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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARÍA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 201

ANO DE 1953 12 DE FEVEREIRO

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 201 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 11 DE FEVEREIRO

Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex. Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira,
José Guilherme de Melo e Castro.

Nota. - Foi publicado um suplemento ao n. º 199 do Diário das Sessões, convocando extraordinariamente para o dia 23 a Câmara Corporativa, para prestar homenagem à memória do antigo Presidente Domingo» Fazes Vital e à do antigo vice-presidente António Vicente Ferreira.

SUMARIO: - O sr. Presidente declarou aberta a, sessão às 16 horas.

Antes da ordem do dia. - Foi autorizado o Sr. Deputado Ribeiro Cazaes a depor como testemunha no 1.º juizado criminal de Lisboa.
O Sr. Presidente apresentou ao Sr. Deputado Rosal Júnior os sentimentos da Câmara por motivo da morte da mãe do mesmo Sr. Deputado.
Os Srs. Deputado» Quelhas Lima e Jacinto Ferreira, ocuparam-se de assuntos da marinha mercante, a propósito de uma intervenção anterior do segundo daquele» Srs. Deputados.
Ordem do dia. - O Sr. Presidente considerou aprovada na generalidade a proposta, de lei orgânica do ultramar.
Começou em seguida a discussão na especialidade sobre o texto do contraprojecto da Câmara Corporativa.
Foram aprovadas, algumas com emendas, as bases I a VIII.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às IR horas e 30 minutou.
O Sr. Presidente : - Vai proceder-se à chamada. Eram 15 horas e 50 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam, os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes, Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos lieis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.,
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas
Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.

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Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 70 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está na Mesa um ofício do 1.º juízo criminal de Lisboa a pedir autorização para o Sr. Deputado Ribeiro Cazaes depor naquele juízo como testemunha.
Este Sr. Deputado, consultado, diz não haver inconveniente para a sua acção parlamentar em ser ouvido.
Submetido à votação esse pedido, foi autorizado.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Obras Públicas em satisfação dum requerimento do Sr. Deputado Colares Pereira. Vão ser enviados a este Sr. Deputado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Comunico à Câmara que faleceu há dias a mãe do Sr. Deputado Sousa Rosal. Em nome da Câmara apresento a este Sr. Deputado os nossos pêsames.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Quelhas Lima.

O Sr. Quelhas Lima: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: circunstâncias imprevistas e azarentas, irremo-víveis, não consentiram que pudesse estar presente à sessão da Assembleia em que o Sr. Deputado Dr. Jacinto. Ferreira tratou assuntos que dizem respeito à marinha mercante nacional, como outro tanto aconteceu nas sessões imediatamente seguintes àquela intervenção. Ï4aa-timei muito o facto, mas « o homem põe e Deus dispõe».
Desejo fazer esta declaração com o objectivo de afirmar que, a respeito das breves mas justas e brilhantes considerações dos Srs. Deputados Dr. João do Amaral e comandante Henrique Tenreiro em réplica imediata a certos pontos do discurso do Deputado Jacinto Ferreira, sinto imperativo dever de tomar posição sobre a matéria versada, mesmo um pouco desfazendo do tempo mais aconselhável. Tem necessariamente de ser assim, por amor à verdade, ao respeito dos homens, à obediência recta dos meus deveres perante a Câmara e a Nação.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: as considerações proferidas pelo Deputado Jacinto Ferreira constituem no seu conteúdo um conjunto desconcertante de crítica de tal forma complexo, são tão extensos os campos com que se intromete que não encontro fórmula para em síntese classificar o seu discurso.
Em qualquer caso uma tese de fundo, embora posta com incrível ligeireza e puro empirismo, fie parece descobrir: a fonte dos inales que ora como mera abstracção enuncia, ora justificativa pela apresentação de «casos concretos» que aqui serão rigorosamente autopsiados, deriva do erro, má concepção, ou do facto de a marinha mercante se encontrar integrada na ordem administrativa da marinha de guerra.
Devo dizer que faço justiça ao Sr. Deputado Jacinto Ferreira dizendo que não o suponho atacado de perigosa talassofobia em relação à marinha de guerra, mas as palavras, as críticas do seu discurso valem por si e sendo assim irei analisando o seu discurso taco a taco, deixando o inconsistente para tomar exclusivamente o concreto, o substancial, que o ilustre Deputado exemplifica.
Assim, começa aquele Sr. Deputado o seu discurso por reconhecer o esforço de renovação da marinha mercante e em palavras correctas, dignas e rápidas exalta não só o feito como os planos aprovados nesta Assembleia quando da discussão do Plano de Fomento para o progressivo desenvolvimento da frota. Nada há a opor ao axioma, e por isso não tenho de felicitar o Sr. Deputado Jacinto Ferreira, porque a proclamação do facto e seu reconhecimento é simples questão de dignidade.
E logo a seguir vem a tese de fundo, e que vou ler:
Faz pena, porém, que a este destacado desenvolvimento de bens materiais de actuação não corresponda um paralelo progresso no campo social, porque as condições de trabalho na marinha mercante continuam a ser precárias e destituídas das regalias e garantias que a política social dos nossos dias desde há muito concedeu a todos os trabalhadores portugueses..
Não sei ao certo a que «possa atribuir-se esta excepção flagrante, mas penso que ela possa ser situada na circunstância de os assuntos da marinha mercante estarem ainda sujeitos ao âmbito da marinha de guerra e de as questões de trabalho que lhe são próprias dependerem em parte de julgamento nas capitanias dos diversos portos do território. Não posso considerar esta arrumação justificável, uma vez que o carácter dominante da marinha mercante é ser factor essencial da economia nacional e o trabalho a bordo não diferir substancialmente de qualquer outra modalidade de prestação mútua de serviços,

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Nem por se tratar de actividades marítimas isso me parece defensável, a não ser em situações de beligerância, da mesma forma que o Exército só nesta emergência interfere nas actividades industriais situadas em terra firme.
Em suma, e como já referi, não hesita o Sr. Deputado Jacinto Ferreira em classificar os males que no seu dizer afligem a marinha mercante no que respeita ao o social» como uma resultante imediata da integração da marinha mercante na ordem administrativa da marinha de guerra.
Entretanto, seja-me consentida rápida divagação.
Não é facto inédito nem coisa que se não tenha ouvido, e por vezes com certa sistematização, o slogan de que a marinha mercante deve ser aspirada da ordem administrativa da marinha de guerra.
Em consciência, punha-me a cismar, porque, não desconhecendo que alguns países adoptaram aquele esquema administrativo, não compreendia, contudo, que no momento em que, sob a égide da marinha de guerra, se efectua o movimento de crescimento da frota mercante e em que, sob a orientação suprema e directriz definitiva do Sr. Presidente do Conselho, o actual titular da pasta da Marinha, num esforço magnífico, em que a competência e a probidade se fundem solidariamente para, no superior interesse da Nação, atender às exigências materiais e humanas do movimento renovador, pudesse ter consciência o zunzum.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Como mero parêntese, devo dizer que não me importo que me digam que estou criando limitações ou ferindo nota emocional. A verdade nunca tem carácter de redundância quando se repete. Clarifica ainda mais. Atribuí antes o zumbido ao significado do velho provérbio oriental: «Só se atiram pedras às árvores que têm frutos».
Porque é possível a muitos dos Srs. Deputados não ser familiar o assunto, vou permitir-me um pequeno apontamento, tanto mais que o Sr. Deputado Jacinto Ferreira apenas ditou uma arrumação por sentença empírica, ao alcance comum de quem quer que esteja polarizado ou encrencado mim sentido.
A marinha de guerra contém, dentro da sua ordem administrativa, duas grandes divisões: a militar naval propriamente dita e a que respeita ao fomento marítimo. No cimo o titular da pasta da Marinha dirigindo as duas.
No fomento marítimo, sob a alçada da Direcção-Geral da Marinha, encontram-se os serviços hidrográficos, faróis, marinha mercante, capitanias, pescarias, em ligação com a maravilhosa organização das Casas dos Pescadores, a Escola Náutica, etc.
No que respeita à marinha mercante, em si mesma, além da respectiva direcção e repartição técnica, com quadros especializados, capitanias, subordinados à Direcção-Geral, concorrem no movimento administrativo da marinha mercante a Junta Nacional, em ligação com o Grémio dos Armadores, a Escola de Marinheiros e de Mecânicos da Marinha Mercante, etc.
O regime, o problema do trabalho a bordo, enfim o a social», está inteiramente dependente do Ministério das Corporações, cujas determinações são postas em execução nas capitanias através, do contrato de matrícula, sob a autoridade do capitão do porto.
Neste rápido esboço quis apenas, demonstrar, sem comentário, que a esquematização administrativa da marinha mercante dentro do âmbito da marinha de guerra constitui um sistema completo de quadros e valores. E então pode dizer-se que, seja qual for a concepção
ou arrumação administrativa da marinha mercante, terá de obedecer nas suas paredes-mestras, nas suas bases fundamentais, àquele esquema que o tempo e a experiência foram .sucessivamente ensinando.
Posto com inteira lealdade, embora em síntese, este problema, será de considerar a «arrumação» do Deputado Jacinto Ferreira, embora tenham sido as considerações que produziu tão empíricas, tão cortadas à escovinha, tão magrinhas de conteúdo ou de fundo?
Vejamos ainda.:
Se considerarmos que a marinha de guerra nasce, como razão lógica e fundamental, da necessidade da protecção das frotas de comércio, se a última grande guerra mundial demonstrou a existência de uma tal interligação, colaboração íntima técnica e moral a ponto de em certos casos não haver diferenciação sensível nos armamentos e «té modos de acção, se .no momento o Estado-Maior Naval, em obediência a convenções ou compromissos, indica para os na vãos de comércio em construção um conjunto de detalhes de ordem técnica, se considerarmos que entre nós está dado largo passo em frente no, instrução e preparação militar dos alunos da Escola Náutica, como cadetes, em estabelecimentos de marinha em harmonia com os seus ramos de actividade, e que na mesma Escola Náutica, sob a directriz do Estado-Maior Naval, os alunos do curso de capitães recebem e ouvem palestras, instrutivas sob a designação de «curso de defesa» e que amanhã será necessariamente melhorado, pergunto: será este o momento aconselhável para a «arrumação» que foi sugerida pelo Sr. Deputado Jacinto Ferreira?
Será de considerar, sim, se estiver mal o que está.
Trata-se, pois de uma demonstração de facto.
Ao iniciar as minhas considerações disse que só me interessavam as sentenças e críticas do Sr. Deputado Jacinto Ferreira quando objectivadas, trocadas em miúdos, enfim, no terreno chão das realidades. Nas críticas no espaço não tomo posição para sim ou para não.
E, assim, tomarei os «casos», as concretizações, os factos expostos pelo Deputado Jacinto Ferreira, pela ordem cronológica com que foram apontados, procurando com o maior escrúpulo fazer a sua análise. À Câmara compete julgar.
Diz o Sr. Deputado Jacinto Ferreira (leio do seu discurso):
Quanto a horário de trabalho, bastará referir um exemplo típico:
O trabalho corrente e necessário dos oficiais náuticos para a determinação do ponto do navio e outros serviços de navegação a este conhecimento ligados só é considerado extraordinário na parte que exceda duas horas por dia.
Simplesmente, o imediato que faz o cálculo das estrelas às 5 da manhã e às 6 da tarde determina, em certos barcos, que ao cálculo deverão comparecer todos os oficiais, inclusive o que se deitou depois da meia-noite e o que terminou o seu quarto às 4.
Não será revoltante deixar este serviço fie ser considerado extraordinário para os que, tendo trabalhado até às horas referidas, vêm depois a ser perturbados no seu merecido repouso?
Suponho, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a exposição do Deputado Jacinto Ferreira escapa ao claro entendimento, sobretudo para quem desconhece o meio. Ponhamos a questão nos seus justos termos: O regime de serviço, quando navegando, para os oficiais pilotos é de três quartos corridos. O exercício do quarto é efectuado na ponte do navio. Daqui resulta

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que neste regime cada oficial piloto tem em cada dia
- vinte e quatro horas - oito horas de serviço, dois quartos - um de dia, outro de noite.
Por exemplo: um oficial que entre de quarto da meia-noite às 4 fará no mesmo dia o quarto do meio-dia às l6 horas.
Suponho que interpreto com justeza o sistema, legalmente estabelecido do horário de trabalho que compete ao piloto, com a seguinte explanação:
As oito horas de trabalho, correspondentes aos dois quartos diários, constituem a prestação normal do serviço. Simplesmente, o oficial piloto é, por definição, navegador e, portanto, constitui recta obrigação o exercício da função que o caracteriza, isto é: calcular, determinar o ponto do navio segundo os métodos e normas consagrados.
Admitindo que nesta função obrigatória e significante gasta, num dia duas horas em observações e cálculos, considerar-se-á o seu trabalho como normal segundo a lei, isto é, sem direito a qualquer remuneração especial. Quando excede este tempo será considerado extraordinário. Seria incrível que um oficial piloto, que tem, na qualidade de navegador, o título e até a sua heráldica, considerasse extraordinário o exercício deste dever.
Aquilo q nu o Sr. Deputado Jacinto Ferreira classifica de revoltante, isto é, que os imediatos costumam em certos navios obriga o oficial que faz o quarto da meia-noite às 4 a levantar-se para observar estrelas e fazer os respectivos cálculos da posição ao crepúsculo matutino e não se pagam horas extraordinárias pelo facto, não é de considerar, nem tem ponta por onde se lhe pegue, sempre que se encontre dentro do tempo consagrado na lei.
O que o Sr. Dr. Jacinto Ferreira devia dizer seria que, sempre que não se trate de emergência especial, embora os serviços de navegação sejam todos de segurança , constitui atitude exagerada, e até condenável, que o oficia] que sai de quarto ás 4 horas seja acordado para observar obrigatoriamente estrelas ao crepúsculo matutino, tanto mais que terá de estar pronto para observar às 9 horas a extrameridiana e preparar o cálculo para o meio-dia legal, operação em geral rápida.
Sim, se a situação não for emergente, se se tratar de correntio, considero lícito, legítimo, saudável, que seja respeitado o repouso do piloto que sai de quarto às 4 horas, porque o serviço corrido u três quartos é rijo, duro.
De resto, esta má ou injustificada, atitude constitui pura e simples excepção.
Ainda sob o tema do horário de trabalho, reduzidas às verdadeiras proporções a revolta do Sr. Deputado Jacinto Ferreira, devo dizer, em exclusiva responsabilidade pessoal, sem intenção ou crítica, que em consciência não concordo com horas extraordinárias para oficiais. Não compreendo o oficial-taximetro, a tanto por bandeirada.
Integrada no vencimento normal uma quantia igual à mediu provável das horas extraordinárias que em regra deverá ter, estaria para mim, claro, uma situação
digna de oficial.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Conjugado este facto com a criação de um código, estatuto ou ordenança que defina direitos e deveres, jerarquia por jerarquia, classe por classe, categoria por categoria, no exercício das respectivas funções a bordo, teríamos atingido o equilíbrio na matéria. Já do alto da tribuna da Assembleia o proclamei, estudos já foram feitos e se estarão fazendo, embora reconheça que o problema é difícel. Tanto o é que nem os

Lloyds, os magos da sabedoria, nem nenhuma marinha mercante estrangeira o possui.
Seria legítimo orgulho para nós vencer este obstáculo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E para finalizar este primeiro apontamento sobre o horário de trabalho e seu exacto cumprimento, se é certo que o caso da definição de horas extraordinárias tenha dado lugar a indecisões e a exageros ou míngua na forma interpretativa, estou certo de que em breve estará o assunto arrumado. O cumprimento da lei tem de fazer-se, e far-se-á. E natural que outros problemas se sucedam, mas não é o momento oportuno para referir.
E vou entrar no ponto crucial das considerações proferidas pelo Deputado Jacinto Ferreira.
Embora o ilustre Deputado tenha feito reserva do navio onde se verificou o lastimoso incidente -antes nada referisse sobre o assunto-, não vale « pena guardar o segredo do polichinelo.
Tratemos, pois, o caso do paquete Vera Cruz.
Antes ,de entrar no assunto específico seja-me consentida mais uma vez rápida divagação.
O estabelecimento na carreira do brasil de um paquete de luxo como o Vera Cruz, que obedece aos requisitos e exigências modernos, constitui uma experiência ousada. Não foi sem certa ansiedade que se aguardaram os primeiros resultados. A gente portuguesa olhava esperançosa o empreendimento, os cépticos e negativos estavam prontos a pegar na primeira falha. No Brasil, na imensa e gloriosa nação irmã, aguardava-se o Vera Cruz, a convincente embaixada flutuante, com carinhoso interesses e grandiloquente delicadeza. A colmeia lusitana, leal e fiel, estabelecida na« generosa» terras da portentosa nação brasileira vivia momentos de emoção.

Vozes: - Muito bem!

O Orador : - Era tão permeável aos espíritos o empreendimento que bastou que na primeira viagem disjuntores disparassem e faltasse a luz e outro incidente técnico, próprio de um navio em rodagem, passe o termo, para que tudo se propagasse com a velocidade de um raio e os espíritos reagissem, preocupados uns, com mofa outros.
A carreira frutifica, constitui sucesso, e, embora preocupante por factores incontroláveis, a Nação Portuguesa tem mantido, através do Vara Cruz, uma embaixada flutuante, digna da grandeza da nação irmã, em regulares contactos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em certo tempo, e após uns meses, rumoreja-se, tem notório carácter público na nação irmã, que se praticavam no momento da chegada do Vera Cruz actos condenáveis, ilícitos, e na vida interna do navio abusos repreensíveis. Verdade ou não, tornava-se imperativo manter o crédito, a dignidade do empreendimento, isto por um lado, e, por outro, a compostura, a correcção de atitudes em harmonia com a categoria do paquete.
Postas estas considerações, vou ler à Câmara o que nos diz o Deputado Jacinto Ferreira sobre a matéria:
Ainda há poucas semanas, a bordo de um barco de passageiros de longo curso, foram impostas condições unilaterais ao comportamento da tripulação, sem qualquer respeito pelo contrato de trabalho existente,

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Proibição de se aproximarem da amurada, tanto à chegada como à saída do barco, para verem a família, sob pena de passagem de bilhete de desembarque.

Sou extremamente afectivo e por isso tenho muito respeito pelas manifestações congéneres do meu semelhante. Mas neste terreno, no sentimento, para homens experimentados que escolheram a vida do mar, a ausência de um mês em periodicidade de contrato tornará mortal de saudade atrasar a manifestação afectiva de umas duas horas aproximadamente?

Por outro lado, não compreenderá o Sr. Deputado Jacinto Ferreira que num navio daquela categoria deve ser impecável o aspecto das partidas e das chegadas, como em todas as circunstâncias, e que no à-vontade, no granel, de certa tripulação o passageiro, para quem devem convergir todas as atenções, seja qual for a sua condição, se via por vezes compelido a usar do espaço com constrangimento?

Não compreenderá o Sr. Deputado Jacinto Ferreira que diante da corrida ás amuradas, nessa manifestação aflitiva de saudade à partida e à chegada, era frequente acontecer que os passageiros nestes momentos não encontrassem por vezes quem os atendesse?

Nunca teve curiosidade de assistir ou entrar a bordo nos momentos apontados antes da promulgação destas medidas?

A disciplina, a correcção, a noção do dever perante obrigações formais, harmónicas com a natureza do empreendimento, não humilham ninguém. De resto, quem seria o sádico que ditasse medidas capazes de humilhar quem trabalha que não merecesse franca reprovação das autoridades competentes?

Um navio mercante nacional nos portos nacionais está essencialmente para o efeito sob a jurisdição da autoridade marítima.

Que ideia pretende fazer o Sr. Deputado Jacinto Ferreira da dignidade dessas autoridades, que obedecem às regras da honra militar e comandam marinheiros?

Mas na matéria sou ainda mais rigoroso. Perfilho a prática dos Ingleses, isto é, nos grandes paquetes não são consentidas visitas a bordo nas partidas. Os familiares e amigos dos passageiros despedem-se no cais. Porquê? Por método, por necessidade de ordem e, sobretudo, por segurança. A entrada maciça de visitas cria a lei da mistura, favorece a clandestinidade, a confusão.

Mas continua o Sr. Deputado Jacinto Ferreira:

Para ser assegurada a efectividade dessas medidas vexatórias chegaram a ser colocadas nos corredores cancelas com cadeados, em manifesta transgressão dos (regulamentos, e até taipais nas escadas de acesso às baleeiras, com grave perigo para o êxito de possíveis operações de salvamento.

Chega-me a causar calafrios ter de responder a isto, a esta tristeza.

Tenho, contudo, de responder por amor à verdade, e é com mágoa que vejo que o Sr. Deputado Jacinto Ferreira foi assimétrico na apreciação do problema.

Porque não ouviu, porque não procurou informar-se junto das entidades oficiais idóneas? Porquê?

Vou relatar sucintamente os factos ou, antes, o drama das cancelas.

Em primeiro lugar, devo dizer desde já, porque seria grave, que, quando o ,Sr. Deputado Jacinto Ferreira diz que a colocação das cancelas, em manifesta, transgressão dos regulamentos, impedia o acesso às baleeiras em possíveis operações de salvamento, não está informado com segurança. O acesso aos decks estava assegurado; o facto foi rigorosamente controlado pelo capitão do Porto de Lisboa.

Entretanto farei sucinto relato do incidente.

Nas vésperas da chegada ao Rio de Janeiro o comandante do Vera Cruz, homem de têmpera e marinheiro experimentado, consciente das responsabilidades da sua missão, ordenou, após estudo, que fosse barrado, por meio de cancelas, o acesso de passageiros à cozinha, copa e outras dependências na 3.ª classe, onde havia fundadas suspeitas de se praticarem actos condenáveis.

O caso motivou entre o pessoal desta câmara enervamento, excitação, protestos, e em certo momento alguém deste pessoal telefonou para o segundo-comandante para que viesse à câmara de 3.ª classe, porque estava ali reunido o pessoal, etc.

O segundo-comandante desceu imediatamente com o imediato e deixemos que o auto de notícia, levantado a bordo, nos informe.

Vou ler o seu extracto:

No salão de jantar da 3.ª classe encontravam-se reunidos com arruído, muitos dos tripulantes da câmara e de cozinha, os quais foram pelo imediato convidados a expor as razões que os tinham levado a reunir-se no referido salão e quais as queixas que pretendiam apresentar.

Em resposta a este convite o tripulante Arsénio da Cruz Brás, criado paioleiro, fez as seguintes declarações:

Tenho observado que se andam colocando várias cancelas nalguns corredores que dão para os paióis e para os nossos alojamentos. Como nos vão dificultar o acesso a estes, não concordamos com essa medida e, se não as tirarem, desembarcaremos todos à chegada a Lisboa.

Em seguida o cozinheiro José Garcia de Almeida, encarregado da cozinha da 3.ª classe, declarou que as referidas cancelas lhe prejudicavam
a comunicação da cozinha com o paiol, dizendo ainda que, se desembarcasse, desembarcaria todo o pessoal ao serviço da cozinha de que é encarregado.

Ainda, o criado José Augusto Martins invocou ser vexatório para os tripulantes a colocação das ditas cancelas. Foi-lhes pelo imediato respondido que a colocação das referidas cancelas em nada prejudicava qualquer dos tripulantes ou qualquer dos serviços e, portanto, continuariam no lugar, devendo eles declarar quais os que não concordavam com a renovação daquela medida, indicando os seus nomes para desembarcarem à chegada, a Lisboa.

Assim, no cumprimento da ameaça que tinham feito, tentando resistir à legítima determinação do capitão, pediram nesse momento o seu bilhete de desembarque os seguintes tripulantes ...

O auto de notícia, indicando a seguir exclusivamente o nome dos tripulantes - trinta e nove - que solicitaram o seu desembarque, nada mais contém. Relata, como se acaba de ouvir, os factos. Nada mais e como competia. Não tinha de classificar o incidente na ordem jurídica. Isso pertence exclusivamente às autoridades marítimas, depois da investigação nos acontecimentos e dos trâmites normais.

Pois bem: o Sr. Deputado Jacinto Ferreira não hesita em dizer:

Isto não impediu que esses quarenta homens, alguns dos quais com trinta e cinco anos de serviço

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na empresa e outros capazes de dar lições de naciolismo a alguns patrões, fossem enviados à autoridade marítima sob a acusação de conjura e não sei mesmo se sob suspeita de comunismo.

A Câmara, ouviu ler o auto de notícia, simples relato de factos sem qualquer classificação tenebrosa, conjuro, motim, etc., sem definição jurídica do incidente, que, como dissemos, não lhe competia.

O Sr. Deputado Jacinto Ferreira comete uma deselegância formal, produz afirmações menos verdadeiras em frente, das realidades dos factos.

Tenho aqui a cópia de uma carta, recebida pelo comandante do Vera Cruz do cozinheiro da 3.ª classe José Garcia de Almeida, em que, em seu nome pessoal e dos seus colegas da secção, confessa em termos expressivos o seu arrependimento.

A reflexão, a consciência, reagiu nestes homens.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: é certo que no caso do Vera Cruz, com vantagem para todos e sem prejuízo puni ninguém, deveria ser observada
discrição, mas, já que o Sr. Deputado Jacinto Ferreira entendeu tão lastimàvelmente trazê-lo à barra da Assembleia, eu desejo, em obediência à verdade, no respeito dos homens e perante a consciência da Nação, exprimir o sentimento que me domina, como há tantos anos o fiz nesta Assembleia, na estreia parlamentar, a respeito do esforço da marinha mercante e do seu pessoal na batalha sem tréguas pelo abastecimento da Nação.

Assim:

Eu quero saudar, para honra da marinha mercante nacional, o comandante do Vera Cruz, o segundo-comandante e a sua magnífica equipe de oficiais de todas as classes pela forma digna como cumprem a sua missão em todas as emergências;

Eu quero saudar a mestrança, o «pessoal do convés, a gente de aço das máquinas e todo o pessoal que com correcta compostura responde às exigências da profissão;

Eu quero saudar todos aqueles que i bordo dos navios da frota nacional, sem distinção de jerarquias ou classes, correm os mares do Globo e atestam pelas suas acções o respeito pelos cores da bandeira que flutua no topo do mastro.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E para finalizar este assunto direi que o processo referente ao incidente Vera Cruz prossegue nu Capitania do Porto de Lisboa, e, caso curioso e acalmativo para os alarmados, as investigações são orientadas por um oficial superior da Armada que a nossa maravilhosa marinhagem apelidou de Infante Santo e o julgador do pleito é outro oficial superior que ainda há tempo foi homenageado pelo pessoal do mar.

E quero a propósito dizer que, quer em matéria criminal, quer no que respeita u questões referentes ao social, os oficiais das capitanias, marinheiros, entendem as gentes do mar, conhecem as suas acções e reacções, para, sob a orientação da lei, terem uma consciência recta, compreensiva e humana.

Não lhe são superiores pura o efeito os empíricos, os dialécticos, os cérebros electrónicos. Não.

Mas quer isto dizer que tudo está bem na marinha mercante? Quer isto dizer que não há nada a corrigir e desenvolver?

Sim, há e muito, tornando-se evidentemente necessário para o efeito criar as necessárias possibilidades.

Acompanharei com fervor e entusiasmo, como me consentirem as escassas forças, todo o seu movimento progressivo, em que há longos anos entreguei a vida totalmente, como mestre e agora como director da Escola, à mocidade que escolhe a dignificante mas rude carreira do mar e onde tão brilhantes provas tem dado.

Mas não queria terminar sem uma referência às escalas de embarque do pessoal através da inscrição nas respectivas capitanias. O Sr. Dr. Jacinto Ferreira preconiza que seja dada liberdade aos respectivos sindicatos para escolherem e ditarem a palavra de ordem no facto.

Não tenho tempo de fazer uma análise funda do facto.

Devo dizer entretanto que se as escalas e a ordem do embarque por elas ditadas nos termos actuais podem não constituir o ideal perfeito diante da corrida em massa, do pretendentes a embarque vindos de todos os cantos da terra portuguesa, têm contudo um sentido largo, elástico, generoso, no seu movimento.

Mas a solução mais harmónica com o meu espírito, com as exigências técnicas que os novos navios impõem a toda a gente de bordo, será a de ser desenvolvida gradualmente a Escola de Marinheiros e de Mecânicos da Marinha Mercante, respeitar os direitos dos actuais inscritos marítimos e, conforme as exigências, fazer uma admissão mais substancia] dos rapazes saídos daquela Escola.

Ficará para outra ocasião tratar do assunto.

Ainda, e para finalizar, o Sr. Deputado Jacinto Ferreira apresenta outro aspecto de desordem no trabalho.

E assim diz: «As empresas armadoras estrangeiras autorizadas, a transportar emigrantes são obrigadas a embarca r um certo número de criados e pessoal de câmara portugueses para serviço de emigrantes, etc.».

Embora os assuntos de emigração sejam da competência do Ministério do Interior, não conheço disposição legal que obrigue as empresas estrangeiras com alvará para transportar emigrantes e matricular criados nos termos referidos. O que conheço como obrigatório, ou, antes, regulado por disposição da lei, é que aqueles navios são obrigados a embarcar um inspector de emigração e um médico português para fiscalizar as condições em que são transportados os emigrantes no que respeite a alimentação, higiene e conforto e zelar-lhes pela saúde.

De resto, a matrícula de tripulantes em navios estrangeiros quando em portos nacionais é da exclusiva competência do consulado do respectivo país. Neste ponto não interferem as autoridades nacionais. É universal esta prerrogativa dos consulados. Sendo assim, não entendo a desordem do trabalho do Sr. Deputado Jacinto Ferreira.

O que se verifica a deve dizer-se é que quando os consulados desejam matricular pessoal português (por vantagem de língua e outras no contacto com os emigrantes) têm de o requerer à, capitania, que defere imediatamente. E é tudo quanto as autoridades marítimas intervêm no caso.

É tão rigoroso o zelo da, autoridade pelos trabalhadores, portugueses que, quando em navios nacionais é forçoso embarcar pessoal estrangeiro (pessoal das câmaras), por não haver entre nós pessoal idóneo, tem a empresa interessada de o requerer ao Sr. Ministro da Marinha, justificando rigorosamente o facto, caso por caso.

E o Sr. Ministro da Marinha é português de lei, patriota sem mancha.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ainda o Sr. Deputado Jacinto Ferreira se queixa, fala, da falta de férias pagas aos tripulantes. Engana-se redondamente. Têm férias pagas e mais

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largas que em qualquer parte. Assim nós damos aos tripulantes um mês de férias pagas, incluindo capitão e oficiais, por ano de embarque. À convenção estabelece para capitães e oficiais 18 dias por ano de embarque, e aos tripulantes, pelo mesmo período, 12. Isto dá-nos ideia da consistência crítica do Sr. Deputado Jacinto Ferreira.

E, acerca da crítica aos alojamentos dos tripulantes, os nossos navios obedecem na matéria ao estabelecido na Convenção.

Sr. Presidente: ao terminar quero agradecer o consagrado cavalheirismo e generosidade de V. Ex.ª ao conceder-me o tempo para poder chegar ao fim das minhas considerações. No movimento das ideias e dos factos fui? por vezes, vivo e severo nas minhas palavras para com o Sr. Deputado Jacinto Ferreira, mas que em nada afectam a sua honra e dignidade de Deputado e homem de bem.

E, Sr. Presidente e «Srs. Deputados, se em precárias condições de saúde aqui vim para depor, fi-lo como sei, como posso. Olhos voltados exclusivamente à grande causa de todos nós: a Nação, o bem-estar dos Portugueses.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Jacinto Ferreira: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Se V. Ex.ª pretende dar breves esclarecimentos sobre as referências feitas ao seu discurso pelo Sr. Deputado Quelhas Lima, concedo-lhe a palavra; mas só para isso.

O Sr. Jacinto Ferreira: - É para breves esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Jacinto Ferreira: - Sr. Presidente: as considerações do Sr. Deputado Quelhas Lima obrigam-me a dizer algumas coisas, não com o brilho da sua palavra, mas com a certeza de que não estou tão indocumentado como S. Ex.ª pensa.

Quando nesta Assembleia tratei de assuntos referentes à marinha mercante, tive em vista, essencialmente, ocupar-me de certos aspectos que considerei como exploração do trabalho humano, só acidentalmente citando um exemplo desses deslizes e das consequências a que eles tem conduzido e só acidentalmente também me referindo ao facto de a marinha mercante estar subordinada à marinha de guerra.

A arrumação da marinha mercante na marinha de guerra considerei-a eu uma hipótese para fundamentar os motivos por que não tinham chegado às classes marítimas os benefícios estabelecidos pelo Estado Novo na ordem social. É uma opinião tão respeitável como qualquer outra.

O excesso de sensibilidade a este respeito permito-me considerá-lo caso mórbido - sem melindre. Afinal de contas considero também doentio o zelo cego pelo brio nacional que possa apresentar em portos estrangeiros tripulantes de barcos portugueses metidos em cancelas 0 quase proibidos de comunicar com o exterior.

E porque penso assim quanto à arrumação da marinha mercante no sector da marinha de guerra? É que não creio que os oficiais da marinha de guerra sejam os profissionais mais indicados para superintender em questões de trabalho. Não se trata de questões de ordem disciplinar, mas de outras questões ligadas propriamente à ordem pública. Para isso, sem dúvida, a função militar.

Há outros pontos importantes: dignidade do trabalho, justa remuneração, relações sociais entre patrões e trabalhadores, colaboração no plano nacional, evitando luta de classes, etc., e tudo isto tem sido julgado tão importante que foi criado um foro especial do trabalho, com os tribunais do trabalho, não para desconsiderar os juízes do foro comum, mas para garantir uma especialização cada vez mais necessária.

São inegáveis os progressos da marinha mercante - eu o afirmei quando falei pela primeira vez.

Não acredito que alguém queira consigná-los à marinha de guerra, porque isso equivaleria a dizer que nos outros sectores da administração pública se tem estado a dormir ou a proceder erradamente, o que não é verdade ou, pelo menos, poucas vezes é verdade.

Esses benefícios da marinha mercante creio que existiriam igualmente se ela estivesse agregada a outro sector, como o Ministério das Obras Públicas, o das Comunicações ou qualquer outro.

São os oficiais da marinha mercante uma segunda linha da marinha de guerra?

Incontestavelmente, mas também os módicos civis são uma segunda linha dos médicos militares e também a indústria siderúrgica é uma segunda linha da indústria de guerra, e isso não implica que o Ministério do Exército, nos tempos normais, interfira nas actividades desta indústria.

Aceito que os quarenta homens do Vera Cruz tivessem incorrido em falta por se terem reunido ilicitamente, mas considero que quando pessoas de responsabilidade exorbitam das suas atribuições - e quando digo exorbitam não o quero dizer à luz de um juízo legal, mas à luz de um juízo formulado pelos que se sentem prejudicados - eles não têm outra maneira de poder defender-se - desde que a sua honra, a sua consciência e a sua moral não sejam afectadas - senão tomando as disposições que o caso requer. E não é de estranhar que esses homens rudes desconheçam as disposições legais, quando, afinal de contas, outros que as conhecem as não cumprem.

Referiu-se o ilustre Deputado que me antecedeu a uma versão sobre o Vera Cruz. Eu disse outra. Não tenho qualquer dos autos de notícia, porque não estou relacionado com esses meios.

O Sr. Henrique Tenreiro: - V. Ex.ª não tem esses autos porque os não pediu.

O Orador: - Ou não mos ofereceram.

As autoridades averiguarão qual é a versão verdadeira.

Quantos carta de bordo, também podia dizer que não sei se reagiu a consciência ou se reagiu o receio pelas represálias, que também é uma forma de reacção.

Afirmou-se que há certas coisas que não se cumprem, mas que se há-de providenciar.

Congratulo-me com essa afirmação, que só prova que eu, ao denunciar os factos a que me referi, estava dentro da razão. Afirmou-se ainda que os meus conhecimentos eram muito magrinhos e que eu não estava informado com segurança. Exactamente para -permita-se-me a expressão - os engordar e ficar documentado com segurança absoluta, permito-me formular as seguintes perguntas:

Convirá saber o motivo por que constantemente são passadas nas capitanias cédulas provisórias para pessoal de câmara, quando no respectivo sindicato estão registados mais de quatrocentos desempregados desta categoria.

São respeitados a bordo as horas e os períodos de folga e para refeições constantes do contrato colectivo de trabalho?

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Não me interessa neste momento o que está determinado. Interessa-me, sim, se se cumpre ou não.

Se não estivesse determinado não teria motivos para me insurgir.

Será certo haver barcos onde o pessoal de câmara não tem onde comer, porque a respectiva messe foi transformada em beliche para a Guarda Fiscal?

E até não haver alojamentos em alguns deles, dando ocasião a protestos do pessoal, que não está disposto a dormir por qualquer lado? Terá este desprezo contribuído para que tenham regressado ao porto de origem sob prisão alguns tripulantes ?

Qual o motivo por que os marítimos fazem todos os descontos para o Fundo de Desemprego e, quando estão desempregados, se lhes recusa a sua inscrição no respectivo Comissariado?

Consta que um barco mercante saiu do porto de Lisboa com a lotação de tripulantes (trinta e oito) estabelecida para aquele navio, mas, porque teve de sofrer reparações num porto estrangeiro que demoraram trinta dias, vinte e um daqueles tripulantes foram enviados para Lisboa, o apenas oito destes foram depois chamados para conduzir o navio novamente para cá, tendo ficado os treze restantes desembarcados. Será verdadeira esta e outras transgressões aos regulamentos?

Teve disso conhecimento a Capitania de Lisboa?

Se teve, como actuou?

Será certo que há oficiais a exercer funções de categoria superior à sua, havendo oficiais dessa categoria que estão desembarcados?

E outros a comandar navios sem possuírem a categoria de capitão em relação à tonelagem dos barcos, não obstante haver mais de cinquenta capitães desembarcados ?

Será certo que chegam a embarcar como segundos-pilotos oficiais que nem sequer possuem carta de terceiro-piloto ?

Conviria ainda saber se é verdade que certas empresas deixam de embarcar praticantes de piloto, sobrecarregando assim o trabalho dos terceiros-pilotos com horas extraordinárias, que depois se recusam a pagar?

Não se trata de horas ocupadas ao serviço do interesse nacional ou da Humanidade. Trata-se, sim, de horas ocupadas ao serviço do armador, que recebeu a retribuição do frete marítimo, mas não a reparte justamente com os seus colaboradores.

Quantos conflitos deste género chegaram nos últimos meses ao conhecimento das autoridades marítimas ?

Poderá saber-se quantas empresas deram aos seus comandantes ordens diferentes do que está estabelecido no contrato de trabalho, quer quanto aos períodos de descanso, quer quanto a «horas de prevenção» - rubrica que o contrato não comporta?

E em matéria de assistência na doença seria bom saber-se como se comportam as empresas fora do porto de armamento.

Diz-se que há dezenas de casos de tripulantes descontados nos seus vencimentos por despesas deste género - que pelos regulamentos competem às empresas -, os quais só são indemnizados quando apelam para as autoridades marítimas.

Mas afirma-se também que os recalcitrantes acabam por receber bilhete de desembarque e ser lançados para a «lista negra», a que corresponde um quase desemprego perpétuo.

Devo dizer a V. Ex.ª e à Câmara que estou documentado sobre estes assuntos com nomes de tripulantes, de navios e de empresas, mas, como não estou ao serviço delas, mas sim do interesse nacional, não tenho de citar nomes de uns nem de outros.

São estas perguntas que eu formulo, pois elas de alguma maneira podem «engordar» as minhas considerações e torná-las de facto mais robustecidas.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Durante o debate na generalidade da proposta do Governo relativa à lei orgânica do ultramar não se suscitou nenhuma questão. Por isso considero aquela proposta aprovada na generalidade.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à discussão na especialidade.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa, além das propostas de alteração de que a Câmara já tem conhecimento e que foram publicadas no Diário das Sessões, várias propostas apresentadas pelo Sr. Deputado Sousa Pinto, presidente da Comissão do Ultramar.

Estas propostas vão ser publicadas no Diário das Sessões. Como são muitas, serão lidas à medida que forem postos à discussão os artigos a que respeitam.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário de Figueiredo.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: pedi a palavra para requerer que a discussão se faça sobre o contraprojecto apresentado no parecer da Câmara Corporativa.

O Sr. Presidente: - Consulto a Câmara sobre se autoriza que a discussão se faça sobre o texto elaborado pela Câmara Corporativa, como requereu o Sr. Deputado Mário de Figueiredo.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a epígrafe da base I do contraprojecto da Câmara Corporativa sobre a Carta Orgânica do Ultramar Português.

Está na Mesa uma proposta apresentada pelo Sr. Deputado Sousa Pinto, presidente da Comissão do Ultramar, para alterar a epígrafe.

Vai ser lida.

Foi lida. É a seguinte:

Na epígrafe do contraprojecto, a substituição de «Carta» por «Lei», ficando assim redigida: «Lei Orgânica do Ultramar Português».

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: pedis a palavra apenas para esclarecer a Assembleia de que não se trata de uma substituição de fundo, pois é sómente a substituição de «Carta» por «Lei».

Onde se lê: «Carta Orgânica do Ultramar Português», deverá ficar: «Lei Orgânica do Ultramar Português».

A razão da substituição é o facto de na própria Constituição já se falar de «Lei Orgânica».

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Podiam produzir-se outras razões, mas não vale a pena.

Esta Assembleia é direi, o templo das «leis» e das «resoluções», e não das «cartas», e com competência exclusiva sobre esta matéria. Acho que ela não deve renunciar ao texto com o nome que corresponde à sua competência e à expedição da lei, ou, melhor, dos decretos que hão-de convertê-la em lei.

Não é, repito, uma modificação que toque o fundo; é uma modificação puramente formal.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como mais ninguém deseja usar da palavra, vai votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada a proposta de alteração da epígrafe da proposta em discussão apresentada pelo Sr. Deputado Sousa Pinto.

O Sr. Presidente: - Ponho agora à discussão a base I do texto da Câmara Corporativa. Vai ser lida à Assembleia.

Foi lida.

O Sr. Presidente: - Em relação à base I está na Mesa uma proposta assinada pelo presidente da Comissão do Ultramar, Sr. Deputado Sousa Pinto, no sentido da substituição da mesma base pelo artigo 1.º da proposta de lei, com as alterações constantes da proposta do referido Sr. Deputado, a qual vai ser lida à Câmara.

Foi lida. É a seguinte:

Na base I, a substituição pelo artigo 1.º da proposta, com a seguinte redacção:

I) O ultramar português abrange as parcelas do território da Nação indicadas nos n.ºs 2.º a 5.º do artigo 1.º da Constituição e compõe-se de oito províncias ultramarinas, correspondentes à situação geográfica e à tradição histórica.

II) A extensão e os limites de cada uma das províncias ultramarinas constam da lei e dos tratados ou convenções internacionais que lhes digam respeito.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão a base I e a proposta do Sr. Deputado Sousa Pinto.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: desejo apenas dizer que a proposta de alteração que acaba de ser lida na Mesa também não envolve qualquer problema de fundo.

O problema que aquela proposta põe é este: deve na lei orgânica indicar-se, discriminadamente, os limites fixados às províncias ultramarinas ou deve antes fazer-se uma referência geral, deixando ao estatuto particular de cada província a faculdade de indicar os limites próprios, estabelecidos segundo a lei e os tratados e convenções internacionais dessas províncias?

Optou-se pela segunda solução, que é a da Constituição.

Não se trata de uma questão de fundo, portanto, mas apenas de uma questão de método - como já está assim na Constituição. E como esta lei orgânica ó, de alguma maneira, uma lei que está acima das outras disposições legislativas, para as quais têm competência o Governo, é Ministro do Ultramar e os conselhos legislativos ou de governo das províncias ultramarinas, parece que, na verdade, o método a seguir deve ser aquele que foi adoptado na Constituição.

Trata-se apenas, portanto, de uma modificação correspondente a um determinado método já adoptado.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto nenhum Sr. Deputado desejar lazer uso da palavra, vai votar-se a proposta de substituição do Sr. Deputado Sousa Pinto.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão as bases II, III e IV do contraprojecto da Câmara Corporativa e sobre as quais não foram apresentadas quaisquer propostas de alteração.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra, vai proceder-se à votação.

Submetidas à votação, foram aprovadas.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se a base V, bem como uma proposta de aditamento apresentada pelo Sr. Deputado Sousa Pinto.

Foi lida. É a seguinte:

Na base V, um aditamento, II), assim redigido:

Base V-II. Quando as circunstâncias o aconselharem, pode no estatuto instituir-se um regime de administração semelhante ao das ilhas adjacentes.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Desejo esclarecer a Assembleia sobre o seguinte ponto: é que a proposta de aditamento que acaba de ser lida é uma réplica às solicitações feitas pelo Sr. Deputado Duarte Silva quanto à integração de Cabo Verde na organização administrativa da metrópole.

O aditamento está redigido em termos que tornam possível não só a integração da província de Cabo Verde na organização administrativa da metrópole, mas também, quando as circunstancias o aconselharem, a de qualquer outra província ultramarina.

No entanto, é certo que o que está na base do aditamento, por se supor que as circunstâncias o aconselharão num prazo relativamente curto, é a consideração da província de Cabo Verde.

O Sr. Sousa Pinto: - Esclareço a Câmara, sobre o seguinte: como este aditamento à base V tem bastante importância, porque da inserção dele neste diploma depende, porventura, a satisfarão das aspirações da província de Cabo Verde e. possivelmente, de futuro, a de outras províncias, quero declarar à Assembleia que a alteração proposta teve a votação unânime da Comissão do Ultramar.

O Sr. Duarte Silva: - Desejo simplesmente agradecer ao Sr. Deputado diário de Figueiredo a explicação que deu, e a toda a Assembleia - muito em especial à Comissão do Ultramar- o interesse que mostrou pelas considerações que fiz e pela. justiça das mesmas...

O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª, a mim, nada tem de agradecer. A proposta é uma réplica da Comissão do Ultramar.

O Orador:- ... A toda a Assembleia, por concordar com a proposta da Comissão do Ultramar, os meus melhores agradecimentos em nome de Cabo Verde.

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O Sr. Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja lazer uso da palavra, vai passar-se à votação.

Vai votar-se em primeiro lugar o corpo da base V tal como consta do contraprojecto da Câmara Corporativa e em seguida será submetido à votação o aditamento proposto pelo Sr. Deputado Sousa Pinto.

Foram aprovados a base V e o respectivo aditamento.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base VI. Sobre esta base não existe na Mesa qualquer proposta de alteração.

Submetida à votação, foi aprovada a base VI conforme o texto do contraprojecto da Câmara Corporativa.

O Sr. Presidente: - Vamos passar ao capítulo III. Está em discussão a base VII.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: desejo apenas dizer que nesta base a palavra «Governo» tanto pode referir-se ao Governo, no seu conjunto, como ao Ministro do Ultramar.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.

Submetida à votação, foi aprovada a base VII conforme o texto do contraprojecto da Câmara Corporativa.

O Sr. Presidente: - Vamos passar à secção 1.ª Está em discussão a base viu.

O Sr. Castilho Noronha: - Sr. Presidente: o n.º 2 desta base parece não admitir que a Assembleia Nacional possa tomar contas às províncias ultramarinas, independentemente do julgamento do Tribunal de Contas, e julgo que o princípio se não conforma com o artigo 171.º da Constituição, que diz:

Leu.

Parece, portanto, que este princípio não admite em caso algum que a Assembleia possa tomar contas independentemente do julgamento do Tribunal de Contas.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Não cheguei bem a perceber sobre que versaram as considerações do Sr. Deputado Castilho Noronha.

O Sr. Castilho Noronha: - Eu referi-me ao n.º 2 da base que acaba de ser lida.

O Sr. Mário de Figueiredo: - A observação de V. Ex.ª é, segundo creio, sobre as palavras «se este as tiver julgado».

Vem o relatório do Tribunal de Contas, se ele as tiver julgado; mas, se as não tiver julgado, não vem o relatório, e podem ser julgadas da mesma maneira.

O Sr. Castilho Noronha: - Sem o relatório? Acho que não.

O Sr. Mário de Figueiredo: - O regime é q mesmo que na metrópole.

O Sr. Castilho Noronha: - Pela Constituição, tem de vir o relatório.

O Sr. Mário de Figueiredo: - As contas têm de ser julgadas pelo Tribunal de Contas. Este é um aspecto do assunto; mas outro aspecto ë o de a decisão da Assembleia estar dependente do julgamento do Tribunal de Contas.

É isto o que me parece. Não pus o problema, mas conheço-o da prática.

E já neste sentido se fez uma alteração correspondente, relativamente à competência da Assembleia.

Uma coisa é a apreciação das contas por esta Assembleia, outra a apreciação das contas pelo Tribunal de Contas.

Se o Tribunal de Contas tiver julgado, deverá ser enviado o relatório respectivo a esta Assembleia, para ser considerado a propósito da apreciação das contas que na Assembleia se faz.

Se, porém, as contas não tiverem sido julgadas, da mesma maneira a Assembleia tem competência, independentemente do relatório do Tribunal de Contas, para as julgar, o que é compreensível, porque as posições são diferentes.

O julgamento da Assembleia é um julgamento político ; o do Tribunal de Contas é um julgamento jurisdicional ou jurídico, vindo o relatório à Assembleia por se tratar de um trabalho de informação, não sendo, no entanto, essencial a sua remessa para que a Assembleia se pronuncie sobre as contas.

Suponho que é este o nosso regime constitucional que se aplica agora ao ultramar nos mesmos termos que já existem na metrópole.

Mas digo isto sob todas as reservas, porque não tinha posto o problema.

Tenho dito.

O Sr. Sousa Pinto: - Fui também surpreendido com a observação feita pelo Sr. Deputado Castilho Noronha.

Mas tive tempo, enquanto falou o Sr. Dr. Mário de Figueiredo, de consultar a Constituição, e parece-me que o Sr. Cónego Castilho Noronha não tem razão nas suas observações.

O artigo 171.º diz:

Leu.

Portanto, pelo que aqui se diz, parece que V. Ex.ª tem razão em que a Assembleia só depois de julgadas pelo Tribunal de Contas é que poderá apreciar as contas do ultramar. Mas não. Porque esto final diz: «nos termos do artigo 91.º», que reza assim:

Leu.

Portanto, se não estiverem julgadas, são apreciadas da mesma maneira. O artigo 91.º resolve completamente a dúvida de V. Ex.ª

O Sr. Presidente: - Continua em discussão a base viu. Como mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.

Amanhã haverá sessão à hora regimental, com a mesma ordem do dia.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
André Francisco Navarro.
Artur Proença Duarte.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Herculano Amorim Ferreira.
José Pinto Meneres.

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Srs. Deputados que faltaram à sessão:

António Carlos Borges.
António Júdice Bustorff da Silva.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Henrique Linhares de Lima.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
João Alpoim Borges do Canto.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Cardoso de Matos.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel de Sousa Meneses.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Teófilo Duarte.
Vasco de Campos.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

Propostas de alteração apresentadas pelo Sr. Deputado Sousa Pinto, presidente da Comissão do Ultramar:

Na epígrafe do contraprojecto, a substituição de «Carta» por «Lei», ficando assim redigida:

Lei Orgânica do Ultramar Português.

Na base I, a substituição pelo artigo 1.º da proposta, com a seguinte redacção:

I - O ultramar português abrange as parcelas do território da Nação indicadas nos n.ºs 2.º a 5.º do artigo 1.º da Constituição e compõe-se de oito províncias ultramarinas, correspondentes à situação geográfica e à tradição histórica.

II - A extensão e os limites de cada unia das províncias ultramarinas constam da lei e dos tratados ou convenções internacionais que lhes digam respeito.

Na base V, um aditamento, n.º II, assim redigido:

BASE V

II - Quando as circunstâncias o aconselharem pode no estatuto instituir-se um regime de administração semelhante ao das ilhas adjacentes.

Na base IX, n.º III, alínea b), a substituição da palavra «aprovar» por «autorizar por decreto-lei», ficando assim redigida:

b) Autorizar por decreto-lei os empréstimos das províncias ultramarinas que exigirem caução ou garantias especiais;

e o n.º V ficará assim redigido:

V - O Ministro do Ultramar tem competência sobre todas as matérias que representem interesses superiores ou gerais da política nacional no ultramar ou sejam comuns a mais de uma província ultramarina com as especificações feitas nesta lei, designadamente nas bases X e XI.

Na base X, 11.º I, o seguinte redacção para as alíneas d), e), i) e l), respectivamente:

d) O regime administrativo geral «Ias províncias ultramarinas e a organização geral de serviços públicos no ultramar, abrangendo a composição dos quadros do seu pessoal e o estabelecimento do regime do seu provimento;

e) O estatuto político-administrativo de cada uma das províncias ultramarinas, ouvido o seu Conselho Legislativo, havendo-o, ou de Governo, salvo o caso da base V, n.º II;

i) O regime jurídico, incluindo as condições de financiamento, das obras ou planos de urbanização ou de fomento da sua competência ou que envolvam bens do domínio público;

l) A autorização de empréstimos que não exijam caução ou garantias especiais e não sejam saldados por força das receitas ordinárias dentro do respectivo ano, tanto da província como do serviço autónomo a que se destinem.

No n.º II, a eliminação das palavras «mediante portaria», ficando assim redigido:

II - O Ministro do Ultramar poderá, a título temporário ou permanente, autorizar os órgãos legislativos das províncias ultramarinas a emanar diplomas, dependentes da sua confirmação, reguladores da composição, recrutamento, atribuições e vencimentos, salários ou outras formas de retribuição pessoal dos quadros provinciais ou complementares dos seus serviços públicos, observando-se sempre os limites postos pela organização geral do respectivo ramo de serviço.

No n.º III, a substituição das palavras «em portaria publicada no Diária ao Governo» por estas: «por decreto», ficando assim redigido:

Período 2.º do n.º III - A anulação ou a revogação serão feitas por decreto obrigatoriamente transcrito no Boletim Oficial da respectiva província.

No n.º IV, um aditamento na alínea a), que ficará com a seguinte redacção:

a) Os de urgência, como tal declarados e justificados no preâmbulo do decreto;

Na base XI, n.º I, 5.º, alíneas b) e c), a substituição pela seguinte redacção:

b) As concessões no domínio público, e de cabos submarinos, de comunicações radiotelegráficas e radiotelefónicas, de carreiras aéreas para o exterior, as vias férreas de interesse geral e grandes obras publicas, bem como a emissão de obrigações das sociedades concessionárias e ainda a concessão de licenças para o estabelecimento de depósitos de combustíveis destinados à navegação marítima e aérea;

c) As obras e planos de urbanização ou de fomento que devam ser inscritas na despesa extraordinária e custeadas por força de receitas da mesma natureza ou pelo excesso das receitas ordinárias previstas para o respectivo ano.

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No n.º IV, a eliminação das palavras finais, ficando a redacção assim:

IV - Ao Subsecretário de Estado do Ultramar compete, dentro dos termos da delegação que lhe for dada pelo Ministro, decidir, de acordo com a orientação deste, os assuntos da sua competência executiva.

Na base XII, n.º II a substituição pela seguinte redacção:

II - Aos serviços do Ministério do Ultramar corresponderão quadros privativos e quadros comuns aos serviços do ultramar.

Na base XIII, a substituição pela seguinte redacção:

BASE XIII

O Governo poderá consultar a Câmara Corporativa sobre diplomas a publicar ou sobre propostas de lei a apresentai à Assembleia Nacional, uns e outras aplicáveis ao ultramar.

Na base XIV, a substituição pela. seguinte redacção:

BASE XIV

O Conselho Ultramarino é o órgão permanente de consulta do Ministro do ultramar em matéria de política e administração ultramarinas. A sua organização e atribuições serão definidas em lei especial.

Na base XVII, n.º II, a substituição pelo artigo 37.º, n.º I, da proposta, ficando assim redigido:

II - O governador é, em todo o território da respectiva província, o mais alto agente e representante do Governo da Nação Portuguesa, u autoridade superior a todas as outras que na província sirvam, tanto civis como militares, e o administrador superior da Fazenda Pública. Pelo exercício das suas funções responde perante o dito Governo e a verificação da legalidade dos seus actos está sujeita à jurisdição contenciosa.

Na base XVIII, n.º II, a substituição pela redacção seguinte:

II - A comissão dos governadores durará quatro anos, contados da data da publicação do decreto da sua nomeação no Diário do Governo.

Na base XIX, n.º I, a substituição pela redacção seguinte:

I - Na falta de governador ou na sua ausência da província assumirá as funções governativas o vice-presidente do Conselho de Governo, conforme a ordem prevista na base XXIX, n.º I, enquanto o Ministro do Ultramar não designar um encarregado do governo. A designação deste será feita por despacho a publicar no Boletim Oficial da respectiva província.

Na base XXIV, n.º III, a substituição pela seguinte redacção :

III - Se o governador-geral concordar com as disposições votadas pelo Conselho Legislativo, fá-las-á publicar, sob a forma de diploma legislativo, dentro dos quinze dias seguintes àquele em que o projecto votado estiver pronto para a sua assinatura, para que sejam cumpridas.

Na base XXV, n.º II, a substituição pela seguinte redacção:

II - O Conselho Legislativo é uma assembleia de representação adequada às condições do meio social da província. Constituem-no vogais na sua maioria eleitos quadrienalmente entre cidadãos portugueses que reúnam os requisitos de elegibilidade indicados na lei.

No n.º II e nas suas alíneas b) e d), a substituição pela seguinte redacção, respectivamente:

III - O estatuto político-administrativo de cada uma das províncias de governo-geral fixará o número de vogais eleitos e nomeados do seu Conselho Legislativo e regulará a eleição de modo a garantir adequada representação:

b) Aos organismos corporativos e demais associações económicas, culturais e de interesse espiritual e moral tradicionalmente reconhecidas que funcionem legalmente, incluindo, quanto ao Estado da índia, as comunidades aldeãs;

d) Aos colégios de eleitores do recenseamento geral dos círculos em que o território da província for dividido.

Os estatutos das províncias de Angola e Moçambique devem garantir elementos de representação à população indígena, procedendo à eleição dos seus representantes o Conselho de Governo na forma preceituada por esses estatutos, contando-se estes entre os nomeados.

Na base XXVI, n.º I, a substituição pela seguinte redacção:

I - O Conselho Legislativo funcionará da capital da província e será presidido pelo governador-geral ou por quem suas vezes fizer, com a faculdade de fazer-se substituir pelos vice-presidentes do Conselho de Governo, de harmonia com o preceituado na base XXIX, n.º I, quando entender.

E a eliminação do n.º III, alterando-se correspondentemente a numeração.

Na base XXVII, n.º I, a substituição pelo artigo 42.º, n.º I, com a seguinte redacção:

I - A todos os vogais do Conselho Legislativo, em distinção, compete o dever de zelar pela integridade da Nação Portuguesa e pelo bem da respectiva província, promovendo o seu progresso moral e material.

Na base XXVIII, a substituição pela seguinte redacção:

BASE XXVIII

I - Junto do governador-geral funcionará um conselho de governo, com atribuições consultivas e permanentes.

II - Compõem o Conselho de Governo os vogais seguintes:

Secretários provinciais e secretário-geral, comandante militar, procurador da República, director dos Serviços de Fazenda e dois vogais nomeados anualmente pelo governador-geral, devendo a sua escolha recair em pessoas de reconhecida idoneidade residentes na província, podendo uma delas ser funcionário público.

Na base XXIX, n.ºs I e II, a substituição pela seguinte redacção:

I - O Conselho de Governo será presidido pelo governador-geral ou por quem suas vezes fizer.

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Os secretários provinciais e o secretário-geral suo os vice-presidentes do Conselho de Governo e serão substituídos nestas funções nas suas faltas, ausências ou impedimentos, pelo comandante militar, se estiver presente, ou pelo vogal oficial mais antigo no serviço da província. Os. dois primeiros vice-
- presidentes serão os secretários província, pela ordem da sua nomeação ou, sendo esta da mesma data, da idade.

II - Nas suas faltas, ausências ou impedimentos, os- vogais do Conselho são substituídos pelos directores de serviços designados pelo governador-
- geral e, quando não houver designação, pelos seus substitutos na função pública os que forem funcionários, ou por suplentes nomeados os restantes.

Na base XXX, n.º II, a eliminação da alínea b), e no n.º III a substituição pela seguinte redacção:

III - O governador-geral pode discordar da opinião do Conselho e providenciar como entender mais conveniente.

Nos casos em que, sendo obrigado a consultar o Conselho de Governo, tomar resoluções contra o seu voto, comunicará o facto ao Ministro do Ultramar, justificando-o devidamente.

Na epígrafe da secção m, a substituição pela seguinte:

Dos órgãos das províncias que não são de governo-geral.

Na base XXXII, n.ºs I e II, a eliminação das palavras «de governo simples», ficando a redacção seguinte:

I - Em cada uma das províncias funcionará, com atribuições legislativas e consultivas, um conselho de governo.

II - O Conselho de Governo a que esta base se refere é uma assembleia de representação adequada, às condições do meio social de cada uma das províncias.
Compõem-no vogais não oficiais, nomeados pelo governador ou .eleitos, e vogais oficiais, natos ou designados pelo governador.

E no n.º III, alínea b), a substituição pela redacção seguinte:

b) Na escolha dos vogais não oficiais que lhe couber nomear o governador procurará dar representação aos organismos e sectores da população .nacional de considerável importância na economia e na vida pública da província que não tiverem voto nos colégios eleitorais.

E o aditamento da alínea c), assim redigida:

c) Em Macau dará igualmente representação à comunidade chinesa.

Na base XXXV, n.º I, a eliminação das palavras «de governo simples», ficando assim redigido:

I - Em cada província funcionará, junto do governador e por ele presidida, uma secção permanente do Conselho de- Governo, à qual compete emitir parecer nos casos previstos na lei e sobre todos os assuntos respeitantes ao governo e administração da província que para esse fim lhe forem apresentados pelo governador.

Na base XXXVII, o aditamento de um n.º I, assim redigido:

I - Nas províncias de governo-geral haverá uma secretaria-geral.

A substituição do n.º I, que fica n.º II, pela seguinte redacção:

I - Na capital de cada província, e sob a autoridade do respectivo governador, haverá organismos dirigentes de cada um dos rumos de serviço de administração provincial, que terão a categoria e a denominação de direcções provinciais de serviços e de repartições provinciais, de serviços conformo se trate de províncias de governo-geral ou das outras. Havendo nisso conveniência, poderá a lei prescrever que a mesma direcção ou repartição provincial reúna mais de um ramo de serviço.

E correspondente alteração na numeração.

Na base XLI, n.º V, regra. 3.º, o seguinte aditamento na parte final, ficando assim redigida:

3.ª Se outro prazo não estiver legalmente fixado, entender-se-á que as nomeações em comissão são válidas por dois anos, contadas do dia da posse, podendo todavia haver recondução por períodos iguais e sucessivos se o Ministro do Ultramar assim o entender e, em regra, sob proposta do governador da respectiva, província ou da direcção-geral de que o serviço depender, conforme se trate de funcionários dos quadros comuns prestando serviço no ultramar ou no Ministério.

A substituição da base XLIII pelo artigo 21.º da proposta, assim redigido:

I - Na administração das províncias ultramarinas é admitida a prestação de serviço por contrato nos casos seguintes:

a) No exercício anual de cargos incluídos nos quadros permanentes da administração pública, quando a lei reguladora do seu provimento o permitir;

b) No desempenho de funções ou realização- de trabalhos com carácter eventual, quer nos, quadros complementares dos serviços públicos, mas neste caso só quando a lei o permitir, ou, no silêncio desta, quando a autoridade a quem compita ordenar os mencionados trabalhos entenda ser necessário contratar pessoas de alta ou especial competência ;

c) Na prestação de serviço ou trabalho assalariado ao dia ou ao mês, e em regra de natureza manual.

II - A lei estabelecerá o .regime de cada uma destas formas de contrato, cuja celebração poderá ou não ser precedida de concurso público, conforme
for julgado conveniente.

A substituição da base XLVI pelo artigo 33.º da proposta, assim redigido:

I - Para os fins da administração local, as províncias ultramarinas dividem-se em concelhos. Transitoriamente, enquanto não for atingido o desenvolvimento económico e social previsto na lei, os concelhos podem ser substituídos por circunscrições administrativas nas regiões que o estatuto da respectiva, província indicar.

II - Onde o justifiquem a grandeza ou a descontinuidade do território e as conveniências da. administração, os concelhos e circunscrições agrupam-se em distritos, sob a autoridade do governador do distrito, nos termos legais.

III - Nos distritos em que a política indígena assumir aspectos predominantes, as circunscrições e as áreas não urbanizadas dos concelhos poderão também subordinar-se a intendências para os fins

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da melhor direcção ou fiscalização da referida política.

IV - Os concelhos podem compor-se de freguesias, correspondentes às localidades que neles houver, com a população e as condições urbanas por lei exigidas.

V - As áreas dos concelhos que não constituírem freguesias, bem torno nas circunscrições as áreas situadas fora da sede, serão atribuídas a postos
administrativos, como centros de organização e protecção do povoamento e para fins de soberania.

VI - A divisão administrativa de cada uma das províncias ultramarinas acompanhará as necessidades do seu progresso económico e social.

A substituição das bases XLVIII a u pelos artigos 68.º a 70.º da proposta, assim redigidos:

BASES XLVIII E XLIX

(ARTIGO 68.º)

I - Nas províncias ultramarinas a administração dos interesses comuns das localidades está a cargo de câmaras municipais, comissões municipais e juntas locais.

II - A câmara municipal é o corpo administrativo do concelho, de natureza electiva. E presidida, pelo administrador do concelho ou por um presidente designado pelo governador, nos termos do estatuto respectivo, e que, neste caso, poderá ser remunerado. O presidente é o órgão executor das suas deliberações, nos termos da lei. Tem foral e brasão próprios e pode usar a designação honorífica ou título que lhe forem ou tiverem sido conferidos.

III - Poderá haver comissões municipais nas circunscrições administrativas; nos termos que a lei definir, poderá havê-las também nos concelhos em que não puder constituir-se a câmara, por falta ou nulidade da eleição ou enquanto o número de eleitores inscritos for inferior ao mínimo estabelecido.

IV - São instituídas juntas locais:

a) Nas freguesias; mas, se aí houver organismos devidamente constituídos a quem por lei ou tradição pertença a gerência de certos interesses comuns dos habitantes, poderão ser-lhes confiadas as atribuições das juntas, nos termos que a lei definir;

b) Nos postos administrativos, se na sua sede existir povoação ou núcleo de habitantes com as características exigidas por lei.

BASE L

(ARTIGO 69.º)

I - Os concelhos e as freguesias são as autarquias locais propriamente ditas e constituem pessoas colectivas de direito público, com a autonomia administrativa e financeira que a lei lhes atribuir. A sua personalidade jurídica mantém-se mesmo quando geridos pelos órgãos transitórios ou supletivos a que se refere o artigo anterior.

II - As comissões municipais das circunscrições e as juntas locais dos postos administrativos exercem as atribuições e beneficiam de certas regalias dos correspondentes órgãos dos concelhos e freguesias, nos termos que a lei estabelecer.

BASE LI

(ARTIGO 70.º)

I - A vida administrativa das autarquias locais está sujeita à fiscalização do Governo da província, directamente ou por intermédio do governador do distrito, onde o houver, e a inspecção pelos funcionários que a lei determinar, podendo a mesma lei tornar dependentes as deliberações dos respectivos corpos administrativos da autorização ou da aprovação de outros organismos ou autoridades.

II - As deliberações dos corpos administrativos das autarquias locais só podem ser modificadas ou anuladas nos casos e pela forma .previstos na lei.

III - Os corpos administrativos de eleição podem ser dissolvidos pelo Governo da província, conforme a lei determinar. As comissões e juntas nomeadas podem ser livremente demitidas.

Na ha só LIV, o aditamento, que constituirá o n.º i, do artigo 55.", n.º i, assim redigido:

I - A lei regula os poderes que sobre os bens do domínio público do Estado são exercidos pelos governos das províncias ultramarinas e pelos seus serviços autónomos ou dotados de personalidade jurídica.
II - Igual a:

Na base LV, n.º I, a substituição de o Ministro do Ultramar" por "Governo".
Na base LVIII, a substituição do n.º I pelo seguinte, assim redigido:

I - O orçamento de cada província ultramarina é unitário, compreendendo a totalidade das receitas e despesas, incluindo as dos serviços autónomos, de que podem ser publicados à parte desenvolvimentos especiais e ainda:

a) As dos serviços comuns do ultramar;

b) As receitas consignadas ao Tesouro da metrópole pelo n.º III da base LX, assim como as correspondentes despesas do mesmo Tesouro efectuadas na província;

c) Os juros e amortizações da assistência financeira prestada às províncias ultramarinas.

Na base LIX, a substituição dos n.ºs II, III e IV pelo seguinte:

II - O governador, para efeito da inscrição no orçamento das verbas previstas na base XI, n.º I, 5.º, alínea c), e das resultantes das providências legislativas que forem da competência do Governo, deve enviar ao Ministro do Ultramar, instruído com os elementos necessários ao seu exame, o mapa de avaliação das receitas da província sobre que tem de assentar, devidamente equilibrado, o orçamento.

O Ministro, quanto às despesas que devam ser satisfeitas por intermédio das receitas extraordinárias, deverá indicar também a forma como estas hão-de obter-se.

III - Excedidas as indicações do Ministro, o Conselho Legislativo ou de Governo, conforme as províncias, votará um diploma legislativo em que são definidos os princípios a que deve obedecer o orçamento na parte das despesas de quantitativo não determinado por efeito de lei ou contrato preexistente.

IV - De harmonia com o diploma legislativo será organizado o orçamento, que será aprovado pelo Conselho de Governo e mandado executar pelo governador.

E a eliminação do n.º V, passando o n.º VI para V.

Na epígrafe da secção III, a eliminação da palavra "provinciais".

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BASE LX

III - São receitas da metrópole nas províncias ultramarinas:

Na base LX, n.º III, alínea a), o aditamento à parte final do seguinte: "incluindo nela os impostos e taxas criados para esse fim".

Ficará assim redigida:

BASE LX

III - a] Uma contribuição para a defesa nacional na proporção das receitas ordinárias de cada uma delas, incluindo nela os impostos e taxas criados para esse fim;

A eliminação da base LXII.

Na base LXIII, n.º V, o aditamento a seguir a "estabelecimentos de crédito" do seguinte: "referidos no § 2.º do artigo 67.º da Constituição".

Fica assim redigido:

V - Os direitos do Tesouro Público ou de estabelecimentos de crédito referidos no § 2.º do artigo 167.º da Constituição, por dívidas pretéritas ou futuras das províncias ultramarinas, são imprescritíveis.

Na epígrafe da secção IV, a eliminação da palavra "provinciais".

Na base LXIV, a substituição da alínea h) pela seguinte:

b) O complemento das despesas com a defesa nacional, as despesas da residência de S. João Baptista de Ajuda, as que se fizerem com a delimitação de fronteiras e as de comparticipação no povoamento, no estudo de problemas ultramarinos, na investigação científica e no estreitamento das relações espirituais entre a metrópole e o ultramar;

E a eliminação da alínea f).

E no n.º II, a substituição da alínea f) pela seguinte:

f) As despesas com os órgãos ou organismos anexos ou dependentes do Ministério que a lei determinar, com tribunais superiores e com outros serviços ou quadros comuns a diversas províncias em proporção das suas receitas ordinárias.

Na base LXVII, a substituição do n.º V pelo artigo 24.º, n.º IV, da proposta, ficando redigido assim:

V - Nas províncias do continente africano, ao juiz municipal compete o julgamento das questões gentílicas na forma definida por lei.

Na base LXX, a substituição do n.º I pelo seguinte:

I - Sempre que nos tribunais das províncias ultramarinas se levantar um incidente de inconstitucionalidade de qualquer diploma, quer por iniciativa das partes, quer dos magistrados, se o tribunal entender que a arguição tem fundamento, subirá o incidente em separado ao Conselho Ultramarino, para julgamento.

E a eliminação do n.º IV.

Na base LXXI, a eliminação do n.º IV das palavras "independentemente de autorização do Ministro do Ultramar", ficando assim redigido:

IV - Os diplomas legislativos das províncias ultramarinas poderão cominar qualquer das penas correccionais. As portarias regulamentares poderão
cominar as penalidades mencionadas no artigo 486.º do Código Penal, com as modificações Agentes na metrópole, incluindo multa, até 5.000$ ou quantia equivalente em moeda local.

Na base LXXII, a substituição das alíneas b) e d) pelas correspondentes do artigo 71.º da proposta, ficando assim redigidas:

b) O povoamento do território ultramarino, designadamente promovendo a fixação de famílias nacionais, regulando as deslocações de trabalhadores e disciplinando e protegendo a .emigração e a imigração;

d) A progressiva nacionalização das actividades que deverão integrar-se, por si e pelos seus capitais, no conjunto da economia nacional;
Na base LXXIII, a Substituição dos n.º I. II e III pelo artigo 77.º da proposta, com a redacção seguinte:

I - O regime aduaneiro, quer no que interessa às relações comerciais entre a metrópole e as províncias ultramarinas, quer às destas entre si e com os países estrangeiros, constitui problema do interêssse comum ou geral, que o Governo, como é da sua. competência, nos termos dos n.ºs 2.º ou 3.º do artigo 150.º da Constituição, conforme os casos, regulará, tendo em vista os princípios enunciados no artigo 158.º e seu § único da Constituição, e, para isso designadamente poderá:

a) Unificar quanto possível em todo o território nacional os direitos aduaneiros nas relações comerciais com os países estrangeiros, exceptuando as três províncias do Oriente, onde, atendendo à sua situação geográfica, poderão adoptar-se regimes especiais;

b) Reduzir gradualmente até à sua completa supressão, à medida que sejam substituídos por outras receitas, os direitos aduaneiros nas relações comerciais entre a metrópole e as províncias ultramarinas e nas destas entre si e com a metrópole, ressalvando as especialidades que forem necessárias para as três províncias do Oriente.

II - Igual a IV.

III - Igual a V.

Na base LXXV, a substituição do n.º II pelo seguinte:

II - A unidade monetária em todas as províncias ultramarinas será o escude. Os bancos emissores procurarão assegurar a convertibilidade das suas notas em escudos metropolitanos e destes naquelas, com as correcções resultantes da situação cambial.

Na base LXXVI, a substituição do n.º I pelo seguinte:

I - Serão reservados a empresas nacionais ou aos serviços do Estado que os explorem os meios de comunicação regular entre a metrópole e as províncias ultramarinas ou destas entre si. Dependem de autorização especial as excepções a esta regra.

E a eliminação do n.º III.

A substituição da base LXXXIII pelas duas bases seguintes:

BASE LXXXIII

l - Serão promovidos a expansão e o progresso do ensino, da educação, da cultura e da investigação científica no ultramar, tendo em vista o sentido nacional da nossa função civilizadora e o de-

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senvolvimento das relações daquelas actividades com us similares da metrópole.

II - O Estado manterá, como lhe parecer conveniente, nus províncias ultramarinas escolas primárias, complementares, médias e centros de investigação científica. Nas escolas primárias é autorizado o emprego do idioma vernáculo ou local como instrumento de ensino da língua portuguesa.

III - É livre no ultramar o estabelecimento de escolas particulares paralelas às oficiais, ficando sujeitas à fiscalização do Estado e podendo ser por ele subsidiadas ou oficializadas para efeito de concederem diplomas quando os seus programas e categoria do respectivo pessoal docente não forem inferiores aos dos estabelecimentos oficiais similares.

Nenhuma escola, particular frequentada por portugueses, mesmo quando ensine segundo programas próprios oficialmente aprovados, poderá deixar de incluir nestes as disciplinas de Português e de História de Portugal.

IV - O ensino ministrado pelo Estado, pelas missões católicas e pelas escolas particulares visa, além do revigoramento físico e do aperfeiçoamento das faculdades intelectuais, à formação do carácter, do valor profissional e de todas as virtudes morais e cívicas, orientados aqueles pelos princípios da doutrina e moral cristãs tradicionais do País, salvo se os pais dos alunos ou quem suas vezes fizer declararem não desejar que se lhes ensine a religião católica.

V - Nos orçamentos de cada uma das províncias ultramarinas inscrever-se-ão verbas para concessão de bolsas de estudo que facilitem a frequência na metrópole ou noutra província dos estabelecimentos de ensino que lhes faltarem.

VI - Os candidatos ao ingresso em escolas que não existam na província onde residam, para cuja frequência se exija exame de aptidão, poderão prestar as respectivas provas, exclusivamente escritas, nessa província. Essas provas serão remetidas à metrópole para efeitos de julgamento.

BASE LXXXIII-A

I - O ensino especialmente destinado aos indígenas, nas províncias onde ainda vigorar o regime de indígenas, deverá, nos locais em que já estiverem estabelecidas as missões católicas portuguesas, ser inteiramente confiado ao pessoal missionário e aos auxiliares. Nos locais em que essas missões não possam exercer a função do ensino continuará esta a cargo do Estado.

II - O ensino indígena em escolas particulares deve subordinar-se à mesma orientação geral a que é submetido quando ministrado pelo Estado.

III - No ensino indígena visar-se-ão, além dos fins previstos no n.º IV da base anterior, a perfeita nacionalização e moralização deles e a aquisição de hábitos e aptidões de trabalho, de harmonia com os sexos, condições e .conveniências das economias regionais.

IV - No ensino indígena é autorizado o emprego dos idiomas nativos como instrumento de ensino da língua portuguesa.

Na base LXXXV, n.º I, a eliminação das palavras "S. Tomé e Timor"

A eliminação da base LXXXVI.

A substituição da base LXXXVII pelo artigo 7í).º, n.º II, da proposta do Governo.

A eliminação das secções e respectivas epígrafes do capítulo IX.

A inserção de uma base nova - LXXXVIII-A - com redacção igual ao artigo 81.º da proposta.

Na base XCIII um aditamento - I - igual ao artigo 82.º, n.º I, da proposta, seguido de II, como no parecer.

Proposta de alteração apresentada pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo:
Na base XXIII, n.º II, a substituição do n.º II pelos n.ºs II e III, com a seguinte redacção:

II - Nas províncias de Angola e Moçambique poderá haver dois secretários provinciais, nomeados e exonerados pelo Ministro do Ultramar, sob proposta do governador-geral, em quem este delegará o exercício das funções executivas que entender. As funções dos secretários provinciais cessam com a exoneração dos respectivos governadores.

III - Nas províncias a que se refere o n.º I desta base haverá um secretário-geral, em quem o governador poderá delegar as funções executivas que entender, no Estado da índia, e as respeitantes ao expediente geral ou ao domínio da administração política e civil, na extensão que julgar conveniente, nas províncias de Angola e Moçambique. O secretário-geral é um funcionário de carreira e terá a categoria de inspector superior de administração ultramarina.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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