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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 180
ANO DE 1952 13 DE DEZEMBRO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 160 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 12 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas o 45 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do experiente.
Ordem do dia. - Iniciou-se a discussão na generalidade da proposta de lei de autorização de receitais e despesas para o ano de 1953.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Alberto de Araújo, Melo Machado e Galiano Tavares.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 13 horas e 20 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 10 horas e 35 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Bartolomeu Gromicho.
António Cortês Lobão.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Oliveira Calem.
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Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 52 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 10 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta ao seguinte
Expediente Telegramas
Da Direcção do Grémio dos Industriais de Conservas de Peixe do Norte apoiando as considerações do Sr. Deputado Sebastião Ramires a propósito da proposta de lei relativa ao Plano de Fomento quanto à indústria das conservas.
De Antero de Sousa apoiando as considerações dos Srs. Deputados Sebastião Ramires e Pacheco de A morim sobre a mesma proposta de lei no que importa à exportação de vinhos.
O Sr. Presidente: - Não está ninguém inscrito para usar da palavra antes da ordem do dia. Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vai entrar em discussão na generalidade a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1953.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto de Araújo.
O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: a Lei de Meios para 1953 define as linhas gerais de orientação fiscal para o próximo uno, no prosseguimento de uma política de austeridade e de equilíbrio orçamental que pode já considerar-se uma tradição das nossas finanças públicas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-E na maior produção do Pais, na valorização do trabalho, no aumento do rendimento nacional, enfim, que o Estado espera encontrar a maior soma de recursos de que necessita para realizar e fazer face à complexa rede de serviços que dele se exige.
Necessário se torna, portanto, que a Nação produza mais e melhor, que se aproveitem e valorizem os seus recursos, para que ao aumento do rendimento do Pais corresponda uma maior capacidade tributária e, portanto, mais avultados réditos fiscais.
Em 1951 as receitas ordinárias do Estado atingiram a soma de 5.527:000 contos, verificando-se, relativamente a 1950, uma melhoria na cobrança dos nossos grandes impostos directos.
A progressividade do rendimento tributário verificada nos últimos anos corresponde, em grande parte, à valorização e ao aumento da matéria colectável, devendo, portanto, ser interpretada como um fenómeno que se enquadra nas mais sãs regras da administração financeira.
Nação e Estado continuam a fazer um esforço paralelo e conjugado para aumentar a riqueza do Pais e a nova Lei de Meios é bem a expressão dessa íntima solidariedade entre o económico e o financeiro.
Estão bem à vista os índices do progresso feito e concretizado nos aproveitamentos de energia, nas obras de irrigação, no crescente desenvolvimento das indústrias, no ritmo de fomento que domina toda a economia metropolitana e ultramarina.
As nações são, porém, solidárias e interdependentes, e por isso este progresso interno está, em grande parte, dependente de factores externos.
Com razão afirma o Sr. Ministro das Finanças no elucidativo e notável relatório que precede a Conta Geral do Estado relativa a 1951 que «continua a posição da balança de pagamentos a sor um dos indicadores mais expressivos da conjuntura, puis a natureza e volume dos seus saldos influenciam de modo sensível, através do sistema bancário, o nível do rendimento nacional».
E se ao apreciarmos a Lei de Meios é dever desta Assembleia, mais uma vez, prestar homenagem u nossa administração financeira, aos princípios quo a regem e à seriedade que u informa, temos também de fazer justiça u forma como externamente se tom defendido os interesses do Estado e da economia nacional em período tão conturbado da vida do Mundo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Acautelámos o valor e as garantias da moeda, mantivemos íntegro o crédito do País. melhorámos a posição da balança de comércio, reconquistámos uma situação credora na balança do pagamentos.
A nossa política financeira e económica continua a ser inalteravelmente dominada por princípios de estabilidade e de equilíbrio: no ponto de vista fiscal, entre as receitas e as despesas do Estado; no domínio económico, entre o deve e o haver da Nação para com as outras nações.
País estruturalmente europeu, Portugal pertence à organização político-militar que pretende, simultaneamente, preservar a, paz o assegurar a sobrevivência do Ocidente. E a sua intima interdependência das nações do velho continente levou-o, igualmente, a fazer parte da organização que exprime, no campo económico, a solidariedade europeia: a União Europeia de Pagamentos.
O Pacto do Atlântico e a União Europeia de Pagamentos, embora movendo-se em órbitas completamente diversas, são filhos do mesmo espirito: o espirito de associação para fazer face a perigos ou vencer dificuldades comuns.
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Quando as nações da Europa, terminada a segunda guerra mundial, tiveram de reconstituir as suas economias enfraquecidas, voltaram ao sistema das relações e dos tratados bilaterais.
A falta de meios de pagamento, por um lado, e a carência premente de abastecimentos -inclusivamente produtos alimentares-, por outro, criaram um estado e necessidade, a que o bilateralismo se mostrou impotente para pôr fim. Quando se tornava útil precisamente fomentar as trocas -para refazer atocha, acudir à saúdo das populações, reconstituir equipamentos, intensificar o emprego e melhorar o nível de vida-, a preocupação das divisas o dos meios de pagamento originou um conjunto de medidas discriminatórias que dificultou extraordinariamente o levantamento do comércio internacional.
A pouco e pouco o auxilio americano, nas suas diversas formas, foi ajudando as nações mais depauperadas a recomporem-se e reconstituírem-se, e foi ainda na execução do Plano Marshall que, através dos direitos de saque, se caminhou para um sistema de pagamentos multilaterais, que teve a sua expressão final na fundação, rio 2.° semestre de 1950, da União Europeia de Pagamentos.
No fundo, a União Europeia de Pagamentos funciona como uma grande câmara de compensarão, em que cada pais não tem de ter em consideração, como anteriormente, a sua posição devedora ou credora para com esta ou aquela nação, mas sim com o conjunto de países que a própria União engloba. Se um pais necessita do fazer uma determinada importação de outro, não tem de preocupar-se, como no sistema do bilateralismo, se é devedor ou credor desse país e se tem forma de satisfazer essa importação sem recorrer a um pagamento em ouro. Tem apenas de estar atento à sua posição final
- credora ou devedora- perante a União.
É da orgânica deste sistema a utilização do crédito como forma regular de pagamento desde que o saldo credor ou devedor do participante se mantenha dentro de certo limite previamente fixado e correspondente à sua quota dentro da União.
Não quer isto dizer que os saldos, credores ou devedores, são integralmente liquidados com crédito, mas sim que uma parte é liquidada através deste e outra através de pagamentos em ouro.
A proporção em que cada credor recebe e em que cada devedor paga em crédito e em ouro depende da sua posição na União, e para esse efeito as quotas são divididas em cinco escalões, correspondente cada um a um quinto da quota total. Os credores, ultrapassado o primeiro escalão, recebem metade em crédito e metade em ouro. Os devedores pagam maior percentagem em ouro à medida que os seus débitos se aproximam do limite da quota.
A quota de cada pais foi fixada em 10 por cento das suas transacções visíveis e invisíveis com os outros países da União em 1949. A Portugal, como é sabido, foi atribuída uma quota de 70 milhões de unidades de conta, ou seja o equivalente a 70 milhões de dólares, e como os países participantes são obrigados a conceder e têm direito a receber crédito até 60 por cento da sua quota, isso correspondia a Portugal ter, originariamente, direito de obter e obrigação de dar crédito até ao limite do 42 milhões de dólares.
Ficávamos também com o direito de utilizar os nossos saldos em esterlino para o pagamento de débitos à União.
Na hipótese de qualquer nação participante deixar de fazer parte da União Europeia de Pagamentos ou de esta se dissolver, as posições credoras ou devedoras seriam rateadas entre os países que dela fizessem parte, assumindo carácter meramente bilateral e devendo esses créditos e débitos, convertidos na moeda nacional do
país credor, ser reembolsáveis no prazo de três anos, na falta de acordo ou de providências especiais.
Dentro do mecanismo da União Europeia de Pagamentos, no fim de cada mês, que foi o período contabilístico adoptado, apura-se a posição de cada pais relativamente a todos os outros, e o saldo dessas operações permite determinar o que cada participante tem a pagar ou a receber da União. E ó precisamente porque um determinado saldo mensal pode, de facto, não traduzir a verdadeira situação de uma balança de pagamentos que se dispensa a liquidarão total em ouro e e faz larga aplicação do crédito, com o fim de facilitar e impulsionar o comércio externo das nações.
Tendo o nosso pais aderido ao novo organismo, podia discutir-se qual a posição que mais nos convinha dentro dele.
É fora de dúvida que. se a União Europeia de Pagamentos, através de um multilateralismo adequado, procurava abolir as práticas discriminatórias e aumentar as permutas entre os povos, era do seu espirito que cada nação, sem se preocupar com a sua posição perante este ou aquele dos países participantes, devia tender para um equilíbrio no conjunto das suas transacções com a União, por forma a não registar fortes posições credoras ou devedoras.
A orientação portuguesa não podia deixar de enquadrar-se nesta política de conjunto. Todavia, sem ser de desejar que o nosso país, por sistema, fugisse a situações credoras, era do seu interesse ocupar uma situação moderadamente devedora para com o conjunto dos países da União. Tínhamos possibilidade de liquidar essas posições devedoras com saldos em esterlino acumulados durante a guerra.
Por outro lado, fugíamos a dois riscos: o que resultava de represálias de outros países sobre as importações portuguesas e o que provinha, na hipótese de liquidação da União, de termos de aceitar em pagamento dos nossos saldos positivos créditos de valor contingente. Era então já do nosso interesse importarmos dos países participantes da União e tentarmos desenvolver algumas das nossas exportações para a área do dólar. Estávamos no 2.° semestre de 1950.
Dera-se mais um passo no caminho da reconstituição europeia, em continuação e no prolongamento do auxílio dos Estados Unidos, que haviam assegurado as primeiras operações da União Europeia de Pagamentos através de um fundo de maneio de 350 milhões de dólares.
Desde então, factos diversos e de importância relevante se deram no tablado da vida mundial. Uns de natureza política, outros de ordem militar, muitos de carácter meramente psicológico. Mas todo este conjunto de circunstâncias causou uma alta de preços considerável nos produtos alimentares e nas matérias-primas, originou a elaboração de novos planos de armamento, alterou os cálculos estabelecidos para a oferta e para a procura de alguns dos produtos de maior valia no mercado internacional.
A União Europeia de Pagamentos fora estabelecida na mira da liberalização do comércio, tendo em vista desenvolver as importações e as exportações sem que se perdesse a noção de equilíbrio entre a posição credora e devedora de cada uma das nações participantes.
Mas os factos ultrapassaram as expectativas e os acontecimentos quase não deram tempo para verificar as previsões.
O instinto de defesa originou a corrida às matérias-primas. O receio de fortes posições devedoras deu lugar a novas medidas discriminatórias.
