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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 193
ANO DE 1953 28 DE JANEIRO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º º 193 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 27 DE JANEIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente, declarou aberta a sessão às 16 horas.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 192.
O Sr. Deputado Mário de Figueiredo usou da palavra para esclarecer que não revira o discurso proferido na sessão de 22 do corrente e publicado no Diário das Sessões n.º 191.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. presidente propôs um voto de pesar pelo falecimento da filha do Sr. Deputado Silva Dias, unanimemente aprovado pela Assembleia.
O Sr. Presidente anunciou estar na Mesa o parecer da Câmara Corporativa acerca da proposta de lei em que se transformou o Decreto o Decreto-Lei n.º 38 704, relativo à mais valia dos produtos ultramarinos, que será publicado no Diário das Sessões e baixará às Comissões do Ultramar e de Economia.
Foram recebidos na Mesa os elementos solicitados pelos Srs. deputados Santos Bessa e Miguel Bastos aos Ministérios do Exército e da Educação Nacional, e Carlos Moreira os pedidos a vários Ministérios, que foram entregues aos referidos Srs. Deputados.
Usou da palavra o Sr. Deputado Melo e Castro, que se referiu à recente posse do novo presidente dos Estados Unidos, general D. Eisenhower.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei orgânica do ultramar.
Usaram da palavra os Srs. deputados António Maria da Silva e Amorim Ferreira.
O Sr. presidente declarou a sessão às 18 horas e 20 minutos.
CÂMARA CORPORATIVA. - Parecer n.º 39/V, relativo à proposta de lei n.º 219, em que se transformou o Decreto-Lei n.º 38 704, relativo à tributação de mais valia dos produtos ultramarinos.
O Sr. presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 50 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
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Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 65 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 192.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Não estava presente na altura em que foi aprovado o Diário das Sessões correspondente à sessão de quinta-feira passada, de sorte que não pude fazer certas reclamações relativamente ao discurso que fiz antes da ordem do dia nessa sessão.
Não vou agora, visto esse Diário estar aprovado, fazer essas reclamações; quero, simplesmente, de um modo geral, que fique assinalado que não revi o meu discurso.
O Sr. Presidente: - Fica registada a declaração do V. Ex.ª
Não havendo nenhum Sr. Deputado que peça a palavra sobre o Diário em reclamação, considero-o aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Representação
Cópia de uma, dirigida a S. Ex.ª o Ministro das Finanças pelos empregados da Empresa Jornal de Noticias, a propósito da modificação duma contribuição lançada sobre os ordenados dos mesmos.
Exposição
Do Sindicato Nacional dos Engenheiros Auxiliares, Agentes Técnicos de Engenharia e Condutores a esclarecer as afirmações produzidas pelo Sr. Deputado Bartolomeu Gromicho na sessão de 15 do corrente.
O Sr. Presidente: - Faleceu a filha do Sr. Deputado Silva Dias. Julgo interpretar os sentimentos da Câmara ao apresentar a este Sr. Deputado os nossos sentimentos de profundo pesar.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Encontra-se na Mesa o parecer da Câmara Corporativa acerca da proposta de lei em que se transformou o Decreto-Lei n.º 38 704, relativo à tributação da mais valia dos produtos ultramarinos.
Vai ser publicado no Diário das Sessões e baixar às Comissões do Ultramar e de Economia.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa e vão ser remetidos aos Srs. Deputados Santos Bessa e Miguel Bastos os elementos requeridos respectivamente aos Ministérios do Exército e da Educação Nacional e ao Sr. Deputado Carlos Moreira os elementos requeridos a vários Ministérios.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Melo e Castro.
O Sr. Melo e Castro: - Sr. Presidente: as circunstâncias de que se revestiu a posse do Presidente Eisenhower revelaram de tal maneira autenticidade e, ao mesmo tempo, nobreza na vida pública que uma palavra creio devida, nesta nossa Casa de Representação Nacional, para se destacar a lição que encerram e a confiança que inspiram a todo o
mundo ocidental.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não pode apreciar-se na reportagem das gazetas senão com profundo respeito a perfeita dignidade e simplicidade com que o 34.º Presidente dos Estados Unidos prestou juramento sobre a Bíblia que serviu a Jorge Washington, a viva religiosidade de que todo o acto foi rodeado, com orações rezadas por sacerdotes dos principais credos, com o nome de Deus invocado no princípio e acima de tudo: «Que Deus o ajude», disse o presidente do Supremo Tribunal; «Que Deus me ajude», respondeu o novo chefe do povo norte-americano. Isto é sério, isto é sublime.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Sente-se a perduração do espírito de profundo cristianismo que inspirou a Constituição americana e levava Franklin, na agitada Convenção de Filadélfia, a abrir as sessões rezando na tribuna de mãos postas. Aprende-se também que o prestígio imenso da nação norte-americana e a sua imensa prosperidade, generalizada a todas as classes, não dependeram tanto das suas
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riquezas naturais ou dos prodígios da técnica, quanto da interferência profunda de um ideal de vida, quanto, Sr. Presidente, por sobre costumes, mentalidades, raças e credos, os mais desvairados, do poder aglutinador e fecundante dos princípios políticos com os quais aquelas riquezas e aquelas forças foram postas ao serviço do Homem, da sua dignidade, da sua liberdade. O espírito, antes de tudo, a comandar e a enformar.
Também o discurso do Presidente Eisenhower ficou a ressoar nas nossas almas como fonte de confiança, como apelo para a verdade na compreensão dos problemas hodiernos, como modelo de nobreza na vida pública. Foi uma peça fora do comum na oratória política contemporânea e creio, Sr. Presidente, que alguns dos seus conceitos se valem pela oportunidade e eficiência no drama dos nossos dias, são outrossim dignos de se intemporalizarem nas antologias. Permito-me recordar um ou outro:
Os inimigos da nossa Fé só conhecem como Deus a força e só têm uma religião: a da força. Ensinam a traição aos homens. Saciam-se em detrimento da fome alheia.
Torturam tudo quanto lhes resiste e, principalmente, a verdade.
A Paz, em vez de fuga perante a morte, é uma forma de encarar a vida. Não é o refúgio do fraco, é a esperança do valente. É a esperança que nos faz caminhar neste século de provação. É a tarefa que a todos espera, que tem de ser desempenhada com coragem, com caridade e dando graças a Deus Todo Poderoso.
Nunca tentaremos aplacar um agressor à custa de um logro, comprando a segurança pelo preço da honra, porque a mochila do soldado é menos pesada que as grilhetas de prisioneiro.
Não há aqui, Sr. Presidente, apenas a beleza retórica, a expressão incisiva do político que quer encorajar e armar o mundo ocidental. Há, sobretudo, uma grande força moral subjacente, há verdade, há grandeza de pensamento, e são elas, mais que a forma, que tangem as cordas melhores dentro de cada um de nós. Este grande general vitorioso, com uma vida impoluta, este grande homem, aparece-nos assim como um grande orador a dar testemunho, a final, do antigo conceito nemo arator nisi vir bonus.
Também, Sr. Presidente, o conflito de consciência que atravessou o novo ministro da defesa americano, o Sr. Wilson, obrigado, para exercer o cargo, a vender as suas acções da General Motors, venda sujeita a pesadíssimo imposto, impressiona vivamente e denuncia também seriedade, autenticidade e nobreza na vida pública.
Noutro país em que as leis não fossem levadas a sério, em que os costumes na vida pública se deixassem relaxar e não passasse de palavra vã a fiscalização, quer da administração pública, quer da administração das grandes sociedades anónimas, tal conflito nunca existiria. Lá encontrariam mil maneiras de compensar o ministro do seu pesado desembolso... Ali, porém, as coisas são levadas a sério. E este milionário, que, permita-se, Sr. Presidente, a anotação, dirigiu uma das empresas americanas onde a participação dos trabalhadores nos lucros é praticada em mais larga escala, hesitou, como é humano, mas afinal cortou cerce com amarras que o impedissem de servir sem suspeições e sem sombras o bem comum.
Entre a grandeza e a dignidade das circunstâncias que rodearam a posse do novo presidente americano, poderiam ter espantado algumas pessoas na nossa velha Europa certas explosões de vitalidade daquele povo jovem: o cow-boy, por exemplo, que não encontrou forma mais expressiva para enlaçar o presidente no seu afecto senão precisamente com o laço da sua arte...
Certa sisudez que o peso dos séculos impôs nos costumes deste velho continente, se é uma qualidade, não raro serve para apenas encobrir insinceridade, para embotar a pureza dos sentimentos, para afastar da verdade da vida. Sem dúvida, nós temos aqui as matrizes dos grandes princípios que engendraram o melhor da vida americana nos nossos conventos, nas nossas Universidades, nas nossas catedrais, nos nossos museus, nas nossas literaturas.
Mas, Sr. Presidente, enquanto em tantos países da banda de cá do Atlântico nos não aproximarmos da justiça e do equilíbrio que imperam no arranjo social da vida americana, enquanto a miséria abundar à beira do privilégio e da surdez do egoísmo, julgo que não há lugar para desdéns ou para invocar antigos títulos, mas antes para receber de ânimo aberto as saudáveis lições que de lá nos vêm.
A posse do Presidente Eisenhower e as circunstâncias de que se revestiu impressionam como lição de altura e de nobreza na vida pública, como antídoto para certa mediocridade, para certo espírito de pelintrice na condução dos negócios públicos que, às vezes, se depara na velha Europa. E não podem atribuir-se aquelas qualidades sómente à vida pública das grandes nações ricas, pois pode ser-se pobre sem se ser pelintra. Também na nossa pequena casa lusitana surgem às vezes exemplos que convém acentuar.
Como lição de nobreza na vida pública, impressionou-me muito também, e gostaria de a associar aos factos que refiro, ocorridos na democracia norte-americana, a grande elevação com que V. Ex.ª, Sr. Presidente, e os ilustres Deputados Drs. Mário de Figueiredo e Carlos Moreira há dias aqui prestaram piedosa e justa homenagem à vida nobre de homem público, de chefe de família e de intelectual que foi o Dr. Fezas Vital.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O nosso país, Sr. Presidente, devia estar afeiçoado como raros para tirar todo o proveito da grande lição do Presidente Eisenhower. Tem sido motivo há vinte e cinco anos de uma carreira de estadista das mais puras, das mais nobres, das mais abnegadas que a História há-de registar. Tem sido campo de acção de uma «consciência, na antiga e alta acepção da palavra», como V. Ex.ª, Sr. Presidente, há dias sublinhava com tanta propriedade e brilho a propósito da figura do Dr. Fezas Vital.
Nós temos assim especiais obrigações para ter uma vida pública impregnada de nobreza, de isenção, de justiça social, de seriedade nos métodos, de firmeza de carácter, forças estas, Sr. Presidente, muito poderosas, de que nem o mais eficiente armamento atómico permite prescindir na frente de defesa do mundo ocidental.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta da lei orgânica do ultramar.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Maria da Silva.
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O Sr. António Maria da Silva: - Sr. Presidente: quando o nosso saudoso Chefe do Estado marechal Carmona pisou pela primeira voz, em 1938, as terras de Angola, proclamou na cerimónia da Ponte do Padrão, na foz do Zaire, «a unidade indestrutível o eterna de Portugal do aquém e além-mar», acrescentando que fazia essa proclamação «com II certeza de que falava pela sua voz Portugal inteiro».
Sim, Sr. Presidente, a unidade de Portugal inteiro é hoje uma perfeita realidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Portugal inteiro, em pedaços pelo Mundo repartido, forma presentemente, som dúvida alguma, uma unidade indestrutível e eterna.
A antiga fórmula de império colonial e a designação de colónias às terras portuguesas de além-mar, como que servindo de laço de sujeição colonial à casa-mãe lusitana, desapareceram com a promulgação da nova Constituição.
Todos os territórios portugueses, do Minho a Timor, estão actualmente colocados no mesmo pó de igualdade, dentro da unidade política da Nação, nos termos da Constituição Política da República Portuguesa, actualizada de harmonia com a Lei n.º 2 048, de 11 de Junho de 1951.
Apesar de todas as suas parcelas conjuntas formarem um todo único que se chama Portugal, os maiores pedaços que integram esse mesmo bloco estão espalhados pelos quatro continentes do Mundo e são habitados por gentes de culturas, civilizações e costumes bem diferentes uns dos outros.
Assim, é evidente que não pode haver uma uniformidade nos métodos administrativos de todas as suas parcelas.
Por isso é que no novo artigo 134.º da Constituição se estabelece que as províncias ultramarinas tenham organização político-administrativa adequada à situação geográfica e às condições do meio social.
Na explicação da introdução deste preceito o relatório da proposta de lei da revisão constitucional dizia que era «para deixar abertas as vias de uma possível descentralização tanto nas atribuições de ordem legislativa como executiva, que diplomas especiais devem ajustar às circunstâncias de cada território, às suas necessidades de desenvolvimento e ao estado social dos seus habitantes, no que respeita à sua capacidade de interferirem proveitosamente na administração».
Fiel a esta orientação, a proposta da lei orgânica em discussão divide as nossas províncias ultramarinas em dois grupos.
Constituem o primeiro grupo as províncias de governo-geral - Angola, Moçambique e Estado da Índia - e integram o segundo as restantes.
Nos termos do disposto no artigo 39.º do projecto da proposta de lei, a competência legislativa dos governos-gerais será exercida por um conselho legislativo, tendo o governador-geral junto de si um conselho de governo, com atribuições consultivas permanentes, como estatui o artigo 44.º do mesmo projecto.
Nas províncias de governo simples haverá um conselho de governo, presidido pelo governador, com atribuições legislativas e consultivas, e uma secção do mesmo conselho que assiste permanentemente ao governador no exercício das suas restantes funções, como se encontra preceituado nos artigos 46.º e 47.º da proposta.
A forma da constituição destes órgãos do governo de todas as nossas províncias ultramarinas será lixada nos estatutos próprios de cada província, de harmonia com as directrizes estabelecidas na lei orgânica.
O reconhecimento do previsto e mesmo da necessidade da participação da população local das nossas terras de além-mar na feitura das leis especiais para cada uma das províncias vem de muito longe. Já a introduzira na Índia Afonso de Albuquerque.
Remonta a 1836 a instituição dos conselhos de governo, que veio a sofrer sucessivas alterações, que me dispenso de enumerar.
Da longa história da nossa administração ultramarina, tão rica de conceitos e tão fértil em experiências, como se depreende do magnífico relatório do Sr. Dr. José Ferreira Bossa, parece poder recolher-se que os órgãos do governo, quer das províncias dos governos-gerais, quer das do governo simples, devem ter composição mista, com a maioria de vogais não oficiais eleitos nos moldes estabelecidos no estatuto privativo de cada província, e não segundo as directrizes gerais e comuns da lei orgânica.
Mas ensinamento indubitavelmente mais útil e importante para os nossos territórios do ultramar é que se confiram amplos poderes a quem governa, para exercer eficazmente in loco a sua acção governativa, ouvindo ou deliberando com seus órgãos de conselho locais.
Na lição de António Enes, recolhida dos seus célebres relatórios, Moçambique deve ser administrada em Moçambique, porque de longe pode governar-se, mas só de perto se administra, como reza a consabida expressão de que se serviram e ainda se servem os adeptos da política descentralizadora.
Contudo, quem mais deseja essa descentralização não são as populações de outras raças das nossas províncias ultramarinas, que, graças a Deus, connosco vivem na melhor concórdia e no maior respeito às nossas leis em todas as parcelas de Portugal.
Quem mais anela são os nossos governadores, são os altos funcionários, são os portugueses espalhados pelas nossas terras do ultramar, todos na mesma ânsia dos que aqui vivem, em fazer prosperar cada vez mais e o mais rapidamente as terras onde exerçam as suas actividades, quer oficiais, quer particulares.
Para a realização desse desiderato torna-se necessário que as directrizes da lei orgânica não sejam muito apertadas ou demasiado minuciosas.
É evidente que a unidade nacional exige um poder central que dirija superiormente todas as parcelas de Portugal.
Não pode haver dúvida de que o Ministro do Ultramar deve ser o principal orientador e dirigente da acção dos governos ultramarinos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Também está certo que no gozo da descentralização as nossas províncias têm de se mover dentro da unidade nacional.
Mas para estar dentro da unidade nacional do Estado Português, que é hoje uma perfeita realidade, não é imprescindível que o regime geral do governo de todas as províncias ultramarinas esteja vinculado a um padrão único político-administrativo.
Assim entendeu o Governo, trazendo à apreciação desta Assembleia a proposta de lei em discussão, alterando a Carta Orgânica em vigor, depois de uma experiência de vinte anos, e assim entendeu também a Câmara Corporativa, exarando no seu douto parecer que «só com o prejuízo para a eficácia dos serviços e para os interesses das populações se pode levar longe o princípio da uniformidade, do padrão único político-administrativo ...».
Idêntica opinião tem a Comissão do Ultramar, depois do ter estudado atenta, cuidadosa o ponderadamente o
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projecto do Governo e o parecer da Câmara Corporativa.
No entanto, se foi reconhecida a vantagem do desaparecimento do padrão único, parece que as normas comuns para todas as províncias deviam ser mais reduzidas, como acertadamente já ponderou o ilustre Deputado Sr. Dr. Duarte Silva, na sua judiciosa e inteligente intervenção no debate.
Se os preceitos da nova lei devem ser dispostos em bases, e não em artigos, com mais razão devem ser menos numerosos.
Mas assim não sucedeu.
A Câmara Corporativa ainda aumentou o número de preceitos, dispondo-os em noventa e duas bases, quando no texto da proposta do Governo os artigos eram em número de oitenta e dois.
Bases, como a própria palavra o diz, são princípios fundamentais; se estes descem a minudências, que restará para o estatuto privativo?
A resposta é desnecessária, porque já a deu o citado ilustre Deputado no seu comentário a seguir à transcrição do preâmbulo do Decreto n.º 4 627, de 1918, do Governo de Sidónio Tais, revogando as cartas orgânicas publicadas no ano anterior.
Limito as minhas considerações gerais ao que acabo de expor, porque, tendo ouvido com a maior atenção os distintos oradores que me precederam no uso da palavra, nada mais tenho a acrescentar às observações de tão proficientes técnicos em assuntos da administração ultramarina.
Foi também com proveito e agrado que acompanhei as palavras do nosso digno presidente da Comissão do Ultramar (apoiados), Sr. Prof. Dr. Sousa Pinto, que, numa primorosa oração, expendeu o seu ponto de vista com clareza, concisão e conhecimento de causa.
Passemos a falar de Macau perante a nova lei orgânica.
Aquela nossa minúscula parcela de Portugal, encravada na milenária e misteriosa China, tem condições e características bem diferentes de todas as outras províncias ultramarinas portuguesas.
Nós não fomos nem estamos em Macau para transformar a civilização chinesa, nem para fazer dos chineses portugueses.
Já tive ocasião de elucidar a Assembleia de que eles são nossos amigos, mas não se sentem nem só consideram portugueses.
Macau é uma cidade administrada pelos Portugueses e quase exclusivamente habitada pelos Chineses.
O valor anual do movimento comercial de Macau, relativamente à sua área, é, por assim dizer, astronómico. É de 620 milhões de patacas, ou seja mais de 3 milhões de contos.
Esta prosperidade do comércio de Macau depende exclusivamente da actividade chinesa, exercida sob a protecção da nossa bandeira.
Assim, tem sido constante preocupação dos nossos governantes elaborar diplomas especiais para Macau, de harmonia com o modo de ser dos Chineses.
As maiores nações do Mundo procuram, em compita, agradar aos Chineses, para com eles poderem comerciar.
Portugal é das felizes potências que tem uma melhor posição na China, da qual não tem tirado o proveito que poderia.
A nova linha de navegação ao Oriente é um prenúncio de que a nossa posição comercial na China e no Extremo Oriente vai melhorar, graças ao sábio Governo de Salazar.
Ouso sugerir à Companhia Nacional de Navegação que essa linha se estenda ato ao Japão.
Mas, como ia dizendo, sendo Macau bem diferente de todas as outras províncias ultramarinas, as normas comuns para as nossas províncias da África, Índia e Timor não são, em regra, adequadas para Macau.
A propósito da alteração do regime bancário já expliquei aqui que em Macau existem dezenas de bancos, estabelecidos nos moldes chineses, sob a denominação do «cambistas», mas que de facto fazem transacções bancárias com o interior da China e com os seus congéneres em Hong-Kong.
Se se modificasse o seu sistema de funcionamento causar-se-ia uma grave perturbação no comércio local.
Felizmente a proposta de lei foi alterada, permitindo-se o estabelecimento de cambistas, como medida geral.
Aparece agora na proposta de lei em discussão o artigo 76.º, estabelecendo que «os bancos emissores do ultramar tomem sempre o escudo metropolitano como padrão do valor das suas notas, procurando assegurar a convertibilidade destas na moeda metropolitana, com as correcções resultantes da situação cambial».
Que se quer dizer com isto? - pergunta a Câmara Corporativa na sua análise ao artigo.
A mesma pergunta faço eu à Assembleia.
Quererá dizer que Macau deixará de ter como moeda-base a pataca?
Quererá dizer que Macau deixará de ter uma moeda idêntica à de Hong-Kong e à de toda a China, como ora dantes?
O comércio de Macau está na absoluta dependência de Hong-Kong, que é um dos maiores centros comerciais do Mundo.
A pataca de Macau, segundo as exigências do seu comércio, está ligada à pataca de Hong-Kong, assim como esta, antes do estado caótico da China, estava presa à moeda-base chinesa de estalão-prata, que era também a pataca.
E quem introduziu a pataca na China em substituição dos lingotes de prata foram os portugueses e espanhóis no século.
A pataca nessa época era cunhada no México. Mas regressemos ao que eu ia dizendo.
Quando a pataca chinesa começou a desvalorizar, em 1930, o Governo de Londres, satisfazendo ao pedido dos comerciantes ingleses na China, enviou ao país do Meio uma comissão de técnicos economistas, presidida por Sir Frederich Leith-Eoss, a fim de estudar as vantagens de estabilizar o valor da pataca de Hong-Kong em relação à libra esterlina.
Só em 1934, depois de aturado estudo, ficou estabilizado o valor da pataca de Hong-Kong com a equivalência de 1 xelim e 3 pence.
A nossa pataca acompanhou sempre a de Hong-Kong, com o mesmo padrão, suponho eu.
Valerá a pena mudarmos agora de padrão?
Valerá a pena circular em Macau escudos em lugar de patacas?
Em Hong-Kong não circulam libras nem xelins.
Não será muito mais conveniente para as transacções comerciais de Macau terem as nossas patacas igual valor e o mesmo padrão que as de Hong-Kong?
Para isto basta dar à nossa pataca, suponho eu, o valor em escudo equivalente a 1 xelim e 3 pence.
Deixo, no entanto, à consideração desta Assembleia e ao superior critério do Governo a resolução do assunto.
Eu, por mim, entendo que o artigo 76.º da proposta não deve ser aplicado a Macau.
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª tem sobre esse assunto um conhecimento muito maior do que qualquer outro Deputado e talvez mesmo do que o Governo.
As suas considerações são preciosas para se chegar à conclusão de se procurar saber se há vantagem em substituir a pataca pelo escudo.
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O Orador: - Acho que deve ficar como está, pelo menos por agora, porque me parece inconveniente mexer-se nesse assunto.
O Sr. Melo Machado: - Tem V. Ex.ª toda a razão, mas afigura-se-me que havia talvez oportunidade de ser apresentada qualquer sugestão nesse sentido.
O Orador: - As leis gerais não são, em regra, aplicáveis a Macau.
Já que estou defendendo a concessão desta excepção para Macau, aproveito a oportunidade para registar a minha satisfação por uma outra que lhe é concedida no artigo 73.º
Por este artigo é Macau dispensada da observação das restrições da concessão de terrenos na zona marítima.
Tais restrições já estavam na actual Carta Orgânica, mas não podiam ter aplicação em Macau, em virtude das suas reduzidas dimensões e da sua configuração especial, estando banhada de um lado por um rio e formando uma baía do outro.
Por fim, sou de parecer de que o termo «estrangeiros» empregado pela Câmara Corporativa para se referir aos chineses residentes em Macau não é o mais adequado.
Prefiro antes a designação da proposta do Governo «membros da comunidade chinesa».
Em Macau não é obrigatório o registo civil do nascimento, e portanto não é fácil fazer a discriminação entre os chineses que são portugueses de nascimento e aqueles que o não são.
São estes, no meu critério, os pontos fundamentais sobre que deveria versar a minha breve intervenção neste debate.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Amorim Ferreira: - Sr. Presidente: não fica mal a esta Assembleia, «antes considero que é instrutivo e útil, parar algum tempo, examinar o caminho percorrido e dar balanço ao trabalho realizado. Com a autoridade que resulta da experiência das coisas públicas e o direito conferido pela posição que ocupa na sociedade portuguesa, V. Ex.ª já aqui pôs em relevo várias vezes, com a elevação e o brilho costumados, a eficiência do trabalho da Assembleia nesta V Legislatura e a importância dos diplomas que dele resultaram. Desejo associar-me a outros colegas ilustres que o fizeram também e destacar alguns factos de relevo, todos recentes, da actual legislatura.
Há menos de dois anos, precisamente quando a desorientação e a incerteza mundiais, em vez de abrandarem, pareciam ter-se agravado, a Assembleia Nacional interrompeu o estudo e discussão de problemas e medidas de carácter material e de aplicação imediata para se dedicar à revisão da lei constitucional.
Não o fez por força de pressões externas, nem para alterar a linha geral da política e administração públicas. Pelo contrário. E, pelo que se refere nomeadamente à revisão do Acto Colonial, para o integrar na Constituição como estava previsto, a ideia que a ela presidiu - «e essa, aliás, bem vincada já no nosso pensamento», como disse o Sr. Presidente do Conselho - foi a da integração cada vez mais perfeita e completa na unidade da Nação Portuguesa das onze parcelas geogràficamente dispersas que constituem o território nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Também sou daqueles que não descansam na virtude dos textos constitucionais para garantir a estabilidade das nações e a estabilidade dos regimes. Mas penso que a Nação não podo nem deve estar desatenta à evolução dos conceitos que presidem à administração de territórios cujas populações, pelo menos em parte, não atingiram ainda a maturidade política e social necessária para se administrarem a si próprias. Registo por isso, com júbilo intenso, que no texto constitucional decretado pela Assembleia em 1951 ficasse reafirmado, ainda mais claramente do que no texto anterior, o princípio da unidade nacional, unidade política, moral e económica.
Não é uma simples questão de palavras. A verdade, Sr. Presidente, é que os homens, mesmo os de boa vontade, não poderão entender-se sobre as ideias se as palavras que as exprimem forem imperfeitas. E, se se considerar que há por vezes interesses mais ou menos ocultos a defender e objectivos mais ou menos confessados a atingir, compreende-se que um jogo hábil ou habilidoso de palavras possa conduzir a situações delicadas.
Na 3.ª sessão legislativa ocupou-se a Assembleia Nacional, extensa e profundamente, de problemas ultramarinos; e logo no início da actual sessão, colaborando estreitamente com o Governo e com a Câmara Corporativa, discutiu e aprovou o Plano de Fomento Nacional, onde largamente figuram os territórios do ultramar, quer pela extensão dos empreendimentos a executar, quer pelo volume das verbas a despender.
No seguimento lógico desta política, que corresponde a uma ideia dominante dos órgãos superiores da soberania nacional, está agora a Assembleia a discutir o projecto da proposta de lei n.º 517, elaborado pelo Governo sobre a lei orgânica do ultramar, acompanhado do respectivo parecer da Câmara Corporativa, como sempre substancial e valioso.
Sr. Presidente: sabe V. Ex.ª e sabe a Assembleia que nos últimos anos não tem sido fácil a vida dos Estados que, por direito de descobrimento, ocupação ou posse, administram territórios cujas populações não atingiram o grau de desenvolvimento necessário para se administrarem a si próprias.
A Carta das Nações Unidas, assinada em S. Francisco em Junho de 1945, afirma no artigo 73.º o princípio de que são primaciais os interesses dos habitantes daqueles territórios e os Estados que os administram aceitam como dever sagrado a obrigação de cuidar ao máximo do bem-estar dos seus habitantes, e portanto de assegurar o seu progresso político, económico, social e educacional, de promover a sua autonomia, de atender devidamente às suas aspirações políticas e de os ajudar na evolução progressiva das suas instituições políticas livres, conforme as condições particulares de cada território e dos seus habitantes e o seu estado de adiantamento.
Nos termos do mesmo artigo 73.º da Carta, os Estados que são membros da Organização devem fornecer periodicamente ao secretário-geral informações estatísticas e outras de natureza técnica relativamente às condições económicas, sociais e educacionais nos territórios que administram. As informações fornecidas pelos Estados são examinadas por uma comissão constituída por representantes dos oito Estados membros com territórios ultramarinos e de mais oito Estados, um dos quais é a União Soviética.
O problema dos territórios ultramarinos agravou-se logo de começo, com tentativas para que os relatórios periódicos a fornecer pelos Estados responsáveis contivessem informações de natureza política e constitucional, além das informações de natureza técnica exigidas pelo artigo 73.º da Carta de S. Francisco, e para
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que fosse reconhecida à Organização o direito de superintender e fiscalizar a administração daqueles territórios.
Em Outubro de 1948 o delegado da União Soviética no Conselho de Curadoria da Organização das Nações Unidas apresentou uma moção tornando obrigatório o fornecimento de informações sobre a evolução dos organismos de administração autónoma nos territórios ultramarinos e sobre a participação das populações locais nestes organismos, estabelecendo uma comissão especial para examinar as comunicações recebidas das populações daqueles territórios e determinando que eles sejam anualmente visitados por delegados da Organização.
Em Dezembro de 1949 a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou por grande maioria uma série de resoluções que sustentam o princípio da superintendência internacional nos territórios não autónomos e a obrigatoriedade de informações anuais sobre a evolução desses territórios para a autonomia.
Os delegados da Bélgica, da França e da Inglaterra declararam que as resoluções eram ilegais e constituíam flagrante violação das disposições da Carta das Nações Unida», pelo que os seus países se recusavam a submeter aquelas informações sobre os territórios à sua responsabilidade.
Se é impossível justificar não é difícil entender a atitude da Organização das Nações Unidas perante o problema dos territórios não autónomos.
Os Estados membros que administram territórios nestas condições são em número muito reduzido e os restantes pouco ou nenhuma simpatia têm pela ideia colonial. Grande número deles são antigas colónias que ainda não conseguiram libertar-se do complexo anti-colonial. A União Soviética e os Estados, satélites são contrários a tudo o que vem do passado, com a agravante, neste caso, de se tratar de uma estrutura em que não participam.
Em todo o caso, Sr. Presidente, só até certo ponto e compreensível esta atitude, pois já não se compreende muito bem que alguns países sejam tão zelosos do progresso e da evolução para a autonomia das populações atrasadas que habitam os territórios dos outros, e tão dispostos a superintender e fiscalizar a sua administração, quando eles próprios têm nos seus territórios populações atrasadas sobre as quais não prestam quaisquer informações de carácter técnico e muito menos de carácter político, havendo mesmo casos em que a própria existência dessas populações só vagamente é conhecida.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Na verdade, todos ou quase todos os países fora da Europa Ocidental e Central têm no seu território populações indígenas ou aborígenes que vivem num estado primitivo de civilização em regiões de acesso difícil ou reservado e sem qualquer intervenção nos negócios políticos e administrativos do país a que pertencem.
O etnólogo australiano Charles Mountford - cito o caso unicamente por ter sido dos últimos que conheço - publicou recentemente um livro em que relata a estada que fez entre os aborígenes da região desértica da Austrália, onde foi encontrar a reprodução viva dos aspectos mais primitivos da civilização humana: população sem habitações permanentes, sem ferramentas metálicas, sem Cerâmica nem agricultura, num estado de civilização ainda mais baixo que o tipo clássico da idade da pedra.
Nos últimos trinta anos o Governo Soviético tem inundado o Mundo com o relato do tratamento das minorias nacionais no seu território, ao mesmo tempo
que impede os estranhos de verificarem por si se as condições de vida nas chamadas repúblicas independentes, autónomas e outras da União correspondem à velha afirmação da igualdade de direitos de todos os povos que a constituem.
Sabe-se hoje, por informações escrupulosamente colhidas nas próprias origens soviéticas, que a apregoada «política das nacionalidades» é simplesmente uma política colonial levada aos extremos mais reaccionários, com a deportarão em massa das populações nativos de certas repúblicas soviéticas e com a eliminação dos seus nomes dos mapas.
Casos «análogos, mais ou menos característicos, mais ou menos acentuados, dão-se em muitos países fora da Europa Ocidental e Central. Mas, como tais populações atrasadas ou perseguidas vivem naquilo que se pode considerar o território metropolitano, o estado respectivo não tem de submeter às Nações Unidas quaisquer informações sobre essas populações, nomeadamente sobre a evolução delas para a administração própria pelo conhecimento e prática da democracia. São esses Estados, com a esmagadora maioria de votos de que dispõem, que reclamam das oito potências coloniais membros da Organização relatórios pormenorizados com informações de natureza técnica, política e constitucional sobre os territórios não autónomos que administram.
Alguns sinais de tímido bom senso se vão contudo manifestando. A última Assembleia Geral das Nações Unidas, que interrompeu os seus trabalhos em fins do ano passado, para os recomeçar em 24 de Fevereiro, dedicou grande parte do seu tempo e da sua atenção a assuntos que só remota, e muitas vezes erradamente, só podem considerar assuntos coloniais. Mas as discussões em sessão pleatária não mostraram o mesmo sentimento de irresponsabilidade que muitas vezes domina os órgãos subsidiários que se ocupam da matéria.
As resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre a Tunísia e Marrocos foram mais moderadas do que as anteriormente aprovadas pela Comissão Política da Organização. Em todo o caso, o desejo que têm os Estados recentemente constituídos de ver a história da sua libertação repetida em todos os territórios do Mundo que não alcançaram a emancipação total, continua a produzir resultados infelizes. A última Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou resoluções que não sómente reafirmam o princípio da autodeterminação dos territórios não autónomos ou colocados em regime de curadoria, mas também sugerem que este «direito» poderá ser alcançado «por intermédio de plesbicito sob os auspícios das Nações Unidas».
Esta resolução, que pressupõe a existência de uma fórmula universal por meio da qual a arte e a ciência de governar podem obter-se e exprimir-se, seria ridícula se não fosse monstruosa, pela perturbação que vai criar nas populações que pretende auxiliar.
A complexidade do problema da existência, de inúmeras tribos e populações em diversos- graus de desenvolvimento não se elimina com afirmações optimistas de carácter geral. A própria Assembleia Geral das Nações Unidas reconheceu implicitamente as dificuldades do problema ao criar uma comissão para estabelecer a definição de território não autónomo. (Prevejo numerosas dificuldades no caminho hoje poderá conduzir à definição desejada.
Infelizmente, não é só nos sinédrios internacionais que as chamadas potências coloniais têm tido dificuldades nos últimos anos: é nos próprios territórios ultramarinos que administram.
A África, a Ásia e a Insulíndia são campos de luta e de revolta contra o europeu, que se sente hostilizado, odiado e escorraçado. Os acontecimentos que se vão desenrolando no Mundo adquirem maior relevo e me-
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lhor perspectiva quando examinamos contra o pano de fundo das discussões e manobras no seio dos organismos que, por trágica convenção, continuam a chamar-se de colaboração internacional.
Desta longa exposição de factos tiro uma conclusão imediata: temos que defender-nos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas penso que a nossa defesa não será difícil, e mesmo relativamente fácil, se na revisão da lei orgânica do ultramar a Assembleia Nacional der estruturação e aplicação integrais ao princípio constitucional da unidade política das onze parcelas geográficas que constituem o território nacional. As nossas responsabilidades nesta ocasião são grandes, não porque para nós se tenha aberto uma era nova, mas porque vamos por nossas mãos construir de novo o nosso próprio futuro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O sistema estrutural da Nação Portuguesa, constituindo um estado soberano de território dividido por onze parcelas geograficamente dispersas mas politicamente unidas e iguais na representação nacional e internacional, é especificamente nosso e sem igual no Mundo. Poucos estrangeiros o conhecem e ainda menos o entendem. Constitui não uma construção artificiosa, mas uma realidade actual, a que chegámos por um longo processo empírico de experiência colonizadora.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Délio Santos: - Empírica e racionalizada.
O Orador: - Ela foi empírica na sua evolução.
O Sr. Délio Santos: - Tivemos grandes pensadores que discutiram os problemas do ponto de vista do direito das gentes, da guerra justa, etc., de modo que talvez não devamos limitar-nos, à afirmação de empírica.
O Orador: - Junto, com muito prazer, a palavra racionalizada, que V. Ex.ª apresenta.
Sr. Presidente: sem vaidade, podemos afirmar que a nossa experiência ultramarina, mais de cinco vezes secular, adquirida no contacto com populações de todas as raças e em todos os graus de civilização, ultrapassa a de qualquer outro povo em antiguidade, em largueza e em variedade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Foi nas lindas ilhas do Atlântico Norte, que encontrámos desabitadas, que primeiramente experimentámos a nossa vocação colonizadora; e essas foram as primeiras terras do ultramar para as quais transportámos a nossa língua, as nossas tradições é a nossa fé.
Ao longo da costa de África, no desbravar do mar oceano para sul, o sistema foi diferente, porque o meio era diferente. A forma imediata de aproveitar os recursos naturais era o comércio com os habitantes; e para o assegurar se fundaram ao longo da costa as necessárias feitorias. Mas, ao mesmo tempo que caminhávamos no mar para sul, estabelecíamos o nosso domínio em Marrocos, assegurado pela tolerância com o povo vencido, ao lado do qual se juntam grande número de colonos da Europa. Foram os nossos marinheiros - honra lhes seja! - que, então e sempre, mantiveram os laços de união com a terra-mãe e o sentimento da unidade consubstanciado no rei.
Veio o império do Oriente, que teve em D. Francisco de Almeida e Afonso de Albuquerque os seus formidáveis realizadores. O primeiro assegurou o necessário domínio dos mares; o segundo pôs em prática os princípios essenciais da nossa política ultramarina, atraindo os nativos, dando-lhes direitos de cidadania portuguesa e descentralizando a administração sem quebra da, unidade nacional. E da Índia fomos à Malásia, à China, ao Japão e à Austrália.
Veio depois a colonização do Brasil, terra prometedora, que encontrámos escassamente habitada por nómadas antropófagos, cujo grau de civilização correspondia à idade da pedra. Durante três séculos, através de muitas vicissitudes, com pouca gente e pouco dinheiro, exportámos para o Brasil missionários, fidalgos e colonos, continuando daquele lado do Atlântico o sistema de colonização já por nós experimentado do lado de cá. Um dia, pelos erros dos homens, o Brasil separou-se da comunidade portuguesa; mas lá continua a falar-se a nossa língua, a praticar-se a nossa fé e a comemorar-se a nossa história.
Sulcámos os mares, desbravámos os continentes, lidámos com gente de todas as raças. Guiados pelo instinto genial dos nossos governantes, colonos e .soldados, imaginámos e pusemos em prática todos os grandes princípios e técnicas da colonização. E, depois de uma obra assombrosa, chegámos ao nosso tempo com um grande império, que, como nação, constitui uma unidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Este princípio, que já se encontrava expresso no Acto Colonial, é reafirmado ainda mais claramente na actual Constituição. Quer ele dizer que na Nação portuguesa não há um povo dominador e povos dominados, porque todos são iguais em direitos e em deveres, sem distinção de raça, cor ou local de nascimento, e todos podem ocupar qualquer lugar da sociedade, na administração e nas profissões.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não há no território nacional qualquer parcela a que possa aplicar-se a designação de possessão, domínio ou colónia, atribuindo a estas palavras a ideia de posse do território e de dominação da população que o habita. Seja qual for a definição de território não autónomo que a Organização das Nações Unidas venha a estabelecer, se o conseguir, ela não nos interessa directamente, porque não nós diz respeito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Na unidade nacional está a nossa defesa contra a intromissão abusiva de estranhos, que, em matéria de colonização a administração ultramarina, bem poderiam de nós receber lições.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas é preciso notar que a grande maioria dos estranhos não conhece, ou mal conhece, a estrutura política de Portugal; e temos por nosso Lado de nos acautelai- contra maneiras de dizer que traduzam com imperfeição o nosso pensamento.
O Sr. Melo Machado: - Em todo o caso eles vão vendo como as coisas se passam, entre nós.
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O Orador: - Mas V. Ex.ª sabe que há quem queira ser cego...
Chamo, por isso, a atenção da Assembleia para o artigo 60.º da proposta do Governo e para a base LXIV do parecer da Câmara Corporativa, que dizem, com pequenas diferenças de redacção, que constituem encargo da metrópole em relação ao ultramar as despesas consideradas de soberania, incluindo as de defesa, nacional, da Residência de S. João Baptista de Ajuda, de delimitação de fronteiras, do Padroado do Oriente e outras.
Não acho bem. A soberania reside na Nação, diz o artigo 71.º da Constituição Política; e, portanto, todos os direitos e encargos que, explícita ou implicitamente, correspondam à soberania competem à Nação em conjunto. A soberania nacional não reside num território em relação aos outros, ou na metrópole em relação ao ultramar. A divisão, convencional e precária, do território nacional em metrópole e ultramar não corresponde a uma dualidade política. É ainda a Constituição que estabelece que as províncias ultramarinas são solidárias entre si e com a metrópole, e que esta solidariedade abrange especialmente a obrigação de contribuir por forma adequada para assegurar a integridade e defesa de toda a Nação e os fins da política nacional definidos no interesse comum pelos órgãos da soberania.
Custar-me-ia, por isso, que num diploma emanado da Assembleia Nacional, onde todas as parcelas territoriais da Nação estão representadas em pé de igualdade, figurasse uma expressão que de qualquer forma diminuísse uma delas, ou um grupo delas, em relação às outras, sobretudo em assunto de tanto melindre como é a soberania nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: foi em épocas separadas que as potências coloniais da Europa Ocidental chegaram ao contacto com povos de civilizações diferentes e, em muitos casos, de civilizações atrasadas, e cada uma delas procurou resolver os problemas de administração ultramarina por processos seus e segundo as suas tradições, sem averiguar se o mesmo problema fora já atacado e resolvido por outra via noutro local.
No período fluido e difícil que se seguiu à guerra de 1939-1945, além dos ajustamentos internos impostos pelos acontecimentos, algumas nações europeias com territórios no ultramar sentiram a necessidade de rever as suas relações com estes territórios, necessidade imposta por motivos de carácter social e económico e também pela atitude crítica, de outros países e dos organismos internacionais perante o problema dos territórios não autónomos. Daqui resultou, nomeadamente em Inglaterra, um movimento de estudo e comparação dos métodos e processos de administração ultramarina.
Em fins de 1946 cinco colonialistas expuseram na Universidade de Londres, em conferências públicas, as características fundamentais da política colonial dos respectivos países, que eram a França, a Holanda, a Bélgica, Portugal e a Inglaterra. As cinco conferências foram publicadas pelo Instituto Real de Assuntos Internacionais, em volume prefaciado por Lord Astor, que, ao apresentar o conferente português. Dr. José de Almada, diz que ele descreveu «o império colonial mais fortemente centralizado do mundo moderno».
Importa pouco discutir a justeza da afirmação, à qual, de resto, já respondera treze anos antes o então Ministro das Colónias Dr. Armindo Monteiro, no discurso proferido na sessão inaugural da Conferência dos Governadores Coloniais, ao afirmar que esta Conferência marcava, na ordem externa a primeira realização de uma política de solidariedade que se propunha fazer considerar em comum, para serem dirigidos segundo um pensamento superior único, os interesses, as necessidades e as ambições dos milhões de portugueses espalhados pelos territórios do ultramar. Mas adiante, no mesmo discurso, disse:
A unidade da Nação exige unidade de pensamento directivo, quer dizer: unidade de acção governativa. Como poderíamos dizer que existia, unidade da Pátria onde cada parcela da Nação pudesse construir um ideal próprio e realizá-lo por seus meios exclusivos? Quem saberia falar de unidade nacional onde cada município, província ou colónia pudesse esquecer-se da comunidade a que pertence, para dar largas ao seu egoísmo e prosseguir tão-sòmente os seus interesses?
O mesmo Ministro, em discurso anterior, resumira em duas as grandes críticas à administração colonial portuguesa de então, cabendo dentro delas todos os vícios administrativos apontados pelos estranhos: falta de unidade de pensamento e falta de unidade de acção, em consequência de instabilidade governativa e da má ligação entre o Governo Central e as administrações locais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A instabilidade governativa, que felizmente desapareceu da administração pública portuguesa, é, por sua vez, consequência de um mal maior, que é a desorientação dos espíritos e a desunião entre os homens, cujas consequências podem ser gravíssimas.
O império dos Cruzados não sucumbiu, no século XIII, devido unicamente à superioridade dos Muçulmanos: foi vítima da anarquia que reinava na Cristandade.
O império português da Asia não desapareceu, no século XVII, unicamente porque Portugal era uma cabeça política, insuficiente para corpo tão vasto: foi vítima de dissenções internas na metrópole, do abaixamento geral de moralidade que delas resultou e de guerras na Europa que permitiram à finança- internacional recolher os seus despojos.
O império espanhol da América não se desmembrou, lio século XIX, unicamente porque a Espanha deixava de ser o que era: foi vítima da ideologia, revolucionária e das guerras civis que desvastaram a Península.
O almirante francês Auphan, depois de passar em revista, num livro «s recentes vicissitudes da história dos impérios coloniais do Ocidente, conclui dizendo:
Não é no ultramar que um império se perde: é na metrópole, como consequência de invasões que a desligam do ultramar, de guerras que conduzem a guerras civis ou de ideias que gangrenam as suas instituições.
Aos exemplos, antigos e recentes, apontados por ele poderei acrescentar o caso, bem nosso conhecido da desmembramento do Reino Unido de Portugal e Brasil, consequência da invasão da metrópole, da guerra civil surda que se seguiu à ocupação estrangeira e das ideias que conduziram à revolução de 1820.
A estabilidade governativa da administração ultramarina, no plano local tem coimo condição necessária, a eficiência do pessoal e dos serviços à disposição dos governos provinciais.
Para assegurar a eficiência do pessoal administrativo dos territórios do ultramar, conto - contamos todos - com a Escola Superior Colonial, fundada em boa hora pelo Ministro da Marinha e Ultramar Dr. Moreira Júnior e sucessivamente reformada, ampliada e me-
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lhorada. Dela têm saído e hão-de continuar a sair os quadros que, embebidos da tradição daqueles que os precederam, hão-de assegurar a permanência e o acréscimo do património moral e imaterial da Nação no ultramar.
Pelo que respeita aos serviços técnicos, as suas exigências e responsabilidades actuais no ultramar não são menores do que na metrópole. Os serviços de agricultura e pecuária, de estradas e caminhos de ferro, de portos aéreos e marítimos, de telecomunicações, de alfândegas, de educação e justiça, de prospecção científica, de saúde, etc., não são em regra produtores directos de riqueza. Mas são eles que fazem a prospecção básica das possibilidades económicas do território, que instalam e mantêm os meios indispensáveis à produção e circulação da riqueza e que contribuem para a segurança e eficiência das actividades económicas e outras.
Especialização técnica ultramarina, se alguma vez existiu, já desapareceu. O engenheiro Rui de Sá Carneiro, antigo Subsecretário de Estado das Colónias, afirmou publicamente em 1951, com a autoridade de vinte e oito anos de trabalho no ultramar:
Engenharia colonial, como expressão de técnicas especiais, não existe. O que é realidade é o meio colonial em que o engenheiro terá de projectar e construir.
E o mesmo se poderá dizer das outras técnicas científicas.
Por outro lado, os recursos nacionais em pessoal especializado e meios de trabalho são forçosamente escassos, e a sua dispersão ,por organismos parcelares, com pruridos de (independência e ambições de auto-suficiência, necessariamente conduz a um funcionamento defeituoso e a um rendimento precário. Impõem-se, por isso, a concentração de meios e a unidade de orientação dos «serviços técnicos do Estado na metrópole e no ultramar.
A Lei n.º 2 042, que organizou os serviços meteorológicos do ultramar, aprovada pela Assembleia Nacional há menos de três anos, constitui, deste ponto de vista, uma inovação interessante. Em cada uma das províncias ultramarinas foi instituído e está a funcionar um serviço, sob a autoridade imediata do governador, para dirigir o executar os trabalhos no território respectivo. O Serviço Meteorológico Nacional, que dirige e executa os trabalhos ma metrópole, coordena e assiste tecnicamente os serviços do ultramar, funcionando para este fim como direcção-geral do Ministério do Ultramar.
Esta estrutura permitiu salvaguardar o princípio fundamental da ordem administrativa, expresso no artigo 154.º da Constituição e reafirmado na Carta Orgânica do Ultramar em vigor, de que cada província é superiormente administrada, sob a superintendência do Ministro do Ultramar, por um governador, que é o mais alto agente e representante do Governo no território respectivo. Permitiu também salvaguardar o princípio fundamental da ordem técnica de que são iguais as responsabilidades dos serviços do Estado na metrópole e no ultramar.
É oportuno registar que nas onze parcelas geográficas que constituem o território nacional se trabalha actualmente neste campo, sob a orientação superior do Governo, com unidade de pensamento, de acção e de responsabilidades. E convém estar atento aos resultados desta experiência, para eventual aplicação futura dos mesmos princípios já orgânica de outros serviços, na medida em que for praticável e atendendo às características de cada um deles.
Sr. Presidente: tenho o prazer de informar V. Ex.ª de que cheguei ao fim desta longa e desluzida exposição (não apoiados) de alguns princípios de carácter geral que desejaria ver incluídos e claramente expressos na nova lei orgânica do ultramar. Oxalá eles sejam compreendidos, como julgo merecerem, pelo que valem para o progresso da Nação Portuguesa na sua unidade e na sua continuidade.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima será amanhã, à mesma hora e com a mesma, ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 20 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Carlos Mantero Belard.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Délio Nobre Santos.
José dos Santos Bessa.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Paulo Cancela de Abreu.
Teófilo Duarte.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Cruz.
António Joaquim Simões Crespo.
António Raul Galiano Tavares.
António de Sousa da Câmara.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Henrique Linhares de Lima.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Cardoso de Matos.
José Diogo de Mascarenhas Galvão.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luís da Silva Dias.
José Pinto Meneres.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel de Sousa Meneses.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
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CÂMARA CORPORATIVA
V LEGISLATURA
PARECER N.º 39/V
Proposta de lei n.º 219
A Câmara Corporativa, consultada acerca da proposta, de lei n.º 219, em que, nos termos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, se transformou o Decreto-Lei n.º 38 704, ratificado com emendas pela Assembleia Nacional na sessão de 21 de Abril de 1952, emite, pela sua secção de Política e economia coloniais, à qual foram agregados os Dignos Procuradores Fernando Emídio da Silva, Luís Supico Pinto e Manuel Alberto Andrade e Sousa, sob a presidência, de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
I
Apreciação na generalidade
1. O Decreto-Lei n.º 38 704, de 29 de Março de 1952, que instituiu nas províncias ultramarinas o imposto sobre os excessos de cotação de alguns produtos delas exportados (sobrevalorizações), foi pelo Governo mandado submeter à apreciação da Assembleia Nacional. A Assembleia Nacional apreciou largamente o decreto em discussão generalizada, a qual terminou pelo seguinte voto unânime: aprovada a ratificação com emendas (Diário das Sessões n.º 157, de 22 de Abril de 1952, p. 836).
Em virtude desta votação o Decreto-Lei n.º 38 704 - embora, continue em vigor - transformou-se em proposta, de lei e, nos termos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, veio à Câmara Corporativa para que esta a examinasse e desse o seu parecer.
2. A muitas pessoas pareceu evidente, à primeira leitura do Decreto-Lei n.º 38 704, que os intuitos do legislador ao publicá-lo eram sobretudo - senão exclusivamente - de natureza fiscal: obter recursos extraordinários para obras e trabalhos capazes de promover, directa ou indirectamente, nos territórios ultramarinos, a imigração e fixação de famílias europeias (colonização étnica).
O curto preâmbulo do decreto e todo o articulado vincam esta feição. A ela se referiram, com grande vigor, os comentários e reclamações dos interessados e os discursos da maioria dos Srs. Deputados que daquele diploma se ocuparam.
A discussão parlamentar e certas informações de evidente origem oficial revelaram, entretanto, outro aspecto mais grave do problema das exportações dos produtos ultramarinos e das sobrevalorizações obtidas: o aspecto monetário, traduzido pelo aumento exagerado dos créditos inscritos a favor de Portugal nas contas da União Europeia de Pagamentos (U. E. P.), e este aspecto,. porque interfere com a economia geral do País (metrópole e ultramar), sobreleva, porventura, em importância o dos impostos e outros encargos que incidem sobre o excesso das cotações. A este respeito já o Governo dera amplas e claras explicações na nota oficiosa de 10 de Março, motivo, segundo parece, porque se dispensou de se lhe referir expressamente no preâmbulo ou no articulado do Decreto-Lei n.º 38 704. Seja, porém, qual for o motivo da omissão, o Governo resolveu supri-la na nota oficiosa de 15 de Maio de
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1952, por meio da qual esclareceu devidamente os dois problemas: o das relações com a U. E. P. e o dos encargos que fez incidir sobre os excessos das cotações dos produtos exportados (sobrevalorizações).
3. Em regra, é sempre mais difícil formar um juízo crítico imparcial das propostas de lei em que, pela ficção constitucional, se convertem os decretos-leis «ratificados com emendas» pela Assembleia Nacional do que das propostas ou projectos de lei directamente submetidos à Câmara Corporativa para seu estudo e parecer.
Não escapa à regra o Decreto-Lei n.º 38 704, de 29 de Março de 1952.
As discussões parlamentares contraditórias, as reclamações e críticas apaixonadas dos interessados, os artigos dos jornais e revistas, nem sempre isentos de parcialidade ou escritos por pessoas competentes e bem informadas, as deformações que no renhir das polémicas foram sofrendo os conceitos e grandes princípios jurídicos, políticos, morais ou económicos por que se orientaram os legisladores, os próprios factos de o decreto-lei continuar em vigor e o seu regulamento (Decreto n.º 38 757) ser de data posterior à do voto parlamentar, tudo contribui para tornar difícil e delicada a escolha dos textos sobre os quais devem incidir mais profundamente a análise e as críticas da Câmara Corporativa e constituir objecto especial do seu parecer.
É evidente, no caso presente, que tais estudos e pareceres não podem incidir unicamente - como seria de esperar - sobre o texto do Decreto-Lei n.º 38 704.
Com efeito, como atrás se disse, o próprio Governo entendeu que certas críticas, dúvidas e reclamações provinham, sobretudo, da dificuldade que os interessados e alguns dos seus defensores mais cotados encontraram para descobrir as verdadeiras intenções do Governo e avaliar o alcance -não explícito no preâmbulo ou no articulado do decreto- de algumas das disposições promulgadas, às quais se atribuíram propósitos muito diferentes dos verdadeiros. Reconhecidas, porém, as obscuridades ou insuficiências do texto primitivo, o Governo - repete-se - resolveu publicar a nota oficiosa, de 15 de Maio, destinada a «esclarecer a opinião pública sobre as razões e o sentido das providências adoptadas com o fim, de salvaguardar os superiores interesses da economia nacional».
Esta nota oficiosa faz, portanto, logicamente parte do texto do decreto-lei objecto da discussão e voto da Assembleia Nacional, e como tal será considerada pela Câmara.
O mesmo - e por quase idênticas razões - se pode dizer do Decreto n.º 38 757 (regulamento) que muito ajuda a interpretar certas disposições da lei fundamental (Decreto-Lei n.º 38 704) e de outras e atenua o seu rigor aparente.
São estes três os documentos de fundo, sobre os quais devem recair a análise, os comentários, e, em suma, o parecer da Câmara Corporativa.
Mas o próprio Governo entendeu, e deixou expresso na nota oficiosa de 15 de Maio, que aos objectivos do Decreto-Lei n.º 38 704 não eram estranhos os do Decreto-Lei n.º 38 659 e da nota oficiosa de 10 de Março de 1952, isto é, da posição credora de Portugal na União Europeia de Pagamentos (U. E. P.). Assim, o n.º 4 da nota oficiosa de 15 de Maio começa pela seguinte afirmação:
Diversos, embora estreitamente Ligados com o . que antecede, são os problemas suscitados pela publicação do Decreto-Lei n.º 38 704, relativo à tributação a condicionamento de aplicação das sobrevalorizações verificadas na exportação ultramarina.
Esta comunidade de objectivos - embora procurados por vias diferentes impostas pelo ambiente peculiar, económico e social dos territórios ultramarinos - leva a considerar como elementos subsidiários de interpretação as doutrinas pré-estabelecidas nos Decretos-Leis n.ºs 38 405, 38 561 e 38 659 e esclarecidas na nota oficiosa de 10 de Março de 1952 e outras posteriores, todas referentes às relações de Portugal com a U. E. P.
Também, durante o tempo consagrado ao estudo do Decreto-Lei n.º 38 704 e à recolha de informações concernentes aos resultados da sua aplicação, teve a Câmara Corporativa de se pronunciar sobre a proposta de lei que instituiu o importante Plano de Fomento já aprovado pela Assembleia Nacional e que se pretende executar no período de 1953-1958, e porque este Plano, na parte relativa ao ultramar, interfere com o plano de aplicações das receitas colhidas em virtude daquele decreto-lei, terá a lei que manda executar o referido Plano de Fomento de ser incluída entre os elementos de apreciação do Decreto-Lei n.º 38 704.
4. Além dos documentos oficiais e oficiosos citados no número antecedente e dimanados do próprio Governo não pode a Câmara Corporativa deixar de considerar os discursos de ataque e defesa pronunciados na Assembleia Nacional (ver Diário das Sessões n.ºs 146, 147, 148 - discursos antes da ordem do dia - e 155, 156, 157 - discursos na ordem do dia e votação) e ainda as reclamações apresentadas à Assembleia Nacional e à Câmara Corporativa pelos organismos económicos interessados.
5. É critério admitido - aliás sancionado pelo artigo 41.º, alínea c), do Regimento da Assembleia Nacional - que a «ratificação com emendas» de qualquer decreto-lei implica a aprovação dos princípios gerais da lei e da oportunidade da sua promulgação.
O Governo deu a mesma interpretação ao voto da Assembleia Nacional e para que não Testassem dúvidas no ânimo de quem quer que fosse expressamente declarou no n.º 11 da nota oficiosa de 15 de Maio do ano findo: «A Assembleia Nacional com aprovar a ratificação do decreto com emendas deu a sua adesão formal aos princípios fundamentais que o dominam...».
A apreciação na generalidade do Decreto-Lei n.º 38 704 não tem pois cabimento no presente estudo. Todavia foi principalmente contra os mesmos «princípios fundamentais» que se pronunciaram os mais violentos ataques dos opositores. Esta circunstância e a unanimidade do voto que encerrou a discussão na Assembleia Nacional impuseram à Câmara Corporativa a necessidade de retomar o exame - embora sucinto - da proposta de lei na generalidade, para dela deduzir e pôr em claro relevo os aludidos «princípios fundamentais». À face deles têm de ser considerados os artigos da proposta de lei.
6. A proposta de lei (o ex-Decreto-Lei n.º 38 704), fazendo incidir determinados encargos sobre o valor da exportação de algumas mercadorias produzidas nos territórios ultramarinos, parecia ser - e foi de começo - uma lei tributária ordinária e, nesta, qualidade, não faltaram aos opositores argumentos para impugnarem a justiça e a oportunidade do texto.
Na realidade, a lei pretendeu tributar ou reter os excessos de lucros - as denominadas «sobrevalorizações» (artigo 3.º). Ora o lucro é coisa tão fluida e indeterminada a priori que os próprios empresários - produtores ou comerciantes exportadores - não conseguem fixá-lo de antemão. O legislador, reconhecendo esta dificuldade, procurou resolvê-la por um artifício de aparente facili-
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dade de aplicação: a diferença entre as cotações registadas no ano fiscal da aplicação e no ano padrão de 1949 (artigo 2.º).
Manifesta-se aqui, um dos tais «princípios fundamentais» mais de uma vez referidos: manter-se constante a unidade de mediria dos valores ou, por outras palavras, a moeda fiduciária (única que hoje circula da Europa) não mudou de valor a partir de 1949.
Infelizmente, tal não sucede, não obstante os esforços persistentes do nosso e dos outros governos para o conseguir. A moeda, considerada padrão de medida de valores, tornou-se elástica.
Os preços, expressos nessas moedas, dos objectos e dos serviços (salários) são variáveis, e portanto o mesmo sucede ao custo de produção de qualquer mercadoria. Porque assim acontece, ao aumento de cotações dos produtos exportados não corresponde necessariamente aumento de lucros dos exportadores. Pode mesmo acontecer - pelo menos em teoria - que o aumento de cotação não represente senão o menor valor da unidade monetária em que se exprimem os preços.
Os autores da lei, que muito bem conhecem estes fenómenos monetários, entenderam, porém, não os considerar e legislaram como se tais fenómenos não fossem nitidamente manifestos em todos os actos diários da actividade económica de cada cidadão, a começar nas compras miúdas da praça». A lei apenas considera como merecedoras de atenção as influências que, porventura, possa exercer nos lucrou - e portanto nas «sobrevalorizações» - o «agravamento de impostos que entretanto tenha havido» (artigo 2.º).
O princípio da imutabilidade do padrão de valores ou, mais propriamente, da «constância de valor da moeda» - que por instinto se admite - não deve, portanto, servir, explícita ou implicitamente, para justificar qualquer disposição da lei.
7. Mas houve ou não houve sobrevalorizações, no sentido de aumento de lucros?
O Governo, a Assembleia Nacional e os «próprios exportadores admitem que houve, para determinados produtos. A Câmara Corporativa não hesita em partilhar este sentimento ou opinião, embora não julgue fácil, nem talvez possível, determinar o seu quantitativo.
O simples indicador estatístico, que são as cotações, é, no caso presente, insignificativo, porque o fenómeno, como ficou dito, aparece influenciado pelas depreciações monetárias e - no caso das exportações para a Europa - pela interposição da U. E. P. (Ver notas oficiosas de 10 de Março, 15 de Maio e de 3 de Julho). Parece, com efeito, que alguns importadores estrangeiros, ansiosos por acumularem stocks de produtos tropicais, oferecem preços avultados, sem grandes preocupações de pagamentos nos prazos habituais em moeda internacional. Procedem como aqueles negociantes imprevidentes e aventureiros que, não dispondo de meios de pagamento, se limitam a mandar pôr na conta os seus débitos. Pagar-se-á quando for possível, se for possível. Como se sabe (ver nota oficiosa de 3 de Julho), foi necessária, ainda há pouco, uma enérgica intervenção do Governo Português, junto dá própria administração da U. E. P. para evitar que se operasse uma espécie de consolidação do avultado saldo credor de Portugal.
Em conclusão: entende a Câmara Corporativa que não foi certamente intenção do Governo tomar como base de um imposto regular uma matéria tributável de tão insegura avaliação. Haveria injustiças para os contribuintes e descrédito para o Estado. O Decreto-Lei n.º 38 704 não é, portanto, uma lei tributária ordinária.
8. O Estado não pretendeu tributar rendimentos segundo os preceitos clássicos estabelecidos; mas captar por certas formas uma certa modalidade deles, impedindo-os de influírem nocivamente na circulação monetária, e, portanto, na economia geral do País. E tanto assim foi que a lei só considera onerável uma percentagem (75 ou 85) por cento das sobrevalorizações), e não a totalidade dos chamados lucros, e a captação toma cumulativamente a forma definitiva de imposto (20 por cento) ou de retenção temporária (50 por cento) da referida parte variável.
Note-se, desde já, que várias leis tributárias concedem isenções de base, isto é, mínimos fixos de rendimento ou de valor que não são passíveis de imposto, ao passo que a lei em estudo isenta percentagens da sobrevalorização (25 ou 15 por cento), de modo que quanto mais volumosa for a exportação feita por determinada empresa maior será a isenção de base que lhe é concedida, com todas as consequências morais e financeiras que é fácil adivinhar.
Pois que se consideram admitidos os princípios fundamentais do Decreto-Lei n.º 38704, a Câmara Corporativa limita-se a registar esta talvez pouco recomendável modalidade do princípio das isenções tributárias.
9. Ao contrário também das leis tributárias ordinárias, a presente lei fixa os destinos muito especiais a dar ao produto ou apropriação definitiva de unia parte da sobrevalorização: certas obras de fomento, custeio de alguns serviços, etc. O princípio, porque se considera aceite pela Assembleia Nacional, é hoje indiscutível. A Câmara Corporativa nota, todavia, que há divergências entre as curvas que representam a produtividade do imposto e o custo das obras de fomento e povoamento que pelo produto do mesmo imposto devem ser custeadas. A produtividade deve diminuir - e tende já a diminuir - com o esvaecimento das causas psicológicas que determinaram as sobrevalorizações; o custo das obras, trabalhos e materiais deve aumentar mesmo durante a execução, com a queda continuada do valor da moeda e consequente aumento do custo dos salários e materiais.
A retenção ou depósito obrigatório (artigo 7.º) de 50 por cento da parte onerável das sobrevalorizações escriturado em crédito do exportador não constitui prática nova na legislação portuguesa; é uma das providências de que os governos lançam mão nas suas tentativas para sustar a queda das moedas nacionais ou conjurar a ameaça que representa a acumulação de créditos - praticamente incobráveis ou dificilmente cobráveis - que figuram nas contas da U. E. P. (ver, por exemplo, o Decreto n.º 38 659, de 26 de Fevereiro de 1952).
O que representa novidade - e parece constituir uma inexplicável contradição - é a faculdade concedida aos exportadores de utilizarem os referidos créditos, mediante autorização do Ministro do Ultramar (artigo 7.º), pois que as somas retidas, uma vez postas a circular, reproduzem os efeitos monetários que a retenção se destinava a evitar.
10. Também constitui um princípio novo a imposição pelo Estado de certas aplicações de dinheiros que o próprio Estado reconhece serem propriedade dos titulares dos depósitos. Não será um caso de comparticipação do Estado na administração dos bens dos particulares, sem compartilhar nas correspondentes responsabilidades? Não seria preferível captar, definitivamente, uma parte maior das sobrevalorizações, sob a forma de imposto, e destinar o produto desse imposto aos fins indicados na alínea b) do artigo 7.º para o empréstimo a 3 por cento?
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11. Desta análise sumária dos «princípios fundamentais» que dominam a estrutura do Decreto-Lei n.º 38704, e que, por convenção, se devem considerar intangíveis, resultou para a Câmara Corporativa o convencimento de que a promulgação de tal diploma obedeceu a necessidades imperiosas e urgentes da Administração, que o mesmo é dizer do bem público: tributar rendimentos excepcionais do comércio de exportação e aplicar p produto do imposto em obras e serviços de fomento e povoamento das próprias províncias exportadoras; depois reter uma parte ainda maior dos mesmos rendimentos para retardar a velocidade de circulação monetária e impedir, na medida do possível, que se fizessem sentir os efeitos da correspondente inflação e, sobretudo, o «agravamento» (?) da posição credora de Portugal nas contas da U. E. P.
O próprio Governo, segundo parece, considerou o decreto-lei como uma providência transitória, pois não lhe escapou, certamente, o facto de certas sobrevalorizações - porventura a totalidade delas - serem temporárias e não poderem servir de base a um sistema tributário perdurável e suficiente para custear obras tão dispendiosas e variadas como as indicadas no artigo 5.º
Na nota oficiosa de l5 de Maio de 1952 se declara textualmente:
E deve crer-se que essa execução - a do Decreto-Lei n.º 38704 - constituirá um elemento experimental de grande valor, não só para o parecer da Câmara Corporativa, como para ulterior discussão na Assembleia Nacional.
Por outro lado, a base VII da proposta de lei relativa ao Plano de Fomento manda, na parte relativa ao ultramar, que ele seja dividido em fases, e a base viu deixa transparecer igualmente o receio da insuficiência das receitas da mesma proveniência.
12. Do que fica exposto nos números anteriores resultou para a Câmara Corporativa a convicção de que o próprio Governo nunca considerou o Decreto-Lei n.º 38704 como baseado em princípios filosóficos ou conceitos financeiros intangíveis, mas em práticas a que os governos recorrem quando interesses superiores da comunidade o aconselham, e que é de boa política alterar sempre que a experiência revele inconvenientes práticos ou injustiças graves. Os tais «princípios fundamentais», entende a Câmara, servem apenas para o período de experiência. Desde que revelem inconvenientes ou defeitos graves devem rever-se e modificar-se. Foi esse, sem dúvida, o significado do voto unânime da Assembleia Nacional e corresponde ao modo de ver desta Câmara.
A experiência a que se refere a nota oficiosa atrás citada já fornece apreciáveis elementos para reconhecer, no meio da incerteza geral dos movimentos político-económicos da Europa, a tendência geral da evolução da procura das mercadorias sobre valorizadas.
No período decorrido de Junho a Dezembro de 1952 a situação que existia à data da publicação do decreto modificou-se. A situação credora de Portugal na U. E. P. deixou de preocupar o Governo; as exportações de café passaram, em grande parte, a dirigir-se para os Estados Unidos; algumas das mercadorias especificadas no artigo 1.º deixaram de ter sobrevalorização; foi aprovado o Plano de Fomento, que na parte relativa ao ultramar inclui obras na importância de 6:000 milhares de contos, que devem ser realizadas, tanto quanto possível, em seis anos e consumirão uma parte avultada dos recursos obtidos pela aplicação do decreto-lei, etc.
Parece chegado, portanto, o momento de substituir a alei de urgência» que está em execução por uma «lei» em que se suprimam ou atenuem alguns dos inconvenientes atrás citados e se dê satisfação, na parte em que foram justos e bem fundados, aos desejos manifestados por muitos dos Srs. Deputados durante os longos debates da Assembleia Nacional.
A Câmara Corporativa não hesitará, nestas condições, na análise que vai fazer dos artigos do Decreto-Lei n.º 38 704, em recomendar todas as alterações de forma ou de doutrina que se lhe afigurarem mais convenientes, sem observar rigidamente os aludidos «princípios fundamentais».
II Exame na especialidade
ARTIGO 1.º
1. Este artigo sujeita, em princípio, ao regime geral das sobrevalorizações» todas as mercadorias exportadas pelas províncias ultramarinas; mas na aplicação reserva para o Governo a faculdade de especificar em portaria as mercadorias «cuja sobrevalorização deverá ser considerada».
Como consequência lógica desta disposição entende-se que o Governo pode libertar de tais encargos em qualquer ocasião as mercadorias a eles sujeitas, nos termos do mesmo artigo.
2. O § único do artigo 1.º designa algumas mercadorias que ficam desde logo sujeitas ao novo regime. São apenas alguns produtos provenientes das províncias de S. Tomé, Angola e Moçambique. Idênticos produtos que porventura sejam exportados por outras províncias ficam isentos. A isenção pode justificar-se por duas razões: a primeira é que as quantidades dos tais produtos exportados por algumas províncias são em pequenas quantidades; a segunda, que se encontra no preâmbulo do decreto-lei, é que o Governo teve em consideração «o custo da produção e a desigualdade dos sistemas tributários e pautais nas várias províncias e a justiça de, por em função das condições reais de cada uma».
A Câmara Corporativa não pode deixar de admitir estas razões porque correspondem a realidades sensíveis, embora pareçam contrariar o princípio abstracto, tantas vezes mal invocado, da «unidade imperial».
3. A Câmara, entretanto, julga do seu dever formular algumas observações a propósito daqueles motivos.
Perante o comprador estrangeiro de determinado produto - por exemplo, o café - o exportador português é sempre uma entidade impersonalizada -o vendedor -, cuja mercadoria tem um valor determinado pelas leis da oferta e procura e outras circunstâncias, económicas ou não, que actuam sobre o espírito do comprador, independentemente do habitat geográfico do vendedor. Loco, se o exportador de uma província ultramarina sujeita a regime de sobrevalorização vender a sua arroba de café de certa espécie por preço igual ao de outra não atingida pelo mesmo regime, haverá desigualdade de tratamento entre um e outro, embora ambos sejam cidadãos portugueses, trabalhem em territórios portugueses e produzam mercadorias idênticas. Quer dizer: a igualdade que pretendemos estabelecer entre brancos e negros é recusada no caso presente aos brancos de territórios considerados. Tal consequência nunca foi, evidentemente, desejada pelo Governo, mas resulta ou pode resultar de se ter adoptado um método indirecto de auxílio aos agricultores de certos territórios ultramarinos.
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Melhor seria, parece a esta Câmara, tributar igualmente os produtos sobrevalorizados, exportados de qualquer parte daquela entidade que pretende ser perante os mercados estrangeiros a unidade económica portuguesa e aplicar os recursos da Nação no auxílio devido aos produtores que dele carecerem, se o bem comum o justificar. Parece que para isso se instituiu o departamento de fomento no Banco de Angola e se vai criar (ver Plano de Fomento) o Banco de Fomento do Ultramar.
4. Aquela espécie de bónus concedida -como no exemplo citado - aos cultivadores de café de algumas províncias ultramarinas poderá mesmo, se a situação actual se prolongar, levar a reduzir as áreas de cultura de café numas e ampliá-las noutras. As «valorizações brasileiras, como se sabe, iam arruinando de vez a cultura do café de Angola, o qual chegou a desaparecer quase totalmente do mercado metropolitano, expulso pela concorrência do produto sul-americano. Ainda nos primeiros vinte e cinco anos deste século se encontravam, por exemplo, na região de e noutras do Norte de Angola plantações de café iteiramente abandonadas, com edificações e tudo.
5. Também merece alguma atenção outro pequeno reparo, que tem sido formulado várias vezes e que parece, em parte, justificado.
As obras de fomento consideradas no decreto não beneficiam senão indirectamente os produtores das mercadorias especificadas no artigo 1.º, mas realizam-se em proveito de todos os actuais e futuros colonos - estes principalmente-, e, no entanto, são os actuais exportadores dos referidos produtos -e só eles- que suportam o correspondente encargo, quer pagando o imposto de sobrevalorização, quer contribuindo para o capital de fomento e povoamento.
Mais ainda: retomando o exemplo do café de Angola, verifica-se que as principais e mais dispendiosas obras de fomento estão localizadas no Sul da província e que as regiões produtoras do café estão no Norte. E no Sul, nas zonas de melhor clima, que se vão executar as grandes obras de hidráulica e desenvolver o povoamento europeu mas são os plantadores de café que operam no Norte, na zona mais próxima do Equador, a mais quente, húmida e insalubre os que pagam os benefícios que não fruem.
A Câmara Corporativa sabe que idênticas queixas se reproduzem, com mais ou menos veemência e justificação, sempre que os recursos gerais de uma nação são aplicados em benefício de unia parte especial do território: Lisboa e as terras da província, as terras do litoral e as das Beiras, as do Norte e as do Alentejo, do Algarve, etc. Mas, no caso considerado de Angola, o que torna mais sensível a desigualdade de tratamento é que a lei onera certas especialidades de produção e certas classes pouco numerosas de produtores, em benefício de numerosas pessoas, ainda não determinadas, e que nunca aplicaram em Angola nem o seu trabalho nem os seus capitais. É da condição humana que a singularidade de um mal agrave o sofrimento de quem o suporta. O que não exclui a boa razão do queixume.
6. A Câmara julga que, conferindo a lei ao Ministro do Ultramar a faculdade de indicar em portaria as mercadorias cuja sobrevalorização deve ser tributada, não convém fazer-se qualquer enumeração dessas mercadorias, até para não criar a dúvida sobre se poderão deixar de ser tributadas mediante portaria ministerial. Por isso se propõe a supressão do § único do artigo l.º do Decreto-Lei n.º 38 704.
7. Também parece à Câmara que o regime das sobrevalorizações não deve abranger os produtos exportados para outras províncias ultramarinas ou para a
metrópole, desde que se trate de produtos com preços de venda oficialmente fixados no destino. A justificação deste critério resulta evidente em face do seguinte:
Destinando-se a lei a tributar as sobrevalorizações resultantes de uma alta anormal das cotações, consequência de fenómenos estranhos à própria economia ou disciplina económica nacional, não faz sentido que não se excluam expressamente os produtos que, pelo seu volume ou importância para o consumo, já foram objecto de atenção especial do Governo, o qual, por si ou pelos seus órgãos de intervenção económica, lhes fixou preços e condições especiais de comércio segundo um critério de defesa do consumidor que afasta, pelos próprios fins que se procuraram atingir, qualquer ideia de sobrevalorização susceptível de ser abrangida nos princípios que norteiam a proposta em apreciação.
Dentro desta ordem de ideias, entende a Câmara que o artigo l.º deve ter um § único redigido em termos de expressamente prever a exclusão que se considera fundamentada, mas por forma a que não fiquem fora do regime das sobrevalorizações os produtos em relação aos quais não existam preços de venda oficialmente fixado», pois quanto a estes não procedem as razões invocadas para a exclusão. Sugere-se que o parágrafo tenha a seguinte redacção:
§ único. O regime estabelecido nesta lei não se aplica às mercadorias exportadas para outras províncias ultramarinas ou para a metrópole, desde que tais mercadorias sejam vendidas a preços oficialmente fixados no território de destino.
ARTIGO 2.º
1. O artigo 2.º define o que se deve entender legalmente por «.sobrevalorização» e como esta se determina. «Sobrevalorização» é uma diferença de «cotações» a favor do exportador.
Distingue-se da «maior valia» porque não houve diferença de propriedade ou de utilização da mercadoria, mas apenas maior procura das quantidades disponíveis. É função das circunstâncias políticas, económicas e, sobretudo, psicológicas, que formam a «conjuntura». É, portanto, ocasional por natureza e sobre ela não se pode fundar nenhum sistema de alimentação regular de qualquer «fundo», sobretudo quando este se destina a custear obras de grande vulto, e que só podem ser executadas em muitos anos, ou a sustentar instituições cuja vida se presume ter duração indefinida (escolas, seguros sociais, etc.).
A Câmara propõe a supressão da referência às «Bolsas ou praças de Londres e Nova Iorque» que se encontra no Decreto-Lei n.º 38 704, em virtude de no regulamento constante do Decreto n.º 38 757, artigo 1.º, já se ter previsto a impossibilidade de obter cotações dessa proveniência e providenciado sobre o modo de suprir a falta. Bastará, pois, agora remeter para o regulamento, o que evitará qualquer discordância deste com a lei.
2. Na parte I (n.º 3 a 7) deste parecer a Câmara Corporativa já fez notar que, para conhecer o aumento real de lucros do exportador, não basta corrigir a diferença das cotações em 1949 e nos meses do corrente ano e seguintes do a agravamento de impostos que tenha havido». A Câmara chamou a atenção para a desvalorização da moeda que naquele período se operou e parece continuar, como o demonstram o acréscimo da circulação fiduciária, a concessão de subvenções aos funcionários da metrópole e do ultramar e, mais explicitamente, a evolução do índice do custo da vida em Lisboa (ver mapa anexo n.º 25 à proposta da Lei de Meios para 1953) ou registada nas estatísticas ultra-
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marinas. É certo que a correcção do valor da moeda introduz uma nova complicação no sistema, a qual não será talvez insuperável, uma vez que as estatísticas ultramarinas (a de Angola, por exemplo) já registam os preços de venda a retalho dos produtos de consumo doméstico e até os índices do custo da vida.
3. Dutra correcção que ; talvez .valha & pena tentar - querendo manter o princípio implícito no artigo 2.º- é o do custo da mão-de-obra indígena e o da compra aos produtores indígenas das mercadorias tributadas nos termos do artigo l.º, e tendo-se em vista a salutar doutrina do artigo 4.º-do Decreto-Lei 11.º 38757 (regulamento para a «execução do Decreto-Lei n.º 38 704).
4. O princípio do recurso {mencionado no i§ único do artigo 2.º deve manter-se.
portando-se às observações anteriores, parece à Câmara Corporativa que redacção ido artigo 2.º ficaria talvez melhor adaptada os realidades com os seguintes aditamentos:
Art. 2.º A sobrevalorização, por unidade de peso ou de volume, das mercadorias submetidas ao regime instituído por esta lei determinar-se-á pela diferença entre a média anual das cotações do produto, calculada pela forma que for estabelecida em regulamento, relativamente a 1949 e ao mês em que se fizer a exportação.
§ l.º ... e nela se tomará em conta o agravamento de impostos que entretanto tenha havido, o aumento de custo da mão-de-obra, as variações de preço dos géneros de produção indígena e a variação do valor da moeda.
ARTIGO 3.º
1. É neste artigo que se contém a fórmula da tributação e da captação - ou depósito - das sobrevalorizações avaliadas nos termos do artigo ,2.º
Em primeiro lugar o artigo -3.º estabelece uma distinção entre exporta dor produtor e exporta dor- não produtor, favorecendo-se os primeiros, sem dúvida sob a impressão de que o ,produtor está mais sujeito às repercussões dos factores que influem no custo de produção do que o simples exportador. Não julga a Câmara Corporativa que assim aconteça na maioria idos casos.
O produtor vai seguindo desde início as variações do custo de produção, e pode cobrir-se a tempo dos crescentes encargos aumentando o preço de venda ao intermediário. O mesmo parece comprovar o mau êxito de numerosas tentativas feitas por produtores - agricultores ou industriais- de venda directa aos consumidores e retalhistas. A boa direcção de uma empresa agrícola ou industrial é já suficiente para absorver a capacidade de atenção do empresário. Por sua vez a organização do comércio por grosso, sobretudo o de exportação, requer atenção, cuidados e finura, que constituem uma verdadeira e não fácil especialização e comporta riscos e surpresas difíceis de prever.
A Câmara Corporativa sugere, portanto, que se suprima a diferença de tratamento entre as duas categorias de contribuintes.
2. Como se notou na parte I deste parecer, o Decreto-Lei n.º 38 704 estabelece uma. «isenção de base» de 25 ou l5 por cento da sobrevalorização, conforme as já referidas categorias de exportadores.
Parece à Câmara Corporativa que, pelas razões já alegadas, tal sistema de isenções, crescentes com o vulto dos negócios, leva o resultados que não correspondem, com certeza, às boas intenções dos autores da lei. Mas a própria isenção não se justifica, nem foi aplicada na lei equivalente da metrópole
(Decreto-Lei n.º 38 405).
A Câmara Corporativa sugere que se suprima.
3. O artigo 3.º do decreto-lei faz incidir sobre a parte tributável das sobrevalorizações. duas espécies ide encargos:
a) Um imposto de 20 por centos;
b) Uma captação ou a «congelação» -chamar-lhe-emos «retenção»- de 50 por cento.
O imposto fica desde - logo adquirido - pelo Estado e destina-se ao Fundo de Fomento e Povoamento, criado pelo artigo 4.º
A retenção ide 50 por cento é temporária, mas por período indeterminado. Nominalmente fica pertencendo ao exportador, mas o Estado é que dela dispõe, ou assinalando-lhe o destino ou ditando as aplicações que o exportador lhe poderá dar, se quiser reavê-la. Enquanto na posse do Estado constitui um «depósito» no banco emissor, denominado «capital de fomento e povoamento».
4. Atendendo ao que ficou dito na parte deste parecer (n. os 7, 8 e 9) te nas observações anteriores, parece à Câmara Corporativa que ao artigo 3.º mais conviria uma redacção .semelhante à do artigo l.º do Decreto-Lei n.º 38 405, (de 22 de Agosto de 1951, aditando-lhe um § l.º, nos seguintes termos ou semelhantes:
Art. 3.º É autorizado o Ministro do Ultramar a tributar ,a sobrevalorização das mercadorias produzidas e exportadas pelas províncias ultramarinas, não devendo a taxa exceder-o limite ide 50 por cento das sobrevalorizações.
§ 1.º A taxa do imposto será a mesma para as mercadorias ide igual natureza exportadas por qualquer das províncias ultramarinas.
O limito de 50 por cento fixado para as taxas do imposto é inferior ao do Decreto-Lei n.º 38 405, promulgado para a metrópole, que é de 60 por cento, e isto pelas razões seguintes: a taxa efectiva do imposto fixada pelo Decreto-Lei n.º 38 704 é de 15 por cento, no caso de exportadores-produtores, e d p .1.7 «por cento, no cãs» de exportadores não produtores. Mas tanto uns como outros depositam 50 por cento da sobrevalorização, o que eleva o anos total a 52,5 por cento ou 59,5 por cento para os primeiros ou segundos, respectivamente. A média do encargo é de 5 por cento da sobrevalorização. É certo que o capital de fomento e povoamento é creditado o banco emissor em nome dos exportadores, mas estes só o podem levantar para os fins que o Governo aprovar. Já demonstração da realidade destes fins é difícil, morosa e cara. Praticamente, é um capital cativo, sob vigilância do Estado.
Fixando-se um limite de taxa, e não uma taxa fixa, o Ministro do Ultramar poderá fixar a taxa efectiva em função do montante da sobrevalorização - uma espécie de imposto progressivo, o que parece mais aceitável, pensa esta Câmara, do que as actuais isenções de base.
5. O § único do artigo 3.º -agora transformado em § 2.º- terá de ser adaptado à alteração do corpo do artigo. A Câmara Corporativa sugere que neste parágrafo se suprimam as referências aos «fundos». Por outro lado, importa considerar que muitas vezes o exportador, no acto da exportação, não dispõe do dinheiro necessário para o pagamento do imposto, visto não ter ainda recebido o preço da partida vendida: parece justo que se lhe facilite o pagamento do imposto sobre a valorização, dando-lhe um prazo razoável para o fazer, correspondente àquele em que, segundo os usos comerciais, é natural que receba o preço e apure o lucro. Essa concessão não traz prejuízo à Fazenda Pública,
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uma vez que o pagamento fique caucionado por qualquer das formas previstas na legislação aduaneira.
§ 2.º O imposto a que se refere o presente artigo será cobrado pelas alfândegas no acto da exportação, conjuntamente com os respectivos direitos aduaneiros ou dentro do prazo de noventa dias, desde que seja prestada caução ao pagamento por qualquer das formas admitidas pela legislação aduaneira.
ARTIGO 4.º
1. O artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 38 704 é, parece á Câmara Corporativa, demasiado ambicioso ao especificar as aplicações do produto do imposto (13 ou 17 por cento das sobrevalorizações), porque conta com a, permanência destas e ido sou valor mínimo, o que se afigura pouco provável, e espera poder custear com o referido produto despesas permanentes ou de longa duração, como são quase todas as mencionadas nos seis números do artigo 4.º Não parece prático.
2. Lembra a Câmara que o Governo, ao fazer o cômputo dos recursos financeiros para a execução da parte relativa ao ultramar do recente Plano de Fomento, contou .pedir às «receitas provenientes do Decreto-Lei n.º 38 704» a soma global de 540:000 contos em seis anos, ou sejam uns 102:000 contos por ano (de S. Tomé 5:000 contos, de Angola 90:000 contos e de Moçambique 17:000 contos). Os autores do Plano não indicam se pretendem retirar aquelas somas do rendimento do imposto de 20 por cento se dos 50 por cento retidos para o capital de fomento e povoamento ou de ambos. A Câmara Corporativa supõe que os autores do Plano se referiam apenas ao rendimento do imposto, porquanto o capital depositado tem de ficar permanentemente ao dispor dos depositantes, que, em qualquer época, tem direito a requerer o seu levantamento, ou para os melhoramentos especificados na alínea a) do artigo 7.º, ou para adquirirem, quando o julgarem oportuno, títulos do empréstimo a que se refere a alínea b) do mesmo artigo.
Sendo assim, como parece, o rendimento do imposto de 20 por cento mal chegará para o financiamento do Plano de Fomento e o que sobrar não parece que justifique a criação do novo Fundo de Fomento e Povoamento, com sede em Lisboa, e fazendo duplo emprego com o Fundo de Fomento já existente em Angola.
3. Em conclusão, parece à Câmara Corporativa que convirá substituir o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 38 704 pelo seguinte e seus parágrafos, para ficar em harmonia com a nova doutrina do artigo 3.º, e atende ?is observações anteriores:
Art. 4.º As receitas provenientes do imposto a que se refere o artigo 3.º serão escrituradas na conta do Tesouro do banco emissor da província, em capítulo especial, sob a rubrica de «Imposto das sobrevalorizações», e serão destinadas em primeiro lugar à contribuição prevista no Plano de Fomento de 1953-1958, para a respectiva província, e o excedente - se o houver - a reforço do Fundo de Fomento ou das verbas anualmente destinadas a melhoramentos de interesse público na mesma província.
§ l.º A aplicação dos excedentes a que se refere o presente artigo deverá ser previamente proposta pelo governador da província e aprovada pelo Ministro do Ultramar.
§ 2.º O Ministro do Ultramar poderá em qualquer época determinar, ouvido o governador da província, que a totalidade ou parte do referido excedente seja de preferência aplicada na respectiva província - ou na metrópole, em benefício
da mesma província -, em trabalhos ou aquisições ligados execução de planos de fomento ou povoamento já aprovados.
ARTIGOS 5.º e 6.º
Seguindo-se a orientação aconselhada no artigo 3.º, não será criado o novo Fundo de Fomento e Povoamento, e portanto não tem cabimento os preceitos dos artigos 5.º e 6.º
ARTIGO 7.º
Com a nova redacção aconselhada para o artigo 3.º e os inconvenientes que devem surgir na prática da utilização do capital do fomento e povoamento, como já se demonstrou anteriormente, parece à Câmara Corporativa que se deve deixar á livre disposição do exportador o que das sobrevalorizações exceder a parte recolhida pelo Estado em forma de imposto. Convém, portanto, suprimir o artigo 7.º
ARTIGO 8.º
1. O artigo S.º contém apenas o que «para efeitos deste diploma», isto é, do Decreto-Lei n.º 38704, se deve entender por despesas de «fomento e povoamento». Trata-se de uma simples definição, restritiva demais quanto a obras, pois exclui muitas que por consenso unânime, são consideradas obras de fomento e povoamento e até como tais incluídas no recente plano de fomento para o ultramar.
Em contraposição inclui a aquisição de equipamentos agrícolas, agro-pecuários e industriais, despesas de exploração, custeio de serviços permanentes, etc., que só forçadamente entram na definição.
A Câmara Corporativa entende que em princípio são sempre úteis as definições que ajudem a precisar o conteúdo de uma ideia ou de uma expressão; mas, no caso presente, julga mais prudente eliminar o artigo 8.º e deixar que a experiência vá precisando o significado do conceito de «despesas de fomento e de povoamento».
2. Quanto ao § único do artigo 8.º a Câmara julga também preferível que a declaração de «utilidade pública» se faça caso por caso, depois de ponderadas as consequências presentes e futuras que, nos termos das leis vigentes, pode acarretar tal declaração.
ARTIGOS NOVOS
Parece à Câmara Corporativa que, sendo aprovadas as sugestões anteriores, convirá introduzir no texto da lei alguns preceitos que regulem a transição do regime do Decreto-Lei n.º 38 704 para o da lei dele derivada e sugere que se aditem os seguintes artigos transitórios:
O primeiro dos artigos refere-se ao destino das importâncias actualmente depositadas como capital de fomento e povoamento. Dado que já houve alguns levantamentos de depósitos que foram aplicados aos fins previstos no Decreto-Lei n.º 38 704, não seria justo restituir pura e simplesmente aos depositantes que ainda não requereram ou obtiveram a aplicação dos depósitos a importância destes. Mas também, como a restituição deve ser condicionada à aplicação retroactiva do sistema previsto na nova lei, pareceu violento forçar todos a sofrer esta, tanto mais que alguns processos estarão já completos. A solução preconizada pela Câmara é deixar à opção dos depositantes o caminho a seguir: restituição do capital, depois de deduzido o necessário para preencher o quantitativo dos impostos liquidados segundo o novo sistema, sem mais formalidades, ou aplicação nos termos do. Decreto-Lei n.º 38 704. Assim ninguém terá de se queixar da mudança de legislação.
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ARTIGO 5.º (transitório)
(Novo)
As quantias que à data da publicação desta lei constituírem o "Capital de Fomento e Povoamento", a que se refere o § único do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 38 704, poderão ser, à escolha do depositante, aplicadas nos termos do artigo 7.º desse decreto ou restituídas, depois de deduzidas as parcelas necessárias para completar os impostos calculados nos termos do artigo 3.º da presente lei.
§ único. As quantias destinadas a completar o imposto devido, nos termos do artigo 3.º da presente lei, pelas mercadorias exportadas desde 29 de Março de 1952 serão determinadas pelas alfândegas por onde correu o despacho, com direito a recurso por parte dos interessados, nos termos do título IV do Estatuto Orgânico das Alfândegas Coloniais.
ARTIGO 6.º (transitório)
(Novo)
É extinto o Fundo de Fomento e Povoamento, criado pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 38 704, e as quantias que nesta data o constituem terão o destino marcado no artigo 4.º desta lei.
ARTIGO 7.º (transitório)
(Novo)
O Ministro do ultramar fará rever e adaptar às disposições da presente lei o Decreto n.º 38 757, de 17 de Maio de 1952.
III
Conclusões
1. A Câmara Corporativa, considerando as múltiplas circunstâncias em que decorreu a publicação do Decreto-Lei n.º 38 704, a sua discussão na Assembleia Nacional, o voto unânime desta, depois de se manifestar uma forte corrente de oposição, a publicação da esclarecedora nota oficiosa de 15 de Maio de 1952 e do decreto regulamentador (Decreto n.º 38 757, de 37 de Maio), entendeu que -mantendo quanto possível certos princípios gerais do decreto-lei - deveria advogar algumas supressões e modificações de artigos.
Assim, aprova a definição de "sobrevalorização", e que sobre esta recaia um elevado imposto; aconselhei que da "sobrevalorização" se deduzam alguns encargos, que já oneram ou podem vir a onerar as mercadorias exportadas, aproximando assim - embora empiricamente - a "sobrevalorização" do lucro; que se atenda, tanto quanto possível, à desvalorização da moeda operada entre 1949 e a actualidade; que se acabe com a distinção entre os exportadores-produtores e os simples comerciantes; que se generalize a aplicação do imposto a todas as mercadorias de idêntica natureza exportadas por todas as províncias (onerar a mercadoria sem distinguir o exportador); que sejam isentas as mercadorias cujo preço de venda esteja oficialmente fixado noutra parte do território português para onde sejam exportadas.
Sugere que se extinga o duplo ónus: o imposto e a retenção de capitais, conservando só o primeiro; que se desista da criação de um novo "fundo" e de uma conta de "capital", nominalmente propriedade do exportador, mas realmente administrado pelo Estado; que se adopte a forma simples e directa do Decreto-Lei n.º 38 405, promulgado para a metrópole, de um imposto único, embora de taxa variável; que se facilite o pagamento desse imposto desde que se acautelem os interesses da Fazenda Nacional.
A Câmara não concorda que passe para a metrópole a gerência do Fundo de Fomento e Povoamento, embora se reconheça ao Ministro do Ultramar o direito de determinar que se prefiram certas aplicações e se imponha preferência absoluta para a quota anual, atribuída a província, no financiamento do Plano de Fomento.
Como o decreto-lei tem sido aplicado desde 29"de Março de 1952, embora a título experimental, a Câmara Corporativa indica o que lhe parece a melhor redacção dos indispensáveis artigos transitórios do decreto-lei para a nova lei.
O texto completo da nova lei, tal como a Câmara Corporativa o sugere, ficaria então com a seguinte forma:
O novo texto da lei segundo o parecer da camará Corporativa
Artigo 1.º A sobrevalorização verificada na exportação das províncias ultramarinas fica sujeita ao regime estabelecido na presente lei.
O Ministro do Ultramar indicará, em (portaria, as mercadorias cuja sobrevalorização deverá ser considerada.
§ único. O regime estabelecido nesta lei não se aplica às mercadorias exportadas para outras províncias ultramarinas ou para a metrópole, desde que tais mercadorias sejam vendidas a preços oficialmente fixados no território de destino.
Art. 2.º A sobrevalorização, por unidade de peso ou de volume, das mercadorias submetidas ao regime instituído por esta lei determinar-se-á pela diferença entre a média anual das cotações do produto, calculada pela forma que for estabelecida em regulamento, relativamente a 1949 e ao mês em que se fizer a exportação.
§ 1.º A sobrevalorização será determinada, periodicamente, pelo conselho técnico-aduaneiro da respectiva província, ouvidos os organismos económicos designados pelo governador e nela se tomará em conta o agravamento de impostos que entretanto tenha havido, o aumento degusto da mão-de-obra e a variação do valor da moeda provincial.
§ 2.º As sobrevalorizações, determinadas como se indica no parágrafo anterior, serão expressas na moeda do país comprador e na moeda local e delas se dará conhecimento público pela forma que o governador julgar mais conveniente.
§ 3.º Das resoluções do conselho é admissível recurso, nos termos do artigo 500.º do Estatuto Orgânico das Alfândegas do Ultramar, aprovado pelo Decreto n.º 31 14)5, de lõ de Janeiro de 1941.
Art. 3.º E autorizado o Ministro do Ultramar a tributar a sobrevalorização das mercadorias (produzidas e exportadas pelas províncias ultramarinas, mão devendo a taxa exceder 50 por cento das sobrevalorizações.
§ 1.º A taxa do imposto será a mesma para as mercadorias de igual natureza, qualquer que seja a província ultramarina que fizer a exportação.
§ 2.º O imposto a que se refere o presente artigo será cobrado pelas alfândegas no acto da exportação, com os respectivos direitos aduaneiros, ou dentro do prazo de noventa dias, desde que seja prestada caução ao pagamento por qualquer das formas admitidas pela legislação aduaneira.
Art. 4.º As receitas provenientes do imposto a que se refere o artigo 3.º serão escrituradas na Conta do Tesouro do banco emissor da província, em capítulo especial, sob a rubrica de "Imposto das sobrevalorizações" e serão destinadas, em primeiro lugar, à contribuição prevista no Plano de Fomento de 1953-1958 para a respectiva província e o excedente - se o hou-
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ver - a reforço do Fundo de Fomento da província ou das verbas, anualmente destinadas, a melhoramentos de interesse público da província.
§ 1.º A aplicação dos excedentes a que se refere o presente artigo deverá ser prèviamente proposta pelo governador da província e aprovada pelo Ministro do Ultramar.
§ 2.º O Ministro do Ultramar poderá, em qualquer época, determinar, ouvido o governador da província, que a totalidade ou parte do referido excedente seja, de preferência, aplicada na respectiva província - ou na metrópole, em benefício da mesma província - em trabalhos ou aquisições ligados com a execução de planos, de fomento ou de povoamento já aprovados.
Art. 5.º (transitório). As quantias que à data da publicação desta lei constituírem o capital de fomento e povoamento, a que se refere o § único do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 38 704, poderão ser, à escolha do contribuinte, aplicadas nos termos do artigo 7.º desse decreto ou restituídas depois de deduzidas as parcelas necessárias para completar os impostos calculados nos termos do artigo 3.º da presente lei.
§ único. As quantias destinadas a completar o imposto devido, nos termos do artigo 3.º da presente lei, pelas mercadorias exportadas desde 29 de Março de 1952 serão determinadas pelas alfândegas por onde correu o despacho, com direito a recurso por parte dos interessados, nos termos do título IV do Estatuto Orgânico das Alfândegas Coloniais.
Art. 6.º (transitório). É extinto o Fundo de Fomento e Povoamento, criado pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 38 704, e as quantias que nesta data o constituem terão o destino marcado no artigo 4.º desta lei.
Art. 7.º (transitório). O Ministro do Ultramar fará rever e adaptar às disposições da presente lei o Decreto n.º 38 757, de 17 de Maio de 1952.
Palácio de S. Bento, 22 de Janeiro de 1953.
Albano Rodrigues de Oliveira.
Francisco José Vieira Machado.
José Tristão de Bettencourt.
Fernando Emygdio da Silva.
Luís Supico Pinto.
Manuel Alberto Andrade e Sousa.
(Não está assinado pelo Digno Procurador relator, António Vicente Ferreira, que, por motivo de doença, não pôde assistir u reunião de aprovação. - Marcello Caetano).
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA