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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 183
ANO DE 1952 15 DE DEZEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 183 EM 13 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários Exmos. Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 177.
Deu-se conta do expediente.
Foram autorizados os Srs. Deputados Cerveira Pinto e José Meneres a depor como testemunhas na comarca de Braga.
O Sr. Deputado Moura Relva requereu vários elementos ao Ministério da Educação Nacional.
O Sr. Deputado Elísio Pimenta falou sobre a febre aftosa e o preço da respectiva vacina.
O Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu referiu-se à acção da Junta Autónoma, de Estradas e os serviços de viação o trânsito.
O Sr. Deputado Abrantes Tavares criticou o livro Príncipes do Portugal, do escritor Aquilino Ribeiro.
No mesmo sentido falaram, os Srs. Deputados Manuel Múrias e Lopes de Almeida.
Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão na generalidade da proposta de lei relativa ao Plano de Fomento Nacional.
Usaram da palavra os Srs. De pulados Dinis da Fonseca e Lopes Alves.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente : - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 35 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
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Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Gosta Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 57 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 10 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 177.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto nenhum dos Srs. Deputados pedir a palavra sobre o mesmo, considero-o aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Exposição
Da Companhia Portuguesa de Laminagem pedindo a atenção da Assembleia Nacional para alguns pontos do parecer da Câmara Corporativa sobre o Plano de
Fomento, na parte que interessa à siderurgia, pontos que considera susceptíveis de conduzir a uma interpretação menos justa dos problemas relativos a esta indústria, salientando a necessidade de rever os axiomas em que se têm baseado os documentos oficiais respeitantes à mesma indústria, e queixando-se de lhe ter sido imposto em 1942 um prazo de funcionamento de seis anos, o que a teria impedido de estar neste momento a produzir anualmente até 70 0001 de laminados.
Junta um parecer do engenheiro Ezequiel de Campos sobre a indústria siderúrgica e outros elementos de elucidação.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um ofício da Sub-directoria da Polícia Judiciária do Porto pedindo autorização à Câmara para que os Srs. Deputados João Cerveira Pinto e José Meneres possam depor numa carta precatória vinda da comarca de Braga. Estes Srs. Deputados não vêem inconveniente em que a Câmara conceda a autorização pedida.
Foi concedida a autorização.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Moura Relvas.
O Sr. Moura Relvas - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Requeiro que, pelo Ministério da Educação Nacional, me sejam fornecidos os seguintes elementos com urgência:
1.º Número de alunos matriculados nos liceus do continente no ano lectivo do 1952-1953;
2.º Número do alunos inscritos no ensino liceal pelos estabelecimentos de ensino particular em 1952-1953;
3.º Número de alunos matriculados nas escolas de ensino técnico em 1952-1953;
4.º Número de filiados da Mocidade Portuguesa em 1952-1953 no continente;
5.º Número do jogadores de futebol inscritos pelas organizações desportivas, incluindo a F. N. A. T., em 1952».
O Sr. Elísio Pimenta: - Sr. Presidente: infelizmente, apesar das medidas postas em prática pelo Governo na devida oportunidade, a terrível epizootia da febre aftosa continua o seu caminho devastador, qual praga lançada sobre os homens para castigo dos seus pecados.
Ainda há dias, em nota enviada aos jornais, o ilustre governador civil de Viana do Castelo, um dos distritos mais causticados pelo flagelo, esclarecia que na semana finda em 1 do corrente havia, na área da sua jurisdição administrativa, 309 focos identificados, com 1 361 efectivos, em 129 freguesias.
No entanto, a pequena imprensa do Norte do País e as notícias da província dos diários de grande circulação estão a fazer-se eco dos clamores da lavoura e dos pedidos insistentes para que sejam atenuadas, onde o puderem ser - e suponho que o caso de Viana do Castelo é o mais .grave de todos o que em muitos outros distritos a epizootia está liquidada ou em vias de o ser, as restrições impostas pela gravidade da propagação do mal.
E não lhes falta razão.
Não é somente o prejuízo total, quando o gado morre.
São as limitações do trânsito o a proibição das tão características feiras de gado do Noroeste, elemento fundamental da sua economia; são as transacções que deixam de se fazer, circunstância que afecta não só os
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lavradores como também o próprio comércio, que aqueles sustentam e fazem viver, mau grado o seu baixo nível de vida.
É, sobretudo, a ganância do intermediário e do oportunista, que, a pretexto das dificuldades provocadas pelas restrições e pelo risco da candonga, pagam o gado barato, a restos de barato tantas vezes, recebendo dobrado lucro.
Tudo isso, Sr. Presidente, nos faz compreender sem custo o anseio das pobres vítimas de toda essa lamentável situação e as suas solicitações perfeitamente humanas, para que as disposições restritivas que o Governo se viu obrigado a tomar em períodos de perigo grave e efectivo se atenuem ou mesmo terminem quando e na medida em que o puderem ser.
Não me compete julgar de tal oportunidade, mas obriga-me a consciência a ser o intérprete de tais desejos, verdadeiros anseios dessa boa e sacrificada gente do campo, e também manifestar ao Sr. Subsecretário de Estado da Agricultura, o nosso ilustre colega engenheiro agrónomo Vitória Pires, a confiança de todos na continuação dos seus esforços a bem da terra portuguesa e dos que nela trabalham.
O Sr. Manuel Domingues Basto: - V. Exã. dá-me licença?
Conviria que o Governo, se o entender, viesse a público com uma nota oficiosa sobre as providências em concreto tomadas contra a febre aftosa.
Estando no Subsecretariado de Estado da Agricultura um técnico competentíssimo e um profissional cônscio das suas responsabilidades, ó evidente que foram tomadas as necessárias providências.
Há, porém, queixas de muitas povoações. Podem não ser fundamentadas ou pode ter-se dado o caso de o Governo ter tomado as melhores providências e elas não terem sido convenientemente executadas.
Por tudo isso seria de alta vantagem e conveniência esclarecer o publico.
O Orador:- A minha intervenção visa precisamente o que V. Ex.ª acaba de dizer...
Tomaram-se medidas profilácticas e de polícia sanitária, as autoridades administrativas agiram com os meios de que dispunham, interveio-se junto das populações, interessando-as no combate à epizootia, no qual, aliás, eram os primeiros interessados.
Usaram-se meios prudentes, atendendo-se à nossa limitada riqueza pecuária e à índole do povo, avesso sempre a medidas violentas, ao contrário do que, segundo consta, era opinião de técnicos competentes que o Governo quis ouvir para se esclarecer sobre o que se tinha feito em idênticas circunstâncias em outros países.
Julgo que será do maior interesse e oportunidade dar a conhecer ao País toda a magnitude desse esforço, dizer o que se fez e os resultados obtidos até hoje.
A Assembleia Nacional - digo-o por mim - estará, como sempre, disposta a dar a sua colaboração ao Governo nesse sentido.
Não quero terminar, Sr. Presidente, sem deixar de chamar a atenção das entidades competentes, sejam os serviços pecuários ou a fiscalização da Intendência dos Abastecimentos, para o preço por que se tem vendido em Portugal a vacina contra a febre aftosa.
Não sei se esse preço está de harmonia com o seu custo na origem, as despesas derivadas da importação e o justo lucro do importador ou se se trata do uma questão de câmbio.
O Sr. Manuel Domingues Basto: - Também conviria saber qual a razão de tamanha diferença de preços.
É porque o Governo não isentou de direitos de importação a vacina, mesmo tratando-se do uma epizootia?
Não é crível. Estou convencido de que o Governo fez tudo para facilitar o combate da febre aftosa, e por isso isentou a vacina de direitos de importação. Mas a ser assim, são os importadores da vacina que abusam, o que em momentos de febre aftosa do gado chega quase a ser crime.
Haveria toda a vantagem em que o Governo esclarecesse as populações que se queixam.
O Orador: - O que sei, e posso documentar, é que enquanto em Portugal se vendia uma vacina espanhola, cuja importação fora superiormente autorizada, ao preço de 1$50 o centímetro cúbico - sofreu há pouco uma pequena baixa de $25 -, a mesma quantidade de vacina, preparada no mesmo laboratório de Lugo, vende-se, ou vendia-se, no país vizinho por 60 cêntimos da peseta.
O Sr. Botelho Moniz - Qual dos câmbios é que a Espanha aplicava a isso? É que a Espanha tem 60 ou mais câmbios em vigor, lá dentro, que aplica conforme as mercadorias.
O Orador: - Não sei qual dos câmbios é aplicado para a importação da vacina. O que sei é que o público, sobretudo o rural, só conhece um câmbio, que é o mais barato, aquele por que paga as coisas quando vai a Espanha.
E dentro deste câmbio, pela vacinação de um bovino com mais de 100 kg, por exemplo, que custava 45$ e hoje 37$50, fora os honorários do médico veterinário e os transportes, quando os houver, pagava, e paga, o lavrador português umas vezes mais que o seu colega de além-fronteira.
Creio que na zona raiana do Norte o consumo da vacina importada foi muito pequeno, com evidente prejuízo da profilaxia do gado, pois não sei em que condições a vacina espanhola tem sido aplicada.
A consideração do Governo deixo este pequeno grande problema, que, repito, conviria esclarecer para evitar certas desorientações que vão por aí e acabar com críticas a factos de que o Governo não é responsável.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado!
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: julgo ser digna de referência na Assembleia Nacional a circunstância de ter completado vinte e cinco anos de existência a Junta Autónoma de Estradas.
Criada pelo Decreto n.º 13 969, de 20 de Julho de 1927, os vinte e cinco anos decorridos foram - na expressão do Sr. Ministro das Obras Públicas - de intenso e proficiente labor num dos sectores de maior interesse para a economia nacional, e a sua obra é «a mais extensa e a mais palpável de quantas nesse período foi possível levar a efeito em Portugal».
Despenderam-se nesse período 1.552:000 contos em construção e 2.284:000 contos em conservação de estradas e pontes, ou seja o total de 3.836:000 contos, além de 143:000 contos de comparticipação dos Melhoramentos Rurais.
Verba sem dúvida avultada, mas com resultados à vista de todos os portugueses no continente e nas ilhas adjacentes. Verba que a economia nacional e, portanto, o próprio Estado largamente recuperam, graças aos extraordinários desenvolvimento e aperfeiçoamento que trouxe à nossa rede de comunicações o aos transportes rodoviários.
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Porventura, não houve mesmo durante a maior parte deste quarto de século despesa mais reprodutiva e, portanto, dinheiro mais bom empregado, apesar do muito que se tem feito noutros sectores. E empregado honestamente, escrupulosamente, sem que se tenham verificado fraudes, favores ou esbanjamentos. E empregado com técnica cada vez mais aperfeiçoada, especialmente depois dos primeiros seis anos que precederam o Decreto n.º 23 239 e que, na expressão do relatório deste, constituíram um fecundo período de estágio em que a Junta atingiu a maturidade da sua acção, ficando apta a exercer a sua função técnica e económica, como um dos melhores instrumentos de que dispõe a governação pública.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- E, além da assistência financeira do Estado e da cooperação preciosa dos Ministros, isto deve-se à competência e à dedicação do primeiro presidente da Junta, general Teófilo da Trindade, seguido depois brilhantemente pelos brigadeiro Silveira e Castro e general D. Luís Mesquitela, sempre dedicadamente auxiliados por todo o pessoal superior e subalterno, no total de 5 000 funcionários, não esquecendo os zelosos cantoneiros, sentinelas da estrada, e cerca de 20 000 trabalhadores em média diária.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - É muito, é imenso, embora oficialmente se diga que, segundo o plano rodoviário, ainda se projecta elevar a 20597 os 16884 km de estradas nacionais actualmente existentes.
Por elas transitavam em 1927 cerca de 13 000 automóveis e no ano de 1950, como no corrente, transitaram mais de 100 000; e isto, é claro, origina enorme desgaste nos pavimentos, desgaste que se tem sabido combater com os revestimentos de pedra ou asfalto, cada vez mais sólido e resistente.
Só os mais novos não sabem avaliar o que representa o esforço despendido nem fazer o confronto exacto entre o que eram as estradas antes de 1926 e o que são hoje.
O estado de ruína foi tal que muitas estradas eram barrancos e, por vozes, só se podia transitar por campos marginais, como sucedia mesmo aqui à porta, entre Lisboa e Sintra. Ir de Lisboa ao Porto, transitar fosse por onde fosse, era uma verdadeira tragédia, repetidamente posta em e audiência nesta Câmara, com vivos protestos o reclamações de Deputados monárquicos e republicanos, na legislatura de que fiz parte e noutras.
Não se nega a alguns homens públicos do regime que antecedeu o 28 de Maio o desejo de pôr cobro a tamanha calamidade; mas não puderam fazê-lo devido à miséria do Tesouro e às lutas políticas e rivalidades pessoais, em que soçobravam todas as boas intenções e iniciativas.
A construção e reparação do estradas têm, como é natural, originado um notável aumento de trânsito de veículos motorizados ligeiros e pesados. Os números que referi são bem expressivos a este respeito. E, a propósito, é justo mencionar o modo como gradualmente se vai aperfeiçoando o nosso serviço de polícia nas estradas, graças aos esforços da Polícia do Viação e Trânsito e do seu ilustre e competentíssimo comandante, major Figueiredo Gaspar. Isto tem permitido que - embora mais elevado do que seria para desejar - o número de acidentes graves não tenha progredido proporcionalmente ao dos veículos em circulação. Depois, trata-se de um mal que só será possível remediar apreciavelmente quando no manicómio tenham entrada os loucos do volante e haja repressão rigorosa contra os imprudentes ou ineptos.
A verdade é que se podem considerar também francamente bons os nossos serviços de viação e trânsito, e é também justo registar, a propósito, a relevante colaboração que lhe tem dado sempre o Automóvel Clube de Portugal, bem digna instituição de utilidade pública.
Cumpre-me assinalar tudo isto, visto que aqui me ocupei, mediante aviso prévio, daqueles importantes problemas.
É-me profundamente grato proferir estas palavras de merecido louvor a propósito do 25.º aniversário da Junta Autónoma de Estradas, que neste ano se comemora. Estou certo de que a Assembleia Nacional, sempre atenta aos grandes problemas do País, compartilha nelas. E, Sr. Presidente, como ó bom, como ó agradável proferi-las!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Abrantes Tavares: - Sr. Presidente: o escritor que, através da investigação e da síntese, refaz a vida dum povo ou duma instituição tem de ser escrupuloso no apuramento dos factos e nos juízos do valor que sobro eles emite.
Neste julgar do acontecer histórico não há, nem pode haver, liberdade contra a verdade, mas apenas e sempre sujeição absoluta às suas evidências.
De outro modo a História deixaria de ser uma ciência servida pela arte, para se tornar literatura de ficção, com o valor dos contos da carochinha.
Já o probo Fernão Lopes, mestre incontestado de cronistas e o maior do seu tempo, advertia, na Crónica de D. João I, qual a atitude espiritual do historiador na recriação dos acontecimentos, escrevendo estas palavras de censura aos que transportam para a História os turbados juízos de suas parcialidades: «ca o autor da estoria nom deve de seer emmigo, mas escprivam da verdade».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Vem isto a propósito do recente livro de Aquilino Ribeiro Príncipes de Portugal - Suas Grandezas e Misérias, onde os factos e os homens são distorcidos, amesquinhados e julgados sem espírito isento, mas dir-se-ia que com a intenção de esvaziar a história nacional do conteúdo perene que a informa e lhe confere unidade, para a transformar num estranho acontecer de acasos felizes e infelizes, numa sociedade de lorpas bestificados pela igreja o regidos por ignorantes larvados.
Ora o que Aquilino Ribeiro nos veio contar não é a História, mas «chalaças» do Pátio das Comadres. Há-de importar muito à história do reinado do Luís XIV e da França apurar e registar só ele tomou, em toda a sua vida, apenas vinte banhos ou se a sua higiene era mais exigente.
Tomar este facto para caracterizar o homem e o governante é fazer reportagem anedótica, mas não fazer História.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Todavia, foi este o método seguido por Aquilino Ribeiro no livro do que vou ocupar-me.
Com que mágoa, vejo o lídimo talento literário de Aquilino Ribeiro descer das alturas a que a sua arte, tão rica o sugestiva, o guindara a estas farfalharias,
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que nada acrescentam à sua glória e são ofensivas da verdade e da consciência nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Não é aqui o lugar próprio para a análise crítica do livro deplorável, nem tenho títulos que para tanto mo imponham à benévola atenção de V. Ex.ª, Sr. Presidente, e da Câmara para o fazer com proveito.
Não apoiados.
É, em todo o caso, urgente fazê-lo, porque Aquilino Ribeiro, pelos primores do seu estilo terso e vernáculo de prosador, tem larga e merecida audiência no público redor do País.
Não são só reis e príncipes que Aquilino Ribeiro amesquinha e ridiculariza, mas a própria Universidade e os seus mestres, que achincalha e reduz à mediocridade risível e enfatuada. E com isto não atinge apenas a vetusta e sábia corporação, madre da cultura, mas a própria cultura nacional, que ela fomentou e mantém.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Para que a Câmara se aperceba do tamanho da injúria, vou transcrever as palavras de Aquilino Ribeiro, situadas no tortuoso perfil de D. João III, a pp. 146 e 147 do livro referido.
A propósito da transferência da Universidade para Coimbra e da reforma e renovação do ensino realizadas por aquele rei, Aquilino Ribeiro aproveita o lanço para aludir aos processos que a Inquisição moveu a alguns professores do Colégio das Artes e concluir daí que, perseguidos tais professores, o espírito científico e indagador abandonara para sempre a egrégia instituição e o País. Na verdade, Aquilino Ribeiro escreveu:
Assim ou assado, a Universidade, pedra lar das artes e das letras, onde deviam prevalecer as luzes da razão em prejuízo das ideias estáticas da escolástica e da ciência antropocêntrica, tinha vivido o tempo que vivem as rosas.
Dali em diante ficou, no geral, a instituição bafienta, inútil, arcaica, submissa às ideias feitas, onde jamais foi possível entrar um verdadeiro ar de civilização e sair outra coisa que não fossem as metanas exaladas pelo timpanismo dos mestres mais possidónios, mais abroeirados, mais sapateirais do Orbe.
Esta linguagem podem usá-la os pasquinários sarrafaçais que passam sem reparo, gorgulhando como os enxurros, a caminho da sarjeta; Aquilino Ribeiro, pela sua categoria mental e pelas responsabilidades que criou, não pode nivelar-se, barba por barba, com esses desesperados da notoriedade.
E tudo isto porquê, Sr. Presidente?
Só porque no século XVI alguns professores, que nem sequer o eram da Universidade, foram processados pela Inquisição!...
Pois o aleijão incurável vem daí, daqueles processos - daqueles processos e dos jesuítas, claro.
O Doutor Egas Monis, Prémio Nobel, ao ler as palavras de Aquilino Ribeiro, devo sentir grande conforto moral, por ver assim apreciado o seu labor do tantos anos!... Internacionalmente coroam-no com os louros reservados aos grandes da Medicina, mas na sua própria terra atiram um ramo de urtigas ao seu «possidonismo abroeirado o sapateiral».
Apetece perguntar em que sujo tinteiro molhou Aquilino Ribeiro a sua pena de ouro do escritor, para dela escorrer as achincalhantes expressões desfechadas às
gerações de homens que ao serviço da cultura consagraram e consagram a sua vida trabalhosa.
E a cultura teria ficado irremediavelmente comprometida pela Inquisição ao processar e punir os mestres do Colégio das Artes?
É o que em breves palavras tentarei esclarecer.
Pesa-me não poder referir em pormenor o que foi o esforço perseverante de D. João III para arejar o ensino universitário e dotá-lo com professores à altura das novas correntes culturais geradas no renascimento.
Fá-lo-ei todavia em breves palavras.
A ressurreição da cultura clássica e por ela o amor da natureza, as viagens e navegações o aproximação e contacto com outras civilizações vieram revelar novas fontes e modos de saber. A cultura antropocêntrica extroverte-se e o homem volta-se para o real, para a Natureza o interroga-a no esforço de compreendê-la.
Ao mesmo tempo corrigem-se, pelas navegações, os erros da távola ptolemaica com os dados experimentais colhidos directamente. Criam-se a filologia e outras ciências auxiliares e procura-se recriar a própria antiguidade para melhor a compreender.
Os velhos quadros do saber medieval estavam ultrapassados.
Homem do seu tempo, curioso e atento ao real, Duarte Pacheco Pereira, que nas suas navegações verificara os muitos erros de Ptolemeu, pôde escrever, como verdadeiro homem de ciência que era: «depois do que dito é, a experiência, madre das coisas, nos ensina a verdade e toda a dúvida nos tira».
Atentos ao que no mundo da cultura se passava, cedo pensaram os nossos reis na reforma do ensino universitário.
Coube, porém, a D. João III preparar, com tenacidade e largueza, os meios do reformar com êxito a velha Universidade dionisina, ultrapassada pelo brilho cultural da Renascença.
Durante trinta anos este grande rei subsidia estudos nas Universidades estrangeiras mais afamadas, onde prepara o novo quadro do professores com que há-de dotar a Universidade reformada. Para França dirige então a maior parte dos estudantes, os quais vieram a repartir-se pelos Colégios de Santa Bárbara, em Paris, e de Guiena, em Bordéus.
Uma vez preparado o escol de professores, D. João III transfere a Universidade para Coimbra, reforma-a e dota-a largamente de meios e de professores à altura da sua missão cultural. «A D. João III - escreve o Dr. Mário Brandão -, «só a ele, cabo a glória de ter realizado, desajudado de auxílios, e quantas vezes contrariado pelas resistências e más vontades, a reforma do ensino».
Transferida a Universidade para Coimbra, confia aos antigos bolseiros tanto as cadeiras que constituíam o curso universitário propriamente dito como as do Colégio das Artes, também de fundação joanina. E, como não chegassem os professores portugueses, contratou no estrangeiro os mestres mais afamados, estipendiando-os tão largamente que o célebre Azpilcueta Navarro foi o mostre mais bem pago da Europa.
D. João III foi, assim, o grande amigo da cultura, o protector desvelado da Universidade, e bem merece, por isso, a reverencia dos que prezam as grandes o belas coisas do espírito.
A Universidade de Coimbra, enobrecida por este rei magnânimo, foi então um centro cultural, cujo brilho igualou o das mais célebres Universidades estrangeiras daquela época.
Grande e caluniado rei, que a história vai desembaraçando do escalracho das mais vis o persistentes calúnias, só por este acto bem merece a reparação histórica com que o Governo se honrou mandando erigir no pátio da sua querida Universidade a bela estátua que
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as mãos de Francisco Franco compuseram. Veio tarde a hora da justiça, mas veio.
Contemos agora o tenebroso caso do processo dos mestres do Colégio das Artes, que Aquilino Ribeiro agarra como pretexto para o seu mau falar.
À semelhança do que sucedia em Paris com o Colégio de Santa Bárbara, D. João III decide, em complemento da sua reforma, criar junto da Universidade o Colégio das Artes, como escola autónoma de Latinidade e Filosofia.
Para leccionarem neste Colégio chama D. João III os bordaleses do Colégio de Guiena, dirigidos por André de Gouveia. Com os portugueses daquele Colégio vieram, para completar o quadro professoral, o escocês Jorge Buchanan e outros, todos eles homens de grande fama e merecimentos.
A criação do Colégio das Artes (1548) levou a desapossar das cátedras do Artes e Gramática os professores parisienses do Colégio de Santa Bárbara, leccionando então na Universidade, e os que não foram desapossados tiveram de transitar para o novo estabelecimento de ensino em condições de subalternidade.
Daqui se originou grave questão entre parisienses e bordaleses, que veio a culminar na denúncia à Inquisição da heterodoxia destes últimos. Aqui está como a Inquisição veio a processar e julgar os professores João da Costa, Diogo de Teive e Jorge Buchanan. Ora é justo dizer que quanto a Buchanan a acusação era bem fundada.
Quanto aos outros, havia apenas suspeita de erasmismo, o que não era, de resto, perfeita ortodoxia. Em todo o caso a Inquisição tratou benevolamente os acusados, e Diogo de Teive pôde até recuperar a cátedra.
Sobre este sucesso escreveu o Dr. Mário Brandão, no prefácio ao seu livro exaustivo A Inquisição e os Professores do Colégio das Artes:
A simpatia pelo escol de mestres companheiros de André de Gouveia não nos impede de compreender as razões que moveram muitos dos antagonistas a denunciá-los como herejes.
E poderíamos, porventura, sem incorrer em hipocrisia, acusar de fanatismo e crueldade os inquisidores, que julgaram alguns daqueles lentes com relativa lenidade, se a nossa época saeculum furiosum - conhece outros tribunais mais atrabiliários e desapiedados?
Os ventos da Reforma tinham quebrado a unidade espiritual da Europa, mantida ainda pela língua sábia comum - o latim - e pela religião.
Essa unidade, que sobrevivera ao período de formação das nacionalidades, estava doravante radicalmente comprometida, quer na Europa, quer dentro das próprias nações.
Para salvar a unidade moral da Nação pela unidade da fé, instituiu I). João III a Inquisição, e pode dizer-se que esse objectivo o alcançou inteiramente.
Efectivamente escapámos às lutas religiosas que ensanguentaram outros povos, provocando mais vitimas e destruições do que a moderada repressão inquisitorial daquela época.
Ora o erasmismo já trazia a França perturbada, e tanto que, apesar da protecção que Francisco I dispensava ao humanista de Roterdão, a Universidade de Paris, em Julho de 1531, condenou os Colóquios, de Erasmo, obra que não só foi queimada mas proibida, sob pena de morte, a sua aquisição ou venda. Daqui, portanto, a formação antieramista dos parisienses da Universidade de Coimbra, que veio a reflectir-se no conflito com os bordaleses do Colégio das Artes o provocar a intervenção da Inquisição.
A questão foi esta e não se vá como Aquilino Ribeiro pôde escrever sem corar:
O sucedido mostra bem o apego que D. João III tinha ao ministério das letras e a delicadeza de alma que professava para com hóspedes que procuravam desempenhar a sua missão com honra!
Após o julgamento da Inquisição, Buchanan e os outros estrangeiros abandonaram o Colégio das Artes e o Pais. Foi, sem dúvida, um acontecimento lamentável, mas preservou-se talvez a paz religiosa e civil, e não se vê bem como a falta de alguns professores, embora ilustres, de Filosofia e Latim tenha representado para a velha Universidade e para a cultura nacional um aleijão de que não logrou curar-se ainda, nem dá esperanças disso.
Que há-de dizer-se ao exagero verrinoso de Aquilino Ribeiro?
A carnagem da Revolução Francesa privou a França de muitos homens cultos, entre os quais o sábio Lavoisier, e pôde, apesar disso, refazer a sua cultura; a verdadeira ciência sofre nos países além da «cortina de ferro» a mais feroz e sanguinária perseguição da história sempre que compromete a linha do partido ou os princípios do comunismo militante.
Vamos supor, por isso, que esses países vão ficar totalmente incapacitados de refazer a sua cultura? Como classificará Aquilino Ribeiro o possidonismo obediente dos sábios, porque os há, que, apesar de tudo, continuam a trabalhar ali?
Um infeliz conjunto de circunstâncias, entre as quais avultam a morte de D. João III, a desajuda da Corte, as questões com os jesuítas e a crise que veio a culminar na tragédia de 1580, desencadeiam um período de decadência para a velha Universidade.
Não foi, porém, o ocaso que por ai apregoam os menos esclarecidos, mas uma meia-luz com alguns clarões. De resto, a crise foi geral e não atingiu apenas a Universidade de Coimbra, mas também as estrangeiras. Demos, porém, balanço a esse período de abatimento para o julgarmos com recto espírito.
Damião Peres escreveu em A Universidade de Coimbra na Cultura Nacional, a pp. 2 e 3:
Prolonga-se para além da morte de D. João III esta brilhante época da nossa Universidade.O seu quadro docente, de que, pouco a pouco, tinham saído, pela jubilação ou pela morte, alguns dos grandes valores, ia sendo reforçado por outras mentalidades igualmente notáveis.
Entre estas devem citar-se o legista Pedro Barbosa, que sucedeu a Manuel da Costa e veio a ter por sucessor o célebre Álvaro Vaz, ou Valasco, em cujos livros, volvidos quase dois séculos, ainda os juristas buscavam ensinamento.
Acrescentemos os contemporâneos e émulos de Valasco - António da Gama, mestre na prática forense, e Jorge de Cabedo, um dos autores das Ordenações Filipinas, e ainda, já um pouco distanciados deles cronologicamente, o cosmógrafo André de Avelar, sucessor de Pedro Nunes, e o padre Francisco Suarez, teólogo e canonista, a quem os contemporâneos significativamente chamaram Doctor eximius.
Já a este tempo - continua o ilustre professor - era bem visível a projecção do labor universitário no panorama cultural do País. Pelas aulas da Universidade tinham passado vultos que vieram enobrecer a cultura portuguesa dos séculos XVI e XVII.
Eis alguns dos mais representativos: um teólogo, o Dr. Diogo Paiva de Andrade, que fez parte, apesar da sua assaz curta idade, da delegação portuguesa ao Concílio de Trento; legistas que se no-
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tabilizaram nas letras, como o Dr. João de Barros, António Ferreira, Uriel da Costa e Duarte Nunes de Leão; canonistas, como o afamado Agostinho Barbosa, tão respeitado em Roma, e Serafim de Freitas, professor na Universidade de Valhadolide, que se imortalizou com a sua crítica das doutrinas de Grócio; médicos como Zacuto Lusitano, eminente patologista e deontologista, Ambrósio Nunes, um dos primeiros higienistas, e Aleixo de Abreu, autor da primeira nosografia do escorbuto e da rectite gangrenosa, a que se chamava comummente «mal do bicho», temível doença que dizimava a infeliz escravaria negra.
A reforma de 1612 - acrescenta noutro passo - que amarra definitivamente os mestres, cortando-lhes toda a iniciativa pedagógica, vejo contribuir para desactualizar o seu ensino ...
Certamente que, se compararmos este balanço com o século XVI - o século de ouro da cultura nacional, apesar da Inquisição e dos jesuítas -, não pode negar-se o lento esmorecer do brilho excepcional de um grande século português. Apesar de tudo, o trabalho continuou e com ele a cultura.
A Restauração deveu à Universidade a sua justificação filosófico-jurídica, pois a velha corporação esteve sempre presente em todas as emergências em que perigou a vida da Nação.
Paulo Merea, a p. 230 dos Estudos de História do Direito, escreveu:
Graças aos impulsos destes eminentes restauradores da escolástica, a doutrina da soberania popular ganhou nova energia e atingiu pleno desenvolvimento, podendo mesmo considerar-se este período o do seu apogeu. Precisou-se e sistematizou-se a doutrina, fixaram-se os princípios, salientaram-se e relacionaram-se os aspectos essenciais, especialmente a ideia de pacto anteposta à constituição da autoridade política, e finalmente, tirando das premissas todas as conclusões lógicas, sustentou-se desassombradamente que os povos podiam depor o rei.
A decadência não foi, pois, a extinção da elaboração cultural, nem de outro modo se compreenderia a existência da plêiade brilhante do diplomatas e políticos de que o estado renascente teve de lançar mão e o serviram com dignidade e sucesso.
Quando, após a Restauração, o País pôde curar as feridas da sua carne ensanguentada e houve meios materiais para o fazer, logo se pensou na necessidade de reformar o ensino, e para isso trabalhou ainda D. João V. Nisto, porém, como em outras coisas, o marquês de Pombal apenas teve o trabalho de dar seguimento e realização a ideias anteriores, já delineadas ou apenas sugeridas.
Fez-se a reforma pombalina, já de harmonia com a nova ordem de estudos, mas, se compararmos o número ,de professores estrangeiros então contratados com os que teve de contratar D. João III, logo se vê que no País estava preparada a quase totalidade dos novos professores. Seja-me lícito, por pendor de espírito, recordar o eminente Melo Freire, renovador do ensino do direito pátrio.
Ora, se a Nação pôde fornecer a quase totalidade dos novos professores, como pode dizer-se, com verdade, que a cultura se perdera entre nós? Onde se prepararam então os professores portugueses dessa nova época? Desde então, e pela extinção dos institutos religiosos, a cultura nacional ficou exclusivamente entregue à Universidade de Coimbra, à qual se juntaram, há cerca de um século, as duas restantes Universidades portuguesas.
Os que em institutos privados deram também o seu esforço meritório para a tarefa prepararam-se nas aulas universitárias e eram, portanto, uma extensão da actividade cultural da Universidade.
E agora mesmo, fora do meio universitário ou do meio por aquele preparado, não se vê a quem a cultura nacional deva mais relevantes serviços.
O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Pelas palavras de V. Ex.ª parece não ter existido a Universidade do Évora, instituição do século XVI que tanto brilho deu às letras pátrias.
O Orador:- Só mo estou ocupando da Universidade do Coimbra.
Onde está, pois, o possidonismo abroeirado e sapateiral dos universitários, de que fala Aquilino Ribeiro?
Acode-me que Aquilino Ribeiro queira aludir à falta de algumas técnicas, neste século tecnicista, que outros mais largamente providos de meios desenvolveram e criaram. Se é isto, Aquilino Ribeiro confunde progresso com cultura. Culturalmente qual é a superioridade do nylon sobre o linho patriarcal dos bragais? Reduzir a cultura às técnicas, mais ou menos aperfeiçoadas, é confundir progresso material com os mais altos e imperecíveis valores do espírito.
Peço perdão à velha Universidade, onde aprendi o pouco que sei, por ter vindo a terreiro, para a desagravar, voz tão fraca e desautorizada. Daqui, porém, lhe testemunho a minha enternecida reverência, à velha avòzinha e aos seus mestres.
Sr. Presidente: não quero terminar sem saudar as Universidades portuguesas, centros da cultura nacional, na pessoa de todos os catedráticos com assento nesta Câmara, e pedir licença para, de um modo especial, distinguir nesta respeitosa saudação a minha Escola do Coimbra, na pessoa dos seus ilustres professores Doutores Mário de Figueiredo, Manuel Lopes de Almeida e Diogo Pacheco de Amorim. Estou certo do que a Câmara não recusará comigo a alta corporação dos trabalhadores do espírito a reconfortante certeza do seu carinhoso respeito e alto apreço.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Manuel Múrias: - Sr. Presidente: depois do ensaio crítico em forma de discurso que ouvimos talvez não valesse a pena ir mais longe. Todavia, há ainda uma pergunta a fazer:
Como é que, depois de um esforço de rectificação histórica, a prolongar-se sistematicamente e a esclarecer-se, embora com altos e baixos, há mais de cem anos; e, posto que há menos tempo e no decorrer de um esforço de rectificação política e social, a cuja eficiência já se não podem opor dúvidas, como é que são ainda possíveis livros como este do Sr. Aquilino Ribeiro sobre Príncipes de Portugal - Suas Grandezas e Misérias?
Na «Advertência ao leitor», que os editores antepõem ao livro do Sr. Ribeiro, esboça-se uma explicação:
O critério dele foi o do romancista: interessou-lhe tudo o que não é comum. Para a história, de resto, não há apenas ouro, há também o oricalco.
Não tem que considerar apenas a glória, mas ainda as sombras salitrosas que a empanam. Arte ou ciência, olha com o mesmo ar curioso santos e facínoras, contanto que tenham dado leis e conduzido homens ao cadafalso ou à prosperidade.
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E, sem atenderem ao que poderia ser a modéstia do autor, se a tivesse, os editores vão mais longe:
A história é um juízo de Deus antecipado por um critério humano, sequioso de acerto e de equidade.
Coisa que o Sr. Ribeiro está longe de pretender e o redactor da «Advertência» lhe não concedeu ao escrever:
Aquilino Ribeiro olhou para esses grandes de Portugal e pintou-os, como Velasquez fazia, com cores de arco-íris.
Tais como eram. Melhor, tais como lhe pareceram. Sem deixarem de ser obra do historiador, escreveu estes perfis o novelista.
Esboço de explicação, como dissemos - está muito longe, porém, de explicar as incursões novelística?, por mais de uma vez, em matéria histórica -, menos susceptível, à primeira vista, de se deixar submeter à imaginação do romancista sem quebra de dignidade.
E também aqui nos encontramos perante um equívoco, que é indispensável esclarecer.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ribeiro principiou a sua vida literária, pela novelística.
Faltou-lhe sempre a imaginação capaz de se limitar ao verosímil. Para o conseguir, mais ou menos, cingia-se a formas de autobiografia ou de memorialista. O próprio «Malhadinhas», uma das páginas que ficarão (se não tiver ensejo de a estragar, como principiou a fazê-lo na última revisão), saltou-lhe, como por acaso, mais do que da imaginação, da retina.
Tirante a prosa, não é obra de artista a sua, também o não é de romancista - é obra de fotógrafo ou, como sucede com certos pintores, de retocador hábil de fotografias sem luz nem relevo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Eis porque ressalta de todas as suas obras a aspiração ofegante de ocultar, nos rodopios do estilo duro, a falta evidentíssima de imaginação criadora, que só pôde esconder nas primeiras obras, quando o leitor, desprevenido, se não podia esquivar à surpresa da manobra estilistica. Eis também porque, ao declinar da vida, quando tomava consciência maior da sua própria incapacidade criadora, deu em enveredar pela tradução (traduttore, traditore) e pela história.
Para tradutor falta-lhe, porém, quase sempre, o saber perfeito dos idiomas que tem traduzido e também o mesmo conhecimento da própria língua, quando se trata de trasladar certas expressões, e certos pensamentos de alta nobreza, a que não anda habituada a pena rude do beirão mal amanhado, que nem sequer parece capaz de entender o que ainda, e sempre, graças a Deus, persiste na alma e no coração da boa gente rural da Beira Douro, e de mais longe, e que dir-se-ia não ter topado jamais no seu caminhar por veredas escura».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para historiador falta-lhe o que pode dizer-se: «não bebeu história em pequeno», além duma inadaptabilidade aflitiva e renitente de expressão, justificável pelas mesmas razões que explicam as traduções de textos, latinos ou (como quem não quer a coisa) de textos gregos.
O historiador, no Sr. Aquilino Ribeiro, surgiu fora de horas; e há no livro Príncipes de Portugal uma espécie de confissão involuntária de senilidade precoce, ao levantar gostosamente das imundícies encravadas, na História aquele inverosímil caso, que só uma carência total de senso crítico e de escrúpulos pode aceitar como bom: o do casamento de El-Rei D. Manuel I com a Infanta D. Leonor de Áustria, irmã de Carlos V e da futura mulher de D. João III, a Rainha D. 'Catarina. Saboreando, deliciado, a atoarda, a que não traz o abono da mais leve demonstração, o Sr. Ribeiro lança esta pergunta reveladora:
O velho veio a. sabê-lo?
a velho é D. Manuel, que morreu cora 02 anos e tinha 49 ao desposar D. Leonor. Ora, se D. Manuel podia ser considerado velho entre os 49 e os 52, que se há-de pensar agora do Sr. Aquilino Ribeiro, que escreve este livro de atrapalhada história à volta dos 67?
Vendo bem, nem sequer é história o que se desenrola através das duzentas páginas do livro, para rectificar o qual seria preciso não uma singela anotação, como a que se lhe faz agora, mas um grosso volume, abonado de farta, embora fácil, documentação, para se fazer ideia da inconsciência com que o escritor abocanha, desde Viriato a D. Sebastião, passando pela excelsa figura do Condestável, algumas das mais altas figuras morais da história portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Custam, sem dúvida, a evitar nesta tribuna, onde já não é costume empregarem-se expressões indignas de assembleias representativas, as palavras candentes que melhor qualificariam a proeza, e não as usaremos agora, se bem que a desenvoltura com que salpica a pena enlameada santos, heróis, reis e instituições que são lustre da Pátria e a ajudaram a constituir, a engrandecer e a manter livre e altaneira, durante .séculos e séculos, autorize, noutro lugar, a solta linguagem do Sr. Aquilino Ribeiro para o mesmo Sr. Aquilino Ribeiro.
Historiador? Não! Nem agora, neste feixe de insidiosas diatribes contra altíssimos valores espirituais da Nação, nem quando, ao traçar num volume grosso e grosseiro o perfil de D. Constantino de Bragança - embora, por mais espantoso que pareça, lhe tenha sido encomendado e pago pela Fundação da Casa de Bragança, nem quando, de perto ou de longe, em livros ou artigos de jornal, bordeja a história.
No fundo, trata-se, afinal, de arremetidas políticas, onde a invocação histórica não é, nem quer ser, outra coisa senão a agressão mal encapotada ao regime que assume expressamente a responsabilidade de reerguer e defender Portugal na sua grandeza para o futuro, que laboriosamente se procura levantar cada vez mais firme e cada vez mais belo.
Como entende também disto o Sr. Aquilino Ribeiro? Como se esgueira ele a colaborar na acção que se pode definir como a missão de portugueses para o nosso tempo? Pois, como se vê a todo o momento nos seus escritos, procurando esvaziar os que o atendem ou podem segui-lo de qualquer sentimento ou pensamento superior, arredando-os do respeito devido aos grandes servidores da Nação no correr dos séculos, que o Sr. Aquilino Ribeiro de modo especial se consagra.
A página consagrada à Universidade de Coimbra exprime talvez melhor do que outra qualquer as intenções que o conduzem. Lê-se e mal se entende que possa haver ainda alguém capaz de a congeminar, redigir e assinar.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Contra D. João III? Não. Também não ... Abarca-se perfeitamente o objectivo visado na falsificação das razões que levaram a transferência para Coimbra, quando se encontram palavras como estas:
... a Universidade, pedra-lar das artes e letras, onde deveriam as luzes da razão em prejuízo das ideias estáticas da escolástica e da ciência antropocêntrica, tinha vivido o tempo que vivem as rosas. Dali em diante ficou, no geral, a instituição bafienta, inútil, arcaica, submissa às ideias feitas, onde jamais foi possível entrar um verdadeiro ar de civilização e sair outra coisa que não fossem as metanas exaladas pelo timpanismo dos mestres mais possidónios, mais abroeirados, mais sapateirais do Orbe.
Causa vertigem o debruçarmo-nos perante semelhantes abismos de ignorância e tão completa e redonda inconsciência do respeito que a si próprio devo quem
empunha uma pena a indicar caminhos aos que acreditam e estão dispostos a confiar.
E é preciso, realmente, deixar-se vencer pela curiosidade de alcançar os limites possíveis da falsa cultura, desrespeito pela verdade ou ódio por certos estilos de vida espiritual superior, a que nem todos são capazes de se erguer, mesmo se quisessem - para fugir a tentação de pegar com a ponta dos dedos uma ponta do papel e atirá-lo fora...
A Universidade entrava precisamente então num período de esplendor que raras vezes alcançou; e os mestres que nela ensinaram, se por algum tempo foram esquecidos pelo advento de ideias e modas estrangeiras, erguem-se agora de novo no vigor do seu vulto, cada vez mais vincado e mais singular, à medida que os vão libertando os estudos persistentes de investigadores beneméritos da poeira dos séculos que os encobria.
Ainda há pouco pareceria incrível ver alguém com responsabilidades intelectuais efectivas ou fabricadas atrever-se a delinear o retrato moral e político de D. João III, para o condenar pela reforma que abriria novos caminhos à Universidade. Mas ainda parece mais difícil de entender que se pretenda erguer o perfil do grande rei, se invocar nele o homem extraordinário que lançou o fundamento da maior epopeia positiva da Nação Portuguesa - a da colonização do Brasil.
Creio ter chegado a hora V em que se terá de pôr de novo a questão de saber se outras preocupações mais urgentes no momento, e que, por isso mesmo, nos têm
Ocupado noite e dia, não tomaram o lugar no nosso espírito de certos valores nacionais deixados de lado ...
Terá então de se proceder em conformidade com o novo arranjo dos problemas que devam ser colocados à, frente das nossas preocupações dominantes.
Espero que não tarde.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Lopes de Almeida: - Sr. Presidente: as considerações que acabam de ser feitas na Assembleia Nacional obrigam-me a proferir também algumas palavras, e não desejo que elas sejam de réplica nem de animadversão. Não de réplica, porque não é este o lugar apropriado para o fazer, nem de animadversão, porque, graças a Deus, tenho o meu coração isento de malquerenças ou raiva.
Mas se algum tom pode encontrar-se nas palavras que disser, esse é de tristeza pelo reconhecimento de uma grave falha da nossa cultura geral, a ausência
quase total de uma consciência crítica, impoluta e desassombrada.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - A não se verificar essa ausência de consciência - crítica na nossa pobre república das letras, seria impossível a alguém, com a responsabilidade de usar nela um nome mais ou menos famoso, lançar a público, periodicamente, um acervo de literatolices que a pasmaceira e a complacência nacionais julgam valer qualquer coisa mais do que a rubicunda cor lhes empresta.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quem põe alguma atenção ao movimento literário do nosso país depara, por vezes, com as coisas mais estranhas e mais inusitadas. Por um lado, erguem-se nos escudos das referências bibliográficas, com objectivará o excessiva, trabalhos e autores que um errado espírito de solidariedade aponta como merecedores de renome geral.
Por outro lado, deixam-se à parte ou dedicam-se apenas duas dúzias de linhas a outros trabalhos que bem mereciam, pela sua seriedade ou por exprimirem uma promessa de espírito criador e fecundo, uma página de análise sagaz e fortemente animadora.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quando um autor, depois de ter deitado a público uma porção numerosa de volumes, alcança alguma notoriedade e consegue leitores fiéis, ou ao menos coleccionadores fiéis dos seus livros, dá-se-lhe o título de mestre, e naturalmente com esta palavra querem significar coisa diferente do que ela etimològicamente significa. Mestre ... eles chamam-lhe mestre. Mestre de quê? Mestre de quem?
A função de ensinar é uma alta, honrosa e difícil missão e pede a todos os que a desejam exercer uma consciência recta, uma preparação séria, um espírito elevado, uma dignidade incompatível com paixões e inconformável a subordinações de partido ou de seita.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não se é exclusivamente mestre na cátedra de qualquer grau de ensino; mestre sempre pode ser todo aquele que comunica com o público em larga audiência, por tudo quanto se escreve ou profere em qualquer espécie de tribuna. E quanto maior receptividade surpreender em seu auditório tanto maior também é a responsabilidade que lhe cabe.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Eu digo que é muito grave a posição do mestre que na escola induz propositadamente em erro os seus discípulos porque lhes afeiçoa o espírito à injustiça, à mentira, à intenção dolosa. Eu afirmo que é igualmente reprovável a atitude de quem não possui a sensibilidade bastante e a inteligência suficiente para compreender a sua missão de educador e distribui como pábulo propositado a semente envenenada da sua palavra atrabiliária e derrancada.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas não é menos grave a posição do homem de letras que conta de antemão com a incultura geral, com a complacência dos que têm poder
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para lhe evitar os desmandos, com a timidez dos que, pela coacção da camaradagem, não saem a tomar-lhe o passo, e que de tudo isto faz anuas e força para abrir brecha nos espíritos, para nos derrancar moralmente, para achincalhar quanto nos acostumámos a respeitar sem subserviência, lançando sobre quantas coisas veneramos a velatura da sua pobre capa de falsa erudição e a reputação do seu nome de escritor.
Atitude mesquinha, que não toma os homens e os factos na sua correlação temporal, não os situa na vida e na ideologia do seu tempo e apenas os contempla através dos remendos furta-cores dessa pobre capa que o tempo e a análise criticamente séria há muito pôs de banda como partos de espíritos escandecidos pelos preconceitos de partido e de seita.
Eu repito que tudo isto é grave, e tanto mais quanto é certo que a nossa triste condescendência já se tem manifestado em patrocínio oficial e oficioso.
Nós todos somos grandemente culpados de que estas coisas sejam possíveis, porque não definimos uma larga, esclarecida e atenta política do espírito e não tomámos As precauções e as medidas atinentes a que os nossos centros e organismos de cultura exprimissem as realidades autênticas da nossa comparticipação no surto geral da cultura contemporânea, e se erguessem os postos de observação que mostrassem os caminhos errados e marcassem as directrizes verdadeiras.
Fará além dos eruditos e dos estudiosos há uma corte numerosíssima de pessoas ansiosas de saber e conhecer aquilo que faz parte da mediana cultura geral de um povo, e nós nada temos na imprensa periódica, jornal, revista ou coisa parecida, onde os problemas da cultura geral do nosso tempo sejam rebatidos com espírito independente e onde a crítica com sabor objectivo, impessoal e cordata faça distinção entre o válido e o promissor, o subsistente e o precário.
Tenho presente no meu espírito um escritor - refiro-me ao Sr. Aquilino Ribeiro - a quem os pregoeiros de fama chamaram por aquele nome de mestre. Mestre de quê?
O porvir há-de ser forçosamente mais justo e mais pertinente do que certos juízos formulados no nosso tempo.
Quando se considera a carreira desse escritor ao longo duma vida literária que já não é pequena, domina-nos um sentimento amargo ao reconhecer que se frustraram há muito tempo as qualidades que os seus primeiros trabalhos revelaram, e que pareciam augurar à literatura portuguesa contemporânea a presença de alguém com personalidade e arcaboiço de autêntico novelista.
Infelizmente, o Sr. Aquilino Ribeiro ficou-se na promessa; não trouxe à novelística nacional nenhuma contribuição criadora do seu espírito. Já houve um crítico neste país que honradamente teve a coragem de lho dizer em relação aos seus trabalhos derradeiros de novelista. Mas aos outros críticos reputados se pede que nos elucidem sinceramente, a nós, os possidónios, que desejamos conhecer os rumos e inovações verdadeiramente fecundos que tal mestre trouxe à novelística nacional, e digam onde estão essas qualidades esplendentes do seu espírito e vigor intelectual.
Qual o livro, quais as páginas onde o mestre proclamado deu sentido novo e estrutura viva a obra que empreendeu, e afirmem uma compleição de verdadeiro romancista ou novelista?
Qual o livro, quais as páginas, que indiquem um surto realmente seu, iniludível de que essa forma e realização artística são originais e fecundos? Onde estão os caracteres e os tipos que possam valer intemporalmente e fora do nosso estreito âmbito regional?
Onde estão os discípulos que tenham bebido na sua lição o estímulo forte para prosseguir com seus métodos
novos nos caminhos propugnados com originalidade e seguir as normas excelentes afirmadas numa superior criação artística? Mestre de quê?
O escritor esgotou há muito o pouco cerne de fantasia criadora com que a Providência o dotou, consumiu integralmente as qualidades inatas de reconhecimento e transplantação dos caracteres rurais para a forma literária, e só ficou com uma coisa manancialmente poderosa: a riqueza vocabular que a sua frequência e origem serranas se lhe apegaram como grude à carne e à pena.
E doloroso reconhecer isto, e há-de sê-lo bem mais para quem não sente emurchecer o afã de escrever e a necessidade de comunicação com o público.
Daqui o rebuscar adrede a matéria novelesca para consumo quotidiano, exalçamento e reafirmação da sua ideologia de rubra pigmentação. Não, senhor, não, a história nacional não pode ser um motivo de divisão e de guerra civil nos espíritos.
Por mim, compreendo muito bem que não há um estalão mental, nem deve haver regras de aferição do pensar, mas a razão foi dado ao homem para a usar no gosto da virtude, da beleza e da justiça.
Ela nos obriga a profligar o mal, a condenar o erro e a infligir o castigo. A própria razão nos limita em nossa liberdade, nos adverte e responsabiliza. Fora disto não há verdadeira liberdade, só existe a licença de que o Sr. Aquilino Ribeiro tanto tem usado e abusado, com a condescendência geral e o aplauso de uns quantos seguidores em completa reverência.
A História pode ser, por sua própria natureza, matéria de abundante interesse novelesco. Certa feição do romance novecentista e o largo desenvolvimento moderno da chamada biografia romanceada aí estão para o documentar. Mas, entre os autores do século XIX e aqueles dos modernos que cultivaram esses géneros literários, a posteridade e a crítica sensata elegeram meia dúzia de nomes que correm mundo e são lidos onde quer que chegue a sua fama e obras.
O resto perdeu-se, como hão-de perder-se, sem grande prejuízo para o património intelectual do homem, todas as obras daqueles que não tiveram fineza de espírito para haurir dessa matéria historial aquilo que nela podia constituir lição de beleza de uma vida, de um acontecimento, de uma ideia, superiores à mesquinhez da vida quotidiana e às paixões do estrabismo partidário.
Não é com resquícios de leituras vagamente feitas, com citações de autores e obras conhecidas por acaso, com apreciações e modos de ver desde há muito ultrapassados, com fugazes lampejos de adivinhações, com preconceitos de escola e de educação que pode construir-se uma obra sólida, uma obra séria, uma obra digna. Se não chega o tempo, e é força viver, então trata-se de outra coisa, mas nunca de mestria, ainda que os vizinhos no-lo digam.
Menos se trata ainda de enfiar os coturnos de modelador literário, e alçado neles passar aos olhos, da incultura geral como riscador sábio de planos literários, mestre incontestado e inamovível em seu pedestal de papel passento.
Romancista, novelista, ensaísta, pedagogista, historiógrafo, mal vai a quem não sabe o que tais palavras significam em seu conteúdo vivo, em sua contextura plena e específica.
O nosso tempo - que desgraça ! - perdeu o sentido exacto de (muitas ideias superiores, e por isso as palavras já não contêm neste argouço moderno o que efectivamente significam para os bons espíritos.
Chama-se tudo a todos, só porque ameaçam de ser o que pressupõem: romancista porque elaborou uma fábula; ensaísta porque exprimiu uma ideia, sem a desfibrar e levar a cabo criticamente; pedagogista porque citou algum tratado ou método de educação; historio-
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grafo porque da História só colheu e entremostrou o pávido e o reles da natureza humana.
Historiógrafo o Sr. Aquilino Ribeiro?
Mas então que vão chamar, de ora avante, a António Caetano do Amaral, a Herculano, a Gama Sarros, a Braamcamp Freire, a João Lúcio de Azevedo, a todos quantos, pugnaram por um critério estritamente objectivo no tratamento dos problemas históricos, sem restrições de pensamento, sem obediência a preconceitos, sem limitações nem vícios de escola ou de partido?
Onde está a crítica inibitória destes, empecilhos da objectividade?
Onde está a impecável sensatez que adverte, esclarece e chama s razão quem fie ajeita no monturo dos factos e deles apenas saboreia o que lhe quadra à grosseria de espírito e à incapacidade da fantasia lìmpidamente criadora?
Onde está o poder de evocação e a delicadeza de sensibilidade que denunciam o artista? O interesse novelesco da matéria historial pode efectivamente originar algumas obras belas e famosas, mas nessas pressupõe-se informação segura, reconhece-se o dom natural da finura de espírito com que se elegeu o tema, alteia-se o poder de evocação histórica e doura-se a exposição com a poalha fina do estilo.
Será preciso lembrar alguns nomes da literatura europeia contemporânea que deram a esse género, meio novelístico, meio histórico, algumas obras-primas que toda a gente conhece e leu?
Não é esse o tom nem a capacidade sensível do Sr. Aquilino Ribeiro. E também lhe falta a faculdade ou, melhor, o dom de compreensão no espaço e no tempo.
Ponhamos um exemplo. Nun'Alvares foi um dos próceres da revolução do Mestre de Avis, e, para além da sua auréola de santidade, a sua figura ergue-se na história nacional como uma inteligência esclarecida, um capitão industriado no melhor da arte militar do seu tempo, um polarizador dos anseios nacionais, um intemerato defensor da independência, um inconformista dos interesses criados, desprezador altivo das promessas e solicitações estranhas, de mal com os seus por amor do chão sagrado da Pátria.
As páginas, suavemente esmaecidas como tela gótica, da Crónica do Condestabre, e bem assim as páginas de sopro heróico da. Crónica fie D. João I, no-lo pintaram como quem foi em toda a sua pureza, dedicação e zelo pela causa da Pátria. Este é o Nun'Alvares a quem todo o escritor que preze a função social da sua arte deve apontar como exemplo e estímulo de bem servir.
Foi o seu nascimento sacrílego, como ainda pretende recordar o Sr. Aquilino Ribeiro?
O problema foi resolvido há .muitos anos, e a citação de um velho e ultrapassado artigo do Dr. Júlio Dantas devia ser acompanhada da resposta incontestada que lhe deu então o Dr. Mendes dos Remédios.
Pretenderia somente fazer acreditar que os filhos de convivência sacrílega nascem como toda a outra gente e podem chegar aonde os outros chegam? A referência não pagava a pena, porque toda a gente sabe isso muito bem.
Todavia, insinuar que Nun'Alvares, após o alardo da Vilariça, teve assomos de se passar a Castela é uma malfeitoria a falsidade literária, a que não se pode dão-se por agora, qualificativo mais candente.
O Sr. Aquilino Ribeiro não é capaz de compreender muitas coisas na ordem espiritual, porque a sua ignorância documental e a sua incapacidade de abarcar os planos históricos fundamentais não lhe permitem que elimine os seus preconceitos e não proporcionam ao seu rico vocabulário senão que revista os seus frágeis e fabulosos libelos. E isto que devem ensinar os mestres que têm consciência do seu dever social? Mestre de quê e de quem?
Eu tenho pena que um nome que nesta altura da vida poderia ser respeitável ao comum das gentes mereça apenas de todos nós a caridade de o deixar sobreviver literariamente.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa ao Plano de Fomento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Dinis da Fonseca.
O Sr. Dinis da Fonseca: - Sr. Presidente: não era minha intenção intervir neste debute. Não o julgava necessário e sinto crescer com os anos a dificuldade e a responsabilidade que impõe esta tribuna.
Dado o justificado interesso que este assunto despertara desde logo mi Assembleia, era fácil vaticinar que ele seria abordado nesta tribuna com o brilho e a competência especializada que nos tem sido dado reconhecer e que de fornia alguma me posso arrobar a veleidade de possuir. (Não apoiados).
A esta razão acrescia uma outra, que era a de uma espécie de inibição pessoal, perante a escassez de tempo, para analisar com alguma profundeza os vários aspectos desta proposta e as extensas e doutas apreciações da Câmara Corporativa, entre as quais suponho possível incluir o suplemento ao Diário das Sessões n.º 169, contendo relato oficial da sessão pública da Câmara Corporativa, em que também doutamente se dissertou sobre o Plano de Fomento.
Nessa sessão afirmou o seu ilustre Presidente que o trabalho da Câmara Corporativa careço de ser feito sem precipitação, com o tempo suficiente para todos os que nele devem intervir poderem preparar e meditar a sua contribuição.
Creio que estas judiciosas palavras se podem aplicar também e justamente a esta Assembleia, porque não me parece que a responsabilidade de decidir, em consciência liem formada, seja menor do que a de esclarecer ou de sugerir.
Durante a discussão surgiram algumas dúvidas, o foi a meditação sobre elas que me levou a algumas conclusões, que constituem o objecto da modesta contribuição que trago a este debate.
Em primeiro lugar, julgo que a oportunidade e a continuidade que esta proposta oferece à política de reconstituição económica foram já suficiente e brilhantemente acentuadas nesta tribuna.
Km vários dos seus discursos e declarações oficiais o Senhor Presidente do Conselho marcara para a política de reconstituição económica três fases: a primeira, chamada de regeneração financeira, que decorreu de 1928 a 1934; a segunda, a fase de reconstituição económica, iniciada com a Lei n.º 1 914, que, como VV. Ex.ªs sabem, vigorou até 1950; e a terceira, que seria a fase de engrandecimento nacional, cuja promessa e definição podemos encontrar no discurso de 28 de Maio do 1936, nestes termos:
O mais intenso aproveitamento das possibilidades materiais da metrópole e de todo o Império e a valorização da gente portuguesa onde se encontre em terra nossa é, como natural consequência destas conquistas, a afirmação cada vez mais clara e vincada na posição internacional do nosso valor construtivo o da nossa acção civilizadora.
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No mesmo discurso encontramos também este lema político que devia guiar a execução do que havia afazer: «Nem promessas que se não cumpram, nem programas que se não realizem».
Quem reler nesta hora essas palavras proferidas há dezasseis anos reconhecerá que a proposta em discussão corresponde a um promessa que se cumpriu. E se, ao mesmo tempo, visionar em espírito a embaixada nacional que acabamos de mandar a Goa, a essa velha cidade no nosso império ultramarino, poderá reconhecer ainda, nessa manifestarão esplendorosa, uma manifestação desse programa de engrandecimento nacional, que se realiza ... embora a proposta em discussão seja a sequência política da hei n.º 1 914. Creio ter algum interesse anotar a diferença entre a atmosfera e o ambiente que acolheram a Lei n.º 1 914 e aqueles que encontramos nesta hora à volta da proposta em discussão.
A Lei n.º 1 914 provia um dispêndio de 6 milhões e meio de contos em quinze anos. A proposta que temos presente prevê uni dispêndio de cerca de 14 milhões em seis anos, e, no entanto, a Lei n.º 1 914 foi votada em 1935, num ambiente de desconfiança e de dúvida sobre as possibilidades da sua realização, enquanto que esta, que promete mais em menos anos, é acolhida por alguns como um plano insuficiente para as necessidades do País, e até inferior às possibilidades do Tesouro!
A esta euforia ambiciosa respondera, porém, antecipadamente o Chefe do Governo, no discurso proferido, fez ontem dois anos, na sala da biblioteca desta Assembleia e onde, depois de expor as incertezas da atmosfera internacional que nos obrigavam a manter a severidade nos gastos e moderação nas ambições, anunciava a perspectiva desta proposta, que, jogando na carta da paz, iniciaria a fase de engrandecimento nacional, nestes termos:
Mais do que uma lei ambiciosa, devemos conceber um plano modesto de fomento a executar em meia. dúzia de anos e ordenado para satisfação de algumas das maiores e mais prementes necessidades do povo português.
Como não podemos querer tudo ao mesmo tempo, é a altura de definir critérios de preferência, dos quais o fundamental será o seguinte: sem desatender alguns grandes empreendimentos de carácter vincadamente reprodutivo; como a energia hidroeléctrica, a irrigação e povoamento florestal, há necessidades essenciais para a vida da Nação, como o melhoramento das comunicações, a melhoria das instalações do ensino, que não podem ser postergadas por outras, por mais sedutora que se afigure a sua reprodutividade imediata.
Foi certamente era obediência a este critério de preferências que foi organizada a proposta agora em discussão.
A exposição mandada a esta Assembleia pelo Sr. Presidente do Conselho sobre a execução da Lei n.º 1 914 concluía dizendo que a proposta seria mandada a esta Assembleia porque «o Governo estimaria encontrar com o auxílio da Assembleia, através da mais larga discussão, a orientação conveniente».
Interessa pois considerar qual é a orientação que a proposta julga conveniente.
Já ontem nesta tribuna o Sr. Dr. Daniel Vieira Barbosa acentuou, com brilho invulgar, que esta proposta não contém propriamente matéria nova mas a confirmação de directrizes já assentes e de obras e empreendimentos muitos deles já em curso.
Na verdade, terminada a vigência da Lei n.º 1 914, a obra da reconstrução prosseguiu através dos orçamentos ordinários, passando a figurar na Lei de Meios
uma base que indicava as finalidades a que deviam aplicar-se os recursos disponíveis.
Nas duas últimas leis de meios as finalidades indicadas foram as seguintes:
a) Melhoramentos da produção agrícola, povoamento florestal e colonização interna;
b) Empreendimentos, hidroeléctricos, instalação de indústrias-base e reorganização das existentes;
c) Desenvolvimento dos meios de comunicação e serviços de transportes;
d) Aproveitamento dos recursos e colonização dos terrenos ultramarinos e desenvolvimento do seu sistema de comunicações e transportes»
Quem analisar o esquema da proposta em discussão verificará que, na sua essência, os seus objectivos são os mesmos que figuram nas últimas leis de meios.
Mas a própria letra da proposta que estamos a discutir, no seu artigo 1.º, confirma que, de facto, os objectivos são os mesmos, pois diz: «O Governo promoverá, para os mesmos fins referidos no artigo 21.º da Lei n.º 2050, de 27 de Dezembro de 1951 ...», ou seja para as mesmas finalidades que figuravam nas leis de meios.
E, por isso, suponho injusta a censura que se quer fazer ao Governo, acusando-o de ter começado a dar execução ao Plano mesmo antes da apreciação da Câmara Corporativa e da discussão feita nesta Assembleia.
A realidade creio ser muito outra.
O Governo aplicou as disposições contidas nas últimas leis de meios, e a proposta que está sendo apreciada vem apenas confirmar esses objectivos e pedir a esta Assembleia que os ratifique com o seu voto ou os declare em desacordo com os interesses da Nação.
Mas, se é certo que a proposta em discussão é a sequência política da Lei n.º 1 914 e obedece às mesmas características jurídicas desta lei, certo é também que esta proposta reflecte a evolução doutrinal e as mudanças sofridas noutros países, embora se mantenha fiel aos princípios assentes na nossa política de reconstituição.
Quem se tenha dedicado à literatura político-financeira do pós-guerra terá deparado com fortes correntes doutrinais, visando umas a defender e justificar a clássica anualidade orçamental e o seu rigoroso equilíbrio como a melhor forma d<_ que='que' pêlos='pêlos' de='de' crise='crise' outras='outras' chamados='chamados' ritmo='ritmo' prósperos.br='prósperos.br' dos='dos' fim='fim' anormal='anormal' pelo='pelo' mais='mais' poderem='poderem' verificando='verificando' fiscalização='fiscalização' despegas='despegas' maior='maior' depressão='depressão' das='das' abrangeriam='abrangeriam' aceleração='aceleração' cíclicos='cíclicos' pela='pela' económica='económica' ser='ser' a='a' os='os' e='e' deficits='deficits' administração='administração' saldo='saldo' optariam='optariam' o='o' vários='vários' provocadas='provocadas' entrada='entrada' receitas='receitas' anos='anos' da='da' compensados='compensados' orçamentos='orçamentos'>
Não pretendo passar por erudito nestas matérias, cansando a Assembleia com a exposição das teorias que se encontram resumidas em qualquer bom compêndio de finanças públicas, e por isso mo limitarei a dizer que a nossa política seguiu a doutrina de manter inflexivelmente o orçamento anual e um rigoroso equilíbrio financeiro dentro dele.
E, para que isto fosse possível sem violências fiscais, adoptámos, primeiro do que qualquer outro país, o que hoje os compêndios chamam as «reservas cíclicas», que , nós conhecemos por saldos orçamentais. Com eles constituímos as reservas destinadas a manter o equilíbrio orçamental em face do possíveis diminuições de receitas ou de aumentos inesperados de despesas.
A Lei n.º l 914 foi publicada para defender essas reservas e dar-lhos aplicação reconstrutiva; mas, entretanto, outras correntes doutrinárias abalaram o velho conceito do Estado, sim pie» guardião da ordem pública e da defesa nacional, sem intervenção na ordem económica, confiada em absoluto às iniciativas particulares.
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As exigências da guerra e as suas consequências provocaram em todos os países, grandes e pequenos, uma interpenetração prática das finanças públicas nas actividades económicas, e as fases sucessivas da revolução russa trouxeram à tela da discussão e das perigosas experiências políticas a tese extremista que atribui ao Poder Público a posse de todos os meios de produção e a direcção exclusiva da circulação e da distribuição dos consumos.
E de novo vimos multiplicarem-se as teorias defensoras de um intervencionismo económico nas actividades particulares, que estas seriam as primeiras a reclamar e a defender na medida em que lhes convinha.
Também me absterei de fazer aqui a fácil exposição das várias teorias condensadas nos compêndios, e que vão do puro colectivismo à socialização mais ou menos extensa das actividades económicas, ou à promoção das iniciativas particulares ao plano da vida pública, para mostrar a originalidade sua solução portuguesa que informou esta proposta.
Da mesma forma, que a Lei n.º 1 914, a proposta em discussão tem todas as características de uma lei de meios, e por isso podemos dizer que nesta hora e neste momento estamos a discutir não uma, mas duas leis de meios: uma para ser executada no orçamento ordinário de 1953; outra para ser executada através dos orçamentos de 1953 a 1958.
Duas leis de meios, mas um só orçamento, que assegura a unidade da política a seguir, e, através de um só orçamento, procurar atingir a realização de dois equilíbrios, um de carácter financeiro e anual, outro cíclico e de carácter económico e social, o equilíbrio a que se refere o § 1.º do artigo 31.º da Constituição, «o equilíbrio da população, das profissões, dos empregos, do capital e do trabalho».
Esta a solução portuguesa, que ouso considerar incomparavelmente superior a outras preconizadas por várias teorias e executadas em vários países.
Como lei de meios, da proposta constam apenas previsões e linhas programáticas de uma política a executar através dos orçamentos de vários anos. Nem as actividades mencionadas no esquema da proposta excluem as que constam normalmente do orçamento ordinário, nem este fica inibido, e antes pode ficar obrigado, a favorecer a execução dos empreendimentos do Plano com outras medidas que para sua melhor execução se julguem complementares.
Compreende-se, pois, o pouco interesse que poderia ter para esta Assembleia que lhe fossem reconhecidos poderes para alterar os pormenores das rubricas gerais inscritas no Plano ou os números globais que nesse Plano correspondem apenas a previsões a longo prazo.
Qualquer alteração dos números globais, além de difícil justificação, resultaria praticamente inútil ou ilusória. Os cálculos mais rigorosos terão de ser feitos pelo Governo ao inscrever anualmente no orçamento as verbas julgadas suficientes, e ninguém discutirá que ao Poder Executivo compete, exclusivamente deixar em sobras as verbas inscritas, se não é possível realizar as obras ou reforçar as verbas, quando necessário, sob pena de o plano da política anual não ter execução.
Em qualquer caso a alteração feita a longo prazo dos números globais inscritos no Plano seria absolutamente inútil ou ilusória.
Mas se na sua característica jurídica de lei de meios, a proposta se aproxima da Lei n.º 1 914, na orgânica do seu intervencionismo económico revela-se, creio eu mais avançada, prosseguindo na execução dos princípios constitucionais, que são. como VV. Ex.ªs sabem, ao mesmo tempo anti-socialistas por isso respeitadores das iniciativas particulares e antiliberais e por isso orientadores das mesmas iniciativas, chamadas pela proposta a colaborar com as actividades do Estado na execução do plano económico de engrandecimento nacional.
Política, pois, de solidariedade e de cooperação de todas as energias e de todas as reservas da economia da Nação, tal é, a meu ver, a política inspiradora da proposta em discussão, mas creio ainda, Sr. Presidente, que. como lei de meios a executar ao longo de seis anos, o valor da proposta dependerá em grande parte da boa ou má execução que lhe for dada.
E que pensará o Governo acerca da. sua possível execução.
Confesso que não tive contacto de qualquer espécie com qualquer dos ilustres membros do Governo sobre o Plano: mas, como tenho o hábito de ler jornais, li, com certo empenho, a entrevista dada em Lourenço Marques aos jornalistas pelo Sr. Ministro das Finanças a respeito do Plano de Fomento. Nela se lêem as seguintes palavras, atribuídas ao Sr. Presidente do Conselho:
Vamos ter imenso que fazer para dar realidade ao Plano. O Governo tem à sua vista uma tarefa violenta e complexa. Há-de formular novos estatutos jurídicos, chegar a novas disciplinas, estabelecer diferentes processos administrativos.
Precisa de inventários, estudos, depoimentos técnicos, prospecções. Tem de habilitar-se com ensaios, experiências e relatórios de missões; tem de completar algumas instalações. Certos serviços públicos virão a ser alterados, completados ou reformados. Serão ditadas novas regras jurídicas adequadas às circunstâncias.
Quer dizer: o Governo, segundo estas palavras do Sr. Ministro das Finanças, é o primeiro a reconhecer que o êxito da proposta dependerá da sua boa ou má execução.
Não quero cansar a Assembleia, mas desejaria ainda fazer uma ligeira referência à estranheza de uma política de facilidades sobre a parcimónia do recurso ao crédito externo previsto na proposta. A razão deu-a ainda o Sr. Presidente do Conselho nestas palavras, que importa nesta hora recordar:
Não se pode esquecer que a plena independência em relação às bolsas estrangeiras nos permitiu nas duas últimas décadas apreciável liberdade de movimentos. É, além disso, salutar que, sempre que possível, o País conte sobretudo consigo, sem que isso signifique menor interesse ou simpatia pela cooperação do capital estrangeiro no desenvolvimento de algumas das nossas riquezas.
É na verdade salutar que o País conte sobretudo consigo.
Ouvimos já comparar o esforço de renovação revelado por esta proposta ao período de regeneração que foi conhecido pelo «fontismo».
Creio que o confronto é possível, mas para logo notar esta diferença: os caminhos de ferro, os telefones e os eléctricos foram estabelecidos e apetrechados quase todos por técnicos e capitais estrangeiros.
Não é que faltasse nesse tempo capital português, como se podia verificar pelos avultados créditos registados nos bancos estrangeiros a favor de portugueses. Estes, porém, não contavam consigo mesmo: tinham perdido a confiança da reconstituição nacional e, por isso, se contentavam com receber os baixos juros pagos pelos bancos de Londres e de Paris.
Esses capitais portugueses eram depois trazidos pelos capatazes, que vinham rasgar os caminhos de ferro, montar os telefones e os eléctricos, pelo que era de aplicar el cuento do galego que vinha vender água para
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Lisboa: «esta gente é tola; o dinheiro é deles, a mão-de-obra é deles, mas os rendimentos são nossos!».
Eis por que sinto orgulho patriótico em aplaudir ainda, sob este aspecto, o sentido da proposta, que prevê a aplicarão em seis anos de 13 milhões de contos, sem ter de recorrer, senão em último extremo, a capitalistas estrangeiros, embora saibamos todos que muitos deles se sentiriam nesta hora muito honrados vendo-se escolhidos para nossos credores!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E se, como se diz no douto parecer da Câmara Corporativa, esta proposta corresponde a uma rajada de optimismo num país de cépticos, a esta Assembleia compete a função de defender a opinião pública das invasões derrotistas desse cepticismo que a pode desorientar. Politicamente entendi sempre que a esta Assembleia, além da livre fiscalização dos actos da governação pública, compete também as de defesa da opinião pública, que a Constituição declara elemento fundamental da política o da administração do País.
E ao reivindicar o direito de discutir livremente as propostas e os actos do Governo, jamais pude confundir independência política com discordância sistemática ... nem creio que seja precisa maior independência e maior coragem moral para discordar sem razão do que para louvar e aplaudir com justiça.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Lopes Alves: - Sr. Presidente: o meu objectivo nesta intervenção é, quase exclusivamente, interpretar alguns pontos de vista sobre assuntos que interessam ao progresso de Angola, tendo em vista à próxima vigência do Plano de Fomento que está em discussão.
A multiplicidade das questões que nele são encaradas, os particulares conhecimentos que a apreciação de cada um exige, bem como a natureza da representação que me está confiada nesta Câmara, orientam-me, até certa medida, nesta limitação.
Concorre ainda para isso que todos os problemas, de qualquer dos sectores de actividade que o Plano considera, têm sido tratados exaustivamente durante este debate com a profundidade e a competência que cada um requer, mercê da forma como se dispersam os campos de aptidão especializada que nesta Assembleia estão representados e o invulgar interesse que veio despertar em todos nós a larga iniciativa que o Governo enfrentou na proposta de lei que está presente.
Todavia, se bem que se situe na província de Angola o principal motivo que me leva a comparticipar na análise do tema, não desejo deixar sem referência a vincada impressão que ele me causou, também, na parte que respeita às condições de vida da metrópole e das outras províncias de além-mar.
Sobre esta parte, pretendo destacar em especial as perspectivas com que se apresentam os problemas do fomento marítimo, tanto por incidência deste Plano como por virtude de outras providências simultâneas com ele.
A extensão da matéria considerada, a meticulosidade do estudo que foi feito -tanto para o projecto que provém do Governo, como para fundamento do parecer que a Câmara Corporativa elaborou -, a selecção cuidada dos empreendimentos sobre um escalonamento de prioridades e a esclarecida concepção que leni todo o trabalho transparece - a um tempo prudente e arrojada, num sensato equilíbrio de confiança nos meios, conhecimento das dificuldades e prevenção bastante contra eventualidades - desenham, um quadro que se anima de perspectivas futuras, cuja realização irá por sua vez abrir caminho a mais amplas conquistas de progresso, mais definidos surtos de desafogo e a novos horizontes de mais prosperidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Percorrendo primeiro os elementos que se. reportam ao continente e ilhas, e tendo em atenção as sugestões que foram produzidas nesta Câmara, parece não faltarem argumentos para tomar decisão, na certeza de que, tanto quanto os recursos previsíveis podiam permiti-lo, nada foi descurado. Desde os melhoramentos projectados para servirem a base de riqueza que a agricultura sempre constitui - mesmo em países cuja actividade se apoia, em generosa proporção, na indústria e nas minas -, até ao campo do apetrechamento para aproveitamentos de energia, transformação local de matérias-primas e alargamento do sistema conjunto de transportes, a tudo se atendeu, na medida possível, em judicioso aditamento a todos os trabalhos presentemente em curso e ao plano de obras já realizado durante o período em que vigorou a Lei de Reconstituição Económica, de 24 de Maio de 1935.
Sobre a experiência dos resultados obtidos pela execução desse diploma não julgo ser excessiva a previsão de êxito semelhante na empresa que vai iniciar-se com molde na lei que agora se propõe.
Porque esta lei abrange, só em parte, medidas destinadas a incidir no sector do fomento nacional, que incumbe conduzir à pasta da Marinha, afigura-se-me do maior interesse esclarecer aqui que não estão preteridas pelos órgãos da Administração outras realizações de que ele carece.
Designadamente, é considerada no presente diploma » parte relativa à marinha mercante - em complemento do esforço notabilíssimo que, quanto a ela, foi já desenvolvido com tanta inteligência e tanta segurança de critério; será objecto de outras providências, às quais se atenderá conjuntamente, aquilo que respeita a dar acabamento à rede de faróis do continente e ilhas adjacentes - ou nela introduzir melhoramentos que se têm tornado indispensáveis -, o que se refere ao sistema de comunicações radiotelegráficas e radiogoniométricas, e também o ramo importantíssimo da indústria da pesca, atendendo à sua renovação e ao seu melhor apetrechamento, bem como, de igual modo, à parte em que. se integram as diferentes indústrias derivadas.
Na altura em que pelo Ministério da Economia foram coligidos todos os elementos respeitantes a cada departamento do serviço público, a fim de ser elaborado o presente Plano de Fomento, expediu S. Ex.ª o Ministro da Marinha o seu despacho n.º 171, que é mais um elemento a enriquecer a primorosa e valiosíssima colectânea de trabalhos com que tem definido a posição de todos os problemas que interessam aos sectores marítimo e naval, e com os quais marcou as directrizes que têm conduzido à sua progressiva solução.
Nesse documento traçou em linhas firmes, para cada actividade acima mencionada, o panorama com que hoje se apresenta, tanto nas exigências que demonstra como quanto ao montante dos recursos necessários para lhes fazer face e aponta além disso a soma de realizações que neste sector se tem avolumado.
O plano de farolagem que foi delineado está praticamente concluído na parte respeitante ao continente, tendo transformado a costa de Portugal numa das que
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podem orgulhar-se de melhor balizagem em qualquer dos países situados na Europa.
Os serviços de electricidade e comunicações foram consideràvelmente melhorados e ampliados com novas estações. Bastará mencionar que foi modernizada e muito acrescentada a central transmissora naval de Monsanto; que só procedeu à construção de uma importante estacão nova, em Algés de Cima, para substituir a estação receptora do Gravato; que tem incidido grandes beneficiações em vários outros postos e estações de serviço; e que entraram em funcionamento algumas novas e valiosas unidades de trabalho, com a estação radiogoniométrica aeronaval da Apúlia, a estação da Boa Nova e a estação radiotelegráfica aeronaval das Flores.
Da marinha mercante quase se me afigura que é supérfluo falar, tanto são conhecidos pelo País inteiro os progressos que foram alcançados no seu equipamento, bem como os resultados que se estão conseguindo por efeito do acrescentamento que logrou, em substancial medida, o seu potencial de actuação.
Em execução do despacho ministerial n.º 100, de 10 de Agosto de 1945, foram mandados construir 56 navios, dos quais 50 se encontram em serviço, tendo o Estado concorrido para a produção dos meios necessários com um financiamento que atinge nesta altura a importância de 711:000 contos.
Por esta forma se tem ido ao encontro dos requisitos, sempre mais prementes, do nosso tráfego de carga e passageiros com as diferentes províncias de além-mar; da corrente da nossa emigração e dos contactos espirituais e políticos que se orientam no sentido do Brasil, e ainda, se bem que dentro de mais escassos limites, da quota-parte dos transportes entre os Estados Unidos e os portos da metrópole, que interessa atribuir à bandeira nacional.
Quanto à marinha de pesca - sem deixar de contar com todos os reflexos da sua actividade no campo industrial -, não é fácil sobrestimar os benefícios que têm decorrido da assistência constante que deve aos Ministérios interessados, devendo destacar-se, com referência a esta circunstância, a dedicação inexcedível, a equilibrada visão e a infatigável diligência com que tem actuado o delegado do Governo junto dos organismos respectivos.
Não quero prosseguir neste relato, Sr. Presidente, sem manifestar perante a Câmara quanto me penaliza que ele não possa ser feito, nesta parte, pelo nosso ilustre colega e meu querido amigo e camarada comandante Henrique Tenreiro.
O seu temporário afastamento dos trabalhos desta Assembleia, no exercício de uma missão de vultosa projecção política, priva-nos, neste ponto, do valimento de uma exposição cuja falta não pode ser suprida sem um conhecimento das questões igualmente profundo e sem haver criado condições para legitimamente e em semelhante grau poder senti-las como coisa própria.
Depois de se ter exposto, num sucinto apanhado, qual a medida em que até hoje foram atendidas as exigências da nossa economia, no campo, dos serviços de fomento marítimo, e retomando a ordem pela qual se escalonaram os assuntos, interessa agora mencionar as aquisições que ainda se projectam, em noiva fase de apetrechamento, além da forma como se prevê que se lhes atribuam os recursos precisos.
Pelo que respeita a completar a rede de faróis do continente, continuar a construção da parte que pertence às ilhas adjacentes e prosseguir no apetrechamento de uma e outra fracção deste sistema, constata-se, pela leitura do despacho que antes foi referido, estar calculada uma despesa de 10:900 contas, para ocorrer ao melhoramento das instalações situadas na costa continental, e outra de 15:400 contos, para novos edifícios e para, a respectiva aparelhagem nas ilhas dos Açores e da Madeira.
Com. estas importâncias poderão efectuar-se as seguintes obras, incluindo o custo do equipamento necessário:
Por força da primeira, electrificação de mais alguns faróis e farolins, instalação de elevadores nos faróis de maior altura, aquisição de sinais sonoros e novos emissores para funcionamento permanente de alguns rádiofaróis, modernização da fábrica de gás acetileno, balizagem de alguns portos, construção de casas para pessoal e instalação definitiva da Direcção de Faróis;
Com os recursos da segunda, construção de mais nove faróis, em várias ilhas dos dois arquipélagos, ficando todos prontos a funcionar.
A quantia total de 31:300 contos, soma das duas verbas autos discriminadas, deverá ser proposta para inscrição, em sucessivos orçamentos, nas tabelas de despesa extraordinária do Ministério da Marinha, à medida que se verifiquem as possibilidades de realização.
Para concluir a rede radiotelegráfica e radiogoniométrica - cujos serviços se estendem, além da marinha de guerra, a toda a navegação nacioual e estrangeira e à recepção e transmissão de dados meteorológicos, torna-se necessário despender 51:750 contos, verba global em que só compreende a conclusão, melhoramento ou modernização de diferentes estações, bem como a instalação, apetrechamento ou ampliação de outras.
Prevê-se, neste caso, que os fundos necessários sejam inscritos em sucessivas dotações, de acordo com a urgência, nas verbas que o orçamento suplementar de defesa consignar ao Ministério da Marinha em 1952, 1953 e 1954.
Passemos agora à marinha mercante. Excluindo a previsão de onze navios novos, que não foram mandados construir, de entre os sessenta e sete que se incluíam no respectivo plano de reconstrução, foi já posto em serviço o navio-tanque Cercal e foi lançado à água o paquete Santa Maria, este último destinado a garantir com regularidade a carreira do Brasil, os quais, juntamente com mais seis unidades, cuja construção ainda se pretende, não fazem parte do referido plano.
Estas seis unidades compreendem: dois navios de passageiros, que, além dos que foram previstos, se verifica hoje serem necessários para as carreiras de África, e cujo custo global é de 600:000 contos; dois navios-tanques, cuja aplicação inclui o abastecimento das províncias ultramarinas, que devem custar 180:000 contos; e, dois navios destinados ao estabelecimento de uma carreira entre Portugal e os Estados Unidos, cujo custo se pode fixar, como em relação aos da carreira de África, em cerca de 600:000 contos.
É urgente a construção de um, pelo menos, dos dois navios destinados às carreiras de África e convém não demorar a dos navios-tanques, para um dos quais se irá aproveitar a carreira do Arsenal do Alfeite, a fim de a efectuar em Portugal.
A solução prevista no plano de fomento implica, para os navios-tanques, um regime de autofinanciamento pela Soponata e, para os navios destinados a África, um dos quais a construir pela Companhia Nacional de Navegação e o outro pela Colonial, um financiamento misto, no qual dois terços serão feitos pelo Fundo e um terço pelas empresas.
Para não preterir, por longo prazo, os navios que só destinam à carreira dos Estados Unidos - e dada a carência presente de recursos disponíveis por parte das empresas de navegação -, torna-se necessário, mais tarde, obter auxílio financeiro, dentro ou fora dos organismos de crédito do Estado. Esta circunstância, quando isso for viável, não deixará, por certo, de me-
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recer a atenção dos Poderes Públicos nos sectores competentes para poder facultar-lhe solução.
Ainda um elemento que interessa conhecer para que possa ajuizar-se da forma como foram atendidos, sem qualquer omissão, todos os aspectos do mais útil aproveitamento dos dinheiros gastos com a marinha mercante: a renovação da sua actividade estendeu-se também à preparação do pessoal para as suas tripulações, que se faz na Escola Náutica para oficiais e na Escola de Marinheiros e Mecânicos da Marinha Mercante para pessoal de convés, electricistas e pessoal de máquinas.
Cumpre evidenciar a dedicação com que se está procurando, em cada uma delas, formar pessoal de escol que valorize os serviços a que se destina.
Quanto à última, criada em Agosto de 1946 pelo almirante Américo Tomás, só há que desejar rápido alargamento da sua actuação, como de resto foi reconhecido no Congresso da Marinha Mercante, em 1951, para que o elevado nível da preparação que se pretende dar às profissões do mar, em relação com a excelência do material de que hoje já se dispõe, abranja quanto antes todos os que as servem.
Quanto à marinha de pesca e indústrias afins, estão também inteiramente definidos os objectivos a atingir no próximo sexénio e o programa correspondente de realizações.
Em Junho de 1951, ainda antes de ser enunciada a intenção de promulgar um diploma geral da natureza deste que agora se discute, o delegado do Governo nos organismos corporativas da pesca apresentou ao Ministro da Marinha um plano de fomento das pescas nacionais, cuja execução pretendia fosse considerada no quinquénio de 1951-1955. Tendo depois sido determinada a recolha de elementos para elaboração da presente proposta, foi, em consequência, resolvido não encarar isoladamente este plano parcial, procurando adaptá-lo à sua integração no plano de conjunto a formular.
Tive ocasião de estudar os dois trabalhos do Sr. Ministro da Marinha em que a questão é completamente analisada - os despachos n.ºs 181 e 185, complementares, na parte respectiva, do despacho n.º 171. Ao comentá-los, nesta oportunidade, não posso omitir um sentido tributo de admiração e uma sincera homenagem a S. Ex.ª pela clarividente inteligência e por todo o notável senso prático que na feitura concentrou.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Resumo a seguir à parte indispensável os elementos de orientação que foram estabelecidos para enfrentar as necessidades averiguadas da indústria da pesca, tanto em material flutuante e artes de pesca como em instalações de transformação e aproveitamento dos seus vários produtos e dos subprodutos, e indico simultaneamente as providências que são preconizadas para obtenção dos correspondentes meios, financeiros.
A importância total do financiamento que é necessário juntar aos recursos próprios dos armadores para fazer face às despesas previstas, cifra-se, para um custo global de $08:000 contos, em cerca de 250:000 contos, ou seja pouco mais ou menos uni quarto do limite fixado, em Setembro de 1946, para o auxílio semelhante que foi destinado à renovação da maninha mercante.
Figuram, na distribuição dos encargos a assumir, os seguintes números, que dão uma ideia geral do valor dos empreendimentos:
Para a pesca do bacalhau, dez navios de pesca à linha e três instalações em terra, compreendendo frigoríficos e secadouros, correspondendo a um dispêndio de 151:000 contos;
Para a pesca de arrasto, oito navios destinados à pesca do alto e uma fábrica para aproveitamento dos resíduos, cujo custo total orça por 89:000 contos;
Para a pesca da sardinha, cento e cinquenta sondas ultrassonoras, sessenta postos de telefonia e dois barcos frigoríficos, perfazendo a importância de 17:000 contos;
Para a pesca da baleia, dois navios-caças, um organismo central normalizador, apetrechamento industrial para as armações das ilhas adjacentes e equipamento para uma instalação fabril em Angola, tudo num total de 37:000 contos;
Para motorização de embarcações e modernização das artes da pesca local, 10:000 contos;
Para exploração de ostras e de outros bivalves, incluindo reconhecimentos e estudos, parques de cultura e de estacionamento e postos de depuração a instalar no Sado e no Algarve, 3:500 contos.
Sr. Presidente: sem poder entrar na apreciação das interessantíssimas feições de pormenor de que se reveste este conjunto de medidas, importa, todavia, pôr em evidência algumas, pêlos cuidados que traduzem com a prudente aplicação dos dinheiros, com os fins sociais que visam alcançar e com as determinantes da nossa política geral, na qual tem lugar proeminente tudo quanto se refere ao ultramar.
Assim, deve notar-se que, nos próprios termos do despacho n.º 181, ao qual já tive ensejo de fazer referência, aos planos apresentados para cada uma das pescas obedecem ao propósito, sempre presente, de não elevar a produção a nível para que se não preveja consumo assegurado e economicamente compensador, de não recorrer ao crédito senão na medida estritamente indispensável e ainda de só aplicar em realizações reprodutivas os créditos solicitados».
Além disso, a atenção que se dispensa à pesca local tem por fim considerar a situação de 40 000 pescadores trabalhando de conta própria ou em pequenas empresas, número maior do que aquele que se reúne em todas as pescas agremiadas, com o objectivo de lhes melhorar a aparelhagem e as condições de trabalho.
E, por último, merece especial relevo a orientação de estender ao ultramar os benefícios que têm resultado da organização metropolitana, tão patentes - designadamente nos aspectos social e económico -, que não serão de mais todas as diligências para que urgentemente se consiga a efectivação deste propósito.
Feita esta sucinta exposição das realizações que se projectam no campo das actividades adstritas ao mar nos próximos seis anos, exprimo o desejo de que todas elas, integradas ou não no Plano de Fomento, encontrem por parte dos serviços - e, quando for o caso, também das empresas privadas a que interessem - compreensão inteira, condições propícias e disponibilidades bastantes de recursos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Entrando agora na parte referente à aplicação da proposta de lei nas diferentes províncias do ultramar - e antes de abordar as questões que respeitam aos interesses de Angola -, desejo incluir um breve apontamento sobre três dos assuntos relativos a outros territórios.
Cito primeiro o caso dos auxílios a prestar a Cabo Verde, tendo em vista a premente necessidade de que se resolva, na medida e com a urgência que se entender possível, o problema da sua produtividade e dos restan-
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tes meios concorrentes para maior desafogo da sua economia.
Consciente do encargo pesadíssimo que vai ser assumido pela Nação, não tomo a posição de sugerir um aumento global das dotações previstas por forma a conceder reforço a qualquer delas, nem tão-pouco me atrevo a indicar onde possa encarar-se redução que seja destinada a compensá-lo, tanto se me afigura que suo indispensáveis todas as verbas que estão distribuídas a qualquer das províncias.
Todavia, na convicção de que interpreto, além de um pensamento pessoal, uma corrente de opinião que vi desenhar-se nesta Câmara, designadamente na sua Comissão do Ultramar, formulo o voto de que onde incidentalmente venha a verificar-se impossibilidade de aplicação total de alguma verba inscrita no regime de financiamento por parte da metrópole seja possível atender ao aumento daquelas que a Cabo Verde foram destinadas.
E, pesando as dificuldades da província para a remição futura dos seus débitos -enquanto não criar condições novas, distintas das presentes -, arrisco-me a mostrar a minha simpatia por uma ideia que, aliás, já foi expressa, no sentido de que, em certa medida, possa dessas quantias vir a ser dispensado o reembolso.
Outro assunto sobre que desejo focar a atenção da Câmara respeita ao problema da mão-de-obra das empresas agrícolas de S. Tomé, tendo em conta as condições de vida dos trabalhadores e as vantagens que existem na sua fixação.
Tem sido seguida, nestes últimos anos, tanto por inspiração do Ministério do Ultramar como por meritória iniciativa do Governo local, a prática utilíssima de se promover, junto das plantações, a construção de aldeamentos para famílias indígenas.
Consegue-se assim, gradualmente, melhoria sensível na sua instalação, o que, além de ser medida que se impõe por motivos morais e de salubridade, constitui atractivo bastante para que os pretos contratados venham acompanhados pelas mulheres e pelos filhos e, nalguns casos, para que manifestem o desejo de lá se estabelecerem definitivamente.
O sistema é, certamente, bom, mas só resolve o caso até um certo ponto, visto que tem limites a área utilizável para o efeito, a fim de obviar a que resulte desfalque incomportável de terrenos nas zonas destinadas a culturas ricas.
Não julgo que devemos conformar-nos com solução parcial. A intenção que nos deve animar de dar satisfação a instantes motivos de higiene física e saúde moral, as dificuldades de repatriação que, eventualmente, surgem e o custo considerável dos transportes - para o qual pode encontrar-se melhor aplicação - conduzem ao trabalho imprescindível de estudar solução definitiva.
Sendo assim, qualquer que seja a orientação que venha a ser seguida para dar incremento à construção de aldeias nos locais reservados pelas fazendas - encargo que compete, de modo primacial, às organizações com interesse directo na medida -, acho recomendável que os fundos disponíveis que sejam retirados do erário público se apliquem, sobretudo, em colonatos - nos moldes dos que já se instalaram nas províncias de Angola e Moçambique -, ocupando, para tanto, zonas independentes.
Não pode prever-se que esteja completado em poucos anos o povoamento em larga escala que a ilha necessita, mesmo quando intervenha a 'concorrência das duas formas de o realizar que atrás deixo apontadas; mas, se ambas se adoptarem, fica definido um caminho que se dirige à solução total; que acabará servindo, ao mesmo tempo, cada um dos interesses que se encontram em causa.
Toco ainda, de passagem, num ponto respeitante a Moçambique, sem esquecer que o exame das suas condições, bem como a discussão dos seus problemas, se ajustam com mais propriedade ao saber e à experiência dos ilustres colegas aos quais está confiada nesta Câmara a representação dos seus vários interesses. Refiro-me ao aproveitamento das margens do Limpopo para nelas se fazer a instalação de um forte núcleo de colonos brancos.
Não pude deixar de impressionar-me com os argumentos que foram aduzidos nesta mesma tribuna - com base na adversidade das condições do clima - no sentido de que a iniciativa se oriente na escolha de outra zona.
Pondero contudo que os trabalhos de preparação que vão efectuar-se nos terrenos, a modificação que neles vai operar-se, depois de serem postos em cultura, a influência de eles serem ocupados e os meios profilácticos de que hoje se dispõe são factos de cuja incidência resultará, por certo, alteração profunda nos caracteres presentes da região.
OE penso também, por outro lado, que em empreendimento desta espécie, no qual são necessárias todas as garantias de se alcançar um razoável êxito, conta como factor poderosíssimo uma fertilidade de alto grau.
Reservar à agricultura indígena a produtividade de terrenos de escolha e, paralelamente, destinar para colonos brancos - se bem que em ambiente mais salubre- perspectivas mais escassas de sucesso económico introduz no sistema um elemento que pode por demais comprometê-lo.
Um aspecto da questão que importa seriamente considerar é a existência, no local, de alguma actividade de agricultura indígena, que as autoridades fomentaram e sob cujo apoio começa a prosperar.
Quanto a mim, o caminho mais fácil e seguro para dispor deste aspecto da questão -com desvantagens evidentes mas com conveniências também de considerar- é a demarcação de núcleos separados, na região escolhida, para uma e outra forma de colonização.
Termino, Sr. Presidente, este trabalho com alguns comentários respeitantes à aplicação do Plano na província de Angola.
Como resultante da análise que fiz dos empreendimentos que foram considerados, revendo aspirações que têm sido expostas pelos vários grupos populacionais
- dentro da importância relativa com que cada um deles se me apresenta - e ponderando os meios financeiros que foram facultados à província, junto ao montante dos recursos próprios, não vejo pertinência em discordar da ordem de grandeza da obra concebida para o lapso de tempo em que há-de executar-se.
Tenho a convicção de que ela se ajustou - sem excesso de prudência ou de optimismo - à exacta medida das possibilidades de toda a natureza que uma investigação segura constatou.
Nos apontamentos que a seguir resumo não está mesmo abrangida a pretensão de preferir determinadas obras que o Plano não prevê a outras que merecem inclusão.
Limito-me a citar algumas das primeiras, para lhes atrair mais um momento da atenção do Governo - que, indubitavelmente, já nelas reparou frequentes vezes - a fim de impulsionar a execução das que possam caber nalgum eventual alargamento dos meios disponíveis.
As necessidades de valorização de toda a região do sul de Angola, cuja importância inibe a discussão, levaram a prever despesas avultadas com aproveitamentos vários do Cunene - entre eles de irrigação, para se estabelecerem junto da margem fortes aglomerados de
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povoamento branco - e com o prolongamento, para leste, do caminho de ferro de Moçâmedes - fazendo a ligação ao Cuito Cuanavale -, na intenção futura de o levar a atingir a fronteira da Rodésia.
Quer por determinantes económicas, quer por obediência a vantagens políticas, esta orientação é, quanto a mim, tão oportuna como inatacável.
Não deixo de frisar que encaro, como sempre, com espírito bastante precavido os empreendimentos da Administração pura o estabelecimento dirigido de uma massa avultada de colonos. Mas nunca levaria a precaução ao ponto de alinhar, muito especialmente neste caso, num combate à ideia.
É-nos indispensável povoar toda Angola com gente portuguesa -extensa e rapidamente - e, se este processo tem ainda incógnitas, prefiro que sejam enfrentadas a que nos limitemos à incerteza - se bem que em perspectiva animadora - da colonização espontânea e livre. E isto ainda que venham a intensificar-se as medidas de apoio que, quanto a ela, temos praticado.
Quanto ao prolongamento do caminho de ferro - e tendo em vista a significação do resultado que se quer alcançar quando se completar a construção, em conveniências económicas e vantagens políticas quer puramente internas, quer de carácter internacional -, só há que desejar que a decisão venha a efectivar-se com a urgência possível.
Mas acontece - como era inevitável, por terem os recursos uma limitação - que, tendo-se atendido, na medida possível, aos interesses do Sul, não pôde ocorrer-se com dotações tão largas a toda a série de melhoramentos que o Norte da província tem como aspiração. Cito, designadamente, o caminho de ferro que há muito si pretende para drenagem do Congo pelo porto de Luanda.
Trata-se de uma zona de agricultura rica, em acelerado ritmo de desenvolvimento, com um sistema de comunicações - feito por estradas más - difícil de manter, por lodo o ano, em condições de dar satisfação. Avaliam-se bem os prejuízos da zona do interior quando incidentalmente, na época das chuvas, se interrompe o trajecto entre ela e o litoral, motivando retardas no abastecimento e impedindo sobretudo a regularidade com que deve ser feita a exportação.
Estou certo de que o problema já foi analisado e que não deixará de ter a solução, anais própria e mais urgente, que as circunstâncias venham a permitir.
Passando a outro ponto, desejo referir a circunstância de, no quadro de verbas que se aplica a Angola, não ter sido incluída qualquer quantia a despender com estradas. Terá, por consequência, de seguir-se nestes próximos anos um procedimento de rotina, encarando o assunto, em despesas correntes, por força do orçamento privativo.
Tem de evidenciar-se, antes de mais, que por este processo se tem feito trabalho importantíssimo - que, com inabalável persistência, se tem avolumado ano após ano- na construção de pontes, na drenagem de troços alagados, em reparações de toda a ordem e na abertura de ligações novas que sirvam centros populacionais, concentrações de trânsito e zonas de consumo e produção.
Nestas circunstâncias, todavia, não pode alienar-se certa morosidade relativa, que a incidência dos recursos do Plano viria mais ou menos compensar.
Não defendo a ideia de se entrar desde já para as estradas de Angola num sistema oneroso de pavimentação, em moldes semelhantes aos que estamos a seguir na metrópole. Tenho sempre presente que as condições diferem por inteiro num país como o nosso - já em maturidade - e naqueles que se encontram ainda em crescimento, cobrindo um vasto território de escassa ocupação e sofrendo por vezes contingências por certa instabilidade das zonas preferidas pelas correntes livres de colonização.
Concretizando mais uma destas questões de pormenor, é evidente que, dentro dos rendimentos que em múltiplos aspectos o trânsito faculta, não é igualmente comportado o custo de uma estrada que seja construída num país europeu - onde as povoações se espaçam em distâncias de 2 ou 3 km - ou num dos territórios do interior do Brasil ou da África - onde se multiplique o afastamento para a ordem das dezenas ou centenas.
Não pretendo portanto, salvo incidentalmente, a esfaltagem de estradas. Mas se ocorrer a oportunidade de reforçar os fundos que ao Plano se atribuem, permito-me fazer a sugestão de que se considere, na parte que respeita aos trabalhos de Angola, a construção de um bloco de obras de arte, na rede rodoviária, na qual se incluam - para pavimentação definitiva neste caso restrito - os troços de estrada sujeitos a alagar-se durante certos meses da época das chuvas.
Na parte que é de interesse para o fomento mineiro, destina-se a pesquisas uma importância de 32:000 contos.
Para a prosperidade da província, sem descurar a consolidação e o progressivo aumento das suas condições de actividade agrícola, é evidente a importância de se desenvolver o campo industrial e a exploração mineira.
Tanto as despesas como as diligências que o Governo empregar neste sentido contribuirão também, por seus efeitos, para dar maior incremento à colonização de feição livre, que continuará sendo um complemento - valioso e indispensável - da colonização orientada. E é assim, tanto pela mão-de-obra especializada que os trabalhos requerem como pêlos aumentos de consumo, de vária natureza, nos quais se inclui a produção rural.
O Plano de Fomento relativo à metrópole incide também, no campo das indústrias e minas, sobre uma série de empreendimentos de cuja actividade pode esperar-se, entre outros benefícios: índice mais alto de rendimento médio do trabalho, melhor nível de vida e mais ampla absorção dos nossos excedentes demográficos.
Pelo que respeita a Angola, não posso investigar até que ponto se têm de atender limitações relacionadas com as possibilidades de fazer produzir trabalho útil, dentro deste sector, visto ter de contar-se com a avaliação das perspectivas e as disponibilidades de operários e de técnicos. Em qualquer caso, julgo pertinente a afirmação de que, quando as circunstâncias consentirem, haverá grande interesso em ampliar os meios do ocorrer ao fomento mineiro e industrial.
Sem falar do ramo importantíssimo da extracção de diamantes - que, além de se bastar sobejamente, tem facultado ao Estado lucros muito avultados -, nem mesmo referir o manganês - que tem contribuído já, notavelmente, para o volume da matéria exportável -, sem me deter ainda a enumerar o caso de outras minas e de algumas indústrias estabelecidas, que alcançaram um certo desafogo ou boas condições de independência, o certo é que existem em Angola muitas actividades deste género, tanto em exploração como em projecto, cujo progresso terá de impulsionar-se.
A título de exemplo, julgo de mencionar, pela importância que de certeza têm:
A indústria das carnes, com base no fomento pecuário, que pode considerar-se a maior riqueza em perspectiva de todo o Sul de Angola; sobre uma produção possível de 300 000 rezes anuais, pode projectar-se, quanto a ela, um aproveitamento integral, em larga escala, tanto de produtos como de subprodutos;
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A indústria da pesca, que ocupa há muito lugar proeminente entre as modalidades de exploração que estão já instaladas na província, necessita de unidades industriais perfeitas, que por ora não tem, as quais abranjam desde os barcos e da aparelhagem respectiva aos estabelecimentos para transformação de parte dos produtos e para utilizar os derivados;
A exploração de urânio e de outros minerais radioactivos, sem descurar também a exploração aurífera, que parece mostrar-se animadora;
A industrialização dos carvões e grés asfálticos, verificando-se já que as reservas de produtos carboníferos-asfalticos são mais do que suficientes para manter em laboração contínua, durante largo período de tempo, uma instalação para tratamento de produtos petrolíferos, estando já demonstrada a viabilidade do empreendimento por estudos realizados em laboratórios nacionais e estrangeiros;
A extracção dos asfaltos naturais, incluindo o fabrico de produtos industrializados, para revestimentos betuminosos em estradas, arruamentos, pistas de aviação e trabalhos de impermeabilização em construção civil.
Só pelo que respeita à produção de combustíveis se podem conseguir inúmeras vantagens, com notável reflexo nos interesses de Angola. Se a ela se atender como convém, reduzir-se-á o preço dos transportes por estrada e via férrea; poderá evitar-se em grande parte, pela diminuição do consumo de lenha, que continue a haver destruição das mantas florestais e se abra assim caminho à erosão; diminuir-se-á sensivelmente a exportação de divisas, e poderá ficar-se mais independente para enfrentar os casos de emergência.
E, para concluir, Sr. Presidente, vou expor apenas um assunto mais.
Entre as medidas de vincado relevo que se comportam no presente diploma, na parte respeitante ao ultramar, figura a criação de um banco de fomento, cuja acção, no futuro, poderá ampliar-se a todo o território, prevendo-se contudo, desde já, que opere nas províncias de Angola e Moçambique.
Sabido, como é, que aumenta sempre, em cada uma delas, a capacidade de absorção de crédito, a médio e a longo prazo, e conhecendo-se, por outro lado, a rarefacção relativa dos meios disponíveis para este efeito - sempre mais cautelosos nestas modalidades do que na concessão, a curto prazo, do crédito ao comércio -, a instituição desse estabelecimento produzirá por certo imensos benefícios.
É certo que, ao contrário do que se verifica nos países antigos, aqueles que ainda estão em formação não têm condições que favoreçam a especialização de organismos bancários. Numa nação dispersa como a nossa a especialização vem, em primeira fase, com a criação dos Lanços privativos de cada território, na medida em que isso se justifica e sem se separarem as funções.
É o caso de Angola, onde se constatou, há muito tempo, toda a conveniência de ter um banco próprio, podendo concentrar toda a atenção sobre o conjunto, cada vez mais complexo, dos seus muitos problemas e das suas feições particulares de vida e de trabalho. E pode afirmar-se que ele tem cumprido bem, em todas as formas que a sua acção reveste.
O Banco de Angola tem já li á alguns anos um departamento de fomento para fazer face as necessidades do crédito agrícola, industrial e hipotecário. Devem prestar-se por esta iniciativa todas as homenagens ao antigo Ministro das Colónias Dr. Marcelo Caetano, tendo em vista os excelentes resultados que por ele se têm alcançado.
É indubitável, todavia, que o desenvolvimento da província, sempre em passo mais rápido, irá absorver também completam ente a actividade deste novo banco que agora se institui. E mesmo de prever que dentro de algum tempo ele tenha de encarar necessidades de capital maior.
Observo por isso que parece indicado manter a funcionar juntamente com ele o departamento de fomento que está já instalado e que dispõe de todas as vantagens de unia organização segura e experimentada.
São estes os pontos que desejava focar.
Antes de concluir, renovo a expressão da esperança com que aguardo que seja executado o presente diploma.
Durante a vigência da lei que o precedeu, servindo igual propósito, foi por vezes possível exceder a previsão.
Os meus votos são para que a circunstância se repila e, onde venha a notar-se que sobraram os meios, eles se apliquem, com a prioridade que melhor convenha, nos gastos que tiveram de excluir-se pela prudência de contas que o bom senso ditou.
E não quero sair desta tribuna sem uma palavra de reconhecimento dirigida ao Governo. Digo-lha por intermédio do Sr. Presidente do Conselho, a cuja inspiração se deve mais um passo para nos acrescentar o orgulho português.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão por uns momentos.
Eram 18 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: - Acabam de chegar à Mesa umas propostas, enviadas pelo Governo, de alteração à proposta de lei relativa ao Plano de Fomento, que tem estado em discussão na Assembleia.
São bastante extensas essas propostas, e eu aproveitei estes minutos de interrupção para as resumir. Essas propostas constam do seguinte: por elas altera-se o esquema dos aproveitamentos hidroeléctricos, prevendo-se expressamente a construção de uma central no Douro, em local a determinar depois da conclusão dos respectivos estudos, e ainda a conclusão dos sistemas do Zêzere e do Cávado, com centrais, respectivamente, na Bouça e Paradela.
Prevê-se também, de modo expresso, a recuperação e colonização dos sapais do Algarve.
Por último o Governo prevê a possibilidade de reduzir os investimentos num dos navios da carreira de África e nos C. T. T., habilitando a Assembleia a incluir no Plano a electrificação do caminho de ferro até ao Entroncamento.
Estas propostas vão ser publicadas no Diário das Sessões, para serem oportunamente submetidas à apreciação da Assembleia.
Antes de encerrar a sessão quero indicar à Câmara a ordem dos nossos trabalhos.
Convenci-me de que não é possível concluirmos a discussão do Plano de Fomento na próxima segunda-feira, e, nestas circunstâncias, não devo sujeitar a Assembleia, à violência de mais uma sessão de manhã. Portanto, na segunda-feira não haverá sessão de ma-
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nhã e a ordem do dia da sessão da tarde começará com a discussão da lei de autorização do receitas e despesas, visto essa discussão ter de acabar, impreterivelmente, nesse dia.
Se nos sobrar tempo dessa discussão, continuará ainda na mesma sessão o debate sobro o Plano de Fomento Nacional.
Se porventura não conseguirmos acabar, como é natural, a discussão sobre o Plano de Fomento Nacional, ela será dada para ordem do dia da sessão seguinte.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António Jacinto Ferreira.
Armando Cândido de Medeiros.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Ricardo Malhou Durão.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
António de Almeida.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos de Azevedo Mendes.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Cardoso de Matos.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pinto Meneres.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cerqueira Gomes.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
Propostas de alteração a que se referiu o Sr. Presidente no final da sessão:
I
1. Ao estabelecer-se o quadro dos aproveitamentos hidroeléctricos do Plano de Fomento, deixaram-se intencionalmente por discriminar os relativos à bacia hidrográfica do Douro.
Os trabalhos efectuados para o reconhecimento das possibilidades energéticas e económicas de certos aproveitamentos desse rio criaram durante muito tempo um condicionalismo economicamente adverso à prioridade da sua realização, como consequência da insuficiente regularização dos caudais, da excessiva desproporção entre aquelas disponibilidades e as necessidades reais do País e do afastamento de alguns dos principais centros de consumo.
Daí a razão que levou a relegar para o grupo das realizações menos urgentes o prosseguimento dos estudos sobre o aproveitamento desse rio e, principalmente, do seu troço internacional, apesar de se saber que nele se encontram concentradas as mais ricas fontes nacionais de produção de energia.
Concluído, porém, o esquema inicial das grandes linhas de interligação e transporte e perante a previsão do desenvolvimento do consumo nos anos mais próximos, o problema do aproveitamento do Douro não poderia deixar de começar a ocupar um lugar de primeiro plano nas preocupações do Governo.
Nessa conformidade se decidiu, em meados de 1951 e no quadro do auxílio técnico do Plano Marshall, confiar o primeiro estudo de conjunto das possibilidades de aproveitamento da bacia hidrográfica do Douro - produção de energia eléctrica, navegação, rega e domínio das cheias - a uma firma americana da especialidade, que acaba de entregar o seu relatório prévio, a que se seguirá o definitivo dentro de curto prazo.
Conquanto mereçam séria ponderação e estudo alguns dos critérios e conclusões que se propõem nesse relatório, um primeiro problema de primordial importância parece, por agora, dever ser colocado em segundo plano - o da melhoria das actuais condições de navegação do Douro, que exige obras de excessivo custo, principalmente na parte terminal do curso do rio.
Essa circunstância conduz a um novo exame do problema do aproveitamento do Douro, por isso que, até há pouco, a preocupação da navegabilidade constituía um dos princípios fundamentais da orientação seguida no seu estudo e um dos argumentos sempre apresentados a favor da prioridade das obras de aproveitamento do Douro nacional.
Não pode, porém, esquecer-se que a realização prática dos critérios e soluções agora sugeridos levanta problemas de melindre, como o da coordenação mais profunda da exploração de centrais pertencentes a empresas diferentes; o da antecipação substancial da construção de uma nova rede de transporte a tensão mais alta do que a actual e das respectivas subestações; e o de um volumoso complemento térmico anual à custa de carvões nacionais necessários à instalação da siderurgia. Há por isso que aguardar a conclusão dos estudos para se tomar a devida posição.
Do confronto das possibilidades de produção hidroeléctrica do rio Douro com as necessidades correspondentes à evolução do consumo, dados demais os progressos realizados na regularização de outros caudais, resulta a convicção segura de que se impõe a construção de um aproveitamento nesse rio; mas de todas as considerações expostas resulta também, por agora, a incerteza acerca da sua localização mais conveniente.
A Câmara Corporativa sugere também a inclusão dos aproveitamentos da Bouça e Para dela no programa hidroeléctrico do Governo. Essa sugestão é do maior interesse e só não foi adoptada no Plano porque, por um lado, a limitação dos recursos financeiros impunha a maior prudência no estabelecimento dos esquemas de obras e, por outro lado, a conclusão recente dos projectos desses dois aproveitamentos não teria permitido tomar sobre eles uma posição bem fundamentada na época em que o Plano foi elaborado.
Não há dúvida, porém, de que a irregularidade actual dos caudais do Douro e a impossibilidade de constituir albufeiras de regularização no seu próprio vale implicam a necessidade de conjugar o seu aproveitamento com outras albufeiras a criar em outros rios, através de cuja utilização se possa transformar em energia permanente ou quase permanente uma parte apreciável das suas torrentes caudalosas, que, isoladamente, não podem ter utilização proveitosa do ponto de vista económico.
Foi esta ideia, que se traduz no imperativo de prosseguir na construção de grandes albufeiras de regularização ou no aproveitamento integral das existentes, que levou a incluir no Plano a rubrica »Bacia hidrográfica do Douro», a qual devia ser entendida no sentido de
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abranger, além de uma central no Douro, uma ou mais centrais regularizarias que poderiam construir-se em alguns dos seus afluentes.
No momento presente, contudo, a existência dos projectos idos aproveitamentos da Bouça e Paradela, que oferecem a vantagem de completar os sistemas do Zêzere e do Cávado, de acordo com o estabelecido nos cadernos de encargos das respectivas concessões; a circunstância de se poder contar com uma execução relativamente rápida desses aproveitamentos - cuja produção é, aliás, indispensável à satisfação das exigências do consumo - antes que possa entrar em serviço a central do Douro; as vantagens económicas que hão-de resultar da utilização dos equipamentos já adquiridos para a construção das restantes obras levadas a efeito nos mesmos rios e, bem assim, da larga experiência obtida pelas empresas concessionárias; a facilidade de ligação das centrais da Bouça e Paradela à rede de transporte, com encargos pouco avultados e contribuindo, além disso, para melhorar o rendimento económico das instalações existentes; tudo são razões que aconselham a prioridade actual de construção destas centrais.
3. A revisão do quadro de aproveitamentos hidroeléctricos nos termos expostos e uma nova avaliação das possibilidades de produção das centrais, feita agora à luz da experiência já colhida no ano de 1952, permitem estabelecer um novo quadro de disponibilidades do energia hidroeléctrica mais favorável e certamente mais próximo da realidade do que aquele que figura no relatório do Plano enviado à Assembleia Nacional.
Efectivamente as previsões de produção de energia para o próximo sexénio, segundo o esquema agora proposto, serão as seguintes:
[Ver Tabela na Imagem]
Nestas condições, as possibilidades de produção previstas no quadro anterior permitirão ocorrer ao desenvolvimento normal do consumo e cobrir os presumíveis deficits de energia hidráulica a partir de 1958:
[Ver Tabela na Imagem]
São de manter as estimativas de consumo constantes do relatório do Plano, por corresponderem a um critério de avaliação mais prudente e as taxas de crescimento utilizadas serem mais próximas das taxas médias mundiais e do próprio ritmo de expansão das necessidades do País.
4. No que respeita a encargos, as alterações introduzidas no esquema inicial terão como consequência a substituição da verba de 750:000 contos atribuída à bacia hidrográfica do Douro pelas seguintes:
[Ver Tabela na Imagem]
Os investimentos ultrapassam, assim, em 230:000 contos a verba inicial, sem contar com os encargos de adaptação do esquema de linhas de transporte à solução que vier a ser adoptada para o Douro e que, na hipótese mais custosa, se prevê poderão ser cobertos pela capacidade de autofinancianiento que o parecer da Câmara Corporativa atribui à Companhia Nacional de Electricidade, a cujo cargo ficará certamente a respectiva construção. Julga-se, por outro lado, que o apoio térmico não virá a custar mais de 170:000 contos, com a diminuição de 30:000 em relação ao constante do Plano, pelo que o aumento total dos investimentos se reduz a 200:000 contos. O Governo, revistos os cálculos feitos para encontrar as coberturas do Plano de Fomento, está convencido de que o aumento resultante destas alterações cabe ainda dentro das margens de segurança que estavam previstas.
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388 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 183
II
No relatório do Plano prevê-se também o enxugo de terrenos sujeitos ao afluxo das marés, nomeadamente dos situados ao longo do litoral algarvio, que abrangem lima superfície improdutiva superior a 10 000 ha, distribuída pelos concelhos de Castro Marim, Vila Real de Santo António, Tavira, Olhão, Faro, Loulé, Portimão e Lagos.
Para essa obra previu-se a respectiva verba, a qual se encontra incluída na dotação global de 240:000 contos atribuída à colonização interna para trabalhos a efectuar nas áreas beneficiadas pelas obras de fomento hidroagrícola.
Os reconhecimentos efectuados e os projectos dos serviços permitem encarar a possibilidade da recuperação económica de 3 000 ha destes terrenos durante o próximo sexénio.
Essa recuperação deverá ser feita com base nos seguintes trabalhos:
a) Defesa dos terrenos contra a invasão das águas do mar, por meio da construção de pequenos diques e guarda-matos;
b) Dessalga por lavagem com água doce obtida pelo armazenamento das chuvas em albufeiras situadas fora das zonas beneficiadas ou captada no próprio terreno por meio de furos artesianos.
Estes terrenos, uma vez adaptados à exploração agro-pecuária, apresentarão elevado grau de produtividade, particularmente para as culturas do milho, batata, produtos hortícolas e forragens.
Prevê-se que, por hectare, o custo das obras de defesa, dessalgamento e rega não vá além de 20.000$, o que representa para os 3 000 ha um dispêndio total de 60:000 contos, a realizar através dos serviços competentes do Ministério das Obras Públicas.
Nestes termos, a inclusão da respectiva verba entre as dotações atribuídas à colonização interna será vantajosamente substituída pela inscrição de unia dotação especial entre as obras de hidráulica agrícola previstas no Plano.
Mas esta transformação de terreno improdutivo em solo entregue à cultura intensiva de regadio só se conseguirá efectivamente tal como sucede na passagem do sequeiro extensivo ao regadio intensivo desde que se recorra à eficiência da empresa familiar, à qual se deve a modificação de grande parte do País, incluindo o próprio Algarve.
Torna-se, pois, necessário promover a colonização dos terrenos à medida que vão sendo executadas as diferentes operações de adaptação ao regadio.
A verba a prever para tal fim e a inserir entre as destinadas à colonização interna pode calcular-se em 80:000 contos.
III
No relatório da proposta de lei sobre o Plano afirma-se a necessidade de assegurar o equilíbrio económico da exploração ferroviária e reconhece-se que a electrificação da rede, nos troços de maior intensidade do tráfego, constitui um dos meios de atingir essa finalidade.
A insuficiência prevista da produção de energia eléctrica para satisfazer as exigências gerais do consumo e, sobretudo, o limite imposto à cobertura do Plano pela avaliação cuidadosa dos meios de financiamento levaram a encarar a necessidade de adiar por algum tempo a realização daquele empreendimento.
O novo esquema de aproveitamentos hidroeléctricos proposto pelo Governo e a possibilidade agora reconhecida de, sem grave inconveniente, se reduzirem verbas afectadas a outros investimentos tornam possível o reexame do problema.
Com efeito, o facto de estarem já encomendados dois navios para as carreiras de Africa, além dos constantes do Planos e ainda a próxima organização de uma companhia nacional de aviação, com meios modernos e elevada capacidade de transporte, permitem deixar para melhor oportunidade a construção de um daqueles navios e reduzir em 200:000 contos o montante dos investimentos.
Por outro lado, o Governo reconhece que, dadas as possibilidades de autafinanciamento dos CTT, se pode reduzir também em 100:000 contos a dotação que inicialmente lhes foi atribuída sem que com isso se modifique sensivelmente o ritmo das realizações previstas.
Oferecem-se estes elementos à consideração da Assembleia para a habilitar a decidir se, mediante as compensações acima referidas, deve reforçar com 300:000 contos a verba atribuída no Plano aos caminhos de ferro e tornar, assim, possível a electrificação até ao Entroncamento.
IV
Em harmonia com as considerações constantes dos n.ºs I e II, o Governo tem a honra de submeter à apreciação da Assembleia Nacional as seguintes propostas:
1.º Que às alíneas a) e V) do n.º I da parte n do mapa I anexo ao Plano sejam feitas as seguintes alterações:
a) Na alínea a):
Acrescentar aos aproveitamentos hidroeléctricos:
Contos
Paradela ...... 370:000
ouça. ....... 180:000
Substituir: «Bacia hidrográfica do Douro (1.ª fase) - 750:000 contos» por: «Central no Douro - 430:000 contos».
b) Na alínea b):
Substituir: «Apoio térmico - 200:000 contos» por: «Apoio térmico - 170:000 contos».
2.º Que os n.ºs 1) e 3) da parte I do mesmo mapa sejam alterados do seguinte modo:
a) Que se reduza para 150:000 contos a verba de 240:000 inscrita na alínea c) do n.º 3);
b) Que ao n.º 1) se adite a seguinte alínea: g) Enxugo de terrenos improdutivos, denominados «sapais algarvios» - 60:000 contos;
c) Que no n.º 3) se insira a seguinte nova alínea:
í) Colonização dos terrenos a que se refere a alínea g) do n.º 1 - 30:000 contos.
Lisboa, 13 de Dezembro de 1952. - O Ministro das Finanças, Artur Águedo de Oliveira.- O Ministro da Marinha, Américo Deus Rodrigues Thomaz.- O Ministro das Obras Públicas, José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich.- O Ministro do Ultramar, Manuel Maria Sarmento Rodrigues. - O Ministro da Economia, Ulisses Cruz de Aguiar Cortes.- O Ministro das Comunicações, Manuel Gomes de Araújo.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA