O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 293

REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 179

ANO DE 1952 12 DE DEZEMBRO

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 179 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 11 DE DEZEMBRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 175.
O Sr. Deputado Pacheco de Amorim usou da palavra para um esclarecimento ao seu discurso de ontem; o Sr. Deputado Borges do Canto solicitou que fosse considerada no novo orçamento verba para a construção do hospital regional de Angra do Heroísmo; o Sr. Deputado Pinto Barriga enviou para a Mesa um requerimento dirigido ao Ministério da Justiça e o Sr. Deputado Abel de Lacerda apresentou um projecto de lei para alteração do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 38 906.

Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proporia de, lei relativa ao Plano de Fomento.
Usaram de palavra os Srs. Deputados Botelho Moniz, Santos Bessa, Silva Dias e Délio Nobre Santos.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 13 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 50 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Finto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Bartolomeu Gromicho.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.

Página 294

294 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 179

Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco de Campos.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: Estão presentes 81 Srs. Deputados

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamações o n.º 173 do Diário das Sessões

Pausa.

O Sr. Presidente: Visto nenhum Sr. deputado desejar reclamações, considero-o aprovado.

Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Pacheco de Amorim.

O Sr. Pacheco de Amorim: - Pedi a palavra para fazer uma pequena rectificação a uma passagem do meu discurso de ontem que embora tivesse um sentido dubitativo pode contudo, dar lugar a reparos: os engenheiros portugueses estão convencidos de que não podem ir para o Brasil por culpa dos autoridades portuguesas, mas eu esclareço: é por culpa das autoridades

O Sr. Borges do Canto: - Sr. Presidente: pedi a palavra a V. Ex.ª pelo desejo que tenho de repetir, neste lugar, o apelo que há um ano completa-se hoje precisamente - dirigi a S. Ex.ª o Ministro das Finanças para que habilitasse o Ministério das Obras Públicas no orçamento deste imo de 1932 a começar u obra de construção do novo hospital regional de Angra do Heroísmo absolutamente necessária em vista do estado deplorável em que só encontrava e se encontra o edifício do actual hospital da Misericórdia daquela cidade, velhíssimo já, nunca fugazmente adaptado à sua função e perigosamente abalado pêlos tremores de terra, bastante violentos, ocorridos em Janeiro de 1951.

Os fundamentos desse meu pedido encontram-se expressos no registo daquela minha ligeira intervenção

- Diário das Sessões nº 111 de 12 de Dezembro de 1951 relativo » sessão do dia 11, pelo que não vale a pena repeti-los.

Sofria, porém, de um defeito o meu apelo de então. Não havia nem estudo, nem projecto da obra. Havia apenas como há ainda hoje, clamorosa necessidade.

Por felicidade, foi no último Verão aos Açores o Sr. Director-Delegado da Comissão da Construções Hospitalares engenheiro Maçãs Fernandes que teve oportunidade de verificar pessoalmente, in loco, a verdade e justiça das nossas reclamações.

Desde então passou-se a trabalhar activamente no respectivo projecto, quo julgo em vias de conclusão.

Também foi visto pelo Sr. Engenheiro Director o terreno escolhido para a implantação do hospital e julgado de acertada escolha.

Trata-se, pois de atribuir à desejada construção a verba indispensável para no próximo ano se fazerem as expropriações e dar-se começo à obra.

Este meu apelo parece-me ser de toda a oportunidade na véspera de se iniciar nesta Assembleia a discussão da proposta da Lei de Meios e não é de modo algum tarde por exibirem já os trabalhos a que me referi e terem chegado às maus de S. Exª o Ministro das Finanças os elementos que o Ministério das Obras Públicas devia enviar para o efeito, conforme declaração do

Governo do Distrito Autónomo de Angra do Heroísmo além de que foram feitas diligências nesse sentido pelo Sr. Governador.

O Sr. Ministro avaliará certamente a intenção deste apelo que faço em nome do distrito que represento, e desculpará a minha insistência.

Já que estou no uso da palavra, aproveito o ensejo para me associar ao agradecimento que o meu distinto colega Dr. Sousa Meneses dirigiu há dois dias a S. Exª o Ministro das Obras Públicas pela publicação do Decreto-lei n.º 39023, de 4 de corrente. E também digno dos maiores encómios a Ex.mo Presidente da Junta Autónoma de Estado, pelo interesso que merecem as obras na rede de Estradas do distrito de Angra do Heroísmo.
Tenho

Vezes: - Muito bem!

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Requerimento

Nos termos regimentais, requeiro, pelo Ministério da justiça, que me seja dada nota de qualquer relatório de carácter geral, acompanhado dos respectivos, despachos e informações, apresentados no cumprimento da missão e serviços que por lei incumbem ao Tribunal de Execução das penas, de modo a ficar oficial o perfeitamente documentado para a devida realização de um aviso prévio sobre organização e os resultados já obtidos por esta instituição jurisdicional. No caso de não poderem ser fornecidas estas cópias, desde já requeiro a necessária autorização nas repartições competentes».

Página 295

12 DE DEZEMBRO DE 1952 295

O Sr. Abel de Lacerda: - Sr. Presidente: na preocupação em que se vive de legislar, como se n bom governo implicasse necessariamente a feitura de muitos decretos-lei de preferência à integral execução dos existentes, saiu durante as férias parlamentares um diploma tendente a defender o património artístico da Nação e a regular algumas disposições relativas ao mesmo.

Tudo quanto o Governo faça neste sentido merece o nosso decidido apoio e só teria de elogiar a acção do Ministério da Educação Nacional pelo Decreto-lei n.º 38906 se não fora a doutrina contida no seu artigo 5º, que, certamente por deficiente redacção, se presta a Iodas as interpretações.

Senão vejamos:

Sempre que o entender necessário, poderá o Ministro da Educação Nacional determinar que os móveis inventariados ou em via de inventariarão sejam transferidos para a guarda de bibliotecas, arquivos ou museus do Estado.

Trata-se, como se vê, de uma expropriação, quo terá lugar «sempre que o Ministro da Educação Nacional a entender necessário».

Mas «necessário» porquê?

Porque os móveis inventariados ou em via do inventariação correm perigo de deterioração ou extravio?

Porque simplesmente convêm ao Estado para completar uma colecção ou para valorizar o seu próprio património:'

Há que especificar a latitude deste conceito para se prevenirem abusos que nunca dignificam o Poder; de contrário, é passar um cheque em branco, susceptível de todas aã interpreta coes e imprevisíveis consequências que, por certo, não estão no Animo de legislador, nem são do consentimento geral.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: o património artístico da Nação está dividido, na sua generalidade, em três actores - o que pertence ao Estado, o que pertence à Igreja e o que pertence aos particulares.

Aceitemos por hipótese optimista quo as obras de arte do Estado se encontram em boas condições de segurança e de conservação, e, assim, o presente decreto-lei visa apenas o património da Igreja ou o dos particulares.

Quanto ao património da Igreja, reconheço que algum dele corro perigo, já pelas deficientes condições, humidade principalmente, da quase totalidade dos templos antigos, já pela ausência do conhecimentos e educação artística, do alguns sacerdote-»: há no entanto, que distinguir entre n que ameaça perder-se o todo aquele cujo estado de conservarão não sofre qualquer atentado: em ambos os casos uma sã política de belas-artes aconselha n defeco do objecto artístico no local onde se encontra -melhorando-lhe as condições ambientes-, de. preferência a transferi-lo para outro com prejuízo do seu significado histórico etnográfico.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O património artístico dos particulares, esse é, sem dúvida, o que está melhor resguardado e em boas condições de conservação: isto porque, sendo o seu património, é sempre ciosamente defendido pelo agregado familiar, que o estima como obra de arte ou pelo menos como penhor seguro de realização de dinheiro.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Pois bem: o Estado, a quem neste domínio falta uma certa autoridade moral, arvora-se agora em paladino, em defensor do património alheio, e assim o Ministro da Educação Nacional o entender, pode requisitar o património da Igreja, santa e fiel detentora de tudo quanto em matéria de arte chegou aos nossos dias, e pode requisitar o património zelosa e apaixonadamente guardado pêlos particulares.

Por outras palavras: aquilo que depois de 1910 se fez à margem da Lei ou com a sua aquiescência está hoje regulamentado, ainda que em termos mais moderados, sob o rótulo de expropriação ou requisição. De futuro o património artístico de todos depende desta simples frase: «se o Ministro da Educarão Nacional o entender necessário.

Não há dúvida de que se abre assim, uma porta para muitos abusos e para num futuro sempre incerto ter força de lei o que dantes, e felizmente ainda hoje é considerado um alentado ao direito de propriedade!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Qual lerá sido o pensamento do Governo? É evidente, e nisso não tenho qualquer dúvida, que pretendeu apenas defender o património nacional.

O que pretendo eu? Defender esse menino património dos males que a aplicação ou simples existência deste decreto implicariam, pugnar pela defesa da benéfica fronteira que separa o domínio público do privado!

Todos sabem o pânico o a profunda desconfiança com que ainda hoje em todo o País se encara a hipótese de o Estado retirar do seu lugar, a título provisório, para uma exposição ou para um restauro qualquer quadro ou objecto do arte.

A recordação de tempos idos que todos confiamos não regressem, ainda não se apagou totalmente da memória do povo, não obstante as inequívocas demonstrações de pessoa de bem que os sucessivos Governos da Revolução Nacional têm prestado.

O Sr. Botelho Moniz: - As vezes . . .

O Orador: - O mal nem sempre se esquece em contraste com o bem que se usufrui, mas vinte e cinco anos de ordem e respeito pelo alheio não podiam também deixar de produzir os seus frutos e ao clima de inseguridade e desconfiança que então só respirava foi sucedendo, ainda que lentamente, aquela, confiança recíproca indispensável à conquista do boas vontades e à devassa construtiva da fazenda de cada um.

Essa confiança, baseada no respeito mútuo, desaparece com o alarme- suscitado pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 38906o neste momento já, longe de se facilitarem inventários artísticos, tão úteis ao estudo da arte e ao conhecimento do património da Nação o receio tranca as portas.

For outro lado, o Ministério da Educação Nacional, em defesa das obras de arte leva o seu zelo ao ponto de arrolar o que é do próprio Estado: há dias foram duas cadeiras e uns biombos do Ministério das Finanças, e por este andar não me custa a crer que ainda, venha a ser arrolada, com o intuito de a defender do hipotéticas transacções ou deteriorações, a estátua de Neptuno, que por ser móvel .... está também ao abrigo do decreto.

Risos.

Em contrapartida, os museus do Porto e de Visou não têm directores, o que o mesmo a dizer - estão à deriva; o Museu Machado de Castro, de Coimbra, tem dois guardas para quarenta salas; o de Arte Contemporânea, em Lisboa, diariamente corre o risco de uma

Página 296

296 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 179

explosão devido às garagens onde assenta, não falando já na Biblioteca Nacional, que é pasto de todos os vermes, e das perniciosas infiltrações de água no Arquivo da Torre do Tombo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Tanto selo por um lado e tanto abandono por outro são atitudes que não se harmonizam!
Desta feita:
Considerando que o único pensamento do Governo, ao redigir o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 38 906, foi certamente defender o património artístico nacional de possíveis extravios ou deteriorações;
Considerando, todavia, que a mencionada disposição legal, dados os termos em que se encontra redigida, produziu alarme e desconfiança na opinião pública;
Considerando ainda que toda a lei deve ser, tanto quanto possível, clara e precisa, quer nos seus fundamentos, quer no seu objecto, quer nas condições da sua aplicação, tenho a honra de enviar para à Mesa o seguinte:

Projecto de lei

"O artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 38 90G passa a ter a seguinte redacção:

Sempre que os móveis inventariados ou em via de inventariação se encontrem em perigo manifesto de extravio, perda ou deterioração, deverá o Ministro da Educação Nacional determinar, como (c)m cada caso couber, as providências cautelares ou as medidas conservatórias indispensáveis.
Se as medidas conservatórias importarem para o respectivo proprietário a obrigação de praticar determinados actos, deverão ser fixados o prazo e as condições da sua execução; e sempre que as providências cautelares prescritas se revelem ineficazes ou as medidas conservatórias não sejam acatadas ou executadas no prazo e condições impostas, o Ministro da Educação Nacional poderá determinar que os referidos móveis sejam transferidos para a guarda de bibliotecas, arquivos su museus do Estado".
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta <_1e de='de' lei='lei' fomento.br='fomento.br' plano='plano' relativa='relativa' ao='ao'> Tem a palavra o Sr. Deputado Botelho Moniz.

O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: era relatório datado de 7 de Fevereiro de 1952 escrevi o seguinte:

Quando o Estado promove grandes e dispendiosas obras públicas não tem de preocupar-se com a garantia de receber o rendimento respectivo. Não se faz remunerar directamente, em escudos, pela utilização de estradas, ide pontes, ide edifícios de escolas, de cadeias ou de tribunais. Olha-se à utilidade geral do empreendimento, não se cuida de contabilizar amortizações ou juros do capital investido. Não há que pagar dividendos, nem que sustentar directamente o trabalho dos homens e das máquinas, nem que obter, este o que custar, preços remuneradores para os produtos.
É sempre mais fácil conceber e realizar obras públicas do que instalar e manter certas indústrias.

Por outro lado, a "Câmara Corporativa, bem seu parecer n.º 36/V, acerca da proposta de lei n.º 519, designada por "Plano de Fomento", escreve com justiça perfeita:

Entre nós a Lei n.º 1 914 (reconstituição económica), de Maio ide 1935, foi a primeira tentativa para sistematizar um plano de investimento. Mas, se a vigorosa e clara política financeira dos anos precedentes já tinha chegado ao ponto de oferecer ao País, surpreendido pela cifra, que lhe parecia milagre, 6,5 milhões ide contos para despesas extraordinárias em quinze anos, os espíritos mão estavam ainda preparados para um plano de fomento em devida forma.
Se a rede eléctrica nacional era já expressão familiar, que se admitia vir a ser encargo do erário, e como tal se mencionou expressamente, o fomento
da indústria e a renovação da marinha mercante eram ainda duas expressões sem sentido, que só mais tarde viriam a tomar corpo, para serem hoje pujantes realidades. Do balanço da obra se tira a confirmação: de 14 milhões de contos despendidos naqueles quinze anos, em relação directa ou indirecta com a lei, sòmente 295 milhares se destinaram à electricidade e 107 milhares a outras actividades industriais.

Portanto, em 14 milhões de contos, números redondos, 13,6 milhões foram aplicados em obras públicas e apenas 402 milhares em realizações de fomento industrial, ao executar-se a Lei n.º 1 914, de Maio de 1935.
O legislador de hoje, graças à iniciativa corajosa do Governo, encontra-se perante panorama completamente diverso. O Plano de Fomento, que estamos analisando, destina a maior parte da sua verba a actividades industriais. Pode dizer-se mesmo que, directa ou indirectamente, a totalidade do orçamento de 7,5 milhões de contos, a despender na metrópole e nas ilhas adjacentes, beneficia aquelas actividades, agricultura incluída.
Eis a discriminação, que convém rememorar:

Contos
Agricultura ................ 1.290:000
Emergia eléctrica .......... 2.430:000
Siderurgia ................. 250:000
Refinação de petróleos ...... 280:000
Adubos azotados ............. 165:000
Folha-de-flandres ........... 120:000
Celulose (2.ª fase) ......... 65:000
Portos ...................... 915:000
Aeroportos .................. 70:000
Caminhos de ferro ........... 300:000
Marinha mercante ............ 780:000
Aviação civil ............... 75:000
C. T. T. .................... 400:000
Escolas técnicas ........... 200:000
Banco do Fomento ........... 160:000
Total ......... 7.500:000

Esta pormenorização prova que, mesmo no caso dias obras públicas planeadas - como portos, rede telefónica, escolas técnicas, hidráulica agrícola, povoamento florestal, colonização interna - ou de investimentos financeiros do Estado (Banco do Fomento), tudo se dirige, embora por via indirecta, ao fomento das actividades económicas privadas, pois o Estado, quando apetrecha os seus serviços ou toma a iniciativa de ohms, fá-lo

Página 297

12 DE DEZEMBRO DE 1952 297

para canalizar, abreviar e acompanhar os progressos futuros dessas actividades, ou para consolidá-los por meio da obtenção de mercados, vias de comunicação e novas matérias-primas.
Este espírito novo, que constitui a directriz da proposta de lei n.º 519, marca vantagem nítida e reconfortante sobre aquele que presidiu à execução da Lei de Reconstituição Económica, de 1935, aprovada na Assembleia Nacional de então.
E, se recordarmos o pensamento, que exprimi ao começar esta análise, de que é mais fácil conceber e realizar obras públicas que instalar e manter certas indústrias, temos que concordar, sejam quais forem as nossas divergências de minúcia, que o Governo não hesitou em enveredar, com audácia e espírito criador invulgares entre nós, pelo caminho da industrialização.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estou convencido de que a essa. audácia e a esse espírito corresponderá segurança completa, tanto na orientação, oportunidade e efectivação técnica das obras, como nos seus resultados económicos. Basta que os Ministros que conceberam o Plano sejam os seus realizadores.
Porquê?
Parafraseando um passo do relatório Monnet acerca do plano francês de fomento, a Câmara Corporativa resume o seu pensamento nas palavras seguintes: "Um plano não é um estado de coisas, é um estado de espíritos.
Do exame atento da proposta governamental, dos mapas e esclarecimentos que a acompanham e dos extensos pareceres da Câmara Corporativa verifica-se que vai surgindo, tomando corpo e criando raízes mais fundas e mais fortes qualquer coisa nova em Portugal: a mentalidade económica.
Para quem, como eu, sempre abominou os estados totalitários e socializantes é consolador, mesmo somente ao final de uma vida de trabalho e de luta, reconhecer que o Estado Português, quando elabora o seu novo plano, envereda por obras de utilidade económica primacial e indiscutível, mas não visa realizá-las apenas pelo seu próprio esforço, nem as impõe por meio de fórmulas mais ou menos hábeis de ditadura financeira, nem se deixa mover por intuitos socialistas disfarçados por mascaradas tão de uso em nações que se classificam de liberais e democráticas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O Estado Português dirige-se especialmente à iniciativa privada, chama-a à colaboração com os serviços oficiais, confia nela e entrega-lhe a maior parte, do trabalho de execução e exploração.
Convém, para demonstrar o asserto, relembrar as verbas que correspondem a obras públicas, investimentos do Estudo e financiamento do Plano:

Obras e investimentos a realizar unicamente pelo Estado na metrópole e ilhas adjacentes:

Contos
Hidráulica agrícola ....... 496:000
Povoamento florestal ...... 464:000
Colonização interna ....... 330:000
Portos .................... 915:000
Aeroportos ................ 70:000
Aviação civil ............. 75:000
C. T. T... ............... 400:000
Escolas técnicas ......... 200:000
Banco do Fomento ......... 160:000
Total .......... 3.110:000

Cerca de um terço dos investimentos da metrópole o ilhas adjacentes.
A cobertura das aplicações de dinheiros do Estado na metrópole, ilhas adjacentes e ultramar está prevista da maneira seguinte:

Contos
Orçamento do Estado ............ 2.450:000
Fundo de Fomento Nacional ....... 880:000
Fundo de Fomento do Exportação ... 180:000
Crédito externo e operações especiais de crédito .............. 1.300:000
Outros recursos ............................................... 350:000
Total .......... 5.160:000

Pouco mais de metade dos 9 milhões de contos a despender pela metrópole e ilhas adjacentes. Todo o restante financiamento cabe ao capital privado.
Mas, visto que assim é, temos de saber atraí-lo aos empreendimentos e fornecer-lhe garantias de rentabilidade.
Não basta criar indústrias: torna-se imprescindível dar-lhes condições de vida.
Mas que significado vivo, dinâmico e real se coutem nesta expressão "condições de vida"?
Poderemos, ao instituir as chamadas "indústrias-base", sacrificar todas as indústrias derivadas - agricultura nuns casos, construção naval noutros, ou transportes terrestres, ou navegação marítima, ou consumidores de papel ou fabricantes de conservas -, forçando-os a pagar preços superiores aos normais da concorrência estrangeira? Não.
Poderemos criar um todo económico, no qual nos encerremos comodamente, bastando-nos a nós próprios em certos aspectos, mas correndo o risco de matarmos a exportação portuguesa por acréscimo exagerado dos preços dos produtos agrícolas e industriais? Não.
Desejaremos viver sob a égide de condicionamentos excessivos, que conduzem ao parasitismo industrial? Não!
E continuaremos na estagnação, com receio dá concorrência, que gera o progresso técnico e força a criar melhores condições de trabalho? Também não.
Mentalidade económica ou mentalidade industrial são estados de espírito que nascem da compreensão do estado das coisas.
Criar fábricas para que os chefes de indústria tenham de andar divagando pelo Terreiro do Paço em lamentações constantes, em sobressaltos diários, lutando contra a indiferença de repartições públicas ou a inveja dos burocratas, que, infelizmente para eles e para toda a gente, continuam mal remunerados; criar indústrias para que elas, por estranho fenómeno zoológico, sirvam de vacas leiteiras ao erário público ou de bodes expiatórios às numerosas fiscalizações oficiais e às críticas acerbas dos jornalistas e da opinião pública que eles formam; abusar da confiança dos incautos, atraindo-os aos empreendimentos, para, depois de construídas as fábricas, elas ficarem forçadas a paralisar ou serem desacompanhadas na sua luta contra custos de produção excessivos; condenar uns à ruína ou às dificuldades, para eleger ou preferir outros; impor processos de fabrico sem se cuidar de saber se eles são económicos e atirar para cima de outrem as culpas próprias; consentir que se persista em erros averiguados ou cair no exagero contrário, modificando inoportunamente políticas estabelecidas - tudo isto constitui negação da verdadeira mentalidade industrial.
Se se quiser trabalho fabril produtivo, duradouro e de utilidade geral, há que criar e desenvolver um estado de espírito propício, baseado na confiança, no

Página 298

298 DIARIO DAS SESSÕES N.º 179

respeito e na gratidão àqueles que no comércio, na indústria e na agricultura são a única fonte de rendimento nacional, graças ao qual vivem o Estado e os seus funcionários.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Substituamos; o espírito du perseguição, a vá cobiça de mandar, pelo espírito do colaboração, polo amor a uma obra de conjunto nacional ajudemo-nos mutuamente, sejamos menos invejosos dos que triunfar e mais compreensivos acerca du legitimidade o da, utilidade das vitórias económicas - e teremos adquirido estado de espírito graças ao qual se irá obtendo ou melhoria de estado das coisas ou a própria realizarão das coisas boas . . . que nunca podem ser fruto nem da descrença nem do derrotismo. . . nem do optimismo exagerado.

Sr. Presidente: deixei-me enredar em jogos de palavras demasiadamente longos porque fui seduzido pela forma como o parecer da Câmara Corporativa parafraseou o relatório francês Monnet.

É tempo do me tornar mais objectivo, embora continue na apreciação geral do Plano de Fomento.

Em meu entender, na generalidade e até na maioria dos casos da especialidade, a proposta do Governo continua resistindo vitoriosamente, quer as objecções e a certas sugestões da Câmara, Corporativa, quer aos pedidos de acrescentamento ou transferência de prioridade de obras apresentados à Assembleia Nacional por alguns ilustres Deputados.

Um plano du fomento não podo ser ilimitado. Seria impróprio do nós que fosse imprudente, inexequível ou pouco sério. Indiscutivelmente, deve dar precedência às obras de utilidade geral ou nacional sobre as de carácter regional ou parcelar. Estamos neste momento criando fontes de rendimento e meios de execução que tornarão possível daqui a alguns anos acudir aos casos de pormenor. Na economia partiremos das indústrias-base para as complementares e, no Estado, dos problemas principais para os secundários.

O Plano não pode ser olhado com impaciência, por não equacionar nem resolver casos locais, ou com descreu, por necessariamente incompleto. Não devemos censurá-lo por aquilo que não pode conter, mas antes louvá-lo pelo muito que já atende.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Além disso, exactamente porque o Plano é prudente, não esgota os recursos do Tesouro nem açambarca as disponibilidades do capital privado durante os seus seis anos de duração. Por conseguinte, quanto às obras agora solicitadas ao Estado, muitas delas poderão e serão com certeza realizadas dentro dos orçamentos dos anos económicos próximos. Quanto às indústrias, nada impede o capital particular de criar, modernizar ou desenvolver nestes cinco anos as que mereçam a atenção dos homens de iniciativa e de dinheiro ... ou de iniciativa e poder de convicção.

Pode a crítica ser aliciadora na palavra e no estilo ou brilhante como luz eléctrica não proveniente de centrais térmicas; nada disso impedirá que as asserções dos críticos em vez de constituírem estudo concreto e perfeito dos projectos governamentais e particulares pura futuro, sejam mais propriamente justificação e defesa de grandes e proveitosas obras que as críticas a realizaram efectivamente no passado ou de orientações económicas menos grandes e menos proveitosas, que não padecem de manter no presente depois da dura lição dos factos.

Posto isto, tentarei analisar rapidamente alguns aspectos da crítica formulada pela Câmara Corporativa a proposta do Governo.

Quanto à energia eléctrica, aquela Câmara discorda das previsões do Governo quanto â gravidade da insuficiência da produção hidroeléctrica relativamente ti evolução do consumo de l951 a 1958. E chega a asseverar que o ano de 1951 foi de equilíbrio quase perfeito entre a produção hidráulica e o consumo. Chama-se a isto negar para simplesmente a realidade, pois toda a gente subi! que a fábrica do Amoníaco Português, de Estarreja, esteve paralisada dois meses por falta de energia eléctrica e a da União 1 abril do Azoto, além do encerramento durante cerca de trinta dias, funcionou vários meses a menos do dois terços da capacidade, também por falta de energia.

O que constitui equilíbrio quase perfeito para a Câmara Corporativa foi em 1951 desequilíbrio industrial c prejuízo gravíssimo para os dois maiores consumidores portugueses de energia eléctrica.

Os cálculos de defeits de consumo da propo-la governamental são prudentes e possuem o mérito incontestável de não induzirem em erro os industriais do futuro, nem conduzirem a novas aventuras, de consequências desastrosas.

Com o mesmo espírito de segurança com que apresenta previsões de produção e consumo, o Governo considera indispensável, dada a falta de folga de energia hidráulica em relação ao consumo, aumentar a potência térmica disponível para complemento e reserva da rede eléctrica nacional, e justifica assim a instalação de uma nova central, com potência da ordem dos 50 MW, a localizar junto de um jazigo carbonífero, de fornia a queimar combustíveis pobres de produção nacional.

Não se compreende, entretanto, o parecer da Câmara Corporativa, ao dizer que há acordo quanto à ordem do grandeza da potência desta central, pois propõe reduzi-la para 35 MW, em voz dos -30 atrás citados, e declara deploráveis as condições de exploração, dado o seu carácter intermitente.

Intermitente porquê?

A Câmara Corporativa aponta como falta grave do Plano haver previsto a satisfação do consumo apenas ato 195S e não ter considerado que é necessário muito antes disso começar a construção de nova fonte para cobrir o aumento de procura a partir de 1959.

Portanto, dentro da lógica, não deveria relegar à intermitência de laboração a central térmica à boca da mina que o Governo pretende se estabeleça. Serão deploráveis as condições de exploração se tal intermitência se der, porque os custos de produção aumentam astronomicamente e não poderão amortizar-se e remunerar-se os capitais investidos. Mas nada obriga, a não ser a deformação profissional hidroeléctrica, a condenar todas as centrais térmicas a serem de simples, apoio e a estarem paradas mesmo quando a sua paralisação [...] ao encerramento, por falta de energia, das grandes fábricas electroquímicas.

Além disso, a instalação de uma central térmica do 50 MW custa proporcionalmente menos que unia de 25 ou 35 MW e poderá ser executada em prazo muito mais curto que qualquer das barragens previstas. Garantirá energia permanente, corrigirá excessos da temporária e nada obriga a que funcione a plena potência se esta for desnecessária.

Em casos de carência de energia, especialmente do carência prevista o problema resolve-se através de tarifas médias, entrando a produção térmica e a hídrica para o bolo comum - em vez de haver bolo somente para a hidroelectricidade, e ossos, paralisação e ruína para os apoios térmicos, para os carvões nacionais e para a electroquímica.

Página 299

12 DE DEZEMBRO DE 1952 299

Dentro desta orientação, o Digno Procurador Isidoro Augusto Farias de Almeida, depois de lamentar, em declaração devoto, que não tenha sido junto ao parecer subsidiário da secção de Electricidade e combustíveis a informação escrita que prestou sobre a posição dos carvões nacionais formula reparos justificadíssimos às conclusões do relator, entre os quais destaco o seguinte:

A central térmica projectada não deve ter mera função de reserva e apoio, integrando-se antes dentro do espírito da base II da Lei n.º 2 002, tal como foi aprovada na sessão de 16 de Novembro de 1944 da Assembleia Nacional e onde se consignava que as centrais térmicas, além de desempenharem funções de reserva e apoio dariam consumo aos combustíveis pobres de produção nacional na quantidade julgada conveniente.

Isto porque o aproveitamento completo das nossas reservas de carvão e a produção de combustíveis de poder caloritico elevado implicam - como muito bem diz - o consumo dos carvões pobres em proporção que pode atingir 2 t destes para 1 t de carvões ricos. E acrescenta que em certos casos, o consumo de carvões pobres e fundamental para a vida das minas, visto a produção dos carvões ricos ser incapaz por si só de garantir o equilíbrio económico dessas minas. A única aplicação pura os carvões pobres consiste na transformação em energia eléctrica.
Relativamente à modernização industrial - porque, a agricultura é a primeira das indústrias portuguesas - analisarei. Sr. Presidente, em conjunto as afirmações do parecer da Câmara Corporativa sobre modernização industrial. Nele se diz que o Plano é mais precisamente plano de obras que plano de fomento.
Tem razão. Por isso mesmo, não pode pedir-se-lhe mais do que é, e deve ser, dentro dos nossos recursos, ainda escassos. E acrescenta que não se incluiu no Plano em estudo nem assistência à agricultura, nem a reorganização da indústria, nem a investigação cientifica.
Quanto á primeira, poderá defender-se o Plano, dizendo que ela caberá nas actividades normais dos serviços do Estado, convenientemente dotados e ampliados.
Já o mesmo - conclui a Câmara Corporativa - não poderá alegar-se quanto á reorganização da indústria e à investigação cientifica.
Discordo. Nada impede que esta última seja inscrita nos orçamentos normais. E quanto à reorganização da indústria, livre-nos Deus que ela seja imposta - no género da única experiência que se começa a fazer com a chapelaria, e que tantos protestos originou.
Deixemos aqui a concorrência, livre, orientemo-la por meio da investigação científica - mas que esta não seja obra teórica, nem adopte apenas rótulos estrangeiros, nem se divorcie das realidades industriais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O exemplo citado do Laboratório Central de Normalização não me convence. Ainda não esqueci que, adoptando moldes estrangeiros, a normalização pretendeu impor para o óleo de linhaça nacional - aliáas bem superior à quase totalidade do importado - certo índice de todo, que obrigaria Portugal a deixar de fabricar esse óleo ou a ficar dependente dos mercados onde a semente é mais cara.
Um exemplo, que a este respeito não é citado pela Câmara Corporativa (o Laboratório Nacional de Engenharia Civil), prova que não são necessários planos de fomento para que o Estado promova nos orçamentos normais a investigação cientifica - e da melhor.
Termina este capítulo do parecer da Câmara Corporativa por falar na mola real da modernização, ou como quem diz da compra de equipamento moderno: o crédito industrial. E pergunta se não deveria criar-se um banco de fomento nacional, destinado a centralizar as operações deste tipo exercidas pelos numerosos organismos existentes.
Respondo: [...]. Alem disso, a acção do estado, hoje exercida através de fundos de missões especializadas, perderia rapidez e eficácia. Não há organismos a mais e crédito a menos. Ás vezes há débitos, a mais...
No que importa à siderurgia, refere-se a Câmara Corporativa, com verdade bem oportuna, ao facto de os países produtores estarem exportando ferro e aço a preço superior aproximadamente em 1.500$ por tonelada ao praticado nos respectivos mercados internos.
Sabe-se que desta forma dificultam ou impedem aqui as construções navais e outras indústrias, que ficam impossibilitadas de concorrer.
Escreve-se no parecer o seguinte:

Se a nossa siderurgia vier amanhã a vender os seus produtos 10 ou 20 por cento mais caros do que os estrangeiros, nessa altura oferecidos a preço de dumping, levantem protestos os que hoje pagam em silêncio 50 por cento.

Incontestável que não só esquecerão os males agora sofridos, como verão nos estrangeiros os grandes amigos dos portugueses.
É este o fadário triste das indústrias lusitanas: enquanto não existem, todos gritam contra a falta de iniciativa de capitalistas e homens de negócios, o todos protestam contra as carências de abastecimento, notáveis em tempos de guerra ou do crises cambiais.
Mas, logo que o Estado e os consumidores apanham as indústrias instaladas, vêm as fiscalizações da Intendência a pôr-lhes as firmas nos jornais por especuladoras e o Ministério da Economia a fixar-lhes preço de miséria. Para cúmulo, as secções de finanças esfolam-nas, atribuindo-lhos, parodoxal e arbitrariamente lucros superiores aos fixados pelo Ministério da Economia. Por último, os consumidores acham os preços caros - mesmo quando são mais baratos que no estrangeiro.
Toda a gente quer protecção para o trabalho próprio o protesta contra a protecção do trabalho alheio. Entretanto, graças a Deus, nada a opor quanto ao plano do Governo em matéria de siderurgia. Só merece louvores.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Com referência à refinação de petróleos a firma-se na proposta do Governo que a refinação de petróleos permitirá a recuperação o aproveitamento de quantidade apreciável de gases para a queima ou para fabrico de produtos diversos, inclusive o hidrogénio químico, matéria-prima fundamental dos adubos azotados.
Certo. Simplesmente, convém elucidar que a indústria de azotados só tem justificação possível em Portugal quando se baseie em matérias-primas nacionais. Enquanto não se descobrir petróleo bruto na metrópole, as refinarias trabalharão à base de matéria-prima importada, e o fabrico de adubos azotados poderia ser interrompido quando fosse mais necessário, isto é, em tempo de guerra - quente fria ou morna.
Existem duas espécies de gases de craching:

1.º Incondensáveis, que podem utilizar-se em iluminação e aquecimento, produção de metanol (base de explosivos), fabrico de plásticos,

Página 300

300 DIÁRIO DAS SESSÕES N.179

polimerização para obter gasolinas de alto poder antidetonante. etc.:

2.º Que facilmente se transportarão para as fábricas actuais de amoníaco, se não tiverem emprego mais rendoso.

Não está demostrado que a melhor utilização técnica e económica dos gases de eracking, condenáveis ou não seja o fabrico de hidrogénio químico destinado a sulfato de amónio.

Acerca dos adubos azefados: evidentemente. de Iodas :is inscritas no Plano. É a indústria que conheço melhor. Pode dizer-se mesmo ser a única de que sei alguma coisa. Nada tenho a opor à proposta do Governo. Só merece aplauso. Direi simplesmente que as fábricas actuais não estão apetrechadas para médias de fabrico, mas sim para capacidades de fabrico efectivas, que são bastante superiores às indicadas no relatório governamental: 27 de amónio, em vez de 23 000 t no Amoniaco Português e 40 5000 t, em lugar de 31 000 t, na União Fabril do Azoto.

Tão-pouco me parece exacta a justificação do processo electrolítico, como «única imediatamente possível em Portugal à data da concessão das licenças». Em primeiro lugar, porque nenhuma das fábricas se construiu imediatamente, ou poderá sequer começar a construir-se, logo q seguir ao licenciamento, dado em plena guerra, quando tudo, técnica e economicamente falando, aconselhava a esperar.

Ambas foram inauguradas em 1952. E, pelo menos, a da União Fabril do Azoto, começada em 195O, poderia ter adoptado o processo químico - se não lhe tivesse sido imposto oficialmente o electrolitico.

Deve haver a coragem de se dizer uma verdade que não fica mal a ninguém: o processo electrolitico foi imposto às empresas para haver consumo da electricidade que su presumia sobrante. Por outras palavras: a energia inaproveitável por falta de compradores diminuiria enormente o rendimento das centrais hidroeléctricas e estas seriam forçadas a encarecer as suas tarifas. Ainda outra forma de explicação: os 20:000 ou 30:000 contos anuais que as duas empresas pagam ou deveriam pagar às centrais hidroeléctricas teriam de ser desembolsados pelos outros consumidores, através do encarecimento das tarifas.

Não se faz favor *m conceder à electroquímica kilowatt barato. A electroquimica. hoje barril do lixo da electricidade, está trabalhando, em grande parle do ano. com os restos que ninguém aproveita. Benificia o consumidor normal com redução de tarifas da ordem dos 20:000 contos anuais.

Assim é que está certo doa a quem doer.

Outros esclarecimentos devo prestar, mesmo enquanto não entro na análise do parecer da 4 Camara Corporativa.

As tendências da lavoura portuguesa não se dirigem decididamente para o emprego dos adubos nítrico-amoniacais.

Com prudência superior à daquela Câmara, o relatório do Governo limita-se a admitir a possibilidade dessa tendência, sem a confirmar e, principalmente, sem a fazer intervir no Plano. intervir nu Plano.

São os Estados e são os fabricantes que. directa ou indirectamente, impõem à lavoura dos vários países a aplicação de nítrico-amoniacais, nus casos por falta de ácido sulfúrico, noutros para manter a existência de fábrica de ácido intrico aproveitáveis para explosivos.

O adubo nítrico-amoniacal vende-se mais barato, por unidade de azoto, que o sulfato de amóniaco e só assim pode introduzir-se nos mercados. Tem o grave inconveniente da higroscopicidade, que obriga a embalagens especiais. Para reduzir os seus riscos é vendido sob a forma granulada, e que torna impossível efectuar mistas homogéneas com outros adubos para adulações completas.

O adubo nítrico-amoniacal vende-se mais barato, por unidade de azoto, que o sulfato de ,amónio, e só assim pode introduzir-se nos mercados. Tem o gravo, inconveniente da hlgroscopicidade, que obriga a embalagens especiais. Para reduzir os seus é vendido sob a forniu igranulada, impossível efci-luar misturas homogéneas com outros adubos para adubações completas.

O aumento de consumo em Portugal, de 7 321 4 em 1949-1950 para 13 898 t em 1950-1951, explica-se pela barateia do produto, para a qual muito contribui, em 1950-1951. O Fundo de Abastecimento.

O facto de a posição do sulfato de amónio no consumo geral de azotados em Portugal ter baixado de 83 por cento em 1939 para 69 por cento em 1951 não tem significado prático quanto ao futuro da indústria.

m» con^um» geral de uxotiulos em Portugal ler baixado de 8-1 por cento «-m lÜí'0 paru (i!) por cento em l!)õL nào tem significado prático i|iiauto ao futuro ila iutliislria.

Todo o cuidado é pouco a quem interpreta estatísticas de desconhecer as causas reais dos fenómenos ou se arranjar percentagens em vez de apresentar valores absolutos o mi 11 n.1 vos reais. O consumo de sulfato de anonio em 1939 foi de cerca de 60 000 t e em 1951 subiu para nada menos de 102 096 t. Quase o dobro. Seguindo a vereda do parecer da Câmara Corporativa nas suas citações de boa literatura clássica perguntarei: «Marquesa, isto é descer?»

Este aumento considerável do consumo de sulfato de amónio teria sido maior ainda se não houvesse o artificialismo de conceder bónus do Ministério da Economia de 790$ por tonelada ao nitrato de sódio importado e apenas 470$ ao sulfato de amónio.

Hoje os bónus são de 745$ para o nitrato importado e - oiçam bem - apenas de 310$ paru o «sulfato de amónio. O produto concorrente de importação recebe bónus quase três vezes maior que o produto nacional. E assim que «e fabricam .. . números estatísticos o tendências de consumo, em vez de se fabricarem adubes portugueses.

Entretanto, o ilustro Ministro da Economia não só encontra desatento em relação ao problema. No relatório do Decreto n.° 38850, de 7 de Agosto último, marcou já a orientação futura quando escreveu:

Aguarda-se a devida oportunidade para levar a efeito

Tudo isto servo para esclarecer que nenhum risco existe em prever instalações produtoras de sulfato do amónio que elevem a capacidade fabril a 150 0001 anuais, consumo que, certamente, se atingirá quando as novas instalações começarem laborando ... e quando os bónus do Ministério da Economia deixarem de promover a importação estrangeira. Cabe aqui insistir em apontamento importante: para viver, a indústria nacional não pretende aumentar preços de venda, mas sim reduzir custos de produção.

As necessidades actuais, do Pais são com])atadas com exactidão, no relatório do Governo, em 1140001. Apesar do regime desvantajoso de bónus, o aumento de consumo de sulfato de amónio tem sido da ordem de 10 000 í anuais, c seguirá em ritmo acelerado por ser adubo ideal para as condições climatéricas portuguesas, de fácil armazenagem, higroscopicidade praticamente nula c resultados óptimos quer em sementeira, quer em cobertura.

Para abastecer totalmente o País nos anos próximos há que prever unidades cuja capacidade do produção seja largamente superior àquelas 114 000 t.

E nada custa fazê-lo porque o preço da instalação pouco variará.

Quanto ao valor dos investimentos, a quantia do 150:000 contos prevista no relatório do Plano para a produção do hidrogénio por via química parece-me insuficiente.

A culpa do erro de previsão não pertence ao Governo. Ainda em Fevereiro último eu supunha que verba mais

Página 301

12 DE DEZEMBRO DE 1952 301

ou menos igual bastaria, no conjunto das duas empresas, e assim o escrevi.

Infelizmente para a indústria do azoto e para a sua viabilidade económica, o facto de ser necessário prever instalações que consumam lignites ou antracites portuguesas, única fornia de garantir o abastecimento em épocas de dificuldades internacionais, vai conduzir a grande aumento de despesa. Só no final deste mês, começo de Janeiro, os interessados possuirão elementos e orçamentos completos, coimo resultado final dos estudos efectuados.

Restar-me-ia, Sr. Presidente, agora analisar o longe parecer da Câmara Corporativa relativo a industria de adubos azotados.

Penaliza-me, digo-o sinceramente, achar-me em desacordo quase completo com os Dignos Procuradores que o subscreceram. Em compensação, somente tenho de aplaudir as considerações aqui feitas pelo nosso colega Dr. Artur Proença Duarte.

Preferirei referir-me ao assunto a propósito da base IV, quando se discutir a especialidade, a fim de hoje não continuar cansando a Assembleia com exposição demasiadamente demorada. Por agora direi somente que os lindos versos da Sr. Infanta D. liaria que a Câmara Corporativa recorda, a propósito dos caminhos de ferro, melhor ainda se aplicam ao estado actual da indústria de azotados, principalmente se lhes introduzirmos alteração ligeira:

Por meus pais fui repelida
Ando perdida entre a gente
Nasci, mas não tenho vida ...

Termino dirigindo ao Governo, designadamente aos Srs. Presidente do Conselho e Ministros da Economia, da Comunicações e das Obras Públicas, os louvores que merecem pela importância e pelo sentido da proposta de obras de fomento que entregaram à decisão desta Câmara.

Confiemos que ela será executada nos seis anos próximos com a probidade, a prudência e o sentimento das realidades que são timbre do Estado Novo.

Sr. Presidente: suponho que, para esclarecimento mais perfeito da opinião pública acerca do espírito que animou todos os colaboradores desta obra, convirá reunir em livro o texto governamental, os pareceres geral e subsidiários da Câmara Corporativa e os relatos das sessões da Assembleia Nacional onde aqueles documentos têm sido e serão discutidos.

Terá utilidade como guia durante seis anos. Virá a ser interessante consultar esse livro em 1958, para definição de responsabilidade» e ensinamento geral de como é difícil dirigir a economia.

Verificaremos então quanto houve que modificar, mesmo a prazo curto, nas concepções e nas afirmações dos profissionais mais distintos, porque, devido ao progresso constante da técnica, as verdades aparentes de hoje serão os mentiras de amanhã.

E isso dar-nos-á lição de modéstia.

Tenho dito.

Vozes; - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: pedi a palavra porque quero trazer também o meu depoimento acerca do Plano de Fomento que está em discussão, embora isso não constitua colaboração original.

Mas é que entendo que um documento como este, que contém em si as esperanças de melhores condições de trabalho nacional e que é simultaneamente garantia do aumento da nossa riqueza e do rendimento do trabalho por habitante, impõe-nos o dever de sobre ele

uos debruçarmos em recolhida meditação, em exame minucioso. E também julgo que teremos o dever de não ocultar da Nação que nos elegeu o resultado desse exame e dessa análise, mesmo que esse depoimento não seja técnico e mesmo que com ele se não possam alterar as verbas da proposta.

Abertamente me coloco ao lado daqueles que nesta tribuna elogiaram o Governo, que apresentou a proposta, e quantos nela colaboraram.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O Puís saberá apreciar este esforço admirável para novas conquistas no campo da nossa riqueza nacional e espera que os responsáveis pela sua execução farão com que ele se aplique dentro dos prazos estabelecidos e dentro da mais rigorosa economia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nas considerações que hoje venho fazer não me proponho analisar todos os aspectos do Plano; quero referir-me somente a um dos sectores que o compõem - o da agricultura.

O capítulo da agricultura foi o que mais prendeu a minha atenção, não só pelas ligações que sempre tive com as gentes e as coisas da terra, mas também e sobretudo porque estes problemas interessam muito particularmente o círculo que aqui represento.

É tradicional a afirmação de que Portugal é um país predominantemente agrícola. Esta afirmação está no espírito de todos nós e é uma verdade que não carece de demonstração.

Quer queiramos, quer não, a maioria dos portugueses vive da agricultura e dela depende, quer directa, quer indirectamente. É ela que nos abriga, que nos veste, que nos alimenta. E ela que ocupa maior número de portugueses.

São os seus produtos os que mais pesam na nossa balança da produção e mesmo da exportação, avantajando-se em muito àqueles que nos são fornecidos pela indústria.

Se é da lavoura que mais dependemos, se é ela que absorve mais braços e se é ela que é detentora da maior fonte de riqueza nacional, bem merece que dela cuidemos a sério.

Seja qual for a evolução que venha a dar-se no nosso país, a agricultura há-de sempre pesar seriamente na nossa vida económica, e por isso ela merece sempre as nossas melhores atenções, de modo a garantirmo-lhes uma contínua elevação do seu rendimento.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Bem avisadamente se diz no parecer que o maior volume da agricultura justifica para ela as melhores atenções e que tudo o que afecta a agricultura para bem nu para mal afecta no mesmo sentido toda a economia portuguesa.

Tal como aconteceu a outros Deputados, também me chocou a escassíssima representação que a agricultura tem no Plano de Fomento, a despeito do que se diz no relatório, dos aspectos particulares da nossa economia e do que toda a gente conhece das condições de vida da população portuguesa.

Efectivamente, o Governo, parecendo negar aquela verdade, não lhe consignou no Plano verbas suficientes para lhe assegurar condigna representação, nem nele se vislumbram medidas que garantam uma ampla campanha que vise o melhoramento da nossa agricultura, o aumento da nossa produtividade agrícola. Dos 13.500:000 contos, só 1.290:000 são destinados à agri-

Página 302

302 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 179

cultura continental e investidos nas obras de hidráulica agrícola e do povoamento florestal, e não da colonização interna, e 1.839:000 no ultramar, totalizando 3.129:000 contos, isto é. menos que a quarta parte.

Rendo-me à dará análise do parecer da .Câmara Corporativa a tal respeito: «o fomento rural nào pode estar ausente, sem um programa definido, num plano de desenvolvimento económico». Relegar para as exíguas verbas orçamentais este problema fundamental é garantir-lhe, de antemão, a sua atrofia.

Não podemos com elas vencer o atraso em que estamos, resolver as sérias e graves deficiências dos nossos serviços no campo da agricultura e da pecuária, da eficiente assistência técnica ao lavrador, da boa selecção de sementes, do estudo da terra e dos adubos que mais lhe convém, do bom acondicionamento das forragem e dos estrumes, da rotação dos culturas mais apropriadas e do bom fomento pecuário, do estímulo i' do auxílio financeiro à pequena lavoura, não só indicando-lhe os melhoramentos agrícola que mais lhe convem para aumentar a produtividade nas suas terras, mas ajudando-a financeira e substancialmente na sua execução.

Vejo com mágoa, Sr. Presidente, que esto magno problema de fomento agrícola e do fomento pecuário, que lhe anda ligado,, será relegado, pelo menos, por mais seis anos, para novo plano de .fomento nacional ! Entretanto, terão estiolado iniciativa?, terão ruído projectos, terá entrado o desânimo em muitas almas !
E o desânimo é o pior inimigo com que podemos contar, porque liquida a mais importante - a energia, o espírito de luta, o entusiasmo, que valorizam todos os planos, que fecundam todas as iniciativas.

O entusiasmo e a confiança do lavrador e a dedicação e a preparação do técnico que trabalha junto dele são dois elementos do mais alto valor de cujo mútuo entendimento muito depende o êxito dos planos.

São, pelo menos, sei? anos de paragem forrada na elevação do nível da nossa agricultura, no aperfeiçoamento da técnica, na educação do lavrador, «o caminho que temos de percorrer para elevar a produção da terra - objectivo para a qual devem tender todas as iniciativas.

Eu sei o que temos feito neste capítulo. Conheço o caminho percorrido; sei o que tem sido o esforço despendido pela Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas no desejo bem claro de prestar assistência à lavoura; sei prestar justiça ao desejo que a anima de fazer milagres, com a exiguidade de verbas de que dispõe; sei o que tem sido a acção das nossas brigadas técnicas das diversas regiões, mais particularmente da da VI região, fine trabalha no Centro do País; tenho acompanhado a noção .da Junta Nacional do Vinho e tenho seguido com o maior interesse a aplicação da magnífica lei dos melhoramentos agrícolas, que ficou a assinalar a passagem engenheiro Homem de Melo pelo Subsecretariado de Estado da Agricultura; conheço de perto essa obra gigantesca e eminentemente nacional dos nossos serviços florestais, etc.

Mas sei também do muito mais que precisamos e do que .poderemos realizar, se quisermos olhar a sério para os problemas da agricultura.

Como que a justificar esta necessidade deste plano de fomento agrícola e pecuário, a proposta do Governo diz, no seu preâmbulo, que está praticamente concluída na metrópole .a conquista de terrenos para u cultura, que no progresso económico do País e desenvolvimento da agricultura assume uma particular importância, que a agricultura portuguesa nào consegue enfrentar as exigencias crescentes do consumo interno e as da exportarão em qualidade, quantidade e preço, no que respeita a muitos produtos de exportação, e que, nestas condições, o aumento de produção só poderá conseguir-se por métodos culturais que aumentem a produtividade do solo.

E reconhece que será de promover a intensificação da assistência técnica à lavoura, à defesa sanitária e ao melhoramento pecuário, dotando os respectivos serviços tem os meios materiais e a rede de estabelecimentos indispensáveis. Diz isto tudo, mas não vemos que se proponha resolvê-lo com as verbas deste Plano, visto que todas elas se confinaram nos três sectores que já apontei: hidráulica agrícola, povoamento florestal e colonização interna.

A este respeito parece-me da maior conveniência que a Câmara considere o contido no parecer subsidiário do povoamento florestal e da colonizarão interna, pois 1 orna-se absolutamente indispensável que a execução neste Plano de Fomento seja acompanhada paralelamente do estudo e aplicação de um plano de reequipamento técnico, com a criação de construções tecnológicas e de armazenagem de produtos não só de uso individual, mas sobretudo colectivo de base cooperativa, com a criação de estações de ensaio e de demonstração, com dotações que garantam a vida e desenvolvimento eficiente dos serviços de assistência técnica à lavoura e dos da investigação científica ao sentido de se conseguir um sensível aumento e barateamento da produção.

Mas não nos podemos iludir a este respeito: para execução de todo este trabalho não bastam as escassas verbas orçamentais; são necessárias verbas extraordinárias. O autor deste parecer orça em mais de 240:000 contos as verbas que lhe deverão ser destinadas. Quanto a mini, por falta de documentação que não consta do parecer, não me posso pronunciar se é ou não exagerado o montante previsto.

.Reconheço a indispensabilidade deste plano de reequipamento técnico, a garantir o êxito e a valorizar o Plano de Fomento no que respeita a agricultura, e, por isso, se a Câmara não puder votar a proposta do reforço destes 240:000 contos, que se peça ao Conselho Económico, que terá de dar execução ao Plano, que considere a oportunidade e alcance desta proposta e que garanta à Direccão-Geral dos Serviços Agrícolas, os meios necessários para o realizar. A lavoura bem o merece e a lavrador português saberá apreciá-lo.

Na mesma posição se encontra o problema da política a prosseguir pela Junta Nacional do Vinho. Os que têm acompanhado a actividade da Junta Nacional do Vinho desde a Federação dos Agricultores do Centro e Sul de Portugal, que a precedeu, sabem quanto lhe deve a lavoura nacional na política de defesa dos preços do vinho e na elevação da sua qualidade.

Entende a Junta Nacional do Vinho, e muito bom, que dentro da sua acção de coordenadora da actividade vitivinícola nacional e de regularizadora dos preços do produtos vínicos, não se poderia limitar ao que tem feito.

Ciente da necessidade de garantir um contínuo aperfeiçoamento da qualidade do vinho e um mais baixo custo da produção para melhor competir com a concorrência estrangeira na exportação; convencida de que cerca de 90 por cento de pequenos vinicultores não podem fazer um esforço económico espontâneo e individual para um equipamento que lhes permita atingir aqueles dois objectivo»; tendo como certo que mais útil e económico para o robustecimento das pequenas economias rurais, para a sua independência e emancipação, para a profilaxia da acção destrutiva da luta de interesses a que não poderão resistir os pequenos vinicultores, será a organização da sua defesa colectiva sob a forma cooperativa; sabendo que o Decreto n.° 23 231, que criou a Federação dos Vinicultores do Centro e Sul de Portugal, lhe concedeu poderes para promover a criação de adegas cooperativa e que o Decreto Lei n.º 27 977,

Página 303

12 DE DEZEMBRO DE 1952 303

que criou a Junta Nacional do Vinho, transferiu para ela os poderes da antiga Federação Vinícola do Centro e Sul do País e que o n.° 6 do seu artigo 3.º se refere especialmente as adegas cooperativas, lançou-se abertamente na boa política .social da criação de adegas cooperativas.

São já quinze as criadas e estão previam cento e quinze.

De ano para ano aumenta o número das que vão sendo criadas, avoluma-se constantemente a capacidade de laboração e aumenta continuamente o número de associados. De 1937 para 1951 a capacidade de laboração passou de 2 080 pipas para 23 063 e o número de sócios de 173 para 2 388.

Os números exprimem claramente a maneira como o público compreendeu e acarinhou a obra e como sentiu a acção dos seus benefícios; eles bastam para me dispensar de encarecer aqui as suas vantagens económicas, técnicas e sociais.

Como que consagrando este aspecto da acção na Junta Nacional do Vinho, o Governo diz na proposta do Plano de Fomento que: compete ao listado auxiliar a formação de associações cooperativas de diferente finalidade», mas sem que inclua verbas especiais no Plano destinada à execução dessa obrigação.

Ora a Junta Nacional do Vinho, que tem feito toda esta obra com o dinheiro do Fundo Corporativo da Vinicultura, não pode dar execução àquele tão belo plauo de adega-» cooperativas com aquelas, reserva-se. Agora, como há pouco, será caso para. pôr perante o Conselho Económico, que há-de dar execução ao Plano de Fomento, este problema tão importante, tão oportuno e de tão seguros resultados práticos, para que ele promova as medidas necessárias para garantir a sua plena execução.

A Lei n.º 0 2 017. dos melhoramentos agrícolas, de que já falámos, tem sido um notável instrumento para estimular a iniciativa privada no sentido da realização de pequenas obras de bom rendimento económico nas explorações agrícolas, como as de rega, de enxugo, de construções rurais e de oficinas tecnológicas, mercê um auxílio financeiro a longo prazo, com juro baixo.

Foi criada com o sentido claro das realidades e tem sido instrumento de real benefício para a lavoura pobre. Os pedidos de assistência financeira em volta de 500 a 600 por ano, tendo sido já atendidos cerca de 3 000, totalizando as importâncias totais dos seus orçamentos mais de 182:000 contos, com um pagamento de cerca de 120:000 contos.

O projecto do Governo, ao referir-se-lhe, diz que os seus «proveitoso» resultados são de molde a justificar a intensificação do ritmo dos empréstimo»».

Este objectivo do inverno não poderá, porém, ser alcançado porque o Fundo de Melhoramentos Rurais luta este ano com sérias dificuldade», dada a exiguidade da verba de que pôde dispor: 10:000 contos do orçamento e 6:000 de cobrança das anuidades dos empréstimos já concedidos. Os 10:000 com que se contava da ajuda do Plano Marshall não foram ainda recebidos, nem se sabe se o poderão ser. Os 10:000 contos deste ano foram esgotados até Julho, e. presentemente, aguardam a oportunidade de ser atendidos cerca de duzentos pedidos de auxílio financeiro, no valor de 15:000 contos, aproximadamente!

Já nos outros anos. à excepção do de l951, a insuficiência de verba tem colhido a acção da Junta, obrigando-a a reduzir o montante de cada uni dos pedidos feitos, na mira de poder atender o maior número possível.

Estamos, como o Governo, convencidos do alto valor económico desta lei. Por isso nos atrevemos a pedir que sejam aumentadas as dotações orçamentais que lhe são destinadas e que se removam as dificuldades que têm obstado a que se observe o disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.° 35993- isto é, contratar com a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Providência a transferência dos créditos provenientes dos empréstimos. Até hoje só foram transferidos sessenta e três créditos, no valor de pouco mais de. 2:250 contos, e isto em 1949!

Nestes dois motivos se encontram as razões que poderão anular toda a virtude daquela sábia lei.

Desenha-se, porém, uma certa insuficiência da lei no que respeita às obras de interesse colectivo, que devem ter a primazia e que podem ser prejudicados pela não compreensão ou má vontade de alguns. Para estes ca»os afigura-se conveniente a existência de um diploma legal que compila esses elementos à execução da obra.

Falando dos problemas que dizem respeito à agricultura, não quero deixar de referir, embora de passagem, um, que tem grande valor económico, que interessa o País inteiro, mas de modo particular a região das Beiras. Refiro-me ao problema da batata, em cujos produção, armazenagem e comércio tem reinado verdadeira anarquia, que custa à nossa economia alguns milhares de coutos em cada ano e que ora afecta seriamente o equilíbrio económico das pequenas explorações agrícolas, ora perturba os magros orçamentos dos agregados familiares remediados.

E assunto que interessa não só a Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas, mas também a Junta Nacional das Frutas, e em cuja resolução as duas devem actuar conjuntamente, com o mesmo espírito de colaboração de sempre, na defesa da lavoura.

No âmbito da assistência técnica à agricultura, cabe amplamente este problema. Aqui. como em muitas outra» formas da exploração agrícola, o pequeno lavrador precisa de ser protegido não só com os conselhos e com o auxílio dos técnicos que junto dele trabalham, mas também com a criação de instituições du auxílio colectivo, desde os armazéns em boas condições até às cooperativas bem ordenadas.

A economia agrícola das Buirás e de muitas outras regiões do Norte reclama estudo sério deste problema. Ele não terá o vulto dos demais no plano da economia nacional, mas é tão elevado o número de pequenos proprietários e de consumidores que por ele são afectados que me não repugna lembrar a necessidade do seu estudo imediato e, por isso apelo para o Conselho Económico, que terá a seu cargo a delicada missão de execução do Plano de Fomento.

Apontados alguns aspectos deste tão vasto problema da agricultura nacional. desejo agora chamar a atenção da Câmara e do Governo para outro problema que reclama urgente e conveniente solução: refiro-me ao dos campos do Mondego.

Eu sei que o problema, do Mondego não tem sido descurado pelo Governo do Estado Novo.

Sei que dois estudos de hidráulica foram mandados executar - um modesto, pela Junta do Rio Mondego, outro, grandioso e caro. pela. Junta Autónoma de Hidráulica Agrícola; sei que em 1933, foi presente ao Governo um estudo de arborização e aproveitamento dos baldios da bacia hidrográfica do Mondego, da autoria do actual director-geral dos Serviços Florestais, o ilustre engenheiro agricultor Mendes Frazão: sei que esse mesmo estudo foi incorporado pelo Ministro Rafael Duque na lei de povoamento florestal, de 1930. e conheço a forma como lhe tem sido dada execução pêlos serviços que dependem da 2.ª Circunscrição Florestal, de Coimbra: conheço os pormenores do debate travado nesta Assembleia aquando do aviso prévio do comandante Morna e da defesa que dele fizeram também os Deputados Moura Relvas. Carlos Borges. Melo Machado e outros; acompanhei na sua visita extenuante o Ministro Frederico Ulrich e o então Subsecretário de Es-

Página 304

304 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 179

tado da Agricultura, engenheiro Homem de Melo, que quiseram conhecer em pormenor o quadro de desolação c de miséria provocado por aqueles extensos mantos arenosos que, das bocarras escancaradas das motas do rio, rolaram sobre extensas terras de cultura, sepultando para sempre a esperança de tantos pobres agricultores e proprietários que delas viviam; tenho acompanhado as medidas terapêuticas de urgência emanadas daquele ilustre Ministro e que lhe granjearam gratidão inesquecível no coração daquelas pobres gentes. Mas nem por isso devo deixar de levantar de novo o problema nesta Assembleia, no momento em que se aprecia o Plano de Fomento.

A ameaça constante destes campos, a causa principal do seu aniquilamento progressivo é a erosão acima da Portela, que arranca de toda a bacia hidrográfica do Mondego boa parcela de terreno das montanhas e de bom e produtivo terreno de cultura.

Concorrem para isso os montes íngremes e escalvados, exibindo os seus esporões, agulhas e castelos de rochas, como atestado permanente da acção constante e da violência dos elementos erosivos, e as encostas de ravinas profundas, de terra movediça, remexida pela acção do homem, que, no teimoso esforço do arrastar dela produtos para o seu sustento, assim auxiliará a acção das enxurradas, montes e ravinas do interior, que contrastam flagrantemente com os plainas extensos do litoral para onde são carreados esses preciosos terrenos.

O Mondego tem, além disso e da extensíssima bacia hidrográfica, que mede 6700 km3 -a segunda em vastidão das bacias hidrográficas dos rios que nascem em Portugal-, um regime torrencial que condiciona ente arrastamento em massa de tão volumosa quantidade de detritos.

Nasce o Mondego a mais de 1400 m de altitude, no berço mais alto que o solar português lhe podia oferecer, e lá em cima, na sua origem, é um riacho pequeno e insignificante, a um rio piegas» - tão pequeno e tão insignificante que o povo o baptizou justamente de Mondeguinho! Assim se arrasta durante importante parte do seu percurso; mas, mal saído dos contrafortes alcantilados por onde se esgueira, toma vulto e beleza, «todo o seu caminho será uma sucessão cinematográfica de quadros diferentes, verdadeiras maravilhas que fizeram dele, em todos os tempos, o rio da beleza», o rio dos poetas. Ele lá vai, caminho em fora. «saltando e brincando, como zagal brincalhão, até atingir Coimbra, onde chega por entre laranjais e salgueirais, que lhe realçam a beleza e o encanto e a que devemos as mais belas horas de inspiração dos .nossos poeta.", para depois entrar na planície encantadora, a caminho da morte, nessa fascinante cidade da Figueira da Foz!

Assim o viram Emídio Navarro, Fernandes Martins, Silva Teles e Armando Narciso. Nós, os que lhe sofremos as consequências da impetuosidade das suas enchentes, esquecemo-nos da sua beleza, para só o olharmos ora como elemento de fertilização, ora como causa de fome e de miséria de uma extensa e populosa área do Centro do País.

Nu fase inicial do «eu percurso tem 43 km em que a média do seu declive é de 23,5 por cento; logo, nos ]00 km seguintes, a média baixa para 3,6 por cento; nos 37 km que vão da foz do Dão à Portela, anda por 1,5 por cento, e abaixo da Portela, até à Figueira da Foz, o declive é mínimo, de 0,4 por cento.

São aqueles montes graníticos e pré-cúmbricos da parte mais interior da bacia do Mondego e dos seus afluentes, desprovidos 'de revestimento florestal, com pequena permeabilidade e grande declive, que não retêm a água das chuvas; são aquelas terras agricultadas das encostas íngremes, com terras movediças nas épocas

do seu percurso em gargantas apertadas que precipitam aquela grande massa de detrito» no leito do rio e que criam o seu regime torrencial, criando correntes caudalosas, as quais nas grandes cheias atingem 7 km por hora na parte mais alta e 2 km por hora abaixo de Coimbra e são elas. ainda que criam estas fantásticas diferenças de caudal, que vão de l m3, no pino do Verão, para 3 000 m3 nas grandes cheias, e são elas também que fazem com que qualquer chuvada o engrosse subitamente e que, por isso, as pequenas chuvadas do equinócio de Setembro criem sérios problemas na planície inundada.

O problema dos campos do Mondego, mais do que um problema regional, é um problema nacional de carácter económico, técnico e político que urge resolver.

Não quero maçar a Assembleia com pormenores sobre a fisionomia agrícola daquela região e sobre o valor económico daqueles compôs, nem demonstrar a necessidade de olhar urgentemente ,para eles, a sério e sem demora, numa visão conjunta, com medidas que tendam a corrigir e a deter as causas do mal. a fazer a profilaxia das constantes crises que a assolam, desta permanente ameaça de miséria e de morte. E não o faço porque W. Ex.ª têm todos a consciência desta necessidade.

Mas sempre pensei que com este Plano de Fomento viria a resolução deste tão importante problema.

E pensei-o porque sabia da existência daqueles dois projectos de solução; sabia do estado avançado em que se encontrada a execução do plano de arborização da bacia hidrográfica do Mondego e sabia do interesse do Governo por este assunto. Era, portanto, lógico esperar a sua incorporação no Plano de Fomento.

Eu sei bem as razões por que não foi escolhido nem uni nem outro projecto, ambos considerados prontos para executar pêlos organismos que os elaboraram, aquando do aviso prévio do comandante Morna, em 1938.

Mas, fosse pelo que fosse, vale a pena recordar aqui o que disse o Sr. Deputado Melo Machado, com aquela inteligência, experiência e bom senso que todos, lhe conhecemos: «Pois se há dois projectos, dois planos, tudo está perdido, porque não 'há forma de resolver questões entre repartições diferentes!».

Foi assim mesmo!

Por causa disto, ou porque de 1938 para cá, em catorze anos, não foi possível corrigir as deficiências ou os erros contidos nos projectos, continuamos sob a ameaça da ruína de unia das mais férteis zonas d« Portugal.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Em nome desses povos, que aqui represento, lavro o meu protesto contra esta forma de tratar uni assunto de tal importância, de cuja solução dependem a vida e a prosperidade de muitos milhares de famílias.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E peço ao Governo que determine que, pelas instâncias competentes, se ultimem com a maior urgência os trabalhos necessários e indispensáveis para a conclusão do projecto das obras destinadas a salvar da destruição completa os campos do Mondego - milhares de hectares de terreno precioso que estamos a deixar inutilizar continuamente, vale ubérrimo de outrora, onde as cinquenta sementes eram coisa corrente e onde agora estamos reduzidos a cinco!

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença ?

O que se me afigura indispensável é que se encontre um processo nosso contra a erosão, porque nessas encostas é inaplicável o processo americano conhecido.

Página 305

12 DE DEZEMBRO 1952 305

O Orador: - A Sugestão de. V. Ex.ª está contido no plano a que me referi.

Eu já não sou do tempo das magníficas searas de trigo daquele rale fertilíssimo; mas ainda me recordo do algumas sementeiras de trigo nos terrenos altos do campo. A pouco e pouco, o milho foi sendo a única cultura possível. Mas nos últimos, anos, por efeito dos contínuos assoreamentos do rio. que passou, de ano para ano, a correr em caleira cada vez mais alta e ameaçadora, num plano mais elevado do que o dos campos marginais, o grau de humidade das terras foi tal que fez retardar muito as sementeiras de milho e feijão e originou baixas de produção que oscilam entre 25 por cento em 1926 e 85 por cento em 1946! No ano que decorre as baixas de produção cifram-se em 70 por cento!

Por estas razões, a cultura do milho foi cedendo passo à cultura do arroz, e assim se mudou, em pouco anos. a cultura predominante daqueles campos.

Que o saiba a Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas e os que superintendem na cultura do arroz: a cultura do milho em 1952 nos campos de Coimbra não cobriu as despesas! A cultura do arroz e hoje uma imperiosa necessidade naquela região.

Os que sonham com o exclusivismo da cultura do arroz nos vales do Tejo e do Sado, buscados em estatísticas mais que duvidosas dos campos do Mondego, elaboradas em épocas de anormal comércio de arroz, e confrontando-as com outras olhando exclusivamente, a produção por unidade de superfície, devem analisar com cuidado este delicado problema. Informações seguras de lavradores experimentados garantem-me produções, de 5 000 kg por hectare naqueles campos, o que se não harmoniza com os dados oficiais que tenho em minha frente e que atribuem ao vale do Mondego produções médias que oscilam entre l 296 kg (em 1935) e 3 644 kg (1931)!

Ao pedir um plano de obras e sabendo que num dos elaborados já vão gastos mais de 9:000 coutos só em levantamentos e estudos, e sabendo, além disso, que teremos, em cinquenta anos, de pagar ao Estado aquilo a que se chama justo reembolso, eu sei bem o risco que corremos. Mas isto é o apelo desesperado desta lenta agonia dos que têm de viver daqueles campos.

Ao pedir o plano de obras e a sua execução, pedimos também que ele seja acompanhado do estudo de um plano do melhor aproveitamento técnico e económico dos terrenos que passam a ser irrigados, e que se não repita aqui o que aconteceu na Idanha, onde se verificou que o agricultor não eslava, convenientemente preparado para a transformação que se fez nos métodos de cultura.

E pedimos também que sejam conscienciosamente considerados os preços da maior valia dos terrenos beneficiados, que se atente nos produtos a explorar e se garanta a sua regular e compensadora absorção pelo mercado. E, dadas as condições especiais das terras baixas do campo, lembro que para a maior parte delas não há problema de rega, mas problema de enxugo -- nem todos aqueles 50 000 ha de que fala o plano da hidráulica agrícola são do terras sequiosas para irrigar, para converter de sequeiro em regadio. Espero que se não esqueça que o enateiramento das terras baixas e elemento fertilizante que se não pode dispensar.

Temos necessidade, da terapêutica; reclamamo-la com a ansiedade de agonizante que se debate com o morte, mas confiados em que será ministrada com os devidos cuidados!

E, enquanto não vem o plano de conjunto -o grande plano do Mondego-, que o Sr. Ministro das Obras Públicas nos não falte com as medidas terapêuticas de urgência, a continuar a obra que já iniciou dos trabalhos de pequeno vulto e aqueles que podem constituir já obra aproveitável na execução do plano futuro, como essa magnífica estrada que. esta em curso. de tão alto valor económico, ligando Lavariz à estação de Alfarelos.

Falámos há pouco da acção dos serviços florestais na execução do .plano Mendes Frazão. Posso informar Camara do que ela vai adiantada o de que se mais não está feito do que .então citava reconhecido e por falta de mão-de-obra que manja por falta de verba. De 1939 a 1951 semearam-se ou plantaram-se mais de 3 000 ha.

Mas há uma parte importante da Serra da Estrela que ainda não pôde ser semeada. porque não estão realizados os necessários estudos e os indispensáveis reconhecimentos, por falta de pessoal técnico.

E há uma parte importante do acoreamento do Mondego que não cabe, pelo menos por agora, na alçada dos serviços florestais: é a dos terrenos agricultados em grandes .declives. com terreno movediço, onde a erosão e mais fácil, como já há pouco afirmei.

Daqui resulta a necessidade de dois urgentes pedidos ao Governo: um é de reforço das dotações necessárias aos serviços florestais para contratarem o pessoal técnico capaz de estudar as zonas da serra da Estrela que .devam ser destinadas a pastagem e as que devam ser arborizadas ou também de estudar o estabelecimento dos .planos das obras de correcção torrencial que são necessárias e urgentes; outro, o do estudo da regulamentação das culturas nessas terras. das margens. donde são arrastadas grandes quantidades de detrito, que se precipitam no rio e que o transformam de agente fertilizante em agente de destruição e de miséria.

Não quero terminar as minhas considerações sem declarar à Câmara que apoio franco e directamente as considerações aqui produzidas pelo ilustre Deputo Moura Relvas acerca da inclusão do porto da Figueira da Foz neste Plano de Fomento e sobre a necessidade De o restaurar como porto comercial aberto a. todas as Beiras. E uma necessidade urgente que todos reconhecemos e .por isso quero aqui juntar os meus louvores Governo pela justa decisão que a tal respeito tomou.

Mas permito-me recordar que o atraso da execução do plano de obras do Mondego pode comprometer seriamente o que se vai fazer na Figueira da Foz. Os dois problemas estão intimamente ligados, porque eu não creio, como alguns afirmam, que as areias, que têm feito .subir, durante a vida da Nação. de 11 a 15 m o nível .do leito do rio em frente de Coimbra e que, de 1872 a 1934. o fizeram subi a 17 cm em Coimbra, 1,3 m em Montemor-o-Velho e 2,32 m no porto de Lares, se detenham neste ponto, pela acção do contracorrente da aluvião marinha que entra pela embocadura do rio, e que não concorram para o assoreamento do estuário do Mondego.

Estas inadiáveis o tão importantes obras do porto da Figueira Já Foz arrastam consigo a urgência das complementares, que constituem o verdadeiro problema dos campos do Mondego.

Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Silva Dias: - Sr. Presidente: não vou pronunciar um discurso para justificar o meu voto de plena confiança à proposta do Plano de Fomento agora em discussão na Assembeia Nacional. Desde já tenho de confessar que não possuo a larga e profunda informação ou a grande e pormenorizada experiência indispensáveis para formular na generalidade uma opinião discordante em matéria tão complexa como esta da con-

Página 306

306 DIARIO DAS SESSÕES

catenacão de vários problemas económicos e sociais do País.

Mas, se não vou fazer um discurso, tenho, contudo de dizer algumas palavras, movendo poios propósitos de manifestar o meu aplauso e evidente, grandeza, seriedade e objectividade do Plano de fomento e de testemunhar o agradecimento da população do distrito de Viana, que apresento nesta Assembleia, ao ver que nele foi atendida uma das suas mais legítimas aspirações, por ser ela de fado condição indispensável ao progressão da região.

Sr. Presidente: antes, porém, de me referir ao motivo especial que me trouxe a esta tribuna, não quero deixar de focar determinados aspectos políticos do Plano, quer em relação à forma como está a ser encarado por alguns portugueses, quer ainda no respeitante no ambiente internacional em que foi estudado e elaborado e terá de ser realizado.

Quanto ao primeiro aspecto, tenho observado que existem duas perspectivas do Plano de Fomento, e daí duas ordens de atitudes e de posições críticas.

Uniu, a que chamarei idealista, é caracterizada pela consideração obcecante do que nos falta em relação a outros países supercapitalizados e superindustriali-zados usufruindo um nível de vida elevado. O rendimento nacional por habitante é, de facto, o último da. relação dos países progressivos.

Nos índices referentes à actividade económica nós ocupamos ainda um dos últimos lugares. Portanto, desprezando as dificuldades provenientes de uma transformação acelerada das condições de progresso, temos de queimar apressadamente algumas etapas, tentar o impossível, seja como for, e só encontrar satisfação mim estado de perfeita harmonia dos homens com as coisas c a vida.

Perante esta atitude, o Plano de Fomento não poderá deixar de parecer, na generalidade, deficiente, mesquinho e até desprezível. Incompleto nu equação dos problemas com os objectivos a atingir e imperfeito na conjugação destes problemas no conjunto da economia nacional. E então vá de sublinhar as deficiências enxergadas nos planos parciais, de destacar as supostas falhas de concatenarão no plano de conjunto e de lamuriar a estreiteza dos investimentos, parecendo ato que se critica o Governo pelo que não fez de planificação socialista.

A outra atitude, a que chamarei realista, distingue-se pela estrita subordinação das obras do Plano c dos respectivos investimentos aos resultados dos estudos já concluídos, às possibilidades de reunião de capitais e de realização do que se projecta nos prazos indicados.

Nesta ordem de considerações nau podemos esquecer de onde partimos, há quantos anos trabalhamos ordenadamente para um fim proposto e com que meios actualmente contamos.

Donde partimos sabemo-lo muito bem todos os quitem mais de quarenta anos e às vezes divagam e procedem como se o tivessem esquecido.

É Salazar que no-lo diz no prefácio da 4.º edição, publicada em 1948, do 1.º volume de Discursos:

Nós estávamos colocados diante de um intrincado de questões e dificuldades que se repercutiam umas sobre as outras e umas às outras se agravavam. Eram como a meada a que se perdeu o fio. o labirinto sem guia, a imensa mole a transportar ao alto da montanha. Diante delas, homens e instituições houveram de confessar-se impotentes; e de tantos esforços despendidos e perdidas boas vontades a única verificação útil foi não ser possível encontrar solução de conjunto para tão difíceis problemas.

Só depois du enunciados. os problemas fundamentais e de justificada ;a ordem das respectivas soluções - nesse já histórico plano de 1928, e que se ligarão todos os posteriores - fui possível esclarecer, entusiasmar e juntar os Portugueses numa obra comum de nacional.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Foram necessários vinte e cinco anos para. restabelecer a ordem, refreando a anarquia política; Sanear as finanças, acabando com os «deficits» crónicos; iniciar a obra de reconstituirão económica, soerguendo o País da situação calamitosa- em que definhava; criar as instituições sociais, libertando os trabalhadores das utopias que humanamente os degradavam, e tentar a solução do problema político de forma a instaurar a autoridade necessária, salvaguardando as possíveis liberdades.

Vozes: - Muito bem. muito Bem!

O Orador: - Foi possível, enfim, em vinte o cinco anos. com a Lei de Reconstituição Económica, lançar o alicerces da obra que agora prossegue, embora o seu arto tivesse sido prejudicado por acontecimentos de ordem internacional, cujas consequências tivemos de sofrer, como a crise económica de l930, a guerra civil de Espanha e a segunda guerra mundial.

Vozes : - Muito bem !

O Orador: - Os insatisfeitos, que julgam possível vencer em curto prazo o atraso que nos distancia de outros povos, esquecem que o tempo é uma dimensão histórica. Conforme diz o povo, «é preciso dar tempo ao tempo ».

Qualquer plano de obras e de correspondente investimento tendente a transformar as condições económicas do País pressupõe a realização de estudos apropriados, a preparação de técnicos capazes de o levar a cabo e a reunião dos capitais indispensáveis à execução dos trabalhos. Os estudos, por sua vez, terão de ser baseados em inquéritos e estatísticas, os técnicos formar-se-ão pela experiência de trabalhos similares e os capitais provirão do aumento da riqueza nacional, num ambiente que lhes inspire segurança e legítimo rendimento.

Ora o Instituto Nacional de Estatística só há poucos anos foi reconstituído e equipado para trabalhar em moldes modernos o muito já tem feito. Também não está terminado o plano de fomento agrário, iniciado em 1940. Não possuímos ainda uma curta geológica do País nem se aplicou a lei de reorganização industrial às indústrias já estudadas.

Apesar de tudo. o actual Plano de Fomento assenta em realidades já estudadas, o, consequentemente, é legítimo confiar que as obras nele previstas serão executadas nos periodos marrados.

Perante estas certezas, num mundo crivado de incertezas. a atitude mais consentânea julgo ser a de dar graças a Deus por nos ser possível, a vinte e cinco anos da revolução de 28 de Maio, ver assegurada a ordem, a .continuidade governativa .e o prestígio internacional e suficientemente desenvolvidas as fontes da riqueza para nos abalançarmos a novos empreendimentos, dos quais resultará o fortalecimento da Nação e a melhoria do nível de vida dos Portugueses.

O Plano de Fomento é um passo seguro na marcha da Nação para a realização dos seus destinos históricos.

Sr. Presidente: passo agora ao segundo aspecto das minhas considerações políticas.

O Plano de Fomento é uma afirmação séria. Não se trata de um plano no sentido do colossal, um desses

Página 307

12 DE DEZEMBRO DE 1952 307

grandiosos, que Salazar. em 1928, quando advogava a. política de simples bom senso, classificava já de tão grandiosos o tão vastos que toda a energia só gastava em admirá-los, faltando-nos as forças para a sua execução».

Nu discurso que pronunciou, em 12 de Dezembro de 1930, na sala da biblioteca desta Assembleia o Sr. Presidente do Conselho vincou os limites a que diveria obedecer este plano:

O caminho para o futuro pode ser travado por dois processos um seria a elaboração de uma lei de Reconstituição económica que, por período mais ou menos longo, dominasse a actividade da Administração o, até certo ponto, a orientação da economia. Outro, meu ver preferível, consistiria na definição do um plano de fomento, preciso e restrito, que se ativesse mais d u perto à» possibilidades financeiras e desse prioridade a alguns grandes empreendimentos do carácter mais vimdamente reprodutivo. Não só pode querer tudo ao mesmo tempo, e é a altura de definir critérios de preferência.

Consequentemente, como se afirma de foi ma clara no relatório que precede o Plano de Fomento: Não ,se trata, evidentemente, de um plano geral que abranja todos os investimentos e jogue com todos os consumos, tanto públicos como privados. Trata-se, como detalhadamente se verá em seguida, de um plano parcial restrito aos grandes investimentos a fazer pelo Estado na agricultura, no reconhecimento mineiro, nas vias de comunicação, e nos meios de transporte e aos investimentos a fazer pêlos particulares, com o auxílio directo ou indirecto do Estado, não &ó na agricultura meios de transporte, como em novas indústrias no desenvolvimento de indústrias existentes».

Assim se cumpre a função coordenadora e supletiva prevista nos artigos 31.° a 34.º da Constituição Politica da República Portuguesa.

Espera-se que o Plano de Fomento, agora em discussão, possa ser realizado sob auspícios da paz, embora antecipadamente se vejam dificuldade no que diz respeito a fornecimentos estrangeiros, resultantes do desvio que algumas economias terão de sofrer para satisfazer os compromissos do rearmamento intensivo. Alas o Plano foi prudentemente gizado, de forma a salvaguardar os interesses vitais da Nação, menino em caso de emergência.

Vivemos num mundo em que os conceitos clássicos de paz e guerra, de objectivos militares e não militares, de combatentes e não combatentes, como os definiu o analisou Clausewítz. foram ultrapassados pela trágica realidade de uma potência imperialista e revolucionária que procura continuar a sua guerra na paz, utilizando para tal fim todos os meios.

Se em certos países do mundo ocidental se não verificam campanhas puramente militares, não quer isso dizer que não sofram as consequências a não tenham de defender-se de uma guerra político-subversiva, levada a cabo sob o comando de um estado maior soviético, pêlos vários partidos comunistas, o aparelho secreto e os simpatizantes sempre prontos a cair nas armadilhas pacifistas das frentes populares.

A guerra chamada «fria» não deixa de ser, nos tempos modernos, a continuação da Guerra por outros meios. E esta guerra fria, esta guerra de resistência, visa, através de uma estratégia adequada, a subverter o moral dos povos do mundo individual e a enfraquecer e destruir as respectivas economias.

Nesta conjuntura, o Plano de Fomento procura fortalecer e defender a economia nacional, favorecendo as indústrias tendentes ao desenvolvimento da agriculturas e a satisfação das necessidades vitais do povo portugues ao referente aos, seus problemas de fontes de energia para funcionamento das industrias, de alimentação, de colocação de braços e das relações com o ultramar.

Uma vex mais temos de recorrer ao pensamento luminoso de Salazar para melhor compreender o que se pretende:

Um velho amigo envia-me de vez em quando a expressão dos Deus anseios e recomenda instantemente ao meu cuidado estas duas coisas simples. não obstante fundamentais - o pão e a enxada. Creio possivel tirar desta indicação sumária as grandes linhas do aproveitamento hidroagrícolas. das industrias de adubos, da energia eléctrica o de ferro, ao menos para a enxada e a charrua, que ninguém sabe as canseiras que deu consegui-lo. para esses e outros fins igualmente imperiosos, há poucos anos atrás.

Quem deixará de compreender a grandeza humanamente portuguesa do anseio deste plano?

Sr. Presidente: e agora o meu segundo propósito, que é agradecer em nome do distrito de Viana a satisfação que não foi dada a uma das suas mais legítimas aspirações: na previsão de obras do acesso ao porto, de forma a tornar viável a plena utilização das doca secas, recentemente construído em condições naturais excepcionalmente favoráveis, conforme se diz no relatório do Plano, e a atribuição correspondente de 20:000 contos a despender para tal fim nos próximo seis anos. com a realização doutra obra tornar-se-á possível não só a construção e a carnagem, nas docas secas, de navios de maior tonelagem. como a entrada no porto de .navios com maior .calado, sobretudo os da frota bacalhoeira, que têm agora de ir aliviar a carga a Leixões antes de tentar a entrada na barra do Viana. Ora este inconveniente acarreta nova, despesas de frete e mais uma descarga. Segundo o empresário de uma parceria, o alívio de cada pó de calado equivale a cerca de 2 000 q de bacalhau.

Sr. Presidente: a história de Viana vive intrinsecamente ligada à actividade marítima dos seus naturais já o foral de D. Afonso III reconhecia a existência de uma póvoa marítima ocupada na pescaria e tráfico comercial com a França, e a Berbérie. Também ali havia estaleiros que mais tarde contribuíram com a sua quota-parte para o aprestamento das quatro armadas que, com as conquistas do Norte de África, de Ceuta, de Alcácer-Seguer, de Arzila e de Tânger, no tempo dos reis D. João 1, D Duarte e D. Afonso V, afirmaram , primeiros passos dos descobrimentos. Alberto Sampaio conclui que só uma possante indústria marítima podia produzir esta série de aprestamentos navais com a facilidade como pareceu que todos se efectuaram».

Depois prosseguiu a epopeia dos Descobrimentos, a população das novas terras e também a faina económica com o Brasil e a pesca do bacalhau. «Antigamente (1330) - escreveu Pimentel em Arte prática de Navegue - iam todos os anos do Aveiro a Viana e outros portos de Portugal mais de cem caravelas à pescaria do bacalhau e a maior parte dos nomes dos portos da ilha da Terra Nova são portugueses que eles lhes puseram quando irequentavam esta navegação».

Após a decadência que sofreu com a concorrência de navios de ferro movidos a vapor, a passagem de Viana de «fogo morto». como a designou um impiedoso escritor em 1904. à realidade que hoje nos desvanece é bem um reflexo da obra do listado Novo em Portugal.

E tal é hoje o movimento do seu porto que este se tornou pequeno, sobretudo ao período de hibernação

Página 308

308 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 170

dos navios da frota bacalhoeira, que ocupam os cais acostáveis, dificultando assim a exploração económica do porto. É de esperar que mais tarde se julgue indispensável a construção na margem sul, onde existem as secas, de uma nova doca destinada àqueles navios.
Por isso, na previsão dessa futura obra, seria conveniente que a pedra arrancada na abertura do canal de acesso na barra rochosa fosse conduzida para a margem sul.
Mas estas e outras aspirações da gente de Viana - como a da exploração do seu tesouro turístico - não podem diminuir o reconhecimento do benefício que, neste Plano de Fomento, é prestado à sua vontade de progresso.
A gente de Viana, laboriosa, poeticamente sonhadora e bem portuguesa, tem como timbre do seu carácter ser grata a quem lhe faz bem.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Délio Santos: - Sr. Presidente: um plano de fomento da natureza e da envergadura daquele actualmente em discussão na Assembleia Nacional por força haveria de provocar a intervenção de muitos Deputados.
Não são de estranhar, portanto, nem o grande número de oradores que até hoje subiram a esta tribuna, nem a riqueza e variedade de opiniões emitidas, quer a propósito dos aspectos gerais do Plano, quer a propósito dos seus pormenores ou omissões mais salientes.
Pelo que diz respeito ao conjunto, embora o Plano deva mais pròpriamente considerar-se um programa do que um plano, pelo menos no desenvolvimento com que foi apresentado ao País, a sua apreciação, para ser feita com justiça, tem de integrar-se na relatividade do já feito e do mais urgente a fazer-se, dados os limitados recursos ao nosso alcance. Sob este aspecto é uma iniciativa de grande envergadura, que só honra o Governo, e é a indicação do uma série de empreendimentos necessários de serem levados por diante para bem do País. O Governo só pode e deve merecer por ele aplauso o louvor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pelo que diz respeito a algumas deficiências apontadas nesta tribuna por alguns dos ilustres Srs. Deputados que me antecederam, referentes, em especial, à riqueza agrícola, temos de não esquecer que para muitas delas foi dada solução satisfatória em diplomas especiais já publicados (como os relativos aos melhoramentos rurais e outros), embora muitas dessas soluções permaneçam no campo abstracto da teoria por falta de meios materiais que permitam pôr em execução em todos os aspectos as intenções desses diplomas.
Proponho-me, Sr. Presidente, abordar apenas dois pormenores do Plano muito importantes, que separo de outros igualmente importantes, implicados necessàriamente por uma iniciativa desta envergadura. Mas antes queria chamar a atenção do Governo e de VV. Exas. para a necessidade, cada vez mais imperiosa, de concebermos, de planearmos e de executarmos, não para cinquenta anos, como foi proclamado várias vezes por personalidades de responsabilidade na governação pública, mas pura muito mais tempo, sem o que corremos o risco de ver as nossas iniciativas ultrapassadas pela marcha dos acontecimentos e em grande parte tornadas inúteis.
Quanto a mim, o Plano de Fomento, a realizar durante os próximos seis anos, deve obedecer à ideia geral de que o que for executado agora tem de inserir-se numa série de iniciativas de tal grandeza que forçosamente modelarão a fisionomia económica do povo português e do seu império por alguns séculos. Não faz sentido, de facto, que de quinze em quinze anos se tenha de reconhecer que a obra realizada, planeada com aparente grandiosidade, se revela incapaz de corresponder às necessidades do País perante a evolução realizada durante esse curto espaço de tempo.
É absolutamente indispensável planearmos, não para o presente, mas sim para o futuro; não ,de uma maneira rígida e estática, mas de uma maneira dinâmica, susceptível de acompanhar o desenvolvimento orgânico da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Os pontos que escolhi para tema das minhas considerações referem-se à maneira como deveriam ser feitos os estudos geológicos dos terrenos para o aproveitamento das riquezas do subsolo nacional, metropolitano e ultramarino, e à importância que poderão vir a ter no desenvolvimento económico do País as escolas de ensino técnico profissional.
Eis dois pontos que, embora restritos, determinam um grande número de outros, cuja eficiência e bom êxito dependem da boa solução achada para eles. Pontos restritos, mas condicionantes, onde qualquer erro que se introduza, quer de carácter teórico, quer de carácter pratico, se desdobra e multiplica em consequências prejudiciais e perigos graves para a economia nacional.
Vejamos o primeiro ponto.
No n.º 3 da II secção (Minas) da I parte diz-se o seguinte:

... os serviços geológicos reunirão todos os elementos da sua especialidade e terão em vista acelerar o ritmo da publicação da carta geológica. Para este efeito estreitar-se-á a colaboração entre aqueles serviços e os centros universitários.

Noutros passos faz-se também referência à importância dos estudos geológicos na determinação das riquezas do subsolo.
Ora não posso deixar de chamar a atenção do Governo, e em especial dos Srs. Ministros da Economia o da Educação Nacional, para a insuficiência de meios e de estrutura não só dos serviços geológicos, tal como foram organizados em 1918 e ainda existem actualmente, como das secções 'de ciências geológicas, tal como se encontram em funcionamento nas Universidades portuguesas, tendo em vista aquele objectivo. Neste ponto tem-se cometido uma série de erros e mantido uma série de insuficiências, de que a economia nacional é a primeira a sofrer. Erros de coordenação justa e conveniente de especialistas, confundindo o que deve ser distinto e misturando o que deve ser separado.
Por um lado, no quadro permanente dos serviços geológicos não há geólogos, mas sim engenheiros de minas; por outro lodo, realizam-se estudos importantes de geologia sem que os serviços geológicos sejam chamados a colaborar, resultando muitas vezes deste facto a repetição de esforços e de trabalhos frequentemente já realizados com eficiência.
A função cometida pelo Plano de Fomento aos serviços geológicos e aos estudos de geologia para a prospecção mineira não poderá realizar-se com plena eficiência, a não ser que estes serviços sejam profundamente remodelados, reformados, transformados em instituto geológico nacional ou imperial, com autonomia e com

Página 309

12 DE DEZEMBRO DE 1952 309

um quadro conveniente de geólogos competentes e responsáveis, capazes de realizar as suas tarefas próprias B criar discípulos tecnicamente aptos a satisfazer as necessidades dos vastos territórios nacionais, metropolitanos e ultramarinos.
Nós precisamos de geólogos práticos e especializados nos variados e complexos problemas e técnicas desta ciência. E isso não se consegue confundindo sistematicamente, como se tem feito até aqui, o geólogo com o engenheiro de minas.
As nossas organizações ressentem-se frequentemente de dois erros:

1) Uma especialização não levada suficientemente longe (os nossos especialistas são, com frequência, apenas meios especialistas ou especialistas amadores, como queiram);
2) Confundimos muitas vezes especializações próximas na aplicação, mas tècnicamente muito distintas. A actual orgânica, que confunde o engenheiro de minas com o geólogo e que cometo àquele as funções deste, é um caso típico desta confusão, com todas as suas lamentáveis consequências.

O assunto é de grande importância e lera sido ventilado em conferências universitárias («O que vale a Geologia, Missão do Geólogo», do Prof. Carlos Teixeira); em revistas, como no Boletim da Sociedade Geológica de Portugal; em artigos de jornal, como os publicados há pouco tempo no jornal O Debate; em despachos lavrados por Ministros ou Subsecretários; e nesta Assembleia, onde o ilustre professor Mendes Correia já tratou do assunto.
Tenho aqui nota de vários casos exemplificando o que acabo de dizer. Porém, não os indicarei para não alongar demasiado a minha exposição, a não ser que algum dos Srs. Deputados o deseje.

Pausa.

O Orador: - Como poderemos nós realizar obra eficiente num domínio tão complexo como o do aproveitamento óptimo das riquezas de um país sem a criação dos elementos científicos que permitam a execução adequada e conveniente desse aproveitamento? Nós precisamos, sem dúvida nenhuma, nalguns sectores, de criar institutos pós-universitários de investigação científica, devidamente apetrechados, onde se realize investigação científica pura e aplicada e onde se preparem especialistas actualizados, mas para isso necessitamos de remodelar organizações obsoletas, não confundir especialidades distintas e articular convenientemente todas as peças do sistema, de modo a tirar o máximo rendimento possível, sem os obstáculos de formalismos inertes e de burocracias paralisantes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao ensino técnico, estas palavras do Plano que leio na secção X da I parte são bastante significativas: «O desenvolvimento económico do País está dependente em elevado grau da qualidade da sua técnica e da perfeição da mão-de-obra de que dispõe. Foram já lançadas com a reforma do ensino técnico profissional as bases indispensáveis a conveniente preparação de técnicos e aperfeiçoamento de operários especializados, mas não tem sido possível até agora tirar dessa reforma o necessário rendimento por carência de edifícios escolares apropriados e de instalações oficinais devidamente apetrechadas.
Vai por isso procurar-se, através de várias realizações, intensificar o ensino profissional, de forma a satisfazer às exigências da técnica moderna e às próprias necessidades da obra de fomento que o presente Plano se propõe levar a efeito».
Concordo inteiramente com as afirmações contidas no passo que acabei de ler, mas não posso deixar, por isso mesmo, de chamar a atenção do Governo para um perigo, de tal modo grave, que pode invalidar totalmente ou prejudicar em grande parte as suas boas intenções.
Nós temos, sem dúvida, carência de edifícios escolares apropriados e de instalações oficinais devidamente apetrechadas. Há necessidade imperiosa de preencher esta lacuna grave do nosso ensino técnico profissional e os planos do Governo, neste ponto, só merecem aprovação e incitamento. Devemos apetrechar convenientemente as nossas oficinas escolares e criar mais escolas do que as actualmente existentes.
Pelo que diz respeito ao Algarve, e apenas falo dele por ser a província que represento nesta Assembleia, impõe-se a criação, pelo menos, das escolas industriais previstas pelo plano do Governo no Decreto n.º 36 409, de 11 de Julho de 1947, em Loulé, Portimão e Vila Real de Santo António. Mas iludimo-nos completamente se imaginarmos poder resolver o problema da mão-de-obra especializada apenas com a construção de novos edifícios e a conveniente instalação de oficinas. Torno ia repetir: isso é essencial, mas não é suficiente.
Mais importante ainda é a existência de professores e a maneira como for ministrado o ensino nessas oficinas e nesses novos edifícios. Quanto aos professores, é preciso que os haja em quantidade e qualidade convenientes, o que não se verifica actualmente.
Confirmando o que digo está o caso da .escola de ensino técnico elementar prevista para Loulé e a que há pouco fiz referência. A Câmara Municipal desta vila propunha-se alugar um edifício onde a escola pudesse funcionar, ou mesmo construir um edifício próprio, para o que chegou a dispor de uma verba de 400 contos.
Informando-me sobre o assunto no Ministério da Educação Nacional, foi-me dito que a falta de professores era o principal motivo por que se não criava efectivamente a escola. E o mesmo acontece com escolas noutras regiões do País.
Segundo uma informação fornecida por um ilustre colega desta Assembleia, a escola de ensino técnico de Bragança não possui, neste momento, um único professor efectivo. O próprio director da escola é um simples professor eventual.

O Sr. Jacinto Ferreira: - Com a agravante de que nas férias não ganha.

O Orador: - O Sr. Ministro da Educação Nacional Juta, de facto, com enormes dificuldades para conseguir professores das disciplinas técnicas para as escolas de ensino técnico em número suficiente. Há em abundância licenciados em Letras e Ciências, mas vive-se uma época de extraordinária carência de professores para as disciplinas tipicamente técnicas.

O Sr. Botelho Moniz: - Em todo o caso há um desemprego enorme entre os engenheiros e agentes técnicos. Simplesmente não querem lugares de professores porque são mal pagos.

O Orador: - Tenho a impressão de que o problema é mais complexo. Suponho que as dificuldades resultam também de outras circunstâncias que têm forte influência, como sejam considerações de carácter burocrático resultantes do aspectos gerais da lei.
O ensino técnico foi melhorado pela reforma, partindo do que anteriormente existia. Em certo sentido,

Página 310

310 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 179

podemos mesmo dizer que a actual reforma é uma espécie de grande experiência, um ensaio que há-de fornecer elementos para novas modificações.
Nessa reforma, com o intuito de dignificar e valorizar o ensino técnico, adoptou-se o princípio de os seus professores possuírem uma forni atura acrescida de conveniente preparação pedagógica.
Em conformidade com este critério, os professores das cadeiras técnicas devem ser engenheiros. Mas estes, depois do seu longo curso de quase sete anos, incluindo estágios técnicos, não têm disposição para despender mais dois anos no estudo das cadeiras da secção de Pedagógicas e nos trabalhos de estágio para professores.
O engenheiro recém-formado concorre, por isso, apenas para professor contratado, e exerce essa função somente durante o tempo em que não consiga arranjar outra colocação melhor remunerada na engenharia pròpriamente dita.
É indispensável modificar este estado de coisas. É necessário prestar a maior atenção a estes pormenores da orgânica do ensino, porque, embora parecendo insignificantes, são, no entanto, de uma projecção enorme, pelos resultados que podem produzir na eficiência ou ineficiência do Plano. Não resolvemos o problema construindo apenas edifícios e apetrechando oficinas.
Quanto ao ensino, é necessário marcar fortemente a predominância das actividades práticas como complemento do ensino teórico ministrado; fazer sobressair no ensino das técnicas o critério do rigor da medida correspondente a cada profissão (o que tem muito maior importância do que à primeira vista pode supor-se);...

O Sr. Botelho Moniz: Ainda estamos no regime da meia bola e força...

O Orador: - Tem V. Ex.ª razão. Os nossos especialistas não conseguem muitas vezes uma grande especialização porque não são exigentes quanto ao rigor da medida.
Por exemplo: o carpinteiro adopta muitas vezes o rigor do pedreiro; o serralheiro o rigor do carpinteiro, e assim por diante. Há uma grande diferença entre o profissional simplesmente habilidoso, capaz de fazer bonitinhos, e o profissional rigoroso, capaz de levar o espírito de exactidão tão longe quanto possível e necessário.
V. Ex.ª disse há pouco, comentando um parafraseado do parecer da Câmara Corporativa, que o Plano é um estado de espírito.
Pois bem, é indispensável que o professor de uma disciplina técnica, ao transmitir a sua técnica, tenha exigências e habilitações pedagógicas suficientes, capazes de inculcar no espírito do aluno essa atitude de rigor técnico, do tão alto valor formativo.
É um estado de espírito da parte do professor que deve ser insuflado no aluno, e esse estado de espírito sobreleva ainda em importância as oficinas bem apetrechadas e os novos edifícios a construir.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas, continuando, é necessário também regulamentar com cuidado o executor sèriamente estágios de alunos nas fábricas e nas oficinas das empresas privadas que depois hão-de absorvê-los, de maneira a garantir uma prática mínima na profissão autêntica para que se destinam.
Sem uma especialização técnica altamente desenvolvida não há trabalho perfeito nem rendimento conveniente desse trabalho.
E, se nós quisermos elevar o nível de vida do povo português e conquistar uma relativa autonomia no domínio do aproveitamento das nossas riquezas, temos de enveredar ousadamente no sentido da formação adequada de autênticos profissionais especializados.
E isto em relação a qualquer nível do ensino técnico profissional: elementar, médio ou superior.
Ora, ainda neste campo, o nosso ensino, apesar dos notáveis progressos marcados pela última reforma do ensino técnico, pelos quais S. Ex.ª o Ministro apenas merece louvores, não está em condições de satisfazer as exigências das próximas futuras necessidades da Nação.
É necessário que pensemos neste problema e desde já, porque o achar de uma solução definitiva será demorado e poderá obrigar a várias tentativas de ensaio diferentes.
Pelo que se refere aos aspectos genéricos do problema, pessoalmente estou convencido ser grave erro não só não levarmos as especializações suficientemente longe, como manter indefinidamente as insuficientíssimas articulações actualmente existentes entre o ensino técnico e o chamado ensino clásico ou geral.
A existência de escolas predominantemente técnicas, a que, por comodidade, chamamos técnicas, não significa que deva existir como tal um ensino técnico independente do ensino geral.
O ensino técnico deveria ser um complemento natural do ensino geral, realizado em qualquer nível desse mesmo ensino, no sentido de uma especialização profissional e permitindo canalizar para ele todos os indivíduos com aptidões psicológicas e não querendo ou revelando-se incapazes de ascender com êxito a graus mais elevados do plano de estudos.
Até agora, Sr. Presidente, temos adoptado o sistema de dificultar a entrada dos alunos nos liceus, principalmente pela diferença de propinas. Suponho que deveríamos ensaiar outra orientação, a qual seria a de coordenar aqueles dois ensinos de modo que fosse possível desviar para o ensino técnico, em qualquer altura, os alunos relativamente aos quais isso fosse julgado conveniente.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas presentemente há um processo de passar de um ensino para o outro.

O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Por meio de exame de transição.

O Orador: - Mas não creio que seja suficiente.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Isso pode não corresponder u ansiedade de V. Ex.ª
Devia existir, segundo diz, uma entidade que palpitasse a tendência real e efectiva do aluno, e, uma vez que a tivesse determinado, dirigi-lo-ia para este ou para aquele ensino.

O Orador: - O que V. Ex.ª acaba de dizer é apenas parto do meu pensamento.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu quero ainda dar uma outra nota a V. Ex.ª, que denuncia em grande medida a falta do espírito técnico.
Eu estou em posição de poder observar que uma grande massa de alunos formados no ensino técnico tem uma aspiração máxima, que é a de querer o seu curso equiparado para efeitos de colocação em lugares públicos, para fugirem àquilo que se chama preparação.

O Orador: - V. Ex.ª tem muita razão. É essa uma das dificuldades a que adiante farei referência e que representa, de facto, um problema grave.

O Sr. Jacinto Ferreira: - Os que têm cursos técnicos hoje em dia aspiram profundamente aos lugares burocráticos.

Página 311

12 DE DEZEMBRO DE 1952 311

O Orador: - Suponho que algumas destas dificuldades poderiam ser resolvidas se os diferentes ramos de ensino estivessem articulados de outra maneira. Se assim fosse, teríamos, pelo menos, uma ajuda muito importante para a solução do problema.
Eu tenho as minhas opiniões acerca da natureza das relações realmente existentes entre conhecimentos teóricos e conhecimentos técnicos e acerca da real função dos cursos de formação geral do ensino técnico elementar, que são uma espécie de repetição da preparação dos liceus.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Como V. Ex.ª sabe, nós temos um período reduzido de ensino primário.
Na generalidade dos países o ensino primário estende-se por um número de anos bastante maior, e esse número de anos varia conforme o aluno se destina ao tipo de ensino do nosso liceu ou se destina às escolas técnicas. Se vai para as escolas técnicas, leva só a preparação geral considerada mínima para caminhar depois, com eficiência, na especialização técnica.

O Orador: - Também conheço o facto, mas ele não invalida o que vinha dizendo. Se o nosso ensino, no conjunto, fosse remodelado em conformidade com o espírito que indiquei, não só obteríamos maior rendimento do que o actualmente existente, mas desapareceriam do mesmo passo algumas incongruências da nossa organização escolar. Por exemplo: a existência de aspectos, importantíssimos de conhecimentos técnicos nas nossas Universidades clássicas e a existência desnecessária de duas Universidades na capital do Império, unia clássica e outra técnica; a impossibilidade prática a que há pouco aludi de conseguirmos professores com as habilitações exigidas pela lei para as disciplinas técnicas das escolas técnicas, etc.
Todo o centro escolar, independentemente do grau de ensino, deveria compreender, com feição própria e adequada ao desenvolvimento dos educandos, um aspecto a que poderemos chamar de cultura geral, outro de cultura profissional e ainda um outro de cultura humanística.
Todos estes tipos de cultura devem agir sobre o aluno desde o ensino primário e actuar sobre ele, formando o homem integral, de modo a conseguir para as diferentes actividades que a Nação exige dos seus filhos indivíduos completos, que, sendo no seu campo próprio profissionais exímios, sejam simultâneamente bons portugueses e indivíduos abertos e sensíveis aos valores espirituais que informam a sua cultura e a sua civilização.
Mais uma vez se impõe, portanto, a obediência ao lema: aperfeiçoar a coordenação do que existe, levar a especialização o mais longe possível e não confundir especializações próximas pelo que respeita à actividade, mas distintas pelo que se refere ao apetrechamento técnico.
Em íntima ligação com este problema está o da orientação profissional e selecção psicológica dos futuros profissionais.
A técnica, diz respeito à especialização. As humanidades dizem respeito ao que há de comum no homem. Estas devem ser oferecidas nas doses o mais elevadas possível em cada caso e a todos os indivíduos; aquelas têm de ser ministradas apenas aos indivíduos que revelarem aptidões. Exigem-no a eficiência e o rendimento do trabalho. É por isso importantíssimo o emprego de exames psicotécnicos na selecção dos alunos que devem frequentar essas escolas, com o intuito de se tornarem os futuros profissionais especializados das nossas indústrias. Alguma coisa neste sentido está prevista na lei, mas é pouco, e esse mesmo pouco não se aplica.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Decerto que disse mais técnica, mais especialização. Há pouco estava a acompanhá-lo, mas por dentro a aplaudi-lo na sua maneira de pensar, porque, na verdade, é indispensável a especialização, é indispensável certo grau de perfeição técnica.
Eu digo é que aquele que tenha uma preparação geral mais desenvolvida do que outro está em melhores condições de amanhã se mover, mesmo dentro dos problemas de ordem técnica.

O Orador: - Eu concordo inteiramente com V. Ex.ª
Quero apenas dizer isto: devido à tal orgânica insuficiente - embora se tenham feito progressos para se corrigirem erros anteriormente existentes -, houve necessidade de repetir no ensino técnico um curso de preparação geral.
O ensino técnico tornou-se, deste modo, um ensino liceal disfarçado. Só diferem nisto: o nosso ensino liceal é demasiadamente teórico, demasiadamente geral e relativamente pouco formativo; o ensino das escolas técnicas é mais concreto e, por isso talvez, mais formativo.
Os trabalhos manuais, pela sua maneira de ser educativa, embora sejam uma preparação para uma técnica, têm um poder considerável de formação intelectual e de disciplina mental, e essa disciplina falta em grau bastante nos nossos liceus. Por exemplo: o ensino do desenho...

O Sr. Mário de Figueiredo: - O ensino do desenho deve intensificar-se, com vontade dos alunos ou não. Deve ser ensinado como se ensina a ler e a escrever. Há um slogan que diz: «Sabe escrever? Então pode aprender a desenhar».
Havia o conceito de que o desenho só era para pessoas privilegiadas; deve ser assim quando se trata do desenho artístico, mas não do desenho de expressão, porque a experiência diz que eu gasto uma hora a esclarecer um problema que esclareço em dois minutos com o auxílio de um croquis.

O Orador: - ... O desenho pode contribuir muito para a formação da sensibilidade e da inteligência do aluno.
E é por isso que o desenho, e não acrescento agora o adjectivo rigoroso...

O Sr. Botelho Moniz: - Mas pode dizê-lo, porque tem n maior influência formativa.

O Orador: - ... Na verdade, o desenho rigoroso, no ponto de vista psicológico, como factor educativo do aluno e formativo da sua inteligência, equivale para o adolescente ao trabalho, penoso mas indispensável, da caligrafia para as crianças, que têm de escrever pela pauta, e não segundo a sua fantasia.
Mas há um aspecto formativo da técnica, quer do desenho quer de outras formas de actividade manual, em que a ideia do rigor é essencial e que nós descuramos bastante no nosso ensino liceal e técnico. Ora é indispensável não só ensinar, mas preparar, como condição prévia, professores que tenham atitudes mentais capazes de transmitir aos alunos, não apenas a matéria do que se tem de transmitir, mas principalmente certa atitude mental de grande valor formativo, como disse há pouco.
Continuando, portanto, as minhas considerações anteriores: o exame psicotécnico, o exame das aptidões no

Página 312

312 DIÁRIO DAS SESSÕES N. º179

domínio onde mais preciso é, não se faz, e muitas vezes faz-se onde, pela força das circunstâncias, há-de falhar, como é o caso das aptidões gerais dominadas ou influenciadas por aspectos subjectivos da mente e dependentes muitas vezes do interesse e de outros factores análogos, que os testes correntes não medem.

Esto é outro dos defeitos da nossa mecânica escolar a que se. torna necessário corrigir, para que melhore o rendimento dos alunos e a escolha dos profissionais.

Outra dificuldade que é preciso remediar deriva das ideias preconceituosas o erradas da maioria dos pais acerca do valor real e económico das profissões técnicas que não exigem formatura. Criou-se um falso prestígio a favor dos licenciados nas várias Faculdades e escolas superiores da Universidade Clássica, mas isso não corresponde muitas vezes as exigências da vida real.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Que não corresponda às exigências da vida real, sim; agora que não corresponda às realidades é que se torna aborrecido para os diplomados.

O Orador: - Muitas vezes os alunos afastam-se das escolas técnicas porque os pais, ignorando o assunto, desejam ter filhos doutores, mesmo que o diploma lhes não sirva para nada, embora se aborreçam depois quando os jovens diplomados não ganham dinheiro por meio de um diploma inútil.

Estes preconceitos prejudicam os profissionais e trazem até grande prejuízo para a economia do País.

É necessário empreender uma campanha para os destruir. É necessário primeiro educar os pais, para melhor podermos depois educar os filhos.

Outro elemento importante para o qual chamo a atenção do Governo é o da necessidade da organização de um dicionário de profissões, dicionário a publicar periodicamente e que tenha por função:

1.º Fornecer elementos para a organização dos cursos profissionais realmente necessários no nosso país;

2.º Para se ver estatisticamente o que existe de mão-de-obra habilitada para cada lugar;

3.º Fazer estimativa quanto ao futuro para dar indicações úteis aos indivíduos que queiram tirar cursos, ajudando-os a escolher carreiras com consciência da seriedade do facto e probabilidade do bom êxito na escolha.

Para concluir: ao tentar organizar um escol de profissionais competentes, nos ramos das indústrias a criar no a desenvolver, devemos estar atentos às lições que, nos podem dar outros paises, como a Suíça, quando criou a sua indústria de relojoaria; a Suécia, com a indústria do aço; a Bélgica, com a indústria, de construções navais; a Holanda, com a indústria de materiais eléctricos, etc., ter a consciência de que, para os ultrapassar nas formas do actividade em que isso for possível em Portugal, teremos, como fase prévia, de ser capazes de os alcançar no nível de perfeição e de rigor atingido por eles.

Apesar de não haver uma palavra sobre estes assuntos nem no relatório do Governo, nem nos pareceres da Câmara Corporativa, sinto-me na obrigação de chamar para eles a atenção de todos, porque são de uma importância tal que as minhas palavras não poderão exagerar. Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente : - Como a Assembleia sabe, a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1953 deve estar aprovada, irrevogavelmente, até l5 do corrente mês.

Em virtude disso, sou forçado a marcar, a partir amanhã, sessões da parte do manhã, para apreciação precisamente dessa proposta de lei.

Amanhã, portanto, haverá, às 10 horas e 30 minutos, sessão, cuja ordem do dia será a apreciação da referida proposta de lei.

Sábado e segunda-feira há igualmente sessões matutinas, com a mesma ordem do dia; de tarde haverá sessões, para continuação da discussão da proposta do lei relativa ao Plano de Fomento Nacional.

Está encerrada a sessão.

Eram 10 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António de Sousa da Câmara.
Carlos Mantero Belard.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia,
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Cardoso de Matos.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pinto Meneres.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Miguel Rodrigues Bastos.

O REDACTOR - Luís de Avilles.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×