Não pôde o nosso pais, como não puderam os outros, fugir às consequências deste novo condicionalismo.
A valorização e maior procura das matérias-primas e substancias alimentares, a tendência para a formação de
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stocks e o desvio para o fabrico de material de guerra de indústrias normalmente afectas à produção de equipamentos vieram modificar as previsões que determinaram a fixação das quotas atribuídas aos países da União, a generalidade delas estabelecida, além disso, com base nos números e dados do comércio multilateral do ano anterior ao da sua criação.
Com relação a Portugal, logo a sua posição se mostrou credora no 1.° semestre do funcionamento da nova organização, e, tendo-se fortalecido posteriormente, quase atingiu no 1.° trimestre de 1951 o limite da quota fixada para o nosso pais. E punha-se o problema de saber o que seria mais conveniente: se manter a quota no limite fixado, se obter uma margem suplementar que evitasse, na parte excedente, o regresso ao regime de pagamentos bilaterais e as possíveis restrições à importação de produtos portugueses.
Evidentemente que se optou pela segunda solução, e por isso, e como oportunamente foi esclarecido em nota oficiosa, o Governo negociou com a União o estabelecimento de uma margem suplementar de 25 milhões de unidades de conta, a liquidar, em partes iguais, em crédito e em ouro.
Nos meses seguintes baixou a nossa posição credora, tendo em Agosto de 1951 descido mesmo abaixo do limite da quota inicial.
Mas em Setembro voltou de novo a agravar-se essa posição e em Dezembro houve que negociar uma nova margem de quota, no montante de 30 milhões de unidades de conta, dividida em três escalões, a liquidar: o primeiro, 50 por cento em ouro e 50 por cento em crédito; o segundo, 40 por cento em ouro e 60 por cento em crédito; o terceiro, 30 por cento em ouro e 70 por cento em crédito.
A modificação da conjuntura internacional veio assim alterar os cálculos previstos quanto & suficiência da quota atribuída a Portugal. Mas o que se deu quanto a nós deu-se relativamente a outras nações.
E se algumas, como a Bélgica e a Itália, registaram também fortes saldos credores, outras, por razoes opostas, ficaram perante a União em grave situação devedora.
Assim, no 1.° semestre de 1951 a Alemanha atingiu o limite da sua elevada quota, e para regularizar a sua situação teria de pagar elevadas somas em ouro se não lhe tivesse sido feito um importante empréstimo. Conseguiu aquele país fazer face às dificuldades de então renunciando à liberalização do comércio e, mercê de um esforço bem orientado, transformou de devedora em credora a sua posição na União Europeia de Pagamentos.
No começo deste ano duas nações da Europa -a Inglaterra e a França- encontravam-se numa posição fortemente devedora para com a União. A Inglaterra tinha de remeter todos os meses avultados quantitativos de ouro para o Banco Internacional de Pagamentos, de Basileia. A França viu-se obrigada a recorrer, em Março último, a um empréstimo de 100.000:000 de dólares, reembolsável em três meses.
Isto para provar que a insuficiência de quota no funcionamento da União Europeia de Pagamentos não foi um facto peculiar ao nosso pais. Foi o produto de circunstâncias gerais e comuns a outras nações.
Evidentemente que desse facto resultaram graves inconvenientes. Primeiro, para a própria União, pelo desequilíbrio por vezes verificado nas somas a receber e a pagar em ouro; depois, porque alguns dos países que excederam a sua quota voltaram à prática das licenças de importação e de outras medidas restritivas do comércio entre as nações.
Desde a data da fundação da União Europeia de Pagamentos, em Junho de 1950, até ao fim de 1951 tinha-se
modificado muito o comércio internacional. Tudo se passou vertiginosamente, numa época que parece sempre de transição, e em que o imprevisto se sobrepõe constantemente ao normal, por forma que quando se apreciam resultados já não há tempo para ensaiar soluções. E há, em regra, a tendência para se exigir dos governos que em tudo pensem e tudo prevejam, que excedam mesmo, em rapidez, a própria e incrível velocidade dos acontecimentos ...
Em matéria externa tem o Governo Português estado constantemente atento na defesa do crédito, da moeda e da produção nacional, enquadrando a economia do Pais nos novos rumos da solidariedade europeia. Passo a passo, dia a dia, seguiu a nossa posição na União Europeia de Pagamentos e, quando se acentuou a tendência credora dessa posição e a marcha para o seu limite, procurou, de acordo com uma orientação já previamente traçada, aumentar as importações dos países participantes da União e conquistar na área do dólar colocação para alguns produtos fundamentais da nossa exportação.
Todos os que estão em contacto com a realidade sabem a magnifica colaboração que os serviços deram à efectivação deste duplo objectivo. Infelizmente a Europa não nos podia fornecer certos produtos que nos eram essenciais. E embora seja fácil enunciar um programa de expansão comercial, não se conquistam facilmente mercados em países cujas tendências suo nitidamente no sentido da autarquia económica.
Para o agravamento da nossa posição credora na União Europeia de Pagamentos estavam a contribuir também certas operações comerciais feitas à margem do seu mecanismo e movimentos avultados de invisíveis.
Essas as razões determinantes da publicação do Decreto n.° 38 561, de 17 de Dezembro de 1951.
Aquele diploma continha duas disposições fundamentais : uma que obrigava os importadores de mercadorias procedentes das áreas monetárias dos países participantes da União Europeia de Pagamentos a apresentarem uma declaração do Banco de Portugal, ou de qualquer outro estabelecimento de crédito autorizado a negociar em cambiais, comprovativo de que efectuaram, ou tomaram o compromisso de efectuar, o pagamento em moeda nacional de importância equivalente à da moeda indicada no boletim de registo prévio outra determinando que o Banco de Portugal, de acordo com o Governo e por delegação deste, deveria transmitir a todas as entidades públicas ou privadas que exercem o comércio de câmbios normas a adoptar para a defesa da moeda nacional.
A primeira dessas disposições procurava canalizar para a União o maior número possível de operações de compensação. A segunda visava nomeadamente a entrada de invisíveis que não fossem convenientes para a economia do País.
Na transição de 1951 para 1952, apesar das providências adoptadas, do controle exercido sobre a entrada de invisíveis, das instruções dadas aos serviços de só se importar da América o que fosse de todo impossível adquirir na Europa e todo o Pais sabe o rigor com que essas instruções foram cumpridas- e, simultaneamente, de, através da emissão dos boletins de exportação, se procurar canalizar a maior parte possível desta para a zona do dólar, apesar de tudo o que se fez e que se traduziu em boa vontade, atenção e vigilância constantes, avolumara-se a nossa posição credora relativamente ao conjunto dos países participantes da União Europeia de Pagamentos.
A Europa continuava a não poder fornecer-nos alguns dos equipamentos, combustíveis, matérias-primas e produtos alimentares de que precisávamos. Necessidades prementes de abastecimento do País faziam-nos de-
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pender, em parte, da área do dólar. E a agravar o mal, alguns produtos coloniais que podíamos colocar nesta zona monetária estavam, aproveitando um beneficio de preço, a ser vendidos para países da União Europeia de Pagamentos funcionando como mercados reexportares para a América.
Prestes a ser atingido o limite do crédito que u Banco de Portugal concedera à União, impunham-se novas medidas, que, embora representando o prosseguimento da mesma orientação a afirmação dos mesmos cuidados, se tinham de revestir de uma maior energia e de um maior rigor, consentâneos com as circunstâncias.
Assim se publicou o Decreto n.° 38 650, de 26 de Fevereiro do ano corrente.
Este diploma, que tanta celeuma levantou nos meios económicos do País, estabelecia duas ordens de disposições, cujo Âmbito e finalidade o Governo esclareceu numa nota oficiosa então publicada na imprensa.
Umas sujeitavam à confirmação dos organismos competentes todos os boletins de exportação. Outras impunham a retenção de 30 por cento do valor das exportações para os países participantes da União Europeia de Pagamentos.
Se, apesar das providências anteriormente adoptadas, estavam a exportar-se para uma zona fortemente devedora do Pais produtos que tinham possibilidade de colocação na área do dólar, chegando alguns deles, como já disse, a ser para ali reexportados, era natural que o Governo procurasse, por uma intervenção mais enérgica e directa, salvaguardar os interesses cambiais do Pais e obter divisas para este saldar as suas compras no outro lado do Atlântico.
Pareceu de principio violenta a retenção de 30 por cento do valor das exportações. Se essa retenção se justificava relativamente às mercadorias que haviam experimentado maiores valias, afigurava-se sem razão quanto às que se mantinham na normalidade dos preços correntes.
Mas o fim da disposição não era só compensar o estímulo que as altas cotações criavam em favor de certos mercados, mas também «limitar o poder de compra disponível por virtude das exportações e o correspondente peso sobre o mercado internos.
Evidentemente que havia grande número de sectores da produção e do comércio que não podiam suportar a imobilização de quase um terço do valor das exportações.
Por isso mesmo o Conselho de Ministros para o Comércio Externo ficava autorizado a delimitar o campo de aplicação das restrições impostas por aquele decreto.
E assim se publicou o despacho de 14 de Março último, que, libertando a exportação da generalidade das mercadorias da retenção obrigatória de 30 por cento do seu valor, enumerava as que ficavam sujeitas a essa restrição quando excedidos certos contingentes, uns determinados por garantias especiais de fornecimentos resultantes da celebração de acordos de comércio, outros estabelecidos em face das exportações realizadas para a União Europeia de Pagamentos em 1951.
As medidas excepcionais tomadas tinham, evidentemente, o carácter de emergência e, impondo sacrifícios a certos sectores da produção e do comércio, tinham por fim, precisamente, evitar que, pelo agravamento de uma situação credora, os outros países entrassem, quanto a Portugal, no caminho das práticas discriminatórias, altamente lesivas dos interesses do próprio comércio e da economia do Pais.
Para esta situação, a que se chegou no fim do ano último, contribuiu, como já afirmámos, um conjunto de circunstâncias que fizeram passar de negativo para positivo o saldo final da nossa balança de comércio.
E, se o facto trouxe dificuldades transitórias, merece, entretanto, ser registado pelo que representa também de esforço e de trabalho produtivo da Nação no caminho do seu progresso e do seu desenvolvimento.
Anteriormente a 1951 tínhamos atravessado um período de sete anos de contínuos fortes saldos negativos na balança comercial, tendo-se o déficit em 1945 aproximado da ordem dos 7 milhões de contos. Foram tão importantes as diferenças entre a importação e a exportação que em alguns anos os invisíveis não foram bastantes para os cobrir e, em consequência, a nossa balança de pagamentos, geralmente positiva, apresentou em 1947, 1948 e 1949 saldos fortemente negativos.
Compreendem-se os receios que esse facto inspirava, sobretudo no que correspondia ao desgaste das reservas monetárias da Nação.
Esses receios por mais de uma vez tiveram eco nesta Assembleia.
Por isso o Governo, sempre vigilante, dedicou particular atenção aos movimentos dos diversos elementos que compõem a balança de pagamentos, a qual em 1950 voltou a apresentar sinal positivo.
Simplesmente, neste equilíbrio geral, incluindo o da própria balança de comércio em 1951, havia-se suscitado um desequilíbrio - embora favorável - relativamente a determinada área monetária, que punha por si novos problemas e requeria novas soluções.
Em 1949, conforme os elementos colhidos pelo Banco de Portugal, a nossa balança de comércio foi deficitária em 3.487:000 contos e a balança de pagamentos em 2.036:OOD contos.
Em 1950 o déficit da balança comercial desce para 856:000 contos e passa a ser de novo positivo o saldo da nossa balança de pagamentos.
Em 1951 a balança de comércio apresenta pela primeira vez em oito anos exportações superiores às importações, no montante de 241:000 contos, e o saldo positivo da balança de pagamentos eleva-se para 2:268 contos.
Em 1949 foram deficitárias a nossa balança comercial e a nossa balança de pagamentos relativamente ao conjunto de países que haviam no ano seguinte de participar da União Europeia de Pagamentos.
Em 1950 mantém-se ainda, para esta área o déficit da balança de comércio, mas reduzido a modestas proporções relativamente ao ano anterior, pois, de 1.737:000 contos em 1949, desce em 1950 para 341:000.
Em 1951 acentua-se a tendência favorável do ano anterior e, relativamente aos países da União, Portugal tem na balança de comércio um saldo positivo de 577:000 coutos e na balança de pagamentos um saldo que se eleva a 1.885:000.
Relativamente aos países das outras áreas monetárias, registamos nesse ano na balança de comércio um saldo negativo de 366:000 contos e na balança de pagamentos um saldo positivo de 383:000.
Objecto de estudo foi o problema de determinar-se a quota-parte que os invisíveis e os movimentos da balança de comércio tiveram na formação dos saldos credores acumulados na União Europeia de Pagamentos.
A questão tinha interesse para o efeito de determinar quais os saldos que deviam procurar atenuar-se através de medidas adequadas. A produção e o comércio não aceitariam de bom grado medidas restritivas da exportação de mercadorias se esta não fosse a causa principal desses saldos.
Por outro lado, os que julgam que a situação económica do Mundo, a corrida às matérias-primas e a formação de stocks são as razões determinantes de exportações anormais e formação de consequentes saldos credores suo inclinados a entender que não se devem criar obstáculos ao livre movimento de capitais e de moedas.
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Estudos feitos com competência e probidade levam à conclusão de que relativamente à zona da União a melhoria da nossa balança de pagamentos, tomando como ponto de referência o ano de 1949, se deve em cerca de 70 por cento à balança de comércio e em cerca de 30 por cento ao movimento de invisíveis.
A melhoria registada na balança de comércio em 1951 relativamente a 1949 deve-se ao aumento das exportações da metrópole e do ultramar, que passaram de 4.934:000 contos em 1949 para 9.052:000 contos em 1951. Desses 4.118:000 contos de excesso de exportações em 1951 relativamente a 1949 cabem à metrópole 2.758:000 contos e ao ultramar 1.360:000 contos.
Alguns produtos ultramarinos exportados nesse período para os países participantes da União Europeia de Pagamentos experimentaram notável sobrevalorização. E simultaneamente muitos produtos metropolitanos foram objecto de uma exportação maior ou mais valorizada.
Entre os produtos metropolitanos podem citar-se a cortiça (matéria-prima), cuja exportação aumentou em 1951 relativamente a 1949 em 140:000 contos, os resinosos em 179:000 contos, as pirites de cobre em 66:000 contos, o volfrâmio em 231:000 contos, a cravagem de centeio em 77:000 contos, a cortiça em obra em 129:000 contos, etc.
Foi atendendo à necessidade de travar a acumulação de saldos na União Europeia de Pagamentos que o Governo publicou o despacho de 14 de Março último. De momento tomaram-se as medidas então consideradas mais urgentes, e com o tempo se fariam os ajustamentos necessários.
O âmbito do citado despacho de 14 de Março foi muito mais limitado do que fazia crer a publicação do Decreto-Lei n.º 38 659 e a sua execução seguida com a máxima atenção e vigilância, por forma a libertarem-se gradualmente todos os produtos que a prática e a experiência demonstrassem não deverem ou não poderem ser objecto de medidas restritivas.
Não há dúvida, porém, de que a aplicação do despacho de 14 de Março, conjugada com as providências adoptadas quanto à entrada de invisíveis e ainda com o evoluir das próprias circunstâncias económicas mundiais, permitiu melhorar a nossa posição na União Europeia de Pagamentos, como se vê do seguinte mapa:
Posição credora de Portugal na união Europeia de Pagamentos
Em milhares de unidades de conta
Em 29 de Fevereiro ........ 114 218
Em 30 de Junho ............ 87 994
Em 31 de Julho ............ 86 989
Em 31 de Agosto ........... 84 295
Em 30 de Setembro.......... 78 926
Em 31 de Outubro .......... 74 390
Em 30 de Novembro ......... 71 212
A balança comercial do conjunto metrópole-ultramar apresenta no 1.º trimestre de 1952 um saldo negativo de 531:000 contos, contra 119:000 contos de saldo positivo em igual período do ano anterior, traduzindo um aumento de 50 por cento no valor das importações totais. Mas na exportação, se se mantém o mesmo volume de 1951 para a União Europeia de Pagamentos, verifica-se um aumento de 50 por cento para os países que não pertencem àquela área.
De Janeiro a Maio do corrente ano as importações da metrópole, segundo as «operações liquidadas» do Banco de Portugal, totalizam 3.458:000 contos e as exportações 2.244:000 contos, havendo um saldo negativo de 1.214:000 contos.
Apesar das restrições adoptadas, o conjunto total das exportações da metrópole é um pouco superior ao dos primeiros cinco meses de 1951.
Analisando o movimento e o sentido do nosso comércio externo metropolitano nos cinco primeiros meses do corrente ano regista-se uma diminuição de exportações para os países da União Europeia de Pagamentos, compensada e ainda excedida pela exportação para outras zonas, dentro dos objectivos que inspiraram a publicação do Decreto n.º 38 659. Ao invés, intensificaram-se as importações, e, como se desejava, nomeadamente dos países participantes da União Europeia de Pagamentos.
De Janeiro a Maio de 1952 as importações do estrangeiro efectuadas pela metrópole são superiores em 831:000 contos às verificadas em igual período de 1951, dos quais cabem à União 564:000 contos e aos outros países 267:000 contos.
Nos quatro primeiros meses do ano corrente, dos produtos metropolitanos abrangidos na alínea b) do n.º 2 do despacho de 14 de Março, só os resinosos, as lãs, os cimentos e os superfosfatos acusam baixa na exportação comparativamente com igual período do ano anterior, devendo dizer-se, como já foi afirmado, que, com excepção dos cimentos e dos superfosfatos, nenhuma outra quebra verificada na exportação pode ser atribuída às medidas restritivas adoptadas no citado despacho.
Mas, em compensação, outros produtos incluídos nas referidas restrições, como a cortiça (matéria-prima), a cravagem de centeio, os minérios de ferro e de estanho, o volfrâmio, registaram uma maior exportação, embora tivessem diminuído as suas vendas para a zona da União Europeia de Pagamentos.
O despacho de 14 de Março foi objectivo de sucessivas modificações, tendentes a libertar completamente a exportação de certas mercadorias, como o sisal e o chá, ou a alargar, quanto a outras, os limites dos respectivos contingentes.
Mas a evolução do comércio internacional e a nossa posição na União Europeia de Pagamentos impunham uma mais ampla revisão daquele despacho.
Não havia, na verdade, vantagem em manter restrições quanto a produtos que não tinham atingido o limite dos contingentes fixados. Era o caso dos resinosos, cuja exportação no 1.º semestre do corrente ano não foi além de 63:000 contos, quando o contingente fixado lhes permitia uma colocação livre, no estrangeiro, de 157:000 contos.
E, dada a melhoria da nossa posição credora na União Europeia de Pagamentos, deviam também libertar-se completamente os produtos que para ali podiam ser exportados sem prejuízo para essa posição, nomeadamente os que não tinham possibilidade de colocação na área do dólar. Estavam neste caso os cimentos, os superfosfatos e também os resinosos.
Deviam igualmente ser alargados os contingentes relativos aos produtos que têm possibilidade limitada de colocação nos Estados Unidos, como, por exemplo, o café.
Foi nesta linha geral de orientação que o Governo publicou o novo despacho, de 4 de Novembro último, acompanhado de uma esclarecedora nota oficiosa, inserta nos jornais diários de Lisboa de 7 do mesmo mês.
Por este despacho foi isento um novo grupo de mercadorias, entre estas os resinosos, os cimentos e a cortiça, com excepção da cortiça em prancha, ficando apenas sujeitos a contingentamento os produtos com venda assegurada em dólares, como certos minérios, ou aqueles cuja exportação pode prejudicar o abastecimento interno ou a existência de certas reservas nacionais.
Debelada a crise, puderam assim atenuar-se e reduzir-se gradualmente as retenções impostas, que tanta
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celeuma levantaram e outro objectivo não tiveram senão defender com energia, e por forma eficaz, os superiores interesses da economia nacional.
Sr. Presidente: em 30 de Junho último terminava o período de dois anos primitivamente estabelecido para o funcionamento da União Europeia de Pagamentos.
Nessa data o saldo credor do nosso pais era, praticamente, de 88 milhões de unidades de conta.
Punha-se nessa altura às nações participantes a questão de dissolver ou continuar a União Europeia de Pagamentos. Compreende-se que os países fortemente credores não estivessem dispostos a continuar a ser, no futuro, banqueiros da Europa, suportando os riscos do desembolso e as consequências da inflação.
Por outro lado, tinha-se revelado também insuficiente a liquidez da União para o volume de transacções que centralizava.
Pode dizer-se que estes eram os dois problemas fundamentais que a União tinha a encarar chegado o termo inicialmente previsto da sua existência.
Mas a verdade é que a experiência tinha demonstrado as vantagens do seu funcionamento, e o receio de voltar-se ao sistema bilateral nas relações comerciais, acarretando uma diminuição no movimento geral de permutas, crises na produção e baixas nos consumos e no nível geral da vida dos povos, fez com que se encarassem, com real espírito de boa vontade, as dificuldades em presença, para que se não efectuasse um recuo no caminho já percorrido da liberalização do comércio e do intercâmbio económico europeu, o qual, no nível de valores, tinha duplicado relativamente a 1949.
Eram a Bélgica, a Itália e Portugal os países que apresentavam maiores saldos credores na União Europeia de Pagamentos.
A Bélgica exigia o pagamento integral em ouro do crédito que excedia a sua quota. Mas, como esta exigência estava fora das disposições que regulavam o funcionamento e a liquidação da União, foi necessário negociar na base de concessões recíprocas.
Em fins de Junho, depois de a Bélgica receber as somas em ouro que lhe competiam em face do estatuto da União Europeia .de Pagamentos, aquele pais ainda apresentava um saldo credor de 223 milhões de unidades de conta, ou fossem na prática 223 milhões de dólares.
Ficou acordado que desse total a Bélgica receberia da União 80 milhões em 30 de Junho, 50 milhões seriam pagos em cinco anos e o Fundo Monetário Internacional concordou em adiantar essa soma; 00 milhões seriam cobertos por material de guerra, a fornecer pela França e pela Grã-Bretanha. Restavam apenas por liquidar 43 milhões de dólares, e, para o efeito de os receber em ouro, a Bélgica concordou em elevar a sua quota em 86 milhões de dólares.
Portugal, como já referi, tinha também uma posição credora na União Europeia de Pagamentos. Mas o facto de o nosso crédito ser muito inferior ao da Bélgica, quer considerado no seu montante, quer em relação à sua quota inicial, e ainda à circunstância de não apresentar o carácter de permanência dos excedentes belgas, fez com que se pretendesse transferi-lo pura e simplesmente para o novo ano.
Mais uma vez os interesses do País foram defendidos pelo Governo com uma firmeza e uma dignidade que devem ser postas em relevo nesta Câmara, precisamente no momento em que, com a votação da Lei de Meios, se lhe outorgam amplos poderes em matéria financeira.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na verdade, quando se discutia a posição do nosso país na União Europeia de Pagamentos, Portugal apresentava-se com excepcional autoridade para negociar. Não se tratava, realmente, de comparar o montante e a natureza do nosso crédito com os de quaisquer outros países. O que importava era definir tanto quanto possível princípios equitativos aplicáveis a todas as nações participantes. E assim, e nesta ordem de ideias, foi possível chegar a acordo.
A nossa posição credora cumulativa - também como já tive ocasião de referir - era em 30 de Junho último de 88 milhões de dólares, dos quais 18 milhões excedentes da quota originária. Foram-nos atribuídos, em ouro, 28 milhões de dólares, correspondentes a 40 por cento da quota primitiva, nos termos dos estatutos da União, e mais 9 milhões de dólares, correspondentes a 50 por cento do excedente, de acordo com a resolução tomada quando nos foi concedido o primeiro suplemento de quota.
A ideia inicial era passar essa posição cumulativa credora nas mesmas condições para o novo ano, mas, depois das negociações que então se realizaram, assentou-se que o tratamento dado ao crédito correspondente ao suplemento da quota não implicasse a devolução de ouro na mesma proporção.
E, assim, os deficits verificados até se atingir o limite da quota serão pagos na proporção de 40 por cento em ouro e 60 por cento em crédito. Quer isto dizer que, uma vez atingido o limite da quota inicial - o que está a dar-se -, Portugal terá deixado de devolver à União 3 milhões de dólares.
O facto merece ser registado com aprazimento e com louvor.
Um dos problemas mais importantes que, como disse, se ventilaram em Junho último foi o das escassas disponibilidades da União para periodicamente fazer face às liquidações em ouro resultantes do apuramento das situações credoras e devedoras dos países participantes. E a situação tendia a agravar-se à medida que aumentavam as exportações e importações, visto serem maiores os saldos a pagar no fim de cada mês.
Para resolver essa dificuldade pensou-se num aumento de quotas. Mas o aumento de quotas não solucionava o problema, pois estas não são senão um meio de calcular os créditos de balanço a abrir pela União ou pelo país participante. Foi posta também de parte a ideia de a União cobrar uma percentagem sobre as operações de compensação, pois isso equivalia a dificultar essas operações.
Acabou-se por fim por assentar que os haveres convertíveis da União não deverão nunca ser inferiores a 100 milhões de dólares. Para esse efeito foi constituído um fundo de garantia, para o qual os países participantes contribuirão com uma percentagem proporcional à sua quota desde que esses desçam para aquém daquele mínimo.
E ainda, no propósito de elevar as disponibilidades da tesouraria da União, aumentou-se a percentagem de pagamento em ouro nos primeiros escalões das quotas dos países devedores, dado que o tratamento generoso dado a estes em 1950 com o fim de desenvolver o comércio internacional se afigurou inconveniente no ponto de vista da liquidez a assegurar à União. E aquela era indispensável para garantir a sua continuidade.
Muito se tem escrito sobre a orientação a imprimir no futuro à União Europeia de Pagamentos. Para uns a União deve continuar a ser o que tem sido até aqui: uma organização destinada a favorecer, através dos créditos de balanço, o desenvolvimento das trocas intereuropeias e a sua liberalização progressiva. Segundo outros, porém, deve ir-se mais longe e preparar-se com o seu concurso um regresso tão rápido quanto possível à convertibilidade ouro das moedas europeias.
Os partidários desta segunda solução acusam precisamente a União Europeia de Pagamentos de impedir, pelo jogo dos créditos de balanço, os movimentos de
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ouro que automàticamente restabeleceriam o equilíbrio comercial, mas, já que existe, deve orientar-se no sentido de, a pouco e pouco, levar as nações que dela participam a regressar ao sistema do padrão-ouro.
Como já acertadamente se escreveu, parece que estas duas finalidades não se conciliam fàcilmente e que não é possível fazer da União Europeia de Pagamentos instrumento de liberalização e de desenvolvimento do comércio internacional e, simultâneamente, de preparação do regresso à convertibilidade.
Esta pressupõe o equilíbrio da balança de pagamentos e para um grande número de países aquele equilíbrio só pode ser obtido à custa de uma redução de importações - contra a própria finalidade da União.
O Prof. Émile James, da Faculdade de Direito de Paris, num artigo recente sobre as «Perspectivas da União Europeia de Pagamentos», expõe com notável clareza as razões, que vou reproduzir, por que não julga possível um próximo regresso à convertibilidade.
Aqueles que crêem que o restabelecimento do padrão-ouro teria por resultado assegurar automaticamente o equilíbrio das trocas internacionais supõem que os países deficitários experimentariam, em virtude do êxodo de ouro, uma pressão deflacionista, que acarretaria uma baixa de preços propícia ao desenvolvimento das exportações, e que os países de balanças do pagamento favoráveis, recebendo, ao contrário, ouro, veriam os seus preços internos subir, do forma que teriam tendência a comprar mais e a vender menos ao estrangeiro.
Todo este raciocínio, que reproduz uma velha e discutida doutrina económica, supõe uma grande flexibilidade dos preços internos e uma grande elasticidade das importações e das exportações em relação aos preços. Ora os preços actuais são cada vez mais rígidos, tanto por virtude das medidas artificiais de que são objecto, como dos encargos fixos que oneram o custo de produção. Nos tempos correntes não se canaliza a exportação para onde se deseja e ó também reduzida a elasticidade das importações: um país em via de reconstrução ou ameaçado pela fome compra por qualquer preço os equipamentos, as matérias-primas e os géneros alimentares que lhe são essenciais.
A adopção do padrão-ouro - diz aquele autor - daria lugar a reacções psicológicas que teriam como consequência o regresso à inconvertibilidade. A generalidade das pessoas não acreditaria que a estabilização tivesse carácter duradouro e dar-se-ia o fenómeno do entesouramento da moeda metálica em condições de não poderem resistir a essa tendência os encaixes dos bancos centrais.
Se a estas razões juntarmos a da impossibilidade de a Europa pensar no regresso à convertibilidade das suas moedas sem os Estados Unidos tomarem a iniciativa em tal matéria, compreendemos o ponto de vista dos que julgam que não é ao restabelecimento próximo da convertibilidade que devem tender os esforços da União Europeia de Pagamentos, «mas antes ao aperfeiçoamento progressivo da técnica de compensação com vista a uma liberalização e a um desenvolvimento progressivos das trocas intereuropeias».
Infelizmente existem vastas e importantes zonas geográficas - como as da América do Sul - que não se situam nem na área do dólar nem na União Europeia de Pagamentos. Isso, e quanto aos países situados nessas zonas, representa um inconveniente e, sob certo aspecto, um retrocesso comparativamente ao que se passava no regime do padrão-ouro.
Seria de desejar, efectivamente, que muitos dos países que não se situam em nenhuma daquelas grandes áreas monetárias entrassem no mecanismo de compensação actualmente adoptado, pois isso facilitaria o equilíbrio e o melhor funcionamento do próprio sistema.
Sr. Presidente: temos dado à reconstrução europeia o melhor do nosso esforço, mantendo inalteráveis a solidez do crédito, o equilíbrio das finanças, a estabilidade da moeda.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Solicitados para entrar numa organização colectiva de países destinada a aumentar o bem-estar geral pelo incremento da produção e das trocas, procurámos corresponder aos fins dessa associação de nações e, quando circunstâncias de ordem ocasional elevaram para limites imprevistos a nossa posição credora, tudo fizemos para a baixar: não hesitámos em restringir as nossas exportações e no caminho da liberalização do comércio fomos além do que nos era exigido.
A importância dos nossos interesses no comércio europeu e o valor das nossas exportações para os países participantes da União Europeia de Pagamentos faz com que tenha de seguir-se com o maior interesse a nossa posição nestes mercados, alguns deles compradores tradicionais de produtos portugueses.
Mas continua de pó o espírito que orientou a publicação do Decreto n.º 38 659, no sentido de procurarmos fomentar a exportação nacional para a área do dólar.
Os Estados Unidos são hoje centro importantíssimo de produção industrial e agrícola e, ao mesmo tempo, campo quase ilimitado do consumo. Possuem a maior parte do ouro mundial e isso torna particularmente vantajoso possuir divisas ou moeda daquele país.
Não nos devemos, por outro lado, esquecer de que precisamos vender na América, para lhe pagarmos o que ali somos obrigados a adquirir de produtos que nos são essenciais. Bastará referir que a nossa importação de cereais panificáveis e de farinha de trigo, liquidada em dólares, correspondeu, em 1951, a 576:000 contos da nossa moeda e, em 1948, atingiu o montante do 1.174:000 contos.
A necessidade de aumentar as vendas na América está levando algumas nações europeias a tomar medidas impulsionadoras da exportação para aquela área, e que vão desde a fixação de taxas diferenciais até à faculdade dada ao exportador de livremente dispor de uma percentagem dos dólares correspondentes à transacção efectuada.
Estão as entidades competentes ao par e atentas a estes problemas, e, porque essas providências representam medidas de excepção e, porventura e de certo modo, desvios a orientações previamente adoptadas, compreende-se o cuidado e o estudo de que tenham de ser objecto quando enquadradas no conjunto da política económica do Governo.
O ano passado, ao apreciar a Conta Geral do Estado relativa a 1950, tive ocasião de me referir, nesta Câmara, às elevadas pautas americanas, que representam um grande obstáculo ao desenvolvimento das exportações europeias para os Estados Unidos.
Apesar do acentuado carácter proteccionista das suas pautas, os Estados Unidos da América assinaram em Outubro de 1947, em Genebra, o Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (General Agreement on Tariffs and Trade), que tem precisamente por fim a redução das tarifas e de todos os entraves às trocas e permutas e ainda a eliminação das discriminações em matéria de comércio internacional.
Com base neste acordo, ao qual só não aderiu ainda um número muito reduzido de países europeus, têm os Estados Unidos feito certas concessões pautais - algumas prejudicando, ao que parece, indirectamente, a importação de certos produtos portugueses, como sejam os vinhos.
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A produção americana tem reagido fortemente contra essas concessões, que, uma vez feitas a um país, se estendem a todos os que assinaram ou aderiram ao citado Acordo, e o Governo dos Estados Unidos, no começo do ano passado, chegou a anunciar o seu propósito, embora depois não confirmado, de suspender por três anos negociações aduaneiras de natureza das realizadas em Genebra, Annecy o Torquay.
Besta ver a medida em que os novos rumos da administração americana influenciarão o seu comércio externo e como evolucionará a sua política pautai:
se no propósito de facilitar as importações europeias, ou, ao contrário, se no sentido proteccionista, tão do agrado da indústria dos Estados Unidos.
Sr. Presidente: ao terminar estas considerações não quero deixar de dirigir ao Governo expressões de reconhecimento e de elogio pela forma como tem orientado a política comercial da Nação, reconhecimento e elogio que são devidos a todas as entidades que nesta matéria lhe têm dado colaboração directa e constante, nomeadamente a Comissão de Coordenação Económica.
Os últimos saldos credores da nossa balança de pagamentos não corresponderam a movimentos paralelos, nem nas importações nem nos consumos, em parte porque o aumento e a valorização do algumas exportações se situaram em sectores restritos da economia nacional.
E bom foi que não se tivesse feito uma importação indiscriminada de mercadorias e que, antes, se tivessem acumulado saldos necessários ao fomento do País.
É sob o signo do fomento que se vota esta Lei de Meios. Fomento significa trabalho, progresso, riqueza. E quer dizer também confiança do País nos seus recursos, nas suas possibilidades, no seu futuro.
Vão para o ano completar-se vinte e cinco anos de gerências financeiras cujas bases, uma vez lançadas, haviam de constituir os mais firmes alicerces do renascimento português.
Vamo-nos habituando à ideia da sua comemoração, porque, se um quarto de século é período curto na vida de um povo, ó tempo bastante para rasgar e abrir uma época na História.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente e Srs. Deputados : acaba a Câmara de ouvir o nosso ilustre colega Sr. Dr. Alberto de Araújo produzir um brilhantíssimo discurso sobre a proposta da Lei de Meios que estamos a discutir.
S. Ex.ª, com o seu brilhante talento, não hesitou em abordar precisamente um dos assuntos mais difíceis, dos mais complicados, conseguindo expo-lo à Câmara com muita clareza.
Felicitemo-nos por esse facto, mas eu, pobre de mim, que venho depois de S. Ex.ª e que, neste tumultuar do nosso trabalho parlamentar, mal tive tempo de coordenar algumas ideias e de fixar aquilo que pretendo dizer, é que me sinto deveras embaraçado por não ter podido cuidar da forma, vendo-me, consequentemente, obrigado a pedir a VV. Ex.ªs que me desculpem se as minhas palavras, aliás curtas, forem ainda mais desluzidas do que costumam ser.
Mais uma Lei de Meios, e esta com a característica de ser quase igual à do ano passado.
Por consequência, dobrada dificuldade para pronunciar sobre ela algumas palavras.
Esta igualdade não é, em nada, depreciativa para o seu autor, antes, pelo contrário, significa que continua a haver uma orientação firme na administração das finanças do Estado.
Em todo o caso, sobre a administração pública, assunto tão vasto e tão complexo, há sempre possibilidade de dizer alguma coisa.
Para mira, Sr. Presidente, o que ó mais do meu agrado nesta proposta é o assinalar que ela não traz novos impostos nem aumento dos existentes. E creio, Sr. Presidente, que não seria preciso, porque nós podemos constatar, através dos balancetes que vão sendo apresentados, que S. Ex.ª o Sr. Ministro das Finanças tem sido bom administrador dos dinheiros públicos e que, por essa razão, os saldos se vão apresentando cada vez mais volumosos.
Chamo a atenção de VV. Exas. para as receitas cobradas. Entre 1901 e, 1952 passaram de 4.280:000 para 4.601:000 contos. É uma diferença sensível e o saldo de contas que se apresentava em fins de Setembro era de 822:852 contos.
Isto nos tranquiliza quanto à marcha da administração pública, porque se verifica que os saldos retomam a sua posição anterior. Felicitemo-nos por isso e tenhamos palavras de justo louvor para o Ministro responsável.
Propriamente na lei, Sr. Presidente, como eu disse, encontram-se apenas insignificantes alterações. Porém, há uma que me interessa apreciar.
A Lei de Meios do ano passado, no seu artigo 8.º, dizia o seguinte:
O Governo, pelo Ministério das Finanças e demais Ministérios competentes, procederá durante o ano de 1952 à uniformização e simplificação do regime de taxas e contribuições especiais destinadas a organismos corporativos e de coordenação económica.
Não consigo perceber o sentido desta palavra «uniformização» quando, precisamente, ela se refere a elementos que são, por sua natureza, díspares.
Temos visto que a Câmara Corporativa classifica do delicada esta matéria. Efectivamente, delicada é, quando o nosso sistema corporativo começa a merecer a atenção de vários políticos estrangeiros.
Tenho na minha frente um mapa curioso pelo qual faço a comparação dos encargos inscritos em vários artigos, encargos esses destinados aos organismos corporativos, e posso verificar que as respectivas taxas vão desde $01 até £30.
Não vejo como será fácil uniformizar estas taxas e receio muito que ao tentar fazer-se uma uniformização se criem dificuldades insuperáveis a organismos que, sem dúvida alguma, prestam ao País e à economia nacional relevantíssimos serviços.
Felizmente que na lei deste ano esse princípio está redigido por outra forma, que ó a seguinte:
Os serviços a que se refere o artigo anterior enviarão até ao fim de Fevereiro de 1953 ao Ministério das Finanças notas discriminadas das taxas e receitas ali mencionadas, com indicação da disposição legal em que se fundam e do rendimento que produziram nos últimos três anos.
Uma comissão nomeada pêlos Ministros das Finanças, do Ultramar, da Economia e das Corporações será encarregada de estudar e propor, ato à data indicada na parte final do artigo 6.º, a uniformização e simplificação do regime de taxas e contribuições especiais àqueles serviços destinados.
Como VV. Exas. vêem, o estudo desta questão é relegado para uma comissão constituída por membros dos
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Ministérios das Finanças, do Ultramar, da Economia e das Corporações. E, sendo assim, devemos ficar um pouco mais tranquilos, certos de que todas as circunstâncias serão ponderadas e vistas sob os diferentes ângulos que interessam a esses vários Ministérios,
Há anos que nesta Assembleia se vem indicando ao Governo a necessidade de rever o problema que diz respeito às dividas das câmaras municipais aos Hospitais Civis.
Vários Srs. Deputados se têm referido ao assunto, várias conferências se tom realizado com diferentes Ministros, e eu tenho esperado, sempre confiadamente, pelas providências que dêem remédio a uma situação que não só é alarmante, mas verdadeiramente aflitiva.
Eu não posso, Sr. Presidente, deixar de me referir a este assunto, que pode parecer fora de propósito na discussão da Lei de Meios, porque suponho que a administração municipal é complementar da administração do Governo e que nada caminhará bem se porventura a administração municipal caminhar francamente mal.
Apoiados.
Mas dar-se-á o caso que os municípios não prestam a este assunto de administração pública toda a atenção que ele merece? Será que as câmaras municipais não dão de boa vontade, naquilo que diz respeito à assistência e saúde pública, o seu contributo?
O Estado gasta em assistência e saúde pública 268:833 contos, o que corresponde, nos 5:143 milhares de contos de receitas, a uma percentagem de 5 por cento. Que esforço fazem as câmaras em comparação com o esforço do Estado?
Basta dizer que, no regime de desconto forçado em que a maioria das câmaras se encontra, o desconto que o Estado faz na percentagem sobre as contribuições directas, que ó o seu maior rendimento, é de 20 por cento, e eu posso dizer a VV. Ex.ª8, pelo conhecimento que tenho de largos anos de administração municipal, que a grande maioria das câmaras municipais aplica na assistência e saúde pública uma percentagem pelo menos dupla daquela que o Estado dedica a estes serviços: quer isto dizer que nada há a censurar às câmaras municipais no cuidado que têm com assistência e saúde pública, porque fazem um esforço muito maior, em proporção, do que aquele que o Estado faz.
Será, porventura, que as câmaras municipais não têm outras preocupações? Todavia, Sr. Presidente, nós podemos verificar que no inventário feito pela Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização as câmaras municipais têm ao seu cuidado 5 840 km de estradas e 7 603 de caminhos, ao todo 13 533 km, enquanto que o Estado tem 16 884; vejam VV. Ex.ªs como se aproximam estes números e comparem os recursos de umas e de outras entidades, e então não se admirarão de saber que 1,6 por cento são calcetados; 0,4 por cento são betuminosos e nos caminhos estas percentagens são respectivamente de 4,5 e 0,2, o que dá 17 por cento em bom estado e 44 por cento em mau estado.
É certo que o Estado ajuda generosamente a administração municipal na construção e reparação de caminhos, e dizemos generosamente para fazermos comparação com o que sucedia anteriormente.
Todavia, devo dizer a VV. Exas. que em 1951 gastou a Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, em comparticipação do Estado, em caminhos 28:031 contos, mais do que em 1950, que foi de 26:253 contos, mas muito menos que em 1949, cujo dispêndio foi de 50:615 contos. Quer dizer que houve uma diminuição de quase 50 por cento.
Outro encargo que se adensa na administração das camarás municipais é o da construção de escolas primárias.
Como VV. Exas. sabem, em 1941 fez-se um plano para a construção de 7 180 edifícios, com 12 500 salas, denominado dos Centenários», cujo custo fora calculado em 500:000 contos.
No parecer das contas de 1949 encontrei a afirmação de que elementos oficiais estimavam que eram precisos ainda mais de 760:000 contos para a conclusão do plano. Se assim é, se as deduções que pude tirar estão certas, pergunto: como é que as câmaras poderão pagar a sua. parte, que se cifra em 600:000 contos, escalonados por vinte anos, ou sejam 30:000 contos por cada ano?
Não há finanças municipais que possam suportar este encargo, e eu posso afirmar, com o conhecimento que tenho da administração de uma câmara municipal que não me dá particular cuidado, pois até os encargos com o funcionalismo são de pouco mais de 30 por cento, que não há finanças de câmara municipal que possam resistir a um tal encargo.
Felizmente, apenas com relação a este aspecto das finanças municipais, que este plano de construção está em enormíssimo atraso. Dos 7 180 edifícios estão apenas construídos 1 354, ou seja 19 por cento.
Ultimamente o Sr. Subsecretário de Estado da Educação Nacional, com uma visão muito inteligente do problema, tem feito todo o possível para ver se acaba de uma vez para sempre com o analfabetismo em Portugal, o que já lhe mereceu rendidos louvores, aos quais não posso deixar de me associar.
Mas é indispensável não esquecer que para haver mais escolas é preciso que as câmaras municipais possam pagar as rendas das casas e o mobiliário para as encher.
Sem isso não haverá escolas nem ensino, nem se acabará com o analfabetismo. É um novo problema a atormentar aqueles que têm a pouca sorte de estar à frente de municípios.
Dir-se-á que não têm grande relação os problemas de que estou a tratar com a Lei de Meios. É um engano.
Nós temos visto que o Sr. Ministro das Finanças procura acautelar tanto quanto possível as origens das receitas em favor do Estado, mas a verdade é que, se as câmaras municipais não cumprirem a sua função, se elas não atenderem às necessidades dos povos, se, como VV. Exas. sabem que ó comum, elas tiverem de recorrer às contribuições que se chamam voluntárias para suprirem a parte da câmara nas comparticipações que o Estado lhes concede, eu direi que essas contribuições não são tão voluntárias como parece, pois elas resultam apenas da impossibilidade em que as câmaras municipais se encontram de satisfazer as suas mais elementares obrigações.
E então os povos, para proverem às suas deficiências, para evitarem os enormes transtornos que lhes causa esta forçada apatia da administração municipal, vêem-se na necessidade de esportular novas contribuições, a que chamamos voluntárias porque elas não se inserem na obrigação de serem pagas.
Não são passivas do processo das execuções fiscais, mas não deixam por isso de afectar a economia dos contribuintes.
O Estado tem maneira de aferir a extrema necessidade em que se encontram as câmaras municipais para poderem exercer a sua acção, e a maneira que tem de aferir essas necessidades é a de ver quantos pedidos de comparticipação existem na Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização que não podem ser comparticipados em virtude do seu elevado volume - cerca de 500:000 contos, se não estou em erro.
Parece-me que é absolutamente indispensável encararmos esta situação financeira das câmaras municipais
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para podermos chegar a uma administração capaz de dar inteira satisfação e de corresponder à brilhante acção que o Estado vem realizando.
Afirmo mais uma vez que não é possível haver uma boa administração geral se, ao lado da boa administração do Estado, não houver uma boa administração municipal.
Devo ainda declarar, para de certo modo desculpar o que possa parecer erro daqueles que estão à frente das administrações municipais, que não acredito haver alguém, por mais distinto financeiro que seja, capaz de administrar qualquer organismo onde não se podem dominar as despesas.
Impõem-se às câmaras municipais despesas sem as consultar, e, por consequência, não é de admirar que, continuando-se neste ritmo, a administração municipal passe a ser permanentemente deficitária.
Ao discutir-se a Lei de Meios não quis deixar de aproveitar o ensejo para trazer este apontamento, que já é velho nesta Assembleia, mas que, infelizmente, não tem encontrado ainda eco nas resoluções do Governo, e eu espero, uma vez mais, que estes problemas sejam encarados com espirito e com vontade de serem resolvidos.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Galiano Tavares: - Sr. Presidente: desde 1881 até ao presente muito se tem legislado sobre contabilidade pública, estabelecendo-se novos princípios e alterando muitos dos que poderiam ter-se por alicerces da Lei de 25 de Junho e respectivo regulamento (relatório do Decreto n.º 5 019, de 8 de Maio de 1919).
«Uma disciplina forte das despesas orçamentadas, dispostas com a clareza necessária a uma crítica sã, é de per si um travão aos desperdícios», afirmava no relatório do Decreto. n.º 16 670, de 27 de Março de 1929, o então Ministro das Finanças, Dr. Oliveira Salazar.
Desde essa data nunca mais deixaram de se respeitar, com rigor, as regras estabelecidas e postas em execução quanto ao orçamento - instrumento de equilíbrio.
O então Ministro das Finanças, hoje Presidente do Conselho, ultrapassa na verdade a envergadura normal do homem público através dos tempos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - No departamento em que iniciou e desenvolveu a sua acção predomina e mantém-se o mesmo inflexível sistema. O Sr. Ministro das Finanças, discípulo compreensivo, mantendo-se fiel à estrutura urdida com clarividência e inflexibilidade, mais uma vez apresenta a Lei de Meios - proposta de autorização de receitas e despesas para o ano de 1953 bem informada e esclarecedora.
Em 9 de Junho de 1928, ao tomar posse da pasta das Finanças, o Sr. Prof. Oliveira Salazar dizia:
Represento aqui um determinado princípio: represento uma política de verdade e sinceridade, contraposta a uma política de mentira e de segredo. Advoguei sempre que se fizesse uma política de verdade, dizendo-se claramente ao povo a situação do País, para o habituar à ideia dos sacrifícios que haviam de um dia ser feitos, e tanto mais pesados quanto mais tardios. Advoguei sempre a política do simples bom senso contra a dos grandiosos planos, tão grandiosos e tão vastos que toda a energia se
gasta a admirá-los, faltando-nos as forças para os executarmos.
Uma política de administração tão clara e tão simples como pode fazer qualquer dona de casa: política comezinha e modesta, que consiste em se gastar o que se tem e não se despender mais do que os próprios recursos.
E punha, então, a seguir os quatro problemas fundamentais: o financeiro, o económico, o social e o político.
Decorridos, Sr. Presidente, alguns anos, em 1950, aqui neste mesmo edifício disse o Sr. Presidente do Conselho :
... sob o aspecto da administração financeira, a questão é redutível a estas linhas fundamentais: em quinze anos, o erário despendeu, em aplicações extraordinárias, além de todas as dotações normais dos serviços, 16 milhões de contos - 3 com despesas excepcionais de guerra, perto de 5 no rearmamento do Exército e da Armada, incluindo instalações militares, 8 em obras de toda a espécie e em investimento de capitais nas empresas privadas de projecção nacional. Desta última soma, dois terços destinam-se a despesas directamente reprodutivas, embora todas se revestissem de utilidade e a grande generalidade se impusesse como absolutamente necessária.
Dos 16 milhões gastos foram buscar-se 5 milhões e meio a receitas ordinárias, quer do orçamento do ano, quer de saldos acumulados, quer ainda das entradas do Fundo de Desemprego.
O espírito do Sr. Presidente do Conselho paira ainda no Ministério das Finanças. Pena é que, repito-o desta bancada, o seu exemplo, a sua isenção, a sua pureza de métodos não sirvam de paradigma a todos.
Não há doutrina política que não contenha a ideia do homem, e deste homem -Hércules da Revolução pela sua estrutura moral - se pode dizer não ter ambições pessoais, num mundo tão cheio de apetites e tão devorador. Péricles deu o seu nome a um século e governou durante quarenta anos. Alcibíades, sen pupilo, o mais belo dos gregos e o mais eloquente dos oradores, segundo Demóstenes, acusado de sacrilégio pelos iconoclastas, foi vítima de versatilidade do seu próprio povo. Versatilidade ou corrupção?
Sr. Presidente: perante o esforço desenvolvido e o anseio de prosseguir, não posso deixar de consignar esta suspeita: parece que, apesar de tudo, se não tem progredido na medida em que era de desejar e em relação com tão vastas empreendimentos
Lê-se e ouve-se a cada momento quanto pode a energia barata e abundante, o valor que tem na economia dos indivíduos e das nações, a sua importância como factor de progresso e de civilização, a influência extraordinária que exerce no desenvolvimento da indústria e da agricultura e quanto ela eleva o chamado nível de vida dos povos, tornando-lhes mais fácil e mais barata a própria sustentação.
Considerando o índice de crescimento fisiológico do nosso povo, é impossível olhar sem alguma angústia para o atraso que ainda se observa.
A crescer a nossa população como tem crescido - e tudo indica que o ritmo não abrandará -, se já hoje, com dolorosa frequência, não se encontra em que ocupar os trabalhadores rurais temporariamente desempregados, que seria o futuro se se esmorecesse na carreira empreendida, demorando, pouco que fosse, a expansão das redes de distribuição da força milagrosa que é a electricidade?
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Não é necessário grande esforço de imaginação para responder com alguma justeza a esta pergunta.
O que é, pois, tido por necessário?
Levar a energia aonde ela ainda não chegou e distribuí-la bem; onde ela já está distribuí-la mais e melhor.
Em qualquer caso, reduzir o uniformizar as tarifas, para tornar a electricidade acessível e capaz de interferir activamente no fomento industrial e agrícola e do facilitar a vida da população.
Dentro do problema, gorai do Alto Alentejo (distrito de Portalegre) há ainda, o, considerar um a um os casos dos concelhos, todos diferentes uns dos outros em questões de pormenor. Mais ou menos extensas, todos têm alguma ou algumas redes de baixa tensão e um ou outro tem também linhas de alta tensão. São outros tantos valores a considerar nos planos e contratos que hão-de ser elaborados.
Contudo, como, das despesas a fazer, parte importante caberá aos municípios, que só encontram financeiramente em situação pouco próspera, só com o auxílio de empréstimos e comparticipações poderão lançar-se na empresa da sua perfeita electrificação.
Sr. Presidente: extraio de um consciencioso e sério estudo do governador civil, a quem os Deputados do distrito dão a sua colaboração, algumas notas que corroboram o inexplicável estado de atraso a que acabo de referir-me:
Dos 15 concelhos que compõem o distrito de Portalegre 10 têm já; pelo menos nas suas sedes, energia de origem hídrica, fornecida pela Hidro-Eléctrica Alto Alentejo.
Nos 5 restantes a energia é de origem térmica.
Em 2 dos concelhos as centrais são propriedade das camarás municipais.
Nos 3 restantes e em 2 freguesias do concelho de Avis as centrais são de empresas particulares.
Sousel tem a distingui-lo o facto de ela pertencer a um munícipe, que, som qualquer lucro, a empresta há cinco ou seis anos à Câmara Municipal, pagando esta apenas o vencimento do maquinista, o combustível e os lubrificantes.
O contrato feito pela Câmara Municipal de Fronteira com a empresa fornecedora terminou em 31 de Dezembro de 1951 e o da Câmara de Ponte de Sor, que teve início há vinte e oito anos, termina dentro de dois.
O estado destas centrais térmicas é deplorável, não sendo de surpreender que em qualquer ou em todas a produção de energia cesse subitamente por ter cessado também a vida das máquinas, há tantos anos submetidas a sobrecargas consideráveis. Quando foram instaladas eram suficientes, certamente, mas, de então para cá, o desenvolvimento das povoações que servem exige cada vez maiores produções de energia, que o uso e o envelhecimento das máquinas dificilmente consentem. Daqui excessos de trabalho, que mais encurtam a vida precária destas instalações.
E parece fora de dúvida que, não obstante as altas tarifas que utilizam e o lucro de $50 em kilowatt auferido pela Câmara, no caso do Fronteira-fornecedores e câmaras perdem dinheiro ou, pelo menos, não ganham o bastante para não digo já renovar, mas, ao menos, melhorar as instalações actuais. Aliás, sabendo contados os dias destas centrais térmicas, aos seus possuidores, ainda que isso lhes fosso possível, não interessaria já actualizá-las.
Com tarifas que vão indistintamente para iluminação pública e para usos domésticos ou industriais, de 2$80 a 3$50, fica, só por este carácter, definido o seu valor negativo como elemento de progresso. Não o ajudando,
vão mais longe - proíbem-no totalmente. E, assim, só lhes resta um caminho: dar o lugar à energia hidroeléctrica em condições económicas equilibradas, ficando, quando muito, com centrais de reserva. Delas se poderá, dizer que tiveram a sua época, e quando foram criadas (à parte Campo Maior, onde só por erro de visão se não instalou logo energia de origem hídrica nas condições em que Elvas a tem) representaram um melhoramento considerável, agora antiquado e fora de combate.
Destes 5 concelhos, que englobam 24 povoações principais, com 55 194 habitantes, só 8 povoações, com 34 688 habitantes, são beneficiadas pela electricidade, que vai desde o crepúsculo até às 0, 1 ou 2 horas.
Deve ainda notar-se, quanto a um concelho, que, sendo a corrente, em teoria, alterna de 220 V, estão a usar-se, com pleno sucesso, até às 21-22 horas, lâmpadas de 110 V e daí por diante lâmpadas de 150 V, especialmente encomendadas ao fabricante. Só com a luz assim obtida se pode ler.
Dos restantes 10 concelhos é preciso dar lugar à parte ao de Elvas, que, mais afortunado, foi por uma edil idade competente dotado em 1940 com energia em condições favoráveis de preço.
Num quadro anexo se destrinçam resumidamente as oito tarifas ali em uso, que vão do máximo de 1$80 no 1.º escalão a $30 no 4.º
Apesar do aumento de 20 por cento que em 1944 tiveram as suas tarifas ainda é Eivas o único concelho que podo economicamente utilizar a força electromotriz na indústria. E com oito povoações principais, contendo o total de 28 629 habitantes, só uma, com 1 810 habitantes, está por electrificar. Não é demais pôr em relevo estes factos - até como homenagem devida a quem tão inteligentemente zelou os interesses do seu concelho.
Dos restantes 9 concelhos, com a totalidade de 102550 habitantes, distribuídos por 53 povoações principais (excluídos os lugarejos de menor importância), 20 destas têm electricidade e as 23 restantes só a sentem ... em ocasião de trovoadas.
Com excepção de Portalegre, que, por erro da edilidade de 1940, perdeu a oportunidade de ter um contrato igual ao de Eivas (e Castelo Branco) e onde a exploração é feita pela concessionária às tarifas elevadas de 1,604 para a iluminação pública e 2)512 (com algumas variantes individuais) para os particulares, exceptuadas as grandes empresas industriais, que beneficiam de acordos especiais ($52 os primeiros 100 000 KW e $50 os demais), todos os 8 concelhos apresentam uma particularidade: as câmaras municipais respectivas compram a energia à concessionária a um preço e vendem-na ao público a outro.
E este preço para o público vai, para usos domésticos, desde o mínimo de l$65 em Nisa a 3$ em Marvão e, para usos industriais, de 1$30 em Gavião a 2$50 em Arronches e Monforte.
Destas 8 câmaras municipais a maioria reconhece que os lucros auferidos da diferença de preços por que compram o vendem a energia não compensam as despesas com o pessoal e material utilizados na exploração que fazem.
Actualmente só aproximadamente metade da população do distrito de Portalegre dispõe verdadeiramente de energia eléctrica, mas em condições de preços tais que, excepto no que respeita a Eivas, repito, e um ou outro raríssimo caso individual, o distrito de Portalegre, no ponto de vista de força electromotriz para a indústria e para a agricultura, encontra-se na deplo-
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rável situação que descrevi e que consta do quadro a seguir, de que extraio os números que mais interessam:
MAPA-RESUMO
Energia eléctrica no distrito de Portalegre e sua distribuição pela população
[Ver Quadro na Imagem].
(a) Neste namoro está Incluída a população de alguns lugarejos próximos de que no censo se não faz destrinça.
No artigo 14.º, quanto a investimentos públicos, consigna-se que será inscrita no Orçamento Geral do Estado, em despesa extraordinária do Ministério das Finanças, a importância necessária para a execução do Plano de Fomento. Permita V. Ex.ª, Sr. Presidente, que me refira sucintamente a alguns aspectos desse Plano.
A Mr. Keynes se deve a evolução da política económica internacional. Até aos fins do século XIX predomina na política económica um dualismo paradoxal.
As grandes potências industriais julgam que o seu objectivo comercial consiste em manter o clássico intercâmbio de manufacturas por matérias-primas e alimentos, enquanto nos países mais atrasados, no afã de elevar o seu nível de vida, se sente um grande desejo de industrialização, que contrasta com o interesse ou pelo menos com os objectivos comerciais das grandes potências.
Ambos os grupos empregam para alcançar objectivos opostos um mesmo instrumento e o proteccionismo é a pedra filosofal. É o caso da Alemanha e dos Estados Unidos, embora não menos evidente seja a coincidência entre o livre cambismo e a prosperidade industrial na Inglaterra.
Todos os factos demonstram uma evidente correlação entre a grande unidade económica e o desenvolvimento industrial-Alemanha, Estados Unidos o Inglaterra, podendo exceptuar-se a Bélgica e alguns países escandinavos.
O certo é que o proteccionismo não é a panaceia que supunham os seus defensores.
O mundo proteccionista também foi o do intercâmbio de manufacturas por matérias-primas e alimentos com que os países industriais obtinham os produtos que predominam no orçamento do consumidor, a preços relativamente baixos, o que era tido por necessário, para que os salários se não elevassem, condição indispensável para manter e garantir a capacidade exportadora.
A diferença entre produtos industriais o produtos agrícolas era unia classificação que se enquadrava no esquema teórico dos preços comparativos e parecia corresponder ao princípio da divisão internacional do trabalho.
A teoria clássica do comércio internacional tinha como propósito impedir a industrialização dos países atrasados para ir de encontro ao princípio dos baixos preços.
O «Grossraumwirtschaft» e os planos alemães do ordenação económica da Europa impunham uma especialização do acordo com os seus recursos naturais.
Os mesmos princípios orientavam a Alemanha o os países aliados, sem outra diferença que não fosso substituir medidas indirectas e camufladas por uni diktat.
Na ideologia democrática o na ideologia nazi palpitava uma igual preocupação: o medo da competência dos países atrasados se viessem uni dia a industrializar-se.
Na verdade, a produção industrial nos países importadores constitui uma concorrência e uma possível redução das exportações.
Por outro lado, se um saldo favorável na balança de pagamentos é a condição para adquirir ouro no mercado internacional, compreende-se o fundamento teórico para a manutenção do sistema existente no mundo internacional.
Com estes fundamentos os países agrícolas sustentam a necessidade da sua industrialização.
Não parece que o proteccionismo tenha conseguido os seus objectivos e nem sequer bons resultados fiscais.
Terminada a guerra, observa-se uma grande mudança no panorama económico das grandes potências.
O que' pretendem? Industrializar mesmo os países agrícolas para elevar o seu nível de vida.
É a rectificação de uma doutrina económica.
O mérito desta evolução devo-se a Mr. Keynes.
A teoria de Keynes consiste em deslocar o centro de gravidade da política económica dos preços para um conceito de rendimento.
A aplicação deste princípio teve como consequência destruir pela base os fundamentos da política comercial e industrial, tida como inatacável.
Porque, se é verdade que perante a procura internacional a concorrência tendo a reduzir as vendas nos países que primeiro desenvolveram a sua indústria, a verdade é que o volume das importações dependo da procura efectiva do seu rendimento.
A primeira condição para que um país seja bom cliente do estrangeiro é que o rendimento por habitante seja elevado.
Por esta razão, os modernos economistas defendem o conceito de que será sempre um bom negócio elevar o nível de vida dos países com pouca indústria.
Daí o aspecto de solidariedade internacional consubstanciada no auxílio para industrializar os países com poucos recursos ou reconstruir os devastados.
A industrialização, escreve Manuel de Torres no prefácio do trabalho de Mandelbaum, tem o seu mecanismo, que abrange não só os meios a adoptar para a realizar, como os seus prováveis efeitos.
Já que a industrialização não podo realizar-se sem o estudo dos efeitos resultantes da aplicação da totalidade do sistema.
O nível de vida não depende do rendimento monetário de cada uni, mas principalmente do que poderá vir a comprar-se com esse rendimento o ainda porque senão poderão comprar mais coisas do que as que só produ-
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zem ou se importam, isto é, as que existem no mercado.
A indústria, por outro lado, tem de banir o conceito simplista de que basta ser financiada e pôr as máquinas a trabalhar.
A indústria tem uma função social a cumprir e é rendosa na medida em que for relacionada com as demais unidades industriais, porque toda a técnica moderna provém de um conhecimento científico.
Com efeito, nem sempre o conceito de máximo lucro significa rendimento social.
O estabelecimento do uma indústria não pode consistir apenas «num bom negócio».
E esta ó a razão crescente do intervencionismo técnico do Estado no sentido de salvaguardar o interesse público.
Só o Estado podo manter as obrigações de ordem social que as novas ideias impõem ao industrial moderno, e por isso a sua intervenção pacífica é preferível à luta livre dos interesses particulares.
Por sua vez, contudo, o industrial moderno, perante as obrigações que lhe impõem as novas ideias intervencionistas, terá que exigir do Estado garantias de estabilização a largo prazo, porque só assim se constituem as bases fundamentais da sua prosperidade e da própria prosperidade do país.
Não podemos aceitar como produção rendosa se não aproveitarmos ao máximo a matéria-prima, se não pagarmos justo salário e se não distribuirmos racionalmente os produtos.
Quando a preocupação mercantilista domina o Mundo e o instrumento monetário e de crédito consubstancia o conceito de rendimento, este confunde-se com o de máximo lucro privado, estímulo que gera e desenvolve o espírito inventivo, utilizando o máximo esforço do homem com vista à utilização da mão-de-obra mais barata.
Quando, porém, aumenta a concorrência, a preocupação dominante passa a ser a redução do preço dessa mão-de-obra e o resultado da aplicação do método experimental no estudo do trabalho humano busca descobrir o homem tecnicamente mais apto.
É a organização científica do trabalho.
Na enumeração do programa de obras a executar no Plano de Fomento, em apreciação nesta Assembleia Nacional, Sr. Presidente, no anexo V, parecer subsidiário da secção de Transportes da Câmara Corporativa, encontro uma referência ao turismo, e essa simplesmente na epígrafe.
Se outra há no decorrer do seu sentido não a vi, e todavia é inegável que o turismo é. afinal unia indústria de real valor em qualquer dos aspectos e modalidades.
Acertadamente se lhe tem chamado, Sr. Presidente, a indústria do maravilhoso. É evidente que nem todos os países têm o mesmo poder de atracção, mas mesmo entro aqueles considerados de primeira grandeza - a França, Itália, Bélgica e Suíça, em relação à Europa - se tem operado uma política de renovação, investindo-se enormes quantias no seu desenvolvimento, na preocupação predominante, no anseio, digamos mesmo, de dar ao turista de hoje quanto ele exige: comodidade, conforto e bem-estar.
Tal ó o que no sector da valorização do turismo se consigna no plano quadrienal francês Monnet, prevendo o dispêndio de 94 biliões de francos e para o qual o Estado contribui já com 35 biliões.
Portugal é, por definição, um país hospitaleiro, quanto à população em si, mas carece absolutamente de meios para poder receber bem, e o turismo não pode ser obra de improvisação e de amadorismo.
Perante o renascimento que se observa larga e extensamente por toda a parte, concretizado num volume especialíssimo de obras públicas, numa concepção de
ressurgimento, mal se compreende que num plano de fomento se não considere esta realidade: não obstante a pobreza das dotações atribuídas ao organismo nacional orientador, entraram em Portugal de 1949 a Setembro de 1952 300 000 estrangeiros, o só no decorrer de 1951 mais de 86000: 50952 por via terrestre, 26595 por via aérea e 9 059 por via marítima.
Donde procediam? Da Espanha, dos Estados Unidos da América, da Inglaterra e da França.
Não é possível, porém, Sr. Presidente, encetar uma longa propaganda de captação sem se criarem condições para bem receber.
Os estrangeiros que nos visitaram, além do» que vieram por impulso próprio e mercê do esforço do Secretariado Nacional da Informação, quand même, grande número deles regressou seduzido pela suavidade do clima, jovialidade do povo, abundância de tudo, da luz às próprias canções, da poalha dos ocasos de maravilha e deslumbramento à serena e reconfortante ambiência das igrejas e catedrais.
A natureza tem os seus sortilégios, afirmava Buskin, e por essas províncias além os turistas observam e apreciam aquilo mesmo para que nós não olhamos, por nunca termos visto.
Não tenhamos contudo ilusões. A enorme mobilidade do turista dos nossos dias exige no domínio das inevitáveis precedências uma propaganda bem orientada, por certo dispendiosa, de sedução e conquista.
Enquanto Portugal gastou no ano corrente menos de 2:000 contos, a Suíça despendeu 28:500, a Bélgica 5:700 e a França 57:000.
Quem colhe sem semear? O turismo não é acaso um valor económico?
A França arrecadou no ano de 1951 mais de 400 milhões de dólares que lhe deram 3 milhões de turistas.
O equilibrado sentido das proporções não me permite, além de outros motivos, admitir um tal afluxo de estrangeiros, mas creio que nem sequer será possível mante-lo em qualquer grau e medida, por modesta que seja; nos anos de 1949, 1950 e 1951, segundo dados fornecidos pelo. Banco de Portugal, o turismo rendou 400:000 contos, na precaridade do actual condicionalismo.
Dispomos de 180 hotéis, sendo 4 de luxo, 28 de 1.ª classe, 49 de 2.ª e os restantes de 3.ª, 10 pousadas, das quais apenas 2 não foram construídas pelo Ministério das Obras Públicas.
O quadro geral destas instalações é confrangedor.
Pode dizer-se que todos os hotéis carecem absolutamente de modernização e reequipamento. Há distritos onde não há um único hotel e apenas o do Porto pode considerar-se melhor servido, embora muitos dos seus hotéis estejam antiquados.
Lisboa tem no estrangeiro a consabida fama de não ter hotéis. Bem apetrechado o distrito de Aveiro - Cúria, Luso e Buçaco - e digno de referência, além da Empresa Terra Nostra, o esforço dos hoteleiros de Caldelas.
Pousadas:
Santo António (Serém).
S. Gonçalo (Marão).
S. Martinho (Alfeizerão).
Castelo (Óbidos).
Santa Luzia (Eivas).
Santiago (Santiago do Cacem).
S. Brás (S. Brás de Alportel).
S. Lourenço (serra da Estrela). Pousada do Barão de Forrester, construída pela Câmara de Alijo (Decreto n.º 31259, de 9 de Maio de 1941).
Estalagem dos Caçadores (Macedo de Cavaleiros).
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Quatro destas pousadas são subsidiadas pelo Secretariado Nacional da Informação para fazer face a despesas de aquecimento, por serem as únicas que dispõem de instalações para tal.
Sr. Presidente: o panorama é este.
Quanto aos hotéis em situação de subsistir, não esqueçamos que estes estabelecimentos exigem a imobilização de grandes capitais, e alguns têm um carácter sazonal; propõe-se a isenção de certas contribuições, como de registo por imobiliários, predial por certo período, industrial e imposto do selo, enquanto se não estabeleça o subsídio financeiro.
As subvenções para construção e modernização de hotéis e empréstimos a longo prazo e a baixo juro - crédito hoteleiro - são processos adoptados em França, na Alemanha, na Grécia e na Itália, entre outros países europeus.
Na própria Inglaterra, e apesar da política do stay at home, para a economia de divisas, se têm concedido volumosos apoios financeiros à industria hoteleira.
Os bons hotéis exigem adequada e conveniente preparação de servidores, e daí, paralelamente, a indispensabilidade de cursos de profissionais de hotelaria.
Sr. Presidente: à codificação de regras não falta legislação alusiva. No § único do artigo 9.º do Decreto n.º 34 133, de 1944, sugere-se a elaboração do Estatuto de Turismo como necessidade que se impõe.
O turista não exige apenas boas instalações. Exige também rapidez e simplicidade de normas de conduta quanto aos processos de identificação, como aqui o afirmou já, no seu aviso prévio, o ilustre Deputado Sr. Dr. Paulo Cancela de Abreu.
A simplificação de vistos consulares, passaportes, redução de dificuldades aduaneiras, formalidades policiais e facilidades monetárias nos próprios comboios em marcha em certas linhas internacionais são processos %a adoptar e a estabelecer, uma vez que, como já verifiquei, se estão praticando como ensaio.
Desejo fazer uma ligeira referência ao problema das' comunicações e, em especial, dos transportes aéreos.
Referindo-se ao problema dos aeroportos, encontro da parte de um ilustre técnico estas afirmações:
... não me cabe, por múltiplas razões das quais tenho plena consciência, apreciar o aspecto técnico dos trabalhos realizados para valorizar as nossas posições geográficas. Dos elementos constituintes do potencial aéreo português, as condições geográficas excedem qualquer outro em importância. Mas as posições geográficas por si só não representam tudo, e muito menos significam enquanto não estiverem convenientemente preparadas com pontos utilizáveis pelo trafego aéreo. Esse um dos aspectos mais instantes da nossa obra: valorizarmos os territórios portugueses com aeroportos modernos, dispondo de apetrechamento è serviços à altura das circunstancias.
Sentimos ter de assinalar a extraordidária morosidade na realização de obra tão urgente. Lisboa e Açores encontram-se trabalhando em condições bastante satisfatórias e o Aeródromo do Porto parece corresponder já às suas necessidades como alternante do de Lisboa.
Mas falta ainda outro alternante para o principal aeroporto da metrópole, que é o primeiro da Europa a escalar após larga travessia atlântica. Está previsto se situe no Algarve, mas não sabemos a quanto tempo estamos da sua construção, embora aviões que demandam Lisboa sejam com relativa frequência desviados para Gibraltar e para o Norte de África por motivos meteorológicos, com os consequentes prejuízos para as empresas transportadoras que têm os seus serviços estabelecidos entre nós.
Dos 78 084 hóspedes registados nos hotéis e pensões em 1949, 7 324 residem no Brasil e 13 040 nos Estados Unidos da América. Descontando os 3 034 que se hospedaram no Aeroporto de Santa Maria, ainda fica larga margem a favor dos Estados Unidos da América.
No capítulo correio verificou-se respectivamente o seguinte movimento:
O confronto também não deixa dúvidas.
Acresce que a colónia portuguesa na América do Norte, além de numerosa, é, do ponto de vista económico, muito importante. Designadamente a colónia portuguesa da Califórnia, não sendo a maior colónia estrangeira, ó contudo a de maior importância económica naquele estado.
E não desejo terminar sem fazer referência, no capítulo providências sobre o funcionalismo, quanto ao artigo 12.º. que mantém para o ano de 1903 o suplemento concedido em 1902 segundo o disposto no artigo 19.º e seus parágrafos na Lei n.º 2 050, de Dezembro de 1951.
E a referência abrange os pensionistas, cuja situação angustiosa concita a maior comiseração. Em grande número de casos são as comissões municipais de assistência que os socorrem nas dificuldades e quase sempre nos períodos de doença.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - O debate sobre a Lei de Meios continuará na sessão de amanhã de manhã, que abrirá as 10,30.
Logo, à hora regimental, haverá sessão, cuja ordem do dia é a continuação da discussão da proposta de lei relativa ao Plano de Fomento.
Está encerrada a sessão.
Eram 13 horas e 20 minutos.
Sr s. Deputados que entraram durante a sessão:
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Pinto de Meireles Barriga.
António de Sousa da Câmara.
Carlos de Azevedo Mendes.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
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Manuel Maria Múrias Júnior.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Vasco Lopes Alves.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
António de Almeida.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Jacinto Ferreira.
António de Matos Taquenho.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon do Oliveira Mourão.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Cardoso de Matos.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cerqueira Gomes.
Miguel Rodrigues Bastos.
Teófilo Duarte.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA