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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 177
ANO DE 1952 II DE DEZEMBRO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 117 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 10 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo.Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários : Exmos. Srs.Castão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia. - Usou da palavra o Sr. Deputado França Vigon, para se referir aos excelentes serviços prestados ao País pela Legião Portuguesa, nomeadamente na defesa civil do território.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei relativa ao Plano de Fomento.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Sebastião Ramires, Mendes Correia e André Navarro.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 13 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 10 horas e 35 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Carlos de Azevedo Mendes.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
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Jorge Botelho Moniz.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arautos.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 62 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 10 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado França Vigon.
O Sr. França Vigon: - Sr. Presidente: começaram «m Portugal no passado sábado e terminaram ontem o* exercícios militares e de defesa civil. A primeira nota do Gabinete do Sr. Ministro da Defesa Nacional informou que se efectuariam de acordo com directivas do órgão competente da Organização Defensiva do Pacto do Atlântico. Entraram nesse exercício forças locais da Legião Portuguesa -as do Entroncamento-, 110 desempenho de missões da defesa civil do território.
Há anos já que pouco se fala da Legião Portuguesa. Isto não impede, porém, que, em momento oportuno, como este, se erga aqui uma voz para relembrar a Legião, o seu espírito, a sua acção. E que esta mais uma vez entra ao serviço activo da Nação. Queira Deus que isso não tenha de suceder senão em paz.
Nascida num comício de sindicatos nacionais, ao brado de «às armas!» do nosso colega da Assembleia major Botelho Moniz, brado que ressoou num ambiente de fundados temores provocados em Portugal pela primeira acção armada do comunismo internacional, a Legião foi um índice da reacção portuguesa ao imperialismo soviético, que experimentava em Espanha as possibilidades do prometido e esperado ataque à Península. Esta reacção nasceu perante a indiferença ou a cumplicidade de certos meios políticos europeus compatíveis com a anestesia moscovita, mas, apesar disso, encontrou eco em nossas almas, destinadas às cruzadas da Cristandade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nunca mais me sairá dos olhos essa grande parada de 1937, que levantou Lisboa, e na qual milhares de homens, equipados, armados e treinados em poucos meses, marcharam lado a lado-jovens e velhos, operários e patrões, pobres e abastados.
Em plena irmandade com o Exército, irmandade que nunca mais se desfez e antes se consolidou, aquele ano i; o fim do anterior mostraram, em especial com essa
parada, a eficácia da instrução geral e das escolas de oficiais de milícia que prepararam os quadros da Legião. Ainda antes da parada - prova pública da preparação militar- as bombas rebentadas em alguns Ministérios e os ataques às emissoras facultaram o ensejo de se mostrar a disposição de ânimo e as possibilidades de acção dos legionários.
Seguiram-se então alguns anos de serviço permanente. Há-de fazer-se um dia a história deste, quer no mie representou de vigilância expandida, profunda e contínua da ordem publica em todo o continente e ilhas, quer no que representou de esforços, abnegações, coligação de vontades e acção política, moral e social exercida «obre a população. Muito há para aprender a esse respeito, e um dia virá que aos doestos e sarcasmos com que por alguns foi recebida, aos insultos e ultrajes com que chegaram a atingi-la, se substituirá um julgamento de justiça e de gratidão.
No fim, há-de saber-se que a imolação também tocou as filas legionárias. E, só por ter vivido mais perto dele, recordo com saudade e emocionadamente esse legionário de 70 anos, gentilíssima figura do meu batalhão, que, por desobedecer a ordens e desatender rogos, perdeu a vida num exercício, por cansaço que o seu pobre coração não suportou. E lembrar-me-ei sempre de que, ao sair de casa, justificara a desobediência e a desatenção afirmando que não estava esquecido de ter filhas e netos.
Sr. Presidente: passou o tempo sobre esta primeira fase da vida da Legião e durante ele apagou-se o fogo da guerra de Espanha, deixando, porém, cicatrizes fundas no corpo e no espírito.
Prestados estes primeiros e benéficos serviços, a Legião começou, porém, a sofrer ataques, surdos e escondidos, de adversários e inimigos, ao ponto de nas suas fileiras se contarem vítimas de calúnias e perseguições.
Não foram poucos os legionários que não conseguiram trabalho ou o perderam e até deixaram de ter vantagens que haviam adquirido antes de o serem, só porque nunca quiseram rejeitar a sua inscrição e o compromisso de lealdade jurada.
Refeita a paz na Península, a Legião, desiludindo os que esperavam vê-la morrer, continuou, atenta sobretudo a missão de acção social que lhe competia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Foi este o momento de aparecer essa notável obra do Norte do País, verdadeiro exemplo de auxílio social, de boa compreensão e eficácia indiscutível num campo onde outras tentativas têm falhado ou, pelo menos, não têm conseguido a necessária extensão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Dedicada a tudo que fosse dever de solidariedade humana, mas sem fazer ouvir para isso as suas cornetas e tambores, encontrámo-la também a pé noa momentos trágicos, do ciclone de 15 de Fevereiro de 1941, tomando conta, sozinha, do difícil policiamento da grande região mais atingida e comungando nos serviços de socorro organizados localmente. Poucas pessoas sabem verdadeiramente o que foi esse esforço e que sacrifícios e perigos representou.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Estes são apenas dois exemplos da nação legionária na sua segunda fase.
Com a segunda grande guerra mundial a Legião retomou, a certa altura, o serviço armado, na forma de defesa civil territorial. Os exercícios que decorreram na região do Entroncamento são da mesma natureza
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dos que foram realizados estão era alguns pontos do País. Lisboa foi testemunha, nesses conturbados momentos, do dois deles, e, embora haja quem tenha sorrido das tiras de papel nas janelas e dos silvos das sereias, há também quem conheça a realidade dos momentos difíceis e de grande preocupação vividos nessa altura.
Não desejo ocupar por mais tempo n atenção da Assembleia. Creio, porém, justificar-se que- a tenha pedido para a Logião Portuguesa, agora entregue .1 exercícios de defesa civil em período de paz e com a participação de aliados nossos, Esperemos que estes, representados pêlos famosos, aviadores ingleses, tenham oportunidade, de conhecer c apreciar o espírito da Legião Portuguesa. Esperemos que o País olhe com simpatia e agradecimento a acção devotada, das nossas milícias legionárias.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente:-Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta do lei relativa ao Plano do Fomento. Tem a palavra o Sr. Deputado Sebastião Ramires.
O Sr. Sebastião Ramires: - Sr. Presidente: enfileiro ao lado do todos aqueles que depois de lerem a proposta do inverno sobre o Plano de Fomento e meditarem nos benefícios que dele advirão para a melhoria das condições de vida do País, para o seu progresso económico o para elevar os rendimentos individuais, sentiram mais forte o orgulho de terem nascido portugueses e maior a gratidão que devem à personalidade inconfundível de S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho e à sua excepcional capacidade de realização, que a História colocará ao lado dos nossos maiores e entre aqueles que mais trabalharam para o nosso progresso e para n prestigio de Portugal no Mundo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Depois de um tão longo debato, em que tomou parte a maioria dos ilustres ,Srs. Deputados que apreciaram a proposta com a maior inteligência e objectividade, hesitei muito em subir à tribuna. É que receava naturalmente repetir com menos brilho questões já ventiladas ou apreciar com menos competência o desenvolvimento de problemas que já foram objecto de larga e meritória contribuição para a seu melhor esclarecimento.
Limitar-me-ei, por isso, a fazer algumas notas sobre as possíveis repercussões do Plano na economia, nu desenvolvimento i: no progresso do Algarve.
Electricidade - O Algarve, com 5121 quilómetro* quadrados de superfície o uma população de 326 000 habitantes, é da« províncias que tem mais baixas capitações do electricidade, com a média de 18 kWh por habitante, oscilando, nas zonas electrificadas, entre o mínimo do 2.3 kWh por habitante no concelho do Monchique e 58.6 kWh no do Faro.
Afastado dos principais centros consumidores, sem electricidade em quantidade c a preço razoável, o Algarve não tem acompanhado, como merecia, o progresso do Pais.
Reconhece-se com mágoa o atraso em promover u sua electrificação quando tudo aconselhava que logo após a publicação da lei sobro a electrificação -Lei n.º 2002, de 26 de Dezembro de 1944, o problema
fosse considerado e tivessem sido criadas as condições necessárias à sua realização.
A disparidade nas tarifas que presentemente vigoram, a diversidade de critérios quando não a ausência do uni determinado critério, criaram uma situação anómala no fornecimento de energia em toda a província.
Os custos da electricidade diferem de concelho para concelho, do concessão para concessão e até em zonas servidas pelo mesmo concessionário.
As tarifas para usos domésticos variam entro 3522 e 55 por kilowatt-hora no 1.º escalão dos consumos e entre 584 e 1330 no último.
Para força motriz oscilam entre l330 e 1500 no 1.º escalão e entre 577 e 1577 no último.
Para usos agrícolas, entre 1526 e 1570 no 1.º escalão e 15 e 1570 no último.
O custo mediu da electricidade na zona de Sotavento varia entre 1570(6) e 1577 e no Barlavento entre 1578(7) e 1585(2), conforme se trata do fornecimento realizado por vários concessionários, no primeiro caso, ou do único concessionário em alta tensão no secundo.
Apurados os custos médios, verifica-se que a electricidade é paga em média, na província, a 1573(4) cada kilowatt-hora nas zonas abastecidas por diferentes 011-cessionários e a 1579 quando a energia é fornecida pelo único distribuidor em alta tensão.
Estes preços referem-se a 1950 e nos últimos anos têm sido permitidos alguns aumentos, designadamente no corrente ano no concelho de Faro.
O Algarve é assim das províncias pior servidas pela energia eléctrica e onde os preços são mais altos.
As actuais instalações estão muito antiquadas, o material quase impossibilitado de permitir um trabalho medianamente aceitável e as rodes não oferecem n mínimo de condições de segurança.
As actuais concessões de distribuição em baixa tensão ou caducaram ou estão na dependência dos serviços municipalizados, com excepção do concelho de Portimão, cuja concessão terminará em 1958: o a do concelho de Olhão, que findará, em 1968; mas uma e outra foram concedidas a titulo precário.
Embora esta situação seja causa de legítimas apreensões, pela incerteza sobre o futuro, tem ao menos a vantagem do possibilitar às câmaras uma remodelação integral dos regimes tarifários que têm estado em vigor, de revogarem os contratos em curso ou do negociarem os respectivos resgates.
A falta de energia eléctrica, além dos graves prejuízos que ocasiona às actividades públicas e particulares, cria outra preocupação, porventura mais grave: os abastecimentos de água para consumo das populações, com excepção do de Monchique, assentam em instalações motobombas eléctricas. A falta do electricidade dificultará, consequentemente. este serviço essencial de interesse público.
A leitura do Plano de Fomento criou legitimamente no Algarve uma grande, esperança e toda a província sentiu que iria sair finalmente do esquecimento a que as circunstâncias a votaram c que veria realizada em poucos anos uma das maiores e mais legitimas das suas aspirações: poder dispor de energia eléctrica em quantidade e a um preço que lhe permita vencer o atraso em que tem sido forcada a viver.
Temos a impressão de que as verbas lixadas no Plano foram convenientemente estudadas e que cobrirão suficientemente os custos efectivos da linha He transporte de Setúbal a Ferreira do Alentejo, avaliados em 40:000 contos, e da rede de grande distribuição do Baixo Alentejo e Algarve, fixados em 60:000 contos.
Além destas duas verbas está igualmente prevista uma outra do 200:0OO contos para a «rede de pequena distribuição das zonas rurais e das urbanas dos couce-
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lhos pobres», que naturalmente será aplicada, ao menos em parte, no complemento das pequenas rodes de distribuição no Algarve.
É verdadeiramente notável o esforço realizado nos últimos anos no que se refere à produção e transporte de energia eléctrica. Mas o resultado deste trabalho quase gigantesco ficará muito diminuído só se mantiverem as tarifas que vigoram em muitos casos quer para a distribuição de energia em alta, quer em baixa tensão.
É necessário e urgente que se complete a regulamentação da lei da electrificação, de maneira a ser possível estabelecer adequados regimes tarifários, introduzir ordem nas actuais concessões e fixar doutrina para o futuro.
É óptimo que haja electricidade, e é de desejar que cada ano haja mais, para que se possa melhorar o apetrechamento industrial do Pais e elevar o nível de vida das suas populações, mas a electricidade nunca deverá ser considerada como uni luxo, mas sim como um serviço.
Confiamos em que se caminhará para a coordenação integral da energia e que o preço da electricidade não será no futuro fixado na dependência exclusiva dum critério estritamente comercial, mas na subordinação à função económica da energia.
Por outras palavras, esperamos que o preço da energia eléctrica não venha a ser determinado apenas segundo o respectivo preço do custo, mas tendo também em consideração o sen valor produtivo.
Estão propostas as verbas que permitirão a montagem da grande rede de distribuição no Algarve, mas é indispensável iniciar as obras.
Há que vencer o atraso e resolver a delicada situação em que presentemente o Algarve se encontra, pela ameaça de em breve não ter energia nos principais centros de consumo.
As obras no lançamento das linhas de transporte deverão acompanhar simultaneamente as da montagem da rede de distribuição em alta.
Não me compete dizer, porque isso pertence ao Governo, a quem deverá ser dada a concessão da alta tensão para o Baixo Alentejo e Algarve. Muitos supõem que seria lógico estabelecer uma nova empresa, com a intervenção do Estado, das camarás municipais u porventura com a intervenção das actividades que mais directamente possam beneficiar dessa rede de distribuição.
Receio, porém, que a constituição de empresas deste tipo venha atrasar sensivelmente o começo da realização das obras, e por isso não insisto na questão. De resto as câmaras municipais terão maior interesse em tomar para si, ou para uma federação de municípios, a distribuição em baixa tensão, sem necessidade de imobilizarem avultados capitais, de que naturalmente não poderiam dispor, e libertando-se também do pesadas responsabilidades de carácter técnico.
Além do mais a distribuição em baixa tensão permitir-lhes-á rendimentos apreciáveis.
Em face das realidades parece aconselhável que se constitua uma sociedade, com intervenção do Estado no respectivo capital, e que. nela fiquem interessadas algumas das actuais concessionárias das linhas de transporte e de alta tensão.
Afigura-se-nos necessária a intervenção do Estado, porque será possível determinar com mais facilidade os encargos efectivos com o transporte de energia e a sua distribuição em alta, e assim se fixarem os regimes tarifários mais justos e adequados.
Seria de desejar que uma vez a obra concluída, e resolvidas as maiores dificuldades, o Estado abandonasse a sua posição de accionista, transferindo-a para
as camarás municipais ou para uma federação de municípios.
É este, de resto, o preceito constitucional. Há, porém, que vencer, tão rapidamente quanto possível, o tempo que inutilmente se perdeu, para que o Algarve possa sair da atonia económica em que tom vivido e possa surgir uma nova era de empreendimentos que melhorem a sua economia, fomentem o seu progresso e aumentem o nível de vida das suas populações.
Permita-me V. Ex.ª, Sr. Dr. Albino dos lieis, que reproduza o voto que S. Ex.ª tão lucidamente formulou na sessão realizada nesta Assembleia em 18 de Novembro de 1944, quando se encerrava a discussão sobre a lei de electrificação:
Tenho por vezes pensado que nós, portugueses, temos uma grande capacidade d» disciplinar juridicamente as questões e de estabelecer o regime jurídico dos problemas nacionais.
Mas parece-me que há uma desproporção entre a nossa capacidade de legisladores e a nossa capacidade do realizadores.
Ao ter de dizer duas palavras sobre esta moção, quero também formular o voto de que desta vez nos mostremos capazes da realização pelo menos igual àquela que mostrámos na discussão e na votação dos princípios jurídicos em que hão-de enquadrar-se as questões relativas à electrificação do País.
Por mini confio nu actuação do Governo e creio que o deverei saudar, em nome do Algarve, na convicção de que a nossa confiança não será desmentida pêlos factos.
Sapais.- Ao longo da costa sul do Algarve, entre os concelhos de Loulé e Tavira, existem cerca do 5 000 ha de terrenos de aluvião, que a água do mar alternadamente cobre e descobre, vulgarmente denominados «sapais«.
Todos estes terrenos se encontram revestidos de vegetação herbácea característica ou «maduros», e portanto em condições de aproveitamento económico.
Admite-se tecnicamente que a defesa dos terrenos alagáveis é exequível e económica sempre que a preia-mar das águas vivas não atinja um nível superior, de mais de 2 m, ao da superfície revestida de erva. Nos sapais da ria de Faro e zonas vizinhas a preia-mar das águas vivas não ultrapassa 0,00 m acima do nível dos terrenos.
Acresce ainda a vantagem, muito apreciável, de que estes sapais se encontram defendidos por um cordão, quase contínuo, de ilhas e ilhotas, que da Quarteira se prolonga até este de Tavira, constituindo assim um verdadeiro quebra-mar natural, ou um dique de defesa à invasão das águas.
A beneficiação dos sapais poderá ser executada parcelar e progressivamente, e portanto nas melhores condições económicas, já que constituem uma zona quase continua.
Encontram-se localizados na zona mais densamente povoada do Algarve, e o beneficiamente da ria de Faro, com quase 4 000 ha de superfície, melhoraria sensivelmente as condições de salubridade da cidade, emprestando-lhe novos encantos e valorizando as suas belezas naturais.
A recuperação dos terrenos implicará logicamente a construção de diques para a defesa das águas do mar, guarda-matos, trabalhos de nivelamento, de drenagem e de dessalga.
São trabalhos de execução relativamente fácil e pouco dispendiosos.
Há água em quantidade apreciável no subsolo, como o demonstram vários ensaios realizados e alguns poços já existentes a pequenas profundidades.
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Segundo estudos recentes e cuidadosos, os custos de recuperação dos terrenos são relativamente baixos e, incorporando-lhes as despesas com a abertura e construção de poços ou noras e as respectivas estações de bombagem, oscilarão entre 9 e l5 contos por hectare, ou sensìvelmente menores do que a quase totalidade de terrenos adaptáveis ao regadio através das obras realizadas pela hidráulica agrícola.
É certo que o plano apresentado em 1938 pela Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola, que mereceu a aprovação do Governo, prevê a rega dos campos de Vila Real de Santo António, Castro Marim, Tavira, Olhão e Faro pelo aproveitamento e utilização das bacias hidrográficas das ribeiras de Odeleite e Beliche e mais tarde pelas do Almagem e do Alportel.
Estas obras não têm, porém, qualquer projecto concluído, e nem se encontram incluídos no Plano, e por isso creio dispensável fazer-lhe demorada referência.
Mas a recuperação e o enxugo dos terrenos não bastará, só por si, para realizar a obra de colonização prevista e há que fazer outras despesas, quase tão volumosas como as do custo dos terrenos. Calcula-se portanto que cada hectare, para ser entregue aos colonos, custará entre 20 e 35 contos.
Ora, segundo os elementos recolhidos pelos técnicos do plano de fomento agrário, que aliás têm trabalhado com a maior devoção e a maior competência, o valor dos terrenos de sequeiro no Algarve varia, naturalmente segundo a qualidade da terra e a densidade da arborização, entre o mínimo de 10 contos e o máximo de 28 por hectare, não considerando, como é lógico, os terrenos de mato e muito pedregosos.
Os terrenos de regadio têm um valor variável, segundo as rendas actuais, entre 40 e 50 contos para os terrenos pobres e 80 e 100 para os férteis, por hectare.
Não será exagero alinhar os sapais, depois de aptos para a cultura, ao lado dos terrenos férteis de sequeiro ou aos pobres de regadio, pelo menos nos primeiros anos da sua exploração.
Supondo os terrenos ocupados com uma plantação de batata, que é uma cultura com tradições na região, e em terrenos de fertilidade média, determinaram-se os custos da cultura, com água elevada a gado ou mecanicamente, e com uma produção média de 225 arrobas de batata por cada courela de l 500 m, ou o correspondente a l 500 arrobas de batata por hectare; os rendimentos líquidos, por hectare, seriam de 4.742$ com água elevada a gado e de 6.863$33 quando se tratasse de elevação mecânica.
Admitiu-se uma única cultura, quando na realidade a uma cultura de batata se poderá seguir outra de milho.
Com salários de 20$ para os homens e 10$ para as mulheres, os encargos para o agricultor por cada hectare seriam:
Jornais (homens) 73,5 x 20;5 ............ = 1.470$00
Jornais (mulheres) 180,5 X10$ ........... = 1.865$00
3.335$00
consequentemente o cultivo dos 4 730 hectares absorverão 15:774 contos de mão-de-obra tratando-se de uma só cultura e, lògicamente, exigirá sensìvelmente mais quando em cultura intensiva.
A obra de recuperação dos sapais é fundamentalmente uma obra de colonização.
Os trabalhos de enxugo não exigem grande complexidade técnica, mas parece lógico que fiquem a cargo da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos.
Reconhecer-se-á a conveniência de o estudo sobre a colonização preceder as obras, e parece aconselhável que se dê a preferência nos trabalhos da recuperação dos sapais ao maior número possível dos futuros colonos. Desta forma iriam adquirindo instintivamente conhecimentos sobre nivelamento de terras, trabalhos de drenagem, de enxugo e de defesa contra a invasão das águas, bem como da dessalga, que muito úteis lhes seriam para a futura exploração quando lhes fosse adjudicada.
A recuperação dos sapais representará consequentemente uma obra do mais alto alcance social, a maior que tem sido projectada até hoje para colonização e com indiscutíveis benefícios económicos.
Por isso se escreve no relatório do Governo:
Convém promover o enxugo de alguns terrenos sujeitos ao afluxo das marés, nomeadamente os do litoral algarvio, que constituem uma vasta área, a aproveitar para a cultura agrícola.
No grupo das grandes realizações previstas no Plano para obras de carácter agrícola inscrevem-se 240:000 contos para "obras de colonização nas áreas beneficiadas pelas obras de fomento hidroagrícola e enxugo de terrenos".
Com a natural reserva sobre esta redacção, para a qual me permito chamar a atenção da nossa ilustre Comissão de Redacção, a fim de se evitarem possíveis confusões, suponho que as importâncias destinadas à colonização interna permitirão realizar integralmente a recuperação para a cultura agrícola dos 4750 ha de sapais que se estendem desde o sul de Loulé até Tavira.
O problema mereceu a inteira concordância da Câmara Corporativa, que num dos pareceres subsidiários emite a seguinte opinião:
Uma parte importante a beneficiar é constituída pelos característicos sapais, que se estendem por todo o litoral algarvio ... Só os sapais de Faro, Olhão e Tavira atingem uma área de cerca de 5 000 ha.
A eles se refere especialmente uma circunstanciada exposição dirigida à Câmara Corporativa pelo governador civil de Faro e que foi objecto de atento exame na preparação deste parecer.
Serra do Algarve. - Mas, além do seu valor social e económico, a recuperação de aproximadamente 5000 ha de sapais deveria ajudar a resolver outro problema, e porventura o mais grave, da economia algarvia, cuja resolução não admite delongas.
Ao norte da província, constituindo fronteira com a província do Baixo Alentejo, estende-se uma extensa zona da serra com cerca de 350 000 ha de terrenos que se encontram presentemente quase desaproveitáveis para a cultura.
Se lhe somarmos mais de 100 000 ha do Baixo Alentejo, de idêntica formação geológica e que igualmente se encontram esgotados e devastados pela erosão, teremos mais de 450 000 ha de terras que pouco produzem e que nada produzirão dentro de poucos anos.
Segundo um inquérito directo e recente às condições de produtividade de uma zona da serra de Tavira, apurou-se o seguinte:
1934:
Produção média de trigo ......... 750 kg/ha
1947:
Produção média de trigo ......... 190 kg/ha
1952:
Produção média de trigo ......... 130 kg/ha
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Provavelmente em 1960 não haverá trigo nem terra.
Estimulados pelo preço do trigo e pelas facilidades que se lhes concederam, foram os proprietários queimando os matos e alargando de ano para ano as zonas destinadas às culturas arvenses. Depois foram as próprias árvores as sacrificadas para o fabrico do carvão, e conseguirem um mínimo indispensável ao seu sustento. Desaparecido o revestimento, esgotada a matéria orgânica - armazenada durante séculos -, descarnadas as terras, a água foi completando a destruição que o homem iniciara e o nível da população foi descendo ato tornar quase impossível a vida, forçando os válidos a emigrar.
O concelho de Alcoutim, por exemplo, com uma superfície de 58 300 hectares, tinha uma população em 1940 de 10 342 habitantes, com l 545 famílias apenas vivendo da agricultura.
Há vinte ou vinte e cinco anos, algumas destas terras ainda produziam 12/15 sementes, e em 1933 e 1934 o concelho do Mértola, que é de constituição geológica semelhante aos terrenos da serra algarvia, que com ela confina, e que se encontra em idênticas condições de esgotamento, foi o maior produtor de trigo de todos os concelhos do País.
Pelo censo de 1950 a população do concelho de Alcoutim era de 10 337 habitantes, ou menos do que em 1940, com uma densidade média no concelho de 17,5 habitantes por quilómetro quadrado, contra 64,5 na província.
Esta extensa zona da serra só tem como possível utilização o povoamento floresta, e se tal se não realizar, e muito rapidamente, a erosão continuará a sua acção devastadora, lavando as fracas terras, assoreando as ribeiras, os rios e as suas barras, forçando o Estado a despesas volumosas com as respectivas dragagens.
Como os terrenos estão em regime de propriedade privada, não será fácil conseguir-se grandes manchas continuas de povoamento florestal, mas podem os serviços florestais, aos quais o Pais tanto deve pelo valioso trabalho que vem realizando, criar no espírito dos pequenos proprietários, pelo exemplo e pela persuasão, o estímulo indispensável para que colaborem na defesa e na reconstituição das suas terras, quase sem valor.
O fornecimento de sementes e de árvores em quantidade, as ajudas pelo Fundo de Desemprego, atenuando as crises periódicas da falta de trabalho, os financiamentos a largos prazos e a baixa taxa do juro, para que se possam ir realizando os trabalhos necessários, ajudarão, com o amor e carinho que o algarvio dedica à árvore, a dar um começo de resolução ao problema.
Em França, o desastre económico das grandes devastações causadas pela guerra e pêlos incêndios levou o Governo a promulgar uma série de medidas, cujos resultados ultrapassaram as previsões mais optimistas.
Foi tal o interesse dos proprietários pelo repovoamento florestal que o Estado se viu forçado a limitar o quantitativo dos empréstimos, que a tesouraria não podia comportar. Sem pretendermos que se copie a legislação francesa, supomos que ela pudera servir como orientação no caminho a seguir.
Pequenas manchas de povoamento, embora dispersas, ajudariam ao convencimento de muitos e permitiriam que o Estado pudesse apressar a grande obra que se impõe realizar.
Reconheceu-se que no concelho do Alcoutim apenas a décima parte da sua área, ou cerca de 6 000 ha, poderia ser convenientemente agricultada. Sobram, consequentemente, mais de 52 000 ha, que seriam reservados ao repovoamento florestal.
O que se diz de Alcoutim poderá aplicar-se a toda a zona da serra do Algarve e da maior parte dos concelhos de Mértola, Almodúvar e Odemira, no Baixo Alentejo.
Dissemos que a recuperação dos sapais poderia ajudar também o problema do melhor aproveitamento da serra do Algarve.
Na verdade, considerando que para um casal agrícola são necessários 3 a 5 ha de regadio, os 5 000 ha dos sapais poderiam fixar l 000 a l 650 famílias, ou sensivelmente a população que no concelho de Alcoutim vive da agricultura.
A colonização dos sapais deverá orientar-se no sentido de dar preferência à população da serra, facilitando-se assim o povoamento florestal em zonas relativamente grandes.
O problema é eriçado de dificuldades, mas estas tem de ser resolvidas perante a força das realidades.
No litoral algarvio chove muito pouco e irregularmente. Pelas observações dos últimos cinquenta unos a precipitação média em Lagos foi de 439 mm, em Faro de 370 mm e de 400 mm em Vila Real de Santo António. Na serra, os números são sensivelmente mais altos: em Monchique l 285 mm e no Barranco do Velho l 093 mm. Ora precisamente Monchique e Barranco do Velho são zonas de uma certa densidade de floresta.
O povoamento florestal, além da recuperação das terras, de atenuar a erosão, da diminuição dos assoreamentos dos cursos de água e das respectivas barras, facilitará uma maior regularidade das chuvas e um aumento de precipitação.
Os terrenos da serra são essencialmente xistosos, impermeáveis, muito fendidos e facilmente desagregáveis, e, como as falhas estão orientadas no sentido norte-sul, a água que cair na serra escorre toda para a zona litoral, formando na junção dos xistos com os calcários grandes albufeiras subterrâneas que permitem o fácil aproveitamento das águas, quer para o consumo das populações, quer para a rega dos campos.
Doca do porto de Vila Real de Santo António. - Associo-me às brilhantes considerações formuladas nesta tribuna pelo ilustre Deputado Manuel Rosal sobre os portos do Algarve e seja-me permitido juntar uma palavra a mais sobre a doca de pesca a construir no porto de Vila Real de Santo António.
Pelas suas excepcionais condições naturais, com um magnífico porto de abrigo e um largo estuário, protegido dos ventos dominantes, por uma restinga de areia que de Tavira se dirige até à foz do Guadiana, com o rio navegável até ao Pomarão, o porto de Vila Real de Santo António figurou entre os primeiros que mereceram as atenções dos governos da Situação, criada pelo 28 de Maio.
O seu cais acostável, com 300 m de comprimento à cota do - 5,5, que há muitos anos se encontra construído e em serviço, foi ultimamente melhorado com a instalação de dois guindastes mecânicos.
Quando se concluírem as obras de quebramento das rochas e de dragagem, há anos começadas e depois interrompidas, a navegação poderá subir facilmente de Pomarão até Mértola, tornando assim o porto de Vila Real de Santo António não só o melhor para a saída das mercadorias da região de Sotavento, como será igualmente o porto natural de toda a vasta região do Baixo Alentejo.
Mas ao lado das funções de porto comercial, e é o de maior movimento em tonelagem dos portos do Sul, ocupa também um lugar de destacado valor entre os portos de pesca do Pais. Dispondo do quase monopólio da lota do atum, o valor do pescado vendido em lota durante o ano corrente alcançou já cerca de 40:000 contos, o que dispensa outros comentários sobre a sua importância como porto de pesca.
Duarte Pacheco, a quem o porto de Vila Real mereceu especiais cuidados, reconheceu, logo após a con-
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clusão do cais acostável para barcos de comércio, a necessidade de o apetrechar convenientemente para o serviço da pesca e mandou estudar a localização da respectiva doca.
Em 1943 foi, finalmente, elaborado pelo engenheiro Coutinho de Lima «o plano geral do arranjo do porto de Vila Real», onde se previa a construção de uma doca de pesca com 20 000 ma de superfície molhada, ao norte do cais acostável e com fácil acesso â rede ferroviária.
Simultaneamente, o plano previa a regularização da margem até à zona sul da vila, possibilitando, conjuntamente, a urbanização dos terrenos marginais, pela construção de uma ampla avenida paralela ao Guadiana.
Só em 1940 o projecto da «variantes é submetido à apreciação do Conselho Superior de Obras Públicas, que na sua sessão de 27 de Maio de 1940 lhe deu aprovação unânime, decisão que foi imediatamente homologada por despacho de S. Ex.ª o Subsecretário de Estado das Obras Públicas de 7 de Junho do mesmo ano.
A estimativa, recentemente feita, prevê o custo da construção da doca em 8:000 contos, pelo que se infere que 10:000 contos serão suficientes, não só para a construção da doca de pesca, mas, simultaneamente, para os trabalhos de regularização da margem, permitindo-se a conclusão das obras da avenida marginal, já em fase adiantada, que a tornarão num dos mais belos arruamentos de todas as vilas do Pais.
Dirijo um apelo ao ilustre Ministro das Obras Públicas, engenheiro José Frederico Ulrich, a quem todo o Pais respeita e admira pela sua devoção à função e pela forma como tão brilhantemente a desempenha (apoiados), para que tome nas suas mãos o problema e mande concluir o projecto da doca; e, se tal acontecer, não demorará muito tempo para que Vila Real de Santo António veja realizadas as suas legitimas aspirações e o seu porto possa corresponder inteiramente aos objectivos que presidiram à sua construção.
Vinho do Porto e conservas de peixe. Porque o Plano que estamos apreciando não é apenas um plano de obras, mas é essencialmente um grande Plano de Fomento, visando principalmente ao equilíbrio da nossa balança de pagamentos, à melhoria das condições de vida das populações e ao aumento dos rendimentos individuais, suponho que não será demasiada impertinência dizer umas palavras sobre duas das nossas principais e mais tradicionais actividades de exportação e que presentemente se debatem em graves dificuldades.
Embora não exijam grandes investimentos de capital, precisam do amparo, da orientação e da ajuda do Estado, para que possam manter a posição de relevo que sempre ocuparam no nosso comércio de exportação.
Referir-me-ei aos vinhos do Porto e às conservas de peixe.
Uma e outra destas actividades viviam há uns vinte anos numa crise de negócios que as ia arrastando para a ruína.
Ambas exportavam normalmente e até em quantidades que excediam as médias normais. Debatiam-se, porém, na maior desorganização comercial, realizando uma concorrência desregrada entre os seus componentes, do que resultara o aviltamento progressivo dos preços de venda nos mercados consumidores, gerador da confusão e causa de perturbações na marcha normal dos negócios.
As qualidades, que se impuseram através de uma longa tradição, iam enfraquecendo de dia para dia, provocando o descrédito das respectivas marcas.
A organização corporativa, que dava então os seus primeiros e incertos passos, conseguiu amortecer a marcha para o desastre, através de um começo de disciplina e de uma melhor consciência comercial. Com elas veio o restabelecimento da confiança quase perdida nos principais centros importadores e a valorização das qualidades dos produtos e dos respectivos preços.
Se a organização não conseguiu a prosperidade que todos ambicionavam, salvou, entretanto, aquelas duas actividades da ruína em que se debatiam e acautelou valiosíssimos capitais, que quase se consideravam irremediavelmente perdidos.
Vão decorados vinte anos, cheios de perturbações, do dúvidas e de incertezas, e durante eles muita coisa se modificou no mundo das ideias e no mundo dos negócios.
Mercados que durante decénios foram os nossos principais clientes passam a ocupar lugares modestos, e a sua posição não foi substituída por outros.
A limitação às liberdades nas trocas, imposta pela penúria dos meios de pagamento, afecta fundamento aquelas duas grandes actividades da exportação nacional: os vinhos do Porto e as conservas de peixe.
Vinho do Porto.- A exportação do vinho do Porto para a Europa, que em 1936-1939 era superior a 40,6 milhões de litros em média, desce para pouco mais de metade em 1946-1950 (20,6 milhões de litros}, pela forte diminuição no comércio dos três principais mercados consumidores de vinho do Porto: Inglaterra, França e Noruega, que em 1946-1950 compraram, respectivamente, 44,62, 11,72 e 35,52 por cento das quantidades importadas em 1936-1939.
Estes números logo demonstram, na sua fria expressão, u necessidade de procurai' a conquista de novos mercados, com o objectivo de absorverem a diminuição do poder de compra nos mercados que tradicionalmente eram os melhores clientes do vinho do Porto. Se tal não se conseguir, haverá que remodelar fundamentalmente os princípios que tradicionalmente dominam a sua produção e o seu comércio.
Supõe-se, entretanto, que há qualquer coisa a tentar de novo e que será possível atenuar as desastrosas consequências das duras realidades do momento em que vivemos.
É necessário conquistar para os vinhos do Porto uma posição, embora modesta, no grande mercado que suo os Estados Unidos.
Depois da abolição da lei seca, em fins de 1933, o consumo de vinhos nos Estados Unidos aumenta em cada ano, tendo duplicado de 1942 para 1950.
Contrariamente ao que acontece na Europa, nos Estados Unidos é maior o consumo de vinhos licorosos do que o de vinhos comuns, na proporção de, respectivamente, mais de 70 por cento para os primeiros e menos de 30 por cento para os segundos.
O consumo de vinhos licorosos passou de 265 milhões de litros em 1947 para 373 milhões de litros em 1950, com o aumento de 40 por cento, e o aumento acentua-se de ano para ano.
O mercado americano tem marcada preferência para vinhos de alta graduação e, de entre eles, para os comercialmente conhecidos como Port-Wine, naturalmente pelo alto prestígio alcançado pêlos nossos vinhos, designadamente nos mercados de língua inglesa, e também por serem os vinhos deste tipo os preferidos para os aperitivos.
Consequentemente, se conseguíssemos vender nos mercados dos Estados Unidos da América apenas 5 por cento do que foi o consumo efectivo dos vinhos licorosos do tipo Porl-Wine em 1950, ou o correspondente a 34 000 pipas de vinho do Porto, veríamos resolvidas quase inteiramente as dificuldades graves com que presentemente se debatem os produtores do Douro e os comerciantes de Gaia.
Há, portanto, que dedicar aos mercados dos Estados Unidos da América especiais cuidados e realizar, sem
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demora, uma propaganda inteligente e bem organizada da nossa marca «Porto»; e não se duvida nem do êxito nem da compensação dos capitais que nela forem investidos.
Não bastará, naturalmente, a propaganda, pois não se afigura recomendável inundar os novos mercados com a diversidade de tipos, de marcas e de nomes de exportadores habitualmente usados pelo comércio de exportação, mas não se vêem dificuldades insuperáveis na resolução deste problema.
Há que estudar o paladar e o gosto dos consumidores americanos, fixar dois ou três tipos como máximo, aperfeiçoar as respectivas qualidades, vigiar pelo prestígio do nome e da garantia da origem, sem nos preocuparmos exageradamente com as ideias feitas sobre os tipos e as qualidades tradicionais.
Surgirão provavelmente reacções de alguns ou de muitos, que a uma disciplina salvadora continuarão a preferir a liberdade de se arruinarem, mas os factos e as realidades acabarão por dominar e salvar-se-ão até aqueles que teimosamente queiram perder-se.
Conservas de peixe.-Embora a indústria de conservas de peixe não tenha qualquer afinidade com a produção e o comércio dos vinhos do Porto, o certo é que tem caminhado quase paralelamente no mundo dos negócios através de muitos decénios.
Dando a indústria conservara trabalho a mais de 21 000 operários, ajudando a viver mais de 30 000 pescadores e realizando uma média anual de mais de 550:000 contos em divisas estrangeiras, continua a ocupar um lugar de destacado relevo entre as nossas principais actividades exportadoras.
A exemplo do vinho do Porto, debate-se presentemente com tremendas dificuldades pela diminuição ou desaparecimento de alguns mercados que sempre figuraram entre os seus principais compradores.
A Inglaterra, que desempenhou no pós-guerra um factor de correcção à perda dos mercados da Europa Central, designadamente a Alemanha e a .Áustria, o que ocupava um dos principais lugares entre os consumidores das nossas conservas de sardinha, reduziu fortemente as suas importações. Por outro lado, o regime dos contratos colectivos (estabelecido durante a guerra e que vigorou vários anos) criou uma disciplina nos preços e travou o sen aviltamento até 1949.
O acordo luso-britânico para 1950 previu uma exportação de 500 000 caixas do tipo 1/2 club. acordo de 1951 o contingente desceu para 250000 caixas e foram efectivamente exportadas naquele ano apenas 25 000, ou 5 por cento da exportação realizada em 1950.
A França, que sempre enfileirou entre os nossos principais compradores, reduziu igualmente as suas importações, não só devido u dificuldades de meios de pagamento, como porque se viu forçada, sob a pressão dos interessados, a dar facilidades à conserva de peixe marroquina.
Assim, a exportação de conservas de sardinha, que foi no largo período que decorre entre 1933 e 1947 de l 800 000 caixas de 1/4 club. em média, desceu em 1948-1951 para um pouco mais de 1 milhão, o que corresponde a uma diminuição de 44 por cento, tendo em 1949 sido inferior a 900 000 caixas, ou metade da média dos quinze anos decorridos entre 1933 e 1947.
Dadas as dificuldades em que presentemente se debate a quase totalidade dos países europeus e a falta de meios de pagamento, os respectivos Estados tornam as importações dependentes de licenças, que são distribuídas por organismos dependentes dos governos.
Como a distribuição de licenças é condicionada à disponibilidade de divisas, há largos períodos de paralisação nos negócios, que muitas vezes coincidem com
os períodos das maiores necessidades do consumo, o que perturba a marcha normal das transacções e obriga a indústria a demoradas imobilizações, com as consequentes dificuldades financeiras.
Concedidas as licenças, surge uma oferta maciça e anormal por parte dos industriais, todos na Ânsia de vender antes do seu concorrente natural, e daí uma perturbação entre os compradores, que, jogando com as dificuldades dos industriais e muitas vezes senhores das licenças de importação, fomentam a baixa e com ela uma forte especulação nas transacções. O industrial, dominado pelas suas próprias dificuldades, receoso de não conseguir colocar as suas mercadorias antes que seja preenchido o contingente ou termine a validade da respectiva licença, acentua a baixa e vende com prejuízo, provocando também, embora involuntariamente, novo afrouxamento nas transacções.
Daqui a permanente incerteza em que exerço a sua actividade. Fabrica sem prever antecipadamente quando vende, nem a que preço vende. A indústria transforma--se assim num verdadeiro jogo de azar.
Impõe-se, por consequência, uma acção atenta e permanentemente vigilante das autoridades oficiais responsáveis sobre o funcionamento dos acordos comerciais e sobre o cumprimento das obrigações contraídas de boa fé. Não basta assinar acordos; é indispensável que se desenvolvam no quadro das previsões e com o respeito das respectivas cláusulas.
A exemplo do que se disse para o vinho do Porto, é de tentar uma maior expansão das conservas portuguesas nos mercados dos Estados Unidos da América, que consomem quantidades impressionantes de conservas e sempre demonstraram marcada preferência pelas nossas, por serem as da mais alta qualidade entre as suas similares, bem como pela conserva de enchovas; também não se vê outra forma do alcançar este objectivo que não seja através de unia propaganda bem executada e inteligentemente realizada; uma propaganda conjunta das conservas de sardinha e dos vinhos do Porto, embora com características naturalmente muito diferenciadas, permitiria talvez uma economia nos gastos ou, para a mesma despesa, uma maior eficiência. Outras questões necessitam de resolução.
É urgente uma revisão dos actuais e pesados encargos - fiscais, sociais, corporativos, taxas diferentes, etc. - que pesam sobre a indústria, alguns dos quais foram estabelecidos quando a indústria se desenvolvia com certo desafogo, e reduzi-los sensivelmente.
Há que abandonar o antiquado sistema da venda de peixe em lota, fixando acordos sobre preços entre industriais e armadores.
Impõe-se caminhar para normalização dos formatos, fixando as respectivas características.
O comodismo a que os industriais se têm abandonado ajuda a aumentar as suas próprias dificuldades.
Não devem esquecer que a organização foi criada para a defesa dos seus legítimos direitos e interesses, e os dirigentes do Instituto devem ter sempre presente que este só poderá prestigiar-se enquanto realizar devotadamente os objectivos que presidiram à sua criação.
Dentro de pouco tempo a organização corporativa da indústria das conservas de peixe atingirá os vinte e um anos, que constituem a maioridade dos indivíduos, e será já tempo de que u indústria, por seu lado, e a organização, por outro, se compenetrem das responsabilidades que mutuamente lhes cabem.
Dada a desorganização que continua a dominar a actividade industrial, sente-se a necessidade de uma nova disciplina na indústria, que permita salvá-la, e recordarei com emoção o conselho autorizado de S. Ex.ª o Doutor Salazar, quando, como Ministro das Finanças, publicou em Dezembro de 1931 o seu notabilíssimo
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trabalho sobre o inquérito que pessoalmente realizou aos centros conserveiros:
Parece-me que desde já, ainda que fique livre o mercado interno à concorrência, se deveria ir para a organização do comércio externo, monopolizando-o todo um centro exportador de conservas, formado pêlos industriais interessados na exportação.
Decorridos vinte e um anos, a orientação que então tão lucidamente foi traçada à indústria das conservas de peixe mantém a mesma oportunidade e contém, em si mesmo, a solução para as dificuldades que novamente a afligem.
Confio na acção do Governo, o designadamente em S. Ex.ª o Ministro da Economia, a cuja competência e desejo de servir presto a minha sincera homenagem (apoiados), para que intervenha, com a» medidas que as circunstâncias impõem, em favor do vinho do Porto e das conservas de peixe, e tenho fé em que, como em outras circunstâncias semelhantes, ambas as actividades sairão em breve da crise em que se debatem, para seguirem o caminho da prosperidade, com vantagens para os milhares de portugueses que lhes estão afectos e também com benefício indiscutível paru a economia nacional.
É tempo de terminar.
Agradeço muito sensibilizado a generosa deferência, com que os Srs. Deputados acompanharam esta demorada e descolorida exposição (não apoiados) e lamento sinceramente nào ter sabido acompanhar, em brilho, os ilustres oradores que me precederam nesta tribuna.
Dou, com o meu aplauso, o meu voto à proposta sobre o Plano de Fomento, apresentado pelo Governo, com a certeza de que no desenvolvimento da acção que vai ser realizada se corrigirão as pequenas deficiências que porventura uma critica meticulosa possa descortinar e com a esperança de que a obra excederá grandemente, em volume o em eficiência, aquilo que mesmo com optimismo já visionamos.
Disse o Doutor Salazar em Coimbra:
As questões económicas e sociais não só têm hoje o primado absoluto como exigem, em cada pais, unidade de pensamento e unidade de acção.
Não duvido de que o Conselho Económico, que agora vai ser criado, desenvolverá o seu trabalho na subordinação a este lema.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: o movimento inicial de entusiasmo que no ânimo dos patriotas suscita a simples apresentação duma proposta de lei referente a um plano de fomento nacional não é, nem deve ser neutralizado ou arrefecido por subsequentes reflexões no conjunto ou ao pormenor de tão grandiosa e bela iniciativa.
As dúvidas e as críticas apenas são legítimas no objectivo dum aperfeiçoamento prudência na execução, de contributo esclarecedor, nunca num sentido negativista num pessimismo inerte e esterilizante.
Não sou um optimista sistemático e incondicional. Mas sem uma certa dose de optimismo nenhuma alta realiza-lo humana ou nenhum grande empreendimento construtivo são possíveis.
Assim, por mais que nos impressionem possíveis omissões no plano por mais dúvidas que nos suscitem, entendidas num restrito critério de êxito, algumas das iniciativas incluídas no Plano, temos de considerar
- assim penso - este como uma nova base sólida da progresso e desenvolvimento nacional, base indispensável, se atentarmos em que nào exclui outras tarefas reconhecidas úteis e até estabelece desde já a muita-» destas 11 m enquadramento real para a, sua floração por impulso .sistemático ou de carácter espontâneo.
Aliás, nada pior seria do que cruzar os braços, recuar perante as dificuldades e objecções, abandonar directrizes fundamentais, deixando o futuro ao sabor das improvisações casuais e desconexas, de caprichosas e anárquicas fantasias.
Assim, desde já declaro que o Plano de Fomento Nacional suscita o meu mais entusiástico louvor, desde que um critério de estudo, prudência e flexibilidade intervenha sem cessar no decurso da sua efectivação.
Tal critério permitirá aperfeiçoamento rectificações, garantias permanentes de bom êxito, protecção contra dispêndios ou actividades inúteis ou mesmo de desvantagem averiguada.
Suponho que- a interferência da Assembleia na aprecia-lo desta proposta de lei e do Plano pouco mais longe pode ir do que u uma, simples consideração do conjunto, especialmente nos pontos de vista da oportunidade política e da sua coordenação geral, e a breves apontamentos sobre alguns dos tópicos nele mencionados ou omitidos.
A meu ver mais do que os esquemas proposto, sobre os quais se fizeram estudos mais ou menos amplos e já incidiram os pareceres técnicos da Câmara Corporativa, devem suscitar a nossa atenção os problemas gerais de execução, da rigidez n flexibilidade do Plano e dos meios e viabilidade da efectivação deste.
Justamos em presença de um grandioso projecto, que requer enorme esforço nacional.
Nas» tenho elementos para apreciar as possibilidades calculadas de investimentos nem o montante exacto dos recursos e compensações que servirão de contrapartida, ou recuperação aos encargos e compromissos assumidos, mas não duvido do escrúpulo, realismo e prudência em que assentaram os cálculos feitos.
Estamos tão habituados a uma política de cuidadosas previsões orçamentais que, por mim me recuso a admitir irreflexão, imprudência, exagerado optimismo, quer no respeitante ao financiamento do Plano, quer em relação às possibilidades de amortização, à suma comportável de sacrifícios feitos aos resultados económicos o sociais do conjunto dos empreendimentos.
Achei, entretanto, curioso fazer algumas comparações globais, naturalmente aproximativas, com planos análogos de outros países, no que se refere no ultramar.
Pareceu-me interessante verificar qual o grau do esforço financeiro global que este Plano requer dos Portugueses, em confronto com os quantitativos correspondentes dos planos de desenvolvimento colonial de outros países, como a Grã-Bretanha a França e a Bélgica, em relação a estes. Não são fareis estes confrontos.
É diversa a orientação é diverso o arranjo, é diversa a proporção relativa do investimento de capital privado para o investimento estatal e parastatal é diversa a unidade monetária e é diverso o valor real de cada uma destas nas épocas diferentes em que os planos foram apresentados nu entraram em execução.
Mas eu não procuro nestes cálculos um rigor quase impossível. Quero apenas encarar com aproximarão ordens de grandeza. Assim, reduzi a escudos as quantias previstas pura a execução dos vários planos tomando para valor PUI escudos da respectiva moeda o de venda no mercado livre nos últimos dias em Lisboa.
Em seguida dividi os resultados obtidos pelo número de anos, e a este propósito, registo, entre parênteses,
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que, sendo o nosso sexenal, os outros, dos três países citados, são todos decenais.
Não fomos - diga-se de passagem - para o tipo quinquenal dos sucessivos planos soviéticos nem para o quadrienal do Plano Marshall, mas para uma fórmula sexenal, que, sendo já suficientemente duradoura para realizações satisfatórias e definitivas, não implica compromissos por tão longo prazo como os planos decenais, dando assim facilidade a rectificações, ajustamentos, orientações novas, cuja utilidade a experiência demonstre.
O plano decenal britânico para os territórios não autónomos de África estabelecia, segundo a lei de 1945, para total dos investimentos públicos 136 milhões de libras, ou seja cerca de 10 milhões de contos, dos quais aproximadamente um terço a satisfazer pela metrópole, isto é, por um organismo parastatal - o Colonial Development and Welfare Fund -, e os restantes dois terços a cargo dos próprios territórios, mediante verbas orçamentais e empréstimos por eles contraídos, sendo certo que até alguns municípios coloniais foram autorizados a contrair empréstimos.
O plano francos da Comissão de Modernização dos Territórios do Ultramar foi estabelecido em 1946 e fixava a despesa global em 190 biliões de francos, soma equivalente hoje a cerca de 14 milhões de contos mi nossa moeda.
Cerca de metade desta importância destinava-se aos meios de transporte, que no plano português, na parte relativa ao ultramar, representam também cerca de metade da soma das despesas previstas.
O plano decenal «para o desenvolvimento económico e social do Congo Belga», que o Ministro das Colónias da Bélgica, então o Sr. Pierre Wigny, publicou em 1949, após dois a três anos de estudos, e que só pela lei de 27 de Maio de 1952 foi mandado pôr em execução, previu o dispêndio de 25 biliões de francos belgas - cerca de 14,5 milhões de contos na nossa moeda -, dos quais 5 biliões de francos serão suportados pelas receitas orçamentais ordinárias da colónia e os 20 biliões restantes proviriam de empréstimos a esta, no mercado interno respectivo, no mercado metropolitano ou até nos mercados estrangeiros de capitais.
Os investimentos em realizações concomitantes de interesse público por empresas privadas foram calculados num capital de 30 biliões de francos. A riqueza privada é, na Bélgica, susceptível de tão grandioso dispêndio.
Reduzidos à parte ultramarina do plano sexenal em discussão, os investimentos portugueses em perspectiva subirão, como é sabido, a 6 milhões de contos, dos quais um pouco menos de metade será coberta pelas receitas das províncias de além-mar e o restante por empréstimos, nos quais a metrópole participará com 1.500:000 contos.
Assim, confrontando-se os quatro planos, verifica-se que a Grã-Bretanha despenderia nas colónias respectivas l milhão de contos por ano, a França 1.400:000 contos, a Bélgica 1.450:000 contos, Portugal l milhão de contos.
Embora esse encargo seja desde já fixado para dez, e não para seis anos, para os outros três países, nem por isso deixa em absoluto e relativamente de ser enorme o esforço português, sobretudo metropolitano, de valorização do nosso ultramar. Aliás, é de prever que o limite de seis anos venha a prorrogar-se.
Deve pôr-se em relevo a considerável participação da metrópole naquele esforço português, relativamente muito superior à belga e na verdade comparável à inglesa .
Se entrarmos em conta com os recursos materiais e humanos, com os quantitativos demográficos da metrópole e do ultramar, com o desenvolvimento relativo das possibilidades técnicas e industriais, com os rendimentos nacionais por habitante, etc., somos levados a concluir que, a despeito da nossa modéstia, nos vamos abalançar a uma das mais importantes iniciativas europeias no fomento do ultramar, a uma das maiores empresas da nossa história ultramarina.
A capitação individual da metrópole nos encargos da ingente empresa ficará sendo a maior em relação às correspondentes dos outros países referidos.
Para quem conheceu ainda, como eu, o drama da situação das finanças públicas anteriormente à administração de Salazar, para quem pode avaliar do que representa de grandiosa, perante a nossa modéstia, perante a tradicional pobreza, lusitana, a tarefa de reconstituição económica feita em quinze anos ao abrigo da Lei n.º l 914, de 1935, perante quem pondere as dificuldades anteriores e actuais criadas pela situação mundial, há imenso de confortante, de motivo de desvanecimento patriótico e confiança no porvir ao verificar-se a coragem serena com que se encara a realização do novo Plano.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ninguém pode pôr em dúvida a devoção, o carinho, o entusiasmo levado ao sacrifício com que nos abalançamos a tamanha emprega. Ainda bem.
No plano decenal belga diz-se, com razão, ser difícil discriminar o que nos empreendimentos previstos se refere à população indígena, de um lado, e aos colonos e metrópole, do outro. Há a mesma dificuldade no plano do ultramar português.
À, primeira vista pareceria mesmo que neste se cuida mais da colonização de origem metropolitana, da exploração económica civilizada, do que do melhoramento, bem-estar e prosperidade das populações chamadas indígenas.
Ora é evidente que se deve contar com estas para mais, muito mais, do que para simples mão-de-obra das iniciativas e empresas dos colonizadores.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Seria, porém, injusto esquecer que o relatório do Governo, em introdução à proposta de lei, consigna expressamente que «a criação de melhores condições de vida aos habitantes dos territórios constitui um dos objectivos primaciais do Plano», e que, sem pulverização prejudicial de verbas deste, «não deixará de ser objecto de atenção tudo o que seja de real interesse», como hospitais, a habitação, o abastecimento de água, cultura, investigação científica, etc.
Os serviços existentes, as dotações dos orçamentos ordinários e mesmo disponibilidades dos saldos atenderão, dentro do possível, a essas indeclináveis necessidades.
Mas é evidente que as realizações directamente visadas no Plano terão também reflexos directos ou indirectos no progresso e bem-estar das populações. Em caso algum, porém, se deveriam sacrificar os interesses legítimos e os direitos dos chamados indígenas à primazia ilegítima dos interesses dos civilizados. Civilizados e não civilizados, todos são, por igual, portugueses.
Uns e outros têm direitos respeitáveis, sagrados, e os interesses duns e doutros só encontram um limite: o do interesse geral, dentro dos princípios tradicionais de fraternidade e justiça que ditaram as páginas mais luminosas e mais nobres da nossa acção ultramarina.
Se a diferenciação - que desejarei ver desaparecer quanto antes - entre cidadãos e indígenas nalguns
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territórios do ultramar exigia de Mim a referência que acabo de fazer aos «agrados direitos e aos respeitáveis interesses dos últimos, não exclui estes -nem deveria excluí-los- dos benefícios do Plano; julguei, entretanto, útil. mesmo indispensável, assinalar um facto que, mais do que pêlos seus reflexão na opinião internacional, implica princípios, normas e sentimentos tradicionais., fundamentais, da acção portuguesa ao ultramar.
Embora mo não detenha, por limitação de tempo regimental, na parte metropolitana do Plano em discussão, não deixarei de. abordar alguns aspectos comuns ou conexos das duas secções. Em primeiro lugar, parecem-me insuficientemente articuladas estas últimas.
Ë de crer que os estudo, que serviram de base ao Plano tenham ponderado devidamente a interligação económica necessária entre a. metrópole- e o ultramar, a. unidade fundamental em que se enquadram as diferenciações regionais inevitável, as aptidões próprias de cada território u de cada grupo populacional.
'Confesso desconhecer a maior parte dos estudos particulares ou dos planos restritos sobre os quais se elaborou o plano de Fomento Nacional, mas, embora não admita como verosímil a ideia, de que aquela articulação indispensável foi apenas encarada nos aspecto da colaboração financeira da metrópole v das províncias ultramarinas e da colaboração nestas dos excedentes demográficos metropolitanos, tenho a impressão de que para o estabelecimento das indicações para tal interligação ou para as diferenciações regionais não estão ainda suficientemente desenvolvidos e adiantados os estudos e investigações que servem de base ao fomento racional de um país.
O Plano prevê muito bem a necessidade de intensa prospecção geológico-mineira em áreas mais ou menos extensas dos territórios metropolitano e ultramarino. menciona c dota -nos seus esquemas- estudo, a realizar para a rega no vale do Cuanza e para o aproveitamento do lago Niassa (estes tm participação com os países limítrofes).
Os pareceres da Câmara Corporativa acentuam a dinpensabilidade de novos estudos, sobretudo pelas ,incertezas nalguns cálculos.
A verdade é que, na metrópole e, mais ainda, no ultramar, não »o pode dizer feito, em amplitude e intensidade desejáveis, o balanço dos recursos utilizáveis, das possibilidades de aproveitamento ,e de exploração, das capacidades efectivas da própria gente.
Nem sequer no relatório se alude ao labor, em curso, de investigação científica, dependente do Instituto de Alta Cultura, da Junta de Investigações do Ultramar, da Estação Agronómica Nacional, do Plano de Fomento Agrário, de muitos institutos universitários, de alguns serviços técnicos ultramarinos, etc.
Há falta ,de pessoal investigadores há pessoal investigador que mio dá-o rendimento que legitimamente se pode exigir? Melhorem-se, aperfeiçoem-se, desenvolvam-se os núcleos e serviços de investigação, mas não se abandonem, não se inutilizem, min se suprimam.
E, sobretudo, encarece de frente, decidida, primacialmente, a indeclinável necessidade nacional de se formarem legiões de investiga dores portugueses, em vez de se recorrer, salvo em casos excepcionais, a estrangeiros.
Deixámo-nos atracar demasiado nessa formação, embora sejam desta- situação política as entidades e organizações a que referi e que constituem títulos de glória de quem as fundou e sustenta.
Ocupar-me-ei aqui proximamente, por exemplo, se V. Ex.ª Sr. Presidente, mo permitir, dos cálculos das reservas de minérios de ferro e de combustíveis como fundamento do plano de instalação de uma indústria siderúrgica. Por agora limito-me a assinalar a este respeito a passagem do parecer da Câmara Corporativa em que se alude a opiniões, ainda hoje fortemente discordantes, sobre as reservas de Vila Cova.
O interesse do plano de fomento agrário aconselha a não deixar estiolar este útil serviço por falta de verba, como já aqui foi afirmado.
Parece-me indispensável intensificar e desenvolver os trabalhos de levantamento da carta dos solos, já iniciada sumariamente naquele plano e mais desenvolvidamente no departamento dos solos da Estacão Agronómica Nacional, e, para o ultramar, no Instituto Superior de Agronomia e no Centro de Investigação Científica Algodoeira, em Lourenço Marques.
Também aqui oportunamente me ocuparei talvez de alguns aspectos dos, problemas do povoamento e aproveitamento florestais. nu sentido de encorajar e desenvolver aquele e de regular este conformemente aos interesses nacionais.
Por hoje direi apenas que me parece não São necessário e conveniente reduzir abaixo dos, quantitativos actuais ou suspender a exportação de madeiras, para atender às exigências dos novas indústrias da celulose e do papel.
E outro facto registo ainda a respeito destas indústrias: o desconhecimento que parece existir nalguns sectores sobre a actividade, do laboratório de histologia e tecnologia de madeiras que, desde 1948. existe na Junta de Investigações do Ultramar. Aí está um departamento que não pode ser estranho à própria economia metropolitana.
Numa das suas secções trata-se, por exemplo, da tecnologia da pasta para papel, com resultados científicos que, .se forem igualmente favoráveis no aspecto económico, constituem um serviço ao País.
Moldaram-se já ali mais de 4 000 folhas de prova de 40 espécies vegetais da nossa África e mesmo de detritos e resíduo, inaproveitados da indústria ou da agricultura. Muitos outros trabalho têm sido realizados, suscitando o louvor de estrangeiros competentes.
No mesmo espírito de utilização ao máximo das possibilidades nacionais em matéria de investigação e pessoal, não posso senão aplaudir tudo o que vise, não só o fomento de actividades novas no País, mas ainda o aproveitamento das já existentes.
Porquê não desenvolver entre nós a técnica da concepção na indústria? Porque não adquirir cá, e não no estrangeiro, o que é susceptível de se fabricar entre nós em condições satisfatórias de qualidade, tempo, preço e aproveitamento de recursos nacionais em matérias-primas ou mão-de-obra, ou nesta e naquelas?
Assim auxilia- se e melhora-se a mão-de-obra nacional. As vezes não sucederá, por uma pequena diferença de preço, perderem-se estas vantagens?
Voltando à investigação científica e à assistência técnica, lembremo-nos também de que -já não mo refiro ao perigo e aos inconvenientes de expormos demasiado a estranhos recurso valiosos dos nossos territórios-, partindo do princípio de que os nossos direitos são reconhecidos e nada se nos oculta, os próprios efectivos dos países estrangeiros mais adiantados começam a esgotar-se no que- respeita a técnicos e especialistas.
A América do Norte necessitava de 50 000 engenheiros. Os melhores já se utilizaram. Nào serão de qualidade menos elevada muitos dos peritos e especialistas que hoje vão para os países ditos atrasados?
Se alguns nacionais nossos não têm correspondido no seu labor às esperanças que neste se depositaram, não será também verdade que de alguns estrangeiros, vários deles mesmo ilustres, terão surgido decepções desgostastes?
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Vozes autorizadas em Inglaterra têm ultimamente apontado, quer no que respeita às exigências alimentares crescentes da população em aumento no Globo, quer no que respeita a matérias-primas necessárias, que a assistência técnica aos países atrasados ou não alcança, por um erro psicológico, fazer aceitar as suas sugestões, ou só encontra tão reduzida já nos seus efectivos disponíveis de pessoal que não pode satisfazer todos os pedidos.
No final de 1951 esses países recrutaram nas organizações internacionais das Nações Unidas nus 800 peritos. Destes, 271 eram da F. A. O., 155 foram obtidos através da Organização 'Mundial da Saúde, 109 da U. N. E. S. 0. U., 60 da Organização Internacional do Trabalho e U2 da Organização Internacional da Aviação Civil.
Em Janeiro de 1902 os Estados Unidos da América, tinham no campo 619 peritos, que em 30 de Junho já ascendiam a 972, repartidos por 33 países. Juntem-se--lhes os ingleses e doutras nações.
E, no entanto, as possibilidades em especialistas não são ilimitadas nesses países. Muitas requisições já não podem ser satisfeitas, surgem complicações nas retribuições, estabelecem-se confusões entre departamentos diferentes.
Uma revista científica inglesa afirma: «se os países atrasados desejam pessoas competentes e de sólida reputação . . . têm de se lembrar de que há grande procura para homens assim».
A formação e treino de pessoal científico e técnico competente são, portanto, preocupações lógicas dos países civilizados. Por outro lado, a mesma revista judiciosamente aconselha que nào se desperdicem pessoal e dinheiro em empreendimentos de fantasia, sem a devida selecção dos que merecem, de facto, assistência e Apoio.
A verdade é, em suma, que a tarefa encarada pelo plano português requer pessoal orientador, técnicos u mão-de-obra, que, tanto quanto possível, é desejável que sejam portugueses. Não bastam crivelmente os esforços feitos nos últimos anos pela Nação para desenvolvimento e eficiência do ensino, especialmente do técnico e profissional, encarado para obras de construção, adaptação e melhoramento de escolas no capítulo x do próprio Plano.
Convictamente entendo que às organizações di» investigação científica existentes devem ser dados os meios amplos para formação de numeroso pessoal investigador e intensificação ou início de certas investigações, sem as quais o balanço de que falámos se nào pode dizer realizado.
Os Portugueses - menos numerosos do que os de hoje que forneceram colaboração a iniciativas coimo a dos descobrimentos não eram decerto muito diversos dos que na actualidade têm de ser os orientadores de empreendimentos do nosso tempo, naturalmente diferentes mas também grandiosos e renovadores. Eu creio na capacidade dos Portugueses para esta nova tarefa.
Não resigno a considerar como de subalternidade a nossa missão actual, a admitir que uma decadência germinal do Luso ou as circunstâncias actuais do Mundo constituem uma fatalidade irremovível, impeditiva da renovação da nossa glória no panorama geral das nações.
Salazar deu-nos uma base financeira, uma admirável lição de método e ordenamento, perspectivas magníficas, que a dúvida sobre nós próprios não deve destruir.
Não vimos que o nosso Plano nos coloca, quanto à grandeza de encargos e realizações, em nível que nào é inferior ao doutras grandes nações?
Mas, Sr. Presidente, nào desejava concluir estas minhas considerações sem alguns ligeiros apontamentos sobre problemas específicos ou quase específicos de dois dos territórios ultramarinos - o mais próximo c o mais longínquo.
Já aqui se ocupou - como sempre, dedicada e proficientemente- do plano na parte respeitante ao arquipélago de Cabo Verde, o ilustre Deputado por aquelas ilhas, :Sr. Dr. Adriano Duarte Silva.
Aplaudo os seus apelos à atenção da metrópole, mas ao pedido de reforço das verbas para o apetrechamento do Porto Grande e pura outras tarefas respeitantes a melhoramentos hidroagrícolas, florestais e pecuários e aos aeródromo* & transportes marítimos, de que se ocupa o esquema do Plano, ouso juntar o pedido de consideração, pelo Governo, doutro» aspectos da economia do mar no arquipélago, com escolas de náutica e de pesca, missão cientifica de biologia marítima mais larga, utilização da população não só na navegação interinsular mas na navegação de longo curso, organização e fomento de actividades piscatórias não só nos mares vizinhos mas nos distantes, fomento de empresas industriais conexas com a pesca e economicamente viáveis ali.
Foi o resultado a que pessoalmente cheguei num longo estudo, já concluído, sobre o arquipélago e a sua simpática população.
Não me demove a objecção de que esta prefere, nas grandes estiagens, morrer de fome amarrada aos fraguedos ásperos daqueles penhascos, de lava, a ir pescar oceano circundante.
Mas os imperativos geográficos são ali tão evidentes que creio no êxito duma propaganda, duma educação e massas, que aponte aos cabo-verdianos o caminho heróico e fecundo do mar como o seu destino predominante.
Sem excluir todas as outras iniciativas em curso ou sugeridas, não tenho grande fé na solução artificial das crises de estiagem, numa economia agro-pastoril, naquelas ilhas nuas, que, segundo o grande naturalista francês Auguste Chevalier, oferecem o espectáculo de mais acabada acção destruidora da erosão que é possível encontrar em África.
Pelo que diz respeito a Timor, os 72:000 contos que o Plano lhe atribui, e que deverão ser concedidos pela metrópole a título de subsídio gratuito, reembolsável na medida das possibilidades orçamentais da província, é crível que fiquem aquém das necessidades desta, a qual ainda se não refez das destruições produzidas pela ocupação japonesa. De 1945 a 1952 a metrópole já despendeu mais de 200:000 contos com a expedição militar ali, 110 final da guerra, e com a reconstrução da província, a qual deve, naturalmente, gratidão e justiça ao auxílio metropolitano.
A distribuição da verba agora concedida deve ter sido fundada, não só em informes técnicos oficiais, mas ainda no próprio conhecimento directo dos factos, adquirido pelo ilustre Ministro do Ultramar, Sr. Comandante Sarmento Rodrigues, por ocasião da memorável visita deste estadista aos territórios portugueses do Oriente.
A verba de 15:000 contos para fomento agrícola, florestal e pecuário permitirá talvez lançar na agricultura timorense mais alguns colonos europeus, que presentemente ali serão cerca duma dúzia, entro os quais quatro grandes plantadores de café.
Pode calcular-se, segundo informes que tenho de procedência local, que uma plantação agrícola europeia produz ali mais do que a de um suco de 200 a 300 homens timorensos válidos.
Seria útil que aos alunos timorensos que deixam as escolas missionárias, por virtude da sua idade, fosse
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ministrado no ensino agrícola. Tudo isto caberia talvez dentro dos 15:000 contos.
A soma de 45:OUO contos para reconstruções subdivide-se em 30:000 para a 'cidade de Dili e 13:000 para o interior, devendo incluir edifícios na capital e edifícios para serviços públicos e missões católicas 110 interior.
Seria interessante unia discriminação entre os dois objectivos, dado mie as missões, embora, com assistência :do Governo da província, vivem e trabalham com autonomia os dois objectivos são plausíveis.
O Colégio Missionário da Mardiana, por exemplo, que está em construção, poderá porventura custar um terço da verba. Há outros colégios missionários em construção e reconstrução. Mas seria conveniente também, para prestígio da autoridade portuguesa, que fossem mandadas construir casas de alvenaria paru funcionários que vivem no interior da ilha em casas de palaba e capim. Não seria possível um reforço da verba consignada ou um esforço complementar por subsídio metropolitano ou por verba orçamental? Seria óptimo.
Por certo não se prevêem despesas com a produção p fornecimento de energia eléctrica a Díli, o que é pena.
Além do mau aspecto das ruas da capital do Timor português, imersas à noite em profunda escuridão, há a ponderar que têm ali muitas iniciativas particulares esbarrado com a falta de energia eléctrica.
Sugerem-me que talvez meia dúzia de milhares de contos bastasse para solucionar o problema. Poderia ser transferida da soma de 30:000 contos para reconstrução da capital?
Sem dúvida, embora, sobretudo para reconstrução, as verba» agora destinadas a Timor tenham benéficos resultados. Oxalá novos empreendimentos, embora modestos, possam ser encarados em futuros planos e sobretudo, num índice bem expressivo, 'encontrem o necessário financiamento ou parte dele no» saldos de contas da própria província.
Não está presente cairo nós o Deputado por Timor, nosso ilustre colega Prof. António de Almeida, que ainda se encontra em missão científica em longínquas paragens angolanas. Muito estimarei que as minhas singelas considerações sobre a parte do Plano referente a Timor mereçam a sua esclarecida concordância.
A Guiné, S. Tomé, Angola, Moçambique, índia e Macau têm aqui quem haja, mais de uma vez, pugnado pelas principais realizações requeridas por essas províncias e volte a fazei-lo ainda. Eu próprio já tive a honra, nos anos anteriores, de me referir especialmente a problemas importante -mesmo para a Guiné e Moçambique, por impressões colhidas directamente - da colonização, da política indígena, do fomento, da investigação científica, etc.
Não reeditarei agora considerações já feitas. Limito-me a exprimir o meu júbilo de português pêlos vultosos empreendimentos projectados ou já em curso, sobretudo em Angola c Moçambique, que, como é natural implicam, só as duas, mais de cinco sextos da totalidade dos encargos previstos no Plano paira o ultramar.
Apenas ainda duas rápidas notas. Acaba de se fundar em Hong-Kong na respectiva Universidade um instituto para estudo dos problemas da pesca.
Não seria interessante, apesar das restrições naturais e regionais a esta junto de Macau, fazer na nossa cidade; do Extremo Oriente qualquer centro de investigação com objectivo paralelo ou análogo e Julgo que sim.
Também considero urgente a necessidade da existência de investigadores portugueses jia estação de biologia marítima da Inhaca, mi baía de Lourenço Marques Sei que essa necessidade é reconhecida pelo
Governo - Geral da província Até. agora só ali têm trabalhado cientistas estrangeiros.
Registarei por fim que os orçamentos de Angola e de Moçambique para o ano corrente já proviam verbas pura instalação de centros ou institutos de investigação científica nos dois territórios.
E uma iniciativa perfeitíssima, para indispensável - útil cooperação de investigadores locais c metropolitanos e pura o desenvolvimento cultural das duas províncias.
Esses institutos, análogos aos franceses e belgas, terão maior indicação e oportunidade do que a criação de Universidades ultramarinas, as quais são por enquanto substituíveis com vantagem por bolsas de estudo numerosas a estudantes do ultramar para frequência das Universidades metropolitanas.
Eis um dos capítulos em que a unidade, a interligação entre a metrópole e o ultramar se podem e devem intensificar mais depressa, se podem devem afirmar e fortalecer, com vantagens políticas evidentes com utilidade incontestável para o inventário desenvolvimento dos recursos e possibilidades naturais e humanas de todo o Portugal, para a conexão integral e indispensável dos interesses e aspirações dos Portugueses da metrópole e de além oceano.
Estou convencido de que um tal espírito animou a elaboração e fecundará a execução do Plano de fomento que só por si deve ser uma garantia dos mais gloriosos destinos pura a Pátria u pura u gente portuguesa .
Não vim proclamar que o Plano é perfeito, maravilhoso, mirífico. Acho-o mesmo longe da perfeição. Nem sequer ele corresponde, em amplitude o pormenor, ao que se delinearia noutras mentes também sem ambições desmedidas.
Mas considero-o sério, honesto, útil, em grande parte viável, e, sobretudo, necessário, indispensável, e recebo-o por este motivo com júbilo, entusiasmo e louvor, aceites naturalmente os princípios da sua flexibilidade e do prosseguimento em larga escala dos estudos a que me referi.
Finalizo deste modo com palavras de aplauso caloroso à iniciativa tomada pelo Governo e de estímulo a todos os aperfeiçoamentos que se reconheçam aconselháveis. As modificações, esses aperfeiçoamentos estão na natureza destas coisas.
Os estudos não param. Os processos evoluem. Entre o começo e o fim da 'construção de lima barragem podem variar as técnicas e até indicações. Porém, hesitar, cruzar os braços, na expectativa de uma perfeição inatingível, seria desolador, horrível. Parar è morrer.
Não nos devem atemorizar as dúvidas que subsistem, algumas objecções pertinentes, limitações dos nossos recursos. O estudo e a reflexão ditarão o melhor caminho, em face das dúvidas e objecções, no decurso da execução do Plano.
Quanto a recurso:-, ainda os temos de sobra se os buscarmos e valorizarmos com inteligência e perseverança. Aliás, a fé, o espirito humano valem mais do que todo o ferro, todo o petróleo, todo o ouro do Mundo.
Serenamente, cônscio das virtualidades lusitanas, nunca me resignaria, como português, a admitir que a nossa acção futura se confinasse, tímida e apartadamente, em proporções mesquinhas.
Benvindo seja, pois tudo o que ofereça perspectivas largas, justas belas e fecundas ao papel de Portugal no porvir.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. André Navarro: - Sr. Presidente: as minhas primeiras palavras são de louvor. Mas, digamos já, não é para louvar o que representa sequência de um estado que passou a ser normal neste pais sob o signo de Salazar. E, por consequência, se há que louvar, já não o propriamente o novo passo que se vai dar em fronte para a melhoria das condições de vida da grei, mas tão- somente a melhor estruturação do novo plano de investimentos, por forma a puder continuar-se a realizar o que é necessário em matéria de fomento, nas condições da mais perfeita economia de recursos e de esforços. È esta a única razão de ser do aplauso, e este não pode deixar de ser caloroso pelo valor excepcional da empresa que se continua.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Refere-se o Plano de Fomento a realizações das mais diversas, que vão desde o campo da produção de energia às várias fases do seu aproveitamento, todas elas de larga projecção na vida económica do País e dizendo respeito u aspectos que interessam toda a extensão do território de aquém e de além-mar.
A sua larga projecção na economia nacional criará assim, decerto, reflexas em todos os pontos onde palpitam corações de portugueses, nesse grande espaço que constitui o mundo lusíada.
Serão progressivamente aproveitados novos mananciais de energia hidroeléctrica; aumentar-se-á, por forma sensível, a área beneficiada pela hidráulica agrícola; serão estabelecidas novas indústrias- base e ampliada a produtividade de outras; novos estímulos serão dados não actividades manufacturarias; serão melhorados e ampliados os meios de transporte terrestres, marítimos e aéreos, por forma que estes possam satisfazer as necessidades crescentes do ritmo circulatório; será ainda aumentado sensivelmente o rendimento do labor dos trabalhadores dos vários misteres.
E tudo isto será feito sem delapidar capital e apenas tornando mais caudalosas as fontes do rendimento. Tornar-se-ão assim, mais íntimos os laços que nos prendem, os que ligam irmãos do mesmo sangue das várias partes do império, e menos sensíveis os desníveis que nos separam, no conjunto da grande família lusa.
Numa palavra: passaremos assim, com o decorrer do tempo, a sua mais fortes e mais unidos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E isto tudo, que é imenso, prevê-se poder ser efectuado num tempo que dá à geração do resgata possibilidades de assistir à maturação dos primeiros frutos do seu próprio sacrifício. E ainda -o que é de realçar- grande parte do que é necessário realizar se--lo-á baseado quase exclusivamente aio esforço financeiro da Nação.
E, finalmente, se formeis bem sucedidos, como tudo leva a crer tendo em atenção a elevada mística que nos anima, teremos conseguido ter neste Mundo revolto um exemplo salutar, que muito bem poderá vir a dar os seus bons frutos numa época em que a Humanidade, procurando uma luz que a ilumine, só encontra a penumbra da mediania ou a sombra do génio do mal, que luta por fazer do homem simples galho entre os muitos que constituem a frondosa árvore da criação.
A Lei de reconstituição Económica, que constitui o fundamento legal preambular do grande esforço de fomento do século que decorre, permitiu-nos colher na sua objectivarão larga soma de conhecimentos para melhor desbravar os raminhos ainda confusos do futuro, no sentido de elevar as condições de existência material do povo português.
Foram despendidos durante a sua vigência cerca de 14 milhões de contos, e dessa importância 10 milhões no fomento económico do País. Ao cabo deste apreciável investimento An capitais, que deve ser considerado como notável por ter sido realizado num momento bem difícil da vida económica do Mundo, o rendimento nacional deverá ler aumentado sensivelmente.
Contudo ele ainda é semelhante ao dos povos de vida modesta que habitam a orla do mar Mediterrâneo.
Tratou-se, pois e julgo que dentro de uma sã orientação, em primeiro lugar -permitam-me a expressão- de vitalizar um corpo doente de há muitos Insiro, procurando dar-lhe novas energia. Estimulou-se ao mesmo tempo a circulação nesse organismo depauperado.
E agora, para prosseguir na cura. que terá de ser lenta, é lógico que se continue com a terapêutica já traçada.
A cada novo afluxo de energias corresponderá, decerto, um novo passo em frente para a cura radical da maleita, que de início se julgou impossível debelar.
Vida de alto nível, nível baixo de existência. Povos ricos e povos pobres. Nações muito ou pouco evoluída». Alto ou baixo rendimento nacional, etc., são tudo expressões que hoje correm mundo em muita, e variados sentidos e postas a correr com vários fins, conforme, o vento que as sopra.
Direi mesmo que muito ou pouco, alto ou baixo, grande ou pequeno, tudo ou nada significam no mundo da economia, tudo dependendo dos desejos de, quem diz ou das intenções de quem ouve. 'E qualquer destes estados se situa nas posições mais diversas perante a opinião pública, conforme o ângulo de visão em que o mesmo é posto por quem governe, isto é, a perspectiva do fenómeno considerado.
Dizem os economistas, por exemplo, que o carvão fóssil e o ferro foram o volante da civilização industrial, e que essa força atirou para o arranha-céus do 'evoluído - latinos, germanos e anglo - saxões. Estes tiveram, assim, para atingir posição de realce, apenas de possuir a virtude de terem nascido onde nasceram.
Não será, porém, errado também dizer com ,alguns pensadores que a ausência desses mesmos factores não impediu o levantamento, fora das antigas florestas do carbónico, de notáveis edifícios dos grandes ideais humanos. E que esse mesmo material que gerou a Europa, do cavalo-vapor seria simples imaterial do construção acumulado se não fosse o facto de a sua ausência ter criado noutros lugares o imponderável que tudo animou. E o exemplo, embora camuflado, está hoje patente para além da cortina ide ferro.
E assim não é possível aceitar como boas comparações feitas, possivelmente muitas delas com a boa intenção de dar à Humanidade dias mais felizes, e que hoje cobrem resmas de papel, mas entre coisas que não são da mais subjectiva comparação.
Assim. também é hoje uso aferir o nível ide existência de um povo pelas capitações maiores ou menores, e que vá o desde o kilowatt de energia utilizável ao quantitativo de calorias disponíveis para o sustento.
Mas despreza-se sempre, nos juízos a fazer, aquela energia que não pode ser expressa em kilowatts e que representa, por exemplo, nas nações agrárias, todo o viço do uma população trabalhadora e quanto ao sustento, aquelas calorias nem conta que não chegam às estatísticas, mas que não deixam, por isso, de aquecer os corpos.
E assim direi, para completar o meu pensamento sobre este assunto, que tanto preocupa políticos de várias cores e toda uma multidão de técnicos, que vai desde o economista mais ou menos matemático ao médico mais ou menos fisiologista, que, conforme o adágio
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de gosto tão popular: «coda terra com seu uso. rada roca com seu fuso».
E todo esto arrazoado para dizer que não me preocupa muito n citação, feita no preâmbulo do Plano de Fomento, de Portugal ocupar, quanto ao rendimento nacional, o degrau dez, situado abaixo de nove países mais felizardos e com 134 dólares por habitante.
E isto pelo que ficou dito e ainda porque me lembro de que se a comparação fosse feita de sentido de apurar qual desses dez países teria mais contribuído para o bem-estar da, humanidade com o uso dessa mesma soma de moeda e sentindo, por isso, maior felicidade espiritual de dever cumprido, seria capaz, sem muitos malabarismos, de inverter posições e levar Portugal a ocupar uni honroso lugar entre os primeiros.
E mesmo, se desejar fazei- ura jogo unais franco de números, e por isso com maior interesse, procuraria contendores do mesmo peso, como de resto é uso em luta leais, e então o nosso pouco evoluído país, conforme alguns o classificam, ao lado dos que o mesmo céu azul recobre, teria, decerto, posição mais invejável.
E, sem alterar o sentido do que disse, poderia aceitar então que os kilowatts, as calorias e os índices de rendimento nacional já poderiam ter qualquer significado económico-social. E, se não fosse assim permitam então os meus ilustres ouvintes que eu, em face dos números apresentados pelo nosso muito ilustre colega Deputado Nunes Mexi-a, coloque na posição do país muito evoluído o nosso Portugal.
Os números 28,2. 11,1 e 60,6 porcento, referentes às actividades primária, secundária e terciárias da população activa, podiam-nos dizer, de facto, que correspondiam a uma, nação com uma agricultura c uma indústria intensivas e com uma população activa, numerosa nos domínios da distribuição e de outros serviços mais leves.
Não se julgue destas considerações que seja hostil às matemáticas e, consequentemente, às estatísticas, mas confesso que temo o profissional do número, que é capaz de tirar deste material tão dócil mais do que uni célebre prestidigitador teria engenho para extrair de um pequeno chapéu alto.
Por isso apenas direi, quanto a níveis de existência p tantos outros níveis de vido económica e social, que, por merco de Deus, embora não privilegiados quanto à riqueza em energia e em minérios ricos, mesmo assim, com o que temos lá iremos continuando a viver, uma vida modesta é certo, e a formar, cada vez mais forte, este grande Império de almas que, em pleno século do carvão e do ferro, teve força paru criar à sua imagem uma grande nação americana.
E ainda diremos também que o continente negro é hoje excelente repositório de bons exemplos para demonstrar o elevado nível da civilização do povo que há muitos séculos habita este extremo do velho continente europeu.
E isto quanto a níveis de existência e outros níveis.
Sumos hoje porém, na realidade, mais do que o território 'pode fisicamente albergar em espaço tão reduzido. Em maior espaço e mais rico, outros povos não saberiam viver com tão elevada concentração demográfica.
Mas as cores são ainda mais carregadas.
Este formigueiro humano pulula na realidade numa nesga que apenas cobre um dez avos do todo. E os restantes nove dez avos são medíocres ou mesmo muito maus. E idêntica imagem se repete em diversas paisagens insulares.
Mas, mesmo assim, temos constituído um saudável viveiro de gentes, verdadeiro prodígio da criação. A terra, cultivada em parcelas que mal deixam em algumas glebas virar gados no labor da dobragem da leiva, tem chegado, à custa de um milagre de multiplicação, para o seu sustento. Lá mais para o Sul, onde a aridez gerou o latifúndio, a gente é também de mais nas épocas em que sossega o trabalho do campo.
E por isso saldos demográficos apreciáveis alimentam sem cessar caudalosa torrente para terras cuja história é a nossa própria história, torrente que migra mas não emigra, porque apenas se deslocam os corpos, ficando sempre presas as almas.
Portugueses da América, da África, da, Ásia ou da Oceânia, tezes de várias cures, são todos elo. como dizia notável orador angolano em terras de Santa Cruz, da mesma cor - o branco puro das suas almas. Por isso é de aplaudir a criação de novos centros em pontos afastados do território que de todos fui berço, nos trópicos ou aquém ou além deles, que sejam novos núcleos do irradiação da, raça. E para que não falte nada do que é necessário para continuarmos iguais a nós próprios, terá de ser árduo o labor a realizar.
Será o actual ritmo de migração, mais de 30 milheiros no ano que vai a findar, susceptível do se manter? Difícil é arriscar nina previsão. Digamos, porém, que o progresso evidente dos misteres industriais será também dentro de poucos lustros grande consumidor dos saldos da nossa gente.
E até levará, como de resto será conveniente, a um maior uso da máquina na lavoura para melhor aproveitamento dos ensejos e redução dos custos. E para tal, como está previno, o ritmo de crescimento das disponibilidades de energia fluvial acompanhará esta evolução, prolongando-a a tempo. E há que ler confiança no rumo que seguimos pois já se começou a olhar a sério para os nossos ruis como principais agentes do fomento da terra.
Enquanto não tivemos tempo para olhar pelo que era nosso, na ânsia de trazer mais e mais para o império das grandes verdade, derrotou-se, é uni facto, muita mata para lenha ou para semear o trigo, o centeio ou plantar a batata. Veio depois a enxurrada e levou a turra paru o vale e de lá foi andando, em triste caminhada, até à foz. Arearam-se glebas férteis, geraram-se sapais, entulharam-se portos, o os rios, cheios de meandros, envelheceram precocemente.
A recuperação de tudo isto pelo menos do que for recuperável terá de ser lenta Esta grande escada desce - se, na realidade, com rapidez, mas a sua subida exige que se tome fôlego. Mas de qualquer forma teremos de o fazer, pois é neles, e só neles que está a energia, que é o verdadeiro viço da Nação.
Prospecção, sinónimo de reconhecimento prévio, é hoje uma palavra que anila muito em voga c que muitas vezes terei agora de pronunciar.
Faz-se do subsolo, do solo agrícola e florestal, da propriedade que os homens acordaram em delimitar, e até o fisco faz prospecção em busca de uma base mais justa para distribuir, entre todos, as despesas da Nação.
Pois hoje, mais do que nunca, e isto só para colher o pão isso de cada dia. é necessário fazer segura prospecção, única forma de evitar irreparáveis desastres na economia e vida social dos povos.
Se tivesse havido a devida prospecção por essas bacias hidrográficas do País, não se teriam deixado esterilizar, possivelmente. 500 000 ha das serranias do Algarve e Baixo Alentejo, desfeitos em palha e pouco grão, ao som do clarim de uma bela campanha de criação de riqueza, em pouco mais de duas décadas. E também não estariam quase exangues outro um dezasseis avos do território - areal pliocénico que se estende desde Vendas Novas a Algezur - ou ainda as encostas policromas da Estremadura antigos domínios dos monges de Alcobaça.
E decerto, também, o vale do Mondego ainda seria hoje o celeiro e o açougue do centro do País, e não terra
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dolorida de sapais e regadios curtos. E, se tivesse havido a tal prospecção a tempo e horas, não faltariam, possivelmente, em breve, as pirites cúpricas alentejanas, tão necessárias para o fabrico de fosfatas, sulfateis e amoníaco, e com certeza, também se evitaria que a nossa linda Lisboa lançasse perigosos tentáculos pêlos nateiros da beira - Tejo.
Se houvesse prospecção cuidada ter- se - ia evitado, da mesma forma que, na urbanização de vilas o aldeias, se fosse buscar a água, para dar de beber às populações, aos mananciais já existentes, enxugando perigosamente terras outrora férteis.
Matar a sede para gerar a fome è política que não pode ter qualquer defesa num país de recursos minguados! E se houvesse a devida prospecção já teria sido possível ir dispondo as árvores - e elas levam tanto tempo a crescer ! - naqueles solos das serranias do Sul que delas necessitam para ficarem melhor agarrados à rocha, ou então, em paragens nortenhas, aquelas essências florestais resinosas e folhosas que devem ir no rasto do pinheiro para a produção de maior riqueza.
E não se teria de dizer, como se disse, que para alimentar uma nova indústria, a da celulose, seria necessário diminuir outras riquezas não menos valiosas.
Se houvesse prospecção já seriam bem conhecidas, pelas radiografias da terra, as manchas do sequeiro onde do futuro seria possível adoptar, com boa economia, afolhamento mais valioso para o cereal e para a carne e assim resolver em bases seguras o problema das nossas faltas de sustento.
Mas é, porem, essa mesma prospecção que o Governo, e muito bem, nos promete intensificar hoje e a todo o custo; refiro-me, é claro, o do subsolo mineiro e à dos solos agrícola e florestal e dando-lhe o valor de empresa duradoura, a ponto de o incluir, quanto a encargos, naquelas despesas que fazem parte integrante do Orçamento geral do Estado.
E assim se conquistará o indispensável conhecimento que facultará à Administração, no fim do sexénio que vai correndo, fixar, com maior proveito, a ordem do dia para os cometimentos do sexénio seguinte.
E essa prospecção, que é um saudável sintoma do desejo de melhor aproveitar recursos, era como executora essa mocidade que já foi preparada para a vida dentro da mística criadora que um milagre gerou em Portugal.
É por isso chegado, de facto, o momento de aproveitar a juventude, submetendo esses moços, saídos das nossas escolas técnicas, a um treino cuidado para obras bem mais difíceis. E não os podemos deixar, por isso, desviar para missões diferentes daquelas para que foram preparados.
O custo de produção, excepcionalmente elevado, desses técnicos, algumas dezenas de contos por cada unidade, em diversas profissões, não permite que se deixe de atender, e desde já, a este agudo problema. De resto, a assistência técnica à lavoura, feita em bases suficientes, exige o aproveitamento de parte apreciável desse saldo aparente que hoje existe no desemprego.
A assistência técnica segundo os conceitos mais- modernos deverá ser cooperativa, porque nela colaboram as várias instituições de ensino, de investigação, a; instituições privadas e a própria lavoura. E é de extensão porque o seu objectivo é difundir até a«w mais recônditos meios rurais os conhecimentos das Universidades e dos organismos de investigação.
Tenho suficiente conhecimento da actividade dos serviços técnico» oficiais para lhes prestar a devida homenagem, porque dentro dos limitados meios de que dispõem é grande o seu esforço e larga a sua acção.
Em todo o Mundo se dá cada vez mais apoio aos serviços de extensão agronómica porque se sabe estar na conservação e exploração conveniente do património -terra , n base d n vida e da independência dos povos.
E assim que por todo o lado se considera a agricultura, como uma arte que exige, para ser bom feita, o conhecimento de muitas e complexas ciências. .Só o Estado pode ter, normalmente, funcionários técnicos que se dediquem ao estudo dessas ciências f depois outros que traduzam, em linguagem acessível, até aos mais modestos trabalhadores do campo, os conhecimentos que os primeiros lhes facultaram.
E assim fica expressa uma verdade indiscutível si moderna organização dos serviços de assistência técnica agrícola: os conhecimentos dos cientistas devem ser rapidamente, conjugando vários meios de eficaz actuação, levados ao seio de todos os agricultores e até aos mais modestos trabalhadores rurais, numa acção persistente, embora maleável, paru se poder adaptar às necessidades d t- cada momento.
Também hoje se considera antiquada a ideia de trabalhar só o empresário agrícola. A acção tem de se estender o, todos os membros da família rural. E eis u segunda verdade indiscutível: é o trabalho em conjunto da família rural que pode produzir os frutos desejados.
Ë, sobretudo, a boa semente lançada junto da juventude rural, incutindo-lho uma verdadeira mentalidade agrária, que fará, dentro de uma ou duas gerações, uma transformações radical nos processos de cultivar u terra, seguindo as melhores práticas, sem hesitações, adaptando-se rapidamente às técnicas que constantemente, evoluem, de acordo com os serviços de investigação, que têm de ser feitos e apoiados sem reticências.
Criticou-se por vezes a Administração por ter-se do primeiro, nos primeiros passos desta era de regeneração, para o sumptuário, e chamou - se sumptuário a edifícios vários, estádios, obras ligadas ao turismo e tantas outras realizações, quando se pretendia, porém, 'apenas atingir e sabe-se lá com que intenções, atendendo ao ponto de partida dessas vozes- aquelas despesas que se fizeram ]=ara evitar a ruína irreparável de monumentos e obras lê arte, testemunham de uma história, de oito séculos.
Esqueceram-se, porém, os detractores e alguns velhos do Restolho que essas equipes perfeitas que hoje constróem as barragens e que levam a cabo as monumentais obras de hidráulica ou que &e aprestam para valorizar o solo e subsolo do nosso Império, foram exactamente as mesmas que, anos atrás, construíram o tal sumptuário, adquirindo nele a valiosa experiência para ulteriores cometimentos.
Bendita, pois, tal orientação e diga-se de passagem que essas mesmas vozes eram necessárias, pelo menos, para confirmação de que o grande edifício tinha já saído dos Iodos onde assentavam os seus alicerces. Agora é apenas ouvir e caria vez mais ateimado o coaxar das rãs.
Não desejo, por isso. discutir aqui desta tribuna se devemos ir agora para o Zêzere ou para o Douro em procura de novos contingentes de energia; ou se esta ou aquela verba não ficaria melhor na construção de um porto do que aio enxugo de um sapal.
Não me atreverei mesmo, por o achar menos consentâneo com o espírito da política nacional desta Assembleia, a vincar, com maior realce, desejos e aspirações dos povos que aqui representamos.
De resto, tem sido esta a elevação dos que me antecederam no uso da palavra. Esses povos sentem hoje, estou disso certo, que a política, de quem governa é apenas ditada pelo interesse nacional e por isso lá chegará a vez a cada um quando for possível e conveniente que se lá chegue. E é também de realçar que a Casa paredes meias com a nossa tem cumprido nobremente
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11 DE DEZEMBRO DE 1952 263
o seu dever de estudar, criticai e sugerir e tem procedido com igual isenção.
Apenas criticaria, por isso - e então era o dever que me impunha -, se houvesse desvio dessa sábia política nacional. E, como não houve, sou a dizer apenas, e para terminar, que Deus guarde por muitos anos a preciosa vida daquele que, para bem da Pátria, é hoje exemplo que atrai em sua volta toda a vida nacional e que, com o esplender do seu grande espírito, vai já fazendo nascer além-fronteiras a penumbra onde antigamente só dominavam as trevas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Convoco as Comissões de Finanças e Economia para hoje, às 14 horas e 30 minutos, a fim de se ocuparem da lei de autorização de receitas e despesas.
À tarde haverá sessão, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 13 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Cruz.
António Joaquim Simões Crespo.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Ricardo Malhou Durão. Teófilo Duarte.
Vasco Lopes Alves.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Américo Cortês Pinto.
António de Almeida.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Moura Relvas.
José Cardoso de Matos.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Miguel Rodrigues Bastos.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA