O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 701

REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 207

ANO DE 1953 26 DE FEVEREIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 207 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 25 DE FEVEREIRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs.{ Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Deputado Elisio Pimenta ocupou-se da situação dos proprietários do pequenas azenhas e moinhos.
O Sr. Deputado Galiano Tavares referiu-se ao desastre ferroviário de Cofias.
O Sr. Deputado Ricardo Durão solicitou do Governo a trasladação dos restos
mortais do rei D. Miguel I para Portugal.

Ordem do dia. - Concluiu-se a discussão e votação da lei orgânica do ultramar português.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 15 horas e 50 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Finto.
Américo Cortês Pinto.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara'
Armando Cândido de Medeiros.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elisio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.

Página 702

702 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 207

Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Luís da Silva Dias.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 77 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Disputado Elísio Pimenta.

O Sr. Elísio Pimenta: -Sr. Presidente: em 1936, a três anos portanto do- início da segunda guerra mundial, entendeu o Governo, com o propósito de restabelecer a normalidade na distribuição de trigos e evitar uma concorrência no seu comércio ilícito, criar a Comissão Reguladora das Moagens de Ramas, organismo de coordenação económica.
Convém relembrar, para melhor compreensão- das considerações que me proponho fazer, que esses organismos se destinavam, segundo a- definição legal, a condicionar a importação com as necessidades da produção da metrópole de das províncias ultramarinas e em vista, como não podia deixar de ser, aos superiores interesses da economia da Nação.
Num sistema de economia autodirigida, como o nosso, corporativismo de associação, e não corporativismo do Estado, torna-se necessário estabelecer o elo, a ligação, entre o mesmo Estado e os incipientes organismos primários, da organização corporativa.
Essa a função essencial atribuída aos organismos de coordenação económica.
A guerra, porém, «aquela calamidade composta de todas as calamidades», tudo transformou.
O Estado viu-se obrigado, pelas prementes exigências da salvação nacional, a intervir mais directamente no ordenamento da economia da Nação, a substituir-se à organização corporativa para normalizar os abastecimentos e manter o nível dos preços sem grandes oscilações.
E fê-lo precisamente através dos organismos de coordenação, que, pela força das circunstâncias, se sobrepuseram aos (próprios organismos corporativos já criados ou se serviram deles, desviando-se dos seus princípios fundamentais.
Julgo não ser possível concluir-se definitivamente se essa intervenção teria sido um bem ou teria sido um mal.
Foi, simplesmente, o que o condicionalismo da nossa economia e da economia de um mundo em guerra impôs a quem governava, nesse momento de duras dificuldades.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não tivemos então de dizer que «não há tempo em que melhor se julgue e entenda o bem da paz, que quando se carece dela», graças à política clarividente de Salazar, que nos deixou gozar nesses anos angustiosos os inestimáveis bens da paz.
Nada do que lhe devemos vale tanto - e é sempre bom recordá-lo -, como essa política.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas devemos-lhe também uma política económica que, embora sujeita aos erros dos homens que foram chamados a executá-la, garantiu sempre o pão a todos os Portugueses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nem sempre, na verdade, as soluções seguidas teriam sido as melhores ou executadas da maneira mais conveniente.
Mas hoje, à distância de alguns anos, com a calma suficiente para julgarmos desapaixonadamente, é lícito perguntar se as outras soluções que então se defendiam calorosamente teriam dado outros resultados, se as dificuldades teriam sido menores do que o foram.
Recordo-me, por exemplo, do milho, do problema grave e delicado da distribuição e do comércio deste cereal, que era o pão do uma parte da população portuguesa e a base da alimentação da gente do meu Entre Douro e Minho.
Fui testemunha, e até comparsa desse drama angustioso, da luta entre dois critérios diversos, opostos mesmo, o do condicionamento rigoroso, política do Ministério da Economia até 1947, e o do mercado livre, embora fiscalizado, defendido por produtores e até por consumidores.
O debute chegou a esta Assembleia, e eu, neste momento, quero colocar em alto o nome inesquecível do Deputado João da Rocha Paris, generoso paladino dos interesses da lavoura do Minho, que vive ainda da memória e na saudade dos seus amigos e dos seus conterrâneos.
A lavoura mais uma, vez não foi ouvida, e atendeu-se, de preferência, ao consumidor, esse «novo adulterino surgido com o liberalismo e a demagogia», no dizer da um ilustre escritor e jornalista.
Posso estar em erro, mas para mim as coisas teriam: corrido melhor, sem tão grandes dificuldades, como as que passamos, e com menor desprestígio- para a pobre organização corporativa, bode espiatório de todas as críticas, fundadas ou não, pela confusão dela fizeram

Página 703

26 DE FEVEREIRO DE 1953 703

com os organismos chamados na emergência a resolver os problemas graves da nossa economia - com a solução (em que se veio a cair mais tarde.
Mas isto pertence ao passado, e eu quero falar do presente.
Sr. Presidente: dentro da orientação une inicialmente prevaleceu quanto à - distribuição e comércio do milho e do centeio, o Decreto-Lei n.º 31 452, de 8 de Agosto do 194l, em plena guerra, sujeitou à disciplina da Comissão Reguladora das Moagens de Ramas as empresas de moagem de centeio e de milho, nas mesmas condições previstas para a moagem do trigo.
Valo o mesmo dizer que os pequenos moleiros das aldeias que trabalhavam nos moinhos e azenhas espalhados pelas margens dos rios e dos regatos da nossa terra, moleiros que passaram pomposa III ente a ser chamados moageiros ...

O Sr. Manuel Domingues Basto: - Para pagarem o que não podem ...

O Orador: - ... honra que, aliás, de boa vontade dispensavam, ficaram sujeitos a uma infinidade de «formalidades burocráticas, que estariam bem nas fábricas de moagem com características nitidamente industriais, que estariam bem para os moageiros, no verdadeiro sentido da palavra, sem excluir o do lucro, mas que eram, e infelizmente são ainda, impertinentes e onerosas nessas pequenas actividades complementares do trabalho agrícola, magro acréscimo do rendimento de terras com limitado poder produtivo.
Mais ainda, obrigaram-se esses rurais, pequenos lavradores, por via de regra rendeiros ou arrendatários de moinhos e azenhas com um ou dois casais de mós, trabalhando eles próprios ou a mulher e os filhos, e quase sempre - analfabetos, a montar uma verdadeira escrita, com livros de registo de entrada, dos cereais e saída da respectiva farinha, devidamente escriturados o em dia, por forma, a satisfazer uma numerosa e exigente fiscalização.

O Sr. Manuel Domingues Basto: - Escrita que eles não sabiam fazer, o que aproveitava aos fiscais, que lha faziam ...

O Orador: - Depois, como não podia deixar de ser, para as despesas provenientes dos serviços estabeleceu-se uma taxa a pagar pelo moleiro, e não pelo consumidor, que, por ser de trabalhoso apuramento, se transformou em avença mensal fixa a cobrar pelos grémios da lavoura.

O Sr. Manuel Domingues Basto: - Mas pagam ainda uma taxa? E não são os fiscais que a cobram?

O Orador: - São os grémios da lavoura, porque são os intermediários da Comissão Reguladora das Moagens de Ramas. Mais um desvio desprestigiante dos malfadados grémios da lavoura.

O Sr. Manuel Domingues Basto: - Triste conceito se faz dos grémios da lavoura!

O Orador: - A guerra acabou e pouco a pouco muitos desses regimes excepcionais foram acabando também. Graças a Deus e ao bom senso de quem nos governa, as condições da nossa economia permitiram que se pusessem de parte, por desnecessários, muitos empecilhos burocráticos e taxas gravosas. A orientação seguida garante-nos que todos eles acabarão por desaparecer sem deixar saudades.
Assim o Mundo se conserve em Paz e Portugal com a relativa abundância em que vive hoje!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas há burocracias, formalidades, e sobretudo encargos que continuam sem justificação visível a sobrecarregar as tarefas e as economias de centenas, poderei dizer milhares, de agricultores, que bem merecem ser considerados pela justiça da sua causa e pelas suas tradicionais virtudes de que a todos os momentos dão provas, e, entre elas, não é menor a da paciência com que esperam o dia em que as suas legítimas reivindicações serão atendidas.
Entre os esquecidos estão os donos e possuidores das pequenas azenhas, e moinhos, espalhados pelos rios e regatos de Portugal, a que me estou a referir, que, apesar de se terem modificado as condições que ditaram a sua subordinação à disciplina da Comissão Reguladora das Moagens de Ramas, continuam sujeitos a formalidades e ao pagamento de taxas que os perturbam e arruinam.
Não vejo, na verdade, qual seja hoje a acção dessa Comissão Reguladora que justifique tal subordinação e tão oneroso pagamento de taxas e avenças.
Nos duros, tempos do condicionamento da distribuição e do Comércio do milho e do centeio os moleiros não tinham o direito de comprar o cereal onde lhes parecesse e lhes conviesse. O milho e o centeio eram-lhes fornecidos nos celeiros da Federação Nacional dos Produtores de Trigo, mediante guias, e, depois de o moerem, entregavam a farinha, aos industriais de padaria. Todo esse movimento era feito sob a direcção da Comissão Reguladora, das Moagens de Ramas, que, bem ou mal, exercia uma função de intermediário entre o produtor, que depositava o milho obrigatoriamente nos celeiros, e o padeiro, que fabricava o pão.
E se o milho nacional faltava lá intervinha também a Comissão Reguladora, e sempre como intermediário, mas agora entre os. importadores do milho exótico ou colonial e o moleiro. E neste ponto muito haveria que dizer sobre as dificuldades que o pobre moleiro tinha de suportar mi aquisição do milho, que iam desde a exigência de uma requisição mínima de 10 000 kg e um depósito prévio do seu preço, sempre mais de 20.000$, até à, demora no fornecimento.

O Sr. Manuel Domingues Basto: - Era precisamente, na prática, o aniquilamento da profissão de moleiro.

O Sr. António Bartolomeu Gromicho: - Era preciso ser-se moleiro-capitalista ...

O Orador: - Hoje as coisas modificaram-se muito, o mercado é inteiramente livre e o moleiro compra o milho onde lhe convém, no celeiro ou em casa do produtor, e, por vezes, abe elo próprio é o produtor.
A Comissão Reguladora não tem a menor intervenção na operação nem na entrega da farinha ao padeiro ou ao particular.
Existe apenas uma expectativa: a de termos de voltar ao condicionamento, que a larga visão e o provado bom senso do Sr. Ministro da Economia resolveria- certamente em termos diferentes dos postos em prática durante a passada crise.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas justificará essa expectativa a continuação de medidas que terão razão de ser apenas em períodos difíceis?
Porque não se fazer como no caso paralelo do racionamento dos géneros de mercearia, mantendo-se a máquina montada, mas sem funcionar?

Página 704

704 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 207

Por outro lado, a concorrência, que não existia nos tempos da crise, por virtude do condicionamento industrial a que estavam sujeitos os moinhos e as azenhas, verifica-se hoje, que cassou esse, condicionamento.
E o tempo de laboração de cada unidade e muito menos do que era há anos e a percentagem da maquia inferior também.
Pois, apegar de tudo isso, repilo, as burocracias são as mesmas dos tempos anteriores e pior: a um lucro muito menor correspondem as mesmas taxas, as mesmas avenças, sem que a essa gente, económicamente débil, a Comissão Reguladora das Moagens de Ramas preste quaisquer serviços, nem a essa gente nem aos consumidores.
Tal situação tem dado origem a exposições, nas quais as razões que assistem aos interessados II ao pecam por falta de clareza ou de poder de convicção.
Talvez por isso mesmo o que respondo a Comissão?
Contrapondo às razões dos .reclamantes outras razões que os convençam P Procurando desfazer o equívoco em que vivem, julgando, talvez erradamente, que os tempos de crise ainda não acabaram e que os motivos que ditaram o condicionamento da sua actividade continuam a subsistir?
Já vi escrito num relatório de uniu comissão, composta, por alguns dos mais ilustres membros desta Assembleia, esta verdade fundamental, que lamento não seja compreendida por tantas pessoas com responsabilidade?:

O povo tem de ser bem esclarecido e bem acolhido, e nem sempre aqueles que têm por função - e portanto como dever - servi-lo se mostram com disposição de lhe matarem aquela sede.

Pois a Comissão Reguladora das Moagens de Ramas responde aos reclamantes que os moinhos e azenhas estão sujeitos ao cumprimento da lei, que as taxas aplicadas são as legais e que a Comissão, mantendo as suas exigências, não faz mais do que aplicar a lei ...
Argumentos tão simplistas evidentemente que não convencem.
É por isso que eu, desta Assembleia, que o ilustre Ministro da Economia, tanto honrou como Deputado e tanto honra como Ministro ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... em nome de centenas, de milhares de homens carecidos de protecção numa causa legítima, apelo para o Governo, certo, absolutamente certo, de que o apelo não será em vão, pela justiça de que está revestido e de que o problema que aflige essa boa gente será revisto.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: quero, antes de terminar, deixar ilustradas as minhas palavras tom Mais simples números, que, melhor do que tudo quanto se possa dizer, esclarecerão V. Ex.ª e a Assembleia.
Tive o cuidado de estudar o problema, que, aliás, conheço directamente muito bem, pois vivo há muitos anos em contacto com os lavradores da minha província de Entre Douro e Minho, e tive a honra de os servir, durante os anos da crise, como presidente de um concelho rural e fronteiriço.
Apresento um exemplo concreto no meio de muitos que lenho à mão e poderia apresentar muitos outros perfeitamente idênticos:
Uma azenha com três casais de mós num pequeno regato do centro da minha província. Essa azenha tem a capacidade diária de laboração, em vinte e quatro horas, de 30 arrobas, isto é, 450 kg. Devido às causas atrás expostas, não labora de há muito tempo para cá mais de oito horas por dia, em média, ou seja um terço da capacidade máxima, e por vezes nem tanto tempo, o que representa 10 arrobas por dia, ou 300 no fim do mês.
São assim 300 kg de rendimento da maquia, que, a 2$30 o quilograma do milho, perfaz um total de 690$.
Mas a azenha, devido ao regime de águas a que está sujeita e à estiagem, não trabalha mais de seis ou sete meses por ano.
Ponhamos sete meses. Sete vezes 690$, igual a 4.830$, que será o rendimento bruto.
De despesas anuais temos:
Contribuições ao listado e à Câmara Municipal: 311$.
De renda anual ao proprietário da azenha: 2.000$.
Da avença, à Comissão Reguladora: 122$ por mês, ou 1.404$ por ano.
Soma das despesas anuais, não contando com as reparações, substituições de mós e outras despesas necessárias: 3.775$.
Lucro líquido: 1.055$, inferior em 409$ à avença da Comissão Reguladora.

O Sr. Manuel Domingues Basto: - V. Ex.ª dá-me licença? Os números que V. Ex.ª acaba de apresentar são elucidativos. No entretanto, seria interessante fazer o cálculo de, quanto vem a ganhar por dia o moleiro e quanto paga de contribuições ao Estado e à Comissão.
Já me dei a esse trabalho com os números que V. Ex.ª acaba de referir, e devo dizer que o moleiro não chega a ganhar 4$ por dia e paga 200$ por mês a Comissão.

O Orador: - Partindo do princípio, que não é o do caso exposto e o da maioria, das. atenhas e moinhos, de que o moleiro é o proprietário, e não o arrendatário, do engenho, ainda assim o rendimento nos termos calculados não passaria da pequena quantia anual de 3.055$.
A conclusão mais impressionante, porém, é aquela a que podemos chegar da percentagem que a Comissão Reguladora recebe dos lucros brutos da exploração. Recebe a Comissão Reguladora no caso apontado mais de 30 por cento de todo o rendimento apurado. Mais de um terço do rendimento bruto é para ela.
No entanto, a maquia deixada pelo freguês ao moleiro não chega hoje a 10 por cento.
Sr. Presidente: é da miais elementar justiça que o Decreto-Lei n.º 31 452 seja revogado sem demora, por não corresponder Às realidades económicas dos tempos de paz e de calma que atravessamos.
Se, porém, assim se não entender, impõe-se o suspensão das taxas e avenças pagas pelos pequenos possuidores das azenhas e moinhos ou a sua redução a uma quantia meramente simbólica, que não arruine as limitadas economias desses honestos, trabalhadores, da terra, sempre prantos a aceitar os maiores sacrifícios quando as necessidades de salvação nacional o exigem, como o demonstraram exuberantemente nos tempos duros da última guerra.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Galiano Tavares: - Em Abril do ano passado requeri, juntamente com outros Srs. Deputados, alguns elementos a vários serviços públicos, a fim de ficarmos habilitados a formar juízo sobre o trágico e angustioso acontecimento que Se deu na linha de Cascais, em Caxias.

Página 705

26 DE FEVEREIRO DE 1903 705

Esses elementos foram por nós recebidos em Setembro do ano passado. Todavia, como o assunto em questão está afecto aos tribunais, entendi eu e os meus colegas que requereram os referidos elementos que se não devia tratar do assunto nesta Assembleia, até para que seja possível, com maior liberdade e sem qualquer espécie de sugestões, resolver como é mister.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Ricardo Durão: - Sr. Presidente: sem de forma alguma abdicar das minhas ideias sobre a permanência do actual regime, considero no entanto oportuno dirigir ao Governo uma solicitação que reputo da mais elementar justiça.
Sugeriu-me esta intervenção um artigo que li ontem no jornal A Voz e que profundamente me impressionou. Termina esse artigo nestes termos: «Em Portugal o primeiro imperador do Brasil tem jazigo e duas estátuas; seu irmão, D. Miguel, nem campa rasa tem na sua pátria».
E eu então pergunto: porque razão não foram ainda trasladados para Portugal os restos mortais do rei D. Miguel?
Consta-me que uma comissão de estudantes empenhados neste generoso propósito tem promovido várias diligências para conseguir esse fim. Seria portanto natural que o Governo aproveitasse a oportunidade para tomar em suas mãos o encargo de realizar aquela aspiração.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E não creio que possa haver reparação mais eloquente prestada à memória de um príncipe cujo destino foi assinalado pelo estigma da desventura.
A história das nossas lutas civis- tem sido de facto deturpada ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -... porque a verdade, afinal, é que a subordinação ao estrangeiro marca com um ferrete indelével as revoluções liberais...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... ao passo que a figura de D. Miguel surge reabilitada e pura naquele horizonte de tragédia como incarnação viva da realeza, na sua mais alta expressão...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... traduzida no respeito integral pela vontade e pela conveniência da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E enquanto por aí se alcandoram sobre pedestais aduladores, pejando as praças públicas, certas figuras do liberalismo, de interesse meramente transitório ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... não se compreende que o exílio de D. Miguel perdure além da morte.

Vozes: - Muito bem!

O Orador : - Já outro republicano propôs nesta Câmara a revogação da iníqua lei do banimento. O meu apelo vem, portanto, apoiar-se na intervenção do meu colega e a correligionário» Jorge Botelho Moniz. Correligionário disse, e se o frisei foi porque sempre que encontro um republicano nas nossas fileiras me sinto positivamente enternecido ao verificar que nem todos os republicanos são do «reviralho» e alguns ainda se conservam no lugar que lhes compete por todas as razões políticas e morais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Que esta coincidência - de dois republicanos batendo a mesma, tecla, - possa servir de lenitivo e traduza ao mesmo tempo a homenagem que devemos àqueles - monárquicos que servem, como nós, a actual Situação, contribuindo, embora indirectamente, para dignificação de um regime que não é o seu.

Vozes: - Muito bem !

O Orador : - E é sem espírito de ironia que o digo, porque a isenção e o civismo dos monárquicos que acima da sua causa colocam o imperativo nacional da ordem pública merecem com efeito o nosso reconhecimento.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - E, como eles, merecem da mesma forma o respeito do País a memória do rei D. Miguel e u atitude dos seus descendentes.

Vozes : - Muito bem!

O Orador: - O próprio Oliveira Martins, tão severo nos seus julgamentos, enaltece o infante, em Portugal Contemporâneo, na sua boa fé imanente, nos seus impulsos varonis, no seu infortúnio, permitindo-nos chegar à conclusão de que, apesar de todas as suas imperfeições raciona, apesar do seu temperamento adusto de marialva e do seu idealismo quixotesco aliás maravilhoso e épico, D. Miguel foi, sem dúvida, o mais português e o mais castiço, o mais leal e o mais nobre, o mais bravo e o mais belo, o mais patriota e o mais popular dos filhos de D. João VI.
E foi, de facto, o entusiasmo do povo que o secundou nos seus esforços contra todas as influências estrangeira?; foi o coração do povo que o acompanhou no exílio e, delirante, o aclamou no regresso; é justo, portanto, que a voz do povo, amorosa e saudosista, o possa agora embalar no seu túmulo.

Vozes : - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente : - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na especialidade a proposta da lei orgânica do ultramar.
Tínhamos chegado ontem à secção II «Da prevenção e repressão dos crimes no ultramar», base LXXI.
Vai ser lida esta base.

Foi lida.

O Sr. Presidente: - Sobre esta base há na Mesa uma proposta de alteração do Sr. Deputado Armando Cândido e outros Srs. Deputados relativa ao n.º III. Há

Página 706

706 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 207

ainda uma proposta do Sr. Deputado Sousa Pinto sobre o n.º IV da base, para eliminação das palavras: «independentemente de autorização do Ministro do Ultramar». Passa a ter a seguinte redacção:
Foram, lidas. São as seguintes:

Propomos que o n.º III da base LXXI tenha a seguinte redacção:

III - A pena de degredo não se ordenará nem cumprirá mais nas províncias ultramarinas.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional. - Os Deputados: Armando Cândido de Medeiros, Amorim Ferreira -, António Carlos Borges, António de Almeida e Pedro Cymbron.

Na base LXXI, a eliminação do n.º IV das palavras «independentemente de autorização do Ministro do Ultramar», ficando assim redigido:

IV - Os diplomas legislativos das províncias ultramarinas poderão cominar qualquer das penas correcionais. As portarias regulamentares poderão cominar as penalidades mencionadas no artigo 486.º do Código Penal, com as modificações vigentes na metrópole, incluindo multa até 5.000$ ou quantia equivalente em moeda local.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: desculpo-me V. Ex.ª ler subido à tribuna para dizer tão pouco, mas, como me sinto um tanto fatigado, esta é a melhor forma de poder ser ouvido pelos meus ilustres colegas que queiram
honrar-me com a sua atenção.
No meu tempo, na nossa velha e querida Universidade, para se obter o diploma do curso colonial bastava ter algumas cadeiras obrigatórias do curso de Direito, entre as quais a de Administração Colonial e, além dessas, a cadeira de Higiene. E aqui têm VV. Ex.ª a razão por que estão em presença de um diplomado com o curso colonial ...
Evidentemente, Sr. Presidente, isto não me dá de qualquer modo foros de autoridade e competência para intervir num debate desta natureza.
Simplesmente, atentando-se no conteúdo da base LXXI, encontra-se aí a justificação do uso da palavra por qualquer jurista, por mais modesto que ele seja, como agora acontece.
Não apoiados.
A base LXXI, referente a prevenção e repressão dos crimes no ultramar, tem alta importância, nomeadamente na parle em que se refere à pena de degredo o à criação de estabelecimentos penais.
A pena de degredo está estabelecida nos artigos 55.º a 37.º e regulada no artigo 60.º do velhinho Código Penal do 1886, ainda em vigor. E aplica-se como complementar da pena maior celular fixa, ou em alternativa, desta.
E, não obstante, por um despacho do Ministro das Colónias Prof. Anuindo Monteiro, seguido pelo Decreto n.º 20 877, de 13 de Fevereiro de 1932, e completado pela organização prisional de 28 de Maio de 1932, se ler abolido o seu cumprimento no ultramar e ordenado a sua substituição por prisão maior, reduzindo-se a sua duração de um terço, a verdade é que os tribunais continuam a ainda a aplicar a pena com aquela designação imprópria de «degredo», por carência de alteração daquelas disposições, e ainda com u agravante um tanto desprestigiosa de terem de indicar na sentença se o degredo é para possessão de 1.ª ou de 2.ª classes, conforme uma classificação que vem desde a Lei de 1867,
quando afinal ela é cumprida nas prisões penitenciárias de Lisboa ou de Coimbra e nas colónias ou escolas penais do continente, conforme os casos.
Na verdade, aquela designação é hoje imprópria.
Que motivos determinaram a supressão do cumprimento da pena de degredo no ultramar?
Indicam-nos sucintamente os relatórios daqueles diplomas legais e concretizam-se no fracasso de um sistema executado ao acaso, sem ordem nem método, desde que existia, ou seja, por assim dizer, desde os primórdios do nosso império ultramarino.
O envio de condenados, especialmente para Angola, representava para o Estado um encargo de alguns milhares de contos e convertera-se num peso morto para esta província ultramarina, em lugar de ser, como podia, um elemento de prosperidade pelo aproveitamento dos condenados como colonos e ser também um relevante processo de recuperação dos criminosos, como hoje está sucedendo notavelmente no continente e noutra oportunidade tentarei demonstrar. Merece-o o assunto e merecem-no os obreiros de tal empreendimento.
O pequeno volume dos resultados que o sistema, estava originando não compensava aqueles encargos, e era geralmente evidente a falta de observância das normas legais em vigor.
Por outro lado, eram frequentes os clamores das autoridades e dos colonos contra o envio constante de levas de degredados, que constituíam uma legião de elementos perniciosos e perturbadores, que, além disto, iam contaminar a população honesta e sã da província.
Mas o assunto é muito importante e complexo, e, portanto, não se compadece com os escassos momentos do que agora me é lícito dispor.
Seja como for e qualquer que seja a posição que se deva tomar neste melindroso assunto, a verdade é que, a meu ver, não se justifica o n.º 3.º da base LXXI em discussão, na parte em que diz que:

... a pena de degredo não se ordenará nem cumprirá mais nas províncias ultramarinas;

e, portanto, também não se justifica a proposta de substituição enviada para a Mesa por alguns ilustres Deputados, visto que se limita a reproduzir naquele disposição, eliminando o restante contendo do mesmo n.º 3.º
E não se. justificam, em primeiro lugar porque, como vimos, já existem disposições legais proibitivas do cumprimento da pena, de degredo no ultramar, e mandando-a substituir por prisão celular reduzida a um terço.
Em segundo lugar, não se trata de uma disposição revogativa - aliás escusada para o que já está revogado -, mas sim de uma disposição, por assim - dizer, negativa, sem conteúdo, que, de mais a mais, pode ser revogada por outra lei ou por um - decreto-lei, apesar do advérbio «mais» ali aposto imperativamente e oriundo da Carta Orgânica de 1933.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Quanto ao que se contém na lei orgânica, pode legislar-se por decreto-lei? Suponho que não; porque, como V. Ex.ª sabe, a votação da. lei orgânica do ultramar é da competência exclusiva da Assembleia, e as suas disposições não podem por isso .ser revogadas por decreto-lei. Admitir que podiam corresponder à afirmação de que teria competência pura legislar sobre a matéria da lei orgânica um órgão que, pela Constituição, a não tem. A lei orgânica é, desta maneira, um conjunto de disposições legislativas que estão acima do decreto-lei, muito embora não igualem a Constituição, porque a Assembleia pode, em lei ordinária, substituí-las.

O Orador: - Este advérbio «mais», portanto, não significa, nada, porque amanhã isto pode ser alterado.

Página 707

26 DE FEVEREIRO DE 1953 707

O Sr. Mário de Figueiredo: - Pode significar que só a Assembleia é que pode substituir e não o Governo por decreto-lei. Por isso chamo a atenção de V. Ex.ª para a menor razão dos argumentos que estava produzindo.

O Orador: - Tem V. Ex.ª realmente razão quanto aos diplomas desta natureza, que só podem constitucionalmente ser alterados por lei.
Todavia, que leis ou decretos imponham aos indivíduos ou às entidades restrições ou proibições, está certo; anus impô-las ao - próprio Estado parece-me que só a Constituição pode fazê-lo, e mesmo esta está sujeita o alteração em Assembleia Constituinte.
Em terceiro lugar, a ser necessário ou útil aquela disposição, como entendê-la ou interpretá-la?
Chamo a atenção de VV. Ex.ªs para o modo como ela está redigida.
Da sua interpretação literal resulta, a meu ver, isto: nas províncias ultramarinas não pode mais ser aplicada nem cumprida a pena de degredo. Outro sentido não pode ser dado à expressão a ordenará». E assim, como está, o intérprete deverá ou poderá concluir que os tribunais ultramarinos não podem aplicar a pena de degredo. Isto é, para ali, o Código Penal fica alterado nesta parte.
Evidentemente que não é isto o que se pretende; mas é o que lá está.
Como certamente também ma» se pretendeu proibir os tribunais do continente de aplicar (ordenar) a pena de degredo ou a que venha a corresponder-lhe.
O que se tem em vista - suponho eu - é, embora inutilmente, dispor o seguinte:

A pena de degredo aplicada - pelos tribunais continentais não será cumprida nas províncias ultramarinas.

Mas, repito, com esta, com a que se (propõe ou com qualquer outra redacção, entendo que devia ser rejeitada esto matéria, e é com esta restrição que eu dou o meu voto à base LXXI. Dou-o à segunda parte do seu n.º 3.º, que a proposta enviada para - a Mesa se destina a eliminar.
Pela organização prisional de 1936, já o Governo está autorizado a criar no ultramar colónias penais para criminosos de difícil correcção e para -
delinquentes políticos.
Agora trata-se apenas de manter, - por forma genérica, esta faculdade, mas, é claro, como já determina aquela organização, ide modo muito prudente e - diverso do usado antigamente, com constituição e administração perfeitas e dentro dos moldes que estão sendo adoptados com tanto sucesso na metrópole, com
Resultados - benéficos de tal modo evidentes que é desnecessário deter-me a encarecê-los, e que muito honram os nossos serviços prisionais. O País está longe de avaliar o que se fez e continua fazendo neste capítulo; mas é tão notável que encontra larga referência nos cultores estrangeiros da especialidade que nos têm visitado, conto, por exemplo, o P.º Courtois, grande autoridade francesa nestes assuntos, e o Dr. Pierre Cannat, magistrado e fiscal dos serviços prisionais franceses, que em 1946 apresentou ao seu governo um relatório muito lisonjeiro para nós.
Se tem sido tão lisonjeiro o resultado do regime prisional de Alcoentre, Leiria, Vila Fernando e outros estabelecimentos existentes no continente, justifica-se que o Governo fique habilitado a- proceder do mesmo modo no ultramar, desde que se sigam os mesmos processos e se evitem os inconvenientes que conduziram às medidas drásticas proibitivas em referência.
Sucedendo assim, como podem as nossas províncias ultramarinas ter razão para se queixar de uma medida que pode vir trazer-lhes largos benefícios, que até resultarão de poderem ser eficientemente utilizados e corrigidos os condenados em degredo pelos seus próprios tribunais, - cuja remessa para outras províncias a Carta Orgânica de 1933 proibiu, com raras excepções?
Num caso, porém, ponho as minhas reservas: é a criação, autorizada na organização prisional em vigor, de colónias penais do ultramar para delinquentes políticos.
Levar-me-ia muito longe a explanação deste assunto. Mas basta-me dizer que como é do conhecimento de todos, a existência de colónias desta natureza presta-se a especulações políticas, inconsistentes, é certo, mas a que não há necessidade de dar pretexto. Está na memória de todos o que sucedeu há alguns anos, e de que os inimigos da Situação condenàvelmente, antipatriòticamente, conseguiram obter projecção em certa imprensa estrangeira.
De resto, não é impossível - e mesmo talvez seja menos arriscado - manter nas prisões do continente os presos políticos, quer ainda em detenção preventiva, quer condenados.
Desculpem, V. Ex.ª e a Assembleia, o tempo que ocupei; mas não julguei de todo inútil determo-nos mais um pouco sobre um problema desta magnitude e complexidade. E, aliás, fi-lo em considerações muito ligeiras, compatíveis com o tempo regimental; e o assunto merecia largas considerações.
Tenho dito.

O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: durante a discussão na generalidade tomei posição quanto à matéria contida no artigo 28.º da proposta, do Governo e na base LXXI do parecer da Câmara Corporativa.
Em traços largos deixei esboçada a minha - discordância a respeito do enquadramento de estabelecimentos penais nos planos de colonização das nossas províncias ultramarinas. Cabe-me agora sustentar com mais argumentos, e - porventura, com mais vigor, o meu ponto de vista, que é, aliás, o ponto de vista de todos os Srs. Deputados que subscreveram, como eu. a emenda apresentada.
Para melhor entendimento, dividirei a minha exposição em três partes: na primeira apreciarei a redacção da proposta do Governo; na segunda a redacção sugerida - pela Câmara Corporativa, e na terceira procurarei dar à Assembleia as razoes- justificativas da alteração que se oferece.
Começo pelo n.º I do artigo 28.º da proposta do Governo:

Nas províncias ultramarinas não se ordenará nem cumprirá mais a pena de degredo, ficando revogadas quaisquer disposições gerais ou especiais em contrário.

Uma análise de ordem técnica levanta alguns embaraços à forma por que só mostra redigido este preceito.
Nas províncias ultramarinas não existe a condenarão em pena maior. Isto é: enquanto na metrópole os tribunais podem condenar em pena maior e em degredo, na alternativa -, no ultramar os juizes não aplicam a pena maior porque a lei não lhes dá essa faculdade. Quer isto dizer que, suprimindo nas províncias ultramarinas a pena do degredo - e não havendo, como não há, outra que a substitua, os tribunais vão ter dificuldades, pelo menos enquanto não os habilitarem a condenar de outro modo.

O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª diz que nas províncias ultramarinas não se aplica a pena maior.

Página 708

708 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 207

O Orador: - Disse e repito: os tribunais judiciais das províncias ultramarinas não condenam nem podem condenar em pena maior. É um facto que não se pode negar.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Preferia que V. Ex.ª me citasse a lei.

O Sr. Paulo Cancelo de Abreu: - Existe só degredo.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Não se cumpre ou não se aplica?

O Sr. Duarte Silva: - Lá os tribunais só condenam em degredo.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - A Carta Orgânica é que prevê que a pena seja cumprida na .própria província quando se trata de províncias principais.

O Orador: - Esse é outro aspecto da questão, Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu, mas tanto V. Ex.ª como o Sr. Deputado Duarte Silva ajudaram a minha afirmação quanto à não existência da pena maior no ultramar, de modo que me julgo dispensário de citar a lei ou as leis que dizem respeito ao caso.
Diz-se ainda no n.º I do artigo 28.º que ficam a revogadas quaisquer disposições gerais ou especiais em contrário». Ora esta expressão é inútil, por corresponder à de «fica revogada a legislação em contrário», que já não se emprega.
No n.º II prevê-se; a integração dos estabelecimentos penais existentes ou que forem criados no ultramar no sistema prisional metropolitano pela forma que a lei determinar, tendo por fim a readaptação social do delinquente.
Não se estendo o sistema penal metropolitano nem se faz uma alusão franca à extensão do sistema prisional .
Devo anotar que o n.º I do artigo 28.º, interpretado a valer, só pode referir-se ao ultramar, quer pela sua letra, quer ainda pela sua inclusão num diploma que diz exclusivamente respeito às províncias ultramarinas.
Quanto à primeira norma contida no preceito, não há dúvida: «Nas províncias ultramarinas não se ordenará ...».
Quanto à segunda norma «... nem cumprirá mais a pena de degredo»- é que as dúvidas podem surgir: podem, mas vejamos ...

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - A expressão «ordenará» é que não me parece jurídica.

O Orador: - A expressão limita-se às províncias ultramarinas: por «não se ordenará mais a pena de degredo» deverá entender-se - creio eu - não se condenará mais na pena de degredo.
Retomo a linha das minhas considerações:
E claro que é lícito determinar-se num diploma respeitante ao ultramar que no ultramar não será cumprida qualquer pena de degredo, quer tenha sido aplicada no próprio ultramar, quer tenha sido imposta aia metrópole.
Mas para quê semelhante determinação quanto à metrópole, se no artigo 36.º do
Decreto-Lei n.º 26643, de 28 de Maio de 1936 (reorganização prisional), já está ordenado que «o degredo será cumprido como prisão maior nos estabelecimentos a esta pena destinados, reduzindo-se a sua duração do um terço»?
Em todo o caso ainda se pode encontrar uma explicação, que é a do o legislador querer extinguir as penas de degredo que estiverem a ser cumpridas à data da vigência da lei orgânica.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Se eu interpreto bem, V. Ex.ª é partidário da pena de degredo no ultramar.

O Orador: - Eu ainda não cheguei ao fim.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Mas se V. Ex.ª é partidário da pena de degredo no ultramar, e se lá não há penitenciárias, onde se cumprem as penas graves, as penas maiores?

O Orador: - Repito: ainda não cheguei ao fim. Isto é um cortejo que leva tempo a ordenar. Em todo o caso, V. Ex.ª poderá reparar desde já em que mantive na proposta de emenda a abolição da pena de degredo.
Continuo:
Dadas as observações que fiz, o artigo 28.º não deveria ser aprovado tal qual está redigido, mas convém salientar que a linha geral do seu conteúdo é defensável, por não sair, quanto ao sistema prisional, do diploma que o regula na metrópole.
Neste capítulo se na proposta do Governo não há, pois, uma palavra que seja sobre o aproveitamento de condenados na colonização do ultramar.
Vamos agora à contraproposta da Câmara Corporativa:
Partindo da unidade da Nação, afirma-se, e muito bem, ap. 965, que dessa unidade «decorre naturalmente o princípio da unidade do sistema penal e prisional», pelo que se propõe a extensão ao ultramar de todo aquele sistema, condicionado ao «nível respectivo das diversas populações».
Leio dois períodos inteiros do parecer referentes à primeira parte do n.º I do artigo 28.º da proposta:
Propõe-se que a pena de degredo não seja ordenada nem cumprida mais nas províncias ultramarinas. Na verdade, na medida em que ela se traduzia praticamente a uma deportação ou envio puro e simples para esses territórios, envolvia o perigo de lançar no seio deles elementos de grave perturbação e corrupção.

Li estes períodos para tirar duas conclusões:

1.º A Câmara Corporativa deu à primeira parte do artigo 28.º da proposta do Governo - aquele em que se diz que «no ultramar não se ordenará nem cumprirá mais a pena de degredo» - uma interpretação ampla, generalizando à metrópole e ao ultramar a determinação de um preceito que, pela sua redacção e inclusão numa lei orgânica referente às províncias ultramarinas, se deve entender como dizendo respeito só a essas províncias.
2.º A Câmara Corporativa sustenta que o degredo só não é defensável quando se traduz ma deportação pura e simples para os territórios ultramarinos, ou, melhor, na remessa de condenados sem o cuidado de os subtrair ou amoldar ao convívio da gente boa daqueles territórios.
Este pensamento completa-se com a seguinte frase:
Há, porém, que entender a supressão do degredo apenas com esse significado.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas V. Ex.ª é de opinião que se deva mandar cumprir o degredo num estabelecimento prisional:

O Orador: - A minha opinião é a de que se deve estender o sistema prisional da metrópole às províncias ultramarinas.

Página 709

26 DE FEVEREIRO DE 1953 709

Seguindo o caminho que traçou a Câmara Corporativa, entendo que devem ser criados também no ultramar estabelecimentos penais de tipo predominantemente aberto para delinquentes primários e para todos os outros cuja criminalidade derive de razões de ambiente (social, moral e económico) e acrescenta que tais estabelecimentos o se podem e devem integrar em planos de colonização».
Devo esclarecer que ponho fora da ordem das minhas considerações o facto de a Câmara Corporativa envolver os criminosos de difícil correcção no propósito do enquadramento dos estabelecimentos penais nos planos de colonização. Por um lado, explica-se no parecer, a p. 965, que esses delinquentes ficarão sujeitos a um regime inteiramente semelhante ao da metrópole; por outro lado, desejo arredar de vez a ideia de que os condenados de difícil correcção possam entrar em linha de conta em quaisquer planos de colonização. Isso agravaria o quadro e daria, de resto, maior razão e maior oportunidade à proposta de emenda que me faz usar da palavra.

O Sr. Mário de Figueiredo: Parece-me que isso não está lá.

O Orador: - Perdão, isso é que está, e eu demonstro a V. Ex.ª
Defende-se no parecer da Câmara Corporativa, a p. 965, a organização nos nossos vastos territórios ultramarinos de estabelecimentos penais visando a maior segregação de delinquentes, designadamente políticos ou de difícil correcção; a maior intimidação relativamente a delinquentes autores de muito graves infracções e a correcção de delinquentes primários ou de todos aqueles cuja criminalidade derive sobretudo de razões de ambiente.
A seguir pode ler-se:

Estes últimos estabelecimentos serão de tipo predominantemente aberto e terão uma importância tanto maior quanto é certo que se podem e devem integrar em planos de colonização: o trabalho destes criminosos permite o aproveitamento de zonas climàticamente duras ou onde a colonização é incipiente.

A palavra «últimos» é que pode, de entrada, estabelecer a confusão. Mas vamos à redacção do n.º III da base LXXI, e aí a questão já não dá matéria para dúvidas:

Poderão, todavia, ser criados no ultramar estabelecimentos penais visando uns maior segregação e intimidação, outros mais fácil correcção de criminosos primários ou de tipo exógeno. Tais estabelecimentos enquadrar-se-ão, na medida do possível, em planos de colonização interna ultramarina.

«Tais estabelecimentos» quer dizer todos os estabelecimentos referidos na base. De resto, não fazia sentido que a Câmara Corporativa, como remate do seu pensamento neste particular, sugerisse o aproveitamento dos criminosos primários no trabalho de zonas climàticamente duras e excluísse o trabalho dos criminosos de difícil correcção.
E creio, assim, Sr. Deputado Mário de Figueiredo, ter demonstrado o que me propus demonstrar a V. Ex.ª

O Sr. Mário de Figueiredo: - Quero dizer apenas isto: é que realmente se trata de estabelecimentos penais que podem existir lá, como podem existir cá, para determinado fins, isto é, trata-se de estabelecimentos da organização do apetrechamento penal de que o Estado
Português dispõe cá e lá. Se cá os pode haver, também os pode haver lá.
O pensamento é este: esses estabelecimentos podem existir no ultramar, mas os presos que estão lá podem aproveitar-se como 'elementos de colonização.

O Orador: - Quanto à primeira parte, perfeitamente de acordo: quanto à segunda, no ponto em que V. Ex.ª considera os presos elementos de colonizarão ...

O Sr. Mendes Correia: - Pedro Álvares Cabral, quando descobriu o Brasil, deixou lá dois degredados. Pois bem. E essa uma das maiores acusações feitas modernamente a Portugal, por ter começado a colonização do Brasil com dois degredados.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas na proposta não se admitem degredados.

O Orador: - Dobrado este largo parêntese, passemos à redacção da base LXXI:
Os n.ºS I e II referem-se às penas e medidas de segurança que na legislação ultramarina terão por fim a defesa da sociedade e a readaptação do delinquente e à extensão ao ultramar do sistema penal e prisional metropolitano na «medida em que o seu valor preventivo e repressivo se adapte ao estado social e modo de ser individual da população ou de parte da população das diversas províncias».
Os dois preceitos merecem o nosso franco aplauso.
A questão é só com o n.º III. Daí a razão da proposta de emenda que tive a honra de apresentar juntamente com outros Srs. Deputados.
Porque se mantém nessa proposta de emenda a declaração de que «a pena de degredo não se ordenará nem cumprirá mais «as províncias ultramarinas»?
O Decreto-Lei n.º 26 643 - reorganização ou reforma prisional -, uma vez estendido ao ultramar, não livra os tribunais de condenarem na pena de degredo.
Por outro lado, esse mesmo diploma obrigaria ao não cumprimento da pena de degredo, aia hipótese de continuar a ser decretada.
Dizer-se que a pena de degredo não se ordenará nem cumprirá mais nas províncias ultramarinas, uma vez que se estende até elas o sistema penal e prisional, levando a lei penal consigo a determinação de condenar em pena maior e degredo, na alternativa, será, penso eu, criar um regime estranho e extraordinário: estranho em relação à metrópole; extraordinário em relação ao ultramar.
Em rigor, esta primeira parte do n.º III deveria também ser eliminada, mas parece-nos, a nós que subscrevemos a proposta de emenda, que o Governo e a Câmara Corporativa atribuíram forte conteúdo político à declaração, nos termos em que a formularam. Por isso não se quis desmanchar esse conteúdo nem impedir-lhe os objectivos, na esperança também de que a situação assim criada no domínio da prática penal venha a apressar a revisão de conjunto dos diplomas em causa, Esta a justificação da sobrevivência na proposta de emenda da primeira parte do n.º III da base LXXI.
Agora as razões que nos levaram a propor a eliminação de tudo o mais que nesse número se escreveu e sugeriu:
O Decreto-Lei n.º 26 643, de 28 de Maio de 1936 - que estabelece, nem mais nem menos, o sistema prisional que a Câmara Corporativa propôs que fosse estendido ao ultramar -, já prevê, nos artigos 136.º e seguintes, até ao artigo 146.º, a criação, nas províncias ultramarinas, de colónias penais para criminosos de difícil correcção e para criminosos políticos.

Página 710

710 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 207

Não se faz, no parecer da Câmara Corporativa, qualquer referência à classificação dos criminosos de difícil correcção constante daquele decreto-lei. Mas Ora, uma vez que no n.º II da base LXXI se determina que o sistema prisional seja estendido ao ultramar, parece desnecessário que no n.º 111 da mesma base se permita a criação nas províncias ultramarinas de estabelecimentos penais visando maior segregação e intimidação. Isso já está no sistema prisional, a não ser que se pretenda estender esse sistema, modificando-o já, e antes que se veja ou sinta a sua extensão.
Mas no n.º III não está só isto: está também que no ultramar poderão ser criados estabelecimentos penais visando a mais fácil correcção de criminosos primários ou de tipo exógeno, quer dizer, de todos aqueles delinquentes cuja criminalidade derive de razões do ambiente, devendo tais estabelecimentos enquadrar-se, no limites do possível, em planos de colonização interna ou ultramarina.
Esta é que é a novidade; vendo bem, a única novidade do n.º III.
Mas será esta, Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma novidade aceitável?
Salvo a minha consideração que já e durante a discussão na generalidade declarei ter pelo ilustre-relator do parecer e pelos ilustres Procuradores que o assinaram, as razões da negativa são fundamentalmente estas:

1.º Não é razoável que delinquentes .primários, de uma maneira geral, possam ser utilizados em trabalhos de aproveitamento de zonas climàticamente duras, como se diz a p. 965 do parecer;
2.º As razoes de ambiente das quais deriva a criminalidade de certos delinquentes podem ser corrigidas com o internamento desses delinquentes nas colónias penais da metrópole ainda mesmo que a sua actividade criminosa se tenha exercido na própria metrópole;
3.º Parecendo, à primeira vista, que se trata de aproveitar em planos de colonização condenados não classificados como de difícil correcção, o certo é que na leva de condenados primários ou de tipo exógeno podem ir os piores criminosos no começo da sua trágica carreira; 'E, quando assim não suceda,
4.º Basta tratar-se de condenados para que não se esboce sequer a ideia de os aproveitar na colonização das nossas províncias ultramarinas;
5.º Teríamos o renascimento, ainda que modernizado, dos coutos de homizio do tempo de D. João III, que trasladámos para o Brasil e pelos quais temos sido bastante censurados - nem sempre com toda a razão -, apesar de a França e a Inglaterra, designadamente, terem feito muito pior no Canadá, na América e na Austrália;
6.º O sentido que imprimimos à última revisão constitucional briga com a ideia de incluir quaisquer estabelecimentos penais, em planos de colonização ultramarina;
7.º A lei. orgânica do ultramar não pode separar-se de tal sentido, que se reflecte na elevação do conceito de colonização e da sua integração na actual norma metropolitana de desbravar e povoar com gente sã.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Evidentemente que deve elevar-se quanto possível o conceito de colonização, mas isso não é estar a tratar do problema que agora se debate. Uma coisa é fazer colonização, isto é, civilizar em geral, e outra coisa é fazer colonização interna.
São dois conceitos completamente diferentes.
Não vamos fazer civilização das populações indígenas através de criminosos, mas não é disso que se trata.
Do que se trata é de fazer colonização interna lá como se faz cá.

O Orador: - A colonização interna, a chamada colonização interna que se faz cá, é por intermédio de elementos sãos.

O Sr. Mário de Figueiredo: - E então nas colónias penais?

O Orador: - Nas colónias penais os presos podem trabalhar, mas o trabalho dos presos não figura naquilo que se designa entre nós por colonização interna. Isto sem subtilezas ...

O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª é que está com subtilezas, abusando da palavra e colonização.
V. Ex.ª está no seu direito de dizer o que lhe parecer, mas afirmar que quando se diz «fazer colonização internas» e «fazer colonização no ultramar» é uma e a mesma coisa ...

O Orador: - Eu uso, não abuso, e não estou aqui para adiantar o que me parece, estou aqui para dizer o que deve ser.
É evidente que fazer colonização interna não é fazer colonização no ultramar. Nem eu afirmei o contrário. O que digo e afirmo é o seguinte: criar nas províncias ultramarinas estabelecimentos penais de tipo predominantemente aberto, enquadrados em planos de colonização interna, é incorrer no risco de levar o trabalho dos delinquentes mais longe do que convém.
Nas zonas do ultramar climàticamente duras não se pode prescindir da mão-de-obra indígena. A julgar pelo que está no parecer da Câmara Corporativa, penso que os presos não iriam trabalhar absolutamente isolados. O seu contacto com os nativos seria inevitável.
A p. 965 chega mesmo a escrever-se isto:

Este pensamento de utilizar, com as devidas precauções, delinquentes para aproveitamento e exploração de terrenos incultos e, de um modo geral, para dar os primeiros passos na colonização de certas regiões, é velho na história portuguesa, encontrando tradução inclusive nas Ordenações.

Não; parece-me que não se trata de unia simples e pura acção sobre o meio físico, sobre o chão inculto. Está também em jogo o chão das almas.
O branco é olhado, principalmente pelo nosso indígena de Angola e Moçambique, como um modelo, como um exemplo. Que tristeza pôr-lhe o modelo, o exemplo, ao contrário.
A meu ver, ficaria tudo bem se nos limitássemos a decretar a extensão da reforma prisional ao ultramar nos termos sugeridos pela Câmara Corporativa no n.º II da base LXXI.
Acrescentar-se que os estabelecimentos penais serão enquadrados na medida do possível em planos de colonização interna ultramarina é que não acho bem, não acho e combato vivamente.

Página 711

26 DE FEVEREIRO DE 1953 711

O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª não reage contra a coisa em si mesma, mas contra a palavra.

O Orador: - Reajo contra a novidade porque a coisa em si mesma é a extensão do sistema prisional da metrópole ao ultramar. Mas não acabei de enumerar as minhas razões finais e fundamentais:

8.º Transposta para o ultramar a prática aconselhada pela Câmara Corporativa, o facto serviria a especulação internacional, pela renovação das críticas e censuras que se foram apagando ao longo da História;
9.º Quando e através de um «plano de fomento que constitui uma das maiores provas do valor do regime estamos justamente a promover o recrutamento de colonos bons, soa mal, muito mal, a medida de aproveitar condenados em planos de colonização interna;
10.º As próprias províncias ultramarinas não receberiam bem semelhante prática e tirariam dela grande e escusada razão de mágoa.

Alinhei - Sr. Presidente e Srs. Deputados - estas razões todas. São muitas. Mas seria possível referir ainda outras. Creio, no entanto, que elas serão mais do que suficientes para recomendarem a proposta de emenda, ao n.º III da base LXXI, que está agora em discussão.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

O Sr. Mário de Figueiredo : - Sr. Presidente: eu não quero senão fazer um apontamento muito rápido.
Não me parece que as críticas dirigidas à proposta em discussão tenham um grande
interessse de fundo.
Quanto a umas, as feitas pelo Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu, foi o próprio ilustre Deputado quem afirmou crer, sobretudo, tratar-se essencialmente de um problema de redacção e querer essencialmente chamar a atenção da Comissão de Legislação e Redacção para
Posso assegurar daqui a V. Ex.ª que a Comissão de Legislação e Redacção não deixará de as considerar.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu : - Inteiramente de acordo, mas V. Ex.ª pode
dizer-me qual é o pensamento da Comissão sobre essa disposição?

O Orador: - Neste momento não estou em condições de o. poder dizer a V. Ex.ª A única, coisa que posso assegurar é que o problema será posto e será considerado dentro das possibilidades do votado. Neste momento não posso dar uma resposta satisfatória à pergunta que V. Ex.ª acaba de formular.
Quanto às críticas dirigidas à proposta pelo Sr. Deputado Armando Cândido, devo dizer que a fórmula final, que não deixei de marcar em aparte que S. Ex.ª me consentiu, foi esta: a Pelo que vejo, S. Ex.ª insurge-se, não contra a coisa em si mesma, mas contra a palavra».

O Sr. Armando Cândido: - É principalmente contra o sentido político da aplicação da palavra.

O Orador: - Pude verificar que realmente a posição de V. Ex.ª resulta do duplo significado que a palavra «colonização» tem.
Realmente, todos sabem que ela é, em certo sentido, uma só vez empregada no texto constitucional. Aí a palavra «colonização» pode substituir-se por estoutra: «civilização», «acção civilizadora». Neste sentido é que a palavra, é empregada numa disposição da Constituição, cujo número não me ocorre agora.
Mas há outro sentido dado à palavra «colonização». Essoutro sentido é aquele em que esta palavra é acompanhada do adjectivo «interna», sentido que é completamente diferente do primeiro.
No primeiro caso a «acção civilizadora» dirige-se directamente ao homem e no segundo caso a «acção civilizadora» exerce-se sobre o meio, e é o meio que depois vai influir no homem.

Ao contrário - e suponho que nisto não serei contraditado pelo nosso ilustre colega Sr. Mendes Correia -, penso que o esforço de todas as actividades colonizadoras ou de colonização é no sentido de alargar ao máximo essa acção colonizadora sobre o meio físico, para que este, por sua vez, exerça a acção sobre o elemento humano.
Nestas condições, Sr. Presidente, entendo que realmente não vale muito a pena estarmos a discutir mais largamente o problema em consideração. Suponho que as fórmulas apresentadas pela Câmara Corporativa se adequam perfeitamente ao pensamento que se percebe no ambiente desta Assembleia.
Falei acima de integração, e não de enquadramento, no sistema prisional, justamente porque esta palavra pode parecer viva demais.

O Sr. Armando Cândido: - Todavia ela está no parecer.

O Orador: - E precisamente porque podia chocar a sensibilidade de alguns Srs. Deputados é que eu a substituí pela palavra «integração». De resto, não sou capaz neste momento de distinguir completamente o sentido nas expressões «integração» e «enquadramento».
O que se pretende é integrar num único sistema o regime prisional, por forma a poder fazer-se colonização interna através do regime prisional, tanto cá como lá, e não vejo em que se toque ou se magoe a sensibilidade de algumas das províncias ultramarinas ou de alguém que esteja muito mergulhado na acção que se desenvolve nos meios internacionais relativamente às fórmulas colonização e colonizar. Não vejo que haja razão séria e suficiente para se por o problema da substituição das fórmulas usadas no parecer da Câmara Corporativa e, particularmente, o problema da eliminação do n.º III da base LXXI, como se pretende na proposta de alteração do Sr. Deputado Armando Cândido.
Tenho dito.

O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente, ouvi com a maior atenção as considerações que o Sr. Deputado Mário de Figueiredo acaba de produzir. Apreciei, como sempre, o génio da sua argumentação, o superior movimento dos seus raciocínios. Apreciei, mas não estou convencido.
O Sr. Deputado Mário de Figueiredo, ao referir-se à expressão «enquadrar-se-ão» utilizada no n.º III da base LXXI, nomeou-a de demasiado forte.
Aí está um motivo para S. Ex.ª não gostar do n.º III.
Mas este pequeno pormenor da redacção - aliás à fálcilmente remediável - não é o que mo interessa assinalar com veemência.
Não vou repetir tudo quanto disse, designadamente sobre o que penso da posição do Sr. Deputado Mário de Figueiredo perante a ideia de colonizar ganhando almas e de colonizar ganhando terra.
A propósito, analisei o parecer da Câmara Corporativa e precisei as minhas conclusões.

Página 712

712 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 207

Não posso é deixar de relembrar que no sistema penal metropolitano não se fala em colonização interna através de estabelecimentos penais. E quando isto não se diz em relação à metrópole nós vamos dizê-lo em relação ao ultramar numa lei orgânica?! ...
Pois em relação à metrópole é que a referência não teria importância de maior. Em relação às províncias ultramarinas bastará o que está no sistema de que ela vai beneficiar pela extensão proposta no n.º II da base LXXI.
Nada mais é preciso e tudo o mais é imperiosamente escusado.
As coloniais penais e as prisões para delinquentes políticos no ultramar estão previstas no Decreto n.º 26 643.
E mais isto, Sr. Presidente: o Sr. Deputado Mário de Figueiredo poderá usar novamente da palavra, poderá opor as razões que entender, levantar os conceitos que quiser, razões e conceitos sempre guiados pela força da sua argumentação viva e brilhante, que, a ser aprovado o n.º III tal qual se mostra redigido, nunca conseguirá apagar o efeito, o deplorável efeito destas palavras que poderão circular com base na base LXXI: - Portugal aproveita os condenados em planos de colonização das suas províncias ultramarinas.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Vou pôr à votação os n.ºs I e II da base LXXI, sobre os quais não foi apresentada qualquer proposta de alteração.
Submetidos sucessivamente a votação, foram aprovados.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se o n.º III, sobre o qual há uma proposta do Sr. Deputado Armando Cândido tendente a substituir esse número pela proposta que há pouco foi lida à Assembleia.

Submetida à rotação, foi rejeitada.

O Sr. Presidente: - Em vista desta votação, vai votar-se o n.º III da base tal como se contém no contra-projecto da Câmara Corporativa.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente : - Ponho à votação o n.º IV, com a proposta de emenda apresentada pelo Sr. Deputado Sousa Pinto.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente : - Está, pois, aprovado este número e concluída a votação da base LXXI.
Vai passar-se agora ao capítulo viu «Da ordem económica e social das províncias ultramarinas», secção I «Do regime económico geral do ultramar», e assim à base LXXII.
Foi lida.

O Sr. Presidente : - Sobre esta base há na Mesa uma proposta do Sr. Deputado Sousa Pinto para substituir as alíneas b) e d) por iguais alíneas do artigo 71.º da proposta de lei, que vai ser lida.

Foi lida. É a seguinte:

Na base LXXII, a substituição das alíneas b) e d) pelas correspondentes do artigo 71.º da proposta, ficando assim redigidas:

b) O povoamento do território ultramarino, designadamente promovendo a fixação de famílias nacionais, regulando as deslocações de trabalhadores e disciplinando e protegendo a emigração e a imigração;
............................................................................
d) A progressiva nacionalização das actividades que deverão integrar-se, «por si e pelos seus capitais, no conjunto da economia nacional.

Sem discussão foi submetida à votação e aprovada.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à secção II «Das relações económicas das províncias ultramarinas com a metrópole e com o estrangeiro e das relações delas entre si», e assim é a base LXXIII que vai ser lida.

Foi lida.

O Sr. Presidente : - Sobre esta base há uma proposta do Sr. Deputado Sousa Pinto, que vai ser lida.

Foi lida. É a seguinte.

Na base LXXIII, a substituição dos n.ºs I, II e III pelo artigo 77.º da proposta, r.om a redacção seguinte:

I - O regime aduaneiro, quer no que interessa às relações comerciais entre a metrópole e as províncias ultramarinas, quer às destas entre si e com os países estrangeiros, constitui problema de interesse comum ou geral, que o Governo, como é da sua competência, nos termos dos n.ºs 2.º ou 3.º do artigo 150.º da Constituição, conforme os casos, regulará, tendo em vista os princípios enunciados no artigo 108.º e seu § único da Constituição, e para isso designadamente poderá:
a) Unificar quanto possível em todo o território nacional os direitos aduaneiros nas relações comerciais com os países estrangeiros, exceptuando as três províncias do Oriente, onde, atendendo à sua situação geográfica, poderão adoptar-se regimes especiais;
b) Reduzir gradualmente até à sua completa supressão, à medida que sejam substituídos por outras receitas, os direitos aduaneiros nus relações comerciais entre a metrópole e as províncias ultramarinas e nas destas entre si e com a metrópole, ressalvando as especialidade* que forem necessárias para as três províncias do Oriente.
II - Igual a IV.
III - Igual a v.

O Sr. Presidente : - Vai votar-se em primeiro lugar a proposta de substituição do Sr. Deputado Sousa Pinto quanto aos n.ºs I, II e III desta base.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Ponho agora à votação os n.ºs IV e V, que nesta base passam a ter os n.ºs II e III.

Submetidos à notação, foram- aprovados tal como se contêm na base. do contraprojecto da- Câmara Corporativa.

O Sr. Presidente: - Ponho agora à discussão a base LXXIV, que vai ser lida.

Foi lida.

Sem discussão, foi submetida à votação e aprovação.

O Sr. Presidente : - Ponho agora em discussão a base LXXV, com a proposta do Sr. Deputado Sousa Pinto.

Página 713

26 DE FEVEREIRO DE 1903 713

Foi lida. É a seguinte:

Na base LXXV, a substituição do n.º II pelo seguinte :

II - A unidade monetária em todas as províncias ultramarinas será o escudo. Os bancos emissores procurarão assegurar a convertibilidade das suas notas em escudos metropolitanos e destes naquelas, com as correcções resultantes da situação cambial.

O Sr. António Maria da Silva: - Peço a palavra a V. Ex.ª

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª tinha anunciado o desejo de vir à tribuna. Tem pois a palavra o Sr. Deputado António Maria da Silva.

O Sr. António Maria da Silva: - Falarei pouco. Subi à tribuna apenas para melhor ser ouvido.
Já nesta Assembleia e aia Comissão do Ultramar tive ocasião de manifestar os meus receios sobre a matéria que constitui a base LXXV da proposta de lei em discussão.
Esta disposição no n.º II estabelece textualmente o seguinte:

A unidade monetária em todas as províncias ultramarinas será o escudo. Os bancos emissores procurarão assegurar a convertibilidade das suas notas em escudos metropolitanos e destes naquelas, segundo a paridade que for fixada pelo
Governo, tomando em conta a situação da balança de pagamentos.

A emenda apresentada faz apenas uma modificação na forma de assegurar a convertibilidade das notas em escudos metropolitanos, com as correcções resultantes da situação cambial.
Afigurou-se-me que, transportados os efeitos desta medida para Macau, poderio! talvez haver-se acreditado na possibilidade de instalar naquela longínqua província, como único meio circulante, o escudo.
Ora quem conhece Macau sabe tão bem como eu que o meio circulante principal ali é o da pataca de Hong-Kong, a que os Ingleses chamam «Hong-Kong dollar».
Ë com o emprego de tal moeda que o comércio de Macau compra em Hong-Kong as mercadorias de que necessita para o consumo da cidade e as que vende paru a China, da qual recebe igual moeda. E assim vive Macau, funcionando como um entreposto entre o exterior e o território chinês circunvizinho.
Claramente se pode apreciar que num movimento comercial que orça anualmente por uns 5 milhões de contos, como demonstrei na Comissão do Ultramar, o banco emissor que quisesse obstar à circulação que hoje se realiza, para obrigatoriamente generalizar o emprego do escudo, teria de enfrentai- um problema cambial muito sério.
Não merece a pena pô-lo em evidência, pois a Digna Assembleia por certo reconhecerá a sua magnitude em presença do exposto.
Precisamente no temor de que viessem a surgir as sérias dificuldades que poderiam advir da aplicação em Macau do disposto na citada base vinha defendendo e continuo a defender a manutenção da nossa actual moeda, a pataca, de valor igual à, da pataca de Hong-Kong, apenas com a diferença de ágio.
Mas se, porventura, na questão da mudança da nossa moeda, pataca, para escudo, se não pretende a proibição da circulação da pataca de Hong-Kong, o aspecto
do problema muda consideràvelmente, mas mesmo assim entendo que não devo dar o meu voto para a aprovação do disposto na aludida base, sem fazer excepção a Macau.
É que, não sendo banqueiro nem economista, não sou capaz de perceber como esta medida poderá ser posta em prática na província que represento.
Promulgada a disposição, os chineses não deixarão de usar a sua moeda - a pataca de Hong-Kong, a que atribuirão diariamente um valor variável de escudos, e nós outra moeda - o escudo.
Imagino a confusão que estas duas moedas, de valor diferente, vão causar no mercado de compra e venda de uma mesma cidade.
É certo que se nós pudéssemos impor o escudo como único meio circulante resolveríamos o problema, mas isto, infelizmente, não é possível em Macau, porque é óbvio que uma moeda só pode ter curso quando aceite pelo comércio e o comércio naquela parcela de Portugal não é nosso, é dos chineses.
Suponhamos que a medida não é posta em execução imediatamente, mas gradualmente.
Se é isso que se pretende, não tenho dúvida alguma de que, dentro do período da adaptação da pataca à nova moeda oficial, surjam complicações no comércio.
Actualmente, como a nossa pataca, é, em paridade, sensivelmente igual à pataca de Hong-Kong, o comércio local aceita indiferentemente qualquer das moedas sem nenhumas contas prévias de câmbio.
No dia em que os funcionários do Estado, dizemos antes, os portugueses e chineses dependentes da máquina administrativa, se apresentarem com escudos no comércio - não esquecer que ele é chinês -, é possível que, de começo, se estabeleça certa relutância na aceitação, como sucedeu com as moedas cunhadas ultimamente.
Admitamos que essa relutância se esfumará no tempo ... O que sempre ficará para os portadores de escudos é a operação prévia de câmbio que o comerciante fará, quando lhe d trem essa moeda em vez da pataca, em que tem expressos os seus preços.
E isto repetir-se-á em cada dia e em todos os momentos, inclusivamente nas compras miúdas diárias.
Poderá isto ser agradável aos portadores de escudos?
As considerações que acabo de fazer não significam que não dou o meu aplauso à excelente medida adoptada pelo Governo, de ter o escudo como unidade monetária em todas as parcelas de Portugal, estabelecendo o princípio da unidade económica portuguesa.
Macau, porém, está situada num mundo muito diferente do nosso e o seu comércio é exercido, como disse, exclusivamente pelos chineses, o que não acontece em todas as outras províncias ultramarinas, onde os portugueses predominam no comércio.
É, por isso, que tenho grandes receios de que esta medida da unidade monetária aplicada a Macau venha a prejudicar o seu comércio, que, relativamente à reduzida extensão do seu território, é colossal e quase nenhuma relação tem com o comércio da metrópole.
Se é tão fácil agradar à população chinesa e facilitar o comércio da província que tenho a honra de representar, porque não havemos de fazê-lo?
Basta inserir na aludida base uma excepção a Macau.
Se, nesta mesma lei orgânica que estamos discutindo, se faz excepção para Macau das normas gerais restritivas, em matéria das concessões de terrenos nas zonas marítimas, por ser impraticável a sua aplicação na dita província, porque se não há-de fazer, por igual motivo, a excepção da unidade monetária?
São apenas estas as observações que desejo apresentar à Assembleia antes da votação da base LXXV.
Tenho dito.

Página 714

714 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 207

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: ouvi com toda a atenção as considerações que acabam de ser feitas, sobre a base em discussão, pelo Sr. Deputado António Maria da Silva; e devo reconhecer que há uma parte dessas considerações a que não pode deixar de atribuir-se certo valor, É aquela parte em que o Sr. Deputado António Maria da Silva alude às dificuldades de se fazer substituir a referência a uma certa moeda pela referência a outra, num meio que está de longa datil habituado a um corto tipo de moeda - a pataca.
É claro que haverá, como não pode deixar de haver, esta espécie de choque psicológico que sempre existe quando se alteram ou modificam hábitos inveterados.
Há-de ser uma coisa parecida com o que aconteceria ao povo inglês se substituísse o seu sistema de pesos e medidas pelo sistema métrico. É uma coisa semelhante àquela que nos aconteceu quando substituirmos o real, como nome de moeda, pelo escudo; e eu posso assegurar a V. Ex.ª por experiência própria, que ainda hoje há pessoas que não sabem dividir em escudos. Têm de reduzir os -
escudos a reis, para depois fazerem a operação respectiva. Asseguro a V. Ex.ª, que ainda, e por experiência própria, há pessoas a quem isto acontece.
Isto é um problema, e um problema de considerar, estou de acordo.
Mas, para obtemperar a esta dificuldade, devo informar que não se pensa, nem Podia pensar-se, em dar execução imediata a esta medida.
Ë claro que no que se pensa é que o banco emissor, ou de um modo geral, os bancos emissores, substituam, à medida que for sendo possível, uma certa massa monetária por outra. Portanto, haverá tempo de a população se ir habituando ao novo estalão monetário que deve vigorar no território português.
As outras observações que o Sr. Deputado António Maria da Silva fez não me parecem procedentes. Porquê?
Hoje também há uma pataca portuguesa de Macau, que é diferente da pataca de Hong-Kong, relativamente à o uai pode haver diferença cambial. Se nós substituirmos a referência da nossa pataca ao xelim pela referência ao escudo, as coisas passar-se-ão da mesma maneira; só com a diferença de que a referência é a uma moeda portuguesa. A referência quanto à valorização, em vez de se fazer a pataca de Hong-Kong, far-se-á em relação ao nosso escudo.
Atrevo-me mesmo a dizer que não é seguro para mim que não haja moeda em circulação a que o povo e o comércio continuem a chamar pataca, muito embora a referência se faça ao escudo, exactamente como cá aconteceu com o pataco, que se manteve por muitos anos, depois de legalmente ter desaparecido.
Mas pode dizer-se: nós não temos massa monetária suficiente para ocorrer às exigências de uma actividade comercial como a de Macau. Nós carecemos de um suplemento, digamos, de massa monetária, e nada impede que realmente se admita, apesar de a nossa moeda em Macau passar a referir-se ao escudo, o poder liberatório d a outra moeda, como aqui no nosso país durante muitos anos a libra teve poder liberatório como a nossa moeda.
Nesta ordem de considerações, parece-me que realmente não lha que temer nem quanto à execução da disposição nem quanto às dificuldades que dessa execução possam surgir. Nada há que temer da aprovação desta disposição.
É isto o que de essencial se me oferece dizer quanto à questão em debate. Quero acrescentar que uma das expressões mais fortes da soberania é a moeda; e que aos meus olhos chega a ser pouco bonito que em território português se adopte como termo de referência para
moeda portuguesa um estalão ou unia medida que não seja o escudo português.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Dentro da sala há quem saiba que na nossa província de Moçambique, durante muito tempo, circulou quase como moeda exclusiva a libra. Hoje isso não sucede, porque se entendeu que o facto de alguma «maneira tocava, magoava o brio nacional. E hoje, segundo creio, a moeda corrente naquela província, não é a libra, mas o escudo.

O Sr. Mascarenhas Gaivão: - Isso sucedeu também porque o escudo se valorizou.

O Orador: - É isto, Sr. Presidente, o que se me oferece dizer relativamente è questão em debate.
Não me referi a outros tipos de moeda, porque em relação a eles. não foi posta abertamente a questão; mas a esses, mutatis mutandis, aplicam-se as considerações que acabo de fazer relativamente à pataca.
Tenho dito.

O Sr. António Maria da Silva: - Sr. Presidente: o meu combate com o Sr. Deputado Mário de Figueiredo não é travado de igual para igual, porque S. Ex.ª sabe muito bem mais que eu, é uma pessoa muito querida de todos nós, que eu e todos os meus colegas muito admiramos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas eu entendo que o Sr. Deputado Mário de Figueiredo não tem razão.
Eu discuto o que se contém na lei, mas não discuto o que está na mente do Sr. Deputado Mário de Figueiredo, não discuto o que se há-de fazer. Eu discuto apenas que a unidade monetária, como se pretende, é o escudo. E neste ponto estou em muito boa companhia, porque o Sr. Dr. Rodrigues Queiró diz a mesma coisa numa passagem que vou ler:
Lêeu.
Não mais haverá, pois, escudos, nem angulares, nem rupias, nem coisa nenhuma, desde que haja uma expressão legal nos termos que se pretende. Desde que u ideia passe a lei tem de ser cumprida, e é desse cumprimento que resulta um mal para Macau.
O Sr. Deputado Mário de Figueiredo falou sobre a Inglaterra, sobre Portugal, mas eu falo sobre a China.
O escudo é uma moeda que nós vamos impor a uma gente que não é a nossa, a uma gente que o que quer é um pretexto para nos contrariar. E quem há-de pagar as consequências dessa imposição são os portugueses, visto que a população há-de - continuar com as suas moedas e continuarão a fazer aquelas contas que só nos prejudicarão.
Ë esta questão que eu ponho à Câmara e tenho a certeza absoluta de que, se se impuser o escudo como se quer, os comerciantes continuarão a fazer os seus preços em moeda de Hong-Kong.
A gente vai a uma loja, compra qualquer coisa por tantas patacas e paga em patacas de Macau ou de Hong-Kong, cujo valor é igual.
O que eu pedia era que as patacas continuassem a ser iguais. A unidade monetária poderia ser em escudos, mas a moeda de conta, para transacções, deveria ser a pataca.
Não é esta a altura de se modificar seja o que for na China.
Sou acima de tudo Deputado da Nação e, defendendo Macau, defendo Portugal.
Tenho dito.

Página 715

26 DE FEVEREIRO DE 1953 715

O Sr. Presidente : - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai votar-se a base LXXV, com a proposta de substituição apresentada pelo Sr. Sousa Pinto do n.º II da mesma base.

Submetida à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente : - Está em discussão a base LXXVI. Sobre esta base está na Mesa uma. proposta do Sr. Deputado Sousa Pinto a propor a substituição do n.º I e a eliminação ido n.º III.

Foi lida. É a seguinte:

Na base LXXVI a substituição do n.º I pelo seguinte:

I - Serão reservados a empresas nacionais ou aos serviços do Estado que os explorem os meios de comunicação regular entre a metrópole e as províncias ultramarinas ou destas entre si Dependem de autorização especial as excepções a esta regra.

O Sr. Presidente : - Se ninguém pede a palavra, vai votar-se a base LXXVI com as alterações constantes da proposta do (Sr. Deputado Sousa Pinto.
Submetida à votação, foi aprovada esta base nos termos indicados pelo Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se agora à secção III «Das concessões nas províncias ultramarinas».
Ponho em discussão toda a secção em conjunto, que vai ser lida.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Peço a dispensa da leitura, visto que o texto é sobejamente conhecido.

O Sr. Presidente : - Vejo que a Câmara pretende que seja concedida a dispensa da leitura- do texto do contra-projecto da Câmara. Corporativa, por ser já do conhecimento da Câmara.
Está em discussão, portanto, no seu conjunto, a secção III o Das concessões nas províncias ultramarinas», sobre a qual não há na Mesa qualquer proposta de alteração.

Submetida à votarão, foi aprovada sem discussão.

O Sr. Presidente : - Vai passar-se à secção IV «Da educação, ensino, investigação científica e cultura no ultramar».
Vai ser lida a base LXXXVI.
Foi lida.

O Sr. Presidente : - Há na Mesa, uma proposta de substituição desta base por duas que vão ser lidas.

Foram lidas. São as seguintes:

BASE LXXXIII

I - Serão promovidos a expansão e o progresso do ensino, da educação, da cultura e da investigação científica no ultramar, tendo em vista o sentido nacional da nossa função civilizadora e o desenvolvimento das relações daquelas actividades com as similares da metrópole.
II - O Estado manterá, como lhe parecer conveniente, nas províncias ultramarinas escolas primárias, complementares, médias e centros de investigação científica. Nas escolas primárias é autorizado o emprego do idioma vernáculo ou local como instrumento de ensino da língua portuguesa.
III - É livre no ultramar o estabelecimento de escolas particulares «paralelas às oficiais, ficando sujeitas à fiscalização do Estado e podendo ser por ele Subsidiadas ou oficializadas para efeito de concederem diplomas quando os seus programas e categoria do respectivo pessoal docente não fórum inferiores aos dos estabelecimentos oficiais similares.
Nenhuma escola particular frequentada por portugueses, mesmo quando ensine segundo programas próprios oficialmente aprovados, poderá deixar de incluir nestes as disciplinas de Português e de História, de Portugal.
IV - O ensino ministrado pelo Estado, pelas missões católicas e pelas escolas particulares visa além do revigora mento físico e do aperfeiçoamento das faculdades intelectuais, à formação do carácter, do valor profissional e de todas as virtudes morais e cívicas, orientados aqueles pelos princípios da doutrina e moral cristã tradicionais do País salvo se os pais dos alunos ou quem suas vezes fizer declararem não desejar que se lhes ensine a religião católica.
V - Nos orçamentos de cada uma das províncias ultramarinas inscrever-se-ão verbas -para concessão de bolsas de estudo que facilitem a frequência na metrópole mi noutra província dos estabelecimentos de ensino que lhes faltarem.
VI - Os candidatos ao ingresso em escolas que não existam na província onde residam, para cuja frequência se exija exame de aptidão, poderão prestar as respectivas provas, exclusivamente escritas, nessa província. Essas provas serão remetidas à metrópole para efeitos de julgamento.

BASE LXXXIII-A

I - O ensino especialmente destinado aos indígenas, nas províncias onde ainda vigorar o regime de indigenato. deverá, nos locais em que já estiverem estabelecidas as missões católicas portuguesas, ser inteiramente confiado ao pessoal missionário e aos auxiliares. Nos locais em que essas missões não possam exercer a função do ensino continuará esta a cargo do Estado.
II-O ensino indígena em escolas particulares deve subordinar-se; à mesma orientação geral a que é submetido quando ministrado pelo Estado.
III - No ensino indígena visar-se-ão, além dos fins previstos no n.º IV da base anterior, a perfeita nacionalização e moralização deles o a aquisição de hábitos e aptidões de trabalho, de harmonia com os sexos, condições e conveniências das economias regionais.
IV - No ensino indígena é autorizado o emprego dos idiomas nativos como instrumento de ensino da língua, portuguesa.

O Sr. Mário de Figueiredo: - São as duas bases que vão ver votadas?

O Sr. Presidente: - Vão ser votadas as bases LXXXIII e LXXXVI-A.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Digo apenas o seguinte: como a Câmara verificará, se se recordar do discurso que na generalidade foi feito pelo Sr. Deputado Castilho de Noronha, na proposta aprovada na Comissão e apresentada pelo Sr. Deputado Sousa Pinto é dada, segundo creio, inteira satisfação ao que foi reclamado no discurso feito por aquele Sr. Deputado e na Comissão por todos os vogais, entre os quais se conta o Sr. Deputado Sócrates da Costa.

Página 716

716 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 207

O Sr. Castilho de Noronha: - Sr. Presidente: pedi a palavra para exprimir a minha inteira concordância com a proposta em discussão. Tem ela a grande vantagem de remover as dificuldades que surgiriam quer da proposta governamental, que no n.º III do seu artigo 80.º estabelece que nenhum estabelecimento de ensino frequentado por portugueses em território nacional pode estar filiado em universidades ou estabelecimentos equivalentes de países estrangeiros, ou ensinar exclusiva ou predominantemente segundo os seus programas, quer da proposta da Câmara Corporativa, que no n.º III da base LXXXIII dispõe que nenhuma escola particular, frequentada no todo ou na maioria por portugueses, poderá ensinar exclusiva ou predominantemente segundo programas de escolas estrangeiras.
Qualquer dessas medidas provocaria uma gravíssima perturbação no Estado da índia, importando, em última análise, uma execução sumária de dezenas de escolas frequentadas por milhares de estudantes.
Destinando-se essas escolas a habilitar os seus alunos a um exame que se faz perante estabelecimentos de ensino estrangeiros é evidente que eles têm de adoptar programas aprovados pelo respectivo Governo.
E, tratando-se de escolas particulares, como judiciosamente observou o Sr. Dr. Mário de Figueiredo, não há nada que as impeça de faze-lo, contanto que se não descurem nelas o ensino da Língua Portuguesa e da História de Portugal.
No relatório que, ainda não há muito, apresentou ao Governo - relatório do qual só agora tive conhecimento S. Ex.ª Rev.ma o Patriarca das índias e Arcebispo de Goa, D. José da Costa Nunes, estudou com clara visão das coisas q problema das chamadas escolas inglesas no Estado da índia.
Nesse documento diz o ilustre prelado que as escolas inglesas são um mal, e mal necessário, porque - são palavras do relatório- infelizmente os nossos rapazes não encontrando entre nós meios de vida vêem-se forçados a estudar a língua inglesa, a qual, para o caso, se transforma, em instrumento de ganha-pão.
E acrescenta: certo estou de que, se eles tivessem possibilidade de colocação em Goa ou fora de Goa conhecendo apenas a nossa língua, abandonariam imediatamente as escolas dos ingleses.
Assim é, de facto. E pois que estou no uso da palavra devo dizer que do há anos a esta parte o Governo do Estado da Índia vem prestando a mais vigilante atenção a um tão momentoso problema.
Um diploma legal estatui que não pode matricular-se na 4.a classe de Inglês quem não esteja habilitado com as primeiras classes do ensino primário da língua portuguesa. O Governo faz o maior empenho com que essa disposição se não transforme em letra morta. Note-se também: não permite facilmente a criação de novas escolas inglesas. Se não estou em erro, nos últimos anos não foi concedida nenhuma autorização nesse sentido.
Ainda mais. Exerce uma rigorosa fiscalização sobre o pessoal docente e discente da qual, em muitas dessas escolas, estrangeiros fazem parte.
Tenho dito.

O Sr. Sócrates da Costa: - Sr. Presidente: pedi a palavra para dar o meu aplauso à base toda, porque ela contém vários conceitos do enorme vantagem para o ultramar, e dois de excepcional importância para o Estado da índio.
Um dos preceitos é aquele em que é autorizado nas escolas primárias o emprego do idioma vernáculo ou local como instrumento do ensino da língua portuguesa.
Parece, à primeira vista, de importância secundária esta iniciativa do Governo em consignar nesta lei orgânica do ultramar um preceito que permite que as escolas primárias do Estado da Índia seja emprega o idioma vernáculo ou local como instrumento do e sino da língua portuguesa.
Na Índia fala-se o concani e tem-se dito muitas vezes que é pena que se fale tão pouco português que ele esteja, tá o pouco divulgado em Goa. Na verdade, é assim porque o concani tem sido tratado com uma língua que não merece a pena ser considera d olhada com carinho e alfabetada. Mas ela é falada por cristãos e hindus. Porém, os hindus aprendem depois a escrever com caracteres devanagáricos, ao passo que os cristãos que frequentam as escolas primárias portuguesas, e logo que conhecem o alfabeto latino, matriculam-se nas escolas de ensino em inglês, porque nestas se admite o concani como língua, veicular.
Há necessidade de se olhar para esta língua com mais carinho, devendo o Estado prestar auxílio às escol onde ela se ensine, mas sempre num espírito de simpatia e de modo algum contrário a qualquer escola particular infantil em que as crianças hindus aprendem escrever, como disse, em caracteres devanagáricos que lhes sito necessários para satisfazer algumas, exigências da sua vida social e doméstica.
Quanto às escolas portuguesas que ensinam em Inglês, a modificação introduzida pela Comissão do Ultramar é realmente importante, porque evita que de súbito essas escolas tenham de fechar, como muito se disse o Sr. Deputado Castilho de Noronha, mas receio que essas escolas venham a fechar por outro motivo que não seja resultante de qualquer lei e acto do Governo Português, e que venham a fechar - repito -, apesar de o Governo-Geral do Estado (Índia lhes prestar muita atenção.
Uma dessas escolas de ensino em inglês - talvez mais antiga e uma das mais importantes - é o Colégio de S. José, de Arpará, sendo seu director o P.º Filipe de Mendonça. Num jornal da índia, sob o título «Grito de alarme», VI esta notícia, que não é contra qualquer medida tomada pelo Governo Português, mas originai nos programas próprios que essas escolas terão adoptar:

O que afecta principalmente aos alunos d nossas escolas de ensino em inglês é a reforma proposta a respeito dos exames do S. S. C.

Antes deste regime o exame que se fazia era uma espécie de admissão à Universidade. Esse exame e dirigido pela Universidade de Bombaim, que era um organismo autónomo, e hoje é dirigido pelo Governo entidades oficiais e o diploma que se confere chama-se S. S. C., isto é: Secundary School Certificate.
As disciplinas obrigatórias para se obter o diploma do S. S. C. estão divididas em três grupos:

Línguas (a Língua Regional, o Hindi e o Inglês Matemática Elementar (que compreende Noções Fundamentais de Aritmética, Álgebra e Geometria) e por História e Administração; Física, Química, Botânica, Geologia, etc.

Há uma disciplina facultativa, que pode ser uma língua europeia clássica, Botânica, História ou qualquer outra disciplina.
Ora acontece que em Goa vamos ter dificuldades escolha das chamadas línguas regionais, bem como dificuldade igualmente grande no ensino do hindi.
Estas dificuldades encontram-se expostas num texto do P.e Filipe de Mendonça, que diz:

Tratando-se da relativa importância das língua I contempladas, a opinião prevalente dá lugar pri-

Página 717

26 DE FEVEREIRO DE 19-53 717

macial à língua regional. Em vista da importância que a própria Constituição indiana dá ao hindi e porque há probabilidades de ela ser escolhida para veículo do ensino superior e para língua oficial do Estudo, é forçoso que o ensino desta língua seja obrigatório. Quanto ao inglês, ele deve, aos poucos, ser relegado para lugar secundário, formando-se por ora obrigatório o ensino desta língua nas escolas, enquanto a instrução nas Universidades e nos colégios científicos, técnicos e profissionais continuar a ser ministrada em língua inglesa.
À face do exposto, teremos nós em Goa de tratar seriamente do assunto. Em todas as outras matérias poderão as nossas escolas estar a par das exigências do esquema, proposto. Mas a respeito das línguas regional e hindi? Até agora pouco ou nada se tem feito. Estarão neste momento as nossas escolas em condições de enfrentar tais mudanças?
A escola, que eu dirijo não está. Vejo que as outras se encontram mais ou menos na mesma situação. Por isso haja pronta acção - cá fica o grito de alarme.

Isto veio a propósito para dizer que a proposta do Governo, que visava negociações para que os diplomas das nossas escolas fossem reconhecidos ;por governos estrangeiros, não deixava, de ter a sua razão. Mas não havia necessidade de se incluir na lei uma disposição nesse sentido e de que resultasse o fechar súbito das escolas.
O governo terá de acudir às escolas portugueses que têm de ensinar com programas próprios, em condições de habilitarem a nossa gente a emigrar, porque, enquanto não se abrirem novas actividades previstas no Plano de Fomento, a nossa gente terá de emigrar, e para isso tem necessidade de frequentar essas escolas. O Governo terá mesmo de as subsidiar e obter reconhecimento ou equivalência dos diplomas conferidos por essas escolas.
Isto dito, presto as minhas homenagens aos Srs. Vogais da Comissão do Ultramar que reconheceram as necessidades prementes de se conservar no Estado da Índia as escolas que têm prestado serviços relevantes. E não concluo sem chamar deste lugar a atenção do Governo paru este ponto, porque do seu auxílio dependerá em grande parte a conservação e o desenvolvimento dessas escolas.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto mais nenhum Sr. Deputado desejar fazer uso da palavra, vai votar-se a proposta de substituição do Sr. Deputado Sousa. Pinto, pela qual a base LXXXIII do texto da Câmara Corporativa é substituída por duas bases -LXXXIII e LXXXIII-A -, constantes da proposta daquele Sr. Deputado.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Ponho em discussão a secção V «Do serviço militar no ultramar». Sobre a respectiva base, LXXXIV, não há na Mesa nenhuma proposta de alteração.
Se nenhum Sr. Deputado pede a palavra, vai votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada a base LXXXIV tal como se contém no contraprojecto da Câmara Corporativa.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à secção VI «Das populações indígenas», base LXXXV.
Acerca desta base há uma proposta do Sr. Deputado Sousa Pinto para que sejam eliminadas as palavras «S. Tomé e Timor» do n.º I. No resto mantêm-se o texto do contraprojecto da Câmara Corporativa.
Se nenhum dos Srs. Deputados quer fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.

Foi aprovada a base LXXXV com a referida proposta de emenda em relação ao n.º I.

O Sr. Presidente : - Está em discussão a base LXXXVI, sobre a qual há na Mesa uma proposta do Sr. Sousa Pinto para a sua eliminação.
Se ninguém pede a palavra, vai votar-se em primeiro lugar a eliminação da base.

Submetida à votação, foi eliminada.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base LXXXVII.
Há na Mesa uma proposta do Sr. Deputado Sousa Pinto para. que esta base seja substituída pelo artigo 79.º, n.º 11, da proposta governamental.
Vai votar-se primeiramente esta proposta, de «substituição.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente : - Ponho agora em discussão a base LXXXVIII, acerca da qual não há na Mesa qualquer proposta de alteração. Há, porém, uma proposta de inserção de uma base, que será a LXXXVIII-A, que será apreciada, na altura própria.
Se ninguém pede a palavra, vai votar-se essa base tal como está no contraprojecto da Câmara Corporativa.
Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vamos passar ao capítulo IX. Este capítulo tem uma epígrafe capitular e duas de secções.
Há na Mesa uma proposta do Sr. Deputado Sousa Pinto para eliminação das epígrafes do capítulo e das secções.
Vai votar-se esta proposta.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Propõe agora o Sr. Deputado Sousa Pinto a, isenção de uma base LXXXVIII-A com a redacção do artigo 81.º da proposta de lei.
à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se às bases LXXXIX, XC, XCI e XCII.
Estas bases não foram objecto de quaisquer propostas de alteração. Ponho-as à votação conjuntamente.

Submetidas à votação, foram aprovadas .

O Sr. Presidente: - Passamos agora à base XCIII, sobre a qual há uma proposta do aditamento do Sr. Deputado Sousa Pinto, que vai ser lida.

Foi lida. É a seguinte:
Na base XCIII um aditamento - I - igual ao artigo 82.º, n.º I, da proposta, seguido de III, como no parecer.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente : - Está concluída a votação da proposta da lei orgânica do ultramar.
Vou encerrar a sessão.

Página 718

718 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 207

A ordem do dia para a sessão de amanhã será constituída pela efectivação de dois avisos prévios do Sr. Deputado Pinto Barriga: um sobre a coordenação dos transportes terrestres e o outro acerca da orientação da nossa política económica internacional e de uma indispensável, previdente e enérgica defesa da nossa excelente posição monetária, e cambial; e, ainda, pela discussão da proposta, de lei em que se converteu o decreto-lei sobre a tributação das mais valias de produtos ultramarinos.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

André Francisco Navarro.
António Calheiros Lopes.
Artur Proença Duarte.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Teófilo Duarte.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Yasco Michon de Oliveira Mourão.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Cardoso de Matos.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Sousa Meneses.
Vasco de Campos.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×