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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 181
ANO DE 1952 13 DE DEZEMBRO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 161 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 12 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 176.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Cerveira Pinto chamou a atenção do Governo para a necessidade inadiável da conclusão da estrada entre Ponte da Ermida e Parada de Ester, no concelho de Castro Daire.
O Sr. Deputado Carlos Mendes pediu providências contra as pragas que estão destruindo a nossa riqueza arborícola.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate na generalidade sobre a proposta de lei relativa ao Plano do fomento Nacional.
Falaram, os Srs. Deputados Daniel Barbosa e Simões Crespo.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 55 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Cortês Lobão.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
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João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 80 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 10 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 176.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto nenhum Sr. Deputado desejar lazer qualquer reclamação, considero-o aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegrama
Do Grémio dos Industriais de Conservas de Peixe de Setúbal apoiando as considerações do Sr. Deputado Sebastião Ramires em defesa dos interesses da mesma indústria, quando interveio na discussão do Plano de Fomento.
Oficio
Da presidência da Câmara Corporativa transmitindo um esclarecimento do Digno Procurador Carlos Garcia Alves relativo à exposição dirigida à Assembleia Nacional pela Sociedade das Minas de Vila Cova, esclarecimento expresso nos termos seguintes:
Existem fornos Barrei a trabalhar na Europa.
Em Alborg, na Dinamarca, estão dois fornos trabalhando desde 1939.
Produziram do 1939 a 1952 300 000 t o devem produzir no ano corrente 35 000 com uma marcha anual de 340 dias por forno.
Em França há duas instalações, uma delas recentemente instalada, funcionando nas melhores condições.
Esta comunicação foi feita há dois meses pelo engenheiro Eugène Dupuy, presidente do Comité de Normalização da Indústria Siderúrgica Francesa, ao inspector-geral dos Produtos Agrícolas o Industriais, Sr. Engenheiro Fausto de Alcântara Carreira.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem cio dia o Sr. Deputado Cerveira Pinto.
O Sr. Cerveira Pinto: - Sr. Presidente: começo por pedir vénia aos ilustres Deputados pelo círculo do Viseu, a fim de tratar do assunto do maior interesso para uma região do distrito que nesta Casa representam a região do vale do Paiva, onde nasci e fui criado.
Esta circunstância julgo que mo outorga o direito do, som meter foice em seara alheia, chamar a atenção do Governo, principalmente a do ilustre titular das Obras Públicas, para um dos graves' problemas que afligem aquela formosa e desventurada região.
Quero referir-me à necessidade instante, premente, inadiável, da conclusão da estrada nacional n.º 225, entre Ponte da Ermida o Parada de Ester, do concelho de Castro Daire.
Os primeiros 500 m daquela estrada foram inaugurados por el-rei D. Carlos, quando em 1907 passou por Castro Daire, no seu regresso das Pedras Salgadas.
Durante os três últimos anos da Monarquia e os dezasseis de República democrática, a estrada lá foi andando, muito lentamente, até atingir Ponte da Ermida; ao todo, 5km de extensão!
Foi pouco, foi pouquíssimo, mas não há dúvida de que foi alguma coisa.
Cai o regime dos partidos, instaura-se a Ditadura. Militar e depois o Estado Novo.
E quando o País inteiro experimentou um imprevisível e quase milagroso surto de progresso, a estrada nacional n.º 225, por um cruel e inexplicável paradoxo, não arredou pó de Ponte da Ermida. Onde estava aí ficou.
É certo que do lado de Sobrado de Paiva tem andado bastante e já chega a Parada de Ester, no concelho de Castro Daire.
De Ponte da Ermida, porém, é que mi n ca mais passou, o era preciso que passasse.
Por isso é que lembro ao Sr. Ministro das Obras Públicas a grande necessidade de que seja estudado o executado, sem demora, o troço de estrada entre Ponte da Ermida o Parada de Ester, na extensão de cerca de 20 km, para que os habitantes desta zona de Portugal não continuem no isolamento a que injustamente têm sido condenados.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Apesar de natural daqueles lugares, não quero entoar hinos românticos à beleza e grandeza da região do vale do Paiva, onde a mão do Deus foi pródiga o onde não existe nem luz eléctrica, nem telégrafo, nem telefone, nem melhoramentos rurais, nem ... estrada.
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O nosso distinto colega Dr. Abrantes Tavares, que, quando governador civil de Viseu, percorreu - a pé, evidentemente - uma parte desta região, poderá avalizar as minhas afirmações e testemunhar que constitui uma dor de alma a mio conclusão da estrada nacional n.º 225 e o abandono a que o vale do Paiva tom sitio votado.
O Sr. Abrantes Tavares: - Tem razão.
O Orador: - E como não gosto de pedir tudo ao mesmo tempo, também não me referirei hoje à igreja da Ermida, templo românico, coevo da nacionalidade, e que, apesar de classificado como monumento nacional, tem sido totalmente abandonado pelas estações oficiais responsáveis.
O que tem valido é o bom e esclarecido abade, que, não obstante ter a residência paroquial quase em ruínas e de não ter meios de a reparar, lá tem ido arrancando à sua muita devoção e à sua magríssima bolsa o que pode, para defender a igreja das injúrias do tempo e dos atentados de lesa-arte perpetrados pelas gerações passadas.
Hoje só quero referir-me ao problema mais candente da região, e que é a conclusão da sua estrada.
Seria ato esta uma oportunidade excepcionalmente favorável para se proceder à expropriação dos terrenos necessários ao leito da estrada, em virtude de se encontrarem devastados em grande extensão por uma tempestade de água e granizo que, em Julho deste ano, sobre eles caiu e tudo arrastou.
Não se deve esperar, portanto, que os íncolas da região, experimentados pelo titânico e milenário esforço da sua raça, cubram outra vez as pedras agora desnudas e façam com que elas novamente dêem pão.
Chegou, entretanto, ao meu conhecimento que alguns técnicos eram de parecer que se abandonasse o bocado de estrada de Castro Daire a Ponte da Ermida, na margem direita do Paiva, se deixasse de construir o troço de Ponte da Ermida a Parada para se aproveitar um caminho municipal de péssimo traçado que passa a mais de meia encosta da margem esquerda do rio.
Eu não sou técnico, mas posso asseverar, pelo conhecimento directo que tenho da região, que as necessidades das populações que nela habitam só podem ser satisfeitas com a conclusão do troço da estrada de Ponte da Ermida a Parada, tal como vem assinalado no mapa da Junta Autónoma de Estradas e de acordo com o plano rodoviário de Maio de 1945.
O Sr. Abrantes Tavares: - É evidente que só a estrada pela margem direita do rio pode servir os interesses daqueles povos.
O Orador: - Se o ilustre Ministro das Obras Públicas, que incansavelmente tem percorrido o País para activar o seu incessante progresso, pudesse ver com os seus olhos a verdade do que afirmo, tenho a certeza absoluta de que imediatamente ordenaria o estudo e execução do troço da estrada n.º 225, entre Ponte da Ermida e Parada de Ester.
Como, porém, S. Ex.ª lá não pode ir... por não haver estrada, daqui lhe dirijo este apelo aflito, veemente, quase dramático.
Disse.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Carlos Mendes: - Sr. Presidente: com notável proficiência se têm tratado na Assembleia os vários problemas que podem concorrer para um maior desenvolvimento da nossa riqueza agrícola.
Há, porém, outros que vêm concorrendo para o sen definhamento e que devem merecer, talvez, mais ainda a atenção do Poder Central.
Quero referir-me às várias pragas que estão infestando, danificando e até destruindo a nossa riqueza arborícola.
Impõe-se um ataque profiláctico, feito com método e em extensão.
O Sr. Subsecretário de Estado da Agricultura, técnico dos mais distintos e que tem dado à vida agrícola toda a sua esforçada e dedicada competência, tem no seu sector outros técnicos conhecedores profundos de todos estes problemas.
Preciso e indispensável é que tenham os meios necessários para que eficiente possa ser esse ataque.
A demora deixaria desenvolver a límantria, acarretando prejuízos incalculáveis nos sobreiros e na cortiça.
A formiga argentina continuará a inutilizar as fruteiras e a danificar os vinhedos.
A dacus olece - a mosca da oliveira-, juntamente com a mosca da fruta, a tornar inútil o esforçado trabalho nos campos em defesa das árvores de fruta e dos olivais.
Este ano ainda prometedora se apresentava a safra da azeitona. Mas a mosca desenvolve-se. a azeitona estraga-se e o pouco azeite produzido oscila entre os 8 e os 20º.
Foram prejuízos de muitos milhares de contos, que atingiram a nossa já depauperada agricultura.
De esperar será que estes graves prejuízos sejam encarados de frente, dando-se aos serviços agrícolas as possibilidades de os evitar.
Criemos fontes de riqueza agrícola, mas não deixemos perder as que já temos.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa ao Plano de Fomento. Tem a palavra o Sr. Deputado Daniel Barbosa.
O Sr. Daniel Barbosa: - Sr. Presidente: para além de tudo aquilo que possa legitimar atitudes do reserva ou de melindre, está o superior interesse do País, na defesa e no apoio de quanto, realmente, contribua para a sua prosperidade, para o seu engrandecimento.
Sou daqueles que sempre acreditaram na necessidade imperiosa de um vasto plano económico, a traduzir uma acção criteriosa de fomento, através do qual -ou pelo qual- o Governo estabelecesse, com vista a determinados fins económico-sociais, os meios indispensáveis para os atingir depressa e bem.
Deu o Governo, agora, satisfação valiosa, na parte que julgou possível, àquilo que se deseja, praticando assim um acto consciente de administração e do política capaz de nos levar, com mais firmeza e critério, ao aproveitamento sistemático daquelas possibilidades que a natureza garantiu a Portugal, desde que as saibamos explorar e adaptar, com a técnica e com a ciência do que hoje os homens dispõem.
Julgo, por mim, esta acção tão importante, tão digna de ser medida o ponderada, que não pude encontrar, em consciência, outra atitude diferente da de trazer, aqui, uma crítica, francamente objectiva, e a qual, dentro do meu modesto alcance, procura afinal, simplesmente, valorizá-la e apoiá-la.
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Começarei por afirmar, Sr. Presidente, que quando um Governo apresenta - como é o caso que agora, nos prende aqui - um plano de investimentos a garantir um programa de trabalhos, cheio de movimento e de interesse; para o equilíbrio económico-social do País, pratica não simplesmente um acto de dignidade governativa, mas, sobretudo, um acto político da mais alta transcendência que só temos de louvar, facilitar o defender.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- No ponto de vista interno, o Governo marcou claramente, desta forma, uma orientarão que se projecta para além do momento que vivemos, e do qual se virá a tirar todo o proveito numa altura em que, talvez, outros homens possam colher os frutos daquilo em que se assentou agora.
Sob esto aspecto, portanto, o Governo assumiu uma atitude que só pode engrandecê-lo perante a opinião geral.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Sob o ponto de vista externo, quando sentimos pulular em nossa volta necessidades de acordos e compromissos, de pactos e de obrigações, quando vemos que o País, integrado num conjunto a defender, se obriga, por circunstâncias estranhas, a realizar certas despesas que pesam demasiadamente na economia nacional, o aparecimento de uma proposta de lei como esta do Plano de Fomento traduz a afirmação insofismável de que uma preocupação séria de trabalho, de tranquilidade e de progresso constitui sentimento dominante do Governo Português.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Quer dizer: sem fugir a todos os sacrifícios que em seu entender se lhe imponham para garantir a boa paz e o sossego neste inundo conturbado (sofrendo, assim, erros de outros, que desde há muito apontara, na esperança de os evitar), não descura um trabalho de futuro que, trazendo-nos riqueza, a traz também para o Mundo, como elemento que somos de importância destacada no conjunto ultramarino e no Ocidente europeu.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Sob este aspecto, portanto, o Governo assumiu uma atitude que bem merece o respeito da política internacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Competirá à Assembleia Nacional, agora, colaborar neste acto, que interna e externamente nos traz prestigioso respeito, não nos cabendo porém -julgo eu - discuti-lo na minúcia aprofundada dos meios ou dos processos dentro dos quais, ou pelos quais, o Governo pretende realizar trabalho que a todos de mais riqueza e mais bem-estar.
Cabe-nos - isso sim -, ao aprovar, com as alterações que se entenderem, as bases desta proposta, deixar claramente marcada uma ou outra directriz que nos parece mais própria para o Governo caminhar; e a par disto, igualmente, um ou outro esclarecimento que a própria política imponha, para que ao País se ofereça uma análise cuidada do assunto, capaz de melhor o ajudar a senti-lo, a avaliá-lo e a compreendê-lo.
Vai ser, Sr. Presidente, dentro destas normas que passarei a analisar a proposta apresentada, destacando desde já o seu valor meritório, sem esquecer, de modo algum, o do parecer que a Câmara Corporativa apresentou, e que fica a constituir, com certeza, um valioso elemento para avaliar das soluções mais requeridas a determinados problemas que estão na base, afinal, das questões económicas e sociais do País; direi mais: que fica a marcar, duma maneira brilhante, e entre tantos outros que nos tem entregue, a altíssima competência com que cumprem seu mandato os Dignos Procuradores que a compõem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Comecemos, então, por algumas considerações que me parecem precisas para assentar nas ideias e entrar na discussão.
Entre as críticas mais correntes que o chamado Plano de Fomento tem sofrido, destacam-se abertamente as seguintes :
1) Não se trata propriamente dum plano de fomento.
dada a sua pequena, extensão;
2) Não nos traz novidades de maior no que respeita
à metrópole, pelo menos;
3) Apareceu tardiamente;
4) É francamente modesto nos investimentos que propõe.
Creio, por mim, Sr. Presidente, que há uma certa confusão em volta disto tudo, e que a Assembleia Nacional, por isso mesmo, cumpre uni inalienável dever ponderando friamente aquilo que se critica, de forma a que o País, por ela, assente melhor seus juízos e possa aventar razões.
Pretende-se abertamente com o Plano apresentado, procurando um fim e propondo os meios, dominar no País, pela vontade dos homens, a evolução da economia em si, adaptando-a às nossas necessidades, conduzindo-a e alentando-a pelas nossas possibilidades, na fixação de condições que - sendo, como são, as variáveis independentes da função que é a própria lei dessa mesma evolução - lhe têm de acarretar, decerto, alterações e desvios que, dentro dos limites nacionais, procuramos orientar e controlar.
Todos sabemos que, subordinados ao princípio de adaptar uma política às necessidades económico-sociais dum país, se encontram - ou podem encontrar - planos de produção, de repartição, de distribuição, de investimentos, claramente definidos por dois elementos distintos: um «fim» a que se pretende chegar e as disposições programatizadas, constituindo os «meios», com vista a poder atingi-lo em certo tempo.
E poderíamos dizer, então, que, se no seu conjunto as disposições acertadas à execução dum projecto visam a uma actividade económica, estaremos considerando, na pura acepção do termo, planos económicos propriamente ditos, os quais poderão, como é evidente, abranger, pela sua extensão, pela sua profundidade, o conjunto complexíssimo da própria vida económica do País.
A contrapor-se à conjuntura, que é um acto de previsão, os planos económicos aparecem nitidamente como processos de acção.
É fácil de compreender, assim, a série de gradações que cabem na definição de planos económicos, dado ela se aplicar tanto a um simples plano parcial (o plano português de hidráulica agrícola, por exemplo) como a um vastíssimo plano que abrangesse o conjunto da vida económica do País: os planos quinquenais russos, para se dar um outro exemplo também.
Dentro delas, ou, melhor, dentro do sentido de planificação que nos oferecem, cabem os nossos planos portuá-
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rios ou de repovoamento florestal, até chegar, passando pelos do tipo Monet e argentino, aos provenientes de um dirigismo total, como são os planos quinquenais da Rússia,- trienal e quinquenal da Hungria, trienal e sexenal da Polónia, bienal e quinquenal da Checoslováquia, por exemplo, a reflectirem-se já na orientação preconizada para a Albânia, Bulgária o Roménia.
Esta gradação está quase sempre, aliás, condicionada pelo sentido orientador da própria política do Estado, que se pode estender desde uma função coordenadora e alentadora da iniciativa privada, reforçando-a, completando-a e enriquecendo-a, até uma planificação baseada numa abdicação total da «iniciativa» e da «propriedade» em relação a qualquer.
Tudo vai na maneira e no processo de aplicar e conceber as directivas precisas, na certeza de que nós, homens livres num país livre, nunca poderíamos aceitar outra intervenção do Estado que não fosse a de fomentar a economia portuguesa no respeito e na aquiescência de direitos e deveres que, de há muito, estão na base constitucional do País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Este o primeiro ponto no que toca às comparações precipitadas com aquilo que se faz lá fora...
Não poderemos esquecer, também, que de há muito o País se vem lançando em trabalhos de fomento, em obras que directa ou indirectamente contribuem para o enriquecimento e prosperidade da Nação e da sua gente; podemos discordar do ritmo em que se tem avançado, da forma de aplicar receitas destinadas a tal fim, mas tudo isto, porém, na atitude de se querer melhor ainda aquilo que já por si tem valor que pode impor-se.
E negar esta evidência é mentir e nada mais.
Definimos claramente directrizes, através de varias leis, como as n.ºs 2002 e 2005, em complemento ou seguimento, aliás, de outra lei importantíssima que bem foi - pode dizer-se - o primeiro passo firme para tirar do País o conceito de exagerada pobreza que durante largo tempo o acompanhou vida fora, a explicar suas misérias e a desculpar maus políticos; à sombra dela, dessa lei importantíssima de reconstituirão económica, se investiram só por parte do Estado cerca de 14 milhões de contos, dos quais, como bem se lembra na proposta, agora apresentada, mais de 10 milhões se estenderam pelo País em valiosas obras de fomento directo.
Tudo quanto se tem realizado em estradas e em marinha mercante, em hidráulica agrícola e em hidroelectricidade, em instalação de indústrias novas e em transporte de energia, por exemplo, no continente, nas ilhas ou no ultramar português, tudo são, afinal, obras consequentes de planos parcelares, ou directivas económicas, do relativa importância, que abertamente se integram num trabalho de fomento, que se impõe continuar e ampliar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Não estamos, de modo algum, portanto, iniciando um trabalho: estamos unicamente procurando recuperar tempo perdido, continuando-o e ampliando-o num ritmo que mais convém.
Por isso mesmo, e refiro-me especialmente aos problemas da metrópole - visto que em relação aos do ultramar a outros, que não a mim, coube tratá-los aqui -, não se poderia estranhar que a proposta do Plano de Fomento apresentada agora não trouxesse novidades de maior no que respeita aos trabalhos projectados para a produção e transporte de energia, que desde há muito se impõe ao consenso nacional; mas com ela passamos abertamente - e em parte que se não mostra pequena - de princípios definidos, e há muito acoitos, para a realidade tão esperada de realizações que os traduzem, em seguimento, aliás, de outras que o País já tem.
Como constituir novidade que pesasse a necessidade imperiosa de tratar da siderurgia, por exemplo, procurando marcar caminhos que nos levem a encetar trabalhos preliminares que há muito se vêm pedindo, tal a convicção já arreigada de que, sem eles, nada feito no que respeita à supressão de muitas dificuldades que nos tem feito sofrer?
E em tudo aquilo que toca aos adubos azotados, à celulose e ao papel, à
folha-de-flandres e à refinação do petróleos, aos portos de mar e aos aeroportos, à marinha mercante e aos CTT aparece no Plano a confirmação do muito que já está realizado para demonstrar as vantagens do que nos falta fazer.
A proposta de lei que estamos discutindo é uma peça de valor a juntar a tantas outras, pelas quais o País foi pouco a pouco ressurgindo do «nada» em que viveu largo tempo; vem dar-nos agora, repito, continuidade a um trabalho, mas numas características de profundidade e de extensão que nitidamente a destacam em relação às anteriores.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-E é sob este aspecto, creio eu, que tomos de a encarar, traduzindo um conjunto precioso de realizações imediatas para o qual se estabelece - o nisso está a novidade e o seu valor principal- um plano do investimentos para seis anos, norteado por uma programatização larga que o País sentia há muito ser essencial para poder progredir; e estendendo, como no seu conjunto estende, as suas preocupações ao ultramar português, constitui uma primeira peça de realizações que abrange, não uma região ou um continente, mas tudo o que afinal define a posição e a razão de Portugal.
Todas as críticas e as comparações podem carecer, assim, de bom sentido se esquecermos este aspecto da questão; louvando, por isso mesmo, o Governo, só temos a desejar, portanto, que a execução deste Plano facilite, dentro de pouco tempo, um plano mais largo ainda, de conjunto, que, abrangendo, em todas as direcções, a economia do País, assente claramente nas medidas, nos processos, nos projectos, pelos quais um equilíbrio desejado para a produção-consumo só defina dentro dum óptimo possível para as realidades nacionais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Teremos de encarar não unicamente planos de produção ou do investimentos, mas também de repartição do próprio rendimento nacional: teremos de avaliar das suas repercussões no comércio externo e na balança de pagamentos, para atingir determinado grau do estabilidade, riqueza e segurança que se possa considerar como melhor.
Teremos de avaliar dos valores e quantidades do que se vai produzir; dos investimentos que, para tal, é necessário fazer; dos meios e da forma de facilitar e interessar em novos empreendimentos, quantitativa o qualitativamente, o capital particular; da redução previsível do custo da produção, para apreciar do valor equilibrado que se impõe atribuir ao trabalho português, do modo a garantir «pleno emprego», e não unicamente «trabalho para todos», sem a todos dar o mínimo que lhes permita viver; dos aumentos consequentes do consumo, das reduções prováveis para os preços, das possibilidades de técnica e de mão-de-obra; das necessidades que se porão perante a indústria, de forma a encontrá-la devidamente apetrechada e preparada nos momentos próprios - escalonados no decorrer do tempo - a for-
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necer aquilo que ao País só for mostrando preciso, sem correres de última hora, nem apelos para o estrangeiro quando seja a nós viável, com possibilidades e tempo, satisfazer cabalmente o mercado nacional.
Teremos de avaliar, enfim, das repercussões previsíveis no montante e na evolução do próprio Orçamento do Estado, olhando às novas possibilidades que, em consequência, se criem não só para um eventual alargamento dos seus quadros e melhor remuneração dos seus serviços, mas também quanto à criação da riqueza, que tem de provir, como é evidente, do dinamismo das finanças publicais, dentro aliás do qual o Governo está abertamente caminhando e para o qual poderá, amanhã, dispor de facilidades e meios que, por enquanto, não tem.
Quanto maior repercussão de benefício económico tiver o Plano de Fomento, que estamos a discutir, mais fácil será, depois, traçar esse plano largo que há-de constituir pedra de fecho, preciosa quanto à política de fomento em que o Governo se empenha para cumprir o seu dever.
Por isso mesmo, não interessa agora perder tempo criticando o Plano de Fomento por mais cedo não ter vindo ao necessário encontro do que interessava fazer; não nos interessa, de facto, teimar em rebuscas do passado, mas sim tratar entusiasticamente do futuro com os meios que, de momento, nos dão.
Procuremos, portanto, colaborar com o Governo, completando e emendando o que for de emendar e completar na proposta apresentada, para dela poder surgir, ao fim e ao cabo, todo o proveito que possa dar realmente ao País; só assim se poderá recuperar algum tempo que perdemos, só assim se impedirá de se perder ainda mais.
E julgo Ter, desta forma, respondido a críticas que ouvi fazer.
Fica, porém, de pé uma deveras delicada:
...é modesto o total de investimentos para as possibilidades que temos o dado quanto nos é preciso completar e realizar de novo.
A afirmação que traduz, ou que pode traduzir uma verdade em valor absoluto, merece com certeza restrições quando em valor relativo. Num momento em que ao Mundo só se oferece a angústia das incertezas, quanto a um futuro bem próximo que se não pode prever, não é fácil trabalhar com o optimismo das épocas que são normais.
E não é simples, assim, responder à afirmação que se faça, quanto àquilo que poderíamos dispensar nos anos que vão seguir-se; talvez, até, seja melhor sentir que se promete pouco para realizar, depois, mais, do que teimar no contrário, tudo prometendo e garantindo para, afinal, não cumprir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-O meio termo que a Câmara Corporativa, por exemplo, proconiza «entre o caso favorável de se encontrar excesso de recursos e o caso desfavorável de se chegar à sua carência», justifica, como é evidente, toda a prudência posta no cômputo dos investimentos.
Haja a certeza, porém, de que um caminho lógico não só para evitar as surpresas mas para se não perderem eventuais possibilidades, se poderá encontrar estabelecendo um plano mais completo de obras e de prioridades a definir um programa de despesas que interessasse realizar.
o que seria possível fazer, sem romper princípios de equilíbrio e segurança que estão, aliás, na base de ressurgimento nacional.
Em conclusão: as necessidades seriam as condições determinantes do estabelecimento dum plano de eventuais realizações; as receitas constituiriam, por seu lado, a condição determinante para a quantidade a realizar.
No fundo, o plano de investimentos que estamos analisando tem o aspecto dum cômputo orçamental de despesas extraordinárias de tipo plurianual, para as quais fosse possível encontrar um equilíbrio com disponibilidades, ou receitas, mas fora do período demasiado curto de um ano.
É, afinal, uma forma lógica e corrente para atender aos planos económicos a realizar em largos prazos, substituindo-se assim, e com vantagem, sucessivos orçamentos extraordinários que buscassem o sincronismo tão difícil entre o planismo económico e o Orçamento do Estado.
O Plano de Fomento, que estamos apreciando, busca cobertura em recursos provenientes não só deste Orçamento Geral mas igualmente, também, de disponibilidades especiais, tais como as dos Fundos de Fomento Nacional e de Exportação, as das caixas de previdência e, até, as das contribuições do crédito, empresas seguradoras, autofinanciamento, etc.
Quer dizer: temos a considerar, para o efeito, um tipo de disponibilidades diferentes daqueles que, normalmente, constituem as receitas e as quais, apoiadas em operações de crédito indispensáveis, dão garantias de cobertura equilibrada, na sua mobilidade ano por ano, às despesas que se impõe realizar.
Do cômputo cauteloso o previdente do Governo, resultam possibilidades de 7,5 milhões do contos para a metrópole e de 6 milhões para o ultramar; por seu lado, e num ajuste de previsões mais largo, a que não falta, porém, demonstração o cautela, a Câmara Corporativa pretende encontrar sem esforço 1.250:000 contos mais.
Acresce que, mesmo sem olhar às possibilidades do aumento das previsões apoiadas no crédito externo, teríamos de atender a que a remuneração garantida a grande parte das obras a efectuar-se - garantida pelo valor da própria obra e, também, pela segurança que a comparticipação do Estado lhe confere - poderá interessar mais largamente o capital particular, marcando-se tal interesse por um movimento de vulto se uma política cuidada o procurar levar de novo - como se diz no Plano - a «tomar o caminho deste sector da economia».
Só o decorrer do tempo permitirá, com certeza, avaliar da evolução que há-de caracterizar as possibilidades de disponibilidades o receitas para cobrir as despesas que o Plano de Fomento considerou; não o subordinemos, portanto, a um determinado montante que possa condicionar tudo aquilo que é possível fazer: partamos antes de quanto nos é preciso e viável, no desejo de aplicar totalmente quanto possível seja para realizarmos o máximo daquilo que se puder.
Faço votos, Sr. Presidente, apoiado aliás no que a experiência da aplicação da Lei n.º 1 914 nos mostrou, por que a verba de investimento prevista pelo. Governo, longe de ser limite condicionante, seja, na verdade e tão-somente, um mínimo de previsão para a arrancada de um conjunto de realizações que se impõe acelerar desde o próprio momento da partida, mal se vá dispondo de garantias monetárias para o podermos fazer.
E uma nota só para terminar: tem sido norma financeira do Governo cobrir com o saldo entre receitas e despesas ordinárias grande parte das despesas extraordinárias que foram necessárias ao País; em cerca de
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vinte anos, mais de 6 milhões de contos se cobriram já desta maneira.
É de esperar que o Governo, ao prever, agora, para a execução do seu Plano de Fomento, a possibilidade de utilização de novos saldos entre aquelas receitas e despesas, não se leve a esquecer de que a compressão forçada das despesas ordinárias que se tem vindo a praticar, para efeito semelhante, está criando no Pais uma situação delicada por prolongada e penosa.
Para reforçar o sentimento da necessidade imperiosa de executar este Plano, chama-se a atenção na proposta do Governo para o fraco rendimento nacional e para a evolução, sempre crescente, da nossa população; creio, porém, que a este respeito alguma coisa se imporá acrescentar.
Puseram-se, aliás, de lado - por desnecessárias, decerto, tão evidentes são - determinadas características que marcam o nosso comércio externo, a forma como é composta a balança de pagamentos nacional, o baixo nível de vida do País, o desajuste pesado entre o custo da nossa produção insuficiente e o fraco poder de compra dos Portugueses, em geral. Por evidentes, repito, só se deixaram, decerto, aflorar aqui e além, numa ou noutra anotação ou entrelinha que, porventura, as tocasse; por evidentes, também, as desejo tomar como pressupostos naquilo que vou referir.
No que respeita ao rendimento por habitante é evidente que, mesmo dentro das reservas que impõe uma comparação feita por redução a uma unidade comum (no caso presente o dólar), a nossa situação não é brilhante, colocando-nos, como aliás em tantas outras, na posição quase extrema dos países carecidos.
Interessaria mais, decerto, atender ao modo como o rendimento nacional tem vindo a evoluir desde há tempos, a fim de se concluir - o que é importante - se a nossa situação vai melhorando nesse aspecto ou se, pelo contrário, se vai tornando pior.
Apoia-se a proposta do lei do Plano de Fomento num número relativo a 1950, e de que a Assembleia Nacional tomou conhecimento através dos elementos valiosos que acompanharam a proposta da Lei de Meios para 1952: 32.953:000 contos, a medir o rendimento nacional ao custo dos factores, valor que, adicionado dos impostos indirectos (que se mediram, então, por 1.926:000 contos), nos levaria para uns 34.879:000, a medir o rendimento nacional a preços do mercado.
Se atendermos a que o valor deste rendimento em 1938 foi de 16.431:000 contos, teríamos a considerar um aumento superior a 110 por cento no intervalo em questão; quanto ao rendimento específico - isto é: por habitante - teríamos 2.189$ e 4.108$, tomando na devida conta os valores respectivos da população metropolitana.
Simplesmente, mal iria quem formasse juízo através de uma comparação tão simplista, visto que, representando-se o rendimento nacional em dinheiro, a sua importância real é função, como ó evidente, do próprio valor da moeda; e isto impõe por sua vez, como é evidente também, uma correcção através dos índices relativos de preços. Desta forma se encontram feitas, por exemplo, em publicações da especialidade as correcções indispensáveis para avaliar do rendimento nacional real dos Estados Unidos da América aos preços de determinado ano, partindo dos valores que então medissem o rendimento monetário.
Não se pode, julgo eu, atribuir indiscutível certeza aos números apresentados para medir o rendimento nacional português há tantos anos atrás; pelo contrário, pode constituir hipótese muito arrojada, de facto, considerá-los satisfatórios para um razoável rigor.
Tomamo-los à falta de outros, e nada impede, decerto, que sobre eles trabalhemos, visto que à Assembleia Nacional se apresentaram para efeito de comparar; e, então, a única preocupação que se mostra será comparar como se deve valores que outros nos dão.
Observamos, assim, que, através duma correcção indispensável, e mesmo admitindo, agora, os números mais favoráveis que os elementos justificativos da proposta da Lei de Meios para 1903 nos trazem para medir o que aí se chama «produto nacional bruto a preços do mercado» - conceito, aliás, que cabe dentro da designação corrente de rendimento nacional assim atributado - , os aumentos que, aparentemente, se notavam descem verticalmente para cerca de 14 por cento, e os «relativos», ou por habitante, para cerca de 10 por cento, somente.
E se quiséssemos, ainda, comparar os valores específicos de 1938 com os correspondentes a uma média avaliada para o quinquénio considerado, encontraríamos praticamente uma igualdade: 1.960$ e 1.970$, respectivamente, também.
Em face desta dura conclusão, que os números apresentados, mesmo dentro da sua probabilíssima falibilidade, permitem imediatamente tirar, melhor se compreenderá, com certeza, a razão que se contém nas palavras que, com a devida vénia, transfiro do parecer da comissão encarregada de apreciar as contas públicas relativas ao ano de 1950:
... passaram doze anos; aumentou a população de perto de 1 milhão de almas e mantiveram-se as cifras, quer no que diz respeito a rendimento, quer a receitas. Este é que é o grande problema português, o grande problema do passado e, infelizmente, o grande problema do presente - alenta ascensão, ou talvez o estacionamento do rendimento nacional em relação ao crescimento demográfico, que persiste em acentuar-se.
Julgo, Sr. Presidente, que a conclusão apontada é ainda mais importante para avaliar do interesse do Plano de Fomento do que esta que provém de se olhar só aos valores dos rendimentos de países estrangeiros, numa comparação tão delicada com aquele que, em determinado momento, possa, em moeda diferente, representar o rendimento português.
E para terminar com este assunto direi unicamente que foi pena, que foi mesmo grande pena, dada a repercussão que nele há-de vir com toda a certeza a ter, que o Plano de Fomento apresentado não se fizesse acompanhar de um esquema que nos dê a ideia do incremento consequente para o nosso rendimento nacional.
Vejamos, agora, alguma coisa quanto às consequências económico-sociais da evolução demográfica portuguesa, cujo ritmo crescente se pretendeu deixar bem demonstrado no Plano.
No que respeita a um futuro próximo, poderíamos talvez dizer que não seremos possivelmente em demasia em face das próprias razões que no Plano de Fomento, aliás, se invocam, se depreendem ou deduzem.
Vai já muito longe o tempo em que a pobreza parecia ser atributo penoso da posição de Portugal; quando no ferro e no carvão se estribava a potencialidade industrial de um país, enquanto as descobertas de Tomás, de Bessemer, de Siemens-Martin, por exemplo, e entre tantas, a transformar a siderurgia, e a aplicação dos combustíveis líquidos e da hidroelectricidade, estavam, como aquelas, longe de provocar a série de mutações que acarretaram na geografia da própria produção; enquanto os territórios do ultramar se valorizavam principalmente como fornecedores de especiarias ou de riquezas agrícolas, e como centros magníficos de consumo para garantir, nas metrópoles, a divisão intensa do trabalho sobre a qual se pôde erguer a revolução
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industrial que deu novo aspecto ao Mundo, Portugal pouco mais podia ser do que um país malfadado para progresso e riqueza.
Simplesmente, como tão bem se aponta no Plano de Fomento apresentado, a técnica e a ciência foram-se desenvolvendo de tal modo nas suas aplicações, que países outrora carecidos de importância, comandados, castigados pela supremacia invejável dos que tinham mais riqueza, e mais poder, encontraram lugar ao sol, de tal maneira que a pobreza deixou de ser para eles um ditame do destino, mas simplesmente um «testado» que ficou a tirar caro se o quisessem manter.
Já não são unicamente, agora, os minérios ferríferos utilizados durante largo tempo pela Inglaterra, por exemplo, que podem interessar à siderurgia; já se não pára nas novas possibilidades que dão à França, à Alemanha, ao Japão, à Espanha, à Itália, posição relativa de relevo nas acearias mundiais: é a viabilidade de utilização de minérios bem pobres, como o Friktal dos suíços, que nos trazem alentadora esperança de poder aproveitar, com maior êxito, siderites como as de Guadramil, hematites como as de Moncorvo, magnetites como as de Vila Cova o do Alentejo, limonites como as de Rates, por exemplo.
Por sua vez, as possibilidades de síntese - pelas quais um país como a Alemanha se pôde industrializar para uma guerra, dado que o Tratado de Versalhes não lhe tirara tudo. visto lhe ter deixado a celulose e a água, o sal, o carvão e o ar - abrem-nos horizontes de tal modo que a lavoura portuguesa já dispõe de adubos azotados obtidos simplesmente de matérias-primas nacionais.
Não iria relembrar, aqui, a gama de produções que, agora, nos são possíveis, e que ontem se mostravam para nós interditas ou onerosas; para tudo foi, porém, preciso que a mutação verificada na geografia da energia nos viesse colocar em lugar de especial tranquilidade quanto às valiosas reservas que a natureza nos deu. Pobre em carvão, em combustíveis líquidos, a hidroelectricidade permite utilizar, de norte a sul do continente português, 8, 9 ou 10 biliões de kilowatts-hora, sem esquecermos que só em Angola, por exemplo, mais de 25 biliões, com certeza, podemos encontrar também.
Já não são unicamente, agora, os quase 92 000 km2 da metrópole a manter unido a si um território vasto, à laia de latifúndio difícil de aguentar; são mais de 2 milhões de quilómetros quadrados, que num referver impaciente de reais possibilidades prodigamente se oferecem para darem a todos os Portugueses, e beneficiando o Mundo, riqueza, prosperidade, bem-estar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Podemos, assim, acabar de vez com a aquiescência polida com que ouvimos estrangeiros dentro da nossa casa, e à laia de cumprimento, apontar a nossa pequenez e modéstia para destacar, com louvor, o que fizemos; saibamos responder altivamente que temos a consciência - e, para aí, vá então o cumprimento - de ter feito um esforço enorme para obter os recursos e firmar uma política, que nos permitem agora, país grande tendo em si um potencial de riquezas variosíssimas, materializar economicamente a posição respeitada que há muito temos no Mundo por razões de dignidade, de moral e de justiça.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-E um cartão de visita precioso para nos apresentar, desta forma, aos estrangeiros amigos está no próprio Plano de Fomento que a Câmara agora discute a fim de o poder aprovar.
Simplesmente, o problema encarado assim pode trazer, quanto à evolução demográfica, uma interpretação diferente.
É evidente que a primeira preocupação que ele nos causa é a necessidade que se põe de garantir a vida, o bem-estar e o sustento às massas populacionais que no País vão surgindo, tanto mais que durante largo tempo as progressões geométricas, as exponenciais, regularam a determinação das probabilidades quanto aos volumes demográficos no futuro.
Com base, porém, na previsão pelas «logísticas», que a experiência parece comprovar, teríamos de concluir não por um aumento progressivo e sem limites da nossa população, mas por uma estabilização populacional para daqui a umas dezenas de anos, num máximo de 10 ou de 11 milhões de habitantes na metrópole, por alturas do ano 2000.
Como primeira comprovação desta hipótese, e que se toma aliás sob todas as reservas, encontramos para os anos de 1950 e 1951 valores que medem as taxas de reprodutividade líquida, a enquadrarem-se muito mais numa evolução logística do que na duma exponencial qualquer; quer dizer: começamos a notar, agora, o declínio dessas taxas, em obediência a previsões que, aliás, para o nosso país foram feitas no estrangeiro, também.
Nestas circunstâncias, o problema seria totalmente diferente, nas suas consequências e na sua análise, daquele que se poderia pôr entre nós com base em aumentos sempre crescentes; de facto, muito embora novas condições de vida, expansões da área habitada, por exemplo, levassem o crescimento populacional a retomar anteriores incrementos, o certo é que passam a ser improváveis os 13 ou 15 milhões de habitantes que se poderiam esperar para os fins do nosso século.
Não podemos esquecer, de resto, que as taxas de natalidade poderão acentuar ainda mais a sua queda - que é, aliás, geral - conforme o tipo da economia portuguesa se for a pouco e pouco transformando em lace da industrialização do País que se procura fomentar.
E, então, as nossas possibilidades que a técnica dia a dia faz crescer, o nosso território vasto a pedir presença e acção, podem amanhã - pelo contrário - apontar como exígua a quantidade disponível do trabalho que teríamos para lhe dar.
Lembremos, posto isto e simplesmente, que a energia total ao dispor dos Norte-Americanos, por exemplo, pelas fábricas, caminhos de ferro, automóveis, etc., garante a cada um deles, e em média, trabalho que corresponde ao de cerca de oitenta trabalhadores invisíveis, incansáveis e obedientes.
O homem tem possibilidades, portanto, duma nova escravatura que de modo algum ofende a doutrina cristã que nos conduz; e, assim, todo e qualquer país que disponha de fontes energéticas pode encontrar na sua utilização judiciosa, no seu aproveitamento cuidado, massas poderosas de escravos invisíveis, como já se lhes chamou, que o ajudem a dispor de possibilidades de trabalho que dia a dia vêm continuamente aumentando até quase perder limites quando se olha à energia nuclear.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Todos sabem que, muito embora recentemente melhorada, é ainda muito baixa a posição de Portugal quanto a consumos específicos da energia mecânica que importa ou que produz; temos necessidade, portanto, não unicamente de apetrechar o País no que respeita à produção energética, com vista a obter segurança e a economizar divisas: trata-se também de garantir, desde já e para o futuro, a própria vida e defesa de uni território vasto, para que outros menos favore-
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cidos da sorte não possam amanhã dizer que ele é demasiado para nós.
Temos de estender em Portugal, de lés a lés, do ponta a ponta, o valor do nosso esforço, reforçando o nosso potencial demográfico pelo potencial enorme que as forcas da Natureza nos põem inteiramente ao dispor, graças principalmente a existência de rios, cuja energia potencial a técnica actual nos permite aproveitar com todo o interesse.
E se as «logísticas» falharem? E se, afinal, as condições determinantes se alterarem de novo, levando o crescimento demográfico, nos anos que vão seguir-se, para o ciclo de evolução que um exponencial melhor traduz?
Pois, se não tivermos devidamente aproveitados os recursos energéticos, preciosos, que a Natureza nos deu, se não buscarmos apoio em massas cada vez maiores desses escravos solícitos, não teremos possibilidades de garantir a tanta gente nível de vida que baste, nem sequer de lhes poder dar, talvez, no território que é nosso ocupação valiosa para si, para os seus e para todos.
Tem de ser sob esta preocupação, portanto, que devemos analisar o capítulo importantíssimo que no Plano de Fomento respeita à produção da energia eléctrica.
Está longe de mim, como é evidente, a pretensão de discutir tão delicado e apaixonante assunto dentro do particularidades ou de minúcias técnicas, visto que uma. discussão em tais moldes não seria apropriada para aqui; limitar-me-ei, portanto, como aliás no resto, a procurar esclarecer, ou criticar, um outro ponto do interesse em que possam ter surgido confusões, seja no Plano apresentado, seja no confronto que para ele se busque com o notável parecer da Câmara Corporativa que, em boa hora, motivou.
Comecemos por notar que a Assembleia Nacional se encontra, por exemplo, e olhando aos dois documentos, perante critérios diferentes quanto às previsões para o consumo; e poderá perguntar-se assim, dentro de certa lógica, onde estará a razão, se ó que qualquer a tem na hipótese de a ter algum.
O caso tem de ser analisado em valor absoluto e em valor relativo para poder ter resposta.
Se deduzirmos dos consumos previstos no Plano, para o intervalo 1952 a 1958, os valores correspondentes aos da electroquímica (supostos em 180 milhões de kilowatts-hora para 1952 e 250 milhões para os anos restantes), cairíamos, de facto, em deficits mais modestos do que aqueles que se apontam; teríamos, para valores relativos a energia permanente, l 210x106 kWh em 1952 (contra os 1 390x106 previstos) e 1 960x106 em 1950 (contra os 2 210x106 que se indicaram).
Ora, como ó evidente, não se podem somar desacauteladamente todos os consumos previsíveis, a Hm de poder avaliar das produções necessárias, sem se atender à natureza que os marca: os consumos da electroquímica são, pelo menos em parte, temporários, o que quer dizer que os 250 milhões de kilowatts-hora, para tal fim previstos, não absorvem quantidade igual de energia, permanente nas centrais que a produzirem. Bastar-lhe-á parte dela para os satisfazer, como é preciso.
O reconhecimento desta disparidade, que aliás provém de uma confusão que é corrente, tem interesse indiscutível quanto à compensação que será necessária, por via de energia térmica, mas não o tem, com certeza, quanto ao vigor que. porventura, se pretendesse ligar aos totais de energia, produzida, a prever ano por ano.
De facto, é lei de sobejo conhecida a duplicação em dez anos para a produção de energia eléctrica, mesmo naqueles países cuja capitação é indiscutivelmente muito mais elevada do que a nossa; paupérrimos, modestíssimos de consumo mesmo hoje em dia, quando as novas centrais hidroeléctricas em serviço nos ajudaram a subir o seu total para a ordem do bilião, nada permite prever que a lei de aumento, para nós, se vá mostrar agora com características sensivelmente diferentes daquelas que a tem vindo a marcar.
Se países como a Suécia e a Suíça, por exemplo, continuam a duplicar praticamente a sua produção em dez anos, ou em menor tempo ainda, com consumos específicos já superiores a 2 000 kWh, como não poderíamos nós provê-lo, quando de tanta energia eléctrica precisamos, quando o nosso consumo per capita dificilmente ultrapassa uns parcos 120 kWh : menos de um terço da média geral europeia há poucos anos atrás?
Onde temos outras formas de produção de energia que nos tirem da posição tão baixa de que devemos sair?
Depois da influência directa da guerra, que nitidamente se marcou, de 1941 a 1945, por bolsas acentuadas na evolução do consumo, o ritmo do seu aumento tem-se acentuado de tal forma que mesmo com as restrições, que há cerca de três anos suportamos, estamos frente a um acréscimo de uns 90 por cento, entre 1940 e o ano que findou (13 por cento anuais, a traduzir uma duplicação entre os seis e os sete anos).
Partindo de uma taxa anual de crescimento representada, a partir de 1951, por valores lenta mas sucessivamente decrescentes, que baixaram até aos 7 ou 7,2 por cento, considerados normais em todo o mundo civilizado, a Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos apresentou em tempos - publicou-as, mesmo, sob nónio responsável há pouco mais de três anos - previsões que tinham por limites 1951 e 1960, com 1 100 X 106 kWh e 2 255x106, respectivamente.
Nestas previsões, que poderão estar para o futuro ultrapassadas em lace de características que estão teimando em manter-se de 1945 para cá, os números coincidem totalmente com todos os previstos no Plano para o intervalo 1952-1958, desde que se lhes subtraia todo o quantitativo de energia que à electroquímica se destina.
Posta de lado, portanto, a parte que a esta caiba, as diferenças entre os totais absolutos das duas previsões consideradas não ultrapassam os 13 por cento, no caso em que é maior a disparidade.
No parecer subsidiário da Câmara Corporativa atribuem-se 1 000 X 106 kWh e 2 030x106 para as necessidades de energia hidráulica permanente em 1952 e 1958, respectivamente (aumento médio de 12.5 por cento ao ano), valores que totalizam com as quantidades arbitradas para a energia temporária (230 x 106 kWh e 320x106 kWh, nesses anos-limites) qualquer coisa como 1 230x106 kWh e 2350x106, nos mesmos anos e respectivamente, também.
Quer dizer: menos 11,5 por conto e mais cerca de 6,5 por cento em relação aos valores preconizados no Plano de Fomento, para os limites considerados de 1952 a 1958.
Muito embora no Plano não se definam os valores que só devem considerar para a energia temporária, vamos supo-los, por simplicidade, incluídos nos números apresentados, na percentagem que melhor convenha: e discutiremos então, e unicamente, esses totais que se propõem.
No que respeita ao maior rigor, ou maior correcção, na forma de estabelecer as previsões, a decisão teria de pender francamente para o parecer da Câmara Corporativa; no que respeita, porém, aos valores relativos dos números apresentados, 10 ou 15 por cento a mais ou a menos não aquecem nem arrefecem em face das incertezas que nos cercam ao calcular.
Estamos fazendo previsões dentro dum plano de fomento, que procura alargar, portanto, o consumo da
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energia tanto em intensidade como em superfície: quer dizer: não estamos prevendo aumentos dentro duma forma, ou dum tipo, de distribuição existente, esquecendo, por exemplo, as zonas brancas de energia de Trás-os-Montes e das Beiras, do Alentejo e do Algarve, onde se torna imperioso distribuir electricidade em quantidade e em bom preço quer à indústria, quer ao consumo doméstico, quer ao trabalho rural, se quiser-mos tirar dessas regiões importantes para a economia portuguesa todas as vantagens que elas lhe podem dar.
E, só neste sentido, teríamos a prever um mínimo, para aumentos de consumo, à volta [...] 150x106 a 200X 106 kwh por ano, a juntar às previsões já feitas.
Por outro lado ao lançarmos o País da forma que pretendemos num caminho mais aberto para a sua industrialização, reorganizando, modernizando e ampliando o existente a par de unidades novas que vão ser consumidoras de mais energia, também, não poderíamos pôr de lado os aumentos consequentes de um trabalho que exactamente nos leva a tomar, no consumo de energia, a posição que é precisa se quisermos criar riqueza em Portugal.
A instalação da electrossiderurgia, é certo, cria um problema próprio quanto ao seu abastecimento, o que leva a admitir que o cômputo dos seus consumos funcione como constante a adicionar ou não às provisões que se façam para os consumos correntes. Simplesmente, se a siderurgia em Portugal vier a ser um facto, se principalmente a montarmos num plano judicioso de conjunto que leve a aumentar, e a firmar, um mercado interno que lhe dê todo o interesse, hão-de surgir novos aumentos de consumo por via de indústrias complementares, ou suplementares, que à sua sombra se criem, ou se desenvolvam, como sua consequência imediata ou mediata.
Grande parte do nosso desequilíbrio demográfico, resultante da chamada ao litoral e da tentação insofrida que os grandes centros provocam, tem por causa determinante a pobreza e a carência, dos nossos meios rurais, consequentes de uma produção agrícola fraca, que um clima nem sempre ajuda, e um solo nem sempre facilita; compreende-se, perante ela, a afirmação responsável do Chefe do Governo Português, que a nossa geração deixou marcada num plinto de granito da lindíssima barragem da veiga de Chaves:
A rega ó considerada magno problema de interesse simultaneamente económico, suciai e militar, que como nenhum outro contribui para a valorização do património nacional, para a criação da riqueza pública, para a absorção do nosso excesso demográfico e para o desenvolvimento do comércio interno e externo do País.
Simplesmente, o estabelecimento de novos regadios, c a ampliação dos já existentes, não podem ficar somente na dependência estreita das águas superficiais, impondo-se recorrer igualmente às águas subterrâneas que se apresentam entre nós, e quantas vezes de forma a satisfazer totalmente.
Independentemente, portanto, dos trabalhos valiosos de hidráulica, agrícola, por exemplo, que procuram criar vida Miais fácil no País. é necessário que o lavrador encontre fáceis possibilidades de obter, com vantagem, a água que, porventura, tenha no subsolo do terreno que cultiva ou que é seu.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Todos nós aceitaremos, sem duvida, o aumento de consumo de energia eléctrica que o Pais irá enfrentar, no dia em que a preço adequado, ela possa
aparecer largamente em cada campo, a dar auxilio precioso, indispensável, para ajudar a regar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E não esqueçamos, também, que devendo ser a electricidade não só um auxiliar para a vida mas também, para a sua própria economia, sendo - ou devendo ser- forma de ajuda preciosa, ferramenta segura de trabalho, o não um luxo qualquer, impõe-se trabalhar para obter regimes de tarifas adequadas, possivelmente degressivas, que a todos dê mais interesse na sua utilização.
Está nisso o empenho, aliás, da própria empresa, visto que um custo marginal cada vez mais baixo leva inevitavelmente o comprador a ampliar as suas compras, com nítida vantagem para o rendimento da empresa, como facilmente se demonstra.
Ora tudo isto, decerto, será possível, não só através duma reorganização da própria forma de vender (dependente, aliás, de haver para tal produção suficiente) mas também em face da redução dos custos, em certos casos previsíveis para o kilowatt-hora entregue nas subestações ou nas centrais.
A regularização dos caudais do alguns aproveitamentos, permitindo melhores diagramas de utilização (como há-de acontecer quando se completarem os sistemas actuais do Zêzere e do Cávado, por meio de escalões que, em relação aos actuais, se podem considerar complementares mi que respeita a suplementos de energia e a embaratecimento de preço), a interconexão de centrais com vista a conseguir obter mais de energia permanente à custa de energias, ou de potências, temporárias parcelares (como pode acontecer pela conjunção da energia regularizada do Zêzere com a energia a fio de água do Douro), reflectir-se-ão, com certeza, nos preços de custo da produção; e quanto aos novos aproveitamentos que ainda nos são possíveis, não podemos pôr de lado a viabilidade de obter, talvez, cerca de 1 300 milhões de kilowatts-hora do Douro internacional nos seus três escalões), com uma potência, total, superior a 160: 000 kwh e a um preço, em centros interessantes de consumo, que possivelmente poderá vir a ser sensivelmente mais baixo do que os preços actualmente praticados pelos nossos melhores, maiores e mais modernos sistemas hidroeléctricos.
Ora todos nós sabemos como a procura da energia eléctrica é particularmente elástica, com comprovações aliás tiradas numa zona bem importante do consumo português; refiro-me à cidade do Porto, onde uma baixa de cerca de 70 por cento no preço médio do kilowatt-hora vendido para usos domésticos levou não a duplicar o consumo respectivo no período de dez anos mas sim a aumentá-lo de dezassete vezes, levando o consumo especifico de 98 kWh para 1 120 kWh.
Nesta evolução rapidíssima, e intensíssima, se observou, portanto, que, em média e por cada diminuição de 10 por cento no preço, houve um aumento, em 10 anos, de cerca de 230 por cento no consumo doméstico da cidade.
E já que estamos referindo necessidades de suprir grandes aumentos para consumo de energia eléctrica em Portugal, cabe perguntar e já alguns o têm feito - se não será um lapso de monta o Plano não considerar, para tal fim, a possível ou eventual utilização de energia atómica entre nós.
De facto, não restam dúvidas, já que a sua utilização inclusivamente para fins pacíficos está mostrando um incremento em cada dia maior, e é a própria Comissão Cowles para as investigações económicas, por exemplo, da Universidade de Chicago, em conjugação com o comité, da Social Science Rescarela Council, para os
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aspectos económico-sociais da energia atómica, que se preocupa em mostrar ao Mundo o auxílio poderoso que este poderá vir a ter na utilização judiciosa da energia nuclear.
A muitos poderá parecer um erro, portanto, tal descuido no Plano, dado, por um lado, que quaisquer instalações que, porventura, se fizessem exigiriam potências e energias volumosíssimas; e pensam assim, talvez, atendendo não só às possibilidades enormes que a energia atómica está amplamente demonstrando num campo estranho ao da guerra, mas ainda por saberem que em Oak Ridge, por exemplo, se consideram como entre os melhores os nossos minérios da Urgeiriça.
E até que ponto se poderá perguntar, também, se a montagem de uma pilha de potência não poderia substituir vantajosamente alguns empreendimentos termo ou hidroeléctricos que se prevêem para futuro?
Recordam decerto os primeiros as instalações de Hauford e de Oak Ridge, nos Estados Unidos da América, cujos reactores desenvolvem uma potência superior a 1 milhão de kilowatts e que se destinam à produção de plutónio: previstos para um funcionamento a temperaturas relativamente baixas, exigem quantidades
enormíssimas de água de refrigerarão e, consequentemente, uma potência eléctrica elevada para o accionamento das bombas.
Segundo mesmo as previsões da Atomic Energy Commission, será esta talvez, no ano próximo, o mais importante comprador da energia dos Estados Unidos da América do Norte.
Lembrar-se-ão os segundos que um reactor instalado em Idaho alimentou já, nos fins de 1951, e durante algumas horas, um turbo-grupo de 100 kW, fazendo funcionar um certo número de bombas e de outros órgãos essenciais da instalarão; e que o Canadá, por seu lado, espera ter devidamente afinado, e dentro de meia dúzia de anos, um reactor de potência cuja construção se poderá comercializar dentro de dez. Sob este aspecto, portanto, devemos ter ainda largo tempo à nossa frente.
Segundo fonte de maior confiança, que desejei consultar sobre este assunto, não parece porém que em Portugal seja viável, para já, a instalação de um grande reactor, exigindo um consumo de energia considerável para a sua refrigeração: é, aliás, a mediania dos nossos próprios meios que o interditariam, por não se coadunarem, decerto, com um dispêndio de milhões de contos ...
Quando muito, a vantagem de um pequeno reactor de investigação constituirá, talvez, um dos imediatos problemas que a situação portuguesa pode, na realidade, aconselhar; com ele ou por ele, e a par do preparo de pessoal técnico e científico, de trabalhos metódicos de prospecção de jazigos de minérios no continente e no ultramar (dando assim cumprimento a uma determinação expressa no Plano), da valorização dos produtos extraídos do nosso solo por meio de oficinas de concentração de minérios e de purificação de concentrados, estaremos realizando bom trabalho para podermos tomar, daqui a uns anos, outra orientação que mais convenha.
Pode ser que entretanto - e parece ser razoável esperá-lo - o problema delicado da troca de calor no reactor se resolva satisfatoriamente, de forma a que quando mais tarde, então, construíssemos igualmente a nossa «pilha», ela servisse não só para a produção de plutónio, mas, ainda, para um fornecimento apreciável de energia à rede eléctrica nacional.
Mas creio que entretanto podemos descansadamente ir aplicando, sem perigo, os capitais portugueses à obtenção de energia que os nossos rios garantem.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Mas retomemos o Ho da meada que, por pouco, ia perdendo.
Como se torna evidente, não poderia ser num pronto que o consumo de electricidade pudesse vir a subir, mas o ritmo em que tal aumento se poderá vir a dar deponde, naturalmente, das facilidades que se criem: em qualquer caso é mais lógico, com certeza - como, aliás, o propõe a Câmara Corporativa-, admitir um ritmo mais intendo para daqui a uns três ou quatro anos, do que para o período imediatamente a seguir-se no início do Plano.
É sempre um pouco arriscado, portanto, aventar números a definir previsões sem só terem devidamente ponderado todas as circunstâncias neles influentes, e rias quais procurei deixar, aqui, ligeiríssimo apontamento; o que é certo é que não interessará, com certeza, pugnar pelo rigor duns 15 ou 20 por cento, quando o erro da própria previsão pode exceder esses valores muito mais.
Por outro lado, os suplementos da energia admissíveis e as reduções nos custos provenientes do novos escalões regularizadores, a distribuição previsível dos consumos de energia, não só pelas possibilidades permanentes e temporárias, mas em consequência, também, dum fomento em larga escala e duma política tarifária mais encorajante o cuidada, definem dados preciosos para o problema da produção da electricidade, que levam a orientar os responsáveis pelos caminhos que melhor convêm.
Não dispomos, aqui, desses elementos basilares o não podemos também, pelo texto da proposta, depreender com segurança se eles pesaram, ou não, no espírito do quem a fez; de desejar é, portanto, que o Governo os tenha ponderado com cuidado, para poder ajustar, à sombra deles, uma evolução justificada para os consumos nacionais.
A forma de os suprir há-de depender, como é evidente, de circunstâncias variadas, de condições técnicas de realizações e de projectos, dos prazos e das despesas, das relações benefício-custo; não temos tais elementos para os poder discutir e pode ser, também, que o Governo não disponha ainda deles para assentar, com segurança, no que convém fazer.
Por isso mesmo, afirmo a minha convicção, Sr. Presidente, de que terá sempre maior lógica a Assembleia Nacional pronunciar-se por uma verba em globo - destinada a garantir cobertura de consumos previsíveis por razões bem demonstradas - do que tomar posições bom discutíveis sobre a materialização de soluções para problemas técnicos, a optar por elas e a marcar possibilidades, que aos serviços responsáveis compete definir e ao Governo escolher.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Como pronunciar-se esta Câmara, olhando unicamente às previsões apresentadas, sobre a prioridade do Douro em relação a outros aproveitamentos, tais como os escalões restantes do Cávado ou do Zêzere? A certeza das suas entradas em serviço, numa determinada data, pode ser - e é neste caso - uma razão dominante para a escolha a promover.
Se o Governo a tem, a posição é uma, se a não tem, a posição é outra; o que a Assembleia Nacional não poderá, quanto a mini, é ir muito além de desejar que o Governo a adquira francamente para poder assentar na directriz a seguir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Em compensação, o que a Assembleia Nacional já não poderá aceitar, com certeza, é a lacuna grave quanto às previsões a formular para os períodos seguintes a 1958.
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De facto, a admitirmos mesmo um aumento de consumo, para depois e ano por ano, em volta dos 10 por cento, o nosso consumo específico, em 1958, andaria pelos 65 por cento do consumo médio europeu dez anos antes ... atingiríamos em 1961 - supostas invariáveis certas condições de distribuição e de preço - a necessidade dum consumo que se poderia medir por cerca de 3 biliões de kilowatts-hora, ou seja, em relação aos 2 340 000 kWh que o Plano prevê como produção realizada em 1958, necessidades suplementares a cobrir que podem tocar os 600 milhões e que poderiam atingir, ainda, os 1 200 milhões em 1963, também.
Mesmo com a lei corrente e normal da duplicação em dez anos, ficaria por cobrir um mínimo de 800 milhões do kilowatts-hora; e isto sempre partindo do princípio de serem mais rigorosas as previsões do consumo do Plano apresentado do que aquelas que a Câmara Corporativa, por sua vez, apresentou.
Consumo exagerado, dir-se-á; nem tanto, Sr. Presidente, visto não chegarmos então, e com aqueles 1 200 milhões de kilowatts-hora, aos 350 por habitante, ou seja à média que se marcava na Europa quinze anos antes.
A razão de tudo isto está em que, sob este aspecto, não vamos terminando caminhadas: começamos simplesmente a caminhar.
E perante esta realidade insofismável, que o Plano não referiu, mas que a Câmara Corporativa não deixou de apontar, estaríamos em pleno ambiente de incertezas poucos anos depois de termos atingido, finalmente, um equilíbrio desejado.
Por isso mesmo, tem carradas de razão a Câmara Corporativa quando diz no seu parecer:
... é mesmo uma falta grave que se aponta ao Plano o ter previsto a satisfação do consumo até 1958 e não ter considerado que é necessário, muito antes disso, começar a construção de nova fonte para cobrir o aumento de procura a partir de 1959; a não se fazer assim, teríamos, a seguir a este ano o por um período de quatro a cinco anos (tempo de construção de uma unidade grande) a impossibilidade de servir esse aumento. Seria uma perturbação enorme e um descrédito para a obra de electrificação e para o planeamento do seu programa.
A construção de nova ou de novas unidades, para uma entrada em serviço a tempo e horas, tem de estar, portanto, recuada em relação a 1958; nada se prevendo, a tal respeito, no Plano, mais difícil será ainda para nós aprovar verbas, presas a realizações de um conjunto, em que sentimos esquecida uma das pedras principais.
Nestas circunstâncias, de resto, o Douro aparece aqui, independentemente da sua utilização especificada para fins como os da electrossiderurgia, a mostrar-se elemento essencial para cobrir ritmos de consumo que hão-de surgir ao Pais após 1959 ou 1960.
Creio, Sr. Presidente, que, se forem devidamente tapadas, e como aliás é devido, lacunas tais como estas, muitas questões se atenuam, porque muitos aproveitamentos mais serão precisos para garantir os consumos da energia eléctrica em Portugal.
Não desejaria, Sr. Presidente, deixar de tocar também, ainda, a necessidade de um apoio térmico, indispensável às características da nossa produção hídrica.
O problema tem apaixonado muita gente, mas parece não haver já dúvidas de ser preciso instalar, a par da conservação cuidada do que melhor exista na produção térmica, uma central à «boca de mina», de forma, como se diz no Plano, «a queimar os combustíveis pobres da produção nacional».
Recordo até que, em 1950, o engenheiro chefe da secção de energia eléctrica adstrita ao Plano Marshall - Samuel Neville- apoiara a construção de uma unidade dessas, com 25 000 kW de potência instalada. Era este, aliás, um número que andava na boca de muitos, até como o de maior interesse para o apoio procurado.
O Plano fala, agora, de uma central cuja potência atinja os 50 000 kW, visto partir do princípio de que a «criação de grandes reservas hídricas de uso interanual parece ser menos económica do que a instalação de centrais térmicas de apoio».
A Câmara Corporativa, por seu lado, propõe uma central cuja potência, de início, orce pêlos 35 000 kW, com possibilidades de ampliação futura; temos de reconhecer, por nosso lado, que não há disparidades do peso entre os critérios em questão, visto que, ao fim e ao cabo, tudo vem a dar na mesma.
Julgo eu, que a nossa posição, aqui, se deverá limitar a isto: a aceitar que quem tratar, depois, da instalação conveniente, deverá estudar devidamente os pormenores necessários para assentar na potência que convém instalar de início.
Observo, porém, que uma diferença, senão de fundo, de forma pelo menos, se podo já encontrar no critério que traduz a seguinte afirmação da Câmara Corporativa: «Ao falar-se de apoio térmico, não se quer esquecer a possibilidade de recorrer a albufeiras de regularidade interanual»; e afirmando a sua concordância quanto à necessidade duma central térmica, lembra ainda a Câmara Corporativa a vantagem de comparar «possibilidades» (que tem reflexo na autarquia e nos preços), para só assentarem ideias sobre assunto que é tão largamente discutido e se mostra de tamanha monta.
Não creio por mim possível, de facto, que com bom critério se adopte por decisões, neste campo, sem ter devidamente ponderado as eventuais, possibilidades técnico-económicas de albufeiras de regularidade interanual.
O assunto é de tal forma delicado que impõe a substituição do «parece» com que o Plano apresenta uma opinião a atender, pela indispensável certeza, que há-de, amanhã, acreditar ao País a solução que se escolheu.
E já que estamos a falar de energia eléctrica, não queria abandonar tão momentoso assunto sem uma referência, embora ligeira, à electrificação dos caminhos de ferro que praticamente se não faz.
É indiscutível o interesse duma rede ferroviária para um país, mesmo hoje em dia, quando outros meios de comunicação e de transporte têm papel de especial relevo na vida da colectividade; permito-me até afirmar, tão arreigada se encontra a minha convicção, que me parece pecaminoso exagero teimar em estabelecê-la sempre de tal modo que a sua exploração obrigatoriamente acarrete vantagens a traduzir-se em lucro para a empresa exploradora.
Hoje mais do que nunca, e tal como as estradas e os portos, as vias fluviais e as pontes, as redes ferroviárias têm de ser encaradas como um meio de contribuição para o desenvolvimento da economia1 do País e que, portanto, o País tem de pairar e sustentar à custa de algum sacrifício se tal se tornar preciso; o bom arrumo da exploração ferroviária pode estar não somente na exigência de saldos positivos para as contas de exploração, mas sim na dum saldo francamente positivo entre os benefícios que traz à comunidade e o custo que, para esta, pode representar mante-la como se impõe.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Não há dúvida, de facto, de que em comparação com sociedades comerciais e industriais mais diversas, as dos caminhos de ferro mostram, na ordem
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política, uma conexão estreita entre o interesse geral e a sua própria actividade.
E poderíamos acrescentar, fio destacar o interesso nacional dos transportes ferroviários. que uma rede de caminhos de ferro seria hoje em dia inconcebível n« género de outra emprega qualquer, subordinando-a somente a ser o mais alto possível o seu lucro monetário; tanto na sua manutenção, como na sua exploração, o político e o nacional entram em linha de conta, ao Indo de considerações puramente económicas e financeiras.
É evidente que exactamente por se procurar que o maior benefício resulte para a colectividade1, devemos tentar a melhor utilização que for possível de todos os sistemas existentes, buscando uma coordenarão que compreenda todo o movimento de tráfego nos sistemas ferroviários c rodoviários; uma política de transportes tem de considerar, assim, como aspiração mais razoável, conseguir um emprego total e adequado, dos elementos que para ela contribuam, com vista ao maior e melhor serviço da comunidade.
E isto não se consegue, não tenhamos dúvidas, nem com exclusões, nem com privilegio, mas sim com uma harmonia cuidada entre caminho de ferro e transporto automóveis na rede actual de comunicações do País o tudo subordinado objectivamente a um principio de colaboração estreita que estará, aliás, nu base da própria solidariedade nacional.
Mas se esta coordenação é, de facto, indispensável para o melhor serviço da colectividade, não o é com certeza, suficiente para o seu mais baixo custo; e passa a interessar aqui como é razoável, também, a preocupação de atingir, na exploração considerada, a organização mais perfeita dos serviços e da técnica.
Aliás o próprio Plano o reconheço, afirmando que
... sem uma transformação e um reequipamento que permitam o equilíbrio Financeiro da explorarão, não poderá a rede ferroviária prestar o serviço que do vê exigir-se-lhe, em especial no momento presente.
Electrificar a rede, substituir a máquina a vapor pelo motor de combustão. renovar certos troços de via, constituem, portanto, as soluções aconselhadas para tão sério problema.
Compreendo-se, portanto, pela simples compararão dos rendimentos energéticos médios da máquina a vapor, da Diesel e cia locomotiva eléctricas, o entusiasmo com que muitos países se lançaram na electrificação dos seus comboios, com vista a diminuir, exactamente, o custo da explorarão beneficiando comodidade c regime; trinos como exemplos bom marcantes, c que a Câmara Corporativa judiciosamente apontou, os países hulheiros como a Inglaterra, a Bélgica. a Holanda e a Polónia.
Em fins de 1948. cerca de 48000 km de linhais férreas estavam electrificadas na Europa, tendo o consumo de energia destinada à sua tracção ultrapassado, nesse ano, os 5 300 milhões do kilowatts-hora; a isto sem que de modo algum diminuísse o montante dos l500 km de via que, ano por ano, se vão continuando, sempre, a electrificar.
Escusaríamos de observar porém, como é evidente, que a electrificação ferroviária só poderá ter interesse económico nas linhas onde o tráfego soja tal que as economias resultantes da diminuição de combustível, manutenção, condução, reparação do material rolante, etc., venham a compensar largamente os encargos financeiros suplementares (que são realmente elevados) que tais empreendimentos acarretam; assim aconteceu na Itália, por exemplo, onde nus exercícios de 1935-1936 a 1941-1942 as economias obtidas com a tracção eléctrica foram, na realidade, tão grandes que pagaram largamente a despesa da electrificação feita até essa data e que atingira o montante já importante [...] 3 biliões de liras, ou seja ao câmbio de então, cerca de 4 milhões de contos.
Esta demonstração, que se encontra nos 3 500Km de via electrificada italiana repete-se, por exemplo, na Suécia, onde a soma das economias consequentes ao quinquénio 1939-1943 atingiu quase os 3 milhões de contos, ultrapassando em cerca de 661:000 a soma de todo o capital despendido na [...] de 4 700 km de linha.
Não faltam entre nós, de resto alguns estudos a mostrar, através de fórmulas experimentais tipo Paroli, as zonas em que as Diesel se podem sobrepor económicamente à tracção pelo vapor, e aquelas em que a tracção supera de maneira indiscutível, qualquer dessas soluções.
É o raso do conjunto dos troços Lisboa-Porto, linha de Sintra, ramais e [...] em volta de Lisboa, linha Porto-Braga, linha Porto-Póvoa, linha de cintura e da alfândega da capital do Norte, a representar cerca de 13 por cento da rede ferroviária existente, mas onde em compensação, se gastava cerca de 45 por cento de todo o combustivel empregado em tal transporte. E cerca de 80:000 contos de economia de divisas, que se tornasse possível, é condição a atender, se não mesmo a dominar.
Um simples cálculo, a buscar unicamente ordens aceitáveis de grandeza, mostraria que mesmo que o kwh se distribuísse aos preços obtidos nas barras das centrais de Castelo do Bode ou da Venda Nova, acrescidos ainda de uns 40 por cento para só poder garantir a distribuição em alta, a electrificação do conjunto considerado poderia começar a ter interesse logo que a custo da tonelada de carvão, posto no tênder, ultrapassasse os 2205 ou 2505.
E a C. P., melhor do que ninguém, pode ponderar a quanto o paga.
A solução Diesel traz-lhe, como é evidente, uma apreciável redução do despesa, mas não a liberta do «estrangeiro», nem a tira duma exploração ainda deficiente em face da economia que a electrificação do conjunto desses troços lhe traria.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O Plano fica para já, e unicamente, na electrificação do ramal do Sintra, primeiro por afirmar ser a produção da energia eléctrica ainda insuficiente olhando ao rosto, o secundo por entender que outros empreendimentos só podem considerar com prioridade quanto à urgência.
Todos os Srs. Deputados ponderam, com certeza, a crítica tão cheia de bom senso e de saber que a Câmara Corporativa fez a essa parte do Plano, e à qual me permiti somente juntar um ligeiro e descolorido apontamento.
Julgo por tudo aquilo que se seguiu, pela larga rentabilidade do capital a empregar pelos indiscutíveis benefícios que a solução acarreta, pela segurança, comodidade e economia que dela adviria para o País, que é uma falta grave esta de protelar, ainda a electrificação das nossas vias férreas faço, por isso mesmo um voto muito esperançado de que o Governo não se escuse a encará-la como o interesse geral impõe.
E não se preocupe [...] com a falta de energia eléctrica que tem a possa encontrar: 34 ou 35 milhões de kwh para a 1.ª fase (linhas de Lisboa-Sintra e de Lisboa-Entroncamento), em 1956, regularão por 2 por cento da produção total por via hídrica prevista para tal ano, número este que cabe como é evidente, dentro de toda a margem de erro das previsões que se pudes-
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sem considerar como mais seguras para os consumos ou produções totais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Se realmente não for fácil encontrar outras razões que nos convençam, não se queira dar carácter de economia ferroviária à electrificação do ramal de Sintra: busquem-se outras mais fáceis de aceitar: as da comodidade e de turismo, por exemplo, a que essa lindíssima vila tem jus, e podem interessar também para nos pôr de acordo.
E ainda no que respeita a este capitulo importante da energia eléctrica, e com vista exactamente ao seu fomento, permito-me chamar a atenção para a necessidade imperiosa do regulamentar de vez a Lei n.º 2 002, respeitante à electrificação do País; promulgada em 1944, ainda hoje mostra lacunas importantíssimas no cumprimento estrito de algumas das suas imposições que melhor poderiam contribuir para o fomento nacional.
Poderei lembrar, por exemplo, que nem a sua base IX nem o seu regulamento, que consta do Decreto n.º 36 768, de Novembro de 1948, foram devidamente cumpridos.
Quanto à base XI, respeitante à delimitação e repartição das áreas da grande distribuição, também se não cumpriu ainda o que se impunha cumprir, salvo numa excepção, aliás louvável, que já referi nesta Câmara.
Não se cumpriram igualmente as bases XVII e XVIII desta mesma lei, que impunham a obrigação da concentração, quando tal interessasse, das instalações existentes, bem como a reforma dos cadernos de encargos dos actuais concessionários, quanto necessitasse de ser feita.
E estas faltas são tanto mais graves quanto é certo que, na parte que respeita à grande distribuição, havia finalidades económicas do maior interesse a atingir mediante a lei; de facto, o País poderia ser servido, em qualquer ponto e em alta tensão, pela mesma forma, evitando-se os abusos actuais causados por cadernos de encargos já antigos e, consequentemente, não adequados às boas fórmulas de distribuição de energia.
Contribuía-se para o fomento industrial e para o fomento de consumo através de fórmulas de distribuição uniformes, provocando melhor distribuição em alta para a indústria e para a transformação em baixa, com vista a facilitar o consumo doméstico para calor e outros usos.
Nada se fez. infelizmente, quanto à fixação das fórmulas tarifárias, como na- base XXVI se previa e que se deviam ter estabelecido, objectivamente, com vista às pontas existentes, ao consumo dependente delas, ao factor de potência, etc.
Não esqueçamos que na distribuição eléctrica em alta as tarifas não podem estar sujeitas ao livre arbítrio de quem vende ou de quem compra, dada a falta de um critério previamente estabelecido.
No dia em que o consumidor, por simples aplicação de uma fórmula, soubesse qual seria no seu caso a tarifa a contratar, teria desaparecido, por exemplo, aquela situação injusta, do consumidor perante uma espécie de monopolista que o vence, mas não convence.
E no que respeita à sua parte III - pequena distribuição - pode também perguntar-se: se não há federações de municípios, como a base XIX claramente previu, não seria útil tentar uma experiência para saber das vantagens ou dos inconvenientes que de tal adviriam?
Já que ao menos o Plano de Fomento não esquece e muito bem - a pequena distribuição, procure aproveitar-se o ensejo para se ressuscitar e regulamentar a base XXIII, tão importante, desta, hei n.º 2002 tão esquecida...
De resto - e diga-se de passagem - alguma crítica também se poderia fazer em relação ao cumprimento da Lei n.º 2005 - fomento e reorganização industrial - ; não haveria, é certo, em relação a ela, e felizmente, tanta coisa para dizer, visto que o Plano de Fomento apresentado se pode lançar já sobre a inegável materialização dos princípios que informaram as suas bases I, II, III, IV e V.
Ao lermos, porém, no parecer da Câmara Corporativa a judiciosa observação quanto à necessidade de modernizar a nossa indústria actual, sentimos ter sido um lapso nada se prever concretamente na proposta apresentada que se pudesse integrar na segunda parte dessa lei: reorganização das indústrias existentes.
É de esperar, Sr. Presidente, que em breve se do cumprimento àquilo que constitui uma estrita obrigação; podemos aceitar, porém, que tudo se ultrapassasse por novas razões que surgissem, quer no tempo, quer no espaço, e que ponham sem interesse certas fórmulas anteriormente preconizadas.
Temos, porém, de definir corajosamente qual o caminho a seguir: quando o Governo se lançou em notáveis trabalhos de fomento, mostrando claramente a sua preocupação constante de realizar e de cumprir, tendo, como já tem, hoje em dia, uma série importante e valiosa de realizações meritórias que o acreditam abertamente à consideração nacional, não deve hesitar em propor alterações em relação àquilo que a experiência ou o momento possam ter aconselhado ou estejam aconselhando.
Tem para isso prestígio, como nós temos, para tal, a devida compreensão.
No que respeita à produção de energia, unia observação ligeira quanto à ampliação e melhorias previstas para as instalações da Sacor; tal como a Câmara Corporativa, julgo também que nenhuma objecção se poderia levantar, aqui, quanto à necessidade de modernizar e ampliar a refinação de Cabo Ruivo.
De facto, o comércio interno de destilados de petróleo triplicou na metrópole, em cerca de doze anos, e é de esperar, com certeza, que estes aumentos não só não parem mas que, possivelmente até, se não reduza, por enquanto, o ritmo em que se dão.
A razão desta hipótese pode estar nos nossos níveis baixos de consumo, que um maior poder de compra aumentará, e ao movimento industrial e agrícola do País que o Plano apresentado procura, como é evidente, fomentar.
A conjugação da refinaria com os petroleiros nacionais dá-nos razoável garantia de abastecimento em tempos de crise e, até, em tempos de guerra também; mas uma razão de maior segurança com certeza - que outra razão da economia pode plenamente acompanhar - estaria na possibilidade de encontrar no País alguma matéria-prima indispensável para a obtenção dos derivados petrolíferos. Na dúvida, por enquanto, de que as pesquisas na metrópole possam dar desejo fazer este apontamento unicamente para lembrar do interesse que podem ter, desde já, para o nosso abastecimento, as reservas asfálticas de Angola, que, tratadas por processos de destilação, de purificação, de hidrogenação ou de carbonização, a baixa temperatura, nos podem dar gasolina, benzina, óleos lubrificantes, parafina e coque, por exemplo.
Não podemos por outro lado também esquecer certa gama de produtos - que aliás a O. E. C. E. já considerou- e que tem o maior interesse para macadamizar estradas; nem, depois e do mesmo modo, os carvões asfálticos que resultem disponíveis, e que nos levam ao semicoque, à benzina, ao gás, aos alcatroes (base para a obtenção dos óleos leves, médios e pesados).
Não se perderá tempo, nem segurança, nem dinheiro - julgo eu - estendendo a nossa atenção, no que respeita à produção de combustíveis líquidos, a todas as
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possibilidades que o nosso território vasto nos nossa vir a oferecer.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- E talvez porque, em certos casos, aos últimos pode caber o lugar que é dos primeiros, não deixarei de dizer, ao terminar, alguma, coisa ainda em relação à, siderurgia.
Não perderemos tempo, como se torna evidente, falando do interesse que se liga à sua instalarão em Portugal, tanto mais que nos não faltam as matérias-primas (tais como os minérios ferríferos, cinzas de pirites e sucatas, castinas e redutores) e temos geralmente boas possibilidades de obtenção da energia que virá a tornar-se precisa se, finalmente, assentarmos em obter o ferro e o aço por via da electricidade.
Tem-se gasto, talvez, demasiado tempo em busca da solução mais conveniente e quantas vezes, até, certas fantasias de romantismo técnico não contribuíram, francamente, para continuarmos parados, dependentes do estrangeiro dum produto que é vital.
Será oportuno lembrar um estudo curiosíssimo, e recente, devido a Cavanagh, acerca dos métodos para reduzir o consumo e a qualidade do coque utilizado na fundição dos minerais ferríferos, no Canadá, e publicado no relatório das Conferências Científicas das Nações Unidas, realizadas em Lake Success, no ano de 1949; em face das zonas consideradas, olhando às possibilidades locais de minerais, de fuel e de energia eléctrica, etc., definiram-se cinco centros de siderurgia, diversos, dos quais dois para altos fornos, um para óleos, com possibilidade de alteração para, o processo Wiberg, e os dois restantes com base na electrossiderurgia. por abertamente pesarem no conjunto local em que se integravam as possibilidades hidroeléctricas.
Quer dizer: se a escolha dos processos leva a aceitar a própria solução da electrossiderurgia por razoes de economia (ou do autarquia) regionais, é de aceitar, também, que ela poderá acentuar-se, francamente, quando se tratar de uma economia e de uma autarquia nacionais.
Nunca ninguém duvidou que os nossos minérios fundissem, como fundem tantos outros, mas temos de aceitar que pudessem ter surgido dúvidas preocupantes quanto às condições técnico-económicas das possibilidades de fundição.
Isto levou já alguns, que no assunto têm pensado, a pugnar por uma instalação-tipo, de ensaio, que à escala industrial nos definisse os valores que precisamos para, depois, trabalhar com segurança. Já em 1945, o Prof. Ferreira Dias pugnava, na sua Linha de Rumo, pela, montagem de um forno eléctrico de dimensões industriais, de um dos tipos adequados à metalurgia do ferro, e em que durante alguns meses se ensaiasse sistematicamente tudo quanto pudesse conduzir ao funcionamento óptimo. Riqueza do leito de fusão, enriquecimento dos minérios, acidez da escória, granulometria, aglomerados dos finos, consumo de carvão e de energia, composição da gusa, produção o composição dos gases, correcção do teor do fósforo e do enxofre, tudo constituía variáveis a considerar em busca da solução melhor.
Actualmente, com critérios mais assentes em face de estudos realizados, quer oficiais quer particulares, as hesitações mostram-se mais limitadas, aparecendo já, como indiscutível, decerto, a zona para, a instalação do grande centro siderúrgico português: a da bacia hidrográfica do Douro, visto nela se salientarem abertamente os jazigos de Moncorvo, de Guadramil e do Marão (estes com as suas valiosas magnetites que se diz constituírem fundo importante de apoio para um início seguro de tão grande empreendimento), e os magníficos recursos energéticos do seu rio, quem sabe se a poder dar ainda possibilidades de embaratecimento de transporte em face de uma eventual navegabilidade.
O centro geoeconómico da produção siderúrgica portuguesa em grande escala (ou melhor, à nossa escala, que o grande, aqui, tem o seu quê do relativo) não poderia, sair, com certeza, de tão apropriada região, que o meio industrial do norte aliás reforça e a que o porto de Leixões pode conferir um auxílio deveras importante.
Com base nas indicações de carácter oficial, ou oficioso, não podemos, de facto, duvidar de que os jazigos de hematites de Moncorvo e de magnetites de Vila Cova. têm primacial importância para a siderurgia nacional; como de valia se apresentam assim, e igualmente, os 2 500 a 3 000 milhões de kilowatts-hora que o Douro nos fornece de energia permanente e no qual se destaca, com relevo especial de quantidade e parece, de preço, o seu troço internacional.
Sendo assim, e se pensarmos que um forno eléctrico admite, ou poderá admitir, sensíveis variações de carga, com bom factor de potência (o que leva a que a energia temporária possa fazer dele um cliente do maior interesse para a produção hidroeléctrica), temos de concluir, também, que as tarifas, que já de si seriam baixas, mais baixas poderão ser ainda.
Tudo parece levar-nos a crer, repito, que as magnetites do Marão dêem plena satisfação na utilização dum forno eléctrico, por exemplo, e que os modernos métodos de nodolização (a pelletizing dos americanos) podem dar, por seu lado, aos minérios de Moncorvo um interesse valioso e imediato para a sua colocação nos mercados mundiais, e, talvez, para a própria electrossiderurgia, também.
Parece assim que, entre alguns dos processos industriais mais importantes para o fabrico da gusa (alto forno a coque, baixo forno eléctrico, Wiberg-Söderfors, Krupp-Renn, Basset-Smith), o segundo, o baixo forno eléctrico, se apresenta com maior interesse para a grande siderurgia do Norte do País: é do compreender, portanto, a pretensão do alguns quanto à instalação imediata de um Tysland-Hole, por exemplo, com um consumo provável duns 50x106 kWh para 20 000 t de gusa. muito embora não faltem, talvez, razões a outros para depositarem na solução Krupp-Renn a base das suas esperanças.
Não poderíamos aqui tomar posição conjunta por esta, por aquela ou por qualquer outra solução; é assunto que ao Governo competirá definir através dos elementos técnico-económico-financeiros de que para tal dispõe ou poderá vir a dispor.
Poderemos talvez, o com algum interesse, fazer uma observação quanto ao melhor critério pelo qual o Governo poderá devidamente orientar-se.
O problema da nossa siderurgia é fundamentalmente, hoje, uni problema económico, e o Governo ajudará melhor, decerto, a resolvê-lo, contribuindo para alargar o mercado interno já existente e auxiliando francamente quem o queira actualmente resolver.
Mas resolver com a certeza de que qualquer forma de investigação propriamente dita deve ser de passagem imediata à fase industrial consequente e à escala que nos convém; isto porque 20 000 t de gusa representam somente um quinto, um sexto ou um sétimo do mínimo que precisamos para fazer o que podemos do ferro e do aço laminado que estamos actualmente consumindo, com capitações extremamente baixas, e os quais na realidade definem o problema siderúrgico português no seu verdadeiro e mais real sentido.
O melhor caminho está decerto em facilitar o trabalho, sob contrôle e intervenção, por posição na empresa, do próprio Estado, de quem queira neste campo traba-
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lhar: é mais rápido e seguro para o Estado definir, depois, qualidades físicas, químicas e mecânicas dos produtos intermediários ou acabados, marcar as matérias-primas utilizáveis através de quantidades, de qualidades e preços, referir as quantidades do energia disponíveis, na forma da sua utilização provável e do seu custo viável, exigindo obrigações e oferecendo garantias, do que querer ele próprio estruturar completamente a solução do problema, marcando processos e directivas de carácter industrial a que o capital particular reage sempre por as não ver seguidas e estudadas sob o seu contrôle, também.
Alente o Estado uma empresa para termos siderurgia em Portugal e, logo que sinta as possibilidades de, por ela, vir a levantar as instalações indispensáveis que hão-de dar novo rumo à nossa vida, trate de preparar tudo quanto lhe é, na realidade, preciso para que depois lhe não faltem os meios adequados para viver e progredir.
Creio que será francamente perigoso confundir a solução siderúrgica nacional com a produção da própria gusa, pelo que entendo que o Estado - aliás em seguimento ou cumprimento de uma judiciosa política que oportunamente definiu - deve continuar a defender, como solução integral e única, a de produzir prontamente as 80 000 t ou 100 000 t de laminados mais correntes, ou seja, como quem diz, o aço de que para tal se precisa.
Nada impede, pelo contrário, que se aproveitem todas as possibilidades para fabricar as gusas em Portugal, na certeza porém de que seria erro bem grave teimar em encontrar, por princípio, uma solução perfeita, de pura concentração industrial, para as obter, através de um só processo, dos diversos minérios portugueses.
Poderíamos determinar dessa forma, e quando muito, a solução mais económica à base de uma média ponderada de melhores e de piores utilizações dos nossos minérios tão diferentes; a economia, porém, poderia estar prejudicada em relação ao somatório das melhores economias que se poderão obter, procurando para dois ou três grandes conjuntos da nossa riqueza de mineral ferrífero as soluções individuais mais próprias, que podem coincidir ou não.
E sob este aspecto um Tysland-Hole no Marão, um Krupp-Renn em Moncorvo o um Bassett-Smith no Sul, por exemplo, poderiam não ser soluções incompatíveis com o interesse nacional.
Quando se afirma neste país que seria «o mais inepto dos portugueses aquele que autorizasse a montagem de pequenas instalações com o objecto de satisfazer programas parciais de laminagem», não se estendeu tal critério àquele que deixasse fraccionar a produção da gusa: esta depende de várias circunstâncias bem diferentes, e tem de satisfazer - não o esqueçamos - a um conjunto razoável de diversas qualidades.
Todas amanhã se poderão, aliás, devidamente integrar no conjunto siderúrgico português, que tem como linha orientadora, e desde já, a defini-lo e a impô-lo, o fabrico do aço que nos é preciso -repito- para abastecer o País dos laminados que nele mais se consomem.
Fabricar gusa interessa ao País como é evidente, e fabricá-la economicamente e bem, mais lhe interessa com certeza; mas não creio que fabricar 15 000 t ou 20000 t dela possa representar, só por si, um passo firme no caminho da solução tão esperada para o problema siderúrgico nacional.
Creio bem - e com isto limito-me a repetir uma ideia já posta - que o Estado - a quem não interessa, decerto, fabricar o ferro e o aço que o País poderá consumir através da nossa própria produção - deve facilitar, impulsionar, a criação duma empresa que estude devidamente o problema na defesa dos próprios capitais particulares que a alimentam, a par do próprio Estado, que poderá, como é evidente, ser um seu sócio também.
Utopia! ... dir-se-á. De modo algum: a Companhia Portuguesa de Celulose está realizando notavelmente o seu trabalho de forma similar, com um capital aliás possivelmente tão grande como aquele que para a instalação da siderurgia poderá, decerto, ser preciso; e a Sacor, a Hidroeléctrica do Zêzere e a do Cávado e a Companhia Nacional de Electricidade, por exemplo, mostram-nos já claramente, e com a segurança precisa, qual o processo mais próprio para escolher caminhos.
O assunto só terá devido seguimento, a traduzir-se em realizações e em progresso, só for a própria sociedade, que há-de criar, e desenvolver, a siderurgia portuguesa, quem procure para a segura aplicação dos capitais, o saber, a experiência, a confiança daqueles que, pelo Mundo fora, têm muitos anos de trabalho a acreditar os sucessos das melhores acearias mundiais.
A ela caberá, depois, projectar, decidir e instalar, no cumprimento estrito duma concessão equilibrada, que um caderno do encargos perfeitamente defina, o em que o Estado colabore, e que o Estado fiscalize, como representante nela dum dinheiro que, afinal, não é deste nem daquele mas que é de todos nós.
Só desta forma, Sr. Presidente, poderemos ter a certeza de reforçar seriamente a nossa economia modesta, abrindo esperançosos horizontes ao trabalho português.
Sr. Presidente: ao terminar tão longa intervenção, em que pus à dura prova a paciência o a benevolente atenção de V. Ex.ª o dos meus ilustres colegas desta Câmara, quero fazer ainda votos para que o Governo, ao iniciar esta nova fase da sua meritória campanha do fomento, procure actuar de tal forma que tudo quanto seja, na realidade, possível possa vir a ser executado entre nós; para que o Governo inclusivamente procure, ponderando os prazos indispensáveis, combinar as coisas de tal forma que a indústria nacional possa «cumprir», e pelo facto de se ter do preparar para cumprir, se possa desenvolver em bases firmes.
As vezes uma simples questão do organização podo ser, aliás, suficiente para criar condições de apetrechamento que, isoladamente, as necessidades diversas não seriam capazes de satisfazer; isto por si pode levar à necessidade de estabelecer programas de fornecimento a largo prazo, para os ramos principais da indústria portuguesa, entre as quais se destaca, para o efeito, o das indústrias pesadas já instaladas ou a instalar em Portugal: construção naval, equipamentos de portos, material de caminhos de ferro, etc.
Não deverá o Governo esquecer, portanto, que mesmo em certos países onde o espírito nacionalista se não mostra tão judiciosamente imperativo como se mostra entre nós se encontra muitas vezes reservados à sua indústria (mediante condições de salvaguarda) concursos públicos importantes de artigos que, no país, se possam francamente produzir.
Sr. Presidente: a crítica que me propus do Plano do Fomento apresentado, não teve outra preocupação que não fosse a de ventilar ideias que ajudassem a valorizá-lo, e a apoiá-lo, como o valor do seu sentido impõe.
Todos nós, sem excepção, beneficiamos com ele, e até a própria agricultura do País, sempre tão sacrificada na retribuição do sou labor, há-de encontrar nele também, fora da parte que directamente lhe toque, indiscutíveis vantagens para se reforçar e progredir.
Ninguém duvida que uma das razões do seu mal-estar reside, principalmente, na falta do equilíbrio que se nota entre o custo da produção nacional e o fraco poder de compra da gente portuguesa, o qual, a par de reduzidas produções, a colocam muitas vezes perante atormentantes problemas.
Se os adubos, se a rega, se uma melhor técnica de preparo e de cultivo, a hão-de beneficiar, decerto, as
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reduções de custos, a par de maiores salários, só podem beneficiá-la para bem de todos nós.
Termino, Sr. Presidente, na afirmação de uma certeza: que caminhamos francamente não para uma economia agrária ou para uma economia industrial, mas sim para aquela economia em que da agricultura e da indústria se há-de tirar todo o proveito que se possa traduzir numa maior riqueza para os portugueses em geral.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão por alguns minutos.
Eram 18 horas.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Simões Crespo.
O Sr. Simões Crespo: - Sr. Presidente: é a primeira vez que tenho a honra de subir a esta tribuna e não por culpa do meu desinteresse pelos trabalhos da Assembleia, mas porque preocupações de outra ordem me têm impedido.
Quero, pois, começar por prestar a V. Ex.ª, à Câmara e ao ilustre Chefe do Governo as minhas homenagens.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Sr. Presidente: um engenheiro que se ocupa do estudo do Plano de Fomento tem de caminhar entre dois perigos: o de se deixar arrastar por considerações de ordem técnica, fora da índole desta Assembleia, e o de ser julgado superficial nos seus juízos, só não der à sua intervenção um coloridozinho suficiente de técnica.
Tentarei o meio termo conveniente, e conto antecipadamente com a generosidade de VV. Ex.ªs para me absolverem se o não conseguir.
Não quero fugir em todo o caso às sugestões da profissão tão completamente que não vá lá buscar uma imagem para apreciação deste Plano e da obra governativa.
Na nossa profissão surge por vezes a necessidade de construir sobre um mau terreno.
Então o engenho e a ciência do engenheiro são postos à prova na resolução dos mais complicados e, por vezes, inesperados problemas que surgem no decorrer do trabalho.
Quando a obra surge à vista estão vencidas as piores dificuldades e assegurada tecnicamente a sua conclusão e á sua permanência.
A Lei de Reconstituição Económica foi o primeiro corpo a aparecer à vista, e é tanto mais surpreendente o seu aparecimento que, como aqui já disse o ilustre Deputado Dr. Pacheco de Amorim, e muito melhor do que eu saberia fazê-lo, esta lei, que previa a aplicação do 6,5 milhões de contos, aparece sete anos depois do ano em que o orçamento do Estado era um orçamento de falência.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Os 6,5 milhões de contos foram, de facto, mais do dobro despendido em preencher uma parte do vazio que meio século de indiferença tinha deixado nas nossas obras públicas.
Agora surge o Plano de Fomento, que, no dizer do próprio relatório, é a continuação lógica do primeiro plano.
Diz-se no relatório: «O Governo não tem de modificar a sua política; tem apenas de a prosseguir».
Há portanto uma continuidade lógica na acção governativa. O novo corpo do edifício adapta-se ao primeiro o a obra prossegue, porque as fundações, embora o terreno fosse péssimo, estão solidamente construídas. O engenheiro é bom e merece todas as homenagens do povo português.
As vezes as grandes construções precisam do ser vistas a distancia para que a perspectiva lhes dê o seu verdadeiro valor de conjunto.
Vistas do perto, perdemo-nos no pormenor, que não nos dá a justa medida do valor, e até por vezes nos desagrada.
Há pouco ainda, no último Verão, tive ensejo de verificar, com legítima satisfação de português, o alto valor do que só chama «a experiência política portuguesa», no conceito de homens de todos os países civilizados, intelectuais o políticos com responsabilidades nos seus países.
Eles vêem a obra a suficiente distância e com perspectiva.
O ilustro Deputado Dr. Nunes Mexia, lavrador que, no seu amor à terra que cultiva, continua a honrosa tradição de família, impressionou-se pela verificação da percentagem cada vez menor da população activa portuguesa que se dedica a trabalhos agrícolas.
O número das pessoas que se dedicam a trabalhos agrícolas é não só cada vez menor em relação à população portuguesa activa, mas também em relação à população total do País.
Dos mesmos números citados por aquele ilustre Deputado se verifica que se ocupava em trabalhos agrícolas, em 1890, 29 por cento da população total do País, número este que baixou em 1930 para 26,9 por cento e para 19,17 por cento em 1940, ou seja dez unidades em cinquenta anos, e de mais de sete unidades nos anos de 1930-1940.
Paralelamente, a população das cidades cresce em enorme desproporção com a população geral do País.
A vida na cidade tem perspectivas aliciantes para aqueles que vivem nos campos, com um baixo nível do vida, e no ambiente da aldeia, onde tudo falta. E, quando não se tem amor à terra que se cultiva, também os remediados e os mais ou menos ricos fogem para a cidade em busca das facilidades que ela lhes proporciona.
A escola primária ainda não cuidou de cultivar nos seus alunos esse amor à terra.
O ensino agrícola elementar praticamente não existe em Portugal e a escola primária nos campos continua alheia a essa questão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Ouvi com imenso agrado ao Sr. Ministro da Economia, na reunião das Comissões de Economia e de Obras Públicas, a que gentilmente quis assistir com o Sr. Ministro das Obras Públicas, a afirmação de que nos seus planos está a intensificação do fomento agrário. Impõe-se realmente tudo o que possa contribuir para melhorar as condições de vida daqueles que vivem nos campos, de cujo trabalho depende, afinal, a economia do País.
Assim o reconhece o Governo no relatório que acompanha o projecto do Plano de Fomento.
Parece-me, por isso, oportuna aqui uma análise do Plano de Fomento em relação com os meios rurais, e vou tentá-la.
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O regime tem olhado sempre com carinho as necessidades dos meios rurais. A criação dos melhoramentos rurais é uma das suas obras que em mim despertam a mais viva simpatia. Foi a primeira vez que um governo em Portugal se ocupou dos humildes que teimam em viver agarrados à terra. As antigas verbas atribuídas às obras públicas para, caminhos eram praticamente nulas e de nenhum eleito.
Mas, porque só agora um governo se lembra dos meios rurais, é que lá há muito que fazer, e tanto que me não parece que possa satisfatoriamente ser realizado dentro do ritmo actual.
Dentro do Plano de Fomento a solução deste problema fica a cargo das verbas orçamentais ordinárias, e por isso, a propósito da Lei de Meios, poderemos tratá-lo mais desenvolvidamente.
Para dar ideia do estado actual do problema, citarei apenas a VV. Ex.ªs um número.
Há no distrito da Guarda perto de trezentos lugares onde falta água potável. Abastecem-se as populações de poços ou fontes de mergulho. O tifo é endémico por lá.
Coisa semelhante se passa em outros distritos do País; não tem o distrito da Guarda o exclusivo das necessidades, embora ocupe neste aspecto um dos primeiros lugares, senão o primeiro.
O progresso tem posto à disposição do homem meios de comunicação que lhe facilitam a sua vida de relação e os seus negócios.
Um destes meios de comunicação, hoje «tão necessário a vida como a própria água encanada e a luz eléctrica», é, no dizer de um ilustre técnico da Administra-ção-Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones, numa interessante conferência que tenho presente, o telefone.
Simplesmente, como a água encanada e a luz eléctrica, o telefone existe na cidade ao alcance de todos, mediante o encargo de uma taxa de instalação pequeníssima e uma taxa mensal aceitável, mas não está ao alcance de todos na aldeia. Podemos mesmo dizer que em muitos distritos está ao alcance de muito poucos.
A nossa rede telefónica está numa fase tão atrasada, a despeito dos progressos sensíveis dos últimos anos, que somos o país com menor percentagem de telefones da Europa: 1,8 telefones por 100 habitantes, a par de 5,7 que tem a França, 10,7 a Inglaterra e 19,1 a Suíça.
Acordámos tarde em relação a esses países que citei. O desenvolvimento da nossa rede telefónica acentua-se de dia para dia, é certo, mas parece que se faz mister rever os planos em vista a assegurar um serviço telefónico que traga ao contacto do mundo a população das nossas aldeias.
A isso se opõe por enquanto o regime de tarifas, estabelecido tendo em vista o serviço da cidade, e não o das populações rurais, com povoados pouco populosos e muito dispersos.
A taxa mensal que paga um telefone isolado, e é o caso do grande número de pequenas povoações, que não têm necessidade de mais de que um posto público, é de 40$ por quilómetro de distância ao centro da rede, além do primeiro, que beneficia de uma taxa mais favorável. Esta taxa é incomportável para as povoações distantes do centro da rede.
A Administração dos Correios é uma organização com carácter industrial, à qual ó imposto o dever de se bastar a si própria.
Não se pode, portanto, pedir-lhe que deixe de olhar ao lado financeiro na sua administração, mas certamente que um regime de tarifas convenientemente estudado, uniformizando as taxas, poderia pôr o telefone ao alcance dos pequenos meios rurais, onde hoje não pode chegar.
Julgo mesmo que se entre nós uma tarifa fixasse taxas mais altas para os grandes aglomerados populacionais seguiria apenas o exemplo doutros países.
Em Portugal a rede telegráfica ó mesquinha. Parece-me que ao menos a instalação de cabinas públicas do telefone nos centros das redes locais previstas no projecto da rede telefónica, nacional se devia fazer, sem os encargos a que hoje estão sujeitas essas instalações. Há cerca de cento e cinquenta redes locais projectadas mas ainda não ligadas à rede geral.
Esperamos que uma execução inteligente e oportuna do Plano de Fomento virá dar remédio a esta calamitosa situação, satisfazendo as esperanças dos meios rurais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- A rede telefónica não pode limitar-se a ser um serviço industrial, porque ó também um serviço público.
Os serviços dos CTT vão trabalhando dedicadamente por esse país fora. Sente-se o seu desejo de eficiência. Tenhamos, por isso, esperança na eficiência do Plano de Fomento quanto a este ramo das necessidades públicas.
Pelo que respeita à electricidade, nos nossos meios rurais é também privilégio de muito poucos.
Pelos números citados no relatório verifica-se que há no País cinco distritos nos quais menos de 20 por cento das suas freguesias rurais estão electrificadas: Viana do Castelo, Bragança, Guarda, Évora e Beja. O consumo específico está abaixo dos 50 em onze distritos, o nos restantes só ultrapassa nitidamente este número naqueles onde há grandes cidades (Porto, Setúbal, Lisboa, Braga), e por influência do consumo nas cidades onde há a quase totalidade dos consumidores e a energia é em regra mais barata.
Numa palavra, a electricidade rural não existe praticamente em Portugal.
No relatório reconhece-se este facto e a insuficiência dos subsídios pelo Fundo de Desemprego para resolver o problema da electrificação rural.
São destinados na proposta 200:000 contos para electrificação rural, o que é um primeiro passo. Oxalá possa ser oportunamente reforçada esta verba, acompanhada da revisão de tarifas, já prometida pelo Sr. Ministro da Economia, e que a energia eléctrica seja oferecida nos meios rurais a um preço à altura do nível de vida dos seus habitantes, inferior, não o esqueçamos, ao nível de vida dos habitantes da cidade.
O Sr. Melo Machado: - Peço a V. Ex.ª para me esclarecer, se V. Ex.ª souber, se a electrificação rural se destina simplesmente à população rural ou se também é aplicável à indústria rural?
O Orador: - A electrificação rural permitirá satisfazer as necessidades domésticas e as necessidades das indústrias.
O Sr. Melo Machado: - Eu pergunto se essa electrificação rural é simplesmente a expansão maior da electricidade nas províncias ou se tem outras aplicações, como mover motores, etc.?
O Orador: - Eu vejo o abastecimento como uma extensão daquilo que será a 1.ª fase da electrificação rural.
Creio que isto responde inteiramente à pergunta de V. Ex.ª
Deixando a vida rural para analisar o problema da electricidade num ponto de vista mais geral, podemos notar, antes de mais, a fraca capitação do nosso consumo de energia.
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Temos certamente a capitação mais baixa da Europa - 170 kW- o se separássemos da totalidade do nosso consumo o consumo industrial e de iluminação pública, veríamos que a electricidade para usos domésticos quase não existe em Portugal.
Em 1958, realizado o plano do Governo, continuaremos a ter uma capitação do energia eléctrica muito baixa.
Prevê-se que nesse ano se possa dispor de 245 unidades por habitante, e teremos ainda o último lugar na escala dos consumos que figuram nas estatísticas publicadas.
Ao plano de novos aproveitamentos hidroeléctricos proposto pelo Governo e ao proposto no interessantíssimo parecer da Câmara Corporativa parece que hoje se acrescenta, um novo plano de trabalho, consequência de novos estudos no rio Douro e nos seus afluentes.
Por iniciativa particular estão estudados - e suponho que prontos a entrar na fase da construção - dois projectos do centrais no Côa e no Távora, afluentes da margem esquerda do Douro.
Estas duas barragens em projecto virão beneficiar o regime do Douro, rio no qual, pelas suas características especiais, não é possível construir albufeiras de regularização.
O Douro é um rio cujas centrais trabalharão a fio de água, e estão dependentes do regime de trabalho das centrais espanholas da sua bacia hidrográfica, especialmente da de Ricobayo, com os seus 100 m3/seg. de água quando trabalha.
Não haverá lugar, dentro de um conceito económico da exploração das novas centrais a construir e das possibilidades financeiras, para a construção da barragem do Côa, que, com os seus 300 milhões de metros cúbicos de capacidade de armazenamento e os seus 200 milhões do kilowatts-hora anuais, daria valioso contributo para a regularização tia produção de energia no País e do caudal do Douro?
Sobre esta matéria notarei ainda que, sendo as obras de aproveitamento hidroeléctrico tão demoradas - quatro, cinco ou mais anos supondo conhecido o regime do rio -, só um plano a longo prazo assegurará a continuidade nas obras e no abastecimento de energia eléctrica ao País, mas o relatório afirma-nos que o Plano previsto para o sexénio tora também a sua continuidade e por isso devemos confiar.
Temos um tão baixo nível de consumo que toda a energia que possa produzir-se terá aplicação, para além de todas as leis que se verificam em países já electrificados.
Os 8 000 milhões de kilowatts-hora reconhecidos nos nossos rios, ou mesmo os 10 000 mais optimistas do nosso ilustre colega nesta Câmara engenheiro Araújo Correia, nunca serão de mais para o nosso consumo. Distribuí-los convenientemente é o único meio de regular a mediania, para não se chegar ao estado de pobreza. As tarifas de venda de energia têm nesta distribuição um papel importantíssimo.
Outra barragem, esta no Mondego, a de Ace Dace, está estudada também por iniciativa particular.
No capítulo i do relatório, logo a abrir o primeiro parágrafo, afirma o Governo a importância do desenvolvimento da agricultura no progresso económico do País.
No Plano propõem-se verbas para:
Hidráulica agrícola;
Povoamento florestal;
Colonização interna.
A ordem por que aparecem referidos estes trabalhos não tem significado, mas a hidráulica agrícola e a colonização interna estão em regra associadas na execução.
A colonização interna é sempre, ou quase sempre, complementar da hidráulica agrícola. Acompanha-a no seu trabalho, criando a possibilidade de utilização da água que aquela lhe proporciona.
Em Portugal a hidráulica agrícola começou modestamente, mas já se lhe deve uma grande obra.
Com a direcção do engenheiro Trigo de Morais, engenheiro muito ilustre que hoje ocupa o alto cargo de Subsecretário do Estado do Ultramar, entrou no caminho das grandes realizações.
O pagamento dos encargos da rega por parte dos regantes nas obras já executadas tom sido comentado e por vezes criticado com dureza.
Não sei se há inteira, razão nas críticas. Sabemos, porém, pelo relatório do Plano, que o Governo se propõe rever esta matéria.
Os trabalhos de povoamento florestal estão no número daqueles poucos que todos conhecem mais ou menos de vista e todos louvam e apreciam.
Creio que ninguém discute as verbas que se lhe atribuem, salvo se o volume da obra a realizar e o sou interesse levarem alguém a considerá-las insuficientes. Volto ainda sobre esto aspecto às necessidades de certos meios rurais.
Desejaria ver alargar os trabalhos de arborização para além das zonas de baldios das nossas serras o dunas.
Há no País zonas desoladoras de aspecto por falta de arborização, de clima, áspero, e de cultura muito pobre, do resultados contingentes, por falta de chuvas.
Muitas vezes, nessas zonas, há terrenos cuja cultura está longe do ser remuneradora para os que teimosamente lavram e semeiam para colher uma miséria de três ou duas sementes.
Não exagero. São números reais, cuja verdade tenho à vista permanentemente por essa Beira, na zona do centeio.
A arborização desses terrenos melhoraria o clima.
A instalação nas zonas regadas de muitos dos que vivem amarrados a esta miséria seria obra de misericórdia e de utilidade prática, porque o Beirão tem arreigado o amor a torra e sabe dar à água o sou valor real.
Aqui fica a sugestão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Entre os estudos feitos em Portugal pela Hidráulica Agrícola destacam-se, pela sua importância, os da bacia do Mondego, a que já, um ilustre Deputado aqui se referiu.
Resume-se este plano nos seguintes dados:
Quatro barragens a construir, com armazenamento do cerca de 600 milhões de metros cúbicos de água para rega de 50 000 ha entre o Mondego e o Vouga;
300 milhões de kWh a produzir em energia praticamente permanente, uma parte da qual seria absorvida na própria rega;
Custo actual das obras actualmente muito superior a 1 milhão de contos.
É um plano ambicioso em demasia para que possa já estar amadurecido, mas julgo viável a ideia da sua realização, tal como foi projectado, ou alterado, se estudos posteriores o aconselharem.
Os ricos campos de Coimbra à Figueira estão-se desvalorizando dia a dia com a invasão das areias trazidas pelo rio e o porto da Figueira a lutar com as areias de erosão, que dificultam o seu melhor aproveitamento.
São interessantíssimos os estudos deste rio feitos pelo P.e Cabral, bem conhecidos de todos os que algum dia se ocuparam do Mondego ou do porto da Figueira, da Foz.
Baseado nesses estudos, o engenheiro Adolfo Loureiro avaliou em 1872 a subida do leito do rio, num
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período de oitenta e dois anos, em 0,30 cm, ou seja próximo de 4 mm por ano.
As barragens previstas no projecto a que me refiro encher-se-iam de areia, segundo se prevê no mesmo projecto, até ao nível da toma de água, em períodos diferentes para cada uma, mas para três delas em cerca de cem anos, se não fossem tomadas medidas no sentido de diminuir a erosão.
Prevê-se a defesa contra a erosão das encostas: arborização, barragens de retenção das areias nos rios afluentes, etc.
Da resolução do problema da erosão na bacia do Mondego depende em boa parte o futuro do porto da Figueira da Foz.
Aqui falou já deste porto, com o entusiasmo que lhe ó próprio, o ilustre Deputado Dr. Moura Relvas. Pelos números então citados verifica-se que no hinterland do porto da Figueira habita 20 por cento da população portuguesa, e por isso o futuro do porto da Figueira poderá ser magnífico, pelo grande movimento de importação e exportação das mercadorias que através dele poderá fazer-se.
Como porto de pesca, convenientemente apetrechado, pode abastecer de pescado toda a região servida pela linha da Beira Alta e grande parte da Beira Baixa.
Não é lisonjeiro para nós, no capítulo de abastecimento de peixe, comparar o que se passa de um e de outro lado da fronteira.
Há, pois, que louvar a atenção prestada agora ao porto da Figueira, e Deus queira que o problema da bacia hidrográfica do Mondego, que aqui se esboça apenas, possa ser resolvido a curto prazo, como convém.
E já que falo de hidráulica agrícola seja-me permitido aqui um ligeiro comentário às obras desta natureza que se projectam no ultramar.
Na metrópole procura-se com a rega e a colonização criar riqueza e a possibilidade de ocorrer ao sustento da população e melhorar o seu nível de vida. No ultramar as obras em projecto não têm apenas um valor económico, têm um valor político, que se traduz na ocupação efectiva do território e das suas riquezas.
A irrigação de uma zona de terreno também não significa a expulsão do indígena. Por demais está demonstrada no nosso passado de colonizadores a nossa tolerância para com os indígenas, e, mais do que isso, o nosso esforço para os civilizar e melhorar o seu nível de vida.
As obras de Movene apresentam-se com um interesse técnico particular, que resulta de se prever um aproveitamento múltiplo - energia eléctrica, água para Lourenço Marques e rega.
Não posso concordar com a sugestão da Câmara Corporativa para reduzir as verbas destinadas à irrigação e à colonização dos vales do Limpopo e do Cunene.
Obras desta natureza só quando concluídas dão rendimento, e toda a, demora na. sua execução se traduz num aumento do seu custo, o juro do capital já invertido.
Creio que as nossas experiências de hidáurlica agrícola e do colonização permitirão estudar os projectos desta natureza até aos seus pormenores.
Dando os projectos em questão como convenientemente estudados - o ou acredito que o tenham sido -, há que executá-los no mais curto prazo do tempo possível, e para isso dotá-los com as verbas necessárias.
Seja-me permitido trazer alguns elementos a favor da ideia, exposta aqui pelo ilustre Deputado Dr. Pinho Brandão, da ligarão de Lisboa com a outra margem por meio de uma ponte. Seria um grandioso empreendimento a assinalar aos vindouros este período notável da nossa história.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Já houve por parte de uma empresa estrangeira uma proposta no sentido da sua construção. Essa empresa considerava economicamente viável o empreendimento.
A sua construção teria extraordinária influência não só na evolução da cidade do Lisboa, mas também na utilização da península de Setúbal como centro industrial, agrícola e urbano.
Não teria este empreendimento, para a técnica dos nossos dias, dificuldades invencíveis, e em favor da economia da sua construção podem apontar-se os seguintes dados:
a) O número de automóveis que diariamente partem de ou entram em Cacilhas, e transportam quase todos pessoas que atravessam o Tejo, é calculado em cerca de dois milhares;
b) A necessidade de ligação do caminho de ferro do Sul e Sueste a Lisboa por via mais directa do que o Setil está reconhecida de há muito e é objecto de preocupação dos técnicos. A ponte podia satisfazer esta necessidade;
c) Finalmente, na valorização dos terrenos da Outra Banda se encontraria larga compensação económica para os encargos da construção.
A urbanização destes terrenos, com a sua praia na Caparica, modificaria totalmente a fisionomia da cidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Aos que se assustam com a perspectiva de uma ponte sobre o estuário do Tejo bastará recordar as várias pontes que no Mundo existem nessas condições : Forth, na Escócia, Quebeque, no Canadá, Sydney, na Austrália, Kill Van Kull, em Nova Iorque, todos estuários com pontes de vigas em cantilever, ou de arco, de vãos da ordem de grandeza dos 500 mm. A ponte suspensa permite o recurso a vãos muito maiores ainda.
Esta ponte seria digno monumento a celebrar uma época de engrandecimento nacional: um verdadeiro arco de triunfo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá, como hoje, duas sessões: uma de manhã, às 10 horas e 30 minutos, cuja ordem do dia será a continuação da discussão da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1953; e outra de tarde, para continuação da discussão da proposta de lei relativa ao Plano de Fomento Nacional.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas.
Srs. Deputados que entraram, durante a sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
António Jacinto Ferreira.
Délio Nobre Santos.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Teófilo Duarte.
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Srs. Deputados que faltaram à sessão:
António de Almeida.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Cardoso de Matos.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cerqueira Gomes.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA