Por outro, segreda-me alguém, perante provas que possui, de que, apesar do recente aumento das passagens, os transportes nesta Empresa ainda são proporcionalmente mais baratos do que nas carreiras de África e Brasil.

Temos, pois, de confluir pela vida precária da Empresa Insulana de Navegação e pela necessidade neste caso do auxílio do Estado, única forma de satisfazer esta aspiração.

No entanto, aquele programa da construção de dois navios de 6OO ou l 0001. para cabotagem entre a capital de cada distrito e as outras ilhas, obrigando os passageiros a transbordos, demoras e maiores despesas, e as cargas a baldeações que as prejudicam e. oneram. pode ir muito cómodo para a Empresa, para os navios maiores, que tocarão só nas capitais e até mesmo para os passageiros destas, mas para os outros isso deve assemelhar-se a um autêntico retrocesso e deve forçosamente causar profundos desgostos entre as populações que a tal fiquem sujeitas.

Sr. Presidente: vou terminar as minhas considerações renovando o meu apelo ao Governo para que olhe com atenção e boa vontade para as condições do distrito de Angra nos aspectos que eu procurei focar nesta minha exposição, designadamente para o que se passa com o tráfego marítimo da ilha Terceira, especialmente no porto de Angra.

Neste, que é o porto de maior movimento de passageiros depois do de Lisboa - já aqui foi feita essa afirmação - dando vazão a um volume de cargas, que se vê aumentar de mês para mês, tudo se passa quase como nos primeiros tempos do povoamento.

Nessa ilha, cheia de estrangeiros, que têm os olhos postos nas manifestações da nossa actividade e na organização dos nossos serviços, um tal estado de coisas é ofensivo do brio nacional e apouca-nos dolorosamente.

Lanço daqui este brado e pena é que a minha fraca voz o não faça chegar, sequer, às paredes desta sala, para encontrar maior ressonância e eco perdurável nas consciências, nas inteligências, ou somente nos corações.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Haverá sessão na próxima terça-feira. à hora regimental, com a mesma ordem do dia. Está encerrada a sessão.

Eram 10 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Cruz.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
António de Almeida.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Júdice Bustorff da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Príeto.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Cardoso de Matos.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Domingues Basto.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Paulo Cancela de Abreu.
Vasco de Campos.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

Proposta de lei e parecer da camara Corporativa a que se referiu o Sr. Presidente no principio da sessão:

Relatório

1. Quando se procura fazer um balanço gorai do que tem sido a intervenção do Estado 'lias questões que se relacionam com a educação física, nota-se que houve sempre, a par de permanentes desvios de orientação e de esforços desconexos. o intuito de equacionar o problema em moldes de solução racional.

Não surpreendem aqueles desvios se se atender a que o problema teve de se subordinar à instabilidade dos princípios que o informavam e à oscilação das ciências

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subsidiárias que o serviam. Acresce que particularmente em Portugal, uma mentalidade indiferente ou pouca actualizada nos fins e necessidades da educação física quase a colocou no âmbito das coisas dispensáveis ou até nefastas.

Alimentou-se neste aspecto, durante larga» décadas, o propósito antinatural de, na educação geral, se contrariar a expansão instintiva e espontânea do jovem pelo exercício físico.

Só quando se desenharam os primeiros influxos de uma nova pedagogia, sob o princípio do corpus validum sub animo forti e se orientou o exercício físico no aperfeiçoamento e disciplina do esforço físico-psíquico, se notou definitivamente que na educação intelectual e moral da pessoa humana se tem de cuidar previamente du corpo, como alicerce e instrumento para o pleno desabrochar de todas as restantes faculdades.

Viveu-se durante largos amos na ignorância desta realidade, e era o próprio Estado que, com omissão voluntária ou disfarçada indiferença, permitia e fomentava que a educação se orientasse no sentido dum intelectualismo absorvente que tendia para o eclipse da personalidade física, e até moral, do indivíduo.

Mas se o Estado ignorava ou esquecia esta faceta importante na educação, é justo salientar que de outros sectores, talvez menos avisados, (nasciam, em esforço meritório, acções que visavam satisfazer as (necessidades da valorização física.

Foram, por um lado, as associações ou colectividades desportivas que tomaram a iniciativa duma cultura física que, embora descontrolada ou insuficientemente praticada, tinha a virtude de aglutinar à sua volta os

Sue, movidos pelo prazer da competição ou pelo gosto a exibição, iam encontrar o complemento duma Tida social cada vez mais absorvente.

Por outro lado, os órgãos da defesa nacional, cônscios das exigências crescentes que a guerra moderna impunha, buscavam na educação física o processo de valorizar o soldado, tornando-o mais apto e mais resistente para o combate.

Se descontarmos dispersas e inoperantes tentativas legislativas da parte do Estado para enquadrar a educação física no plano geral duma educação unitária nacional, é indiscutivelmente às colectividades particulares, ao Exército e à Marinha que 'ficamos devendo a iniciativa e continuidade duma acção educativa que nem por ser parcial e incompleta deixa de merecer respeito pelo .serviço prestado â Nação.

2. Sem considerar a prioridade, que cabe à Casa Pia de Lisboa, de há mais de cem anos (1838) dispensar atenção à educação física no plano de formação dos seus educandos, e a inclusão em 1894 doa exercícios ginásticos no ensino primário, é nos começos deste século (1905) que se revela pela primeira, vez, em moldes concretos e oficiais, a intenção de reparar a unilateralidade da educação. Salientava-se, ao introduzir-se a educação física nos .programas do ensino secundário, que «a fadiga cerebral, que estudos aturados e a longa permanência nas aulas acarreta inevitavelmente, tem a sua correcção na ginástica, nos jogos, nos trabalhos manuais», e notava-se que o (desenvolvimento do organismo que estes exercícios provocam vai exercer benéfico influxo na formação moral dos estudantes, e alguns deles, como os jogos, têm uma função moral e educativa que era forçoso aproveitar».

A falta de ambiente e instalações apropriadas e, mais do que isto, a escassez de educadores com razoável nível de preparação técnica tornaram ineficaz esta tentativa, ainda que mais tarde (1918) nela se viesse a insistir ao proclamar-se a conveniência de ministrar aos aluai os, a par de um determinado conjunto de conhecimentos, um progressivo desenvolvimento intelectivo do espírito, o desenvolvimento normal do corpo, a educação do sentimento e da vontades.

A insistência, bem patente nestes diplomas, de cuidar da cultura física levantou simultaneamente o problema do recrutamento dos professores.

Após a primeira tentativa falhada da, criação de escolas superiores de educação física junto das Universidades de Lisboa e Coimbra (1911), e que nunca chegaram a funcionar, gastaram-se dez anos e votos solenes e desejos fervorosos, vindos de sectores diferenciados (Guerra, Marinha e Instrução Pública) no sentido da constituição de uma escola normal de educação física, até que assistimos ao nascimento, em 1931, com (aspecto provisório, de um curso normal de educação física.

Este curso, que funcionava na Faculdade de Medicina, na Escola Normal Superior e na Escola do Magistério Primário de Benéfica, enfermava dos mesmos defeitos, se não mais acentuados, dos que se tinham instituído em 1911. Os futuros educadores, entregues, u orientação de unia multiplicidade de professores e estabelecimentos que se ignoravam, sem a frequência de disciplinas práticas, nunca poderiam cooperar numa obra de formação com unidade doutrinária conveniente.

Para obviar a estas deficiências e para harmonizar o curso normal de Educação Física com os restantes cursos, foi integrado, dois anos mais tarde, aquele na Escola Normal Superior.

No entanto, a insuficiências continuaram. A par de uma acção formativa dispersa, entre o exagero das chamadas ciências subsidiárias, nota-se expressivamente a falta de uma prática pedagógica e de uma metodologia da .ginástica dos jogos e doa desportos, pedras angulares na preparação dos agentes deste ramo de educação.

E nestas condições se foram formando os agentes de ensino até que novo arranjo nas escolas normais tornou ainda mais acentuadamente precária a sua preparação.

Reincidiu-se no erro originário de, ao dissolver, em 1930, as escolas normais superiores, se dispersar o ensino da cultura teórica pelas secções pedagógicas das Faculdades de Letras e o da aplicação prática pêlos Liceus Normais de Lisboa e Coimbra.

3. Enquanto se tentava por esta forma apetrechar o País com os indispensáveis professores, desenvolvia-se paralelamente um movimento de enquadramento da educação física nos diversos graus e estabelecimentos do Ministério da Instrução.

É assim que, a fim de acompanhar o progresso notado nas nações mais cultas, se aprovou, em 1922, o regulamento das provas interescolares de educação física, nas quais se instituiu a Festa Nacional, a realizar anualmente, com a disputa de um trofeu.

Apesar do pensamento louvável que inspirava, esta tentativa, como muitas outras, não teve continuidade.

Foi o que sucedeu também ao defender-se, em 1924, a introdução da educação física nas escolas elementares e ao considerar-se «absolutamente indispensável o desenvolvimento físico dos alunos das escolas do ensino técnico industrial e comercial», notando-se o «definhamento evidente da população do nosso país» e preconizando-se a «necessária correcção física às atitudes prolongadas a que obrigam as profissões industriais e comerciais».

Mais um diploma inteligentemente delineado, onde não se esquecia o papel do médico e do professor de Educação Física como complemento racional de uma profícua acção educativa que ficou sem execução.

E, sob o influxo de princípios que não encontraram reflexo prático, estabeleceu-se ainda em 1926 que «os desportos devidamente orientados e conduzidos visam

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a realização de um processo educativo de vasto alcance social».
Nova, para não dizer repetida intenção, se encontra expressa no Estatuto de Instrução Secundária (1926) quando se regulamentam as sessões de ginástica a cargo de instrutores e se dividem os alunos por três classes, segundo as idades, tendo um atenção o escalonamento dos «fracos e fortes para proporcionar o esforço físico à robustez».
Faltavam, porém, além de instrutores habilitados, condições do instalação e apetrechamento que permitissem a prática eficiente de sessões de educação física nos liceus.
A preocupação constante de gradual e lentamente se (introduzir a educação física como parte integrante e complementar do ensino, também se nota já nos programas do ensino primário de 1928-1929 ao afirmar-se que a ginástica educativa consiste nos «exercícios respiratórios, essencialmente fisiológicos, que têm uma grande importância e devem empregar-se com frequência».
È certo que nesta afirmação não se equaciona uma questão de princípio, pois se aceita um único tipo de ginástica.
Volvidos quatro anos, no Regulamento de Educação Física dos Liceus de 1932, constante do Decreto n.º 21110, de ] 6 de Abril, acentua-se, dentro da mesma orientação, que a educação respiratória é «o elemento fundamental de toda a ginástica educativa», e como corolário lógico dessa afirmação excluem-se da educação física os desportos e jogos desportivos, «visto serem a antítese de toda a educação».
Ainda dois anos mais tarde, em 1934, o mesmo critério é mantido para os restantes graus e tipos de ensino, ao estabelecerem-se no Estatuto do Ensino Particular idênticas disposições e ao determinar-se que nas capitais de distrito haja instalações «acomodadas à realização dos exercícios de ginástica respiratória».
Se até 1928 tínhamos a assinalar a descontinuidade de uma acção que reiteradamente se afirmava ser essencial à formação educativa, com estes três últimos diplomas marcou-se um rumo na orientação pedagógica e técnica a imprimir à educação física, procurando-se impor um determinado método ou acção educativa.
Em sentido diferente desenvolveu-se, porém, e paralelamente, um novo movimento, que abriu mais largos horizontes ao problema da educação física nacional.

4. Pode fixar-se o início deste movimento em 1913, quando pelo Ministério da Guerra foram enviados quatro oficiais em missão de estudo à escola francesa de educação física de Joinville-le-Pont. Em 1919 foi nomeada por este mesmo Ministério uma comissão encarregada de proceder à elaboração de bases para o estabelecimento de lima escola de esgrima, que no seu desenvolvimento futuro pudesse constituir uma das secções de um instituto de educação física destinado não só a preparar instrutores como a difundir pelo Exército a prática dos exercícios físicos.
A essa escola e a esse instituto se fará adiante referência.
Entro as iniciativas privadas deve colocar-se também, em primeiro lugar, a da Sociedade de Geografia de Lisboa, ao criar, em 1930, a primeira escola civil para «formação de professores de Educação Física do um e de outro sexo» e que vinha «contribuir para o desenvolvimento da educação física nacional e para a constituição e divulgação das ciências da especialidade». O ensino estruturava-se numa aprendizagem teórica e prática, para o que se recorria aos técnicos e médicos indispensáveis, de modo a conseguir-se unia mais perfeita e equilibrada formação dos educandos.
Num despertar para realizações de largo alcance, cujas consequências em breve se começariam a sentir, surgem três anos depois (1933) duas novas instituições de formação de agentes de ensino.
O Ministério da Instrução Pública cria, por um lado, «a disciplina anual de Pedagogia Geral da Educação Física» no Liceu Normal de Lisboa (Pedro Nunes), subordinando-se o ensino a bases filosóficas, pedagógicas e biológicas, que, por servirem o espírito e o carácter, se ajustavam aos princípios emanados do método de Ling.
O Ministério da Guerra, por outro lado e por se tornar «urgente resolver o problema da educação física 110 Exército», cria a sua Escola de Educação Física, que se propõe, substituindo a secção de ginástica da Escola Prática de Infantaria, a Escola de Educação Física do extinto Campo Entrincheirado de Lisboa e a Escola do Esgrima, e por razões relacionadas com a defesa nacional, preparar e formar professores e instrutores de educação física e monitores de ginástica, desportos e esgrima para as escolas e unidades militares.
A Escola constituiria igualmente «um centro de estudos sobre a aplicação criteriosa dos exercícios físicos, considerados como meio de estimular e desenvolver as aptidões físicas e morais do pessoal dependente do Ministério da Guerra, conforme as necessidades especiais da vida militar».
Pela importância que o Exército atribuía a este último propósito, criou, «como órgão de estudo e de consulta obrigatória para todas as questões de educação física respeitantes à educação militar e pré-militar», a Comissão Superior de Educação Física do Exército. E, como sinal de unidade de pensamento conduzindo ao comum objectivo de revigoramento físico e moral da pessoa militar, fez nela incluir um delegado da Comissão Técnica da Educação Física da Armada.
A Marinha tinha há muito (1924) iniciado movimento semelhante com a criação da Comissão Técnica da Educação Física da Armada, que, como «organismo orientador, impulsionador e dirigente dos serviços de educação física, infantaria e jogos desportivos do pessoal da Armada», se dispunha, entre outras funções, a «elaborar as bases paia a criação de uma escola de educação física, onde desde logo funcionaria uma secção de natação ».
Como reflexo do defeito observado noutros departamentos do Estado, dispersava-se o ensino, multiplicavam-se, consequentemente, os critérios e de um esquema administrativo, consultivo e pedagógico extremamente complexo caía-se, fatalmente, num ponto morto de realizações.
Da Escola de Educação Física para Oficiais da Armada, da Escola de Educação Física para Instrutores Gerais (1925), da Direcção de Educação Física da Armada (1930), que «nunca chegaram a ter actividades que correspondessem às suas designações e às atribuições que lhes foram conferidas em vários e extensos diplomas», sobrevive apenas a Comissão Técnica de Educação Física da Armada, que hoje se mantém e que é «o órgão de consulta e estudo que orienta, impulsiona e coordena os serviços de educação física e jogos desportivos».

5. Ao movimento empreendido pula Sociedade de Geografia e pela Escola de Educação Física do Exército segue-se um período de realizações que bem atestam o conceito expresso no § 3.º do artigo 43.º da Constituição Política de 1933: o de a educação física constituir uma parte do todo, uno e indivisível, que representa a educação integral do povo português.
Num curto prazo de tempo assistimos à mais vincada expressão de enquadramento da educação física num

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lano unitário dos problemas que interessam à formação Io carácter, ao ensino e à cultura.

São anos de concretas e fecundas realizações, que se iniciam com o aparecimento da Organização Nacional Mocidade Portuguesa e da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho e culminam em 1940 com a criação do Instituto Nacional de Educação Física.

Com a Lei n.° 1941, de 11 de Abril de 1946, que remodela o Ministério da Instrução Pública, institui-se a Junta Nacional da Educação, órgão técnico e consultivo e que «tem por fim o estudo dos problemas relativos à formação do carácter, do ensino e da cultura, a par do desenvolvimento integral da capacidade física». Na mesma lei se determina que à mocidade portuguesa seja «dada uma organização nacional e pré-militar que estimule o desenvolvimento integral da sua capacidade física, a formação de carácter e a devoção à Pátria e a coloque em condições de poder concorrer eficazmente para a sua defesa».

Cria-se a Organização Nacional Mocidade Portuguesa, que abrange «toda a juventude escolar ou não e se destina a estimular o desenvolvimento integral da sua capacidade física, a formação do carácter e a devoção à Pátria no sentido da ordem, no gosto da disciplina e no culto do dever militar».

A (Mocidade Portuguesa ficam a pertencer, com carácter obrigatório, todos «estudantes ou não, desde os 7 aos 14 anos, bem como os que frequentam o 1.° ciclo dos liceus, tanto do ensino oficial como particular», mas considera-se voluntário o alistamento para todos os restantes até à data da incorporação militar, da conclusão dos cursps ou até aos 26 anos.

Para as actividades conducentes à realização dos seus fins determinava-se que «em todas as escolas públicas c-u particulares, coin excepção do ensino superior, um dia útil de cada semana seria destinado a exercícios colectivos ao ar livre sempre que possível, de educação cívica e pré-militar».

Movimento semelhante se verificou em relação u juventude feminina, onde, por intermédio da Obra das Mães péla Educação Nacional (1936), fie procurou «orientar as mães portuguesas por uma activa difusão das noções fundamentais de higiene e puericultura, para Lem criarem os filhos» e proceder à organização da secção feminina da Mocidade Portuguesa.

A secção feminina da Mocidade Portuguesa, como organização a cargo daquela instituição (1937), teria

Sor fim «estimular nus jovens portuguesas a formação o carácter, o desenvolvimento da capacidade física, a cultura do espírito e a devoção ao serviço social, no amor de Deus, da Pátria e da Família».

Atribuiu-se à educação física, sempre associada à liigiene, o «fortalecimento racional, a correcção e a defesa do organismo, tanto como a disciplina da vontade, a confiança no esforço próprio, a lealdade e a alegria sã». Com este propósito teve-se o cuidado de excluir dos meios educativos as competições, exibições de índole atlética nos desportos que fossem contrários ou prejudicassem « a missão natural da mulher e tudo o que possa ofender a delicadeza do pudor feminino».

Em acçíío paralela, mandava-se na Reforma do Ensino Secundário daquele mesmo ano (1936) cooperar a Organização Nacional Mocidade Portuguesa «com todos os estabelecimentos oficiais e particulares do ensino liceal», pura o que se realizariam, em conjunção com a Mocidade Portuguesa, num dia reservado de cada semana, «exercícios colectivos e marchas ao ar livre, graduados segundo o desenvolvimento físico dos alunos, e todos os anos se fariam grandes demonstrações nos campo» desportivos regionais e no Estádio Nacional». Se alguma objecção havia a fazer ao plano de actividades da Mocidade Portuguesa, «rã de não ser exten-

sivo, com o mesmo carácter de obrigatoriedade, a todos os jovens.

Avanço notável veio, no entanto, a ser dado pêlos Estatutos do Ensino Liceal (1947) e Técnico Profissional (1948) ao estabelecerem para todos os alunos do ensino lioeal, dos ciclos preparatórios, dos cursos de formação profissional e secções preparatórias, tanto do ensino oficial como particular, a obrigatoriedade da inscrição na Mocidade Portuguesa.

A referência à exclusão de qualquer programa de actividade gimnodesportiva através da Mocidade Portuguesa para o ensino superior só é de aceitar numa tpoca em que, descuidada em absoluto a educação física nos estabelecimentos superiores e universitários, se procurava apreciar, numa primeira fase, a extensão prática da ideia superiormente traçada.

Com a criação da F. N. A. T. (1935) deu-se mais um decidido passo, coujugando-se os esforços no sentido de, aproveitando o tempo disponível dos trabalhadores portugueses, se lhes proporcionar o maior desenvolvimento físico, a par da elevação do seu nível moral e intelectual. Nos seus estatutos (1940) estabelecem-se os meios para a completa realização daquela ideia: criam--se cursos de educação física, promovem-se festas desportivas, instituem-se organismos de carácter desportivo ou recreativo, fundam-se colónias do férias, etc.

£. Nivelada a educação física ao plano unitário da formação intelectual e moral do indivíduo, definidos os limites da estreita cooperação que ela podia emprestar à cultura e ao carácter através de um sistema pedagógico e técnico firmemente compreendido como moldado às características psicossomáticas da nossa gente, faltava forjar, em obediência à preceituada unidade doutrinal, os meios de difusão ou os agentes de ensino desse novo aspecto da educação física.

Só, de facto, uma instituição de ensino, instrumento de unidade didáctica e de orientação geral, cérebro do pensamento e da acção associados, poderia, como cúpula do plano a desenvolver, fornecer uma «adequada preparação física, moral, cívica e patriótica», como em 1935 preconizava a Comissão Superior de Educação Física do Exército num projecto elaborado para a «organização da educação física e da preparação da juventude pura o serviço militar».

Insistia-se, e bem, na conveniência de combater a Ullilateralidade da solução não obviada com o aparecimento da sua escola, que, apesar de proveitosos frutos colhidos na sua curta existência, não correspondia já às exigências dos diversos ramos de instrução. Lançavam-se assim os primeiros alicerces para substituição da Escola de Educação Física do Exército por um» «escola mista para professores civis e militares e frequentada por pessoas de ambos os sexos que pretendam obter o diploma para o ensino da educação física ou de esgrima».

Pretendia-se desviar o ensino da educação física do âmbito estritamente militar e apontava-sè a necessidade de o reintegrar na educação geral, como aliás o preconizava mais tarde a Marinha ao .propor o enquadramento «dos problemas da educação física privativos da Armada no problema da educação física nacional».

Era indiscutivelmente no departamento do Estado que vigiava e guiava a educação física da juventude portuguesa que esse enquadramento devia ter lugar e, por isso, como epílogo dessa resolução se criou em 1940 o Instituto Nacional de Educação Física, na dependência do Ministério da (Educação Nacional, com o objectivo de «estimular e orientar, dentro da missão couperadora do Estado com a família e no plano da educação integral estabelecido pela Constituição, o re-vigoramento físico da população portuguesa, mediante

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o estudo científico do problema nos seus aspectos individual e social, e a formação dos agentes do respectivo ensino, tanto oficial como particular, em regime de separação de sexos».

E ao estabelecer-se para o curso do habilitação para professores Educação Física as disciplinas que assegurem, a par da preparação social, a formação biopeagógica e técnica, segundo os princípios do método de Ling, tendo em vista as condições mesológicas do nosso país e a capacidade fisiopsicológica da raça», resolveu--se uma ,das mais importantes necessidades impostas pela então reinante anarquia de métodos pedagógicos e técnicos da educação física em Portugal.

Mas se o Instituto Nacional de Educarão Física se tornou o cérebro da acção educativa e pedagógica unitária mais eficiente, é fora de dúvida que na aplicação dos meios que o decreto lhe conferiu - Decreto-Lei n.° 30 279, de 23 de Janeiro de 1940 - cedo se começaram a notar deficiências e imperfeições, que a prática e a experiência adquiridas em dez anos mais têm avolumado e marcado a conveniência da sua reorganização (Decreto-Lei n.° 32 241, de Setembro de 1942).

Umas e outras assinalam-se com mais nitidez na organização geral e no plano de estudos: na organização geral, o que se refere à competência do Instituto, preparação nele ministrada e às relações de cooperação com os organismos militares; no plano de estudos, a defeituosa .arrumação das disciplinas, a sobrecarga de lições que oneram os anos dos respectivos cursos, e bem assim a vastidão e profundidade dos conhecimentos a ministrar, com vista a assegurar uma melhor preparação social, a par de uma sólida formação técnica.

Propõem-se apenas nestas bases as modificações que a experiência aconselha introduzir como ponto de partida para a futura regulamentação do Instituto Nacional de Educação Física.

7. A fim de orientar e promover a educação física do povo português e introduzir disciplina nos desportos, foi criada em 1942 a Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar.

A sua acção abrange a organização desportiva existente, nascida espontaneamente, som intervenção do Estado, e na qual se notavam alarmantes sintomas de indisciplina ou de mal dirigida actuação.

A actividade desportiva servia por vezes para iludir princípios educativos, para glorificar privilegiados, ou mesmo atender interesses estranhos.

Criou-se então o organismo que, «directamente e através das instituições públicas ou particulares constituídas com esse objectivo como fim principal ou acessório», haveria de cuidar, fora das escolas, da Organização Nacional Mocidade Portuguesa e da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, da educação física do povo português».

A Direcção-Geral da Educarão Física, Desportos e Saúde Escolar, não substituindo as organizações existentes, mas sobrepondo-se-lhes, conseguia uma centralização descentralizada, com as vantagens das duas formas de organização que aqueles termos exprimem: unidade de pensamento representada pela Direcção-Geral e realização múltipla desse pensamento, conforme as modalidades desportivas ou a escala de graduação dentro da mesma modalidade, representada pelos órgãos directivos de cada desporto».

A actividade desses núcleos ou elementos da organização desportiva passaria a exercer-se em diferente regime jurídico estabelecido pela Direcção-Geral, cabendo a esta fundamentalmente a fiscalização e disciplina das práticas desportivas onde elas se mostrassem insuficientes ou se revelassem incapazes de sacrificarem o proveito particular ou restrito em favor do interesse geral.

Aproveitava-se o entusiasmo e a sedução exercidos pela prática deste ou daquele desporto para impor às colectividades a obrigação de criarem c manterem cursos de ginástica. Era o reconhecimento de que só pela ginástica se pode atingir um completo desenvolvimento geral, condição essencial para uma prática desportiva benéfica.

Nesta Direcção-Geral, o qual no texto do diploma se entregaram outras tarefas no campo da educação física nacional, ficou integrada a extinta Direcção-Geral de Saúde Escolar, que não alterou o seu regime legal nem os princípios de orientação pedagógica da sua medicina.

Sem deixar de reconhecer os altos e prestigiastes benefícios que a Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar trouxe à educação física nacional, velando pelo cumprimento da boa ética desportiva, disciplinando os que tudo sacrificam ao seu interesse particular, saneando as organizações dos elementos perniciosos ao desenvolvimento da sã doutrina, vigiando e impondo a educação física por forma racional e regular, é fora de dúvida que, por escassez de meios ou por impossibilidade de adaptação das iniciativas ao campo da sua competência, a Direcção-Geral não pode ir mais além.

Sente-se que a Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, que nasceu sob os melhores auspícios para o exercício de uma acção que se desenvolvia já por forma regular noutros sectores da vida portuguesa, não está apetrechada para realizar efectivamente a direcção e a fiscalização da educação física nacional.

Definida a conveniência de integrar a educação física no mesmo plano unitário da educação geral; reconhecida a vantagem, dentro du mesmo pensamento, de uma unidade didáctica e pedagógica na formação de agentes de ensino, não c de aceitar que na fiscalização da prática dos diversos meios de exercitação física superintendam órgãos diferenciados sem a necessária unidade de direcção que um objectivo comum impõe.

Temos de aceitar, realmente, que só um órgão único que vele pelo cumprimento da doutrina e da técnica no seu consagrado aspecto biopedagógico nos pode dar a garantia de que a educação física seja levada com utilidade a toda a população e, como tal, constitua um meio a situar-se no quadro da educação nacional.

Sugere-se, para isso, uma reforma da 2.º subsecção da 1.º secção da Junta Nacional da Educação. Chamam-se a ela representantes de todos os organismos interessados na educação física, atribui-se-lhe mais larga competência e. embora integrada num serviço do Ministério da Educação, permite-se que funcione como órgão de consulta dos Ministérios ligados à educação física nacional.

Bases para a reorganização da educação física nacional

BASE 1

A 2.º subsecção da 1. ª secção da Junta Nacional da Educação será constituída, por:

a) O comissário nacional da Mocidade Portuguesa ou um seu delegado;

b) A comissária nacional da Mocidade Portuguesa Feminina ou uma sua delegada;

c) O director do Instituto Nacional de Educação Física:

d) O presidente do Comité Olímpico Português ou um seu delegado;

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224 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 175

c) Um representante da Comissão Superior de Educação Física do Exército, designado pelo Ministro do Exército;

f) Um representante da Comissão Técnica de Educação Física da Armada, designado pelo Ministro da Marinha;

g) O presidente. da Fundação Nacional paia a Alegria no Trabalho;

h) Um inspector da saúde escolar ou um médico dos desportos;

i) O director do Estádio Nacional;

j) Um representante das federações desportivas.

BASE II

Compete àquela subsecção:

a) Estudar emitir parecer sobre a actividade du educação física nacional. bem como apreciar o plano de acção a realizar anualmente pela Direcção-Geral da Educação Física e Saúde Escolar;

b) Pronunciar-se anualmente sobre a distribuição do fundo «lê expansão desportiva, organizando os respectivos planos;

c) Para parecer sobre as bases em que deverá assentar o ensino da educação física nas escolas oficiais e particulares de forma a torná-lo mais eficiente, e ajustado às necessidades reais, sem prejuízo de outras actividades escolares;

d) Fomentar um regime de estreita colaboração entre os vários organismos nela representados para se obter o melhor aproveitamento das possibilidades de cada um;

e) Pronunciar-se sobre os melhoramentos a introduzir nas instalações destinadas à educação física, tanto oficiais como particulares:

f) Prestar a sua colaboração a qualquer entidade que pretenda fomentar a prática dos desportos ou organizar cursos de ginástica ou jogos para a população não escolar;

/g) Responder às consultas que lhe sejam feitas pêlos Ministérios do Exército, da Marinha, das Obras 1'úblicas. da Educação Nacional ou das Corporações.

BASE III

A Direcção-Geral da Educação física. Desportos e Saúde Escolar caberá superintender em toda a educação física ministrada em instituições de natureza civil, do Estado ou particulares, fiscalizando, orientando e difundindo a sua prática.

BASE IV

O Instituto Nacional de Educação Física (I. N. E. F.} destina-se a estimular, no plano Ga educação integral estabelecido pela Constituição, o revigoramento físico da população portuguesa, mediante o estudo científico do problema no- seus aspectos individual e social, e a formação dos respectivos professores tanto do ensino oficiar<_:omn p='p' particular.='particular.'>

Os Ministérios do Exército e da Marinha. por intermédio da Comissão .Superior de Educação Física do Exército e da Comissão Técnica de Educação física da Armada, prestarão ao Instituto Nacional de Educação Física a colaboração necessária à integral! eficiência dos

BASE v

O curso de habilitação para professores de educação física será constituído pelas disciplinas que assegurem,

A par a da preparação social, a formação biopedagógica e técnica, tendo em vista as condições mesológicas do nosso país e as capacidades físiopsicoliógicas da raça.

BASE VI

O curso para professores de educação física compreenderá três anos de estudos. Seguidos de um ano de estágio, um ano de estagia com a dilerenciação adeguada aos sexos .e mediante programas oficialmente aprovados.

Poderão Organizar-se cursos especiais de instrutores e monitore de educação física e os cursos de especialização que foram julgados necessários.

O pessoal docente será constituído por professores ordinários, professares auxiliares e assistentes, nomeados mediante concurso cie provas públicas ou por convite fundamentado do conselho escolar, [homologado pelo Ministro da Educação Nacional.

A regência das disciplinas de aplicação militar será feita por professores designar pelos Ministérios do Exército e da Marinha.

BASE VII

O director do Instituto Nacional de Educação Física será livremente nomeado pelo Ministro da Educação Nacional e entre funcionários civis ou militares de comprovada idoneidade e competência e exercerá as suas funções em comissão de serviço.

BASE VIII

As admissões aos cursos proferidos no Instituto Nacional do Educação Física serão condicionadas pelas necessidades da educação física, devendo ter-se em conta, a par d«is índices demográficos, a distribuição dos estabelecimentos oficiais a particulares onde seja ministrado e os dados constantes da carta desportiva do país.

A matrícula dependerá de exame das aptidão que permita avaliar a robustez e a saúde do candidato e a sua disposição para os exercícios físico-educativos e poderá ser requerida por pessoas de ambos os sexos entre os 18 e os 23 anos, de comprovada idoneidade moral e cívica e que tenham as habilitações exigidas pelo Decreto-Lei n.º 36 507, de 17 do Setembro de 1947.

A admissão dos elementos militares será solicitada pêlos respectivos Ministérios, não estando estes sujeitos ao limite de idade fixado.

A admissão aos cursos de especialização será objecto de regime especial.

BASE IX

O Instituto Nacional de Educação Física terá a sua sede em edifício anexo ao Estádio Nacional, cujas instalações desportivas utilizará, e será apetrechado de maneira adequada à inteira eficiência dos fins de formação, aplicação e investigação científica.

BASE x

Nenhum diploma de educação física, para o ensino oficial ou particular, será de futuro concedido sem que o requerente possua, a habilitação do respectivo curau do Instituto Nacional du Educação Física.

BASE XI

O actual director do Instituto Nacional do Educação Física ocupará, sem dependência de formalidades, o seu antigo lugar de professor daquele estabelecimento du ensino.

O Ministro da Educação Nacional, Fernando Andrade de Lima.

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CÂMARA CORPORATIVA

V LEGISLATURA

PARECER N.º 33/v

Projecto de proposta de lei n.° 516

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.° da Constituição, acerca do projecto de proposta de lei n.° õ 10, elaborado pelo Governo sobre a reorganização da educação física nacional, emite pela sua secção de Educação física e desportos, sob a presidência do Digno Procurador assessor Pedro Teotónio Pereira, o seguinte parecer:

Apreciação na generalidade

O relatório que antecede o diploma, de uma maneira gorai, não corresponde ao articulado das bases.

Enquanto que estas tratam da reorganização da 2.ª subsecção da 1.ª secção da Junta Nacional da Educação e da reforma do Instituto Nacional de Educação Física, o relatório faz um resumo histórico da educação física no nosso país. Nele se descreve com efeito a acção da Casa Pia de Lisboa, que há mais de um século instituiu a cultura física no plano da formação dos seus educandos; do Ministério da Educação Pública, que a partir de 1905 incluía nos programas do ensino secundário a ginástica, os jogos e os trabalhos manuais; dos organismos militares, do Exército e du Armada, que a partir de 1919 prestam atenção à cultura física, como necessária ao revigoramento corporal e moral do pessoal militar; da Sociedade de Geografia de Lisboa, que em 1930 criou uma escola civil para a formarão de pessoal

docente da educação física; da Organização Nacional Mocidade Portuguesa, que abrange legalmente toda a juventude, e, por último, da Fundação Nacional para a Alegria, no Trabalho, criada em 1935 para proporcionar aos trabalhadores portugueses além dos 18 anos maior desenvolvimento físico, a par da elevação do sou nível moral e intelectual.

Embora o relatório não o mencione, é de inteira justiça referirmos o muito que a educação física nacional deve u iniciativa particular, principalmente aos clubes e associações desportivas. No tempo em que o Estado se desinteressava do revigoramento físico da nossa mocidade, foram as associações desportivas, na sua singeleza e modéstia de recursos, que, criando o gosto pela vida ao ar livre, no campo ou no mar, e o gosto pêlos jogos e competições desportivas, conseguiram interessar :i gente nova pela cultura física. Esses clubes e associações desportivas, só pela iniciativa e dedicações particulares, prestaram um relevante serviço ao País. pois foram eles os precursores e fomentadores da educação física nacional, e isto sem que qualquer auxílio fixo material correspondesse ao seu esforço. E justo lembrarmos que a Real Associação Naval, de Lisboa, a mais antiga associação desportiva da Península, fundada em 1856, há quase um século que desenvolve os desportos náuticos; o Real Ginásio Clube Português desde 1875 veio mantendo as suas classes de ginástica; e, no Norte, n Clube Fluvial Portuense desde 1876 que pratica o remo. E isto para mencionar só os clubes com mais de setenta e cinco anos do idade.

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Não ó por falta de órgãos com largas atribuições nem de legislação apropriada que a educação física no nosso paia se não tem desenvolvido. Ë tão evidente tal constatação perante os textos oficiais das últimas décadas que julgamos supérfluo insistir em tal aspecto.

O que se pretende criar? Uma nova organização?

Tudo indica que a máquina de educação física está suficientemente servida por organismos com competência legal para abrangerem a quase totalidade da população portuguesa. No campo militar, a Comissão de Educação Física do Exército e a Comissão Técnica de Educação Física da Armada são os órgãos orientadores. Na actividade civil, a Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, a Organização Nacional Mocidade Portuguesa e a Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho são as entidades dirigentes da educação física do povo português.

Pode dizer-se que está de tacto estruturado o essencial e o que parece ter faltado é unidade de vistas e acção coordenadora, que até hoje não tem existido, pela carência de um organismo orientador que superiormente tenha a seu cargo estas atribuições.

Pela proposta de lei apresentada, como órgão de estudo e coordenador funcionará a 2.ª subsecção da 1.ª secção da Junta Nacional da Educação, e como organismo dirigente, em toda a educação física ministrada em instituições de natureza civil, a Direcção--Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar.

Estará esta Direcção-Geral preparada para desempenhar esse importante papel? Julgamos que não. O próprio relatório que antecede o diploma diz claramente: «não está (a Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar) apetrechada para realizar efectivamente a direcção e fiscalização da educação física nacional».

Sendo assim, parece-nos que, paralelamente à entrada em vigor, como lei, do presente diploma, tornar-se-ia necessário reorganizar a Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, para desempenhar cabalmente a importante missão que se lhe quer cometer.

Tratando-se de um diploma fundamentalmente destinado a reorganizar a educação física nacional, n Câmara Corporativa não quer deixar de ponderar os inconvenientes que existem em englobar nele, indiscriminadamente, toda a classe de desportos. Sem dúvida, os de puro amadorismo são dignos de que o Estado não só os ampare, como os deixe desenvolver tão livres quanto possível de peias burocráticas e de outros entraves, naturalmente indispensáveis noutros terrenos da actividade. Por isso a Câmara é de parecer que, embora sem deixar de sujeitar todos os desportos em geral à esfera de influência da Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, a disciplina desta última se exerça mais especialmente sobre os ramos desportivos que se realizam em geral sob a forma de espectáculos públicos pagos e de grande projecção na vida das populações. Ë por essas razões que a Camará se inclina a que a informação obrigatória da comissão coordenadora tenha exclusivamente lugar quando se trate de grandes melhoramentos nas instalações, tanto oficiais como particulares, que sejam utilizadas em espectáculos públicos com entradas pagas.

Também a Câmara salienta que seria interessante ter-se distinguido a educação física propriamente dita da juventude, escolar ou extra-escolar, daquela educação física própria de adultos, que se exerce, quer através de associações desportivas, quer individual ou colectivamente, no campo das liberdades pessoais. Caberá ao tacto e à compreensão dos órgãos responsáveis destrinçar umas das outra» e mão desconhecer certas realidades que são em todos os casos de respeitar.

II Exame na especialidade

BASE I

O órgão superior de educação física nacional, em que estarão representados todos os organismos interessados e que, como órgão superior, coordena e estuda todos os problemas ligados à educação física, é, pela base I do diploma, a 2.ª subsecção da 1.ª secção da Junta Nacional da Educação.

Julgamos mais apropriado designá-la pelo nome de «Comissão Técnica de Educação Física Nacional».

Essa 2.ª subsecção é presidida pelo director-geral da Saúde Escolar (artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 26:611) e reúne obrigatoriamente uma vez por mês e sempre que o presidente a convoque (artigo 27.° do Decreto-Lei n.º 26:611).

Parece essencial à Câmara Corporativa que a Comissão Técnica passe a funcionar com regularidade, para que não tenha o destino de outros órgãos semelhantes. Julga ainda a Câmara necessário dar mais larga representação às federações desportivas, pois não é possível que estas possam cooperar eficazmente através de um único representante.

BASE II

Na base n do diploma são fixadas as atribuições daquele órgão coordenador.

A Câmara não vê inconveniente em manter genericamente a matéria das alínea? a), í), c), d), f) e g).

Quanto à alínea e), a Câmara considera indispensável, como já se disse atrás, não dificultar com excessivas peias burocráticas a vida dos desportos desinteressados.

BASE III

Pela base m será a Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar a entidade superior que orienta, fiscaliza e difunde toda a educação física nas instituições de natureza civil.

Assim, neste sector, a Organização Nacional Mocidade Portuguesa e a Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho deixariam de gozar a autonomia que até hoje têm usufruído, por passarem a estar subordinadas à Direcção-Geral.

A Câmara não considera recomendável tal submissão, por entender que para a coordenação de todos os esforços é suficiente a presença destas grandes organizações, com campos de acção específicos, na Comissão Técnica de Educação Física Nacional.

Tanto a Mocidade Portuguesa como a Fundação Nacional paira a Alegria no Trabalho podem, efectivamente, levar mais longe a sua 'acção em meios que lhes estuo naturalmente adstritos e nos quais já são notáveis os resultados conseguidos, bastando que não só se lhes não cerceie a liberdade de movimentos como se lhes facultem, pelas vias competentes, orientação e estímulo necessários.

BASES IV A XI

As restantes bases dizem respeito ao Instituto Nacional de Educação Física (I. N. E. F.).

Concorda a Câmara Corporativa em que a escola de educação física (I. N. E. F.) deve ser uma escola única, civil-militar, que corresponda aos fins para que foi criada: formar o pessoal necessário e competente para dirigir e ministrar ginástica educativa, exercícios físicos e jogos desportivos.

De facto o professor e o instrutor de educação física têm hoje possibilidades de penetração social que excedem a maior parte das outras funções profissionais, pois

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são eles quem mais está em contacto com a mocidade e podem actuar com mais êxito sobre os indivíduos em formação.

Compreende-se portanto que a escola única possa contribuir mais facilmente para a unidade de doutrina e métodos didácticos do respectivo ensino.

For outro lado haverá ainda a considerar a favor da escola única a vantagem da economia.

Mas essa escola única, civil-militar, tem de corresponder às necessidades das instituições civis, oficiais ou particulares, masculinas ou femininas, e às dos organismos militares. A sua orgânica deve ser tal que não vá colidir com o aprumo e a hierarquia militar, nem com a rigidez da sua disciplina.

Os professores de Educação Física para o Exército ou para a Armada têm de ser preparados para actuar no meio militar, diferente do civil, e, por isso, os cursos não podem ser os mesmos, embora uma ou outra disciplina possa ser comum. Para instrutores e monitores das forças armadas terá de haver cursos especiais, conforme indica a base vi do diploma, de duração mais reduzida que para o curso de professores, mas de características exclusivamente castrenses. E que os instrutores e monitores do Exército ou da Armada têm de possuir em elevado grau qualidades de modo e espírito de disciplina, só possíveis em organismos militares.

O alargamento da educação física aos vários sectores da vida nacional é dependente da qualidade e quantidade dos agentes que ministram essa educação e das suas condições de trabalho.

Do estudo das bases IV, V e VII do diploma depreende-se que para a classe civil o Instituto Nacional de Educação física só prepara professores de educação física e diplomados com cursos de especialização em certo grupo de exercícios.

Arranjar número suficiente de professores diplomados pelo Instituto, com sete anos de curso dos liceus, três anos de estudos e seguidos de um ano de estágio, para ministrar educação física a uma população escolar, primária, secundária, técnica e superior, de centenas de milhares de rapazes e raparigas, e ainda à massa trabalhadora e desportiva, julgamos muito difícil, não só em relação ao tempo como aos recursos locais. A solução encontrada pelas entidades militares, criando três categorias de agentes de ensino de educação física -professores, instrutores e monitores, com três graus de diferente preparação-, julgamo-la de facto a melhor. A Câmara Corporativa entende pois que o Instituto Nacional de Educação Física, além do curso para professores, deve ministrar cursos mais elementares, para instrutores e monitores de educação física.

III Conclusões

De harmonia com as considerações produzidas no decorrer deste parecer, a Câmara Corporativa propõe, para o projecto da proposta do Governo, a seguinte redacção:

BASE I

A 2.ª subsecção da 1.ª secção da Junta Nacional da Educação passa a denominar-se o Comissão Técnica de Educação Física Nacional e será constituída por:

a) O director-geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, que servirá de presidente;

l) O comissário nacional da Mocidade Portuguesa ou um seu delegado;

c) A comissária nacional da Mocidade Portuguesa Feminina ou uma sua delegada;

d) O director do Instituto Nacional de Educação Física;

e) O presidente do Comité Olímpico Português ou um seu delegado;

f) Um representante da Comissão Superior de Educação Física do Exército, designado pelo Ministro do Exército;

g) Um representante da Comissão Técnica de Educação Física da Armada, designado pelo Ministro da Marinha;

h) O presidente da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho;

i) Um inspector de saúde escolar ou um médico dos desportos;

j) O director do Estádio Nacional;

k) Três representantes das federações desportivas.

A Comissão Técnica de Educação Física Nacional reunirá obrigatoriamente unia vez por mês e sempre que o presidente a convoque.

BASE n Compete àquela Comissão:

a) Definir as directrizes superiores e estudar e emitir parecer sobre a actividade da educação física nacional, bem como apreciar o plano de acção a realizar anualmente pela Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, que deve ser presente à Comissão durante o último trimestre do ano anterior;

b) Pronunciar-se anualmente sobre os planos da distribuição do Fundo de Expansão Desportiva;

c) Dar parecer sobre as bases em que deverá assentar o ensino da educação física nas escolas oficiais e particulares, de forma a torná-lo mais eficiente e ajustado às necessidades reais, sem prejuízo de outras actividades escolares;

d) Fomentar um regime de estreita colaboração entre os vários organismos nela representados para se obter o melhor aproveitamento das possibilidades de cada um;

e) Pronunciar-se sobre as novas construções ou ampliações que impliquem grandes melhoramentos nas instalações destinadas à educação física, quando aquelas tiverem por fim a sua utilização em demonstrações ou espectáculos públicos com entradas pagas;

f) Prestar a sua colaboração a qualquer entidade que pretenda fomentar a prática dos desportos ou organizar cursos de ginástica ou jogos para a população não escolar;

g) Responder às consultas que lhe sejam feitas pêlos Ministérios do Exército, da Marinha, das Obras Públicas, da Educação Nacional e das Corporações.

BASE III

A Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar caberá superintender em toda a educação física ministrada em instituições de natureza civil, do Estado ou particulares, fiscalizando, orientando e difundindo a sua prática, conforme os princípios estabelecidos pela Comissão Técnica de Educação Física Nacional. A Mocidade Portuguesa e a Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho mantêm a sua situação actual e são directamente orientadas, quanto aos fins de educação física, pelas normas definidas por aquela Comissão.

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228 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 170

BASE IV

O Instituto Nacional de Educação Física (I.N.E.F.) destina-se a estimular, no plano da educação integral estabelecido pela Constituição, o revigoramento físico da população portuguesa, mediante o estudo científico do problema nos seus aspectos individual e social, e a formação dos respectivos professores, instrutores e monitores, tanto do ensino oficial como particular.
Os Ministérios do Exército e da Marinha, por intermédio da Comissão Superior de Educação Física do Exército e da Comissão Técnica de Educação Física da Armada, prestarão ao Instituto Nacional de Educação Física a colaboração necessária à integral eficiência dos seus fins.

BASE V

Sem alterações

BASE VI

O curso para professores de Educação Física compreenderá três anos de estudos, seguidos de um ano de estágio, com a diferenciação adequada aos sexos e mediante programas oficialmente aprovados.
Deverão organizar-se cursos especiais de instrutores e monitores de educação física e os cursos de especialização que forem julgados necessários.
O pessoal docente será constituído por professores ordinários, professores auxiliares e assistentes, nomeados mediante concurso de provas públicas ou por convite fundamentado do conselho escolar, homologado pelo Ministro da Educação Nacional.
A regência das disciplinas de aplicação militar será feita por professores a designar pêlos Ministérios do Exército e da Marinha.

BASE VII

Sem alterações

BASE VIII

As admissões aos cursos professados no Instituto Nacional de Educação Física serão condicionadas pelas necessidades da educação física, devendo ter-se em conta, a par dos índices demográficos, a distribuição dos estabelecimentos oficiais e particulares onde seja ministrada e os dados constantes da carta desportiva do País.
A matrícula dependerá de exame de aptidão que permita avaliar a robustez e a saúde do candidato e a sua disposição para os exercícios físico-educativos e poderá ser requerida por pessoas de ambos os sexos entre os 18 e os 23 anos, de comprovada idoneidade moral e cívica e, quanto aos professores, que tenham as habilitações exigidas pelo Decreto-Lei n.º 36:507, de 17 de Setembro de 1947.
A admissão dos elementos militares será solicitada pêlos respectivos Ministérios, não estando estes sujeitos ao limite de idade fixado.
A admissão aos cursos de instrutores, de monitores e de especialização será objecto de regime especial.

BASES IX A XI

Sem alterações.

Palácio de S. Bento, 5 de Julho de 1952.

Pedro Teotónio Pereira.
Armando Coelho de Sampaio.
Quirino dos Santos Mealha.
Álvaro Valente de Araújo, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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