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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 192

ANO DE 1953 24 DE JANEIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

V LEGISLATURA

SESSÃO N.° 192, EM 23 DE JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
Délio Nobre Santos

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 190 e 191 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Amaral Neto anunciou um aviso prévio sobre a acção do Estado na melhoria das habitações dos trabalhadores.
O Sr. Deputado Pinto Barriga renovou e actualizou o aviso prévio que em 1951 apresentara acerca da coordenação económica dos transportes.

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate sobre a proposta de lei relativa à Carta Orgânica do Ultramar.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Castilho de Noronha e Sousa Pinto.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 55 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Bartolomeu Gromicho.
António Gaiteiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.

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Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Luís da Silva Dias.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 66 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 190 e 191 do Diário das Sessões.

O Sr. Pinto Barriga: - Pedi a palavra para fazer a seguinte rectificação ao Diário das Sessões n.° 190: a p. 499, col. 1.ª, 1. 10.ª, onde se lê: «simplificar», deve ler-se: «significar».

O Sr. Sócrates da Costa: - Pedi a palavra para fazer as seguintes rectificações ao Diário doa Sessões n.° 191: a p. 513, col. 2.ª, 1. 1.ª, onde se lê: «adequada à satisfação geográfica -, deve ler-se: «adequada à situação geográfica»; a p. 510, col. 1.ª, 1. 6.ª onde se lê: «como com rigor», deve ler-se: «como sem rigor»; a p. 016, col. 1.ª, 1. 7.ª, onde se lê: «Teorias a esse ideal», deve ler-se: «Teorias e esse ideal»; na mesma página, col. 2.ª, 1. 13.ª, onde se, lê: as sua perfeição», deve ler-se: «a sua perfeita».

O Sr. Presidente: - Não havendo mais nenhum Sr. Deputado que peça a palavra sobre estes números do Diário das Sessões, considero-os aprovados com as reclamações apresentadas.
Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Da Associação Comercial de Lourenço Marques dando conta do grande interesse que ali despertaram as declarações do Sr. Deputado Henrique Tenreiro sobre a recente viagem a África dos dirigentes da União Nacional.
Vários pedindo para ser submetido à apreciação da Assembleia Nacional o aviso prévio do Sr. Deputado Pinto Barriga acerca da defesa dos interesses dos industriais de transportes.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos fornecidos por vários Ministérios em satisfação do requerimento apresentado conjuntamente pelos Srs. Deputados Paulo Cancela de Abreu e Carlos Moreira.
Estão igualmente na Mesa, fornecidos pelos Ministérios das Finanças, do Exército, do Ultramar, da Educação Nacional e das Corporações, os elementos solicitados pelo Sr. Deputado Carlos Moreira.
Estes elementos vão. ser entregues àqueles Srs. Deputados.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Amaral Neto.

O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: pedi a palavra para, antes de mais nada, apresentar o seguinte

Aviso prévio

«Preocupado pelo possível abrandamento dos esforços; do Estado em prol da melhoria das habitações dos trabalhadores, quer dos campos quer das cidades, desejo tratar desta questão em aviso prévio, propondo-me mostrar:

1.° Que, apesar da premência das outras realizações mais directa e imediatamente reprodutivas, importa não afrouxar nesta obra, antes pelo contrário, a fim de evitar que se agrave o atraso nacional na matéria; e
2.° Que, embora o problema tenha sido atacado» com inteligência e vontade por um sistema amplo de soluções, há ainda lugar para novas e prometedoras modalidades».

E agora, aproveitando o ensejo de ter entrado no uso da palavra, desejo congratular-me, com todos os que neste país vivem nos campos e mais com os que têm cargos de administração local, pela publicação do Decreto-Lei n.° 39 081, que vem garantir, por mais três anos, a possibilidade de subirem até 75 por cento dos custos as comparticipações do Estado para melhoramentos rurais.
Trata-se de uma grande vantagem, de que hão-de aproveitar sobretudo os pequenos municípios.
E, congratulando-me por ela, não quero deixar de formular o voto veemente de que não venha a vigorar só pelo curto prazo agora marcado, de que a seu tempo se torne em benefício definitivo.
Não tenho dúvidas de que a promulgação deste decreto-lei se deve à feliz compreensão da sua importância e do seu alcance, como à contemplação dos resultados obtidos, por parte de S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho e do Sr. Ministro das Finanças, mas não tenho, tão-pouco, dúvidas de que o carinho do Sr. Ministro das Obras Públicas pela vida e acção das pequenas autarquias foi o primeiro motor da iniciativa e o seu zelo por este, como pelos demais negócios do seu departamento, a força eficiente da aprovação dela.
Como administrador de um município, não devo a S. Ex.ª um único despacho que não tivesse pedido de cabeça erguida o esperado como justo auxílio do Estado, embora lhe deva o bom entendimento de muitas dificuldades e o estudo pronto das suas soluções; sinto-me, pois, muito à vontade para, sem pecha de lisonja, pôr em relevo nesta Assembleia o desvelo de S. Ex.ª pelos

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problemas municipais e afirmar-lhe que ele é devidamente apreciado.
Tenho procurado não perder aqui ocasião de salientar e pormenorizar as atribulações das autarquias locais, das mais pobres e mais modestas sobretudo, e tenho afirmado a convicção de que nem sempre o Estado reparte equitativamente com elas o fardo comum dos problemas públicos; dobrada razão tenho agora para registar com apreço unia sólida ajuda como esta é. E, enaltecendo-a, não posso esquecer justamente que ela vem ainda do mesmo sector da Administração onde os municípios têm ultimamente encontrado mais sinais tangíveis de compreensão das suas dificuldades e insuficiências e donde têm recebido os mais sérios alentos para a prossecução das suas ingratas tarefas: ingratas, mas essenciais à própria vida da Nação.
Se a esta Assembleia fossem lícitas iniciativas em matéria de despesas, eu procuraria que, ao vir o decreto-lei a ratificação, esta lhe fosse concedida com emendas que o tornassem em medida definitiva. Tais como as coisas são, tenho de limitar-me a manifestar a esperança e repetir o voto de que, ao findar a sua vigência, daqui a três anos, as suas felizes disposições sejam renovadas e prolongadas por tanto tempo quanto as circunstâncias permitam.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: na sessão n.° 107, de 1951, anunciei um aviso prévio sobre a coordenação de transportes que ainda não se pôde efectivar, reconheço-o muito lealmente, por aglomeração de assuntos nas nossas ordens do dia e, assim, assiste-me inegável e regimentalmente o direito de o substituir e actualizar, o que faço:
Desejo tratar em aviso prévio, nos termos regimentais e constitucionais, depois de prestar a justa homenagem ao Governo e aos representantes dó Estado na C. P., da coordenação económica de transportes.
No desenvolvimento deste aviso prévio procurarei demonstrar:
1.° A necessidade imperiosa e inadiável, em face das realidades demarcadas pelo volume excepcional dos encargos e responsabilidades que o Estado assumiu no financiamento dos caminhos .de ferro, da insuficiência e da despotencialização manifestas dos capitais privados investidos neste ramo, de ventilar o magno problema da sua nacionalização, mas realizada para bem longe de uma estatização, de forma que se não continue a afirmar que a sociedade anónima é, para essa respectiva função económica, a forma mais racional de uma óptima administração, o que significaria que, por agora, colectivizamos e nacionalizamos os encargos, mas os proventos e vantagens continuariam individualizados pelo anonimato;
2.° A carência de um actualizado código da estrada e de uma polícia seguramente eficiente, não só criando receitas para o Estado pelas multas, mas sentindo-se eficazmente a sua presença nas vias públicas;
3.° A urgência do um planeamento económico, coordenando transportes ferroviários e rodoviários, que não permita que o autotransportador gananciosa e astuciosamente saia para fora do seu limitado e natural âmbito legal e económico, e que não se procurem também eliminar, por forma demasiadamente simplista, as dificuldades relativas de coordenação, pelo esmagamento fiscal dos transportadores rodoviários, já bem saturados tributàriamente;
4.° A actualização e coordenação dos transportes nas grandes urbes deve fazer-se à luz, escala e óptica nacionais, e não municipais, com uma adequada revisão, sendo necessário, por imprevisão, nos moldes britânicos, das concessões de exclusivo monopolista.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei orgânica do ultramar. Tem a palavra o Sr. Deputado Castilho Noronha.

O Sr. Castilho Noronha: - Sr. Presidente: é em virtude de uma das atribuições que, pelo disposto na alínea a) do artigo 150.° da Constituição lhe competem, que a Assembleia Nacional está apreciando o presente projecto da proposta, de lei sobre o regime geral do governo das províncias ultramarinas.
Seria escusado encarecer a importância da proposta.
Ela será, nos termos em que for aprovada e promulgada, a lei orgânica das províncias ultramarinas, com larga e profunda repercussão na sua organização político-administrativa e na sua vida financeira.
Desponta, pois, um novo ciclo, unia nova fase da evolução dessas parcelas do território nacional, cujo progresso e desenvolvimento contribuirá para um Portugal maior, que deve ser a ambição de todo o português que se preze.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não pode por isso passar sem palavras de caloroso aplauso a iniciativa do Governo, que, apresentando a proposta em discussão, vem provar mais uma vez a solicitude, o interesse que lhe merecem esses pedaços de Portugal espalhados por vários continentes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Incontestàvelmente, as disposições mais importantes da proposta são aquelas em que se concretiza o preceito constitucional que garante às províncias ultramarinas a descentralização administrativa e a autonomia financeira compatíveis com a Constituição e com o seu estado de desenvolvimento e os recursos próprios.
A ideia de autonomia, tão contrária à de assimilação ou integração das colónias na metrópole, não é nova na administração ultramarina portuguesa.
Não me deterei no Alvará de 10 de Setembro de 1811, que criou nas capitais dos domínios ultramarinos umas juntas sob a presidência do governador, com atribuições de carácter administrativo para obviar «aos mui atendíveis prejuízos que sofrem os residentes nos domínios ultramarinos, ocasionados pelas demoras e delongas com que se embaraça e protela a final decisão dos negócios, especialmente dos forenses, em todos aqueles casos e incidentes em que se faz necessário recorrer a instâncias superiores; nem no Decreto de 7 de Dezembro de 1836, que é justamente considerado como a primeira carta orgânica do ultramar português, e que, além de instituir no ultramar juntas gerais, criadas para a metrópole por Decreto de 18 de Julho de 1835, mandou organizar um Conselho do Groverno, do qual faziam parte os chefes dos serviços judiciais, militar, fiscal e ecle-

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siástico, dois conselheiros escolhidos pelo governador entre os quatro membros mais votados das juntas, podendo ainda ser-lhe adidos mais quatro cidadãos probos e inteligentes para fazer examinar a legislação moderna e mandar pôr em prática a parte ou o todo de qualquer lei ou decreto que fosse exequível, dando parte motivada ao Governo; nem no notável Decreto de 1 de Dezembro de 1869, de Rebelo da Silva, em que este eminente estadista, depois de afirmar que o estado de algumas das nossas possessões não só consente mas aconselha a reforma das instituições administrativas na parte em que uma prudente descentralização pode conceder à iniciativa local acção mais ampla, acrescentava:
É essencial para os progressos coloniais a intervenção dos interessados na proposta, a deliberação dos meios mais oportunos de melhorar o estado sanitário, de aumentar o número de escolas, de cortar de vias de comunicação largos tratos de território até hoje impenetrável.
Todos esses valiosos depoimentos que acabo de citar sugerem um mundo de considerações que muito longe me levariam.
Farei, porém, especial referência ao Decreto de 3 de Novembro de 1881, que se propunha aplicar às províncias ultramarinas um novo código administrativo, em substituição da carta orgânica de Rebelo da Silva e do código de 1842.
São desse decreto as seguintes palavras:

Sujeitas u evolução do espírito humano, necessitam as leis de ser modificadas, acompanhando gradualmente a civilização no seu movimento ascensional: não há leis perpétuas porque não há sociedades estacionárias.

E mais isto: é necessário chamar o elemento indígena às funções públicas, fazendo-o interessar nos negócios da colónia; no dia em que, por exemplo, na Índia, a mais adiantada das nossas possessões, o gentio e o mouro, o brâmane e o sudra, forem chamados ao exercício das funções públicas, reconhecida a sua igualdade civil e política perante a lei, aquela província não será apenas um colónia ...
O projecto do Código de 1881 constituía um Conselho do Governo com membros não funcionários e tornava electivas, na totalidade, as juntas gerais, com larga intervenção na administração da província.
Não foi estranha à ideia da descentralização a criação dos comissários régios em 1890.
Foi em 1911 que pela primeira vez se consagrou, em texto constitucional, a doutrina da descentralização.
Três anos depois, o então Ministro das Colónias, Dr. Artur de Almeida Ribeiro, ainda hoje tão respeitado pelas altas qualidades de homem público de excepcional envergadura que foi, elaborou o projecto da lei orgânica da administração civil e financeira das colónias.
Palpita nesse valorosíssimo trabalho um espírito dotado de assombrosa largueza de visão.
Sóbrio nas concessões que fez, sem exageros descabidos, que, se poderiam reunir à volta do seu nome entusiasmos fáceis, poderiam também ser prejudiciais às próprias colónias interessadas, Almeida Ribeiro opôs-se tenazmente à ideia de centralizar toda a administração colonial na Secretaria de Estado a seu cargo.
Depois das bases de 15 do Agosto de 1914, às quais acabo do mo referir, foram publicados vários diplomas sobre o assunto. Alguns deles representam rasgadas iniciativas de descentralização. Noutros, porém, ou seja no de 3926, que informou os que se lhe seguiram, é manifesta a tendência regressiva, a tal ponto que o próprio Ministro que referendou as bases de 1926 as classificou do marcha à ré.
Hoje está em vigor a Carta Orgânica, aprovada pela Lei n.° 2 016, de 29 de Maio de 1946. Será ela substituída pelo estatuto político-administrativo de cada uma das províncias ultramarinas que for publicado de acordo com os preceitos da presente proposta que a Assembleia Nacional aprovar.
Concederá a proposta às províncias ultramarinas autonomia em maior grau? Vejamos.
A proposta, tratando dos órgãos do Governo, divide as províncias ultramarinas em dois grupos: as de governo-geral - Angola, Moçambique e índia- e as de governo simples - Cabo Verde, S. Tomé, Guiné, Macau e Timor.
Limito as minhas considerações às primeiras.
Para que se assegure a ingerência dos elementos locais, é criado um Conselho Legislativo, constituído só por vogais, todos eleitos.
E uma inovação e para melhor, não haja dúvida. Hoje o Conselho do Governo é de composição mista. E constituído por vogais natos, vogais nomeados pelo governador e vogais eleitos. Estes últimos são em minoria em relação aos natos e nomeados.
Mas, não obstante a nova composição que a proposta dá ao Conselho Legislativo, o voto deste órgão, com funções deliberativas, não terá mais valor e eficiência do que o do actual Conselho do Governo, com funções meramente consultivas.

O Sr. Melo Machado: - A V. Ex.ª parece-lhe que nesse aspecto de maior autonomia a lei não traz vantagens às províncias ultramarinas?

O Orador: - Parece-me que as não trará. É que, segundo a proposta, se o governador não concordar com o que for aprovado pelo Conselho, adiará a publicação e submeterá logo o assunto a resolução do Ministro, expondo-lhe as razões da sua divergência.
É precisamente o que está estabelecido na Carta Orgânica em vigor, que no seu artigo 45.° diz:

O governador submeterá ao Ministro das Colónias a resolução dos casos em que se não conformar com o voto do Conselho do Governo, expondo os motivos da sua divergência.

Assim, temos que o Conselho Legislativo, composto todo de vogais eleitos, com funções deliberativas, da proposta, e o Conselho do Governo da vigente Carta Orgânica, de composição mista, com funções consultivas, se equivalem.

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª acha inconveniente que o governador possa suspender as deliberações do Conselho Legislativo?

O Orador: - Acho, sim senhor.
Evidentemente, a divergência entre o governador e o Conselho cria, tanto para um como para o outro, uma situação embaraçosa, tornando inevitável o recurso ao Ministro, que terá de suprir o voto do Conselho quando entenda que este não tem razão.
Por isso, a Lei n.° 1 005, de 7 de Agosto de 1920, possivelmente no intuito de evitar tais conflitos, depois de estabelecer no n.° 2.° do artigo 4.° que o Ministro pode suprir o voto do Conselho no caso de recusa, estatuía no § único do mesmo artigo que a formalidade designada no n.° 2.° só podia ser exercida quando urgentes e imperiosas circunstâncias o exigissem.
O Conselho Legislativo, pela proposta, tem ainda contra si o disposto no n.° 1.° do artigo 7.º, em virtude do qual o Ministro pode anular ou revogar, no todo ou em parte, os diplomas legislativos dos governos das

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províncias ultramarinas quando os julgar ilegais ou inconvenientes para os interesses superiores da política nacional no ultramar.
Há um ponto em que, parece, vamos retrogradar.
Pelo artigo 75.° da Carta Orgânica em vigor qualquer dos vogais pode apresentar propostas que julgue do interesse para a colónia.
Será assim de futuro? A proposta nada diz a esse respeito. Diz, porém, clara e explicitamente, que os vogais do Conselho do Governo, ou seja do Conselho Executivo, que assistirem às sessões do Conselho Legislativo têm o direito de apresentar propostas, conquanto não possam votar.
A proposta pretendo, de facto, retirar a um vogal eleito a faculdade de apresentar propostas?
Ainda mais: o Conselho do Governo da proposta corresponde à actual Secção Permanente do Conselho do Governo. Desta faz parte pelo menos um vogal não oficial. E é razoável que assim seja. É certo que tanto o futuro Conselho do Governo como a actual Secção Permanente tom apenas funções consultivas. Mas isto não contra-indica que no Conselho do Governo haja uma voz estranha ao funcionalismo. E tanto mais quanto é certo que o Conselho do Governo tem, entre outras importantes atribuições, a de organizar o orçamento da província na fase da avaliação das receitas, bem como ao lixar as despesas.
Ora, segundo a proposta, compõem o Conselho do Governo, além de alguns altos funcionários, dois vogais nomeados anualmente pelo governador-geral, podendo a escolha recair em funcionários públicos.
Se assim for, o Conselho do Governo ficará sem elemento não oficial, ao contrário do que hoje sucede.
Não é mais lata a autonomia financeira preconizada na proposta.
Segundo a vigente Carta Orgânica, o orçamento da província não pode entrar em vigor sem autorização ou aprovação do Ministro, que anualmente determinará as províncias em que os orçamentos se elaboram por autorização e aqueles em que ficam sujeitos à aprovação.
De há uns anos, para as três províncias de governo-geral é indicada superiormente a primeira forma - autorização.
O projecto das bases, elaborado pelo governador, é discutido e votado pelo Conselho do Governo e depois remetido ao Ministério. Hoje o Ministro não intervém na fase preparatória do orçamento.
Não será assim de futuro.
O governador deve submeter o mapa da avaliação das receitas e demais recursos da província ao exame e confirmação do Ministro, que, além de verificar as condições do equilíbrio orçamental e providenciar sobre os meios de o suprir, quando for necessário, definirá a orientação que entenda dever seguir-se ao orçar as receitas ou na fixação das despesas, em vista dos planos de obras ou de fomento o das providências legislativas que forem da competência do Governo.
Depois disto é que o Conselho Legislativo disporá das receitas avaliadas, definindo - diz a proposta - os princípios a que deve ser subordinado o orçamento na parte das despesas de quantitativo não determinado por eleito de lei ou contrato preexistentes.
Resume-se nisto a autonomia financeira que a proposta concede às províncias ultramarinas.
Qual será a posição da índia em face do novo regime que se pretende estabelecer?
Eu trairia a verdade e o mandato que me foi conferido se afirmasse que a índia ficará satisfeita com esse novo regime.
A Índia foi outorgada uma descentralização administrativa muito mais ampla, uma autonomia financeira em muito maior grau. Prova-o a Carta Orgânica do Estado
da Índia, promulgada pelo Decreto n.° 3 266, de 27 de Julho de 1917.
Nos termos do artigo 6.° dessa carta, o Estado da índia constitui um organismo administrativo-financeiro autónomo, sob a superintendência e fiscalização da metrópole. E, depois de indicar nos vários números do artigo 7.° o que competia à metrópole no exercício da função de superintendência o fiscalização no governo e administração da província, estatuía no artigo 8.º:

O Governo da metrópole não tomará providências de carácter legislativo ou regulamentar sobre assuntos que directamente interessem à província sem a informação do Governo local, a não ser quando da falta de tais providencias resulte prejuízo irreparável.

Cumpre observar que esta disposição vinha das bases de 1914.
A autonomia financeira era concedida nos termos que seguem. O orçamento, elaborado pelo governador, ora discutido e votado pelo Conselho do Governo.
O Governo da metrópole não teria nenhuma acção sobre tão importante diploma? É evidente que a tinha. Depois de votado, o orçamento ora remetido ao Ministério das Colónias e aqui revisto, nos termos do artigo 30.°, que dizia:

A acção do Governo da metrópole sobre o orçamento do Estado da índia exerce-se pela verificação e correcção do cômputo das receitas e pela verificação da legalidade das despesas inscritas, evitando, quanto possível, impedir ou frustrar a iniciativa do Governo-Geral e de modo nenhum invadindo a esfera da competência deliberativa deste Governo.

São estes os traços principais da descentralização administrativa e da autonomia financeira concedidas ao Estado da Índia pela Carta Orgânica de 1917. E isto sem falar nas latas atribuições conferidas ao Governo-Geral, atribuições que, segundo a proposta, na sua grande maioria, pertencem exclusivamente ao Ministro.
É por tudo isto que a índia não pode ficar satisfeita com o que se pretende conceder-lhe.
Há ainda uma outra razão para isso.
Em 16 de Dezembro de 1U44, como já tive ocasião de relatar desta mesma tribuna, o governador-geral do Estado da Índia, Dr. José Ferreira Bessa, reuniu o Conselho do Governo, para lho fazer a seguinte comunicação:

O governador-geral está autorizado por S. Ex.ª o Ministro das Colónias a comunicar que o Governo da metrópole está disposto a propor à Assembleia Nacional um novo estatuto para o Estado da Índia, e aguarda que sejam concretizadas as aspirações locais.

Depois disto era lícito esperar que o novo estatuto satisfizesse as aspirações da Índia.
A alentar essa esperança vinha o n.° 1.° do artigo 32.° da proposta, que diz:

Conforme a tradição histórica e o preceito do artigo 1.°, n.° 4.°, da Constituição, a província portuguesa da índia designa-se «Estado da Índia» e tora organização político-administrativa correspondente, sob a autoridade de um governador-geral do Estado.

À medida, porém, que se lêem disposições ulteriores verifica-se que a realidade é bem outra, estando bem longo de corresponder à esperança que nutríamos.

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Não concluirei sem expor umas ligeiras considerações sobre a disposição constante do n.º 3.º do artigo 80.º da proposta, que é do seguinte teor:

Nenhum estabelecimento de ensino que, no todo ou na maioria, seja frequentado por portugueses no território nacional pode estar filiado nas Universidades ou estabelecimentos equivalentes de países estrangeiros ou ensinar exclusiva ou predominantemente segundo os seus programas. Quando as circunstâncias o justifiquem, promover-se-ão os acordos necessários para o reconhecimento por essas Universidades ou estabelecimentos da equivalência dos exames ou dos cursos preparatórios ministrados em estabelecimentos nacionais.

A Câmara Corporativa dá a esta disposição da proposta a seguinte redacção:

Nenhuma escola particular frequentada no todo ou em maioria por portugueses pode ensinar exclusiva ou predominantemente segundo programas de escolas estrangeiras.

Seja qual for a redacção que se adopte - da proposta ou da Câmara Corporativa -, a disposição não pode manter-se. Irá ela causar uma gravo perturbação no Estado da índia.
Há aí um grande numero de escolas.
E um mal, não haja dúvida, mas um mal necessário, como a própria emigração.

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª tem carradas de razão. É pena que não apresente uma proposta de emenda no sentido das considerações que está formulando.

O Orador: - Mas isto pode ser quando a proposta for discutida na especialidade.
Ora, nesses estabelecimentos, frequentados por um avultado número de estudantes, todos portugueses, ensina-se predominantemente segundo os programas de estabelecimentos estrangeiros.
Por isso, se a disposição a que aludo for posta a vigorar, serão encerradas todas essas escolas.
Não seria exagero afirmar que um tal encerramento daria em resultado a emigração de milhares de estudantes, que, não podendo continuar a estudar na sua terra, teriam de se deslocar, e em muitos casos com as suas famílias, para a vizinha índia.
Chamando para o caso a atenção do Governo, estou convencido de que se não insistirá em manter uma disposição que seria altamente prejudicial aos interesses de milhares de estudantes das escolas inglesas no Estado da índia.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sousa Pinto: - Sr. Presidente: publicado o Acto Colonial em 1930, seguido em 1933 da Carta Orgânica do Império e da Reforma Administrativa Ultramarina, à sombra desses diplomas, com as alterações que neles posteriormente foram introduzidas, se foi governando até agora o que se chamava o Império Colonial Português.
Durante mais de duas décadas decorridas os nossos territórios ultramarinos progrediram de tal modo que constituem hoje um conjunto digno da admiração, senão da inveja, dos outros povos colonizadores.
A este período ficarão para sempre vinculados os nomes do Sr. Presidente do Conselho e dos Ministros Armindo Monteiro e Vieira Machado, em cuja obra mergulham as raízes dos surpreendentes progressos conseguidos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em todos os recantos do nosso ultramar a vida se transformou. O viajante que lá não tenha voltado há mais de vinte anos encontrará hoje, se lá for, maravilhosas surpresas, não só nos centros urbanos mas ainda nos confins das terras do interior. Em toda a parte achará a autoridade portuguesa solidamente firmada e populações ordeiras e disciplinadas.
Nas capitais de província e de distrito dar-se-á conta da vida febril que revela o vigor das actividades locais no comércio e na indústria. Nas vilas e concelhos verá um anseio geral de progresso, evidenciado nos melhoramentos de toda a ordem já realizados.
No mato achará núcleos urbanizados onde os serviços públicos e as autoridades dispõem de instalações adequadas, geralmente dotadas do indispensável conforto.
Encontrará a assistência oficial aos indígenas prestada, sob as formas mais variadas, em escolas, oficinas, enfermarias, maternidades, leprosarias, etc., a par de missões religiosas densamente povoadas de gente moça.
Terá uma impressão de deslumbramento de que nem sempre darão inteira conta aqueles que, vivendo com permanência no ultramar, tenham assistido, dia a dia, a esta transformação maravilhosa.
Sendo assim ocorre naturalmente perguntar:
Afora os retoques exigidos pelas alterações introduzidas na Constituição, será conveniente levar mais longe a modificação do diploma fundamental da nossa administração ultramarina?
O panorama que descrevi traduz na verdade um progresso real e seguro?
As populações das terras do ultramar vivem satisfeitas?

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença?
A nossa administração pública tem andado entre centralização e descentralização administrativa, não só no que diz respeito às colónias, como mesmo na administração do continente; No continente essa centralização é cada vez maior. Mas afigura-se-me, pelo que li do parecer da Câmara Corporativa, que agora se tende nas províncias ultramarinas para uma certa, descentralização.
Eu, que sou ignorante destas coisas, mas que quero dar o meu voto com a consciência que me impõe o meu mandato, desejaria que V. Ex.ª, na sua qualidade de presidente da Comissão do Ultramar, me pudesse informar se efectivamente a proposta tem uma larga tendência de descentralização, se há nisso vantagem ou se, pelo contrário, se nos damos bem com a centralização, não haverá vantagem em continuar com esse sistema.
Muito agradeceria a V. Ex.ª se no decorrer das suas considerações pudesse esclarecer estes pontos de vista que me parecem essenciais.

O Orador: - Eu tenho muito prazer em ser interrompido por V. Ex.ª ou por qualquer outro Sr. Deputado e ser-me-á muito agradável responder o melhor possível a V. Ex.ª Mas julgo que no decorrer das minhas considerações elas responderão às dúvidas de V. Ex.ª No entanto, se porventura no final V. Ex.ª tiver qualquer dúvida, estarei ao seu dispor para os esclarecimentos que me for possível dar.
São três interrogações a que vou procurar responder, deixando a primeira para o fim como consequência natural das respostas às outras duas.
Quanto à segunda pergunta a resposta não pode oferecer dúvidas. Não se trata de sonhos ou fantasias, mas

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de realidades. Tudo o que está feito em caminhos de ferro, pontes, estradas, hospitais, edifícios para os serviços públicos, desenvolvimento industrial e comercial, elevação do nível de cultura, etc., está assente em terra firme. Nada se começou que se não leve ao fim e tudo se tem acabado com orçamentos equilibrados e relativo desafogo.
Vejamos agora a terceira interrogação. Há que distinguir o que diz respeito às populações de cor e às brancas residentes no ultramar.
Quanto às primeiras, parece fora de dúvida que a resposta é afirmativa. Quaisquer que sejam as reminiscências saudosas do tempo em que o branco o não perturbava na sua vida primitiva, mas em que a vida dos negros estava à mercê das contingências das suas contendas tribais, com predomínio dos mais fortes e sacrifício dos mais fracos, o certo é que nos territórios africanos portugueses há hoje uma tranquilidade que contrasta com a agitação que lavra em territórios alheios.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nas populações nativas, salvo casos individuais comuns a todos os agregados humanos, só se encontra ali gente respeitadora e, em certa medida, amiga. Não há indisciplinas ou revoltas.
Creio que nenhum outro europeu pode gabar-se de encontrar no indígena do continente africano as atitudes de acatamento e respeito que cercam o branco português dentro, e até fora, de qualquer dos nossos territórios.
Nos confins das nossas mais extensas províncias um simples chefe de posto deixa em casa a sua mulher inteiramente só, ou com os filhos, sem que leve consigo a menor preocupação ou receio sobre a sua segurança. Sabe que nenhum indígena a desrespeitará, antes correrá» a auxiliá-la, se de socorro carecer.
É desnecessário, por ser do conhecimento geral, estabelecer paralelo com o que se passa nos vizinhos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se passarmos para o Oriente, julgo poder afirmar que não há na população da nossa Índia nada que, em relação aos Portugueses, se pareça com a aversão do hindu aos Ingleses. Qualquer que seja a ânsia de aspirações insatisfeitas, na Índia Portuguesa todos têm um desejo comum: continuar a viver à sombra da bandeira portuguesa, como portugueses que são.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Em Macau, a parte incidentes sem significado grave na Porta do Cerco, vive tranquila uma numerosa população, na sua maior parte chinesa, que das nossas autoridades e da nossa acolhedora cidade recebe a protecção e apoio que lhe faltam na sua própria terra, em permanente agitação.
É de ver o contraste com a vizinha Hong-Kong, onde a polícia tem de exercer uma contínua acção de vigilância e repressão que em Macau não existe, por desnecessária.
Em Timor basta lembrar que, em contraposição com o que sucedeu nas colónias de outros países no Oriente, a torturada população nativa daquela nossa longínqua província nunca deixou de estar unida a nós, encontrando-se de novo reunida sob a nossa bandeira poucas semanas depois da saída dos Japoneses.
Ao chegarem as primeiras tropas que o Governo mandou a Timor o governador da colónia pôde orgulhosamente transmitir para bordo ao comandante do barco que as conduziu que podia desembarcar sozinho, antes das forças do seu comando, porque as honras em terra lhe seriam prestadas pela escassa guarnição indígena da ilha, disciplinada e fiel.
Destes factos podemos concluir que não há nada a alterar quanto à nossa política para com as populações nativas.
Todo o cuidado será pouco em não tocar nessa política.
Perante os resultados que estão à vista, e que fazem a admiração do Mundo, o que se deve é manter, aperfeiçoando-a, a orientação actual. Não é a política teórica de considerar os indígenas africanos iguais a nós. porque na sua quase totalidade ainda o não são. O que é preciso é continuar a fazer tudo quanto esteja ao nosso alcance para que possam vir a sô-lo um dia.
A grande massa da população do continente africano está ainda numa fase atrasada da sua evolução. A nossa missão é tratar com carinho dos seus corpos e das suas almas.
Será pouco tudo o que venha a acrescentar-se ao que está feito para lhes tornar a vida mais fácil e mais cómoda, para lhes dar mais saúde, para os ensinar a trabalhar, para os libertar de feitiços e crendices e fazer deles homens dignos e crentes no Deus verdadeiro.
Mas nada de alterar o que se tem feito senão para fazer o mesmo cada vez melhor. E, nessa orientação, creio que haverá vantagem em definir cada vez mais claramente a função das autoridades gentílicas como auxiliares remunerados das nossas autoridades administrativas.
Vejamos agora o que se passa com as populações brancas. Estão elas plenamente satisfeitas? Verifica-se que não. Todas elas estão firmes no seu inabalável sentimento patriótico. Sentimo-las bem unidas em volta da bandeira comum, de que, cá e lá, todos nos orgulhamos. Mas há descontentamentos que convém examinar.
Não me refiro aos queixumes habituais de que o Governo Central podia fazer mais e melhor e de que os grandes benefícios são para Lisboa ou para outra província do ultramar. É a mesma costumada e compreensível crítica das províncias metropolitanas. É mero espírito de bairrismo, que, ainda quando injusto, não inspira senão simpatia porque, no fundo, é sómente anseio de progresso. Mas acima desse murmúrio inofensivo há outros motivos de descontentamento, que devem merecer a atenção de quem governa.
Há em primeiro lugar, da parte dos que labutam nessas terras longínquas, a aspiração de terem mais directa comparticipação na administração das províncias onde empregam os seus esforços.
Aqui tocamos um problema da maior delicadeza da nossa administração ultramarina. Se é, por um lado, justificado que as populações que atingiram, em número e qualidade, características que lhes dão nível paralelo ao do meio culto metropolitano se sintam capazes, de colaborar mais directamente com o Governo Central na governação das respectivas províncias, há, por outro lado, que manter firmemente o princípio fundamental da unidade nacional, base intangível da nossa política ultramarina.
Está dito e redito que essa política não é a de levai-as nossas terras do ultramar até uma maioridade que as conduza, à maneira inglesa, por sucessivos graus de autonomia, até uma mais ou menos longínqua posição o seu interesse está de acordo com o sentimento de união com a metrópole, profundamente enraizado na alma de todos os portugueses espalhados pelo Mundo. Só com

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muita ponderação poderá, pois, ser satisfeita essa aspiração do ultramar.
O Governo, na proposta de lei em discussão, dá um passo em frente nesse caminho. Cria nas províncias de governo-geral conselhos legislativos com competência sobre todas as matérias que interessem exclusivamente à respectiva província e não estejam atribuídas pelo artigo 150.º ida Constituição e pela lei cigânica à Assembleia Nacional, ao Governo ou ao Ministro do Ultramar.
Sem entrar agora em pormenores sobre a constituição desses conselhos, que é mais própria da discussão na especialidade, direi desde já que me parece preferível que, em vez de formados por vogais todos eleitos, entrem nele vogais nomeados e natos, ficando a maioria a ser dos vogais eleitos.

O Sr. Melo Machado: - Mas os Conselhos de Governo agora são todos de eleição ou continuam com uma parte que é de nomeação do Governo?

O Orador: - São todos de eleição.

O Sr. Melo Machado: - Esse é o motivo pelo qual suponho que V. Ex.ª tem razão quando deseja que haja alguns vogais de nomeação.
Parece-me que é da maior necessidade que as pessoas que têm um conhecimento mais directo da administração pública façam também parte desses Conselhos.

O Orador: - Trata-se de uma inovação a que dou o meu voto, por ver que na proposta de lei se estabelecem as disposições necessárias para ficar assegurado que a administração provincial terá sempre de ser frita de acordo com as directrizes emanadas do Governo Central, que, em obediência a elas, serão sempre elaborados os orçamentos e que se reserva para o Ministro a faculdade de revogar os actos legislativos provinciais que considere contrários ao interesse nacional.
Não discordo do modo de ver defendido pelo meu querido amigo Dr. Vieira Machado na sua declaração de voto no douto parecer da Câmara Corporativa.
Não se pode duvidar da excelência de uma legislação à sombra da qual tanto se progrediu. O que julgo é que, sem fazer viragens de rumo, há que ir acompanhando a evolução do meio social no ultramar. O nível das populações ultramarinas não é hoje o que era há vinte anos. O sistema que agora se propõe não é, a meu ver, nem melhor nem pior que o anterior. Cada um deles é o que se adapta ao tempo em que vigorou ou passa a vigorar.
Penso, em resumo, que o Governo dá, com esta disposição da proposta, de lei, satisfação à população das províncias de governo-geral, sem abdicar da orientação fundamental da nossa política tradicional, que considera as províncias do ultramar como parcelas tão firmemente integradas nu nação portuguesa como as províncias metropolitanas.
Se as populações do ultramar ficam tendo uma intervenção mais directa que as das províncias metropolitanas, não me parece que isso seja injustificado. Dadas as distâncias a que essas províncias se encontram, e a despeito de um intercâmbio cada vez mais fácil entre elas e a metrópole, nunca o Governo Central, à parte os problemas de primeiro plano, pode conhecer tão perfeitamente os pequenos problemas da vida provincial que exijam ou providências legislativas ou inclusão de verbas no orçamento como aqueles que lá vivem a lutam.
Comparem-se as possibilidades que tem o titular da pasta do Ultramar de conhecer as pequenas urgências locais nas extensas terras ultramarinas com as dos seus colegas das outras pastas, que, a cada passo, visitam os mais afastados concelhos das províncias metropolitanas, para ver e ouvir as actividades locais.
O que deixo dito leva agora a responder à primeira pergunta. Bastaria esta justa satisfação dada às populações das províncias de governo-geral para ter oportunidade mm alteração da Carta Orgânica do Ultramar.
Outros motivos de descontentamento existem que as alterações à Carta Orgânica não remedeiam, mas a que julgo ser conveniente prestar atenção.
É preciso tornar mais fácil a vida de quem trabalha no ultramar, sejam simples colonos, sejam as grandes e as pequenas empresas. O exercício das suas actividades, cuja permanência, perante os governos que passam, é a garantia da estabilidade do progresso, e uma luta permanente, que carece de amparo para evitar desânimos.
Luta-se com as peias da burocracia, com as exigências do fisco, com a lentidão da marcha das reclamações. As actividades que se exercem nas terras do ultramar são, passe o lugar-comum, as suas fontes de riqueza. É necessário que elas se sintam apoiadas e protegidas nas suas pretensões que sejam legítimas, que não sejam oneradas com impostos desproporcionados, que não vejam os rendimentos dos seus prédios computados com exagero pelas comissões avaliadoras, etc.
Só quem participa nessas actividades conhece as canseiras e o tempo que é forçoso despender para vencer embaraços que muitas vezes não deviam existir. É preciso que os sindicatos e outros organismos corporativos actuem com bom senso.
Não há dúvida de que é perfeitamente justo defender os empregados das possíveis prepotências ou injustiças dos patrões. Mas será justo que, para as evitar, se forcem as empresas a não poder escolher livremente o seu pessoal, a tratar igualmente os bons e os maus, a conceder a todos as mesmas regalias, licenças, subsídios de viagens, etc., como se todos merecessem igualmente? Que não possam despedir livremente um empregado que não presta?
Agora que Jia metrópole estes embaraços têm sido atenuados por uma política de bom senso, parece que estão ainda em maré alta no ultramar.
Oxalá os estatutos que a proposta manda criar para todas as províncias modifiquem, no que seja considerado conveniente e justo, a mecânica da administração, de modo a torná-la anais clara, mais simples e mais expedita.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em Moçambique conheço as altas qualidades do actual governador-geral e os méritos de muitos dos «seus colaboradores mais directos, para ter a certeza de que os defeitos não são das pessoas, mas da orgânica, que é preciso desempoeirar.
Seja-me permitido anda lembrar que a publicação dos estatutos será talvez a oportunidade de se fazer também uma revisão geral dos vencimentos do funcionalismo ultramarino e das normas a fixar quanto a direito a licenças, vencimentos durante a estada na metrópole, etc.
Voltando propriamente à proposta em discussão, desejo referir-me ainda a algumas das suas disposições.
Estabelece-se a divisão das províncias em concelhos e freguesias. Os concelhos podem ser agrupados em distritos. Transitoriamente subsistem as circunscrições e os postos administrativos.
Pode depreender-se que o concelho e a freguesia vão ser o normal e a circunscrição e o posto as excepções. Só há a observar que ainda por muitos anos, pelo menos em Moçambique, há-de suceder o contrário.

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O normal no interior continuará a ser a circunscrição e abaixo dela o posto. Só a longo prazo se pode esperar a criação de núcleos locais de população civilizada suficientemente numerosa para aconselhar a passagem a concelho, ou freguesia. Marca-se, todavia, uma tendência à uniformização com a metrópole, e parece-me que é bom que assim seja.
Acabam as intendências como autarquias administrativas, mas admite-se a sua criação nos distritos em que a política, indígena, assumir aspectos predominantes, com superintendência, num grupo de circunscrições e áreas não urbanizadas dos concelhos.
Não estou seguro de que não surjam alguns atritos por sobreposição de funções do intendente com as autoridades das circunscrições ou dos concelhos.
Como, porém, o intendente tem uma categoria bem definida entre o governador do distrito e aquelas autoridades, talvez a experiência, dê resultado.
Tenho sempre defendido que são os funcionários do quadro administrativo que devem ocupar-se dos problemas da mão-de-obra indígena. Ora estas intendências, com o carácter que a proposta lhes dá, estão dentro dessa orientação e talvez contribuam para evitar certos abusos e para uma mais directa fiscalização do serviço dos recenseamentos indígenas, de modo a conseguir que estes estejam sempre cuidadosamente organizados e actualizados.
Outro ponto. Estabelece-se na proposta que nas províncias de governo-geral poderão determinadas funções ser exercidas, em delegação do governador, por um secretário-geral.
Não me parece bem esta disposição uniforme. O que pode ser talvez demais para a Índia pode ser pouco para Angola e Moçambique. Julgo que seria preferível que, em lugar de se fixar para todas três um secretário-geral, se dissesse que poderá haver, quando se julgar necessário, um ou mais secretários provinciais, para trabalhar junto dos governadores-gerais. O estatuto de cada província, fixaria o seu número e respectivas atribuições.
Creio, porém, Sr. Presidente, que isso não bastará para aliviar suficientemente os governadores-gerais de Moçambique ou de Angola, de modo a deixar-lhes tempo para se dedicarem ao estudo dos problemas que exigem a sua atenção demorada. Entendo que se torna necessário que a tendência descentralizador, seja continuada do governador-geral para os governadores de distrito.
Em Moçambique parece-me que deverá haver nove distritos (Lourenço Marques, Inhambane, Gaza, Beira, Tete, Quelimane, Nampula, Porto Amélia e Lago). Se assim for, o governador-geral terá como imediatos colaboradores nove governadores, em vez dos quatro que estavam à frente das antigas províncias.
Para que a sua tarefa não seja incomportável será preciso que no governo dos distritos estejam pessoas da sua confiança, com certa, liberdade de acção dentro da orientação geral por ele determinada.
Aprovados os orçamentos distritais, não haverá, senão vantagem em que o governador do distrito, no decurso de cada exercício, tenha competência, para fazer, dentro de limites definidos, as transferências de verbas aconselhadas pela marcha da execução dos trabalhos, bem como tomar, sem prejuízo da orientação que lhe tiver sido marcada, certas iniciativas, que o Estatuto da província poderá limitar.
É conveniente que a troca de correspondência entre os directores dos serviços técnicos e os seus subordinados distritais passe pelas mãos do governador do distrito, de modo que ele tenha, conhecimento de tudo o que se passa na área da sua jurisdição.
O contrário impedi-lo-á de dirigir ao governador-geral as observações ou sugestões que entender de utilidade para o seu distrito e criar-lhe-á uma posição de desprestígio, que pode conduzi-lo a atitudes de desinteresse, que o transformam num funcionário mais decorativo do que actuante, com o que só terá a perder o distrito que lhe está confiado.
A outros pontos da proposta terei talvez de me referir, mas fá-lo-ei na discussão na especialidade, se a oportunidade se oferecer.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima será na terça-feira, 27 do corrente, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Jorge Botelho Moniz.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Diogo Pacheco de Amorim.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Henrique Linhares de Lima.
João Cerveira Pinto.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Cardoso de Matos.
José Diogo de Mascarenhas Galvão.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel de Sousa Meneses.
Miguel Rodrigues Bastos.
Vasco de Campos.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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