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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 214
ANO DE 1953 11 DE MARÇO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 214 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 1O DE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMÁRIO:- O Sr. Presidente declarou, aberta a sessão às W horas.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do seguinte.
O Sr. Presidente comunicou que recebera da Presidência do Conselho, para os fins do § 3.º do artigo 100.º da Constituição, ou Decretos-Leis n.ºs 39 121 e 39 122.
Ordem do dia. - O Sr. Deputado Manuel Lourinho efectivou o seu aviso prévio sobre melhoramentos rurais.
O Sr. Deputado Galiano Tavares requereu a generalização do debate, que foi concedida pelo Sr. Presidente, e usou da palavra em seguida.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 50 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos de Azevedo Mendes.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
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Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Masrarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Caucela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 75 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Do presidente da, Câmara Municipal de Braga, a apoiar as considerações do Sr. Deputado Manuel Domingues Basto acerca do Posto Agrário do Braga.
Do presidente da Junta da Província do Minho, no mesmo sentido.
Da delegação da Unidade Tradicionalista de Luanda, a felicitar o Sr. Deputado Ricardo Durão pelo seu discurso a lavor da vinda para Portugal dos restos mortais do el-rei D. Miguel I.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um ofício da Presidência do Conselho informando que a repartição onde correm os serviços do socorro social está à disposição do Sr. Deputado Pinto Barriga para o efeito de satisfazer o requerimento apresentado na sessão do dia 10 de Fevereiro último. Vai ser entregue esse ofício a este Sr. Deputado.
Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Marinha em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Santos Bessa, que vão ser entregues a este Sr. Deputado.
Estão igualmente na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Economia em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Galiano Tavares. Vão ser entregues a este Sr. Deputado.
Está na Mesa o parecer da Comissão de Coutas Públicas sobre as Contas Gerais do Estado relativo à gerência de 1951, que vai ser distribuído pelos Srs. Deputados.
Igualmente estão na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, os esclarecimentos ao discurso do Sr. Deputado Jacinto Ferreira proferido na sessão de 19 de Novembro de 1952 e remetidos pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa. Vão ser publicados no Diário das Sessões.
Estão na Mesa, para os fins do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Decretos-Leis n.ºs 39 121 e 39 122, publicados no Diário do Governo n.º 42, 1.ª série, de 4 do corrente mês.
Visto não estar ninguém inscrito para o período de antes da ordem do dia, vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Consta a ordem do dia da efectivação do aviso prévio do Sr. Deputado Manuel Lourinho relativo a melhoramentos rurais.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Lourinho.
O Sr. Manuel Lourinho: - Sr. Presidente: parece-me útil, antes de entrar na explanação do assunto, repetir os termos do meu aviso prévio, dado que ele se encontra com inexactidões no Diário das Sessões que o insere.
Assim, repito:
Nos termos do Regimento, tenho a honra de enviar para a Mesa uma nota de aviso prévio sobre melhoramentos rurais o designadamente sobre as disposições legais que concedem as participações.
Pretendo provar:
1.º Que as disposições do Decreto n.º 19 502, de 20 de Março de 1931, se encontram desactualizadas, necessitando de ser revistas e reformadas no conjunto e no pormenor;
2.º Que o mesmo lacto se dá com a doutrina do Decreto n.º 19 066, de 30 de Abril de 1931, que regulamentou o decreto referido no número anterior;
3.º Que a legislação posteriormente publicada (Decreto n.º 21 696, de 19 de Setembro de 1932) não atingiu fim bastante a desmentir as premissas que ficam afirmadas nos n.ºs 1.º e 2.º deste aviso;
4.º Que, não tendo a Assembleia Nacional poderes constitucionais para, por iniciativa de um Deputado, tomar conhecimento e discutir um projecto de lei que ponha o problema em forma adequada às soluções que o actual ambiente de progresso nacional admite, parece-mo útil provocar um debate largo e profundo sobre o assunto, em ordem a dar ao Governo elementos de sugestão que possam servir de base à reforma completa das leis em vigor.
Permito-me ainda repetir, Sr. Presidente, o começo das considerações que serviram de base mental ao meu aviso prévio:
O progresso dos pequenos aglomerados é inegavelmente um meio de fixação do homem rural ao seu habitat.
Onde o meio retrocede, o homem apaga-se ou emigra. Emigra, com a amargura a servir de travo de mau sabor na luta que irá empreender em terras
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distantes, em concorrência com homens desconhecidos. Onde o meio não progride, o homem faz-se rotina, e, ou se conforma e embrutece ou se desumaniza e revolta.
A desumanização do homem é um mal que resulta dos factores desinquietantes do actual viver social.
A revolta do rural nasce do complexo de inferioridade que lhe criou o não ter conseguido vencer a rotina do meio.
Disse eu: onde o meio retrocede o homem apaga-se ou emigra:
Foi delineado este aviso prévio há aproximadamente um ano. Inúmeros factos se produziram que não entraram então na solução do problema. Outros foram eliminados por não terem razão do peso no momento que passa.
Se fizermos um exame, mesmo superficial, ao que sucede nos meios rurais, verificamos:
Abaixamento do nível de vida das populações rurais, em grau muito sensível, em comparação com os meios citadinos.
Aumento da proporção dos doentes, inválidos e velhos com a restante população válida.
Êxodo em massa destes últimos para os grandes centros populacionais do Império ou para o estrangeiro.
Estagnação do meio rural, no campo industrial e comercial, por carência de mão-de-obra especializada e por dificuldade de escoamento dos produtos locais e acesso das matérias-primas.
Impossibilidade ou, pelo menos, grave dificuldade de comunicações por estrada ou caminho de ferro.
E daí, Sr. Presidente, a despopulação.
O homem, para não se apagar, emigra.
A despopulação dos campos tem origem em causas físicas, biológicas, jurídicas, económicas e sociais. A despopulação porém não tem um carácter de generalização, pois que há regiões onde ela se não produz em grau tal que constitua só por si um problema. Assim, onde há regadio, no geral, não se dá, podendo verificar-se o fenómeno inverso - a repopulação.
Contudo, o êxodo das populações rurais tem muitas outras causas e é um mal de alta gravidade. Tal fuga, se não for diminuída, arrastará consigo alguns outros males, que irão impossibilitar a melhor solução de muitos problemas sociais.
No princípio do século XIX só havia na Europa 22 cidades com mais de 100 mil habitantes; em 1920 havia 193.
Em 1800 vivia nas cidades 3 por cento da população; em 1900, 25 por cento.
Nos Estados Unidos, em 1800, havia 5 cidades com mais de 100 mil habitantes; em 1920 havia 746. Em 1800 a população citadina dos Estados Unidos era de 4 por cento; em 1920 era de 42 por cento.
Nos Estados Unidos há quinze estados nos quais mais de metade da população se encontra nas cidades.
O mesmo acontece na Inglaterra e na Alemanha, onde a população rural é, respectivamente, de 20 por cento e 30 por cento. Verifica-se, pois, que o mal não é apenas nosso.
Quanto mais rápido e intenso for o desenvolvimento industrial, mais rápida e intensa será a despopulação dos campos e a aglomeração urbana.
O médico, que conhece a vida rural, pode, melhor que qualquer outro profissional, falar das suas insuficiências e das suas necessidades. Há uma grande ignorância dos verdadeiros problemas rurais na maior parte dos homens de Estado e dos intelectuais.
Em regra geral os rurais não vêm até à cidade apresentar as suas queixas. Há a necessidade absoluta de ir até eles para as conhecer. É necessário sentar-se à sua mesa, observá-los, interrogá-los e escutá-los com o imenso desejo de os compreender.
Favoreça-se o regresso à terra, por todos os meios, elevando o nível de vida do camponês, considerando o trabalho da terra como o primeiro e o mais honroso dos ofícios.
Auxiliemo-lo e louvemo-lo como tal e teremos certamente aí o remédio para muitos e grandes males sociais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Que a economia dos campos e a do camponês sejam protegidas e os produtos agrícolas postos no seu justo o real valor!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Que o trabalho da terra faça honrar o homem! Que o acesso à propriedade soja favorecido! Que a técnica substitua a rotina! Que os técnicos da terra sejam colocados junto do camponês, e não doutro das repartições! Que a profissão agrícola seja organizada e receba a representação social que é devida na orgânica do Estado Corporativo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Que em substituição do camponês só e entregue a si próprio elo receba a sua força da Casa do Povo, do grémio da lavoura e da cooperativa de produtores!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Que sejam encorajados o artesanato rural e a pequena indústria campesina! Que os futuros camponeses sejam preparados para a vida da terra por uma instrução apropriada.
Que as vocações agrárias sejam facilitadas pela escola rural e aproveitadas por escolas de aperfeiçoamento da mesma natureza.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Que não se fabriquem técnicos diplomados, mas homens que amem a terra, que vivam para ela, a saibam trabalhar e engrandecer!
Que a higiene, a luta contra o alcoolismo e a instrução sanitária não sejam simples slogans. Que haja um serviço de assistência social rural generalizado, em ligação com as Casas do Povo, os grémios da lavoura e os diversos organismos agrícolas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Que se crie o seguro social em moldes que seja possível a pouco e pouco torná-lo extensivo a todos os agricultores, sem deixar de tomar em conta a situação económica da lavoura nacional.
Que se melhore a alimentação do rural, tornando-a mais racional, rica e variada. Que se cuide da sua habitação, em ordem a que seja higiénica, ensolada, não húmida, com a compartimentação necessária para evitar a promiscuidade de pessoas e animais, com fossa de esgoto e instalações próprias para as estrumoiras.
Mas é necessário que se entenda claramente que, sob o pretexto de progresso e higiene, se não imponha ao
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homem do campo condições morais o materiais contrárias ao espírito da vida da terra.
Não se diga que lhes quero distribuir maples, carpetas e aquecimento central!
A vida dos campos exige, por sua própria definição, uma certa e intensa rudeza - a terra também é rude.
Se assim trabalharmos, a despopulação não continuará e o regresso ao campo far-se-á com alegria. O que aqui fica dito é um plano geral. Necessita que se lhe pegue e comece.
Haverá muita dificuldade para o cumprir? Levará muito tempo a realizar? Certamente. Mas uma vontade forte e uma fé inabalável serão o bastante para começar - o resto virá a pouco e pouco.
E termino, Sr. Presidente, este primeiro grupo das minhas considerações com uma conclusão do Congresso Católico de Lovaina, presidido pela altíssima figura do cardeal Mercier:
Os bens materiais deste Mundo foram destinados pela Providência - em primeiro lugar - à satisfação das necessidades essenciais de todos os homens.
Sr. Presidente: o assunto ó aliciante para nós, homens que adoramos a terra.
Não necessita de muitas pinceladas para se mostrar aos olhos de toda a gente colorido, vivaz, retratado.
A minha posição no debate não se fundamenta em números, mas em razões. Procurarei pô-las com clareza e simplicidade.
Ficarei contente comigo mesmo se elas servirem para o aparecimento doutras melhores.
Num problema de humildes, peço perdão se alguma vez pecar pela vaidade de supor as minhas razões melhores do que aquelas que, em sequência da discussão, aqui forem apresentadas por outros oradores.
O que se entende por melhoramentos rurais?
O Decreto n.º 19 502, de 20 de Março de 1931, especifica que são melhoramentos rurais a reparação ou construção de estradas municipais e caminhos vicinais, escolas de ensino primário, tanques, chafarizes, lavadouros ou obras semelhantes.
O Decreto n.º 19 502, de 20 de Março de 1931, regulamentado pelo Decreto n.º 19 666, de 30 de Abril de 1931, diz:
Art. 10.º Os subsídios destinam-se a construção, reparação ou adaptação de estradas à circulação de veículos de tracção animal e mecânica, bem como de edifícios destinados a escolas primárias o outros melhoramentos que vierem a ser compreendidos nas diferentes sub-rubricas orçamentais, sob a condição de obedecerem às cláusulas, características e motivos do preferência que vierem a constar dos regulamentos deste decreto.
Tais obras poderiam ser feitas em regime de comparticipação com o Estado, pertencendo a sua planificação e fiscalização à directa e exclusiva superintendência do Ministério do Comércio.
O desaparecimento do Ministério do Comércio, posteriormente à publicação das disposições regulamentares do Decreto n.º 19 502, deu lugar a que o sector passasse para o Ministério das Obras Públicas. Praticamente o regime ficou o mesmo; apenas se mudou dum para outro Ministério.
O Decreto n.º 21 696, de 19 de Setembro de 1932, diz:
Artigo 1.º A partir da publicação do presente fica a cargo da Junta Autónoma do Estradas o serviço de melhoramentos rurais, criado pelo Decreto n.º 19 502, de 20 de Março de 1931.
§ único. São consideradas como melhoramentos rurais as obras de interesse local e vantagem colectiva a executar fora dos concelhos, compreendendo a construção ou reparação de estradas municipais, estradas não classificadas, caminhos vicinais, pavimentos, chafarizes, tanques, lavadouros ou obras semelhantes.
A comparticipação das despesas com o melhoramento é variável com a espécie de obra a realizar, podendo atingir o máximo de 75 por cento.
Ao abrigo desta legislação - três decretos, um deles regulamentar - e de alguns despachos, que incluem toda a matéria publicada no Diário do Governo e por seu efeito, se esperam muitos melhoramentos de largo alcance social para fomentar o nível de vida dos pequenos aglomerados rurais.
O Governo foi sábio, humano, progressivo e previdente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A sombra das disposições legais, melhorou-se e incitou-se a melhorar o modo de viver dos povos nos pequenos núcleos populacionais. E assim tomaram corpo obras que esperavam há muito tempo a sua efectivação.
Algumas delas tinham já o ar de propaganda eleitoral de tempos antigos. Outras serviam de motivo pejorativo para achincalhar os habitantes, e o Mundo rolava uma circunferência completa em cada vinte e quatro horas, e nada se passava que pudesse torná-las diferentes das anteriores ou das que iriam seguir-se.
Pobres povos! Infelizes gentes!
Só eram conhecidos do Estado para cobrança das dizimas e para pagamento, também, do imposto de sangue. O Estado era para eles um intruso, que lhes aparecia muitas vezes -mais do que as desejadas- para os molestar com encargos materiais ou impor-lhes obrigações morais: tantas vezes umas incomportáveis para as suas algibeiras mal fornidas e outras inaceitáveis para as suas consciências, felizmente granìticamente fechadas às doutrinas do malefício político ou religioso. Assim foi, Sr. Presidente, e foi durante muito longo tempo.
Sr. Presidente: no dia da apresentação deste aviso prévio reivindiquei a honra de ter sido um médico, que então geria no Governo a pasta do Comércio, o autor da lei conhecida no sector administrativo respectivo pelo nome de «lei dos melhoramentos rurais». Ainda hoje, e aqui nesta tribuna, respeitosa e comovidamente me inclino em frente à memória do Ministro Dr. Antunes Guimarães.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: aplicou-se a lei - mal? bem ? Umas vezes melhor, outras pior. Não é meu propósito trazer esse aspecto do problema para o plano da discussão. Não lucraria também o meu propósito com tal directriz, não remediaria o mal já feito, nem acrescentaria qualquer bem ao já conseguido.
Definiu o Decreto n.º 19 502 o que era no momento, para o Estado Português, um melhoramento rural. Melhor, limitou o Estado Português até onde poderia ir a sua comparticipação na despesa a efectuar com as realizações que admitia poderem ser chamadas melhoramentos rurais.
Foi generoso? Foi exacto? Foi bastante?
Se nos situarmos no ano de 1931, data do Decreto n.º 19 502, talvez possamos afirmar que foi generoso. Exacto, seria um milagre que o fosse, pois se tratava de uma primeira tentativa, Bastante, nunca o poderia
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ser, porque melhorar é aumentar o número das nossas necessidades. Em todo o caso muito se realizou, muitíssimo até, se poderá afirmar, se aceitarmos para termo de comparação o que até ao momento se houvera feito - Nada!
Temos:
Total geral de comparticipações e subsídios, em contos:
Instalações de serviços...... 106 691
Estabelecimentos de assistência. . . 41 055
Casas de habitação........ 80 511
Estabelecimentos de ensino .... 10 890
Igrejas e seminários....... 43 759
Abastecimentos de águas..... 155 236
Saneamento........... 36 740
Arruamentos........... 141 073
Electrificação.......... 16 332
Estradas e caminhos municipais . . 302 795
Estudos de urbanização e levantamentos topográficos...... 7 925
Outras obras........... 121 317
Pelo Fundo de Melhoramentos Rurais:
Estradas e caminhos municipais . . 273 212
Outras obras........... 35 884
A que vem, pois, o meu aviso prévio? Que motivos me levaram a subir à tribuna para tratar deste assunto, sem a transformar no consagrado muro das lamentações? Duas discordâncias. Ambas fundamentais.
A primeira é uma discordância por limitação de extensão. A segunda é uma discordância do critério usado na distribuição dos benefícios.
Primeira discordância. Certamente, como anteriormente afirmei, a definição do que se entende por melhoramento rural, segundo a letra do Decreto n.º 19 502, estaria certa no ano de 1931. Mas o Mundo ultrapassou os factos e as pessoas de então. E o que era bastante é agora insuficiente.
Desta maneira, o aglomerado rural ou ficou parado por não ter sido atingido pela comparticipação, ou utilizou-a e criou novas necessidades, mais prementes, pedidas com mais insistência e desejadas com mais entusiasmo. Não foi em vão que o Presidente do Conselho marcou para si o slogan «mais e melhor».
Porém, chegados somos, Sr. Presidente, ao começo do ano de 1952. O problema andava latente e foi trazido novamente à superfície, nesta Assembleia, pelo meu ilustro amigo Sr. Deputado Galiano Tavares.
Pareceu-nos, a mim e a S. Exa., que seria oportuno provocar um debate sobre este assunto. Poderia rever-se desta forma a matéria em causa, e daí, quem sabe, talvez a Assembleia Nacional tivesse a graça de se fazer compreender, porque ouvir, faz-se cada vez que tem aso para isso e sempre a bem da Nação.
Eis, Sr. Presidente, as causas que deram lugar a encontrar-me nesta tribuna.
O que entendo por melhoramentos rurais?
Claramente que todas as realizações podendo traduzir-se em aumento do nível de bem-estar material e moral dos povos determinam progresso e podem ser classificadas de melhoramentos.
É evidente que as realizações definidas no Decreto de 20 de Março de 1931 são com toda a certeza melhoramentos rurais. Mas a limitação constante do decreto, para efeito de comparticipação, exclui da classificação de melhoramentos rurais muitas outras obras de utilidade pública que caracterizadamente o são.
Por mim, até ousaria sugerir que à lei se chamasse «de obras de utilidade pública rural». Assim, por exemplo, a instalação da rede de energia eléctrica para iluminação pública e particular e a utilização dessa mesma fonte de energia para usos industriais e agrícolas são. melhorar mentos rurais.
A instalação de postos de correio e telefones públicos é de certeza melhoramento rural.
O funcionamento de postos de socorros urgentes clínicos e de enfermagem é inegavelmente melhoramento rural.
A montagem de postos de depósito de medicamentos é ainda melhoramento rural.
O estabelecimento de linhas de comunicação acelerada, favorecendo a deslocação das pessoas e dos produtos, é sem dúvida melhoramento rural.
A construção ou reparação de uma igreja ou capela., onde permanentemente se possam praticar os preceitos da religião, são ainda, sem sombra de dúvida, melhoramentos rurais.
A constituição de pequenas bibliotecas ao ar livre, onde se possa conquistar um aumento do nível montai das populações, é também um/melhoramento rural.
A criação de postos de ensino elementar, com aulas nocturnas para adultos e diurnas para as crianças em idade escolar, é sem hesitação um melhoramento rural.
As possibilidades de teatro e cinema ao ar livre, onde se eduquem os sentimentos, se amoldem as almas e se retemperem os espíritos e os corpos, são, Sr. Presidente, ainda melhoramentos rurais.
Enfim, tudo quanto no campo material e concreto, no subjectivo e espiritual, possa contribuir para a civilização dos povos rurais será por mini etiquetado de melhoramento rural.
Mas então como se limitará o melhoramento no que respeita à sua localização, para que possa ser considerado rural?
Qual o critério a seguir para ser considerado rural qualquer dos melhoramentos apontados nas minhas considerações anteriores? Eu defino: considero rural todo o conjunto populacional onde uma maioria serve a terra, dela recebe salário, vivendo em contacto permanente com ela.
Esta noção vai muito mais além do que a legislação do Dr. Antunes Guimarães previa. Mas o Dr. Antunes Guimarães legislou, e muito bem, para 1931 e nós estamos em 1953, sofrendo as consequências da última guerra entre grandes nações. E tantas e tão profundas elas são!
Como é possível meter o que eu entendo por melhoramentos rurais dentro do compartimento estanque onde eles se encontram actualmente?
Também neste caso alguma coisa se me oferece dizer, Sr. Presidente. Em meu entender, os melhoramentos rurais não podem ficar compartimentados no Ministério das Obras Públicas. Esse Ministério ficaria com a faculdade de os dotar, planear e materialmente executar.
Ao Ministério das Corporações competiria imaginá-los, dar-lhes a vida do espírito, criar-lhes a alma, fazê-los viver, crescer e ter projecção social.
Para estes efeitos o Ministério das Obras Públicas seria o executor na sua função técnica e o das Corporações o criador na sua função social.
A lei sobre os melhoramentos rurais seria um verdadeiro evangelho - perdoe-se a laicização do termo - do progresso dos povos rurais. E certamente, a meu ver, ao Ministério das Corporações e Previdência Social que sobremaneira poderia interessar erguer tal monumento.
Só uma vontade firme de revolucionar - no bom sentido da palavra- a mentalidade dos que mandam e dos que são mandados, dos que executam e dos que dirigem, dos que doutrinam e dos que são doutrinados
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poderá determinar a melhoria de viver das populações rurais.
Paru mim, no caso em questão, não interessa que sejam ricos ou pobres os homens que laçam tal revolução. Basta que sejam homens bons.
Com elos, apenas se poderá contar para a construção dum mundo melhor. Para a construção desse mundo, todas as pedrinhas que se carrearem são úteis, desde que, marcando um progresso material, tenham sido argamassadas com os dons do espírito e projectem sobre os homens a luz de Deus.
Sr. Presidente: perdoe-me V. Ex.ª que a propósito de um assunto tão objectivo me tenha lançado em plano de considerações subjectivas que certamente cansarão V. Ex.ª e também os Srs. Deputados.
Eu sei que esto assunto não se prende com os problemas da alta finança e está longe de contender com as soluções concretas ou abstractas dos altos problemas económicos, coisas estas que são sempre de agrado geral discutir e conseguem entusiasmar os estudiosos. MÍIS afirmo que todo o bem útil, material ou moral, que seja distribuído as populações rurais, representará um factor de segurança social contra doutrinas que apenas se semeiam, nascem e vivem no terreno da miséria, da insegurança e da injustiça.
Quem não abrir os olhos a tempo, homens ou povos, sofrerá o pesar de ser sobrepassado pelos acontecimentos: serão estes então que hão-de comandar, em vez do serem comandados.
Sr. Presidente: considero exígua, muito exígua, a verba, que normalmente é inscrita no Orçamento Geral do Estado para comparticipação de melhoramentos rurais.
Estou crente de que V. Ex.ª e todos os Srs. Deputados subscrevei comigo esta opinião. E ainda que V. Ex.ª e todos os Srs. Deputados desejam que ela seja aumentada substancialmente. Neste sentido, muitas e autorizadas palavras têm sido proferidas nesta Casa.
Este será, Sr. Presidente, o primeiro pedido que, em nome dos povos rurais de todo o País, me atrevo a dirigir ao Governo. E afirmo, sem receio, que o poderei fazer com a certeza do seu aplauso unânime.
Afirmo ainda, Sr. Presidente, que o Governo terá um grande desejo de satisfazer esta pretensão, e, se o não fez até agora, tem sido por motivos alheios à sua vontade permanente de bem servir a Nação.
Os povos rurais de todo e País veriam também com agrado que uma nova lei de melhoramentos incluísse outras modalidades além das que se encontram definidas no Decreto n.º 19 502, de 20 de Março de 1931.
E, finalmente, Sr. Presidente ...
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª não acharia, já uniu grande vitória que se conseguisse realizar o que está estipulado nesse decreto?
O Orador: - Evidentemente.
O Sr. Melo Machado: - Só quero prevenir V. Ex.ª de que o desejo de pedir muito, isto é, mais do que aquilo que se pode fazer, é perigoso, porque a lei de melhoramentos rurais, tal como foi criada, pode dar uma grande satisfação à população rural.
Nós o que poderemos desejar é que essa lei tenho os meios necessários para poder realizar os objectivos para que foi destinada e que ainda não foram postos em prática.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ouvi com prazer à interrupção de V. Ex.ª, mas permito-me responder com a leitura do decreto a que há pouco me referi, e declarar que aquilo que consta do seu artigo 10.º não é o bastante.
O Sr. Morais Alçada: - Não vale a pena estar lá mais nada, porque nem isso se pode fazer.
O Orador:- Mais uma razão para pedirmos mais verba orçamental.
O Sr. Melo Machado: - Com isso estamos de acordo, mas o que devemos é ser práticos no pedir.
O Orador: - Eu, em resposta a V. Ex.ª, desejo ler o relatório do Sr. Ministro das Obras Públicas, que diz:
Mas o mal não provém da acção do Ministério: resulta apenas das diminutas dotações orçamentais consignadas àquela classe de melhoramentos. De resto, sejam quais forem essas verbas, elas serão sempre insuficientes para os desejos das populações, pois pode afirmar-se, sem receio de desmentido, que o volume de trabalho realizável anualmente no sector das vias de comunicação locais depende exclusivamente do montante das comparticipações que para o efeito se possam conceder - se dermos 73 000 contos por ano, realizar-se-ão por ano 100 000 contos de obras!
Eu estou explanando a minha orientação dentro daquilo que penso e até do que pensa o Sr. Ministro das Obras Públicas.
O Sr. Melo Machado: - Mas V. Ex.ª pode colher desse relatório um elemento precioso. Assim, pode ser nele quantas comparticipações estão em suspenso e qual o seu valor. Este anda à roda de 500 mil contos.
Para que havemos de estar a alargar os horizontes se já temos, diante de nós uma perspectiva daquela grandeza?
O Orador: - Estou em desacordo com V. Ex.ª
O Sr. Melo Machado: - Evidentemente que, se nós amanha pudéssemos realizar até 1 000 000 de contos, seria o ideal, mas V. Ex.ª, em sua consciência - não digo como homem de Governo, mas como parlamentar, que é quase homem de Governo -, acha que será possível arranjar-se de um momento para outro 1 000 000 de contos?
O Orador: - Eu não ponho em questão a verba a ser atribuída ...
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª não pode abstrair-se da realidade.
O Orador: - A aceitar como boa a doutrina de V. Ex.ª, nós metíamo-nos dentro do que está no decreto e não havia mais progresso. O desejo do homem é progredir, é avançar. Estou dentro da doutrina do Sr. Presidente do Conselho.
V. Ex.ª, Sr. Deputado Melo Machado, é um homem muito prático, gosto muito de o ouvir, mas neste ponto estou em desacordo com V. Ex.ª E, finalmente, repito, Sr. Presidente: considero que a base que tem presidido à distribuição das comparticipações, sendo certamente justa e legal, tal como está nos propósitos normais do Sr. Ministro das Obras Públicas, poderá ser alterada em conformidade com as directrizes que passarei a expor:
As percentagens das comparticipações. - O actual regime de comparticipações determina que para a reali-
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zação de certa obra a autarquia ou o beneficiário entre com uma percentagem para o montante da despesa a efectuar. Essa percentagem, juntamente com a comparticipação do Estado, perfaz o custo total do melhoramento realizado. Este é o mecanismo actual.
Acontece porém que as autarquias, sobrecarregadas com encargos múltiplos, fortemente onerosos alguns, e no seu somatório incomportáveis com uma vida financeira desafogada, tiveram de lançar mão de pequenos truques para conseguir os fins almejados. Não vem para o caso contar.
O Estado, sobrecarregando as autarquias com toda a espécie de obrigações, impõe-lhes planos para os melhoramentos a executar que nem sempre são os mais económicos e fá-los fiscalizar por técnicos que às vezes se sobrepõem discricionàriamente aos interessados. Todos estes factos são por demais conhecidos. Acho preferível não os contar.
Passemos adiante. É dolorosa por vezes a rota que segue a construção de certos melhoramentos.
Dizia eu, Sr. Presidente, que as autarquias estão sobrecarregadas ao máximo e as suas possibilidades diminuídas e restringidas a um mínimo.
Assim temos, quanto à Câmara Municipal do concelho de Portalegre:
Receita ordinária realizada no ano de 1951........... 1:944.406$00
Despesas:
Encargo com o pessoal (46,6 por cento)........ 907.503$00
Doentes pobres - Anos de 1949,1950 e 1951:
1949 (3,5 por cento)........................... 69:600$00
1950 (3,7 por cento)........................... 73:194$00
1951 (3,3 por cento)........................... 66:086$00
Despesas com as repartições a cargo do Estado (6,5 por cento).......... 128.269$00
Caem iguais encargos sobre as autarquias que satisfazem as suas obrigações para com os credores o as que fazem ouvidos de mercador ao pagamento das despesas a que se obrigaram. Caem iguais encargos sobre os que recebem grossas benesses do Estado e sobre os que mendigam uma cadea dos subsídios a distribuir.
Assim, Sr. Presidente, como será de admirar que esses povos possam progredir e outros tenham que vegetar, e vegetar na mais rudimentar vida social?!
A comparticipação deverá ser, Sr. Presidente, na razão inversa do grau de riqueza do respectivo beneficiário.
Realmente, Sr. Presidente, não mo parece justo que a comparticipação do Estado para a efectivação de determinado melhoramento seja igual para todas as autarquias. A mesma em percentagem, claro.
A própria noção da palavra admite que o Estado entende necessário ajudar os povos fracos economicamente a realizar os seus melhoramentos fundamentais para uma vida mais decente. Era esse, com certeza, o pensamento do Dr. Antunes Guimarães. Assim, mal se compreende que o auxílio seja igual para pobres, ricos ou remediados.
O Sr. Melo Machado: - V. Exa. tem a certeza de que nesse aspecto há ricos?
Não interessa se as câmaras têm pouco dinheiro ou muito; o que interessa é saber se tom poucos ou muitos encargos.
O Orador: - Não estou de acordo com V. Exa.
O Sr. Melo Machado: - Mas tem de estar, porque é a realidade.
O Orador: - Algumas câmaras não têm possibilidade material de realizar quaisquer benefícios.
O Sr. Melo Machado: - Há quase sempre possibilidade de os realizar porque existe o tal auxílio de 75 por cento de comparticipações.
Essas obras podem, pois, ser realizadas e quando por vezes as câmaras não têm meios, as populações acorrem a essas necessidades fornecendo trabalho, carros, pedra, etc.
O Sr. Galiano Tavares: - Não se pode generalizar assim.
O Orador: - Mas lá têm de pagar 25 por cento, e muitas câmaras não o podem fazer.
De resto a própria palavra "quase" coloca V. Exa. numa situação em que podemos dizer não ter razão.
O Sr. Melo Machado: - Agradeço a V. Exa. o favor de repetir as últimas palavras.
O Orador: - O regime de comparticipações aos rurais seria mais justo atribuindo uma percentagem proporcional a cada um.
O Sr. Melo Machado: - V. Exa. vem com as possibilidades e não vem com as necessidades.
O Sr. Galiano Tavares: - As necessidades e as possibilidades: são as duas concomitantemente e simultâneas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E bem se compreende, ao contrário, que o auxílio seja dado em especial para aqueles que necessitem, para os que na o disponham de possibilidades para efectivar exclusivamente por si as suas necessidades em melhoramentos.
Poderiam classificar-se como economicamente dobeis todas as autarquias que não pudessem por si comparticipar. Mas, dir-se-á: é possível que todas as autarquias, dada a circunstância de suportarem inúmeros encargos que o Estado generosamente para elas transferiu, só declarassem incapazes de comparticipar.
Pertenceria ao sector ministerial encarregado de estruturar os melhoramentos rurais fazer essa classificação no acto de ser informado o pedido de melhoramento. E até a comparticipação poderia tomar a forma de subsídio total, naqueles casos onde fosso manifestamente impossível o contributo da autarquia para as suas realizações - da autarquia ou do outro beneficiário.
O esquema que serviria paru tal classificação poderia fundamentar-se em múltiplos factores.
Assim, por exemplo:
A média do rendimento do orçamento de receita nos três anos anteriores;
A sua população e o número de fogos segundo o último recenseamento;
A capitação da receita geral e da despesa geral orçamental;
O regime de propriedade rústica e as espécies culturais predominantes;
O grau de desenvolvimento das suas unidades industriais e a riqueza económica dos mercados que elas serviriam.
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Será complicado o sistema? Talvez.
Porém, se a cada grupo destes factores fosse atribuído um coeficiente de valorização, poder-se-ia construir uma fórmula que nos desse com aproximação a base que serviria para uma distribuição mais justa.
Creio pois, Sr. Presidente, ter demonstrado:
1.º Que o Decreto n.º 19502, de 20 do Março de 1931, se encontra desactualizado;
2.º Que há necessidade de o refundir em novas bases;
3.º Que o regime de comparticipação dos melhoramentos rurais será mais justo atribuindo uma percentagem inversamente proporcional ao grau de prosperidade do beneficiário comparticipado.
O princípio-base de tal distribuição seria, a meu ver, em síntese, o seguinte:
Menos rico, maior comparticipação, menos investimento próprio.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Galiano Tavares: - Requeiro a generalização do debate e peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Concedo a generalização do debate.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Galiano Tavares.
O Sr. Galiano Tavares: - Sr. Presidente: no início da actual legislatura vibrou esta Câmara com o problema das crises de trabalho em certas zonas do País e em especial no Alentejo.
Durante uma semana subiram a esta tribuna oradores oriundos dos mais variados sectores profissionais, preocupados todos com o grave aspecto social resultante da paralisação do trabalho nesta província.
Com efeito, a índole de certas regiões, a sua estrutura agrária, o regime de monocultura determinam no decorrer do ano, sem exagero, quatro a cinco meses de desemprego total.
Não é agora, o momento de recapitular circunstanciadamente o que aqui se disse.
As características geológicas e climatérias, a irregularidade das chuvas, a cultura cerealífera de sequeiro provocam uma instabilidade, quanto à aquisição de meios de vida, particularmente grave para a pequena e média lavoura.
Expôs cada um dos oradores no debate os seus pontos de vista e alguns os resultados da sua longa experiência.
Apontaram-se remédios, analisaram-se sistemas e métodos de trabalho, para se concluir pela atribuição com carácter permanente de uma quota de reserva pelo Fundo de Desemprego com vista a acudir e fazer face às crises periódicas perturbadoras da tranquilidade - e até da disciplina - nas regiões mais atingidas; pela intensificação do regadio tanto na grande como na média e pequena lavoura, através das obras de hidráulica agrícola (Alto Alentejo, Ribatejo, afluentes do Sado e Guadiana); pela assistência técnica idêntica à que é ministrada no domínio da pecuária; e, finalmente, pela constituição de comissões com representantes dos grémios da lavoura, Casas do Povo, Junta de Colonização e autarquias, de modo a conseguir-se, pela cooperação e conjugação de esforços, atenuar o mal.
E porque vibrou com intensidade, com emoção, a Assembleia Nacional ao tratar destes problemas, dos problemas da terra?
Porque defender a agricultura tem-se como necessidade inadiável.
E que a comunidade agrícola - diz e muito bem o Prof. António Sousa da Câmara - se caracteriza pela força, pela permanência e unidade dos laços da família, pela relativa raridade da sua dissolução e, citando a conferência da National Catholic Rural Life, sob a inspiração de Leão XIII, acrescenta:
As sociedades agrícolas são um elemento de fixidez, de estabilidade, de tranquilidade familiar, o sempre que uma nação se apoia na ruralidade, lhe dá constante amparo e estímulo, e embora possa sofrer crises tremendas, encontrará as resistências necessárias para enfrentar todas as dificuldades e salvar-se.
Ora este estado de crise sem solução adequada é para mim um fenómeno de erosão social, comparável à própria erosão da terra.
No relatório do governador civil do distrito que represento nesta Assembleia Nacional escreve-se, com data de Março do corrente ano:
O desemprego rural constitui forte motivo de p reocupação:
1.º Porque, não obstante todas as queixas convergirem no Governo Civil, este não dispõe de recursos suficientes para as atender e muito menos tem ao seu alcance meios para prevenir, como seria para desejar, a eclosão das crises certas e esperadas em determinadas fases do ano agrícola;
2.º Porque, grande ou não, a crise de trabalho é sempre um fenómeno de inegável gravidade económica, social e política, sobretudo quando não precedida ou acompanhada de medidas suficientes para a debelar - gravidade económica pelos muitos milhares de dias de trabalho perdidos que à conservação ou aumento «lê riqueza nacional não podem ser indiferentes; social pela indisciplina e subversão que origina ou favorece; política pela série de embaraços que pode causar à boa marcha das coisas públicas.
O problema desenvolvido então nesta Assembleia persiste quase com a mesma acuidade e só me surpreendeu não ter ouvido mais referências à expropriação, a título experimental, do grande latifúndio não aproveitado, sob a forma de arrendamento a pequenos proprietários ou mesmo seareiros e cuja eficiência *e demonstrou, no meu distrito, na divisão de um baldio - o de Sobral e Carvalhal de Tolosa.
Esclarece a Junta de Colonização interna:
A superfície do baldio de Sobral e Carvalhal de Tolosa - 683,387 ha - foi dividida em 504 glebas, cuja atribuição, por sorteio, foi efectuada em 4 de Março de 1951. As glebas implantadas têm igual valor em terra e área variável, consoante a natureza dos terrenos que constituem cada uma ideias, oscilando a superfície entre 0,675 e 3,898 ha.
O valor da terra que constitui cada gleba é constante e foi computado em 1.500$, devendo ser pago em quinze anos, ao juro de 2 por cento.
Em Novembro de 1932 foi levado a efeito minucioso inquérito sobre a evolução do aproveitamento das glebas entregues no ano anterior, o qual se resume nos quadros apresentados e que bem reflectem o interesse que os possuidores das glebas mostram pelo aproveitamento integral das parcelas que lhes foram distribuídas.
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Assim:
QUADRO I
Plantações efectuadas posteriormente à entrega das glebas:
a) Árvores de fruto:
Oliveiras .............. 36 740
Figueiras .............. 13 128
Pessegueiros............. 3 306
Marmeleiros ............. 2 949
Ameixieiras ............. 2 629
Macieiras .............. 338
Romãzeiras ............. 201
Pereiras. ............. 221
Laranjeiras ............. 140
Cerejeiras. ............. 64
Nespereiras ............. 38
Castanheiros............. 20
Damasqueiros ............ 14
Aveleiras .............. 13
Tangerineiras ............ 11
Amendoeiras. ........... 10
Nogueiras .............. 3
Limoeiros ............. 2
59882
6) Árvores florestais:
Eucaliptos.............. 543
Choupos .............. 6
Pinheiros mansos. ..... 1
550
c) Bacelos: Bacelos ........... 19 834
QUADRO II
Culturas arvenses
Colheitas de tubérculos e sementes efectuadas no ano de 1952:
Batata (quilogramas) ......... 234 510
Milho (litros) ............ 108 300
Centeio (litros). .......... 57 135
Trigo (litros) ............ 41 715
Feijão frade (litros) .......... 17 775
Feijão de cor (litros) ........ 6 345
Aveia (litros) ............ 6 990
Cevada (litros) ............ 840
Milho miúdo (litros) ......... 15
Grão (litros) ............. 45
Tremoço (litros) ........... 255
Ervilha grão (litros) ......... 105
Serradela (litros) ........... 30
Fava (litros) ............. 2
QUADRO III
Obras executadas após a entrega das glebas (poços, noras, tanques, fontes e represas)
Poços:
Empedrados ............. 85
Por empedrar ............ 523
Noras.................. 9
Tanques ................ 36
Fontes ................. 6
Represas ................ 5
Alexandre Herculano escrevia (vol. IV dos Opúsculos):
A paixão da terra, tão forte e tão nociva no grande e no mediano agricultor, anda em dobrada violência no coração do proletário rural.
Que sacrifícios, que tenacidade, que imaginação, que indústria para alcançar propriedade! Quando ele chega a poder proferir, ide pé sobre os helgas do chão esmontado e valado, as palavras mágicas "o meu foro" essa fronte, habitualmente inclinada para o solo, com os olhos fitos na enxada, ergue-se e ilumina-se de esperança no futuro e de confiança no presente.
As grandes áreas não cultivadas incitam à adopção das sesmarias, trazendo à torra, o gozador atraído pela cidade, uma vez que o sentido social da vida exige que a terra deixe de ser "bem de renda" para se converter em "bem de trabalho".
Referindo-se a esse aspecto, escrevia ainda Herculano:
A lavoura feita de longe, com o que se tenta conciliar a gloriola ou a necessidade de ser cultivador e as diversões que só se encontram nos grandes centros da população é o semiabsentismo.
De 1874 a 1934 a superfície produtiva do continente, tomando como base o primeiro destes anos, aumentou apenas de 100 para 156,7 e a área cultivada (Inquérito Económico-Agrícola, por Lima Basto, 1934, vol. 4.º) subiu de 100 para 232,5, enquanto que as partes agrícola e florestal só elevaram, respectivamente, para 177,7 e 398,8.
A superfície inculta mas produtiva baixou de 100 para 64,4 e a cultivável para 33,6.
Quero dizer: ao passo que em .1874 apenas eram produtivos perto de 52 por cento da superfície total do País e 28,5 por cento eram cultivados, contra 44,3 por cento de superfície inculta mas cultivável, em 1934 esta última reduzia-se a 14,9 por cento e a produtiva elevava-se a 63,3 por cento.
Não obstante ter aumentado consideravelmente a área cultivada (Cadernos do Ressurgimento Nacional-Colonização Interna, Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo), extensas superfícies podem ser económicamente chamadas ao cultivo e outras vastas regiões susceptíveis de produzir maiores colheitas.
Perante a decadência a que Milha chegado a agricultura de trigo e de cevada o a consequente carestia destes géneros os estabelecia-se nas leis das sesmarias (1367-1383):
Se o senhor das propriedades não as puder lavrar iodos, lavre por si as que lhe aprouver e as mais faça-as cultivar por ou trem ou dê-as a lavrador por quota porciária ou a pensão certa, ou a foro. Cada lavrador há-de ter tantos bois quantos forem necessários para a sua lavoura.
E em seguida:
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No caso de se oporem à decisão dos árbitros os senhorios das propriedades, seriam confiscadas.
A ideia de tirar as terras aos que as conservassem desaproveitadas não era uma novidade em Portugal.
Os legistas achavam no Código Justiniano alguma coisa que se parecia com esta doutrina, pois que ali se estabelecia que se desse a qualquer pessoa o direito de ocupar, para cultura, o terreno abandonado pelo proprietário.
O tirar a uns e dar a outros é muito prejudicial - representavam os proprietários -, mas a verdade é que a intimação se fazia com todas as precauções e até por anúncio quando se não conhecia o dono.
Estabeleciam-se, porém, prazos improrrogáveis:
O que receber terra de sesmaria deve tratá-la dentro do prazo de quatro anos, e não mais.
Mas porque havia queixas, não pròpriamente contra a lei, mas ao modo por que se aplicava, logo o povo representou que os sesmeiros fossem eleitos lê a eleição confirmada pelo rei.
Plínio condenava o grande latifúndio.
Não foi pròpriamente para me ocupar das crises do desemprego nos campos que subi a esta tribuna.
Trata-se, porém, de melhoramentos rurais, e eu penso que este é um aspecto que não pode deixar de estar integrado no magno problema do campo, no magno problema da terra e da sua utilidade: «Para que pudessem sulcar os mares navios portugueses foi preciso que a charrua sulcasse mais extensamente e melhor a terra da Pátria» - disse num dos seus discursos de pensador e criador de ideias o Sr. Presidente do Conselho.
O aviso prévio posto pelo Sr. Deputado Manuel Lourinho diz respeito a melhoramentos rurais.
O que deve entender-se por melhoramento rural?
Tudo quanto possa melhorar a vida do trabalhador do campo. Sob que aspectos:
Todos os que convirjam para criar condições de relativo bem-estar não só quanto ao aspecto económico (reunir, assistir e sanear, na trilogia conceituada de um antigo Ministro do Interior), mas quanto à própria salubridade « higiene da pequena povoação.
O caminho, a estrada, a fonte pública, a habitação, a luz eléctrica, além dos serviços que propiciem a aprendizagem das letras e o próprio recreio do espírito.
Quanto n salubridade e higiene, o Decreto-Lei n.º 38 382, de 7 de Agosto de 1951, estabelece normas apreciáveis se vierem a ser respeitadas e impostas pelas câmaras municipais.
«As construções rurais», consigna o artigo 121.º, seja qual for a sua natureza e o fim a que se destinem, deverão ser delineadas, executadas e mantidas de forma, que contribuam para a dignificação e valorização estética do conjunto em que venham a integrar-se.
Não poderão erigir-se quaisquer construções susceptíveis de comprometerem, pela localização, aparência ou proporções, o aspecto das povoações ou dos conjuntos arquitectónicos, edifícios e locais de reconhecido interesse histórico ou artístico ou de prejudicarem a beleza das paisagens.
No § único do artigo 119.º do mesmo decreto-lei consigna-se que as estrumeiras ou nitreiras devem ficar afastadas das habitações ou locais públicos e serão construídas de modo que delas não possam advir infiltrações, e na sequência dos mesmos propósitos estabelecem-se precauções rigorosas (artigo 120.º) para impedir que as instalações ocupadas por animais, estrumeiras ou nitreiras possam favorecer a propagação de moscas ou mosquitos.
Neste aspecto há realmente muito que fazer em Portugal, mesmo no próprio Alentejo, em que o asseio do, habitação seria quase exemplar senão fora, por vezes, a contiguidade da pocilga e a proximidade da estrumeina.
Não consegui obter elementos rigorosos quanto aos melhoramentos rurais levados a cabo nos últimos quatro anos, mas melhor é extrair do parecer d e Araújo Correia, sempre meticuloso, das Contas Gerais do Estado de 1950, da Assembleia Nacional, esta certeza: as comparticipações pagas para aqueles melhoramentos, que em 1949 foram de 53 287 contos, baixaram em 1950 para 28 091 contos, isto é, 25 196 a menos.
No parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1945, da Assembleia Nacional, punha-se o problema dos concelhos pobres e dos ricos, aconselhando-se o estudo minucioso dos progressos locais perante os recursos dos municípios, e escrevia-se:
O País pode dividir-se, no que diz respeito a municípios, em concelhos ricos e concelhos pobres - talvez se possa dizer com propriedade: em concelhos afortunados e concelhos infelizes.
Alguns, por virtude de maiores receitas, que derivam da economia mais progressiva ou desenvolvida, e isso pode até resultar de melhoramentos generosamente concedidos no passado, estarão em condições de aproveitar as comparticipações do Estado em maior escala.
As receitas permitem-lhes concorrer com a percentagem que por lei cabe ao organismo local do custo da obra.
Outros concelhos pobres de receitas, por serem pobres de matéria colectável ou ainda por haverem logrado desenvolver em menor escala os recursos potenciais que possuem, não têm recursos que permitam completar com a verba que lhes é atribuída a comparticipação das obras que lhes compete e desejam.
O quadro é efectivamente esclarecedor: se excluirmos as comparticipações do Estado, poderemos dizer que há no País 15 concelhos com receitas entre 100 e 200 contos, 33 entre 200 e 300, 36 entre 300 e 400, 41 entre 400 e 500, 25 entre 500 e 600, 19 entre 600 e 700, 14 entre 700 e 800, 8 entre 800 e 900 e 10 entre 900 e l 000, num total de 201 concelhos. Com receitas acima de 1 000 contos há 58 concelhos e acima de 3 000 apenas 13.
E, todavia, não pode duvidar-se, como se afirma no referido parecer, da existência de um forte e intenso desejo de renovação social e em muitos casos de um sentido prático de aproveitamento das suas fracas disponibilidades financeiras e das verbas que através dos melhoramentos rurais e Fundo de Desemprego lhes têm sido distribuídas muito parcimoniosamente, quando se comparam com outras usadas em fins de muito menos utilidade económica ou social.
Na verdade, o exame dos números relativos às receitas dos municípios e a análise das suas despesas com carácter obrigatório deixam ver a impossibilidade de realizar obra de vulto dentro de curto espaço de tempo.
Vou mais longe afirmando, em concordância com as conclusões do mesmo parecer, a que há concelhos em que as sobras orçamentais são de tal modo diminutas que impedem até a execução de qualquer melhoramento».
As receitas nos municípios e ilhas adjacentes andam à volta de 450 mil contos, incluindo Lisboa e Porto.
Se se acrescentar às receitas próprias as comparticipações do Estado, que em 1944 - diz o parecer - foram cerca de 40 mil contos, o total não atinge meio milhão de contos, dos quais mais de metade compete aos distritos de Lisboa e Porto.
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É evidente que nestas circunstâncias o progresso das pequenas cidades e das povoações rurais é difícil, lento e demorado.
A comparticipação rígida, ou mesmo maleável, dependente da natureza da obra, deve adaptar-se aos recursos locais, motivo por que nesta Assembleia Nacional defendi a fórmula de o auxílio do Estado ser concedido na. razão inversa dos recursos da entidade que o solicita.
Corroborando o que afirmei nos anos que decorreram de 1945 a 1949, foram concedidos 639 mil contos de comparticipações, assim distribuídas:
Melhoramentos urbanos....... 317 000
Melhoramentos rurais......... 164 000
Saneamento, águas e urbanização .... 153 500
Se há dificuldade em reforçar verbas, parece ser necessário adoptar outros métodos que permitam uma mais equitativa distribuição.
Há melhoramentos rurais que aguardam há anos a concessão de comparticipação. Há freguesias rurais onde a população se dessedenta em água de poços facilmente conspurcável e ainda há pouco numa das freguesias do meu concelho deflagrou com intensidade uma epidemia de febre tifóide que só não foi gravíssima por ter intervindo rapidamente o delegado de saúde, ao tempo o meu amigo e colega nesta Câmara Dr. Pimenta Prezado, aliás com meios rápidos e em tal medida, provindo da Direcção-Geral de Saúde, que dominou em curto lapso de tempo o mal, cuja causa, porém, deploràvelmente se mantém.
Se o Estado consome recursos da colectividade, significará isso porventura uma destruição de riqueza? Não deixam de ser produtivas tais despesas, porque, embora não originem rendimento líquido, são criadoras de utilidade.
Numa palavra, e parafraseando o que já ouvimos como angustioso brado de reabilitação: as grandes cidades devem começar a restituir ao campo aquilo que lhe têm tirado!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - O debate continua na sessão de amanhã.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 20 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António Calheiros Lopes.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Mantero Belard.
Herculano Amorim Ferreira.
Joaquim Mendes do Amaral.
Jorge Botelho Moniz.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Júdice Bustorff da Silva.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amorim.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pinto Meneres.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Sousa Meneses.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
Esclarecimentos ao discurso do Sr. Deputado Jacinto Ferreira, enviados pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa, a que se referiu o Sr. Presidente no princípio da sessão:
Esclarecimentos ao discurso proferido pelo Sr. Deputado Jacinto Ferreira na sessão da Assembleia Nacional de 19 de Novembro de 1952,
Na sessão da Assembleia Nacional realizada em 19 de Novembro de 1952 o Sr. Deputado Jacinto Ferreira ocupou-se do tema «Educação moral e cívica da juventude», em que quase exclusivamente se dedicou u tarefa de criticar a Organização Nacional Mocidade Portuguesa, no prosseguimento de uma iniciativa tomada em 12 de Janeiro de 1900, ao requerer, naquela mesma Assembleia, a prestação, pelo Ministério da Educação Nacional, de várias informações relativas à mencionada Organização.
As declarações feitas na sessão de 19 de Novembro provocaram, como era natural, dada a sua flagrante injustiça, um imediato movimento de protesto por parte de elevado número de antigos e actuais dirigentes e filiados da Mocidade Portuguesa, que manifestaram particularmente ao Sr. Deputado Jacinto Ferreira o pesar com que haviam tomado conhecimento de tão imerecido libelo acusatório.
Perante essa reacção, era lícito esperar que o Sr. Deputado Jacinto Ferreira quisesse rever a atitude assumida em relação à Mocidade Portuguesa, esclarecendo as dúvidas que subsistissem no seu espírito em face das cartas de protesto que lhe foram enviadas e tomando, como se lhe impunha, a iniciativa de rectificar publicamente as suas anteriores afirmações, na medida - por sinal bem vasta - em que elas requeriam rectificação.
O Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa aguardou pacientemente que tal acontecesse, pois não desejava intervir no debate de um tema que só episodicamente se denominava «educação moral e cívica da juventude» e que consistira apenas em mais um ataque dirigido à Mocidade Portuguesa e a política de educação nacional seguida pelo regime.
É norma do Comissariado Nacional prestar gostosamente todos os esclarecimentos pedidos quanto à sua actuação e considerar atentamente todas as críticas bem intencionadas que lhe sejam dirigidas; mas não está nem pode estar nos seus hábitos defender-se de acusações feitas de ânimo leve e sem propósito construtivo.
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Em casos desta natureza, a Mocidade Portuguesa, pouco disposta a transigir com o regresso a velhos e condenáveis métodos de política partidária, prefere que sejam os próprios adversários a reconhecerem o erro da posição assumida e a repararem, por uma sincera colaboração, os males causados pela inicial hostilidade.
Infelizmente - e contra o que era de esperar - não sucedeu assim desta vez; o Comissariado Nacional, depois de aguardar dois meses pela rectificação do discurso do Sr. Deputado Jacinto Ferreira, sente-se na obrigação de não deixar por mais tempo sem uma palavra de esclarecimento os ilustres Deputados da Nação.
Trata-se, portanto, apenas de um esclarecimento. O Comissariado Nacional não tem que defender-se - até porque, no dizer do Sr. Deputado Jacinto Ferreira, as suas considerações «não levam rótulo pessoal nem para os que estão nem para os que já estiveram à frente da obra». Muito menos tem que defender-se a obra, pois essa vale pelo que representa já de conquista segura, para um Portugal melhor, das gerações nascidas depois do 28 de Maio e pela transformação operada na saúde física e moral da juventude portuguesa.
Neste esclarecimento o Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa dispensa-se, como é óbvio, de comentar ou refutar as afirmações produzidas pelo Sr. Deputado Jacinto Ferreira e que à Mocidade Portuguesa não interessam directamente, por visarem apenas o Comissariado da Mocidade Portuguesa Feminina, os Ministérios da Educação e do Interior ou, de um modo geral, o Governo.
II
Esclarecimentos acerca de um relatório mal compreendido e não tornado público
O requerimento enviado à Mesa da presidência da Assembleia Nacional em 12 de Janeiro de 1950 pelo Sr. Deputado Jacinto Ferreira foi redigido nos seguintes termos:
Requeiro que, pelo Ministério da Educação Nacional, me sejam dadas as seguintes informações:
a) Verbas orçamentais atribuídas a cada um dos anos económicos, desde a sua criação, à Mocidade Portuguesa;
b) Montante, em escudos, das contribuições voluntárias ou compulsivas, incluindo as contribuições dos filiados, em cada um dos anos referidos;
c) Actividade, com exclusão da desportiva, desenvolvida nos últimos cinco anos pela Organização citada;
d) Número de elementos activos, em todo o território português, de cada uma das organizações escutistas;
e) Facilidades, auxílio ou protecção dispensados a estas organizações não oficiais nos últimos dez anos.
Satisfizeram-se integralmente as consultas daquele requerimento; o Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa sente não ter podido - por insuficiência de pessoal - responder com a brevidade pretendida; mas, havendo respondido, mais sente que o Sr. Deputado Jacinto Ferreira não tivesse revelado à Assembleia, pelo menos, a súmula da resposta, da qual, aliás, pareceu ignorar um dos objectivos fundamentais: relato da actividade desenvolvida nos últimos cinco anos anteriores a Janeiro de 1950, com exclusão da de ordem desportiva.
Os elementos do relatório fornecido pela Mocidade Portuguesa que o Sr. Deputado Jacinto Ferreira entendeu utilizar no seu discurso de 19 de Novembro de 1952 foram apenas aqueles que, mercê de uma leitura apressada e de um desconhecimento da obra da organização - desconhecimento já hoje indesculpável -, lhe pareceram capazes de sustentar algumas hipóteses, que, no entanto, continuaram insustentáveis, como adiante se verá.
1) Afirma o Sr. Deputado que «as deslocações à Galiza, à Andaluzia, etc., dificilmente poderão ser classificadas aia categoria de patrióticas, de estudo, ou de formação moral». Uma leitura atenta do relatório recebido teria permitido substituir um vago e desprezivo «etc.» por «Protectorado Espanhol de Marrocos», ou seja, pelas antigas praças portuguesas do Norte de África, que foram o principal e patriótico objectivo da chamada «deslocação à Andaluzia»; da forma como essa «deslocação» serviu o prestígio de Portugal e a formação patriótica e cultural de quantos nela tomaram parte, poderá o Sr. Deputado Jacinto Ferreira inteirar-se junto das autoridades civis e militares das regiões visitadas e junto dos respectivos populações, parecendo recomendável usar do mesmo processo de julgamento quanto à deslocação da I Missão de Estudo dos Centros de Formação Imperial (Angola, Agosto-Setembro de 1951) e quanto às frequentes «marchas» de diversas alas rumo ao Mosteiro da Batalha, ao Castelo de Guimarães, ao Promontório de Sagres, e a tantos outros lugares vinculados ao património espiritual da Nação Portuguesa.
2) Afirma, também, o Sr. Deputado Jacinto Ferreira, baseando-se aio relatório das actividades da Mocidade Portuguesa, ao ocupar-se da formação religiosa dos filiados da organização e depois de haver aludido a um afã diabólico com que se procurou ocupar, em actividades instruções, as manhãs dos domingos, não permitindo aos rapazes o cumprimento dos seus deveres religiosos ou tornando-o sobremodo difícil ou incómodo:
É certo que o relatório por mim recebido se refere a uma obra de formação religiosa, confiada a numerosos sacerdotes, mas um inquérito a fazer junto desses assistentes religiosos revelaria - pelo bem! - quão dificultada tem sido a sua missão e quantos obstáculos e torpedeamentos lhes são opostos pelos directores dos centros, recrutados, sabe-se como e por toda a parte, até nos meios que formalmente negam Deus, a Pátria e a tradição.
Perante tão grave e insólita acusação a Mocidade Portuguesa tem o dever de exigir se concretizem os «obstáculos e torpedeamentos» a que aludiu o Sr. Deputado Jacinto Ferreira, para que, tendo eles, porventura, alguma autenticidade, se proceda imediatamente com o devido rigor punitivo. E só por isso, pois, que, em matéria de formação religiosa, a Mocidade Portuguesa apenas pode considerar válidos os reparos provenientes de quem de direito - ou seja, do Episcopado.
Mantendo-se desde a primeira hora fiel aos ensinamentos da Igreja e com a Igreja colaborando na educação da juventude, não devem causar preocupações à Mocidade Portuguesa quaisquer críticas de autoria de leigos, mormente quando estas se encontram em desacordo com opiniões expressas por algumas das mais ilustres figuras da Igreja. Por imperativo de caridade cristã esquece-se o que há de afrontoso na expressão «afã diabólico» e apenas se esclarece que a circular do Comissariado Nacional, determinando que as actividades da Mocidade Portuguesa não prejudicassem o cumprimento dos deveres religiosos dos filiados, data de Novembro de 1939.
3) Na satisfação do seu requerimento de 12 de Janeiro de 1950, o Sr. Deputado Jacinto Ferreira foi informado de que:
A instrução geral, propriamente dita, consiste na aprendizagem e prática das seguintes matérias: marcha e orientação, formações e evoluções, trans-
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missões e jogos educativos, as quais encontram no campismo não só um complemento indispensável como também o meio de se realizarem. O campismo é entendido pela Mocidade Portuguesa como um dos mais seguros meios de formação de carácter e parece inútil demonstrar as razões que justificam esse critério.
A propósito desta informação, o referido Sr. Deputado declarou, apenas, em 22 de Novembro de 1952, que na Mocidade Portuguesa os acampamentos não possuem as louváveis características educativas do campismo e que «os rapazes se deitam debaixo das tendas já armadas, às vezes em colchões trazidos do quartel ou do asilo mais próximo, num local que não foi por eles escolhido nem reconhecido, e a comida é preparada por soldados serventes em cozinhas de campanha».
Continuou, assim, aquele Sr. Deputado a tomar a excepção como regra, mostrando ignorar uma realidade incontestável: a de que, na generalidade, o campismo da Mocidade Portuguesa se caracteriza por, usando as próprias palavras do autor do discurso:
Pôr à prova a inteligência e a decisão do rapaz em contacto com o passadiro duro, com a natureza rude e pouco generosa, e obrigar a recorrer à sua sabedoria, à sua habilidade, à sua destreza, a apurar os seus sentidos, para reunir um conjunto de condições satisfatórias, vizinhas daquelas a que a civilização o acostumou.
Em matéria desta natureza não podem confirmar-se com números as asserções feitas; mas a confirmação é possível no conhecimento directo da realidade, que neste caso, como nos restantes, muito se aconselha.
4) O Sr. Deputado Jacinto Ferreira foi informado, na parte do relatório da Mocidade Portuguesa referente ao serviço social, textualmente do seguinte:
O serviço social da Mocidade Portuguesa é designado por «camaradagem». Mais do que material, a sua assistência é, em primeiro lugar, espiritual; os benefícios que se concedem jamais têm o carácter, de esmola, mas sim de concretização material da solidariedade espiritual que deve unir toda a juventude. A acção dos serviços de camaradagem realiza-se principalmente através dos centros extra-escolares, centros médico-sociais, centros de adaptação ao trabalho, cantinas, rasas da mocidade, concessão de bolsas de estudo e realização de concursos de aptidão profissional.
Os centros extra-escolares, destinam-se aos rapazes não estudantes, desde os jovens operários até aos chamados «rapazes da rua». A sua frequência é inteiramente voluntária. O seu trabalho consiste, além da instrução geral da Mocidade Portuguesa, no aperfeiçoamento profissional e na formação cultural dos filiados, com base respectivamente, em serviços de oficina, criação de bibliotecas, realização de cursos de alfabetização, etc. De 1945-1946 até à presente data mantiveram-se 192 centros extra-escolares, já existentes ou criados entretanto.
Os centros médico-sociais têm por missão, como é óbvio, assistir, clínica e socialmente, a todos os filiados; as consultas clínicas completam-se, portanto, com a prestação dos necessários tratamentos, com o inquérito às condições de vida do agregado familiar do interessado e com as possíveis medidas tendentes a solucionar, pela melhor forma, os problemas inerentes a cada caso. Mantiveram-se nos últimos cinco anos centros médico-sociais em Lisboa, Porto, Coimbra, e Faro. Embora ainda se não possuam números estatísticos da sua frequência, pode a mesma avaliar-se, no total, em cerca de 15 mil beneficiados.
A finalidade dos centros de adaptação ao trabalho é a recuperação de menores em perigo moral e que se considera já não poderem ser educados pelos centros extra-escolares. A sua actuação decorre no plano pré-profissional, em especial nos sectores da carpintaria, marcenaria e serralharia. Em 1946 foi criado em Lisboa o primeiro destes centros, que se manteve, não obstante graves dificuldades de vária ordem, e que hoje oferece perspectivas de excelentes resultados. A título experimental foi criado um centro de adaptação ao trabalho em S. João da Madeira, cujo funcionamento se julgou conveniente suspender para evitar uma dispersão de esforços excessiva para as possibilidades actuais.
Existem actualmente 61 cantinas (22 em liceus, 29 em escolas técnicas e 10 em. centros extra-escolares) e 18 casas da mocidade. As casas da mocidade são «clubes de juventude», apetrechadas, na medida do possível, com os meios de formação integral (cultura, desporto e recreio) requeridos pela elevada população juvenil que as frequenta e permitindo estabelecer o conveniente contacto e consequente amizade entre rapazes das mais diversas categorias sociais.
As bolsas de estudo concedidas desde 1945-1946, excluindo as dos centros universitários, mencionadas na devida altura, totalizam 443.565$30.
Os concursos de aptidão profissional têm, como ponto de partida, os concursos de trabalho, efectuados em fases sucessivas (regional, provincial e nacional). O primeiro destes concursos realizou-se em 1949-1950 e reuniu, na fase nacional, torneiros, marceneiros, serralheiros civis, bobinadores, fresadores, carpinteiros de moldes, ajustadores e entalhadores. Seis seleccionados nacionais representaram o nosso país em Madrid no Concurso Internacional do Trabalho.
Como consequência desta informação, afirma o referido Sr. Deputado:
Ao lado do campismo, e afora a actividade desportiva, conclui-se do relatório que o principal trabalho da Mocidade Portuguesa foi a beneficência. São centros médico-sociais (o social anda agarrado a tudo nesta idade da vida portuguesa, mas muito mais em palavras do que em espírito), são cantinas, casas da mocidade, bolsas de estudo, pagamento de propinas a estudantes pobres e outros subsídios. E avalia-se esta actividade num total de 15 mil beneficiado?, (a palavra «beneficiados» é do relatório).
Não serei eu quem desdenhe destes actos de bem-fazer, aos quais, polo contrário, reconheço, sem qualquer reserva, um alto significado educativo, quando praticados individualmente ou veiculados através da acção pessoal.
Mas não posso deixar de me insurgir contra esta obsessão que na nossa terra domina todas as instituições, sejam elas de que natureza forem: fazer beneficência.
Ora, como se vê, ninguém dissera que ao lado do campismo, e afora a actividade desportiva, o principal trabalho da Mocidade Portuguesa seja a beneficência; explicou-se, de resto, que se não fazia beneficência, mas se estimulava, sob a designação de «camaradagem», um vivo sentimento de solidariedade, no qual se incluía,
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como meio, e não como fim, a acção médico-social. Deram-se números relativos a cinco anos e o Sr. Deputado Jacinto Ferreira utilizou-os de forma a ter-se a impressão de que eles se referiam a todo o período de existência da Organização; dão-se números relativos a um só sector (os 15 mil beneficiados dos centros médico-sociais) e o Sr. Deputado Jacinto Ferreira vem declarar, peremptoriamente, que eles se referem à actividade dos serviços de camaradagem, no conjunto- de centros médico-sociais, cantinas, Casas da Mocidade, bolsas de estudo e outros subsídios. Este pormenor é um testemunho claro das injustiças e deformações da realidade de que enferma quase todo o discurso e deve ser difícil, efectivamente, encontrar forma menos feliz de abordar, perante a própria representação nacional, um tema com a responsabilidade e a elevação que se depreendem das expressões «educação moral e cívica da juventude».
5) Dentro ainda da matéria relativa ao seu pedido de informações, parece que o Sr. Deputado Jacinto Ferreira se insurge contra o montante de alguns subsídios concedidos pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa às organizações escutistas; se assim é, aquele Sr. Deputado ignora que à Mocidade Portuguesa não compete subsidiar as organizações escutistas ou quaisquer outras; neste particular, as obrigações da Mocidade Portuguesa são apenas as que resultam do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 31 908, de 9 de Março de 1942, a saber:
Art. 2.º As referidas organizações ficam sujeitas no exercício da sua actividade à direcção e fiscalização do comissário nacional da Organização Nacional Mocidade Portuguesa, ao qual compete:
1.º Sancionar a designação dos dirigentes superiores das organizações;
2.º Autorizar a abertura e o funcionamento de quaisquer centros, grupos, núcleos ou delegações;
3.º Aprovar todos os regulamentos e instruções aplicáveis às actividades educativas;
4.º Pedir aos dirigentes todos os esclarecimentos que reputar necessários;
5.º Destituir os dirigentes que tenham violado as disposições legais ou estatutárias, desobedecido »s instruções recebidas ou não ofereçam garantia de cooperar na realização dos fins superiores do Estado.
§ único. Das decisões do comissário nacional a que se refere o n.º 5.º deste artigo cabe recurso para o Ministro da Educação Nacional.
Como é evidente, a Mocidade Portuguesa, ao conceder subsídios a organizações escutistas, fê-lo como «dom gratuito», a título inteiramente excepcional, a pedido dos interessados e por lhe merecerem justa simpatia as actividades daquelas organizações; não têm, portanto, razão de ser as operações aritméticas efectuadas pelo Sr. Deputado Jacinto Ferreira com o intuito de comprovar que os subsídios da Mocidade Portuguesa às organizações escutistas dificilmente terão chegado para pagar a uma mulher da limpeza; de resto - e como é natural -, os pequenos subsídios concedidos não foram solicitados para aquele efeito.
III
Esclarecimentos acerca de outras críticas
1) Além das considerações baseadas no relatório fornecido pela Mocidade Portuguesa, o discurso do Sr. Deputado Jacinto Ferreira insere outras, tão infundadas como aquelas e merecedoras igualmente de esclarecimentos.
Insurge-se em primeiro lugar aquele Sr. Deputado contra a obrigatoriedade de inscrição, preferindo-lhe «o voluntariado estimulado capaz de fazer nascer a ânsia de proselitismo e de criar um escol, ao qual se pudesse, de futuro, entregar lugares de confiança, cargos de responsabilidade!».
A determinação da obrigatoriedade da inscrição não é, como se sabe, da competência do Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa. Ao Comissariado compete providenciar no sentido de não tornar a obrigatoriedade legal impeditiva cia criação de um escol, mantido e desenvolvido em inteiro voluntariado. Assim se tem feito.
Voluntariado existe no corpo de graduados da organização, de que se formaram já alguns milhares, e os quais têm, por constituírem de facto e de jure base de um futuro escol nacional, obrigações de exemplaridade, de afirmação de um ideário patriótico e realização de uma vida de formação integral; o voluntariado existe, ainda, para os filiados dos centros extra-escolares, doa centros universitários e dos centros de instrução especializada; essa elevada percentagem de filiados voluntários - graduados ou não graduados - assegura à Mocidade Portuguesa inconfundíveis características de movimento juvenil e de organização educativa, animada por um saudável sentimento de proselitismo.
Aquilo a que o Sr. Deputado Jacinto Ferreira chama obrigatoriedade, e que está agora fora de discussão, limita-se a ser o processo considerado mais fácil para tornar extensivos à grande massa da juventude escolar determinados meios de aperfeiçoamento das suas capacidades morais, intelectuais e físicas, numa acção meramente complementar da acção educativa da Igreja, da Escola e da Família, e necessariamente tão obrigatória como a frequência às aulas de ginástica ou de qualquer disciplina escolar.
Na verdade, aos filiados que o Sr. Deputado Jacinto Ferreira considera inscritos obrigatoriamente nada mais se lhes exige do que o cumprimento das obrigações morais comuns a todos os jovens pertencentes a uma sociedade cristãmente civilizada, e isto, sem dúvida, num regime transitório, enquanto houver necessidade de suprir deficiências de outros órgãos educativos.
Desde a fundação que a Mocidade Portuguesa defende a necessidade de o seu trabalho educativo atender, antes do mais, à formação de um escol; entendeu-se, porém, que essa formação não impedia o trabalho em extensão junto das massas, antes o facilitava; e assim tem, com efeito, acontecido.
2) Batendo inesperadamente uma tecla que já foi muito da preferência dos adversários do regime e, de um modo geral, de todos os adversários da ordem e da tradição, mas que deixou de ouvir-se por não convencer ninguém, o Sr. Deputado Jacinto Ferreira, no seu discurso de 19 de Novembro passado, veio reeditar a acusação de a Mocidade Portuguesa «ter caído na superstição hitleriana» e aponta como testemunhos, além do já citado «afã diabólico com que procurou não permitir aos rapazes o cumprimento dos deveres religiosos», o passo de parada, o desengonçado dos braços e o facto de ter sido chamado «a verificar se tudo estava bem o chefe da Hitlerjugend, von Schirack». E realmente confrangedor verificar que ainda hoje se façam afirmações desta natureza.
O passo de parada é usado, quando em desfile, pelas organizações juvenis ou desportivas de todo o Mundo, sem distinção de credos políticos ou religiosos. Baldur von Schirack» nunca esteve em Portugal.
A Mocidade Portuguesa recebeu, com efeito, a visita de um dirigente da Hitlerjugend, o Sr. Hartman Lauterbacher, em Março de 1938, algumas semanas antes de uma significativa homenagem prestada à nossa orga-
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nização nacional pelo Embaixador de Sua Majestade Britânica; uma missão da Mocidade Portuguesa esteve em Londres, como convidada, no ano de 1941, em plena guerra portanto, tendo recebido sempre inequívocas provas de apreço; em 1943, a Mocidade Portuguesa visitou o Protectorado Francês de Marrocos, sem cuidar do agrado ou do desagrado que essa visita pudesse merecer a qualquer dos grupos de nações beligerantes; e logo finda a segunda grande guerra, a Mocidade Portuguesa correspondeu ao convite vindo da Inglaterra para participar no acampamento internacional de juventude, realizado em Kockermouth, onde rapazes de diversas nacionalidades, mias todos eles naturalmente hostis à superstição hitleriana, não recusaram louvores nem manifestações de simpatia à Mocidade Portuguesa, a qual, aliás, compareceu fardada e nada teve a ocultar quanto ao ideário nacionalista que defende.
O nacionalismo da Mocidade Portuguesa, o seu completo alheamento de toda e qualquer ideologia ou interesse que não sejam os de Portugal, a sua fidelidade à linha ide rumo traçada pelo Sr. Presidente do Conselho em matéria das relações internacionais do nosso país, tudo isto são verdades incontroversas, que os discursos, as directivas, as folhas de doutrina e quanto se disse ou escreveu desde 1936 até hoje comprovam eloquentemente. No dia em que a História desvendar o que foi a preparação da o resistência» portuguesa, nos anos sombrios de 1940 a 1944, perante a hipótese de uma invasão estrangeira, saber-se-á como a Mocidade Portuguesa se encontrava preparada para cumprir então plenamente o seu dever, não com palavras, mas com obras.
3) O Sr. Deputado Jacinto Ferreira, segundo se depreende das suas declarações, parece julgar excessiva a dotação anual de 10:000.000$ atribuída no Orçamento Geral do Estado à Organização Nacional Mocidade Portuguesa nos anos da 1948 a 1952, inclusive, e, por assim lhe parecer, insurge-se contra a obtenção de receitas por parte dos centros, e especialmente contra a fornia como é feita essa obtenção. Sem descer a questões de pormenor, que alongariam extraordinariamente o presente esclarecimento, o Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa sente discordar por completo da noção optimista em que é tido por parte do ilustre Deputado o nível económico da Organização. Um conhecimento muito geral do volume das actividades em curso e da extensão dos sectores em que as actividades se exercem chegaria para desfazer o equívoco; e quando de tal conhecimento não dispusesse, uma simples análise do quadro de distribuição de verbas e da sua comparação com as reais e justificadas necessidades de cada serviço bastaria para não deixar dúvidas ao crítico mais exigente, o qual verificaria, por exemplo, no orçamento do corrente ano que as necessidades justamente consideradas de carácter urgente pelas diversas direcções de serviços importavam no dobro das dotações que para o efeito lhes foi possível conceder.
Se a verba atribuída à Mocidade Portuguesa no Orçamento Geral do Estado pudesse ser aplicada num único sentido - só cursos de doutrinação, ou só paradas, ou só acampamentos, ou só festivais desportivos -, por certo que os resultados exteriores seriam mais impressionantes e corresponderiam, porventura, a grandes êxitos de especialização; não pode, todavia, ser assim feita a aplicação da referida verba, e ainda bem que o não pode, pois semelhante critério revela-se logo à primeira vista incompatível com as características de uma obra que, se por um lado tem de atender à formação integral dos rapazes - aproveitando a multiplicidade dos factores educativos harmònicamente conjugados -, por outro se encontra legal e moralmente responsável toda a juventude de todo o País, não lhe sendo lícito preferir o Minho aos Açores, nem os filhos de famílias ricas aos das famílias pobres.
Comprovável facilmente a insuficiência das verbas da Mocidade Portuguesa, podem, contudo, certos críticos insistir em que, sendo elas insuficientes para as necessidades educacionais da juventude, têm sido mais do que bastantes em relação ao trabalho efectuado; encontrar-nos-íamos, portanto, perante um caso de má administração, em que o dinheiro a gastar com a educação dos rapazes estaria a ser desviado para fins de pura propaganda, de sumptuária ou de pagamento de importâncias excessivamente elevadas a um pessoa excessivamente numeroso.
Não é crível que tais hipóteses mereçam crédito seja a quem for. O Comissariado Nacional despende com os serviços de propaganda 0,45 por cento do montante do seu orçamento e a propaganda da Mocidade Portuguesa reduz-se, praticamente, pelo que contém de doutrinação, a mais uma faceta do labor educativo.
Tanto nos serviços centrais como nas sedes das delegações, subdelegações ou centros, não só não existe a mínima parcela de luxo, como é evidente um regime de austeridade que muitas vezes atinge os limites da pobreza, situação de que a Mocidade Portuguesa se não queixa, salvo na medida em que, por extrema carência de condições de trabalho, se diminui o rendimento do serviço.
E quanto a pagamento ao pessoal dirigente? Também neste capítulo a Mocidade Portuguesa se considera isenta de que a julguem culpada. Reportando-nos ao ano findo em 31 de Dezembro de 1952, verificamos a existência de mais de 11 anil centros escolares primários, 469 centros de formação geral, sendo 312 escolares e 157 extra-escolares, 3 centros universitários, 26 centros de instrução de milícia, 7 centros de formação imperial, 6 de instrução de quadros e 106 de instrução especializada (1 de aeromodelismo, 7 de atletismo, 1 de aviação com motor, 1 de aviação sem motor, 1 de camioagem, 8 de tiro, 1 de columbofilia, 16 de esgrima, 3 de ginástica, 3 de ténis, 13 de hipismo, 1 de marinharia, 3 de naviomodelismo, 13 de natação, 12 de remo e 21 de vela).
A estes centros devem acrescentar-se 4 médico-sociais, 3 de medicina desportiva e 2 de adaptação ao trabalho, o que eleva a 626 o número total de núcleos do actividade.
Os serviços centrais incluem 12 direcções de serviços, e estas, por sua vez, 34 inspecções e subinspecções; unia indispensável descentralização, em harmonia com a divisão provincial e administrativa do País, origina a existência de 15 delegações provinciais e 189 subdelegações regionais.
Tratando-se de uma obra formativa que se exerce sobre massas, o número de dirigentes tem de ser proporcional às necessidades de uma eficiente formação, ou seja ao número de dirigidos; pode calcular-se como resultaria inútil o esforço de um instrutor que tivesse simultaneamente a seu cargo a formação moral e cultural, a educação física, a assistência clínica e social de 500 ou 600 rapazes, média populacional de muitos centros; um só centro pode, assim, exigir, às vezes, a presença nos seus quadros de cerca de 10 dirigentes.
Por outro lado, a instrução especializada de desportos como a vela, ou o hipismo, tornada extensiva a filiados de todas as divisões provinciais, representa - ou melhor, deveria representar -, por si só, uni elevadíssimo encargo.
São, em resumo, no conjunto dos serviços centrais e das diversas unidades já mencionadas, cerca de 2 830 dirigentes em serviço na Organização, e deles só perto de meia dezena têm funções remuneradas de modo a permitir-lhes ocuparem-se apenas da Mocidade Portuguesa; a verdade é que a grande maioria do pessoal re-
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cebe, em média, uma gratificação mensal que não excede 200$ e que bem pode considerar-se simbólica quando confrontada com o esforço que importa despender e com as responsabilidades inerentes à missão do dirigente da Mocidade Portuguesa.
Sem o espírito de sacrifício e de generosa dedicação de pessoas de todas as condições sociais e sem o ardoroso entusiasmo do voluntariado, principalmente o dos graduados, a Mocidade Portuguesa não teria conseguido ainda a décima parte dos resultados atingidos, por mais criteriosa que fosse a aplicação da verba orçamental.
O que em matéria de sacrifícios pessoais duas ou três gerações têm oferecido à obra da Mocidade Portuguesa nos últimos dezassete anos é de tal modo digno de ser respeitado e admirado que apenas o seu total desconhecimento permitirá falar-se, como se falou, em a ausência de espírito heróico».
4) Um ponto há no discurso em causa que supera os restantes, pela gravidade das acusações formuladas, pela imprudência das mesmas, pela errada informação que denota e ainda por não atingir apenas uma instituição, mas sim toda a juventude do nosso país e de forma extraordinariamente injusta. Embora não quisesse pronunciar afirmativamente o seu libelo acusatório, preferindo deixar pendentes perigosas suspeições, o Sr. Deputado Jacinto Ferreira dá a entender, com clareza, que considera desprovida de sentimentos de independência, de brio, de ousadia, de nacionalismo, de generosidade e de espírito de sacrifício a juventude formada nas fileiras da Mocidade Portuguesa.
Em favor de tese tão surpreendente cita o Sr. Deputado o retraimento dos «elementos ordeiros prudentemente postados a distância» em conflitos políticos ocorridos nas Universidades.
Não têm lugar neste esclarecimento dissertações sobre a melhor forma de dar solução aos conflitos políticos nas Universidades; o que, todavia, é notório, e deve frisar-se, é o facto de nos conflitos de ordem política ocorridos na Universidade durante os últimos dez ou quinze anos - felizmente pouco numerosos - terem tomado parte activa, cumprindo o seu dever, os jovens universitários denominados «elementos ordeiros»; dos casos em que se verificou intervenção policial, esses mesmos universitários sofreram as consequências resultantes da sua atitude, e isso não obstou, antes pelo contrário, a que se mantivessem fiéis a uma posição que haviam espontaneamente assumido, por imperativo da sua formação moral e cívica.
Parece, pois, que a este respeito o ilustre Deputado foi tão mal informado como acerca da comodidade de vida durante os cruzeiros da Mocidade Portuguesa a bordo de navios de guerra e o consequente comportamento dos filiados neles participantes. Que esse comportamento foi o de rapazes virilmente formados na audaciosa vocação marinheira comprovam-se as insuspeitas afirmações de louvor assinadas nos respectivos livros de bordo pelos distintos oficiais da Armada comandantes das unidades em que se efectuaram os cruzeiros.
Além da desolação de ver quase desertos os concursos para a Escola Naval, o que, a ser exacto, não poderá considerar-se da responsabilidade da Mocidade Portuguesa, o Sr. Deputado Jacinto Ferreira assinala um índice ainda mais grave da carência de espírito heróico: em seu entender, a mocidade recusa-se a «jogar a vida, como sentinelas da Pátria, por esses mares além, semanas e meses longe da família e dos amigos». Necessário se torna, pois, que o mesmo Sr. Deputado explique essa recusa com u presença nos quadros do Exército da Armada e da Aeronáutica, na metrópole e nas províncias ultramarinas, de todos os novos que
lá se encontram prestando bom serviço, e isto para que a Mocidade Portuguesa não tenha de lhe recordar os seus mortos, os nomes, por exemplo, de quantos saíram das suas fileiras para servir a Aeronáutica e em serviço da Aeronáutica morreram.
A acusação de «falta de espírito heróico» lançada às novas gerações portuguesas sustenta-se falsamente uniu confronto com as gerações de há vinte ou trinta anos, isto é, com gerações que viveram uma luta política e um ambiente de guerra civil, já desaparecidos há muito.
Para comprovar a acusação, o Sr. Deputado Jacinto Ferreira precisa de certas condições que naturalmente nem ele nem ninguém deseja ver satisfeitas, tais como o regresso à guerra civil e à insegurança e tirania demagógicas anteriores ao 28 de Maio, a participação de Portugal num conflito militar ou quaisquer ocorrências catastróficas que venham pôr cobro à paz e à tranquilidade nacionais.
Quando tal acontecer, poder-se-á julgar com justiça do espírito heróico da geração formada pela Mocidade Portuguesa, mas, nas condições actuais, uma sondagem ao heroísmo da juventude não pode passar do campo de meras hipóteses. Optimistas ou pessimistas, essas hipóteses não constituem prova em julgado quando se trata de apreciar a acção educativa até hoje realizada pela Mocidade Portuguesa.
5) Declarou o Sr. Deputado Jacinto Ferreira que, mercê de modificações posteriormente ocorridas na orgânica da Mocidade Portuguesa, se perdeu a oportunidade do aviso prévio com que, em Janeiro de 1950, desejava ocupar-se da educação moral e cívica da juventude do nosso país; noutro passo do discurso proferido em 19 de Novembro de 1952 na Assembleia Nacional assegura que «as suas considerações ... não levam rótulo pessoal, nem para os que estão nem para os que já estiveram à frente da Obra». Ora sucede que de Janeiro de 1950 a Novembro de 1952 as alterações registadas na vida da Mocidade Portuguesa se limitaram quase exclusivamente aos quadros do pessoal (nomeação do assistente nacional, em l de Fevereiro de 1951; nomeação de uni novo comissário nacional adjunto, em 25 de Março de 1951; nomeação de novo comissário nacional, em Outubro de 1951, e nomeação de novo secretário inspector, em Junho de 1952). É verdade que no capítulo da orgânica se verificaram:
1) A promulgação do Decreto n.º 37 765, de 25 de Fevereiro de 1950 (cerca de cinco semanas após o requerimento do Sr. Deputado Jacinto Ferreira), contendo o novo texto do regulamento da organização;
2) O desenvolvimento de algumas actividades de formação geral (Outubro de 1951).
Mas tanto no primeiro como no segundo caso as alterações introduzidas na orgânica da Mocidade Portuguesa foram apenas simples alterações de pormenor exigidas pela evolução das actividades e não modificaram a linha de rumo anteriormente seguida; para o comprovar basta fazer o confronto entre o texto do regulamento constante do Decreto n.º 37 765 (25 de Fevereiro de 1950), actualmente em vigor, e o do que vigorou até àquela data (Decreto n.º 27 301, de 4 de Fevereiro de 1936).
O Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa desejaria, portanto, conhecer, mediante concretização das afirmações do Sr. Deputado Jacinto Ferreira, quais as modificações de 1950 à presente data susceptíveis de terem feito perder a oportunidade do aviso prévio daquele Sr. Deputado.
6) Depois de só ter encontrado motivos de censura e nenhum de louvor, depois de não haver achado justi-
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ficação absoluta para a iniciativa da criação da Mocidade Portuguesa, depois até de se referir em termos altamente desprimorosos à formação cívica e patriótica dos rapazes saídos das fileiras da Mocidade Portuguesa, o Sr. Deputado Jacinto Ferreira declara indiscutível «mais do que a conveniência, a necessidade da existência de uma organização como a Mocidade Portuguesa».
É grato registar este tardio reconhecimento, tanto mais quando seguido da previsão de que a Mocidade Portuguesa «poderia prestar relevantes serviços na orientação da juventude portuguesa se a sua orgânica e os seus regulamentos sofressem uma remodelação extensa e profunda».
Ora o Sr. Deputado Jacinto Ferreira tem ao seu dispor, como toda a gente, não só o texto dos regulamentes, remo a possibilidade de apreciar de visa execução dos mesmos, através das variadas actividades da organização; de se esclarecer, junto do Comissariado, quanto às dúvidas que o funcionamento dessas actividades lhe suscite e de, em suma, se informar pormenorizadamente acerca de tudo quanto respeite à doutrina, técnica e orgânica da Mocidade Portuguesa.
Concluído esse estudo, pode aquele Sr. Deputado sugerir as modificações que entenda por convenientes para melhoria da educação moral e cívica da juventude, pois dispõe para esse fim não só da tribuna parlamentar, como, por certo, da audiência das entidades responsáveis. Se assim o fizer, encontrará sempre por parte da Mocidade Portuguesa a compreensão, o respeito e a admiração a que têm jus todos aqueles que pela crítica construtiva ajudam a corrigir, nas grandes obras, as inevitáveis e humanas imperfeições.
A Mocidade Portuguesa continua a coutar com a elaboração de quantos seriamente se interessam pela solução dos problemas da educação da juventude.
A todos acolhe com amizade, mas a nenhum nem a ninguém reconhece o direito de criticar sem razão - e sem razões. E muito menos de criticar apenas para destruir.
IV
Breve resumo das principais actividades da Mocidade Portuguesa
A informação fornecida pela Mocidade Portuguesa ao Sr. Deputado Jacinto Ferreira, em satisfação do seu pedido de 12 de Janeiro de 1950, limitou-se - conforme o interessado pretendera - a relatar as actividades da organização (de ordem não desportiva) efectuadas nos últimos cinco anos.
Essa limitação deve ter contribuído para que o Sr. Deputado Jacinto Ferreira permanecesse na ignorância do real valor da obra que se propôs apreciar e sobre ela tivesse emitido tão injustas opiniões.
Parece, portanto, vantajoso completar o presente esclarecimento com um breve resumo das actividades mantidas pela Mocidade Portuguesa desde a sua fundação e uma não menos breve definição dos seus objectivos e métodos de trabalho.
Utiliza-se para o efeito parte dos mais recentes elementos fornecidos em relatórios ao Ministério da Educação Nacional; o critério seguido nesta resenha é idêntico aquele com que se satisfez o pedido de informação do Sr. Deputado Jacinto Ferreira: focam-se apenas os aspectos mais salientes da obra, sem preocupações de historiar a sua existência nem reclamar os seus méritos.
1) Actividades de formação geral
a) Centros de formação geral. - Os centros de formação geral, instituídos, na sua maioria, em todos os estabelecimentos de ensino, constituem as células-base
da organização. Neles se realizam, conjuntamente, as actividades de adestramento físico (jogos desportivos, marchas, formação campista, etc.), de formação cultural (canto coral, teatro, artes plásticas, visitas de estudo, bibliotecas, jornais) e de camaradagem (cantinas, auxílio a filiados necessitados, etc.), com uma equilibrada distribuição, que visa ao aproveitamento de todos os recursos educativos de ordem geral e à interessada ocupação de todos os filiados, sem, no entanto, procurar especializações, as quais competem aos centros respectivos.
Sendo assim, insiste-se em afirmar que a obra dos centros de formação geral não pode ser avaliada por números ou pelo relato de grandes realizações, mas apenas pela integração do trabalho formativo de cada centro no plano geral dos resultados conseguidos por toda a Organização. O aspecto mais evidente do trabalho dos centros - longe, porém, de ser o único - consiste na instrução de jogos educativos, formações e evoluções e transmissões, instrução esta que se completa pela prática do campismo, o qual tem recebido de ano para ano grande incremento. Os acampamentos que anualmente se efectuam em todo o País - e que, na maioria, traduzem o resultado de uma intensa obra de formação campista, e de modo algum simples passatempo - movimentam em média, no conjunto, cerca de 12 mil filiados.
O aeromodelismo é igualmente uma, das actividades realizadas em larga escala nos centros de formação geral. Outras modalidades susceptíveis de ocuparem o interesse dos rapazes, tais como a columbofilia, a filatelia, etc., são também praticadas em numerosos centros.
A população escolar primária que constitui o escalão dos lusitos (dos 7 aos 10 anos) frequenta, os centros escolares primários (um por cada estabelecimento de ensino oficial ou particular). A actividade desses centros consiste em ginástica infantil, canto coral e simples jogos educativos, além da formação moral.
Em 1951, era superior a - 300 mil o número de lusitos - número que entretanto aumentou proporcionalmente ao aumento da população escolar.
O Comissariado Nacional entende ser seu dever registar aqui a dedicada colaboração que neste sector a Mocidade Portuguesa tem recebido por parte do professorado primário.
Os filiados não estudantes frequentam centros extra-escolares, dos quais se falará mais pormenorizadamente no capítulo relativo à acção social da Mocidade Portuguesa.
A Formação de chefes. - A Mocidade Portuguesa formou, desde a sua fundação até à presente data, 5 958 graduados, 3 022 dos quais na escola central de Lisboa. A formação de graduados tem merecido o maior interesse do Comissariado, visto deles depender - pela sua qualidade de chefes directos dos filiados - o êxito da acção educativa da Organização.
Ora, os cursos para comandantes de castelo e comandantes de bandeira, cuja frequência e inteiramente voluntária, são orientados de forma a facultar aos rapazes o máximo desenvolvimento das suas aptidões morais, intelectuais e físicas o das suas virtualidade» - de chefia. As matérias do curso afio, em súmula, as seguintes: educação moral (ministrada por um sacerdote), formação nacionalista, ultramarina, corporativa a cultural, orientação de comando, doutrina e técnica da Mocidade Portuguesa, transmissões, formações e evoluções, saúde e higiene, topografia, cauto coral e campismo, ginástica, jogos o. iniciação desportiva.
Os cursos realizam-se no Verão, em redime de internato, para comandantes de custeio e de bandeira na escola central de Lisboa e apenas para comandantes
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de castelo nas escolas regionais do Porto, de Coimbra, do Algarve, da Madeira e dos Açores; na escola central efectuam-se também cursos de Inverno (de Dezembro a Abril), só para comandantes de castelo, em regime do fins de semana.
O ideário que orienta a formação dos graduados resume-se no seguinte:
O graduado da Mocidade Portuguesa forma-se com sacrifício e para sacrifício; sente a responsabilidade da sua missão educativa e procura estar sempre à altura dessa missão; compreende que a melhor forma de conduzir os filiados seus subordinados é impor-se-lhes pelo exemplo; é pontual, assíduo e apresenta-se impecàvelmente; é justo e ponderado na apreciação dos actos dos filiados seus subordinados; é dedicado a cumprir e equilibrado a mandar; tem espírito de iniciativa; é decidido e desembaraçado; é leal e sincero; não mente nunca; procura constantemente ampliar os seus conhecimentos, apurar as suas qualidades e, reconhecendo os seus defeitos, corrige-os; orgulha-se de pertencer à Organização e luta pelo seu engrandecimento.
Terminado o curso nas citadas escolas, os graduados prestam anualmente provas do aptidão. O número de graduados em serviço tem sido e continua a ser muito insuficiente para as exigências do enquadramento da massa de filiados. Considera-se no entanto preferível manter essa forçada insuficiência do que atribuir indevidamente a filiados mal formados responsabilidades de chefia.
2) Educação física e desportiva
a)Distribuição das actividades. - A obra de educação física da Mocidade Portuguesa reparte-se, desde 193, pelos seguintes sectores: ginástica, iniciação desportiva, desportos integrados um formação geral (voleibol, futebol, andebol, basquetebol e ténis de mesa), atletismo, em todas as suas modalidades, e desportes de especialização (tiro, natação, ténis, esgrima e hipismo), instrução náutica (vela, remo, canoagem, marinharia e naviomodelismo) e instrução aeronáutica (vela com motor e sem motor e airomodelismo).
b) Ginástica. - Desde a sua fundação que a Mocidade Portuguesa proclamou ser a ginástica base fundamental de toda a verdadeira educação física e consagrou ao seu desenvolvimento o máximo interesse, evidenciado logo em 1938, em grandiosa demonstração pública de 5 000 jovens ginastas. Durante os dez anos seguintes a Organização teve de enfrentar o problema da existência de dois métodos de ginástica diferentes: um, o de Ling, oficialmente reconhecido como preferível e o único praticado pela Mocidade Portuguesa; outro, o da ginástica respiratória, ainda então utilizado nos estabelecimentos de ensino secundário, por carência de revogação. Nessa conjuntura, a Mocidade Portuguesa procurou resolver o problema dentro dias possibilidades próprias, intensificando a prática da ginástica de Ling nos centros de formação geral e nas escolas de graduados, criando centros de instrução especial de ginástica e promovendo várias campanhas nacionais de educação física e insistente doutrinação pedagógica e técnica.
A partir de 1947 as reformas do ensino liceal e do ensino técnico reconheceram a superioridade do método de Ling e confiaram à Mocidade Portuguesa a orientação e fiscalização do ensino de ginástica em todos os estabelecimentos de ensino não universitários.
Não obstante o problema se encontrar em parte resolvido, a Organização mantém actualmente 4 centros especiais de ginástica, a qual continua a ser objecto de particular interesse nas escolas de graduados e nos centros de instrução de milícia. Nos campeonatos regionais de ginástica de 1951-1952 participaram mais de 2 000 filiados.
c) Desportos integrados na formação geral. - Mediante a integração nas actividade dos centros de formação geral da prática - devidamente ordenada e rigorosamente condicionada às exigências da medicina desportiva - do futebol, do basquetebol, do andebol e, sobretudo, do voleibol (modalidade cuja extensa divulgação no nosso país se deve, sobretudo, à Mocidade Portuguesa), contribuiu-se de forma decisiva para o desenvolvimento daqueles desportos. Tomando apenas como exemplo aquela última modalidade, bastará dizer-se que a média anual de participantes na fase regional da competição se eleva a 3 500.
Paralelamente aos desportos de ar livre é também praticado, em larga escala, em quase todos os centros o ténis de mesa (cerca de 2 000 participantes nos campeonatos regionais).
d) Desportos de especialização. - Existem presentemente na metrópole 7 centros especiais de atletismo, 16 de esgrima, 13 de hipismo, 13 de natação, 3 de ténis e 8 de tiro.
Reportando-nos ao ano de 1949-1950 (apuramentos definitivamente concluídos), verifica-se terem sido 329, com um total de 12 000 filiados, os centros que participaram em campeonatos regionais de todas as modalidades desportivas acima mencionadas. O número de participante» nas competições de preparação, realizadas nos próprios centros, não é facilmente calculável, elevando-se a dezenas de milhares.
e) Instrução náutica. - Dentre as cinco modalidades do instrução náutica (vela, com 21 centros de instrução; remo, com 12; canoagem e marinharia, com 1 centro cada, e naviomodelismo, com 3 centros), é a vela que merece maior referência, quer pelas suas virtualidades educativas, quer pelo grande desenvolvimento atingido. A instrução desta modalidade dispõe presentemente de 206 barcos e beneficia para mais de 900 filiados, contando-se por muitos milhares os rapazes que passaram nos últimos quinze anos pelos centros de vela da Mocidade Portuguesa.
Como índice do progresso alcançado neste capítulo pode apontar-se o facto de a Mocidade Portuguesa ter ganho todos os campeonatos nacionais de sharpies de 1947 a 1950 e o de 1952, os campeonatos nacionais de stars de 1941 e 1944 e os campeonatos nacionais de snipes de 1945 e 1946. Entretanto, foram as seguintes as regatas internacionais ganhas pela Mocidade Portuguesa em representação do nosso país: 1945, regatas de vela de Vigo, Espanha; 1946, Connaught-Cup, Inglaterra, e Chantaqua-Lake, Estados Unidos da América; 1947, Connaught-Cup, Inglaterra, e campeonato mundial de snipes, Genebra, Suíça; 1948, campeonato mundial de snipes, Palma de Mallorca, e 2.º lugar nos Jogos Olímpicos, Turquay, Inglaterra; 1949, Connaught-Cup, Inglaterra, e regatas de remo, Espanha (Vigo): 1950, regatas de remo, Vigo, Espanha; 1951, Spring-Rice, Inglaterra, Brancaster-Staith, Inglaterra, e 2.º lugar no campeonato mundial de snipes, Mónaco.
As actividades ide instrução de marinharia merecem também destacada referência pela realização dos seguintes cruzeiros a bordo de navios de guerra: 1941, aos Açores, 37 filiados; 1942, à Madeira, 40 filiados; 1943, a Marrocos, 37 filiados; 1944, à Madeira, 30 filiados; 1947, aos Açores e Madeira, 20 filiados; 1949, aos Açores, 21 filiados; 1950, a Madeira, 20 filiados, e 1951, aos Açores, 32 filiados.
f) Instrução aeronáutica. - A prática do aeromodelismo (1 centro especializado e cerca de 34 núcleos de instrução, em centros de formação geral e Casas da Mocidade) constitui segura base de formação de es-
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pírito aeronáutico nos filiados mais novos e encontra-se em franco progresso. Efectuaram-se até hoje três campeonatos nacionais da modalidade.
A instrução de voo com motor realiza-se anualmente numa escola de pilotagem. A escola dispõe de três aparelhos e nela se brevetaram, até à presente data, 60 pilotos. Em 1950-1951 e 1951-1952 realizaram-se cruzeiros aéreos com a duração aproximada de uma semana e escala pelos principais aeroportos do País; mantém-se regularmente, desde 1949, intercâmbio anual com a Civil Air Patrol, dos Estados Unidos da América do Norte.
O centro espacial de voo sem motor dispõe somente de um planador e concedeu, nos últimos quatro anos, 103 certificados a filiados seus instruendos.
A frequência dos centros de especializarão desportiva é condicionada apenas às aptidões e méritos dos filiados, seja qual for a sua proveniência, e não dispensa a frequência dos centros de formação geral. A prática de todas as actividades desportivas é orientada pelo 8.º preceito do bom filiado: «O bom filiado sabe vencer com generosidade e manter o bom humor na derrota».
3) Educação cultural
a) Publicações, torneios literários, teatro juvenil, educação estética e canto coral são os principais aspectos da actividade cultural da Mocidade Portuguesa. A Organização editou até agora mais de meia centena de livros, na sua maioria manuais relativos a diversas actividades educativas. Como publicações periódicas a Mocidade Portuguesa dispõe de um Boletim, iniciado em 1937 e frequentes vezes remodelado; de 1937 a 1947 manteve a publicação do Jornal da Mocidade, Portuguesa e de 1947 a 1951 um jornal infantil - O Camarada. Ambos estes jornais tiveram grande êxito, apenas deixando de publicar-se devido ao elevado encargo que representavam um relação às reduzidas disponibilidades financeiras da Organização. Em 1949 iniciou-se a publicação de uma revista formativa - Guião -, destinada principalmente a graduados.
Editadas pelo Centro Universitário de Lisboa, a Mocidade Portuguesa lançou em 1950 duas revistas especializadas: Estudos Corporativos e Estudos Ultramarinos.
Em numerosos centros escolares e extra-escolares os filiados elaboram regularmente os seus «jornais de parede», actividade cultural que se realiza também nos acampamentos com a designação de «jornal do árvore». Alguns centros editam pequenos jornais impressos.
A partir de 1948 os concursos literários foram reunidos numa só competição anual - a Chama, de Maio -, extensiva a todos os rapazes dos 14 aos 25 anos (filiados ou não na Mocidade Portuguesa) e dividida em secções de poesia, conto, ensaio e teatro; as produções concorrentes contam-se, no conjunto, por muitas centenas; alguns dos nomes hoje mais em justa evidência, na nova geração literária devem às actividades da Mocidade Portuguesa a sua revelação e afirmação;
b) A educação estética, iniciada em 1938, procura completar a actividade pedagógica respectiva, realizada nos diversos graus de ensino, e, principalmente, suscitar e aperfeiçoar juvenis vocações de artistas plásticos. Como consequência e testemunho da obra anualmente conseguida, e que inclui a colaboração da Mocidade Portuguesa Feminina, efectuam-se na Primavera salões provinciais de educação estética, os quais reúnem muitas centenas de trabalhos dos mais diversos géneros, tendo como autores filiados de todos os escalões, ou seja dos lusitos (7 a 10 anos) aos cadetes (maiores de 18). Pintura, desenho, escultura, cerâmica, ferros forjados o esboços arquitectónicos são as modalidades dominantes nestes salões de educação estética. Os melhores trabalhos seleccionados nos salões provinciais são depois apresentados nos salões nacionais.
Realizaram-se, desde 1938, 13 salões nacionais de educação estética e 58 provinciais; neles se distinguiram, recebendo a insignia de aptidão estética, mais de 1 200 filiados; além dos referidos salões, o Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa promoveu 12 exposições de artes plásticas, tanto individuais como de grupos de filiados;
c) 22 peças de teatro juvenil, 14 das quais da autoria de filiados ou antigos filiados, constituem actualmente o repertório do teatro da Mocidade. Iniciadas em 1942 com teatro do acampamento, as actividades deste campo cultural receberam grande impulso a partir de 1948; desde então foram realizados cerca de 50 espectáculos, com unânime aplauso da crítica e do público, não só em Lisboa como na província, no ultramar (Angola, Setembro do 1951) e no estrangeiro (Espanha, Setembro de 1950).
Em considerável número de centros escolares formaram-se nos últimos dois anos pequenos grupos de teatro, que foram como modelo a obra de teatro da Mocidade do Comissariado Nacional:
d) Como acima se raferiu, compete à Mocidade Portuguesa a orientação do ensino de canto coral em todos os estabelecimentos escolares (os de ensino secundário desde 1947 e os de ensino técnico desde 1948), mas já antes daquela data a Organização mantinha grupos corais em numerosos centros. As normas com que a Mocidade Portuguesa orienta o ensino de canto coral caracterizam-se por uma feição eminentemente prática, limitando a aprendizagem teórica ao estritamente indispensável. A par dos grupos corais, com repertório escolhido e reunindo os jovens que demonstram melhor aptidão vocal, é largamente praticado o canto colectivo, em que participam todos os alunos dos estabelecimentos de ensino, sendo o repertório canções e marchas do ancioneiro da Mocidade Portuguesa.
e) A radiodifusão, como instrumento cultural e informativo, começou a ser utilizada pela Mocidade Portuguesa em 1941. O actual programa semanal Rádio Mocidade, transmitido pela Emissora Nacional, data de 1946. A partir de Abril de 1950, e graças à colaboração da Emissora Nacional, passou a funcionar diariamente o posto Rádio Universidade, cujos serviços foram entregues ao Centro Universitário de Lisboa, merecendo destaque o facto de tanto a programação como a parte técnica estarem a cargo de filiados ou dirigentes, cujo trabalho é inteiramente gratuito.
f) Como fecho desta resenha da actividade cultural da Organização pode mencionar-se ainda a execução, já em curso, de um plano de organização de bibliotecas para todos os centros de formação geral.
4) Instrução pró-militar
A formação pré-militar da Mocidade Portuguesa, iniciada em 1937, realiza-se através dos centros de instrução de milícia, destinados aos filiados do escalão de cadetes pertencentes a centros de formação geral, escolares ou extra-escolares, ou aos centros universitários.
Os filiados da milícia participam nas actividades de formação cultural ou espiritual comuns a toda a Organização. A instrução pré-militar que lhes é ministrada consiste principalmente em orgânica, táctica, serviço de campanha, tiro, topografia, educação física e educação cívica e militar.
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5) Acção universitária
Os três centros universitários existentes - Lisboa, Porto e Coimbra - foram criados, respectivamente, em Novembro e, Dezembro de 1940 e Novembro de 1941; a frequência é inteiramente voluntária.
A dupla finalidade destes centros consiste em evitar que se interrompa a acção formativa recebida pelos rapazes durante a passagem pelos centros escolares da Organização e, ao mesmo tempo, em assegurar o renascimento e a actualização do sentido corporativo universitário.
A semelhança dos centros de formação geral, os centros universitários distribuem a sua actividade pelos sectores desportivo, social e cultural.
A prática da ginástica e de diversas modalidades desportivas, com a realização, no plano universitário, dos respectivos campeonatos (futebol, andebol, voleibol, basquetebol, hóquei em campo, hóquei em patins, râguebi, ténis, ténis de mesa, tiro, esgrima, hipismo, natação, remo, vela. ginástica, atletismo e xadrez); a assistência médico-social; a concessão de bolsas de estudo; a manutenção) de cantinas e de residências universitárias (uma residência em Lisboa, uma no Porto e duas em Coimbra); o funcionamento das Procuradorias Universitárias, com o fim de facilitar aos universitários todo o expediente burocrático relacionado com a frequência dos estabelecimentos de ensino superior; a instituição de bibliotecas e de centros de estudo especializado, a realização de concertos, palestras o numerosas visitas de estudo e de intercâmbio - são obras comuns aos três referidos centros.
No capítulo desportivo, grandemente dificultado por carência de instalações e pela sobrevivência de ideias anacrónicas e erradas quanto à importância da educação física, merece especial referência, o Centro do Porto, que movimenta, anualmente, a média de duzentos praticantes das várias modalidades acima mencionadas e que vai dispor, em breve, de um estádio próprio, construído mercê da participação do Ministério das Obras Públicas; no Centro de Coimbra destaca-se o impulso dado à iniciativa das residências universitárias; por seu turno, o Centro de Lisboa assinala no primeiro plano das suas realizações a existência, desde 1950, do «gabinete de estudos corporativos» e do «gabinete de estudos ultramarinos», dois núcleos de valiosa especialização.
O Centro Universitário de Lisboa mantém, igualmente, desde há quatro anos, um agrupamento coral, representativo de todos os estabelecimentos de ensino superior da capital - o Coro Universitário de Lisboa -, que tem dado algumas dezenas de audições, a maior parte das quais em Lisboa e algumas na província e no estrangeiro (Espanha).
A acção universitária despendida pela Mocidade Portuguesa deve considerar-se insuficiente em relação à importância dos fins a atingir com a criação dos centros universitários; sujeita, porém, como o tem sido, à exiguidade orçamental comum a toda a organização e havendo partido, praticamente, do zero, em ambiente por via de regra pouco compreensivo, tem de reconhecer-se a obra realizada como prova de espírito de sacrifício e persistente dedicação a acrescentar a tantas outras.
6) Acção social e serviços de saúde
A) ACÇÃO SOCIAL. - A acção social da Mocidade Portuguesa realiza-se através de variados serviços, e é assinalada por dupla finalidade: melhorar as condições de vida da juventude portuguesa, designadamente no aspecto sanitário e de valorização profissional, e, sobretudo, criar nos filiados um profundo sentimento de solidariedade; por esta razão se denomina «camaradagem» toda a acção social da Mocidade Portuguesa.
Os principais aspectos em que se efectua a acção social são:
a) Centro extra-escolares. - Centros de formação geral, frequentados na sua maioria por rapazes não estudantes, filhos de famílias pobres, o que implica, para além das actividades formativas de ordem geral, um considerável esforço de auxílio material, efectuado sempre sem prejuízo da, dignidade humana dos filiados e, portanto, sem os fatais riscos de uma obra puramente assistencial.
b) Cantinas.- Com o intuito de procurar resolver graves problemas de alimentação da população escolar, de reduzidas possibilidades económicas - e da não escolar -, a organização mantém presentemente 49 cantinas, sendo 17 em liceus, 22 nas escolas técnicas e 10 em extra-escolares. A média mensal de refeições, ao preço de 4$, e de 40 450. Encontram-se em montagem 7 cantinas.
c) Centros médico-sociais. - Os 4 centros médico-sociais existentes (Lisboa, Coimbra, Porto e Faro) têm por missão assistir clínica e socialmente a todos os filiados necessitados; as consultas clínicas completam-se com a prestação dos necessários tratamentos, com o estudo das condições de vida do agregado familiar do interessado e, dentro do possível, das medidas que possam resolver cada caso da melhor forma. A acção dos centros médico-sociais é, por isso, essencialmente distributiva dos filiados necessitados de auxílio pelos sectores oficiais ou particulares habilitados, a prestarem esse mesmo auxílio. Além da sua acção directa, no campo clínico, de que beneficiaram já cerca de 20 mil rapazes, estes centros estão a proceder a um valioso estudo dos principais problemas sociais que interessam a juventude.
d) Casas da Mocidade. - A existência em cada centro de um fundo de camaradagem (concessão de bolsas de estudo, oferta de livros, etc.) e o funcionamento na sede de 40 alas das Casas da Mocidade - núcleos de convívio dos filiados e local de grande inúmero de realizações culturais e desportivas - são mais dois factores de primordial importância na acção social da Mocidade Portuguesa. Nunca será demais (encarecer a importância educativa das Casas da Mocidade; autênticos clubes de juventude, elas têm sido a mais perfeita demonstração do equilíbrio que deve caracterizar a formação integral do jovem, permitindo-lhe afirmar, em plena liberdade, o seu espírito de iniciativa e a sua camaradagem.
e) Outras actividades. - Dentro do mesmo plano de camaradagem integram-se os concursos de trabalho (regionais, provinciais, nacionais e consequente participação nos internacionais), destinados a jovens aprendizes, e os cursos de sociologia agrária, ainda em regime experimental, que visam estabelecer contacto entre os rapazes do campo e os da cidade, iniciando estes últimos no labor rural.
B) SERVIÇOS DE SAÚDE. - Os serviços de saúde da Mocidade Portuguesa não se limitam nos prestados pelos centros médico-sociais. Garantir assistência clínica «os centros de formação geral, divulgando o ensino da higiene e da prestação de socorros de urgência; apreciar as fichas médicas dos participantes em competições desportivas de juniores promovidas pelos clubes e observar, seleccionar e orientar, através dos centros de medicina desportiva, as milhares de filiados interessados na iniciação e na prática de qualquer desporto - eis no que se resume a acção daqueles serviços, sector a que foi dada, desde o início da organização, a maior importância.
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De 1939 até à presente data, eleva-se a 19 000 o número dos jovens inspeccionados só no Centro de Medicina Desportiva de Lisboa. A actuação destes centros tem assegurado à prática dos desportos dentro da Mocidade Portuguesa a certeza de não correr o risco de se tornar contraproducente sob o ponto de vista sanitário.
Graças aos centros médico-sociais, a organização pode ufanar-se de haver contribuído, de forma decisiva, pura, a boa solução em Portugal de um dos mais cruciantes problemas do desporto - o das suas relações com a Medicina.
7) Formação moral e nacionalista
Toda a obra da Mocidade Portuguesa visa naturalmente a formação moral dos filiados. Se, porém, nos quisermos referir apenas aos aspectos patriótico e religioso, verificaremos que - embora prejudicada pelo meio ambiente, pela devastação espiritual originada na guerra, e extensiva a quase todos, senão todos, os povos, e ainda pela nossa tradicional brandura de costumes - a Mocidade Portuguesa tem exercido benéfica influência na formação do carácter das novas gerações e tornado possível a criação de um escol; a forma como reagiram, na quase totalidade, durante as campanhas eleitorais posteriores a 1945, os actuais ou antigos graduados e a alta percentagem dos filiados «vanguardistas» e «cadetes» comprova a veracidade daquele asserto.
A formação patriótica da Mocidade Portuguesa exclui por completo a tendência para uma formação partidária, e por isso mesmo não dispensa formação política. A unidade nacional e imperial do povo português, o respeito devido à tradição e à memória dos heróis nacionais e a valorização de tudo quanto no presente possa servir para o futuro engrandecimento português são, em resumo, o travejamento da formação política na Mocidade Portuguesa.
Resultam dessa directriz tanto as habituais comemorações dos grandes feitos históricos como a criação de actividades de ordem prática. Estão neste último caso os centros de estudo e formação imperial, já instituídos em Lisboa, Porto, Guarda, Castelo Branco, Portalegre, Torres Vedras e Seixal, com a colaboração do Ministério do Ultramar (Agência-Geral), colaboração essa que permitiu iniciar-se no Verão de 1950 um ciclo de missões de estudo da Mocidade Portuguesa no ultramar, empreendimento cuja importância é desnecessário encarecer.
No capítulo puramente religioso anota-se que a Mocidade Portuguesa dispõe de um vasto quadro de assistentes religiosos nas delegações, subdelegações e centros escolares e extra-escolares. A filiação na Mocidade Portuguesa, naturalmente extensiva a rapazes que não professem a religião católica (protestantes ou de religiões não cristãs), é incompatível com o ateísmo.
Na metrópole a percentagem dos filiados católicos toca muito de perto os 100 por cento. Os raros filiados não católicos são, como é óbvio, dispensados de todos os actos de culto promovidos pela Mocidade Portuguesa ou nos quais a Mocidade Portuguesa participa.
As actividades da Mocidade Portuguesa condicionam-se, como já se disse, ao princípio de que não poderão de modo algum prejudicar os deveres religiosos, isto na execução de directivas estabelecidas desde o início da Organização.
8) Doutrina e técnica
Mantêm-se em plena actualidade as conclusões do I Congresso Nacional da Mocidade Portuguesa, que a seguir se transcrevem, como síntese dos objectivos, doutrina e técnica da Organização. A luz dos princípios que essas conclusões proclamam e da definição daquilo a que «Mocidade Portuguesa não é» - página do livro A Missão dos Dirigentes, que igualmente se translada para fecho do presente esclarecimento -, será por certo mais fácil compreender o que na realidade significa para o nosso país a existência de Organização Nacional Mocidade Portuguesa. E, tendo-o compreendido, ninguém de boa vontade deixará de lhe prestar a colaboração exigida pelo superior interesse da Nação Portuguesa.
O que a Mocidade Portuguesa não é...
A Mocidade Portuguesa não é secção de um partido político. Organização nacional, vive da Nação, pela Nação e para a Nação. Defende tudo o que fortaleça e estimule a consciência colectiva dos Portugueses e esclareça os seus destinos; guerreia tudo o que possa enfraquecer a nossa unidade, a nossa vontade, a nossa virilidade de povo imperial. Exprime assim a orientação definida pelo Estado Novo de lia anos a esta parte? Não haverá nenhum português digno desse nome que possa condenar por isso n Mocidade. Nenhum pai por esse facto afastará de nós os seus filhos: seria colocar-se a si próprio fora do grémio nacional.
A Mocidade Portuguesa não é uma obra de acção católica. A maioria dos seus filiados é católica, não podemos ignorá-lo. A formação moral que procura fazer é inspirada nos princípios cristãos, porque tal é o sentido da nossa civilização e da nossa cultura e o imperativo da nossa consciência e das nossas leis. Mas a Mocidade Portuguesa não pertence à Igreja: é uma organização do Estado. Nem lhe compete substituir-se à hierarquia docente da Igreja, nem pode integrar-se nela.
Esferas distintas, domínios separados, em perfeito entendimento sim, mas sem confusões.
A Mocidade Portuguesa não é uma organização militar. Embora vá recrutar grande parte dos seus dirigentes no Exército, na Armada e na Legião Portuguesa e possua uma. milícia, não se confunde com qualquer sociedade de instrução militar preparatória.
O seu objectivo não é antecipar a instrução de recrutas, formar pequenos soldados, militarizar o País: limita-se a ir buscar às instituições militares quanto elas tenham de sólidos elementos educativos - aquelas virtudes de sacrifício, de abnegação, de decisão, de disciplina e de aprumo sem as quais não pode compor-se um tipo de homem verdadeiramente viril. As forças armadas do País têm colaborado, cheias de admirável fervor, com a Mocidade Portuguesa, mas fazem-no conscientes de contribuir para o desenvolvimento da maior organização educativa até hoje levada a cabo em Portugal.
A Mocidade Portuguesa não é uma sociedade desportiva ou de educação física. A ginástica e os desportos são para nós um meio, e importantíssimo, por sinal, mas não são o nosso fim. Não existimos para ensinar ginástica, para fomentar a prática dos desportos. Desejamos veementemente melhorar o nível físico da juventude portuguesa, mas não ficamos por aí. Reduzir a actividade da Mocidade a aulas de ginástica e a treinos desportivos é trair o seu espírito.
A Mocidade Portuguesa não é uma disciplina escolar, um tempo nos horários, nova matéria nos programas de ensino. É que a Mocidade não é coisa que se ensine: traduz-se em viva actividade de formação, a decorrer de mãos dadas com a escola, mas à margem da escola. Não queremos estrado, nem professor, nem caderneta, nem ar doutoral. Mas o quente ambiente da colaboração entre o irrequie-
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tismo da espontaneidade juvenil e o entusiasmo experiente e seguro dos dirigentes. O mesmo plano de interesses, os mesmos objectivos, o mesmo espírito, o mesmo calor - nestas horas fora da aula em que é permitido gritar a fé, a esperança e o amor a Portugal e à vida.
(In A Missão dos Dirigentes, 3.ª ed., Lisboa, 1952).
Conclusões do I Congresso Nacional da Mocidade Portuguesa
Educação física da juventude
A educação física da juventude deve acomodar-se às possibilidades dos educandos, avaliadas pelo exame médico, prévio e periódico, e pelo inquérito social e familiar. Considerando-a nos princípios gerais da educação, destina-se a valorizar física e psicologicamente a juventude, com o consequente proveito para o fortalecimento da Nação.
A ginástica nas organizações da juventude deve ser de formação - com fundas raízes no método consagrado de Ling -, ministrado o seu ensino colectivamente de acção disciplinante, de feição intuitiva, progressiva e atraente, exigindo actividade harmónica e alternada, e praticada por classes pouco numerosas e tão homogéneas quanto possível.
Os jogos, os exercícios de iniciação desportiva e os desportos nas organizações da juventude - tidos como elementos preciosos de educação - devem ser assistidos, orientados e limitados às capacidades somáticas dos educandos, em função da idade e do desenvolvimento físico e psíquico e tendo em conta modalidades regionais.
A prática dos desportos não deve dispensar a prática normal do exercício ginástico.
A actividade de cada educando deve exercer-se num grupo de desportos compensadores entre si, segundo as aptidões próprias, julgadas pelo exame médico-pedagógico.
O campismo, entendido na mais larga acepção da vida, ao ar livre - marchas, exercícios, repousos, pernoitas -, tem poderosa acção salutar, educativa e instrutiva na formação da juventude. Por meio dele afervora-se o amor à terra-mãe no conhecimento vivido da etnografia, da história, das riquezas agrícolas, industriais, florestais e oroidrográficas. Pelas condições de resistência
Física e moral que cria, pelo desembaraço e iniciativa a que obriga para resolução de situações inesperadas, o campismo é meio seguro de aplicação natural das práticas da educação física - de que é, portanto, elemento de alto valor. Compete, pois, às organizações da juventude promover a sua larga prática, dispensando à criação de «pousadas da juventude» um decidido interesse.
Educação moral da juventude
A Mocidade Portuguesa deve propor-se, como um dos seus objectivos fundamentais, a formação moral da juventude, a qual deve ser encargo de todos os dirigentes, ainda que, em especial, orientada por instrutores especializados.
Toda a educação mora? deve ser guiada pela ideia de que o homem foi criado para alcançar certos fins, uns naturais e outros sobrenaturais, e de que as acções hão-de ser julgadas de harmonia com a aptidão maior ou menor que possuam para conduzir a esses fins.
A educação moral ministrada pela Mocidade Portuguesa deve visar:
a) Dar ao rapaz consciência dos seus deveres para com Deus, para com a sociedade, para com os outros, e para consigo próprio;
b) Procurar criar em cada filiado uma coordenação espontânea entre a acção na vida e os deveres morais cuja consciência se lhe forma;
c) Adestrar a vontade para vencer os obstáculos que encontre no desempenho dos seus deveres morais e para perseverar nele através de tudo.
O ensino da, moral deve ser activo e eminentemente indutivo, oportuno, adaptado e orgânico; convém que a doutrina seja vivida pelos rapazes, depreendida por eles da crítica da própria conduta e dos factos que se passem à sua volta, feita de acordo com os princípios da doutrina adoptada e tendo em vista a transformação cristã do seu meio ambiente.
A educação moral deve ser individualizada consoante o temperamento e as tendências de cada filiado, e obra de todos os momentos, sem se reduzir ao mero ensino.
O primeiro instrumento de educação moral é o exemplo do dirigente: a autoridade educativa conquista-se pela prática de todos os deveres e virtudes que se preconiza m e pelo constante desinteresse e espírito de sacrifício.
A obediência é escola de disciplina e colaboração. Mas não deve ser imposta sem utilidade e cumpre ao dirigente firmar o gosto de obedecer, incutindo nos seus dirigidos a confiança nas suas ordens e procurando obter deles a compreensão racional ou intuitiva das vantagens das ordens dadas.
A obediência não deve impedir nos rapazes a manifestação da sua personalidade; convém evitar os perigos de uma obediência passiva, sistemática e imotivada, que possa suscitar no espírito de quem obedece um recalcado sentimento de revolta.
O espírito de iniciativa deve ser estimulado para permitir ao rapaz habituar-se a resolver os seus problemas com «s próprios recursos, tornando-se assim apto para na vida seguir o caminho do dever em qualquer emergência e situação.
Para desenvolver o espírito de iniciativa convém que os dirigentes favoreçam e permitam a acção autónoma dos filiados ou de pequenos grupos e acolham as suas propostas quando exequíveis, permitindo experiências orientadas pelos proponentes, ainda que discretamente vigiadas.
Os dirigentes não devem ter a preocupação de tudo comandar e autorizar: em cada escalão de hierarquia deve haver suficiente liberdade de agir, para os chefes subalternos adquirirem o sentimento da responsabilidade e se formarem na experiência da acção.
A prudência do dirigente pertence estimular anais o espírito de iniciativa nos tímidos e escrupulosos e discipliná-lo e regrá-lo nos indivíduos dotados de excessiva personalidade, quando se apresente, relativamente ao grupo, com tendência subtractiva!
A juventude na vida nacional
A participação da juventude na vida nacional compreende a sua preparação educativa nas modalidades seguintes:
a) Formação pré-militar;
b) Actividade cívica;
c) Serviço social.
A educação pré-militar, destinada à preparação para a defesa nacional, é estabelecida pela lei do recrutamento militar, englobando na parte aplicável aos três primeiros escalões da Mocidade Portuguesa a exercitação física e a educação patriótica. Estas têm por fim facilitar e dar maior eficiência à instrução pré-militar especial da milícia e à, instrução militar propriamente dita, a receber na idade própria nas fileiras do Exército e da Armada,
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O Congresso da Mocidade Portuguesa entende que a educação espiritual e física dos rapazes portugueses contribui para a preparação dos futuros soldados de Portugal.
A educação pré-militar é fundamentalmente um problema pedagógico formativo, pelo que deve ser feita por processos diferentes dos da instrução militar preparatória e dos da instrução militar, e deve ser orientada pelas directrizes enunciadas na 2.ª conclusão quanto à sua aplicação física.
A educação pré-militar a ministrar nos três primeiros escalões da Mocidade Portuguesa realiza-se por:
a] Exercícios físicos adaptados dos naturalmente executados por espontaneidade e depois racionalizados e sistematizados por forma a corresponderem às necessidades de preparação para a vida militar e a respeitarem as capacidades actuais do filiado no sentido de o aperfeiçoar harmònicamente dentro do possível e de atingir os restantes objectivos considerados úteis;
b) Relatos históricos adaptados e comentados a partir da época contemporânea e com especial relevo da epopeia militar colonial.
No último destes escalões deveriam ser dadas muito gerais da orgânica militar do País e exaltado o papel social do Exército.
A instrução ministrada u milícia deve, ser considerada uma instrução especial dentro da Mocidade Portuguesa e a sua finalidade militar está amplamente justificada pelo período histórico que vivemos. Esta instrução deve realizar-se respeitando quanto possível a actividade fundamental dos instruendos e as suas necessidades espirituais.
A preparação da juventude para a actividade cívica afirma-se formando o carácter dos filiados pelo fortalecimento da sua dedicação à Pátria, fazendo-os cidadãos prestantes e leais colaboradores do Estado e incutindo nos rapazes a consciência imperial aliada ao orgulho de contribuírem com a sua actividade profissional para o engrandecimento da Nação como virtudes cívicas de todo o português.
Deverá ser combatido o excessivo individualismo português, por ser um dos principais inimigos da ordem cívica e social, fomentando o conceito, a convicção e o sentimento de que o homem vale pela sua dignidade de pessoa dentro da colectividade.
A preparação da juventude para o serviço social deve compreender a formação dos rapazes no espírito de solidariedade para toda a vida, facilitando a compreensão entre todos, as mútuas relações e a sua adaptação ao respectivo meio social.
Deverá incutir-se no filiado a mentalidade social no conhecimento dos seus deveres e direitos, dotando-o com o espírito de zelo e de justiça no quadro da legislação social, integrando-o assim no espírito da organização corporativa do trabalho.
É desejável que em cada centro se organizem núcleos fraternais de ajuda mútua, com o fim de formar fundos de viagens de férias e de fomentar a assistência recíproca, a protecção na doença e nos infortúnios sociais o a preparação de divertimento. A esses núcleos deverão ficar ligados os antigos filiados, mesmo depois de saírem das fileiras da Mocidade Portuguesa ao atingirem a idade limite, de modo que entre eles permaneçam sólidos laços de camaradagem.
Deve procurar-se garantir a assistência médica aos filiados pobres, em especial na forma preventiva e por modo eficiente e regular.
Convém pôr em contacto mais directo os filiados dos centros escolares e os dos centros extra-escolares. Os primeiros serão escolhidos conforme as suas aptidões e formação moral, sobretudo de entre os cadetes e graduados, para auxiliar os segundos, de modo que adquiram o melhor conhecimento da mentalidade e condições de vida destes, como base para eficientemente procurarem contribuir para a sua melhoria.
E da maior necessidade a existência de instalações próprias para os centros extra-escolares, onde se possa formar o lar social dos filiados. É desejável que nos centros extra-escolares se instale com possível brevidade um núcleo próprio de serviço social, dirigido ao meio familiar dos filiados e relacionado com as instituições de assistência pública ou particular existentes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA