Página 351
REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 182
ANO DE 1952 15 DE DEZEMBRO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 182 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 13 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
Usou da palavra o Sr. Deputado Pinto Barriga, para enviar para a Mesa um requerimento dirigido ao Ministério das Comunicações.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1953.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Ricardo Durão, Santos Bessa, Fernandes Prieto e Bartolomeu Gromicho.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 13 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 10 horas e 35 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Joaquim Simões Crespo.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas
Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
Página 352
352 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 182
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 77 Srs. Deputados.
Eram 10 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegrama
Do presidente, do Grémio da Lavoura de Cantanhede e Mira a apoiar as considerações do Sr. Deputado Santos Bessa a favor da agricultura, quando da discussão da proposta de lei relativa ao Plano de Fomento.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Pinto Barriga.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Nos termos regimentais e constitucionais, tenho a honra de requerer, pelo Ministério das Comunicações, me seja fornecida, pela Administração-Geral do Porto de Lisboa, nota discriminada:
1.º Das determinações que a Administração-Geral do Porto de Lisboa tomou, em cumprimento de preceitos internacionais, para assegurar uma perfeita e conveniente igualdade de possibilidades de acesso Berthaage aos seus cais destinados à acostagem de qualquer navio;
2.º Das disposições que, porventura, tiverem sido estabelecidas para uma exacta fiscalização e execução do princípio mencionado no número anterior, relativamente a uma indispensável regra moralizadora da rotação periódica dos seus respectivos funcionários dentro da mesma categoria. Se tivesse sido fixada já essa deliberação, designação da data e movimento no competente pessoal, mencionando-se cuidadosamente os nomes e categorias daqueles que foram isentos dessa imposição e os motivos que explicam essa isenção;
3.º Do despendido com a Companhia das Águas com o enchimento de qualquer recinto aquático junto do rio, sob a directa dependência dessa Administração, em qualquer dos anos decorrentes entre 1940 e 1950. Seria interessante conhecer, se as houver, as razões que não aconselharam, ou impediram, a utilização, para esse efeito, das águas do Tejo».
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei de receitas e despesas para o ano de 1953.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Durão.
O Sr. Ricardo Durão: -Sr. Presidente:
É preciso que a harmonia dos Poderes se consiga sem tirar ao Legislativo competência e prestígio e ao Executivo estabilidade e força.
São de Salazar, como V. Ex.ª sabe, estas luminosas palavras, pronunciadas há vinte e dois anos. É orientado por elas e profundamente integrado no seu patriótico significado que começo o meu discurso.
Sr. Presidente: a proposta da Lei de Meios para 1953, que o Sr. Ministro das Finanças enviou à Assembleia Nacional, é mais um documento comprovativo do seu espírito metódico e pontual. Os valiosos elementos de estudo que junto a este diploma fez distribuir mais uma vez pelos seus antigos colegas desta Câmara revelam o seu reiterado desejo de nos elucidar amplamente.
Nos primeiros dias da Revolução Nacional era Salazar apenas Ministro das Finanças quando proferiu estas palavras:
Represento uma política de verdade e de sinceridade, contraposta a uma política de mentira e de segredo.
O Sr. Dr. Águedo de Oliveira, que foi o seu primeiro auxiliar, segue-lhe os passos como um continuador fidelíssimo, para quem nunca é demais esclarecer, porque nós não precisamos de cortinas de ferro.
Por outro lado, o parecer da Câmara Corporativa, extenso e minucioso, embora relatado em curto prazo, constitui de facto um esforço pletórico de trabalho e de técnica.
Infelizmente, a Assembleia Nacional é uma Câmara deliberativa, portanto essencialmente política. Dentro dela não podemos deixar de sofrer todas as reflexas da Nação, todas as reacções da opinião pública; não da
Página 353
15 DE DEZEMBRO DE 1952 353
«vaga e irresponsável opinião pública», a que se refere o Dr. Marcelo Caetano - considerada, claro está, na sua acepção gregária -, mas daquela força social que a Constituição prevê como elemento fundamental da política e administração do País.
Nesta Câmara não nos podemos embrenhar na metafísica; temos de sobrepor à origem das causas a consequência dos factos; procurar nos acontecimentos não a sua virtualidade esotérica, mas a sua projecção nacional.
La politique d'abord - como dizia o indefectível Maurras -, entendendo por política, evidentemente, a arte de conduzir a opinião pública na defesa do bem comum.
Invoco para mim a autoria desta definição, não pelos direitos que me caibam, mas pelas responsabilidades que me toquem. Ninguém ignora o largo alcance político da lei fundamental do País; a Administração não pode alhear-se da política. Nesta conformidade, entendo que faltam na actual proposta algumas despesas que conviria fazer e algumas receitas que interessaria cobrar.
Entre as primeiras figura em lugar destacado a actualização integral das pensões post mortem. E a este apelo angustioso não presidem apenas razões de política, mas sobretudo de humanidade. Não se pode exigir, está bem de ver, que todo o funcionário, vivendo exclusivamente do seu ordenado, deixe a sua família solidamente instalada na vida sem as perturbações que a sua falta necessariamente acarreta.
Nem o Tesouro comportaria semelhante encargo. Mas também não se pode esquecer que o valor da moeda, por mais alto que seja o seu prestígio na balança externa - como de facto é -, reside, paxá estes efeitos, exclusivamente no seu poder de compra.
Além disso, está determinado que uma das condições indispensáveis para receber o subsídio é a apresentação de um atestado de bom comportamento moral e civil, obrigatoriamente confirmado em cada ano.
É certo que esta precaução não pode deixar de ser meramente platónica, porquanto, num país como o nosso, onde abundam os trovadores e os cavalheiros, não será fácil encontrar um homem que se recuse a assinar qualquer atestado de bom comportamento feminino.
Em todo o caso, essa exigência formal pode levar a supor que o montante dessas pensões, só por si, permitiria às respectivas pensionistas o exercício incondicional da virtude.
A verdade é que, sem a eficiência mínima do socorro que se presta, todo o gesto filantrópico resulta em pura perda. E, demais, porque não havemos de actualizar as pensões, se a própria esmola automaticamente se actualizou?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Outra despesa que parece impor-se: o aumento do abono de família e a correspondente revisão dos diplomas que o regem, de modo a torná-lo uma realidade palpável e uma instituição procedente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Antes de passar às receitas que interessaria cobrar, permito-me apresentar uma objecção que redundaria ainda em despesa. Com efeito, lê-se no artigo 11.º que «não poderão ser providas as vagas do pessoal civil dos Ministérios, salvo os casos especiais em que o provimento seja justificado pelos serviços, com o acordo do Ministro respectivo e a aprovação do Ministro das Finanças».
É a quarta vez que esta determinação se reproduz, agravando sensivelmente o problema do desemprego; e se alguns Dignos Procuradores o contestam é talvez porque não vivem de perto essa angústia nem silo porventura assediados, todos os dias, por quem procura em vão colocar-se.
«Baixa percentagem de desemprego» ou «restritas manifestações de desemprego» ou ainda «continua praticamente a não haver desemprego», são estas as afirmações textuais daqueles Dignos Procuradores signatários dos respectivos pareceres. E, todavia, permito-me invocar o testemunho do muitos colegas meus desta Câmara, com quem tenho trocado impressões e ... memoriais, para poder concluir que aquelas afirmações são demasiadamente optimistas (apoiados calorosos), o que afinal é naturalíssimo. Pois, se o desemprego aflige todos os outros países, porque havia de Portugal fazer excepção?
É o próprio Governo que declara nas contas públicas de 1951:
Gastámos mais com administrações e serviços, mas ainda bastante menos do que aquilo que aparece como legítimo para vencer o desemprego.
Creio que se trata de um testemunho insuspeito.
Não verificar nem sentir o desemprego deve ser realmente uma felicidade.
Ë justo no entanto registar que desde as crises periódicas de trabalho que lavram no Alentejo, e um especial no distrito de Évora, até ao chômage endémico em certos meios industriais e marítimos, o Governo por todas as formas tem procurado resolver o problema e conseguido atenuar os seus efeitos.
Pode, portanto, supor-se, no que respeita à doutrina do artigo 11.º, que o Governo deseja sobretudo controlar directamente a admissão de pessoal, dispondo-se no entanto a abrir a porta se os imperativos sociais surgirem. Será este o pensamento do Governo?
São estes, em qualquer caso, os nossos votos.
Quanto às receitas, duas me parecem plausíveis: a primeira relacionada com os impostos, a segunda com as acumulações.
Entendo e entende muita gente que as grandes fortunas não sofreram ainda em Portugal a carga tributária que lhes corresponde, sobretudo em relação aos pequenos e médios rendimentos. Se a taxa progressiva é a tendência geral nos outros países, porque não há-de aplicar-se ao nosso sistema tributário?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É certo que o imposto complementar foi instituído nesta ordem de ideias, mas a sua progressividade fica muito aquém do limite suportável. Para se chegar a uma solução equitativa bastaria escalonar essa taxa ao longo de uma progressão mais acelerada. Não se trata, evidentemente, de um ataque sistemático às grandes fortunas. A riqueza tem direito à vida porque riqueza representa prosperidade; e só os ricos podem garantir aos pobres o direito ao trabalho e, portanto, ao pão e ao lar.
Todos nós conhecemos grandes proprietários - na lavoura e na indústria - que merecem pela sua obra social o respeito do Estado e a gratidão do povo. Os outros que o dinheiro embota e miserabiliza só interessam para estabelecer o confronto e realçar o contraste. Contra estes todos os impostos são poucos.
O velho bordão «a propriedade é um roubo» foi a maior mentira do século XIX. Mas razão tinha mesmo Proudhon quando disse: «Dai-me o direito ao trabalho e ou desistirei do ataque à propriedade».
E não se pense que uma reforma agrária baseada apenas na extensão e no valor da terra, resolveria o problema social. Pelo contrário, agravá-lo-ia, porque a
Página 354
354 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 182
pulverização do latifúndio não aproveitaria a ninguém. Onde não há patrão todos são patrões; onde todos são patrões todos são servos. Vem a propósito recordar uma bela síntese do Sr. Deputado Pacheco de Amorim: «o latifúndio é socialmente um mal mas a pulverização da propriedade é economicamente um desastre».
Sobre o latifúndio, porém, parece-me conveniente aguardar as indicações do cadastro geométrico. Além de que em terras de sequeiro só o latifúndio é susceptível de afolhamento.
Nada me inibo entretanto de insistir na aplicação de um imposto acentuadamente progressivo sobre as grandes fortunas, os lautos proveitos e sobretudo, os negócios escuros, que aos agentes do fisco compete tornar claros, isto sem qualquer carácter socializante ou subversivo.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Melo Machado: - Com a opinião que V. Ex.ª esta a expender, quem vem a pagar são os grandes proprietários, que V. Ex.ª pretende defender!...
O Orador: - Não é bem assim, mas claro está que não são grandes proprietários o« mais atingidos.
O Sr. Melo Machado: - E os que têm o dinheiro na burra não pagam nada!...
O Orador: - Quem eu pretendo que pague mais são sobretudo aqueles que se metem em negócios escuros.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Melo Machado: - Mas esses são exactamente os que não pagam nada.
O Sr. Pinto Barriga: - Quem afinal paga são os que têm bens ao luar, porque há zonas intributáveis bem mitridatizadas contra qualquer tributação!
O Sr. Melo Machado: - Esse é que é o mal.
O Orador: - O que é preciso é que o Estado estude o processo de apanhar nas malhas do fisco os que se metem em grandes e rendosos negócios e os obrigue u pagar.
O Sr. Melo Machado: - Esses não consegue o Estado encontrar.
O Orador: - Nesta conformidade, não posse deixar de apoiar e aplaudir o Governo na sua resolução de manter em vigor na actual - proposta o artigo 8.º da lei vigente, que institui o novo imposto sobre os acumuladores.
E eis-me chegado enfim, Sr. Presidente, à «psicose», ao «complexo», ao «clima » das acumulações, que assume o aspecto duma «aberração estranha».
Neste capitulo, insiste o ilustre relator da Câmara Corporativa em reeditar a opinião exararia 110 «eu anterior parecer que, segundo declara, «por inteiro se mantém». E é sobretudo pela insistência que me resolvo a voltar um ano atrás.
Propõe-se naquele parecer a eliminação pura e simples do artigo 6.º da proposta de lei para 1952 que passou a ser o artigo 8.° do respectivo decreto, mantido em vigor na actuai proposta. Quer disser: não se aceita a tributação sobre acumulações, que o mesmo parecer considera nem mais nem menos do que uma «transparente iniquidade».
A argumentação desenvolvida é especiosa; isto, em síntese: alega-se que, sendo as nossas élites quantitativamente deficitárias, haverá necessidades de as atrair por meio de remunerações compensadoras, sob pena de as vermos optar pela actividade particular.
Ora eu não acredito que o escol nacional seja constituído por videirinhos insatisfeitos que imponham à Pátria o preço dos seus serviços. Se não se tratasse dum relator de comprovada categoria, figura destacada da mentalidade portuguesa, poderia imaginar-se que ele confundira élite com oligarquia e escol com camarilha.
Aceito e reconheço as élites; a dificuldade está em seleccioná-las sem cairmos no compadrio.
Mas, prosseguindo, o preço estipulado, ou seja o mínimo tributável, é, como se sabe, 240 contos por ano; menos do que isto não interessa discutir nem está em causa.
Quem acumula, desde que passe da necessidade ao apetite, tem de sujeitar-se às consequências.
A acumulação, dentro dum limite honesto, pode compreender-se e consentir-se. Transpor esse limite é entrar nos domínios do abuso e da insolência. Refiro-me evidentemente a cargos públicos; os outros estão à margem desta crítica. Estabeleceu-se que a carga máxima que, ao abrigo do fisco, os acumuladores suportam é de 240 «amperes». Fazer considerações analíticas abaixo desta amperagem é perder tempo e dialéctica.
Não me conformo. Em primeiro lugar, recuso-me a acreditar que a deserção de meia dúzia de descontentes possa abalar o Estado nos seus fundamentos. Mas não façamos tragédia com tão pouco. Não são verdadeiros servidores os que não se contentam com o quartel e a paga que lhes atribuem, e, a não ser que lhes toquem na dignidade, não se justifica a sua escusa.
Conta-se que, estando um dia no seu consultório um médico muito conhecido, entrou uma senhora, furiosa, porque a fizeram esperar a sua vez na sala. Para a acalmar o médico ofereceu-lhe uma cadeira: «Queira sentar-se, minha senhora». E ela, de pé, iracunda, continuava, a protestar, enquanto ele, atencioso, insistia, apontando-lhe a cadeira: «Então, queira sentar-se, queira sentar-se». E a senhora, sempre de pé, gesticulava, bramia: «Perdão, mas o senhor doutor não sabe quem ou sou; eu pertenço á élite, mereço atenções especiais ...». E logo o médico, interrompendo: «Nesse caso tem V. Ex.ª direito a duas cadeiras».
Assim, também indivíduos há que para se sentarem à mesa do Orçamento não lhes basta uma cadeira; e alguns deles, mesmo em plena digestão, repletos o eufóricos, apregoam aos quatro ventos, como títulos de glória, serviços que ninguém enxerga e sacrifícios que ninguém vê.
Ainda hoje pergunto a mim mesmo como puderam merecer acolhimento e tolerância certos sujeitos que, ausentes mi hora do perigo e alguns deles alistados no campo adverso, só compareceram depois da mesa posta.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E, no entanto, presto justiça a todas as almas de eleição, afirmando que o primeira atributo das élites é a lealdade e a primeira virtude do escol é a isenção. Desde que elas condições essenciais se não verifiquem, não interessa a competência. As competências taxem-se, criam-se; em certos casos podem mesmo improvisar-se; mas raras, cada vez mais raras, são a lealdade e a isenção.
Foi tratado há poucos dias nesta Assembleia, com superior critério, pelo Sr. Deputado Carlos Moreira o assunto das acumulações e incompatibilidades, salientando a sua natural projecção sobre o problema moral e social dos comissários do Governo.
Aproveito o momento para daqui lie estender a minha rude mão de soldado, num gesto caloroso de solidariedade e apoio.
Página 355
15 DE DEZEMBRO DE 1952 355
É certo que o Governo da República já antes disso tinha prometido à assembleia nacional a revisão do regime legal de acumulações e incompatibilidade e se ainda não o fez, foi certamente por motivos imperiosos, baseados porventura nas preocupações que o momento internacional justifica e no esforço despendido para conceber e organizar o Plano de Fomento.
Mas isto não quer dizer que tenha descurado outros imperativos momentosos de ordem política e moral.
Se assim fosse, não teria espontaneamente anunciado aquela medida como inicio duma campanha moralizadora, nem teria mantido, entretanto, através de tudo, a tributação imposta pela artigo 8.º do Decreto n.º 38 586. Além disto, tenho informações fidedignas de que há estudos e trabalhos realizados no sentido de ultimar essa revisão. Será este o pensamento do Governo? São estes, em qualquer caso, os nossos votos.
Tudo indica, pois, que a moralização está em marcha embora não tenha chegado ainda à perfeição. Parar a meio do caminho só porque o óptimo é inimigo do bom, como por aí se diz, revela, pelo menos, que já nas esquecemos daquele outro slogan dos nossos inimigos: «quanto pior melhor».
Mas, reatando, não há dúvida de que o problema moral e social dos delegados do Governo está intimamente ligado com o das incompatibilidades e acumulações: a sua resolução, como muito bem diz o Sr. deputado Carlos Moreira, foi sempre uma das mais vibrantes aspirações da Revolução Nacional. È, pois, natural que nos admiremos de que tenham passado tantos anos sem vermos esse problema resolvido, tanto mais que, para e liquidar definitivamente, bastaria considerar, para todos os eleitos, como funcionários do Estado os comissários que este nomeia.
É óbvio que o Governo passaria a receber das empresas, como encargo da fiscalização uma anuidade que lhe garantisse os honorários dos seu delegados.
Aliás, não faz sentido que o delegado de um organismo seja funcionário de outro, porque é outro de facto que directamente lhe paga e, muitas vezes, com percentagens, pelo menos comprometedoras.
Um problema desta natureza não pode deixar de envenerar a opinião pública, que temos obrigação de defender contra todos os factores que a desorientam (artigo 22.º da Constituição).
Lamento sinceramente ter de pôr a questão neste pé, porque conheço delegados do Governo que merecem a nossa admiração e a nossa estima. Aos que me escutam e aos que não podem ouvir-me daqui lhes presto as minhas homenagens pela sua lealdade nunca desmentida e pelo [...] com que defendem os interesses do Estado, sobretudo contra certas companhias que se não são majestáticas parecem.
Penaliza-me, ao mesmo tempo, a ideia de que as minhas palavras possam ter sido desagradáveis; mas não me move o propósito deliberado do agravo pessoal.
Suponho até que os delegados do Governo, de uma maneira geral, só podem ter razões para me agradecer, porque afinal a minha primeira intenção é reforçar, consolidar a sua posição moral.
Julgo ser isso o que sobretudo lhes interessa. Defendo princípios, não ataco homens. Creio que procedem assim todos aqueles que pretendem acima de tudo dignificar a sua causa. É esta a nossa psicose ... Não fazer [...] - dizem-nos mas que importam as ondas quando elas lavam?
E enquanto alguns se resignam e outros se corrompem, enquanto alguns se apagam e outros se queimam, ninguém nos pode levar a mal, a nós, soldados da revolução, por lutarmos ainda para que o berço das nossas ilusões não venha a ser o túmulo das nossas esperanças.
Nós não desistimos...
Nós não abdicamos, nem diante dos que procuram atingir fins políticos por meios económicos, nem diante dos que pretendem alcançar fins económicos por meios políticos. Se uns e outros conseguem por vezes os seus desígnios é porque lhes toleram ou lhes [...] parece portanto que alguma coisa desconcerta ou desvirtua o nosso sistema, este sistema que Salazar arquitectou. E então que se adapte, que se aperfeiçoe, que se complete esta construção que já ninguém poderá demolir.
Craveiro Lopes disse, há cerca de um ano:
Continuaremos a aperfeiçoar e a completar a orgânica das instituições que criámos, a corrigir os erros que são próprios da condução humana e a castigar os desmandos dos que prevaricam.
O regime não é estático e ainda não chegou ao fim da sua evolução.
Craveiro Lopes disse a palavra de ordem. È para nós, que sonhámos e vivemos com ele o 28 de Maio, agora que o Tabor se divisa no horizonte aberto, seria doloroso e desmoralizante que nos mandassem fazer alto a dois passos do triunfo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador; - Mas é tempo de terminar, Sr. Presidente.
Há quem nos atribua intenções demagógicas. Não importa. Gostaríamos contudo que nos disseram se isto à demagogia:
Na vida pública como na particular a falta de sinceridade desgosta e causa; nenhum regime político que use a mentira como método de governo que se contente de verdades convencionais pode acreditar-se na alma popular.
Se somos contra os abusos as injustiças, as irregularidades da Administração, o favoritismo, a desordem, a imoralidade, isto corresponde a um sério pensamento de governo e não a uma atitude política, á sombra da qual cometamos os mesmos abusos a as mesmas injustiças. Ai dos que fingem abraçar estes princípios de salvação nacional, e dizem acompanhar-nos na obra revolucionária, e sabem que queremos ir ousadamente pelas reformas sociais elevando o nível económico e moral do povo e no fundo pretendem apenas adormecer na esperança as reivindicações mais vivas e aproveitar a paz que lhes conquistamos para esquecer as exigências da justiça. Esses não são nossos nem estão connosco.
Será isto demagogia? Nesse caso é á volta deste demagogo que temos de cerrar fileiras para lhe dar força e coragem, porque ele é hoje o único homem com autoridade e prestígio na «alma popular» para poder erguer em corpo e vida as nossas aspirações.
Que se unam em torno de Salazar todos aqueles que se batem por uma causa, e não por uma «posta», e só assim conseguiremos que o estado continue ao serviço do povo e o povo ao serviço do Estado.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: já algumas vezes na apreciação da Lei das Meios, tenho subido a esta tribuna para render as minhas homenagens à obra realizada pela Administração ao sector da saúde pública e da assistência e para proclamar a necessidade que temos
Página 356
356 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 182
de acelerar o ritmo das obras que lhe dizem respeito e do seu apetrechamento e procedermos convenientemente à coordenação das suas actividades, de modo a conseguirmos uma maior eficiência da sua acção.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Hoje venho de novo para bater quase que os mesmos assuntos.
No resumo elaborado pela Câmara Corporativa sobre as obras feitas nos últimos vinte anos verifica-se que as construções realizadas pelo Ministério das Obras Públicas no domínio da assistência atingem 650:000 contos, estando incluídos neles as construções dos dois grandes Hospitais Escolares de Lisboa e Porto, em via de conclusão, e as outras construções hospitalares que, em cumprimento da lei aqui aprovada, foram realizadas ou estão decorrendo e que totalizam dez construções novas e setenta remodelações de antigos edifícios.
Pelo Ministério do Interior, as verbas gastas com a saúde pública passaram de 7:500 contos em 1938 para cerca de 23:000 em 1948 e 33:700 em 1951 e as da assistência passaram respectivamente de 76:000 para mais de 212:000 e para cerni de 240:000 contos.
Isto representa, sem dúvida, um esforço admirável do Estado Novo para arrancar os assuntos de saúde pública e da, assistência daquele deplorável atraso em que, infelizmente para todos nós, se deixaram estagnar durante tão longos anos. Mas, talvez por isto, este esforço não foi acompanhado de resultados imediatos, palpáveis, sensíveis, como era para desejar, traduzidos na profilaxia das doenças, na redução do sofrimento e na das taxas da mortalidade.
Os críticos superficiais, sempre prontos a denegrir a obra da Revolução Nacional, tomam só por estes expoentes das taxas da mortalidade o resultado da nossa acção, confrontando-os com dados correspondentes de outras nações, sem estabelecerem o termo de comparação entre as posições que li á vinte anos nós e esses mesmos países possuíamos, sem atender ao atraso em que estávamos na saúde pública e nos demais problemas e ao esforço que temos vindo a fazer em ritmo acelerado para nos aproximarmos deles.
Esses países colhem agora os frutos de uma obra que já vem de longe, dos tempos em que neste cantinho da Europa outros interesses absorviam inteiramente os responsáveis da Administração e se votavam as questões da saúde e da assistência pública a um grande e deplorável desprezo, tão grande e tão deplorável que levou o insuspeito e eminente Ricardo Jorge a dizer, em 1926, que desde 1901 até àquela data os serviços de saúde pública, longe de terem recebido benefícios apreciáveis, tinham sofrido prejuízos sensíveis, razão por que então nos encontrávamos em situação vexatória para o brio nacional.
Podemos afoitamente mostrar o que temos feito em matéria de saúde pública e de assistência nos últimos anos - é obra que nos honra, como tantas outras.
Mas, a despeito do que temos feito, não vencemos ainda o atraso a que deixaram chegar este país e carecemos, por isso, de não esmorecer no entusiasmo nem quebrantarmos o ritmo da nossa reabilitação.
Por isso mesmo, ao apresentar-se à Assembleia Nacional nova proposta de Lei de Meios, entendo de meu dever chamar a atenção do Governo para a necessidade de reforçar as verbas que dizem respeito à saúde pública e à assistência, e muito particularmente as que devam destinar-se ao combate à tuberculose e à assistência à mãe e à criança, pois que a morbilidade e a mortalidade pela tuberculose e a mortalidade infantil são os dois problemas mais importantes da saúde pública, os que desgastam mais profundamente a nossa população
e que mais a lesam e também os que mais nos comprometem como nação civilizada no confronto internacional.
A tuberculose é entre nós, como em quase todos os países, um verdadeiro flagelo, provocando em cada ano a morte de 4 milhões de pessoas em todo o Mundo. Que eu saiba, só na Dinamarca deixou de ser considerada flagelo, no conceito de Etienne Berard, quando este pequeno e admirável país, em Dezembro de 1950, fez cair a sua taxa de mortalidade pela tuberculose a 13 por 100 000 habitantes e a menos de 2 por cento da taxa da mortalidade geral.
Nós estamos muito longe disso, visto que a nossa taxa de mortalidade pela tuberculose ainda está em 140 por 100000 habitantes e anda, desde 1926 para cá, entre 30 a 12 por cento da mortalidade geral.
São mais de 15 000 os portugueses que todos os anos pagam com a morte o seu tributo a esta doença. Este desgaste corresponde a um desfalque anual de mais de 800 mil contos do mais valioso e produtivo dos capitais - o trabalho humano.
Mas não é só a mortalidade pela tuberculose que nos interessa: é também a extensão da doença, o número de indivíduos atingidos por ela. Em vários países tem sido estabelecida a relação existente entre o número de mortes por tuberculose e o número de indivíduos atingidos pela doença.
Essa relação varia entre 4 e 15 doentes de tuberculose activa por cada um que morre de tuberculose. Considerando para o nosso país a média de 9, temos de contar, entre nós, com 133 mil tuberculosos, doentes a que temos de assistir, uma grande parte dos quais deve ser isolada porque é contagiante, que na sua maioria são atingidos aio período de maior rendimento económico do seu trabalho e que perturbam séria e profundamente o agregado familiar de que fazem parte.
A tuberculose é, de facto, entre nós, um grave e delicado flagelo, o nosso problema sanitário n.º 1.
E o que temos nós para lutar contra este terrível mal, contra esta peste branca?
A nossa luta começou há largos anos, no alvorecer do século, ao mesmo tempo que a de muitos outros países. Os nossos primeiros dispensários e os nossos primeiros sanatórios pode dizer-se que são contemporâneos dos primeiros estabelecimentos congéneres semeados por essa Europa fora, e foram o fruto de uma heróica arrancada de pioneiros admiráveis, entre os quais se destacava a Rainha D. Amélia, fundadora e animadora dessa campanha.
Logo de início, quase dum jacto, ficámos na linha de vanguarda dos vários países na luta contra a doença, criando 5 dispensários e 3 sanatórios e destinando 300 camas do Hospital do Rego para tuberculosos.
A contrastar com esta fase, seguiu-se-lhe outra de apatia, de desinteresse e de abandono. Efectivamente, de 1910 a 1925 não conseguiram os Governos de então manter o interesse despertado e não puderam fazer mais do que a criação de um dispensário - o de Ponta Delgada.
Só em 1931 começa uma nova fase da luta e, de então para cá, a Assistência Nacional aos Tuberculosos passou de 800 para mais de 2300 as suas camas para tuberculosos pulmonares e multiplicou bastante o número de dispensários. Estas camas e as dos hospitais gerais, da Assistência aos Tuberculosos do Norte e da Junta de Província da Beira Litoral andam por 5 mil.
Esta Câmara analisou já em pormenor este problema quando o Governo lhe enviou a proposta que depois foi transformada na Lei n.º 2 044, dando nova amplitude à luta e dotando-a de novas armas, com a criação do serviço de radiorrastreio por microrradiografia e dos três centros de profilaxia e diagnóstico de Lisboa, Porto e
Página 357
15 DE DEZEMBRO DE 1952 357
Coimbra e com a criação do Laboratório Central de Produção de Vacina B. C. G. e as indispensáveis condições para uma extensa campanha de vacinação dos analérgicos.
E porque volto hoje ao assunto?
Porque se torna indispensável intensificar o ritmo da luta, porque sinto de meu dever voltar a dirigir o meu apelo aos ilustres Ministros do Interior, das Obras Públicas e das Finanças para que não esmoreçam no seu entusiasmo e para que, numa acção conjunta, nos dêem os elementos, suficientes para uma campanha, de rápidos e eficazes efeitos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Carecemos de mais dispensários, de mais sanatórios e duma intensificação do radiorrastreio e da vacinação.
O inúmero de dispensários que possuímos, é muito inferior ao dos concelhos. Só temos 76, em vez dos 150 de que precisamos. Assistem só cerca de um terço da população, mas assistem mal, não dando o rendimento que deviam, tanto na assistência aos doentes como na profilaxia. E assistem tão mal que poderiam servir para desacreditar a instituição se ela não tivesse, como tem, em todos os países, os seus créditos bem firmados. Não vale a pena fazer a demonstração.
As causas vêm de longe e são várias; mas não lhe e estranha a dificientíssima remuneração dos médicos. O trabalho de um dispensário não pode render sem ter assegurado pessoal médico que nele trabalhe diariamente várias horas, seguindo doentes, fazendo pneumotórax e outros tratamentos, vigiando as famílias desses doentes e fazendo até visitas domiciliárias.
A maior parte dos médicos que trabalham nos dispensários ganha menos que a servente, alguns meios que 30$ por dia, e ninguém pode exigir do médico que por tal preço assegure bom rendimento ao dispensário! O dispensário falhou ainda, e sobretudo, pela ausência quase total da sua acção de profilaxia, junto dos familiares, na pesquisa de doentes e na educação sanitária de sãos e doentes, da falta de visitação e de assistência social; por este carácter passivo e quase exclusivo se limita a abrir a porta para atender o doente.
Não basta multiplicar os dispensários! Torna-se necessário fazer também uma profunda reforma dos existentes, valorizando o seu rendimento, garantindo a eficiência do seu trabalho.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pelo que respeita a sanatórios, também o rendimento tem sido inferior ao que era lícito esperar, sobretudo porque a nossa insuficiência ide camas nos obriga a reter por muito tempo a admissão do doente, que ali chega tantas vozes já com muito menores possibilidades de cura, depois de uma longa evolução do seu processo.
Além disso, a falta de locais de isolamento fora dos sanatórios, onde pudessem isolar os bacilíferos incuráveis, obriga a retê-los durante muito tempo nos sanatórios, a ocupar camas que podem servir para a cura de outros. É isto outra razão do seu mau rendimento terapêutico.
A este respeito diz Etienne Berthet:
É irracional, no estado actual da penúria das possibilidades de hospitalização, deixar estar nos sanatórios durante meses doentes crónicos ou perfeitamente estabilizados que não têm nada a esperar da sua cura e que ocupam inutilmente o lugar dos que se podiam curar.
É erro gravo de administração sanitária estarmos a encher os nossos sanatórios de altitude com doentes em fase avançada do mal e que vão imobilizar camas sem proveito e estarmos a reter ali outros que nada beneficiam com isso.
A retenção só se pode explicar por profilaxia, e esta poderá obter-se em boas condições sanitárias, com bom conforto e por muito mais baixo preço, em instalações mais simples, de planície, não longe das cidades.
Para obviar ti estes inconvenientes só conhecemos um processo: aumentarmos rapidamente o número de camas para tuberculosos.
Mas, em vez de intensificarmos a construção dos sanatórios de altitude, bem poderíamos concentrar as nossas atenções em construções mais ligeiras e mais baratas, junto das cidades, não só para o isolamento daqueles incuráveis que pejam os sanatórios ou que difundem o mal no domicílio, mas também para tratamento de muitos outros que não carecem de regime de altitude.
Aconselham-no o desenvolvimento cada vez maior da cirurgia torácica e o êxito cada vez mais evidente dos antibióticos que se vão sucedendo no arsenal terapêutico da tuberculose.
A despeito do muito que temos feito, precisamos de acelerar a instalação de mais camas para tuberculosos pois a lentidão do seu ritmo entrava o desenvolvimento da luta e compromete o seu êxito. Já temos 5 mil, mas carecemos de ter 15 a 30 mil camas.
Sabemos com que entusiasmo o ilustre Ministro das Obras Públicas abraçou este problema. Estamos seguros de que prosseguirá com a mesma energia. Sem essas camas, nem podemos isolar os bacilíferos disseminadores do mal, nem podemos intensificar a campanha do radior-rastreio, porque não está certo que vamos, descobrir os tuberculosos só para os catalogar, sem meios para lhes assistir convenientemente. Deste modo, criamos a intranquilidade, provocamos alarme e geramos atitudes de revolta.
O radiorrastreio é uma nova modalidade posta ao serviço da luta antituberculosa pelo Estado Novo, de êxito seguro, quando acompanhado de outras medidas. Ele e a vacinação dos analérgicos pelo B. C. G. são dois instrumentos sérios de que o País lançou mão pana dar combate a este flagelo. Isto é proclamado por todos.
Entre nós, ainda recentemente, no I Congresso de Protecção à Infância, onde se inscreveram 400 congressistas e de que participaram todos os professores de pediatria de Portugal e outros catedráticos, muitos assistentes e chefes de serviço dos hospitais e a maioria de pediatras do País, foram reafirmadas a inocuidade e eficácia do B. C. G. e foi solicitada do Governo a intensificação da campanha antituberculosa, com aplicação em larga escala do radiorrastreio e da vacina.
Mas esta não se poderá fazer senão com a criação de brigadas móveis de médicos vacinadores, a completarem a acção dos centros de diagnóstico e de profilaxia e das delegações de saúde.
A luta é difícil, mas a vitória é possível só todos nos dermos as mãos e se concentrarmos as verbas necessárias para o indispensável desenvolvimento dos serviços. Ouso, por isso, chamar para o caso a atenção do SS. Exas. o Ministros do Interior, das Finanças e das Obras Públicas e Subsecretário de Estado da Assistência Social.
Repito aqui o que já disse algures: a Desde há uni século que este flagelo está a ser batido no Mundo inteiro. Se houve tempo em que a medicina olhou o êxito do combate com dúvida e receio, não sucede hoje o mesmo.
O Prof. Etienne Bernard, em publicação do ano passado, diz que estão contados os dias deste flagelo e que no meio século que está decorrendo se registarão menos
Página 358
358 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 182
vítimas de tuberculose do que naquele que terminou há dois anos.
E Mac Doughal, com a sua responsabilidade de chefe da secção da tuberculose da O. M. S., afirma mesmo que, se as curvas da morbilidade e da mortalidade pela tuberculose continuarem no mesmo ritmo que se observa nalguns países, a tuberculose será neles, no fim do século, tão rara como a lepra o é neste momento.
Efectivamente, nos últimos cinquenta anos, em muitos países da Europa e da América do Norte, a mortalidade pela tuberculose tem sofrido baixas que vão de 65 a 94,5 por cento.
Em Copenhaga, em 1950, eram já dez os países que tinham feito cair a taxa da mortalidade pela tuberculose para 50 por 100 000 habitantes e alguns dos que estavam nesse quadro de honra tinham-na feito descer da casa dos 300 para a dos 50 em menos de cinquenta anos! Desse grupo foi a Dinamarca a portadora do estandarte da vitória, eliminando a tuberculose da categoria de flagelo social. As armas foram as mesmas, comuns a todos os países.
O que foi diferente, foi a maneira como aquele pequeno país se serviu delas para conquistar a maior vitória sanitária de todos os tempos. Que a sua vitória possa despertar nos nossos corações o entusiasmo necessário para idêntica campanha. Se o quisermos, consegui-lo-emos.
Os métodos são conhecidos, e se pudemos abalançar-nos a outras empresas mais difíceis e delas saímos vitoriosos, porque não havemos de fazer desaparecer, numa persistente campanha nacional, esta mancha que nos envergonha permite o mundo civilizado?
Outro problema a reclamar providências firmes e persistentes é o da assistência maternal e infantil.
Nos últimos dez anos tem-se feito alguma coisa neste capítulo. Ainda há dias, perante o I Congresso do Protecção à Infância, dei o balanço de tudo o que se havia feito nos últimos anos. Mas não pude deixar de apontar o extenso caminho que tínhamos de percorrer no campo da assistência à mãe e à criança para nos aproximarmos da situação que desfruta a maioria das nações civilizadas.
E, dentro disto, tive de dizer, e aqui o repito, que em nove anos o Instituto Maternal, por deficiência de dotação, não conseguiu estender a sua acção a mais de sete distritos, com a instalação de delegações e subdelegações, podendo, por isso, dizer-se que só uma porte mínima do País conhece e sente os efeitos da sua acção directiva.
O problema da assistência à maternidade e à infância embreia em gravidade com o da tuberculose.
Em Paris e em Barcelona eu corei de vergonha ao ver o nosso país apontado como o portador das mais altas taxas de mortalidade infantil, em confronto com uma série deles. Efectivamente, apesar das correcções que possamos fazer, baseadas na diferente forma de recolha de dados estatísticos, estamos a grande distância dos demais.
Por aqui se pode aferir o panorama: dos 200 000 partos que em média se registam em Portugal, só a décima parte é assistida por médico e só a quarta parte é assistida de parteira! Não admira, portanto, que sejam tão altas as taxas de mortalidade materna, as de nado-mortalidade e as de mortalidade neo-natal.
Apregoamos a importância do revigoramento da família, colocamos na base da doutrina do Estado a obrigatoriedade de reforçar e amparar a família; mas, a contrastar com a doutrina, temos uma deficiente assistência à grávida e à puérpera e deixamos morrer muitas que poderíamos salvar com uma elementar assistência obstétrica, e por esta via, permitimos que a família seja profundamente atingida com a perda de muitas mães, parecendo que nos não damos conta dos problemas que criamos com a perda de tão extraordinário valor moral e económico - tanto maior quanto maior for o número de filhos que abrigar e quanto mais precário for o rendimento do agregado familiar a que pertencer.
Pelo que se refere à mortalidade infantil, temos vindo a descer lenta e penosamente de níveis muito altos. Entre os nossos actuais 89,1 por cento e os 20 por cento da Suécia está todo o caminho que temos de percorrer.
Portugal assiste, quase indiferente, em cada ano à morte de 30 000 crianças com menos de o anos. Das 200000 que nascem vivas em cada ano, cerca de 17 000 a 20 000 não chegam ao fim do primeiro ano. A volta de 6000 destas morrem antes de atingir 1 ano de vida e cerca de 6 000 morrem sem assistência médica!
Como ontem dizia o jornal O Século em ponderado e luminoso artigo de fundo: «a infância é um capital precioso que é preciso aproveitar até às últimas parcelas, porque sem ele não há civilização possível, nem progresso declarado, nem criação de riqueza individual ou colectiva».
Eu sei que, levianamente, se pode argumentar que apesar disso o nosso saldo fisiológico é positivo e substancial; mas há que ver como é realizado esse saldo. Para que ele tenha real valor económico é preciso que a natalidade aumente ou não decresça e que a mortalidade infantil nos não ceife tantas vítimas. Sob o ponto de vista económico, interessa-nos muito que esse saldo seja de elementos jovens.
A experiência da garantia do êxito da nossa assistência à infância está feita em Coimbra, onde as suas obras de assistência colocaram de há muito a cidade e o seu distrito com as mais baixas taxas de mortalidade infantil de Portugal. Outro tanto poderíamos dizer de Castelo Branco.
O Congresso há pouco reunido aprovou as linhas gerais da orientação seguida, mas formulou votos, que vão ser entregues ao Governo, no sentido de se assegurarem, «o Instituto Maternal as verbas necessárias para a criação da sua delegação em Coimbra, a substituir a provisória e deficiente onde actualmente funciona; para a criação das subdelegações em todos os outros distritos que as não possuem; para se alargar e intensificar toda a acção que legalmente lhe incumbe, etc.
Nos votos, das três secções do Congresso estão enunciadas as medidas indispensáveis e urgentes dum plano vasto de assistência maternal e infantil.
No momento em que se discute a Lei de Meios, sinto de meu dever chamar para este assunto a atenção do Governo para que distribua as verbas orçamentais de modo a garantir a execução daqueles votos.
Falta-lhe tempo para tratar, como desejava, de outros assuntos que dizem respeito à assistência e que carecem de ser enfrentados decidida e urgentemente.
Estão neste caso muitos que dizem respeito aos serviços sanitários, como o da verificação dos medicamentos, que coloca o País à mercê da invasão de drogas inferiores ou adulteradas; sobre o saneamento das povoações, e muitos outros. Sente-se que os serviços de saúde pública, a despeito das dotações terem aumentado muito, não têm o desenvolvimento que deviam ter, estão como que tolhidos por falta de pessoal e apetrechamento suficiente.
Outro tanto se poderia dizer da assistência psiquiátrica, que depois daquela arrancada de há oito anos como que paralisou, como se tivera cansado na corrida ou se não estivéssemos ainda muito longe do que precisamos.
Informações seguras garantem-me que esse magnífico plano hospitalar que o País está a desenvolver não
Página 359
15 DE DEZEMBRO DE 1952 359
é acompanhado da evolução no mesmo sentido das verbas de sustentação de antigos e novos hospitais, donde resulta que, à medida que se inauguram os novos, se vão reduzindo camas nos velhos.
Embora não conheça pormenores do problema, sinto que a assistência aos menores deficientes - sensoriais, motores e mentais - carece de sopro renovador que nos permita recuperar muitos milhares de indivíduos, roubando-os à mendicidade forçada e à delinquência, que, de outro modo, seguramente os espera.
Ao apontar estes assuntos a consideração do Governo não tenho outro objectivo que não seja o de o informar acerca destas questões da mais alta importância, na esperança de que o ilustre Ministro das Finanças considere o seu alto valor e justamente as coloque acima de outras que absorvem volumosas verbas e que as dote em condições de poderem cumprir a sua missão, a bem da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Fernandes Prieto: - Sr. Presidente: por me parecerem ajustadas ao momento algumas considerações sobre o problema da educação popular e suas relações com a proposta de lei cuja discussão se iniciou ontem nesta Câmara, pedi que me fosse concedida a honra de subir a esta tribuna para me pronunciar a tal respeito.
E, embora possa e deva supor que no meu depoimento se não encontre suficiente valia que justifique a minha intervenção, apraz-me, todavia, cumprir um dever que se- me impõe, já porque me preencheu largos anos da vida o exercício de funções docentes, já porque sirvo actualmente num sector do Estado que tem no problema da cultura popular, por sua própria razão de ser, a maior responsabilidade.
Sr. Presidente: na proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1936 estão previstos, no seu artigo 21.º, não somente o reforço das dotações ordinárias destinadas à instrução primária, mas ainda o financiamento da fase inicial da Campanha da Educação de Adultos.
Verifica-se assim que os propósitos em boa hora tomados pelo Ministério da Educação Nacional encontraram no seio do Governo uma perfeita concordância, sem dúvida porque se viu neles o justo significado de uma campanha de salvação nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Temos, pois, a certeza de que a reorganização que se pretende operar pelo Decreto-Lei n.º 38968, de 27 de Outubro deste ano, não se destinou somente a preencher e a enegrecer papel.
Quis o legislador, no completo e notável relatório que precede aquele diploma, dar-nos uma visão panorâmica do que tem sido o ensino primário em Portugal desde 1890 até hoje e das providências que por via legislativa se tomaram para a diminuição da taxa do analfabetismo.
Embora nesta Assembleia tenham já sido feitas referências, por sinal em termos de apurado recorte, ao referido decreto-lei, não devo ocultar, talvez por imperativo da profissão docente que não perdi ainda, o extremo agrado com que se lêem as considerações que justificaram a sua publicação. Ao mesmo tempo que revelam clareza e método expositivo, ressalta delas um perfume de entusiasmo - e de convicção que quase faz esquecer ao leitor atento as possíveis dúvidas ou naturais dificuldades que possam surgir na execução de tudo o que se aponta e pretende.
Não hesitando em pôr sobre os seus ombros o trabalho de uma investigação demorada, o legislador coligiu paciente e metodicamente números estatísticos para apreender as suas revelações, confrontou resultados para obter ideias claras sobre o seu significado, percorreu em estudo demorado e comparativo a abundante legislação sobre o nosso ensino primário, tomou e mandou pôr em andamento determinadas providências para lhes conhecer os efeitos e só depois de abranger os mais diversos aspectos do problema lançou a público as normas orientadoras da obrigatoriedade do ensino primário elementar, do funcionamento dos cursos de educação de adolescentes e adultos e da Campanha Nacional da Educação de Adultos.
Embora enlaçados no mesmo decreto-lei, são diferentes os processos para a resolução dos dois problemas nele versados: eliminação do analfabetismo na idade escolar e redução da percentagem de iletrados em idades compreendidas entre os 14 e os 35 anos.
O ensino de crianças em idade escolar, anteriormente obrigatório para vós, que tivessem idades compreendidas entre os 7 e 11 anos, estende-se agora a todas as que em 31 de Dezembro de cada ano tenham idade igual ou superior a 7 e inferior a 13 anos.
No censo da população de 1900 verificou-se que num total de 768 271 crianças com idades compreendidas naqueles primitivos limites havia 20,3 por cento de analfabetos. Em 1930 a percentagem, referida às mesmas condições de idade, era de 73,1 por conto, igual aproximadamente à que se apurou em 1920 e apenas inferior em 6,3 por cento à de 1911.
Quer isto dizer, Sr. Presidente, que no decurso de 1911 a 1930 a baixado analfabetismo referente àquelas idades está muito longe da que se operou entre os anos de 1930 a 1950.
Neste período, com efeito, a baixa foi de 53,8 por cento, o que deve considerar-se altamente notável, quando em confronto com o que até então sucedera.
É certo que a obrigatoriedade de ensino já vem de longe e está bem afirmada em legislação abundante mas dispersa e, talvez por isso mesmo, por vezes desorientadora.
Não nos detenhamos, porém, na apreciação das causas determinantes da sua restrita eficiência. O que hoje se pretende é caminhar com segurança, evitando males que essa legislação anterior, certamente por força de circunstâncias então vigentes, não pôde dominar.
Jogando com os números do censo de 1950, muito embora se saiba que desde essa data até fins de Marco de 1952 o número de alunos matriculados, sofreu um apreciável aumento, verifica-se, tendo em conta a verba destinada aos professores e o número de alunos matriculados, que é aproximadamente de 400$ anuais a importância por que fica ao Estado a educação de cada aluno.
Se à escola forem chamados, como se pretende, os 156 219 analfabetos que o censo denunciou, o aumento de despesa a suportar pelo Estado andará, conforme o parecer da Câmara Corporativa, à volta de 62:000 contos, o que, somado à dotação ordinária para o ensino primário, a elevará a um montante aproximado de 300:000 contos.
Na realidade, porém, os encargos não devem ascender, no orçamento de 1953, a tão avultada verba. Com efeito, a chamada de tais alunos implicaria a existência de 3 900 ou, em números redondos, de 4 000 salas de aula, na base de uma frequência média de 40 alunos por cada uma e sem se atender aos chamados cursos duplos.
Os actuais estabelecimentos de ensino oficial, em número de 15 662, são bem necessários para os alunos que
Página 360
360 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 182
hoje os frequentam. Por outro lado, só a partir de 1949-1900 é que o número de diplomados anualmente pelas escolas do magistério tem andado à volta do milhar. Supondo que se continua nesse ritmo, isto é, que se preparam anualmente 1000 professores, só ao fim de quatro anos estariam preenchidas todas as vagas provenientes das salas a criar.
Tendo, porém, em conta o afastamento do serviço de, aproximadamente, 400 agentes do ensino, quer por aposentação, quer por falecimento ou outros motivos, aquele prazo de quatro anos terá evidentemente de ser alargado. Quer isto dizer que a despesa resultante da chamada à escola das crianças analfabetas teria de ser distribuída pêlos seis ou sete anos gastos na normalização dos serviços.
Deve, porém, anotar-se que neste cálculo não se entrou em linha de conta no parecer da Câmara Corporativa com o número de regentes escolares, que, diga-se em abono da verdade, têm prestado serviços que convém não esquecer.
O prazo estabelecido para a normalização deve, pois, ser encurtado e mais deverá sê-lo ainda se se considerar que há escolas em regime de curso duplo, circunstância que o parecer também omitiu. Ora este regime de cursos também influi no número de salas necessárias para a frequência do número de analfabetos a que atrás se faz alusão.
Conforme o parecer, não irá muito além dos 10:000 contos a verba, necessária para fazer frente em 1953 às despesas resultantes da convocação à escola de todos os analfabetos em idade escolar. Como é fácil de prever, tendo em vista o que ficou dito, este número não corresponderá rigorosamente à verdade, pela simples razão de ter sido calculado, como já se afirmou, com abandono das duas circunstâncias apontadas.
É natural que se defenda a vantagem, ou, melhor, a necessidade de ser resolvido, no mais curto prazo, o angustiante problema do ensino de toda essa população infantil, ainda estranha à escola, com a expansão da rede escolar, em simultaneidade com a autorização para a entrada de maior número de alunos nas escolas do magistério.
É de notar, porém, que, se o recrutamento dos candidatos ao magistério pode ser alargado com relativa facilidade - e assim se vai fazendo com a admissão de mais vinte alunos por ano, além d.º número normal, em cada escola -, o mesmo não poderá ser dito no que respeita a construções para ampliação da rede escolar.
No relatório das actividades do Ministério das Obras Públicas referente ao ano de 1951 lêem-se estas palavras no capítulo que a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais dedica às obras de construção de escolas primárias:
A conclusão a tirar é a de que se impõe substancial reforço das dotações para a construção de escolas primárias no próximo ano, sob o risco de se eternizar a realização de um programa de tão transcendente interesse nacional.
Embora actualmente haja o propósito de obstar a baixas sensíveis no ritmo de construções para o prosseguimento do Plano dos Centenários, parece que ao autor do decreto-lei que nos ocupa não passou despercebida a hipótese de haver, por motivos imprevistos, qualquer pausa nos serviços dessas mesmas construções, quando, prudentemente, afirmou em comentário ao quadro representativo do número de professores diplomados desde 1947-1948 até 1951-1952:
Tudo se fará para que de um grave mal proveniente da falta de agentes de ensino não vá cair-se noutro, também perturbador, como seria o da existência de uma legião de diplomados do magistério primário sem colocação assegurada.
Sr. Presidente: é possível que nem todos queiram ver nas providências tomadas o remédio eficaz para o triunfo definitivo da obrigatoriedade do ensino primário, imposta às crianças em idade escolar.
A uns move-os aquela sistemática indiferença perante inovações, ainda, mesmo que elas representem imperativos da época. Para esses não conta, com certeza, qualquer argumentação com que se pretenda mostrar a verdade. Não há piores cegos do que os que não querem ver.
A outros, embora desejosos de medidas conducentes a um novo clima de cultura popular, domina-os certamente a dúvida, quer no que respeita ao modo de execução de determinados preceitos, quer no que se refere ao fundamento material em que devem alicerçar-se.
Quanto a mim, creio na eficácia da obra e nas virtudes a que conduzirá, sem que, no entanto, deixe de admitir que possam aparecer, aqui ou ali, algumas dificuldades de momento, o que é natural. Elas, porém, serão certamente removidas, dado o empenho que a todos domina de que se caminhe com segurança e urgência para a consecução do grande objectivo.
A meticulosidade que presidiu aos estudos preparatórios das resoluções a tomar, a capacidade construtiva de quem as articulou em diploma legal e os resultados que já se vão colhendo das primeiras providências atinentes aos movimentos iniciais da máquina que se pretende ver em laboração normal constituem motivos de radicada convicção de que vamos entrar em rumo de realizações efectivas.
São duras, são inflexíveis as exigências para que se efective a obrigatoriedade escolar? A gravidade do problema não se compadeço com atitudes contemporizadoras, e a verdade é que se não deve falar em dureza de normas quando elas representam a própria defesa dos interessas daqueles a que se aplicam.
E se à criança se impõe a obrigação de frequentar a escola, fixa-se aos pais o indeclinável dever de garantir o respeito por essa frequência. Daqui a necessidade de um enlace perfeito da família com a escola. Desrespeitá-lo é inutilizar o esforço formativo e informativo com que o professor se inclina para o aluno; é pecar gravemente contra o espírito.
Sr. Presidente: como já tive ocasião de dizer, está prevista 11O artigo 21.º da proposta da Lei de Meios a inscrição no orçamento do Ministério da Educação Nacional de uma verba extraordinária para custear a 1.ª fase da campanha bienal contra o analfabetismo de adultos.
Se bem que conducentes ao mesmo fim, não pode nem deve haver confusão dos cursos de educação de adolescentes e adultos com a mecânica do funcionamento da campanha.
A criação dos cursos diurnos e nocturnos, que servirão de instrumento de combate contra o analfabetismo de adolescentes e adultos, não constitui propriamente uma inovação, pois já vem de longa data o funcionamento de tais cursos. São vários os diplomas legais que a eles se referem, mas, a despeito da louvável intenção que presidiu ao seu estabelecimento e regulamentação, não foram, ao que parece, de grande relevância os resultados colhidos.
Mudaram os tempos, sucederam-se os homens, surgiram novas circunstâncias e o problema assumiu tão premente acuidade que, para defesa do brio nacional, há que encará-lo de frente, para lhe dar uma solução segura e sem demoras. Daqui a necessidade de, para-
Página 361
15 DE DEZEMBRO DE 1952 361
lelamente aos cursos, se lançar pela primeira vez em Portugal a campanha de alfabetização de adultos.
Por amor à verdade, deve dizer-se que os estudos levados a cabo para a ordenação de todos os factores tendentes a facilitar quer o estabelecimento dos cursos, quer o lançamento frutuoso da campanha, representam um esforço que só pode ser bem compreendido pelo conhecimento prévio dos longos, aturados e meticulosos trabalhos de investigação acerca do que havia para com segurança se poder concluir do que deveria haver.
E que os propósitos do legislador no sentido de recuperação da grande percentagem de iletrados adolescentes e adultos se casou harmònicamente com os anseios dos portugueses de boa vontade prova-o a repercussão que as medidas legais obtiveram em todo o território nacional, conhecida através de aplausos sem conta e de promessas de uma colaboração efectiva.
O plano estabelecido para os cursos e para a campanha bienal visa não sòmente à administração de conhecimentos elementares da leitura, da escrita e do cálculo, mas ainda à preparação para as responsabilidades de cidadão e de chefe de família.
Não se trata, pois, de simples alfabetização, mas de uma acção educativa real que furte o homem à influência de perigos envenenadores do espírito, que lhe permita a destrinça dos seus direitos e obrigações e lhe dê no conhecimento do respeito às pessoas e às coisas, bem como o valor da disciplina, do trabalho e da ordem. Vamos talvez já um pouco atrasados nesta empresa de recuperação pela campainha, aliás iniciada há já alguns anos, com resultados bem palpáveis, na Turquia, no México, no Equador, no Brasil e em muitos outros países da América.
Nem por isso, todavia, ela deixa de ser altamente meritória e, precisamente porque nos cabe ganhar em esforço de realização o tempo que se perdeu, necessário se torna que todos os portugueses se empenhem, pêlos meios ao seu alcance, para que a campanha progrida, floresça e frutifique.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Embora a estatística de analfabetos adolescentes e adultos de 1950, que acompanha o decreto-lei a que vimos fazendo referência, não esteja organizada de ânodo a, verificar-se coincidência das idades de cada um dos grupos que nela figuram com as correspondentes daqueles a que a campanha e os cursos especialmente se destinam, pode supor-se, sem grave erro, que há 1 milhão de indivíduos dentro dos limites estabelecidos. Se se partir da hipótese de que a sua instrução vai ser ministra de fora dos cursos de educação de adultos, previstos nos artigos 17.º e 18.º do decreto-lei, o encargo financeiro para o País, referido na segunda parte do artigo 21.º da Lei de Meios, seria, à primeira vista, de 500:000 contos durante o biénio da campanha, segundo o parecer da Câmara Corporativa.
A verdade, porém, é que o cálculo foi feito em bases que podem não corresponder à realidade, já porque não é difícil aceitar que o ensino de grande maioria de adultos seja feito em cursos de regência remunerada, já porque é de admitir - o que não é para desejar - que nem todos os alunos da campanha obtenham aprovação no fim dos dois anos de frequência.
No parecer da Câmara Corporativa faz-se apenas referência, para facilita cão do cálculo, aos encargos resultantes do pagamento de gratificação, mencionada no artigo 118.º do derreto regulamentar, aos agentes de ensino trabalhadores na campanha, por cada adolescente ou adulto que preparem até aprovação no exame.
Preferiu-se, pois, fazer um cálculo da totalidade do encargo a partir do maior dispêndio, mas na realidade ele será muito inferior ao previsto. Todavia, ainda mesmo que assim não fosse, a verba calculada representaria, no seu total, um peso no orçamento do Estado muito inferior ao provocado pela escolaridade de três anos de igual número de crianças em idade própria.
Posto em franca execução o plano que se pretendo, poderá esperar-se (para breve o rasto o desaparecimento completo do analfabetismo? Não levemos, o nosso juízo a inadmissíveis exageros, por mais optimistas que sejamos. Uma vez que se fixou em 35 anos o limite máximo de idade para os iletrados a que especialmente se destinam quer os cursos de adultos, quer a acção da campanha, restam os que excedem aquele limite, em número, aliás, bastante considerável.
E se é certo que o Decreto-Lei n.º 38 8 prevê, no seu artigo 25.º, a admissão desses analfabetos à frequência dos cursos, diurnos ou nocturnos, não é de coutar com avultado número de tais alunos, já porque a idade lhes não facilita o ingresso em cargos públicos, já porque deve ser vacilante e muito insegura a vontade de seguirem uma orientação diferente daquela que, em idade própria, os afastou da escola.
Quer isto dizer que, mesmo admitida a hipótese de alfabetização de todos os que têm idades compreendidas entre os 7 e os 35 anos, a taxa geral do analfabetismo será ainda expressa por uma percentagem infelizmente de certo valor.
E embora ela experimente, como é natural, uma diminuição contínua, de ano para ano, sòmente desaparecerá dentro de um prazo que não será curto, salvo se, pelo exemplo que observarem, esses indivíduos se convencerem de que é sempre tempo de aprender.
Os nossos votos são, sem dúvida, para que assim suceda. Seja, porém, como for, com uma certeza poderemos contar: entramos em via e realizações, tendentes a uma posição bem diferente daquela outra em que o analfabeto era abandonado à sua dolorosa sorte, vítima da falta de uma vontade firme para o triunfo sobre impedimentos e dificuldades em que se via enredado.
Por muito sinceros que sejam, são sempre poucos os agradecimentos devidos ao Governo da Nação por tudo o que fez e promete fazer neste importante sector da educação popular.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: falar de educação popular, falar de ensino, falar de campanhas de educação, é falar da escola. E esta, na verdade, o meio clássico de luta contra o analfabetismo.
Mas falar da escolha implica lembrar o professor, porque é a ele que cabe a responsabilidade da formação dos seus alunos.
Já por mais de uma vez têm sido feitas nesta sala referências cheias de justo apreço à prestimosa corporação do professorado primário, a esses «obreiros da nobre arte das primeiras letras», que, sem favor, devem alinhar na primeira fila dos que verdadeiramente trabalham a bem da Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não admira, pois, que tenham sido de simpatia as referências que nesta Casa lhes têm sido feitas. E, depois, todos nós lhes devemos o benefício da nossa primeira instrução; todos nós recordamos as horas passadas na escola, lá na aldeia ou na cidade, em que a paciência do «Senhor Professor» sabia suportar e perdoar, com um conselho a tempo, as irreverências e irreflexões próprias dos tenros anos; todos nós sentimos
Página 362
362 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 182
presente a saudade daquele tempo já distante, em que éramos elementos de um viveiro de amizades que nunca esquecem.
Sabemos que é afadigada a vida do professor primário. As responsabilidades que lhe cabem no trabalho de orientação dos seus alunos, as horas gastas no exame e correcção de trabalhos, a obrigação de revelar, através do aproveitamento da classe, a eficiência do seu ensino, as relações constantes e necessárias com as famílias, num objectivo de orientação e colaboração, tudo isto e o mais servem para continuar o que dissemos.
Hoje, com o plano que queremos ver em execução, vamos exigir dele mais esforço, mais zelo e mais alguma coisa do que transmitir as técnicas elementares e indispensáveis para a aprendizagem da leitura, da escrita e das regras do cálculo elementar.
Queremos - os tempos assim o exigem - que a escola entre em aberta fase de educação, de formação, para que as crianças que a ela acorrem saiam de lá, ao fim da escolaridade, em vias de se tornarem bom terreno para a cultura de virtudes que as orientem, quando adolescentes ou adultos, na plena responsabilidade da vida.
Não se trata de programa novo que agora seja instituído, mas tão-sòmente de dar execução mais cuidada, mais real, a preceitos que, por sua natureza, se supõem sempre ligados à função docente.
E se bem que o problema da educação não seja, propriamente, exclusiva incumbência do professor, mas antes uma obra de cooperação sem que a ele se juntem, em esforços convergentes, a família e os membros com responsabilidade no meio em que ele exerce a sua acção, não pode negar-se que a escola seja, ou deva ser, um lugar por excelência para a formação do homem de amanhã.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Queremos que o professor eduque, queremos que ele seja, precisamente pela missão que lhe cabe, um devotado e consciente continuado da educação que se inicia no seio da família, um soldado da primeira fila na luta que vai travar-se.
Confia-se na sua boa vontade, no seu labor honesto e persistente, mas sem que com isso nos julguemos dispensados de prestar também aquela colaboração que nos é pedida para o Triunfo de uma causa que visa a acordar do sono intelectual uma grande massa de portugueses.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Sr. Presidente: a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1958, conhecida tradicionalmente por proposta da lei de meios, tem sido, também por tradição já firmada, um documento simples e sóbrio na sua articulação, breve na quantidade de artigos, mas eficaz e prudente nos seus altos objectivos.
Como no ano anterior, a proposta vem acompanhada de esclarecimentos e elementos complementares, que muito honram o Sr. Ministro das Finanças e que muito facilitam a compreensão das medidas administrativas que se propõem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Como sempre, desde o já afastado início do saneamento financeiro, levado a cabo pelo Governo do Estado Novo, o motivo central é, evidentemente, o equilíbrio das contas do Estado.
Não é necessário ser-se técnico de finanças: basta ter-se a noção prática e comum do homem comum e esclarecido do que vale o equilíbrio de contas, mesmo na vida vulgar e familiar, para se aquilatar do valor inestimável do tradicional equilíbrio das contas portuguesas. Está a solução deste magno problema, e a sua persistente continuação na base do prestígio indiscutível que Portugal legitimamente alcançou no conceito das nações ocidentais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não tem sido apenas o equilíbrio das contas públicas o pilar sólido em que assenta o prestigio do Governo, mas tem sido também o equilíbrio possível na distribuição dos dinheiros públicos, o que equivale a dizer a seriedade na administração da riqueza pública.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A presente proposta de lei pretende manter firmemente estes princípios salutares sem agravamento de impostos e taxas, não obstante as excepcionais medidas a tomar para fazer face ao Plano de Fomento apresentado, largamente discutido e que será aprovado por esta Câmara.
Se aditarmos as responsabilidades internacionais assumidas pelo Governo para prosseguir no plano de rearmamento, far-se-á uma ideia aproximada da ordem de grandeza do esforço que a administração pública tem a realizar no futuro ano e nos subsequentes.
São tão numerosos os sectores e tão vastas e prementes as necessidades a que é urgente e imperativo atender que só um novo milagre da multiplicação dos pães poderia solucionar satisfatoriamente tão gigantesco desiderato.
Com a aprovação da proposta da lei de meios, que eu por mim lha dou calorosamente na generalidade, confiemos em que o Governo fará a possível multiplicação dos preciosos pães e a sua sábia distribuição pelos serviços a que convém acudir com eficiência e proveito.
É evidente que são tantas as necessidades acumuladas por incúria ancestral e outras criadas pela natural evolução da vida social que há sempre motivo de reclamações com base do justiça, que por vezos resvalam para o campo das recriminações.
É lógico também que as pessoas ou entidades em contacto com os serviços, e cônscias das suas deficiências, as registem e apontem com a esperança de as ver solucionadas. A nós, Deputados, por definição delegados de todos os sectores nacionais e, por natureza da função, defensores dos legítimos interesses gerais o regionais, cumpre trazer aqui o eco dos anseios e a proposição de problemas que respeitam ou afectam qualquer sector da Nação.
Não pretendo ser Jeremias nem censor, mas julgo do meu dever focar alguns problemas que estão estreitamente ligados à estrutura da Lei do Meios.
Assim, volto mais uma vez, embora em síntese, à infeliz questão dos reformandos e dos reformados.
Tenho falado por várias vezes a solicitar providências adequadas para os casos verdadeiramente anómalos no que respeita à contagem do tempo de serviço para a reforma.
O Decreto-Lei n.º 26 503, de 1936, pretendeu generosamente tornar extensivo o direito à reforma a todos os funcionários pagos por verbas de pessoal inscritas no Orçamento Geral do Estado, mesmo os que auferem gratificações permanentes.
Apesar do espírito de generosidade, instituiu duas flagrantes injustiças, que urge remediar: a primeira é
Página 363
15 DE DEZEMBRO DE 1952 363
que admito que os funcionários que exerceram funções sem pagamento de quotas para a Caixa de Aposentações requeiram a contagem desse tempo com pagamento integral das quotas em dívida, mas o espantoso é que pagam no total e ficam com direito apenas a metade do tempo.
O pagamento total das quotas em atraso parece que é igual ao que seria realizado em anos consecutivos durante a prestação do serviço a que respeita; a segunda injustiça é a que resulta do artigo 11.º do referido decreto-lei, pelo qual os funcionários que tivessem prestado serviço em outras funções publicas e que pagaram nessas funções as quotas para a Caixa Geral de Aposentações teriam de requerer, no prazo de cento e oitenta dias da data do decreto, para lhes ser contado o tempo respectivo. Porquê a perda do direito a esse tempo para reforma não tendo requerido se pagaram as quotas legais?
Não bastaria, que em qualquer ocasião, e em especial quando o funcionário requeresse a reforma, requeresse simultânea mente a contagem do tempo de serviço prestado com pagamento de quota e comprovado por certidão?
E no primeiro caso que referi não seria justo que fosse contado todo o tempo, e não 50 por cento, a que correspondem as quotas atrasadas e integralmente liquidadas a requerimento do interessado?
E ainda, porque continuam certos funcionários de serviços iguais uns com direito à reforma e outros sem esse direito? É este o caso dos do Instituto de Medicina Legal de Lisboa, com o direito, e os dos Institutos de Coimbra e Porto, privados dele.
Eu bem sei que a satisfação destas reclamações implica um aumento sensível no subsídio que o Estado confere anualmente à Caixa de Aposentações, subsídio que ainda há, poucos anos ora de largas dezenas de milhares de contos para correcção de insuficiência da quotização do funcionalismo. No entanto, é de considerar que não se deve manter tão flagrante injustiça apenas por considerações de ordem económica.
É de esperar que estas anomalias venham a ser finalmente remediadas, porque é sempre tempo de fazer triunfar um tão evidente princípio de justiça.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Uma vez que estou no capítulo providências sobre o funcionalismo, formulo os meus votos porque venha a ser possível ao Governo, logo que se conclua o estudo, que julgo estar em marcha, sobro funcionalismo e eficiência dos serviços, terminar o regime de restrições de nomeações e de impedimento de promoções de funcionários civis.
Desde 1950 que as promoções à categoria imediata estão paralisadas, com limitadas excepções. Deve ser um factor desmoralizante de vontades e energias para aqueles funcionários de autêntica capacidade e merecimento que, pelo seu trabalho e esforço, se sentem com direito a uma melhoria de situação.
Falo à vontade, porquanto no meu sector oficial - o professorado liceal - o problema não existe, por todos continuarem a ter a melhoria tradicional por força das diuturnidades.
Prosseguindo no mesmo capítulo, embora não exequível de momento, é de desejar que surja, enfim, a oportunidade de solucionar o decantado problema dos vencimentos justos do professorado primário. É tarefa ingente, mas primordial como reparação e como estímulo.
Como reparação, porque o professor primário, além de tudo quanto se refere à sua alta missão social, possui um diploma de ensino médio, portanto, da categoria,
do dos regentes agrícolas ou agentes técnicos. Não faz sentido que a sua posição inicial de vencimentos seja a de um contínuo de 1.ª classe, para cujo exercício se exige apenas o exame da 4.ª classe, o a sua fase final, aos trinta anos de serviço, seja igual à de aspirante de secretaria.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª está equivocado.
O paralelo que V. Ex.ª estabelece resulta de um equívoco evidente.
O Orador: - É possível que haja um lapso aproximado a 50$, o que não destrói a justiça do princípio que estou a expor a VV. Ex.ªs
Também, qualquer que seja o nível que venham a ter esses vencimentos, não é compreensível que o professor agregado, que em boa verdade é um tirocinante, aufira logo o primeiro escalão de professor efectivo.
No ensino liceal tal não acontece, e tenho a opinião de que é um princípio equilibrado.
Na adaptação à profissão há naturalmente uma evolução na adaptação às condições económicas sucessiva e logicamente melhoradas.
E ainda será do ter em conta a posição do professor chefe de família, no quantitativo substancial do abono de família nos casos em que o chefe não possa contar com bens próprios nem possa somar aos seus vencimentos os rendimentos do outro cônjuge.
Como estímulo, essa remodelação de vencimentos teria humanamente reflexo benéfico e automático no rendimento escolar no seu duplo aspecto de ensino o de educação.
Eu sei que este grave problema dos vencimentos transcende, por natureza financeira, o âmbito do Ministério da Educação Nacional e, de momento, até transcende a vontade o as possibilidades do Governo.
Têm estas palavras a modesta intenção de manter em aberto uma dívida, para que possa sor saldada logo que surja financeiramente a feliz e almejada oportunidade.
Ninguém certamente deseja mais ardorosamente que essa oportunidade surja do que os Srs. Ministro da Educação Nacional e Subsecretário do mesmo Ministério, empenhados como estão no êxito total da patriótica campanha contra o analfabetismo. Suas Excelências sabem, melhor do que ninguém, que nessa abençoada campanha, que vai em boa hora intensificar-se, a pedra angular do êxito é a acção do professor primário.
Mas sabemos todos também que o professor primário, pela dedicação o patriotismo que sempre tem demonstrado, saberá corresponder ao que dele espora a Nação nesta, luta, que tem de ser activa e decisiva, quaisquer que sejam as suas actuais condições económicas.
Contando com esta reserva moral do professorado primário e fazendo reavivar a consciência nacional na contribuição incondicional de todos na acção sem precedentes que é imperioso desenvolver e somando a estes valores morais e materiais os investimentos que o Estado se propõe realizar, a começar no próximo ano económico, tudo leva a crer que êxito total surgirá consoladoramente no decorrer de poucos anos.
A campanha contra o analfabetismo não pode limitar-se à acção avassaladora e dominante da escola; ela tem de produzir a revolução nos espíritos e a criação em muitos casos de uma nova mentalidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Há que ensinar e sobretudo educar os analfabetos, mas há também que esclarecer muitos que, instruídos ou letrados, sustentam, egoisticamente, o preconceito de que a instrução deve ser apanágio de alguns
Página 364
364 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 182
e nunca um benefício extensivo a todos. Isto no campo do egoísmo e da prosápia.
Mas no campo do temor pela instrução colectiva já aqui o referiu brilhantemente o Sr. Deputado Melo e Castro.
Quem, como eu, tenha vivido num meio estruturalmente rural sabe qual a força negativa desse egoísmo e desse temor.
Têm sido estes dois factores sério obstáculo à difusão da instrução pública nos meios rurais.
É lugar comum afirmar-se quê a instrução é espada do dois gumes.
É missão indeclinável da escola - portanto do educador - utilizar o melhor gume dessa espada no desbaste cerce da mentira e no desnudar da verdade deslumbrante.
Por outro lado, estou sinceramente convencido de que é mais permeável ao erro e ao mito aliciante e deletério o cérebro mergulhado na ignorância do que o espírito esclarecido e orientado por um bom educador.
É certo que há muitos obstáculos a transpor e vencer. Mas os obstáculos foram sempre um estímulo para a acção. Tudo depende, pois, da acção do Governo,
que, como em outros sectores tem demonstrado, não afrouxará; mas tudo dependerá, e em grande escala, também da acção colectiva, que é lógica consequência do uma posição de espírito nacional, que urge preparar e fomentar.
A acção do Governo na expansão do ensino primário tem vindo a desenvolver-se principalmente a partir de 1940, com o Plano dos Centenários, plano que se encontra em franca execução.
Basta relembrar o que se consubstancia na construção em larga escala de edifícios escolares e aumento substancial de agentes de ensino. Propunha-se o Governo aumentar o quadro - então do cerca de 10 000 professores - para 14 000.
Em agentes de ensino este número está ultrapassado, pois pêlos dados de Março e Junho do ano corrente atingiu-se o total de 15 631.
K de reconhecer que dentro desta soma há que destrinçar professores diplomados e regentes escolares. Assim, verifica-se que os diplomados totalizavam em Junho passado 12 041 e os regentes 3 590 - total, repito, 15 631. Apenas por curiosidade, se me permitem, informarei que, dos 12 041 professores diplomados, 9 564 são mulheres e apenas 2 477 são homens; dos 3 590 regentes escolares, 3 458 são mulheres e somente 132 são homens.
A anomalia destes números, ou seja a acentuada escassez de professores masculinos, confirma e realça o que atrás disse sobre a situação económica do professorado primário.
Mas deixemos este aspecto desagradável da questão, aliás já versado, para encararmos apenas os números, por si bastante elucidativos.
Pelo bem elaborado e sugestivo relatório que antecede o decreto-lei sobre a obrigatoriedade do ensino se colhe o número de crianças em idade escolar -entre os 7 e os 11 anos - no ano de 1950: 768 271 crianças de ambos os sexos.
Ora, tomando por divisor 40, que é o número mínimo de alunos, assaz excessivo, para cada professor, conclui-se que eram em 1950 necessários 19 206 professores.
Se a população cresce no ritmo de 70 000 indivíduos por ano, temos de adicionar àquele número de crianças corça de 140000 indivíduos que alcançaram a idade escolar, o que significa um aumento de necessidade de professores de cerca de 3 000.
Se a população matriculada nas escolas do País orçava no ano transacto por 650 000, e admitindo uma distribuição simétrica, caberia a cada professor 42 alunos.
Se, como é na realidade, os postos escolares funcionam muitos com 15 a 25 alunos, temos que a média de alunos nas escolas regulares teve de ultrapassar, e muito, a média de 40 por cada professor.
Foi sem dúvida por isso que o ilustre Subsecretário de Estado da Educação Nacional teve de ir, corajosa e abertamente, para a criação de lugares de professores e de novas escolas e postos escolares em quantidades substanciais em quase todos os distritos e para uma redistribuição de alunos das mesmas escolas por vários lugares existentes ou a criar ou ainda pelas escolas mais próximas dentro de cidades e vilas.
Que nesta ingrata missão de melhor arrumo e aumento de lugares não faltem a Sua Excelência os favores do orçamento, nem as possibilidades locais para tão grande e útil cometimento.
Do que sinteticamente expus julgo que se depreende facilmente o grau de acuidade da obrigatoriedade efectiva da frequência à escola, quando escasseiam ainda, infelizmente, agentes para ensinar e locais onde ensinar, em face da elevada população escolar sobrante das escolas e professores.
Portanto, a obrigatoriedade escolar tem fatalmente de ser posta em execução com prudência, embora sem desânimo, na medida em que se forem debelando os factores que a limitam, e que desgraçadamente são muitos, além dos dois atrás citados.
As cantinas serão um grande elemento de atracção à escola dos economicamente débeis. O encurtamento de distâncias e facilidades de transporte e até - parece ridículo dizê-lo! - a construção de passadiços de madeira sobre ribeiras, que em muitos dias do ano cortam a possibilidade de ir à escola, ajudarão a solução do problema.
Enfim, da soma dos esforços e actuação de todos, Estado e particulares, resultará seguramente o êxito desta abençoada campanha contra a negra lepra nacional: a ignorância aviltante de um grande sector da população portuguesa.
Sr. Presidente: para finalizar estas já longas, desataviadas e, porventura, fastidiosas considerações, quero ainda referir-mo ligeiramente a alguns sectores onde o Orçamento Geral do Estado terá de estender a sua acção.
Não previu o Plano de Fomento qualquer actuação especial no sector do turismo. Seguir-se-á, pois, neste campo o caminho lento das verbas moderadas, das verbas orçamentais ordinárias. É lamentável que não possa montar-se uma organização eficiente num ramo tão lucrativo, que, mesmo com as falhas actuais. Rendeu num ano mais de 400:000 contos, como afirmou aqui o Sr. Deputado Deus Figueira.
Afigura-se, portanto, de boa medida económica a construção em primeiro lugar dos hotéis preconizados pelo Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu, em Lisboa, Fátima e Évora. Deve ter o hotel de turismo em Évora a primazia, porque Lisboa não está inteiramente desprevenida; Fátima pode aguardar mais algum tempo, porque os peregrinos, por via da sua fervorosa fé, não deixarão de ali afluir nos dias solenes, fazendo dos incómodos da jornada uma manifestação gostosa e voluntária da sua própria penitência.
Évora, afastada de centros onde há hotéis, não atrai, antes repele, os que desejariam em dias consecutivos percorrer o vasto tesouro dos seus monumentos e pitorescas perspectivas.
No sector de estradas, problema Intimamente ligado ao turismo, é de justiça afirmar-se que melhoraram sensivelmente as ligações distritais e está em curso a reparação de uma das estradas que facilitam o acesso ao Algarve por Beja.
O que continua incómodo, por desgaste de estradas, já feitas há anos, é o percurso da ligação Évora-Santa-
Página 365
15 DE DEZEMBRO DE 1952 365
rém e Évora-Abrantes e o de toda a vasta e rica zona do Oeste do Alentejo e Ribatejo.
No plano da Junta Autónoma de Estradas para 1953 alguns trabalhos estão previstos nessa zona, mas são insuficientes para tornar utilizáveis as respectivas estradas.
Termino com um requerimento ao Sr. Ministro das Finanças: que a compra da biblioteca da Manisola se realize no próximo ano económico, para se pôr termo a uma situação prejudicial para os interesses culturais da Nação.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate sobre a Lei de Meios continuará na sessão de segunda-feira próxima.
Logo há sessão, à hora regimental, para continuação da discussão do Plano de Fomento.
Está encerrada a sessão.
Eram 13 horas e 26 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António Jacinto Ferreira. António Maria da Silva.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Vasco Lopes Alves.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Júdice Bustorff da Silva.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Cardoso de Matos.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pinto Meneres.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cerqueira Gomes.
Miguel Rodrigues Bastos.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA