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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 218
ANO DE 1953 18 DE MARÇO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 218 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 17 DE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
Nota. - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.º 215, com o parecer da Comissão das Contas Públicas acerca das contas de Junta de Crédito Público referentes ao ano de 1951.
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 217.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente comunicou que recebera da Câmara Corporativa o parecer sobre o Protocolo adicional do Pacto do Atlântico do Norte.
O Sr. Deputado Melo e Castro requereu informação sobre a construção de barcos portugueses na Holanda.
O Sr. deputado Alberto Cruz referiu-se às obras feitas num edifício em Braga e À falta de bacalhau estrangeiro no mercado.
O Sr. Deputado Jacinto Ferreira examinou o comunicado da Mocidade Portuguesa acerca da sua intervenção sobre essa organismo.
Ordem do dia. - Continuou o debate sobre a proposta de lei que fixa as bases da reorganização da educação física nacional.
Usaram as palavras os srs. Deputados Miguel Bastos, Délio Santos, Ricardo Durão, Santos Bessa e Galiano Tavares.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 5 minutos.
Texto da Comissão de Legislação e Redacção. - Lei da organização geral, recrutamento e serviço militar das forças terrestres ultramarinas.
CÂMARA CORPORATIVA. - Parecer n.º 12/V, acerca do Protocolo adicional ao Tratado do Atlântico do Norte.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 45 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
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Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas
Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal. João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 69 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 217.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado pede a palavra sobre este número do Diário, considero-o aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente Telegramas
Numerosos a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Pimenta. Prezado acerca do aumento de efectivos da Guarda Nacional Republicana para policiamento rural.
Da União Nacional e da Misericórdia de Vendas Novas a aplaudir as palavras proferidas pelo Sr. Deputado Bartolomeu Gromicho acerca da electrificação daquela vila.
Do Clube Naval de Lisboa a apoiar as considerações do Sr. Deputado Moura Relvas ao discutir a proposta de lei que reorganiza a educação física nacional.
Exposição
Do Sindicato Nacional dos Professores acerca da proposta de lei em discussão que reorganiza a educação física nacional.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa o parecer da Câmara Corporativa relativo ao Protocolo adicional do Tratado do Atlântico Norte sobre as garantias dadas pelos Estados partes no referido Tratado aos Estados membros da Comunidade Europeia de Defesa.
Vai baixar à Comissão dos Negócios Estrangeiros, cuja rápida atenção chamo para o referido parecer, visto a urgência da sua discussão.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Melo e Castro.
O Sr. Melo e Castro: - Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Constando que importantes interesses portugueses foram e continuam a ser prejudicados por entidades holandesas no domínio da construção naval: roqueiro que o Governo informe a Assembleia, com urgência, acerca do que sabe com relação ao assunto e quais as providências que tenciona tomar».
O Sr. Alberto Cruz: - Sr. Presidente: como vivo no meio dos homens, e não no meio dos anjos, sou por vezes obrigado pelas circunstâncias a abordar assuntos que preferia fingir desconhecer, por comodidade e repouso do espírito e ainda para conservar a saúde, deixando o fígado em paz para exercer as suas múltiplas funções fisiológicas na harmónica e complicada economia animal.
A opinião pública nem sempre comenta com razão, por mal esclarecida ou mal orientada, mas às vezes os seus murmúrios assentam em bases tais que obrigam os responsáveis da causa pública a ouvi-los, a fim de remediar os erros que denunciam.
Escuso de afirmar, mais uma vez, que as intervenções que faço nesta Assembleia só têm por objectivo prestigiar a Situação, que desinteressadamente sirvo desde a primeira hora ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... arrebatando aos seus adversários todas as armas de que possam servir-se para ataques às instituições ou organismos tutelados pelo Estado.
O caso que me obriga hoje a chamar a atenção de V. Ex.ª, Sr. Presidente, embora pareça à primeira vista de projecção localizada a minha terra, merece reparo aqui, tal o eco dos clamores lá levantados em todos os sectores, não podendo por isso ser acoimados de derrotistas ou demolidores nem de deturpadores dos factos ocorridos.
Tem fundamento esses tristes comentários.
Há muitos anos já foi adquirido em Braga o edifício da sede do «falecido» Banco do Minho, para instalação conveniente da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência.
Em 1940 iniciaram-se grandes obras de adaptação, que, se não estou em erro, terminaram dois anos depois, em 1942.
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Segundo averiguei, para essas obras e outras similares foi constituída ou nomeada uma comissão de técnicos, e pelo visto com grande autonomia. Pois, quando se julgava que a instituição ia abrir as suas portas ao serviço público no local bem centralizado em que se encontra, foi resolvida nova e grande remodelação interna, que obrigou a novas demoras e consequentemente a grandes despesas. E assim continuou o edifício em obras, sem outra utilidade que não fosse o auxílio no combate ao desemprego dos operários das quatro artes durante mais alguns anos.
Em 1948 foi pela comissão determinada nova reforma, mas esta de grande vulto, alterando e demolindo tudo o que estava feito e até modificando profundamente a fachada, que, para ser justo, em minha opinião, ficou com mais beleza e com maior harmonia arquitectónica. Terminaram há pouco essas obras, já em 1903, e aguardava-se para breve a inauguração das novas instalações, já anunciada para data festiva no ano transacto.
Pois, Sr. Presidente, há doze ou quinze dias a cidade foi surpreendida com novo tapamento de madeira na frente do edifício, e, por informações colhidas dos operários no local das obras, soube que ia, pela quarta vez, ser remodelado o edifício, interna e externamente, mas desta vez com profunda alteração.
Se não se tratasse de uma instituição do serviço público, ninguém tinha restrições a fazer à forma de gastar o seu dinheiro, mas assim ouso chamar a atenção das entidades responsáveis, para que a tal comissão não prossiga na sua actuação, fazendo e desfazendo, sem que alguém ponha cobro a tal e dando por isso ensejo às mais indesejáveis murmurações.
Estudos, plantas, cálculos, e te, podem sair errados uma ou duas vezes, mas tantas parece demasiado.
Sr. Presidente: tenho trazido à consideração de V. Ex.ª alguns casos, felizmente bem resolvidos e aqui também por mim penhoradamente agradecidos.
Como faço parte de uma câmara política, e não da câmara técnica ou corporativa, devo trazer aqui, para serem resolvidos, os assuntos cujas repercussões públicas possam afectar a marcha da nossa política, superiormente sempre orientada no sentido do bem comum, e só por isso é que de longe a longe faço uso dos direitos que a minha função de Deputado faculta e impõe. E, Sr. Presidente, ainda dentro dessa orientação, desejava e pedia que determinados organismos lessem com cuidado o que o Diário das Sessões transcreve com rés, peito aos sectores em que desenvolvem a sua actividade.
Em tempos requeri alguns esclarecimentos sobre um apreciado peixe, oriundo e pescado nas terras frias e geladas do Norte, especialmente do curado pelo processo inglês, assim conhecido no Norte, onde vivo, e creio que por todo o País.
Os jornais, sempre pressurosos no seu noticiário, tem anunciado, por vezes, a sua chegada a Portugal, mas ninguém sabe onde ele se hospeda, e parece continuar a preferir as hospedarias e restaurantes da especialidade às modestas mercearias das cidades e das aldeias, onde o público se comprazia em admirá-lo e adquiri-lo. Ouso pedir mais uma vez que esse apreciado peixe, da família dos gadideos, apareça à venda, embora com as alcavalas inerentes à sua alta qualidade e prestígio, para ser adquirido por quem possa ou o deseje.
Já é tempo de matarem saudades tantos que por tão pouco anseiam.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Jacinto Ferreira: - Sr. Presidente: a respeito das considerações por mim feitas nesta Casa sobre a educação moral e cívica da juventude portuguesa vem publicado no n.º 264 do Diário das Sessões um comunicado, ao qual desejo fazer um ligeiro comentário.
Diz-se nele que se aguardou durante dois meses uma rectificação espontânea da minha parte e baseou-se essa expectativa num «movimento de protesto de elevado número de antigos e actuais dirigentes e filiados da Mocidade Portuguesa».
Isto equivale a dizer-se que este documento estava preparado há muito tempo, o que não pode deixar de ser motivo de profundo regozijo ao compararmos os dezoito meses necessários à elaboração do pequeno relatório em que baseei a minha intervenção com os talvez dezoito dias em que foi elaborado este extenso documento. Sem dúvida, pelo menos neste aspecto, os serviços da Mocidade Portuguesa têm melhorado muito. Ainda bem.
Ora, Sr. Presidente, eu afirmo - e faço-o solenemente - que não recebi mais de oito ou dez cartas das tais de protesto. E se eu fosse reproduzir aqui o que diziam duas ou três delas, isso não seria agradável para a fase actual desta organização, principalmente por se tratar de opiniões de antigos dirigentes.
Recebi, sim, um número bastante maior a louvar e a aplaudir, quer de leigos, quer de sacerdotes.
Mas que tivesse recebido mil, em vez de dez! Seria isso o que viria provar a falta de veracidade e de justeza das minhas considerações ? Bastaria o comunicado, se ele fosse convincente, e ficaria o Comissariado dispensado de pagar tributo público à superstição democrática do número.
Talvez por deformação profissional, permite-se o comunicado tirar conclusões sobre o carácter construtivo da minha intervenção o interpretar as minhas atitudes em matéria política, denunciando-me à polícia, ao episcopado, ao Governo, etc. Parece-me falta de educação cívica um organismo administrativo permitir-se criticar ou classificar as atitudes de membros de órgãos a quem tem de prestar contas, quando essas atitudes são assumidas no exercício das suas funções. Mas desde já digo que isso não me molesta, embora possa molestar a Assembleia, que sempre se tem mostrado ciosa dos seus direitos.
Respondo apenas que me prezo de ser educador; para educando da Mocidade Portuguesa já passei da idade e ... da qualidade.
Mas, porque não seria airoso para mim nem para a Assembleia deixar ficar a impressão de ter abusado da sua credulidade, desejo dizer o seguinte:
1.º As minhas afirmações basearam-se em factos do meu conhecimento. E contra factos não valem transcrições do circulares ou de artigos de regulamentos. No caso da formação religiosa, apelei para um inquérito junto dos assistentes. Fez-se? Que resultado deu? O resto é apenas palavreado;
2.º Von Shirack nunca esteve em Portugal. Quem esteve foi um seu lugar-tenente e enviado especial, Lauterbacher. Essencialmente, é o mesmo. O erro é apenas de pormenor. Faz o comunicado longo relato de visitas e convites, mas esqueceu-se de referir que o primeiro passo dado pela Mocidade Portuguesa em terra estrangeira foi na Alemanha. Eu não quero dizer que considero isso censurável, e talvez até tivesse sido muito bem. Mas factos são factos;
3.º Parece que o comunicado quer atribuir-me a culpa de o relatório que recebi não ter sido tornado público. Seria a mim que isso competia? E insinua também que eu não o com-
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preendi. Talvez. Ficou provado que ele vinha bastante insuficientemente redigido. Atribulações de organizações não acostumadas a ser-lhes pedidas contas dos seus actos. Da sua defeituosa redacção resultaram duas confusões, apontadas pelo comunicado. Eu havia pedido nota dos subsídios oficiais às associações escutistas, e em resposta veio o que a Mocidade Portuguesa tinha dado. Lógico era concluir-se que os subsídios referidos eram os únicos oficiais existentes. Mas agora alega-se que a Mocidade Portuguesa não tinha obrigação de dar, e se deu foi porque quis. Do acordo. Mas então fui mal informado por um documento oficial, e a culpa não é minha. Sempre quero acrescentar que, segundo informações posteriores, nem um centavo foi dado à organização dos escutas católicos. Também a respeito da «camaradagem» e dos serviços médico-sociais cria o comunicado uma grande confusão, que não consegui esclarecer, apesar de ter lido e relido essas passagens por várias vezes. Pareceu-me, finalmente, que num lado sou acusado de, maldosamente, avolumar estes serviços e noutro, ao invés, de, também maldosamente, considerar extensivo a toda a vida da Organização apenas o que se referia a cinco anos. E de tudo isto se consegue tirar a conclusão do injustiça, do deformação, de infelicidade. De facto, essa apreciação teve um cunho de infelicidade, mas apenas nas suas consequências. Provocou a publicação de algumas cartas particulares sem a devida autorização do quem as escreveu, o agora provoca a publicação deste documento, pouco elucidativo, mas em compensação bastante impertinente e exorbitante ;
4.º Aceita o comunicado que, em matéria de acampamentos, o que eu disse seja verdadeiro, mas excepção. Isso me basta para poder concluir que o número de excepções deve ser bastante elevado para os dirigentes serem forçados a admitir a existência de algumas;
5.º Por último, esforça-se por me malquistar com a juventude de agora, destacando a falta do espírito heróico que lhe atribuí. Esqueceu-se, porém, de transcrever a passagem em que eu afirmei não ser sua a culpa, mas do ambiente. Parece pouco, mas é tudo, afinal. E esta falta de lealdade na argumentação não me parece que possa ter qualquer fundo educativo.
Se não receasse abusar da atenção da Assembleia, e também agravar questões levantadas, muito mais me apetecia dizer. Fico-me, porém, por aqui. O resto do comunicado são explicações e elucidações. Nada tenho a objectar-lhes o penso que era até a isto que ele se deveria ter limitado.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei da reorganização da educação física nacional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Bastos.
O Sr. Miguel Bastos: - Sr. Presidente: não admira que mesmo os mais inexperientes na matéria em debate se sintam tentados a nele intervir, dada a projecção e o valor que passou a ocupar na vida dos nossos dias a cultura física.
Por esta razão também eu ouso tomar à Assembleia alguns momentos, que procurarei sejam muito breves.
Já hoje ninguém nega que um mínimo de saúde - como um mínimo de bem-estar material - é indispensável paia o desenvolvimento da própria vida moral e aceite está também a verdade de que não ó possível ensinar uma doutrina, fazê-la entender e seguir sem que, ajudando o desenvolvimento duma alma sã, se encontre um corpo são.
Numa política de .saúde realista e progressiva, além da medicina social, preventiva ou curativa, a cultura física, a ginástica, o«i desportos entraram na primeira linha das preocupações dos homens do Governo e na de todos aqueles a quem cabe a missão - maior ou menor - de intervir mi direcção e orientação dos problemas nacionais.
Todos nós, por conseguinte, temos eido forçados a estudar esta nova e complexa disciplina, que tem por alvo, não só lutar contra a doença, mas - o muito principalmente - lula r pela saúde.
Tanto no relatório que antecede a proposta, de lei com no parecer da Câmara Corporativa se faz a história da educação física no nosso País e de tudo se conclui a importância e relevo que aquela entre nós tomou. E tão grande foi o desenvolvimento atingido por esta actividade e tu o alto subiu o entusiasmo das grandes massas populares pelas pugnas desportivas que, houve que intervir, disciplinando e orientando a vida desportiva nacional, de fornia a integrá-la num esquema próprio que estivesse de acordo com os fundamentais princípios éticos informadores de toda a vida portuguesa dos nossos dias.
Assim se criou a Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar.
Não se põe qualquer dúvida sobre a necessidade desta intervenção nem se deixa de reconhecer os benefícios, por ora, porventura, apenas de carácter policial, obtidos.
A aplicação de penas rigorosas a jogadores, dirigentes, clubes, massas desportivas, etc., procura, no seu conjunto, objectivos de carácter disciplinar que seria injusto deixar de reconhecer. E certo que, na aplicação destas penas não puderam furtar-se no âmbito da legítima discussão os critérios adoptados, mas isto não obsta a que continuemos a considerar de louvar os objectivos a atingir.
Parece, porém, que pode e deve ir-se um pouco mais longe.
A disciplina é coisa indispensável em tudo, mas ela, por si só, está longe de are solver problemas em que têm de entrar - e predominantemente - preocupações construtivas que conduzam à formação da vontade e à moldagem de caracteres.
Todos estamos de acordo em que o desporto é um antídoto eficaz contra o menor esforço, o cepticismo e até a desmoralização dos costumes, desperta o sentido da ordem, cria as condições de compreensão do valor da entreajuda e faz nascer em cada um de nós a necessidade do autodomínio e da decisão perante o perigo.
O desporto é, como disse S. S. Pio XII, uma escola de lealdade, de coragem, de paciência, de resolução, de fraternidade universal.
Como produtora de um tão alto conjunto de virtudes morais, esta admirável escola tem de ser orientada por forma que a cultura física se faça e se desenvolva sem esquecer ou negar aqueles valorei ao serviço dos quais verdadeiramente tem de estar.
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Como alcançar este objectivo?
Suponho que todos estaremos de acordo ao afirmar que só uma largo, e profunda acção educativa pode realmente conduzir-nos ao objectivo atrás fixado.
Tarefa difícil? Sem dúvida; mas julgo que nos devemos, sem hesitar, lançar neste caminho.
Sem termos, é certo, atingido ainda no campo da educação nacional o nível que tanto desejamos, a verdade é que seria pretender negar o evidente da verdade se não se reconhecesse quão profunda tem sido a acção nos processos, métodos e sentimentos que tem nestes vinte e cinco anos vividos sofrido este povo sob a admirável lição de persistência, de tenacidade, de fé e de exemplo do grande educador de povos que tem sido Salazar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - De resto, parece ser este o desejo da proposta de lei que estamos a discutir. Pretende-se integrar a educação física no mesmo plano unitário da educação geral, reconhece-se a vantagem, dentro do mesmo pensamento, de uma unidade pedagógica na formação de agentes de ensino, sugere-se que a fiscalização da prática dos diversos meios de exercitação física fique dependente de um único órgão, que traçará, dentro do objectivo comum, um plano geral orientador.
Dentro destes princípios, parece não ser difícil descortinar que na realidade se pretende dar um rumo certo ao problema da educação física, e isso sinceramente louvo.
Como vai, porém, dar-se execução a este programa?
Segundo a proposta do Governo, haverá uma comissão - a 2.º subsecção da 1.ª secção da Junta Nacional da Educação - que, entre outras funções, terá a de estudar e emitir parecer sobre a actividade da educação física nacional, bem como a de apreciar o plano de acção a realizar anualmente pela Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, cabendo a esta superintender em toda a educação física ministrada em instituições de natureza civil, do Estado ou particulares, fiscalizando, orientando e difundindo a sua prática.
Parece, portanto, que haverá uni grande órgão consultivo e um órgão executor, não se depreendendo muito bem se este é livre na execução ou se tem de se subordinar ao parecer do grande órgão consultivo.
Salvo melhor opinião, desde já julgo que seria preferível que, como sugere a Câmara Corporativa, se fixasse claramente que a Direcção-Geral trabalharia de acordo com os princípios que fossem estabelecidos pela referida subsecção da Junta Nacional da Educação.
O Sr. Mário de Figueiredo: - A função da Junta, de um modo geral, ,salvo algum caso particular, é a de emitir pareceres acerca de todas as matérias sobre que for consultada pelo Ministro respectivo. O que se acrescenta nesta proposta é que fiquem com competência para ouvir a Junta, além do Ministro da Educação Nacional, outros Ministros - o da Marinha, o do Exército, etc.
A Junta, portanto, emite pareceres, que depois são submetidos ao Ministro, que os homologará ou não. Se os homologa, são decisões a executar pelos órgãos executivos - as direcções-gerais.
Acresce ainda que a Junta tem um presidente, e cada secção tem o seu presidente, que, em geral, é o director-geral respectivo.
O Orador: - Agradeço as explicações de V. Ex.ª que inteiramente esclarecem a minha dúvida.
Agora, Sr. Presidente, um pequeno pormenor antes de entrar na apreciação de outro aspecto do problema.
Preferia que a direcção-geral se chamasse apenas Direcção-Geral da Educação Física. Isto porque os desportos são já um meio de se praticar educação física, e porque me parecia que a saúde escolar deveria estar à parta da medicina desportiva, visto ter aspectos e preocupações que, a meu ver, não havia conveniência em misturar com a prática especializada da educação física.
A saúde escolar poderia constituir no Ministério da Educação Nacional uma inspecção, como a que constitui, por exemplo, o ensino particular, com a subordinação e a autonomia de que esta goza. Mas, a não ser assim, ainda considerava preferível a designação da alínea a) da base n Direcção-Geral da Educação Física e Saúde Escolar- à que volta a aparecer na base III - Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar.
Mas voltemos, atrás, para retomar o fio do raciocínio que pretendíamos desenvolver.
Para determinar as directrizes superiores haverá uma comissão técnica. E aqui me parece não haver funda razão de discordância.
Na verdade, aquela comissão passa a ser constituída por forma que nos dá a garantia de que este problema irá ser encarado e resolvido em termos de não levantar os objecções e as dúvidas que ainda hoje suscita a alguns dos nossos melhores espíritos. Se bem que num conselho técnico talvez conviesse dar a técnicos uma maior representação, a verdade é que os representantes designados hão-de assegurar-se junto dos técnicos do organismo que representam, de forma a ter presente o seu pensamento no que à técnica propriamente disser respeito.
Mas o problema comporta essencialmente, para o seu desenvolvimento e compreensão, o estabelecimento do uma hierarquia de valores, que só uma alta concepção do complexo geral da vida pode entender e planificar.
As minhas maiores preocupações vão pura o órgão de execução - Direcção-Geral da Educação Física.
Supunha, ao ser presente a proposta em discussão, que ela comportava a reforma daquela Direcção-Geral - tal como comporta a reorganização de uma subsecção da Junta Nacional da Educação e do Instituto Nacional de Educação Física-, criando-lhe orgânica e meios para poder realmente desempenhar as altíssimas funções em que vai estar investida.
Mantendo-se a organização actual, creio que será difícil poder desempenhar-se das suas atribuições - difícil ou talvez mesmo impossível.
Eu digo porquê.
Ao que me tem sido dado observar, só a prática do futebol faz cair sobre a Direcção-Geral verdadeiras montanhas de problemas.
Segundo a organização em vigor, todos os pormenores ligados à prática do futebol ali vão parar e quase tudo depende, para sua solução, de despacho ministerial. Este um sistema que me parece deficiente e até com graves inconvenientes políticos, como vários acontecimentos recentes o têm provado. Mas a verdade é ser este o regime que vigora.
Daí resulta que nestes dez anos de vida a Direcção--Geral mais não tem podido fazer do que a acção disciplinar que referi no início desta intervenção e acorrer ao expediente dos pequenos, casos que., como avalancha, lhe caem em cima para estudar e informar, para consideração superior. Toda a grande e efectiva acção educativa a desenvolver ficou sem expressão, sem vida. Realmente, nas condições actuais, era humanamente impossível delineá-la e muito menos executá-la. Fazer qualquer coisa para todo o País no género do que este
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ano planeou e está fazendo a Associação de Futebol de Coimbra -conforme notícias que tenho, aliás aqui confirmadas na última sessão pelo ilustre Deputado Dr. Moura Relvas - era verdadeiramente impossível para a Direcção-Geral, com a organização, os agentes e os meios que actualmente possui.
Isto mesmo o reconhece o próprio Governo ao escrever no relatório da proposta:
Sente-se que a Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, que nasceu sob os melhores auspícios para o exercício de uma acção que se desenvolvia já por fornia regular noutros sectores da vida portuguesa, não está apetrechada para realizar efectivamente a direcção e a fiscalização da educação física nacional.
Nestas condições, parece-me impossível obter, nos termos actuais, qualquer vantagem prática para o que tanto se deseja e parece indispensável conseguir: a devida projecção no mundo moral de cada uma das virtudes da prática da educação física.
Na linha geral destas considerações, parecia-me muito conveniente sugerir que se vinque bem na redacção da base III que as funções que passam a ser atribuídas à Direcção-Geral o serão depois de esta ser convenientemente reorganizada.
Tenho este ponto como essencial para a utilidade da lei que vamos votar.
O Sr. Moura Relvas: - V. Ex.ª dá-me licença?
O aditamento que eu propus está perfeitamente de harmonia com o pensamento de V. Ex.ª A Direcção-Geral necessita de possuir os órgãos e os meios necessários à sua completa eficiência, inclusivamente os meios financeiros.
O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Há uma coincidência de critérios.
O Orador: - Acresce outro aspecto importante. E o de que na organização actual da Direcção-Geral julgo grave erro englobar a Mocidade Portuguesa e a F. N. A. T.
São duas grandes organizações, com uma obra efectiva já realizada, com quadros próprios e uma disciplina e um pensamento definidos. A sua obra precisa apenas, com o nosso carinho, com a nossa compreensão e o estímulo de todos, de mais largos meios para que possa continuar o seu benemérito esforço ao serviço da Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - É certo que não se compreende educação física nacional sem que na sua organização geral entre a mocidade das escolas das fábricas e dos campos, e por isso não me repugnaria aceitar a sua integração no plano de acção comum, mas - repito - seria preciso que na reorganização da Direcção-Geral os problemas daquela gente moça fossem devidamente acautelados e naquela Direcção-Geral fossem criados os órgãos próprios para tratar da vida de relação entre os diversos organismos associados e o comando a que se entrega a árdua missão de fiscalizar e orientar a execução das directrizes superiores que forem marcadas para a grande tarefa de se fazer da educação física uma coisa viva e real ao serviço do homem - corpo e espírito - e, consequentemente, ao serviço dos mais altos e queridos interesses nacionais.
Estas as considerações que desejava fazer a respeito do problema em debate. Ponho-as à consideração de VV. Ex.ªs e, em especial, ao estudo das nossas dignas
Comissões de Educação Nacional e de Legislação e Educação, para o caso de encontrarem no exposto matéria para qualquer proposta ou alteração a formular. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Délio Santos: - Sr. Presidente: ao subir de novo a esta tribuna para tomar parte no debate sobre a proposta de lei n.º 016 e o respectivo parecer da Câmara Corporativa, devo confessar a V. Ex.ª que foi com grande alvoroço e o maior interesse que li e estudei aqueles dois documentos. Desde já afirmo, sem rodeios, a enorme importância do problema, importância esta que tanto o Governo como esta Câmara plenamente reconhecem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - De uma maneira geral, a proposta do Governo impressionou-me muito favoravelmente, em especial pela forma como foi elaborado o relatório, no qual se faz a história da intervenção oficial e particular em tão complexo problema educativo.
Com alto espírito cie justiça -ou não fosse o actual Ministro da Educação Nacional um eminente jurisconsulto-, o ilustre autor da proposta indica também, com grande honestidade e coragem, as deficiências que até agora se têm verificado no domínio da educação física por parte daquele Ministério, o que faz da proposta do Governo um alto exemplo de exame de consciência. Este exame de consciência é a melhor garantia que nos poderia ser dada sobre a meticulosidade da elaboração da proposta, permitindo chegar a um resultado que tome em conta a experiência passada e procure servir no futuro, completamente, o interesse nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O relatório confessa que tem havido o... desvios de orientação e esforços desconexos ... a omissão voluntária ou mal disfarçada indiferença, permitindo que a educação da juventude se oriente no sentido de um intelectualismo absorvente ... dispersas e inoperantes tentativas .legislativas da parte do Estado para enquadrar a educação física no plano geral de uma educação unitária nacional ... a dispersão do ensino da educação física com multiplicação de critérios, que leva fatalmente a um ponto morto de realizações ...», etc.
Apontam-se os órgãos da defesa nacional, a Casa Pia de Lisboa e as associações desportivas -só involuntariamente se esqueceram as associações ginásticas ou se não referiram por erro de nomenclatura- como os grandes pioneiros, e indicam-se expressamente com o maior relevo os organismos «que abriram mais largos horizontes ao problema da educação física nacional... a que se seguiu um período de realizações concretas e fecundas, de acordo com o conceito expresso no § 3.º do artigo 43.º da Constituição».
Esses organismos foram, como tão louvavelmente indica a, proposta de lei, a Escola Superior de Educação Física da Sociedade de Geografia de Lisboa, criada em 1930 pela iniciativa particular, e a Escola de Educação Física do Exército, organizada em 1933 pelo Ministério da Guerra.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: foram essas Escolas que imprimiram um rumo lógico e uma orientação segura à educação física nacional, sistematizando a sua doutrina e permitindo a formação de quadros técnicos que tornaram possível a Organização Nacional Mo-
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cidade Portuguesa, a Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho e o Instituto Nacional de Educação Física.
A educação física nacional não é o simples produto da prática instintiva e empírica dos exercícios do corpo. E, sim, a consequência, principalmente, das ideias; de um escol esclarecido. Por isso, a educação física, não é sinónimo de agitação do corpo nem de simples recreio físico.
Houve um grupo de pessoas altamente competentes e bem intencionadas que, movidas por grande espírito patriótico e o maior desinteresse, arrostando toda a espécie de dificuldades e incompreensões, conseguiu criar um movimento cuja utilidade para a Nação se reconhece, e quis a Providência que eu, como antigo professor da Escola Superior de Educação Física -o mais modesto de todos os elementos do seu notável grupo docente-, esteja aqui perante VV. ,Exas. a defender os princípios que nortearam esse grupo de professores, a fim de que o sopro idealista e patriótico que os animou continue a inspirar aqueles que herdaram a responsabilidade de o manter em condições favoráveis.
Meus senhores, durante dez anos a Estiola Superior de Educação Física, sem quaisquer auxílios do Estado è sem que os seus professores recebessem o mais pequeno honorário, formou, na mais completa harmonia do seu corpo docente e direcção, mais de unia centena de professores, muitos dos quais ainda hoje são. utilizados pelo Estado.
Antes da Escola Superior de Educação Física e da Escola de Educação Física do Exército, a educação física nacional, praticada nos liceus, alguns colégios e associações, era dirigida ou por autodidactas ou por professores estrangeiros, ou ainda por oficiais do Exército.
Havia já irrompido, com a violência instintiva dos mo vim entoa populares, o desporto espectacular e comercializado. Não podemos negar a este fenómeno certas vantagens de ordem social, como, por exemplo, desviai-os jovens das antigas e tradicionais tabernas para os largos e arejados estádios, ou canalizar manifestações colectivas de certos- instintos, que desta forma conseguimos disciplinar nalguma medida. Ele apresentava, porém, já certos inconvenientes, nomeadamente o de abafar quase por completo os tímidos esforços que então se faziam para desenvolver a educação física racional entre a população portuguesa. Entendo por educação física racional a que tem como objectivo dominante a saúde, o desenvolvimento harmónico do organismo e a sua adaptação às necessidades psicomotoras mais. gerais da vida de relação e à realização dos altos ideais que informam a nossa cultura.
Não seria, por exemplo, com desportos violentos de corrida e ginástica olímpica de aparelhos que se poderia reduzir a enorme percentagem de mancebos portugueses anualmente rejeitados pelas, juntas militares de inspecção, nem diminuir o número de adolescentes débeis e deformados que frequentam as nossas escolas, liceus e Universidades.
Surgiram, por isso, dois movimentos destinados a suprir aquela deficiência e a orientar cientificamente a educação física nacional. Um, formado por médicos, em parte pertencentes à antiga Direcção-Geral de Saúde Escolar, sem preparação técnica em educação física, mas consciente do descalabro fisiológico de grande parte da nossa mocidade, impressionados, sobretudo, pelos resultados das inspecções feitas nas escolas e liceus, considerando a ginástica e o desporto apenas pelo seu lado espectacular, tomou nina atitude unilateral de irredutível oposição não só ao atletismo e ginástica violenta, mas ainda aos jogos e desportos em geral. Deste movimento resultou a publicação do Decreto n.º 21 110, de 1932, citado na proposta de lei em debate.
Outro compreende o grupo de médicos, pedagogos e militares especializados que procurou encontrar uma solução equilibrada e compreensiva que tomasse em linha de conta a experiência dos outros países mais adiantados. Nela surgia, no seu verdadeiro lugar, a ginástica educativa adaptada às condições especiais do indivíduo português, constituindo a base da própria educação física.
Os jogos e desportos aconselhados e praticados eram unicamente meios e não fins em si, actividades complementares e não absorventes ou exclusivas. Era esta a característica principal da chamada Escola de Ling, com fundas raízes e grande prestígio entre professores e médicos portugueses, por constantemente visar os aspectos higiénicos e formativos desta modalidade educativa.
Embora sem quaisquer compromissos com a ginástica olímpica e com o desporto espectacular e comercializado, sem os aprovar, mas também sem os combater, este segundo grupo de pessoas empenhadas no desenvolvimento da educação física do povo português considerou o seu papel acidental na ocupação dos tempos livres das massas populares.
Aliás, o desenvolvimento da ginástica e dos jogos educativos, que, principalmente, preconizava como base da educação física, neutralizaria muitos inconvenientes da ginástica olímpica e desportiva de competição reservada para os adultos que a quisessem praticar, sempre depois da preparação meticulosa dos seus organismos, quer durante o crescimento, quer depois, por meio de um treino racional.
Além disso, quando o entusiasmo do público, sempre versátil, viesse a preferir outros espectáculos diferentes daqueles que normalmente se realizam agora nos estádios, ou a competição desportiva caísse nos exageros que caracterizaram a decadência do paganismo, haveria sempre uma sólida organização apta a manter o prestígio dos exercícios racionais do corpo como meios essenciais de saúde e eficiência pessoal.
Foram estes pontos de vista que levaram à fundação da Escola Superior de Educação Física da Sociedade de Geografia de Lisboa e da Escola de Educação Física do Exército, duas instituições que se mantiveram constantemente em íntima ligação pelo facto de se orientarem por princípios semelhantes e ainda pela circunstância de o professor de Teoria Geral de Educação Física ser o mesmo em ambas as Escolas.
O Governo considerou necessário unificar os esforços realizados pela iniciativa particular e pelos órgãos da defesa nacional, visando centralizar numa escola única a preparação dos agentes de ensino de educação física, tanto civis como militares. Criou, por isso, em 1940 o Instituto Nacional de Educação Física e em 1942 a Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar. A criação destes dois organismos revelou-se uma medida de largo alcance, de que resultaram para a educação física grandes benefícios e maior prestígio. A proposta de lei n.º 516 reconhece-o expressamente.
Sr. Presidente e Ilustres Colegas: uma das maiores vantagens da situação política actual é a continuidade da acção governativa, caracterizada pela longa permanência de alguns Ministros à frente dos respectivos serviços.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É certo que esta circunstância pode, por vezes, determinar uma inconveniente persistência em soluções erradas. Mas, não só este inconveniente se
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verifica apenas acidentalmente, como ainda é neutralizado pelas vantagens que resultam de só ela permitir um estudo atento do evoluir dos problemas, e deste modo, em conformidade com a experiência obtida nos resultados verificados, modificar a legislação de modo a alcança-se um melhor rendimento dos serviços. A atitude desejável para uma crítica construtiva será, na quase totalidade dos casos, Ter a paciência necessária o esperar pelo momento oportuno de se corrigirem os erros que porventura se tenham apontado. Mais tarde ou mais cedo a solução justa impor-se-á e será adoptada a solução conveniente. Eis o que parece dar-se agora com a educação física nacional. Estamos seguros de que um dia acontecerá algo de semelhante em relação a outras formas de ensino que urge melhorar.
Apesar de não possuirmos informações pormenorizadas acerca da forma como decorrem os serviços da educação física, e que o Ministério da Educação Nacional certamente possui, todos nós sabemos. - através, da experiência que temos dos factos, por parentes ou conhecidos que frequentem escolas ou liceus- que a educação físico, é praticamente inexistente nas escolas primárias e deixa muito a desejar nos outros graus de ensino, devendo considerar-se que no superior somente a possuem o Instituto Superior Técnico e a Escola Superior do Ultramar.
Este facto é grave, porque é muito deficitário o estado fisiológico da juventude portuguesa em geral e continua muito alta a percentagem de mancebos rejeitados pelas juntas militares, de inspecção; é também lamentável, forma como se apresentam, muitas vezes, as nossas embaixadas, desportivas no estrangeiro.
Em correlação com estes factos, parece não haver ainda um plano geral adequado para a construção de ginásios e de que nestes falta quase sempre o material didáctico indispensável, excluídas algumas raras excepções, como as das novas instalações do Instituto Nacional de Educação Física, Escora do Exército, Escola Naval, etc.
Sabemos que, por vezes, se reúnem no mesmo ginásio duas, três e mais turmas de alunos, o que praticamente impossibilita uni ensino eficiente e altamente prejudica a própria disciplina escolar.
Sabemos que são marcadas aulas de Educação Física imediatamente a seguir ao almoço dos alunos, resultando daqui todos os óbvios inconvenientes.
Sabemos que as classes são, em geral, excessivamente numerosas e reúnem ai imos fracos e fortes, o que não permite satisfazer nem as necessidades de uns nem as exigências de outros.
Este facto è grave, porque, se relativamente à educação intelectual podemos pôr em dúvida a vantagem de organizar turmas absolutamente uniformes, pois é evidente que nas turmas de alunos mais fracos não se encontra estímulo na competição natural que deverá haver entre eles, essa dúvida não se põe relativamente à educação física, pois neste campo é absolutamente indispensável que as classes sejam organizadas em função da capacidade dos alunos.
O Sr. Bartolomeu Gromicho: - E segundo a robustez dos alunos. Mas verificou-se que os horários eram incompatíveis, e hoje, com as peias que os liceus têm na elaboração dos horários, ainda pior as coisas se tornaram.
O Orador: - Eu penso que o problema é de uma complexidade muito grande e que exige uma modificação geral na estrutura do que existe hoje.
O Sr. Bartolomeu Gromicho: - E impõe-se a alteração da estrutura dos horários.
O Orador: - O problema da educação física não é menos importante do que qualquer outro problema de educação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- É, pois, indispensável que se dê a este meio de educação a importância devida, que é absolutamente transcendental.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E preciso considerar-se para a educação física o tempo de que ela necessita.
O Sr. Galiano Tavares: - E horas convenientes.
O Orador: - Não devemos hesitar em fazê-lo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Mário de Albuquerque: - Diz V. Ex.ª muito bem, porque a educação é um problema uno. Mas é pena que as coisas se façam desarticuladamente.
O Orador: - Vejo que estamos todos de acordo. Desta vez conseguimos a unanimidade.
Sabemos que a própria ginástica educativa chega, por vezes, a ser orientada 110 sentido da demonstração física espectacular, tendendo à prática quase exclusiva de exercícios puramente acrobáticos. Neste caso só é possível prestar atenção aos alunos mais vigorosos e desembaraçados, abandonando-se de uma maneira pedagogicamente condenável a grande maioria, constituída pelos que mais necessidade têm de educação física bem orientada. É, na verdade, particularmente impressionante o abandono a que estão votados numerosos adolescentes portadores de desvios de atitude e de deficiência respiratória.
Sabemos que as pessoas encarregadas de vigiar directamente a forma como 110 País é ministrada a educação física escolar acumulam tão importante e absorvente missão com outras formas de actividade oficial e ocupações evidentemente incompatíveis pelo que exigem delas para o seu bom desempenho.
Sabemos ainda que nos exames de selecção para a entrada na Escola do Exército foi necessário abrandar as exigências no que se refere a aptidão física dos candidatos. Por exemplo, baixou-se de l m para 85 em a altura do salto a que são obrigados os candidatos; pois, apesar disso, muitos dos concorrentes ainda são rejeitados por incapacidade!
Sr. Presidente e meus senhores: foram certamente estes e outros factos que não me é possível apontar aqui que levaram, sem dúvida, o ilustre titular da pasta da Educação Nacional a redigir as bases que temos diante de nós para discutir.
Aprovo-as, desde já, na generalidade, mas permito-me fazer alguns reparos, na esperança de contribuir para o seu aperfeiçoamento. Assim, por exemplo, pelo que se refere à base I, entendo que deve, com efeito, existir e funcionar regularmente um organismo superior, como a 2.ª subsecção da 1.ª secção da Junta Nacional da Educação, que integre, por suas representações, os vários serviços da educação física nacional, o fim de os unificar nos princípios gerais orientadores. Concordo com o parecer da Coimara Corporativa para que no primeiro membro da 2.ª subsecção da 1.ª secção da Junta Nacional da Educação seja o director-geral da Educação Física, seu presidente.
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Parece-me, claro, que a representação do organismo máximo ida educação física nacional não deve limitar-se ao seu director-geral, mas sim que este deve ser assistido por dois inspectores, um da educação física escolar e outro da educação física extra-escolar.
Também reputo suficiente um único representante de cada um dos organismos Organização Nacional Mocidade Portuguesa, Mocidade Portuguesa Feminina, Instituto Nacional de Educação Física, Conselho Superior de Educação Física do Exército, Comissão Técnica de Educação Física da Armada, Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho e Saúde Escolar, e, portanto, como é óbvio, também entendo que chegará um só representante das federações desportivas.
Entendeu-se, ma proposta de lei, que nessa 2.ª subsecção da l.º secção da Junta deveria estar representado o Comité Olímpico Português. Parece-mos que o facto indica que o Ministro da Educação Nacional pretende de futuro intervir na forma como se prepara a representação portuguesa nos jogos olímpicos.
Se assim é, não posso deixar de aplaudir calorosamente esta intervenção do legislador, porque, na verdade, as circunstâncias assim o impõem.
Muitos de VV. Ex.ªs certamente se recordam de ter lido nos jornais artigos, assinados por pessoas de responsabilidade técnica, comentando severamente a maneira como tem decorrido essa representação, não se criticando apenas a impreparação evidente da maior parte dos nossos desportistas. E conveniente que o Estado se não limite a dar dinheiro para a nossa representação nesses jogos, pois que os últimos parece terem sido principalmente o pretexto, salvo honrosas excepções, não só para uma esplêndida excursão turística, mas, o que ,é ainda mais lamentável, para o estendal do nosso atraso desportivo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Portugal não deve, evidentemente, desinteressar-se das grandes reuniões internacionais, onde seja possível marcar com dignidade a sua presença, de acordo com as responsabilidades de um país cujo prestígio está em plena ascensão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ora os jogos olímpicos correspondem na nossa época a um intercâmbio no domínio dos exercícios do corpo - não digo, intencionalmente, de educação física- feito em forma muito acessível à mentalidade popular.
Na verdade, neles se trata de luta desportiva levada ao extremo da violência e de ginástica atlética individual e espectacular realizada por homens e mulheres. Muitos apreciam tais competições e todos gostam de viajar.
Por isso os gogos olímpicos modernos têm um aspecto, social e político muito importante, que os governos devem tomar em linha de conta. Mas o reconhecimento destas e de outras vantagens de natureza psicológica não nos deixam ignorar que tais formas de actividade física saem do domínio do higiénico e do formativo.
Por esta razão muitos higienistas, pedagogos e moralistas os têm condenado. Sua Santidade Pio XII, numa mensagem dirigida ainda há pouco tempo a oitocentos professores de Educação Física e médicos, reunidos no Congresso Científico Italiano de Educação Física e Desporto, afirmou que tudo o que altere a ordem natural das coisas, tomando o que deve ser um meio como um fim em si, é condenável, donde resulta que nem todo o desporto é necessariamente bom; também o há indesejável e prejudicial. As palavras do Santo Padre são estas:
A ginástica e o desporto devem não mandar e dominar, mas servir e ajudar. E a sua função e nisso encontram a sua razão de ser.
O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Depende das épocas do ano. Por exemplo, como acontece com o ciclismo, que se pratica exactamente nos meses contra-indicados: Julho e Agosto.
O Orador: - Exactamente. Quando o desporto deixa de ser um meio para se transformar num fim ou num meio do que não é o humano, mas comercial, por exemplo, resultam as mais lamentáveis consequências no ponto de vista educativo e social.
Nós estamos a assistir a exemplos desse género a propósito do que se passa com os desafios de futebol. Lemos nos jornais, com certa frequência, casos em que os árbitros de futebol são agredidos pelo público.
Claro que tudo isto resulta do baixo nível educativo do nosso público, que não está educado para ir assistir aos desafios numa atitude conveniente, pois ele vai também tomar parte no pleito. Outra causa é a deturpação do espírito clubista.
O Sr. André Navarro: - Essa tem de existir.
O Orador: - E, além disso, não sei até que ponto, dada a orgânica actual, os árbitros são verdadeiramente independentes. Eles realizam uma tarefa susceptível naturalmente de erros, que não podem ser emendados depois de cometidos, mas pode acrescer a este mal a existência de outros males, como coacções morais e outras.
De modo que não sei até que ponto as práticas desportivas em vez de louváveis não são condenáveis ?
O Sr. André Navarro: - V. Ex.ª dá-me licença?
E talvez conveniente não realçar demasiado esse ponto. O nosso país não representa nesse capítulo qualquer expoente de excepção.
No que respeita a agressões a árbitros, pode ter-se dado um incidente ou outro, mas não acredito na parcialidade dos árbitros. Poderá haver desatenção, mas parcialidade não me parece.
Em Portugal ainda não se chegou, como lá fora, ao ponto de se rodearem os campos com rede. Isto demonstra que o nosso público não é tão pouco civilizado desportivamente que não possa assistir a um desafio de. futebol sem essas precauções no campo.
O Orador: - Mas eu não afirmei; perguntei.
O Sr. André Navarro: - Foi por isso que eu dei esta explicação a V. Ex.ª
O Orador: - Continuando nas minhas considerações, direi que há evidente contraste entre a forma como decorrem aqueles jogos olímpicos e a maneira como se têm realizado os congressos internacionais de educação física, da iniciativa da Federação Internacional de Ginástica de Ling, cujo método está oficialmente adoptado em Portugal. Apesar disso, embora o nosso país se tenha feito representar honrosamente nesses congressos, fê-lo durante muito tempo com carácter particular, por falta de verba, e só no ano passado a ginástica nacional se fez representar no I Congresso Latino de Educação Física, realizado em França, graças a um precioso, embora pequeno, auxílio de 20 contos, dado pelo Ministério da Educação Nacional. Não posso deixar de acentuar o facto de, em contraste com essa diferença de tratamento monetário, tendo em vista os jogos
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olímpicos ou os congressos internacionais de educação física, a representação portuguesa de ginástica ter sido a única que mereceu os louvores da Direcção-Geral da Educação Física.
Por todos estes motivos, como dizia há pouco a VV. Ex.ªs, é perfeitamente lógico que o Ministério da Educação Nacional chame a si o Comité Olímpico Português, para poder orientar e vigiar a maneira como se prepara a representação portuguesa naqueles jogos. Isto, porém, não deve levar-nos à visão errada de considerar aquele organismo como um elo entre a educação física nacional e a educação física internacional. Este elo existe, sim, por intermédio dos congressos científicos de educação física, acompanhados de demonstrações técnicas que objectivem os princípios seguidos e os progressos alcançados pelos diferentes sistemas educativos e ainda pela Federação Internacional de Ginástica de Ling.
Na base II e em outros passos da proposta de lei nota-se a influência que exerce a palavra «desporto» para designar, embora erradamente, a generalidade dos meios de educação física. Ora, o uso dessa palavra nesse sentido demasiadamente lato está em contradição com o espírito da própria proposta de lei, visto que no seu relatório se escreveram estas palavras:
... Só pela ginástica se pode atingir um completo desenvolvimento geral, condição essencial para uma prática desportiva benéfica.
Portanto, proponho que o texto das alíneas a) e f) contenha as expressões «expansão ginástica e desportiva» e «fomentar a prática da ginástica e desportos», em vez de somente «expansão desportiva» 110 primeiro caso e a fomentar a prática dos desportos» no secundo.
Pelo que se refere à base IV, vemos nela a efectivação de um dos votos expressos no II Congresso da União Nacional, realizado em Lisboa. Pessoalmente, aprovo sem hesitação que a Direcção-Geral da Educação Física, pela extraordinária importância que tem na acção educativa, seja colocada nas mesmas condições em que estão as outras direcções-gerais do Ministério da Educação Nacional e corresponda, de facto, ao seu título e, consequentemente, oriente, fiscalize e procure defender tal educação nos meios civis. Para isso deverá ser, como é natural, devidamente reorganizada. A responsabilidade do Estado em tal matéria refere-se em primeiro lugar às escolas de todos os graus e modalidades de ensino, pelas quais se pretende dar aos Portugueses a cultura geral e especializada indispensáveis.
A Direcção-Geral da Educação Física não pode limitar-se u acção disciplinadora da ruidosa e, por vezes, irrequieta minoria- dos que praticam exercícios do corpo como um fim em si, ou como um meio, sem ser em função do homem, isto é, dos que tomaram como objectivo principal fins espectaculares. Compreendo que o Estado tenha fortes razões para não entregar tais práticas à supervisão da Inspecção-Geral dos Espectáculos, mas não compreendo que se mantenha com tal designação a Direcção-Geral da Educação Física do Ministério da Educação Nacional que nada interfira na educação física escolar, a qual se dirige à maior parte dos portugueses.
O Sr. Galiano Tavares: - Tem V. Ex.ª razão.
O Orador: - Não quero deixar de me referir também ao pleonasmo da actual designação: Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar. Em discurso célebre, Salazar integrou os desportos na educação física, o que é corrente e absolutamente justificado quando tais actividades se praticam como meio, mas não quando têm o fim em si mesmas ou são apenas espectáculos para multidões. Será por este motivo que se mantém a actual designação?
Neste capítulo da proposta de lei surge-nos o papel reservado à Mocidade Portuguesa no domínio da educação física da juventude. Organizada com altos objectivos patrióticos, as actividades daquela instituição têm-se ressentido, como é do domínio público, da desconexão existente na multiplicidade das suas atribuições e de os seus quadros técnicos serem exercidos por indivíduos em regime de acumulação, com cargos efectivos estáveis, estabilidade essa que eles não encontram na Mocidade.
A Mocidade Portuguesa, organização essencialmente para escolar, destinada à cultura de valores espirituais de significação patriótica, pode servir-se da educação-física, práticas de campismo e outras como um meio conveniente para atingir os seus fins específicos, mas não pode, com eficiência, encarregar-se de todos os problemas técnicos e pedagógicos sugeridos pelos exercícios físicos considerados como meio de educação geral.
É indiscutível que a educação física, de base-ginástica e jogos educativos, deve organizar-se nas mesmas condições em que se organizaram as outras disciplinas escolares e depender por isso, como elas, duma direcção-geral própria.
Ao articular-se a matéria da base V deve ter-se em conta a necessidade imperiosa e indiscutível da formação superior dos professores de Educação Física. E 'necessário fornecer-lhes na sua preparação uma formação cultural que os prestigie e permita assegurar simultaneamente os melhores resultados na educação física nacional.
Quanto à base VI, limitar-me-ei a ler-vos o que se contém numa representação que me foi enviada como Deputado da Nação por um grupo de professores de Educação Física diplomados pelo Instituto Nacional de Educação Física, que apresento igualmente como proposta de alteração aceitável:
O curso de professores de Educação Física compreenderá três anos de estudos, com a diferenciação adequada aos sexos, seguidos de um ano de estágio, durante o qual se realizará obrigatoriamente uma especialização em matéria ginástica ou desportiva ou em massagem, mediante programas elaborados pelo conselho escolar do Instituto Nacional de Educação Física e oficialmente aprovados.
O pessoal docente será constituído por professores ordinários, professores auxiliares e assistentes, nomeados mediante concurso de provas públicas ou convite fundamentado do conselho escolar, homologado pelo Ministério da Educação Nacional.
Os cursos militares serão de natureza e duração conforme forem solicitados pelos Ministérios do Exército e da Marinha e a regência das disciplinas de carácter específico será feita por professores a designar por esse organismo.
Segue-se a justificação das alterações propostas, que também transcrevo:
1. A especialização obrigatória, a realizar durante o estágio, não só é possível, mas também indispensável, porque valoriza o professor de Educação Física com conhecimentos e aptidões que correspondem a uma determinada vocação dentro das habilitações gerais já obtidas, tornando-o capaz de fazer progredir certas actividades muito úteis à educação física nacional.
2. A criação de cursos de instrutores e monitores, prevista no segundo período da base vi e preconizada no parecer da Câmara Corporativa,
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não é aconselhável para as necessidades do meio civil, em que predominam a criança e o adolescentes. Ora o instrutor e o monitor, embora sejam úteis aias unidades militares, constituídas por adultos que, na sua grande maioria, recebem uma educação física muito elementar, mostram-se incapazes, por falta de habilitações, a satisfazer as exigências higiénicas e formativas da juventude portuguesa, onde existe uma elevadíssima percentagem de débeis e de deformados.
Há ainda um número relativamente pequeno de professores de Educação Física, devido à falta de garantias de que sofre a profissão e de estímulos aos jovens que desejam dedicar-se a tão alta e difícil missão. Dêem-se-lhes, portanto, melhores condições de trabalho e os honorários sem limites para que aumente, e não diminua, como tem sucedido, a frequência do Instituto Nacional de Educação Física. Desenvolva-se a educação física escolar, obriguem-se, de facto, as associações desportivas a manter classes de Ginástica Educativa, criem-se lugares de professores de Educação Física municipais.
A criação de cursos ide instrutores e monitores civis facilitaria a obtenção de diplomas para um ensino que os professores só podem exercer após longos e facturados estudos. Consequentemente, o número destes diminuiria em proveito daqueles, que teriam o cuidado de procurar ocupar o maior número de lugares. Aliás, a experiência já demonstrou que não é possível delimitar o campo de acção dos instrutores e monitores.
Sr. Presidente: vou terminar as minhas considerações, mas mão desejaria fazê-lo sem me referir ainda a um ponto muito importante e cuja solução prática deve ser buscada com muita ponderação e eficiência: o da relação entre os serviços de saúde escolar e, em especial, do médico escolar e do professor de Educação Física. Estamos em presença de duas especializações diferentes, mas cujos campos de acção, por vezes, interferem necessariamente.
Como obrigar o professor de Ginástica a seguir as prescrições médicas nos casos especiais? Como determinar a natureza destes casos e a cooperação efectiva e indispensável do médico e do professor de Ginástica capaz de ministrar ao aluno ginástica médica? Cada uni destes problemas pode ter muitas soluções, igualmente aceitáveis, «que a proposta de lei não «obriga necessariamente a discutir. Mas, seja como for, é indispensável não confundir ginástica educativa e correctiva com ginástica médica. A primeira destina-se a indivíduos sãos ou com ligeiros desvios, ;que os meios educativos físicos pretendem valorizar ao máximo e equilibradamente. A segunda destina-se a indivíduos doentes, que é necessário conduzir a uma saúde normal.
A colaboração com o médico, embora conveniente em todos os casos, é, porém, particularmente indispensável e necessariamente íntima na segunda hipótese. Ainda neste campo espero sinceramente que, uma vez criada u Direcção-Geral da Educação Física nos moldes previstos pela proposta de lei, se encontre a solução prática e eficiente que a importância do problema exige e que o interesse nacional requer.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Ricardo Durão: - Sr. Presidente: apraz-me tomar parte neste debate porque sou um apologista da força, da destreza e da lealdade. É esta trindade magnifica que a educação física consagra.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Temos de educar os nossos filhos, desde os primeiros passos, no regime da força e da saúde; prepará-los para os reveses da vida; torná-los primeiro que tudo animais sólidos, destros, robustos.
Uma raça de homens fortes incute sempre respeito e temor. Tanto melhor, porque a força, bem compreendida, é mais que um atributo, é uma virtude; quem é forte não precisa de ser mau.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Gerar e criar homens vigorosos é a primeira, a maior necessidade, porque temos de lutar sem descanso contra o definhamento da raça.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E depois de os instalarmos na vida sobre alicerces de boa cantaria, só então poderemos desbastar o bloco de granito. As boas maneiras que a sociedade impõe, essas virão depois, na sua altura. No nosso meio, toda a criança, por atavismo ou por intuição, tende insensivelmente a civilizar-se. Não é preciso forçar a nota do bom-tom. A precocidade é o sintoma fatal da decadência.
Lamento profundamente esses pobres rapazinhos que aos 10 anos sabem sentar-se à mesa de jantar com a distinção e a compostura dos conselheiros; que aos 12 anos conhecem todas as regras da etiqueta, todos os deveres da cortesia, e aos 10 já falam em casar com uma priminha macilenta, de profundas olheiras doentias.
(Risos).
Quantas vezes - confesso - me assalta a tentação de ver instituída, à maneira de Licurgo, em defesa da raça, a inspecção médica pré-nupcial! Mas logo penso que a nossa civilização, feita de amor e piedade, não transigiria com violências desta espécie, preferindo deixar esse imperativo moral, à consciência dos futuros pais.
A verdade, no entanto, é que a força e a saúde se transmitem de geração em geração, iluminando as louras cabeças dos pequeninos atletas do porvir.
Mas é tempo, Sr. Presidente, de descermos do Parnaso, para entrar prosaicamente na análise da questão.
Devo dizer desde já que não sou autoridade no assunto, apesar do ter praticado vários desportos, desde o atletismo à ginástica de aparelhos, mas tudo isto sem método e sem orientação.
A ginástica dirigida e disciplinada, a verdadeira, a única ginástica salutar, que hoje, tarde de mais, reconheço, nunca foi da minha simpatia.
Não seguia regimes nem aceitava treinos; só aparecia no dia do torneio, será qualquer espécie de preparação, e corria ou saltava de cigarro aceso na boca. Em resumo: no desporto só fiz brutalidades; e, se as recordo agora, é na intenção de evitar que outros mais novos as façam.
Poucos atletas havia no meu tempo que obedecessem a todas as regras desportivas.
Sobre a actual proposta de lei troquei impressões com um deles, talvez o mais completo: o brigadeiro Correia Leal, comandante da Escola do Exército e director do Estádio Nacional, cuja destreza física só é comparável à sua agilidade mental. É pena que ele não pertença à Assembleia ou u Câmara Corporativa, porque seria, sem dúvida, preciosa a sua dialéctica na discussão da actual proposta. Outros nomes poderia citar, como, por exemplo, o Dr. Leal de Oliveira, também meu an-
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tigo camarada, pessoa de idoneidade política e técnica para estudar nesta Câmara, com conhecimento de causa e de efeito, o diploma em questão, cuja análise apenas poderei esboçar.
A proposta do Governo, que aprovo integralmente, permito-me fazer uma ligeira observação: entendo que se devem incluir na comissão de que trata a base i dois inspectores de educação física da respectiva Direcção-Geral para assistirem ao seu director em qualquer estudo ou discussão.
De facto, a 2.ª subsecção da 1.ª secção da Junta Nacional da Educação não é uma comissão técnica, como pretende a Câmara. Corporativa, mas puramente consultiva e coordenadora. De resto, não vejo conveniência em se aumentar o número de representantes das federações desportivas, como deseja a mesma Câmara, não só porque outros serviços, bem mais importantes, só têm um delegado, mas também porque se não deve dar predomínio à mentalidade clubista que está animando um desporto essencialmente espectacular e comercializado.
Não é com estádios e atletas que se resolve o problema da educação física nacional, mas com ginásios, campos de jogos, piscinas, onde ginastas e desportistas pratiquem os seus exercícios, como meios de conquistar saúde ou o aperfeiçoamento individual, e não para divertir grandes assistências.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sei que há, como sempre, interesses a considerar, mas nesta proposta de lei, como no decreto que regula os espectáculos para menores, como aliás em variadíssimas situações da vida, outras razões mais altas se levantam ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- ... e nem sempre os interesses feridos podem ser os argumentos máximos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sem ginásios e campos para desporto em número suficiente é impossível ministrar educação física à nossa juventude, mesmo com professores competentes.
Neste sentido, o que se passa em Portugal, e especialmente em Lisboa, é confrangedor. O desaparecimento de campos para desporto dentro da capital é realmente aflitivo. Enquanto a urbanização invade os recintos de jogos, a «estadiomania» invade o espírito obtuso dos megalómanos.
É certo que a construção do Estádio Nacional correspondeu a uma necessidade premente e a uma aspiração justificada, mas também é certo que não há legislação que defenda os clubes de perderem os seus campos, cuja prioridade se impõe.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O que se passou entre as Laranjeiras e Falhava, onde quatro campos desapareceram duma só vez, sem contar com uma boa dezena de outros clubes espoliados, é realmente edificante, porque foram de facto as edificações que os roubaram.
É claro que ao apontar esta falta de campos me refiro exclusivamente aos desportistas, porque os assistentes pouco interessam ao caso, embora estes, pomposamente, se intitulem também desportistas, talvez com o directo que lhes dá a sua formatura em corners o penalties. É o mesmo que chamar «teatristas» aos frequentadores dos teatros.
Quanto às piscinas, a situação não é mais animadora. O que existe - e bem pouco é - resultou unicamente da iniciativa particular. Dentro da área da cidade de Lisboa apenas se encontram duas pequenas piscinas: uma em S. Bento, pertencente ao Clube Nacional de Natação, e a outra em Pedrouços, propriedade do seu clube desportivo.
Nos arredores da capital existem piscinas em Alhandra, Algés e Estoril; as duas primeiras, propriedade» de clubes, são privativas dos seus sócios. Quanto à do Estoril, ainda que a entrada seja livre, a sua utilização, atendendo à distância e ao preço de admissão, torna-se bastante onerosa, em especial para as classes menos abastadas.
Alguns estabelecimentos de ensino possuem piscinas, como o Colégio Militar e o Instituto de Odivelas.
A do primeiro, de 20 m x 10 m, é descoberta, e portanto só é utilizável nos meses de Maio e Junho, pois os alunos estão em férias durante es restantes meses da estação estival.
A piscina do Instituto de Odivelas não funciona, visto que a dotação de água atribuída ao Instituto mal chega para as regas da horta anexa ao antigo convento.
O mais grave ainda é que no próprio Estádio Nacional nem sequer uma piscina existe, o que privará os alunos do Instituto Nacional de Educação Física de receber, em condições convenientes, uma instrução basilar.
E é este o triste panorama com que os nossos nadadores se defrontam, impedindo-os de competir airosamente em qualquer certame internacional.
Para evitar que continue o caos em que se debate a educação física nacional, nomeadamente a escolar, que interessa ao maior número dos seus praticantes, e por isso deve ser modelar, propõe o Governo que toda a educação física, nas instituições de natureza civil -incluindo, portanto, a Mocidade Portuguesa e a F. N.º A. T. - seja orientada, fiscalizada e difundida pela Direcção-Geral dos Desportos.
O princípio é excelente. Há de facto maior vantagem em estabelecer uma única cabeça para orientar toda a actividade gímeno-desportiva da nossa juventude.
O argumento da Câmara Corporativa de que a Direcção-Geral da Educação Física não está preparada para desempenhar este importante papel parece-me precipitado. Com a nova constituição da 2.ª subsecção da 1.ª secção da Junta Nacional da Educação aquela Direcção-Geral, devidamente remodelada, ficaria com os recursos consultivos e executivos indispensáveis para exercer a missão de mentora única de toda a educação física nacional no meio civil.
Fixados os princípios fundamentais, a proposta do Governo em nada coarctada liberdade da Mocidade Portuguesa e da F. N. A. T. para actuar em conformidade, de acordo com as directrizes traçadas.
O que se passa, por exemplo, quanto à idade em que a nossa mocidade pode começar a executar determinadas modalidades desportivas tem dado lugar a dúvidas e discordâncias, cuja imperiosa regulamentação só pode ser fixada desde que um único organismo superintenda em toda a mocidade desportiva civil.
Evidentemente que a Mocidade Portuguesa, cuja acção se tem ressentido da sua actividade muito dispersa (educação política, religiosa, estética, moral, desportiva, pré-militar), não está em condições de pretender sobrepor-se, no domínio escolar, à Direcção-Geral da Educação Física. Trata-se de um organismo para-escolar, cuja missão é de complemento, e não de direcção.
Parece, contudo, que haverá maneira de conciliar os
pontos de vista divergentes, com vantagem para todos.
Deixar-se-iam à Mocidade Portuguesa as práticas de na-
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tureza livre e recreativa que atraiam a juventude para a Organização, tais como certos torneios e campeonatos, além de exercícios de especial interesse pré-militar, que, por motivos óbvios, não podem ser incluídos no horário escolar: natação, marchas em comum, instrução preliminar de tiro, etc. É nisto que a Mocidade Portuguesa pode realizar obra útil, sendo-lhe fácil estabelecer, com grande elasticidade, contratos eventuais com oficiais do Exército e outros especializados, que ministrariam, em fins de semana, tais actividades para escolares.
O Exército tem especial interesse pela educação física da juventude, visto que é principalmente antes da vida militar, nas escolas de todos os graus, que se devem formar os homens dos quais o Exército fará soldados.
A tal respeito publicou o Departamento da Defesa dos Estados Unidos da América o seguinte comunicado:
Entrámos no período mais crítico da nossa história e a mobilização total pode ser exigida dum momento para o outro, a fim de salvar a existência da nação. Uma das necessidades essenciais da preparação nacional é a aptidão física da nossa juventude para que esta possa servir com eficiência nas forças armadas. Os nossos inimigos são rudes e primitivos. É necessário um alto nível de aptidão física da juventude americana para oferecer, além duma melhor defesa, uma probabilidade maior de sobrevivência dos homens, evitando que eles sucumbam nas várias situações do combate.
O comandante supremo das forças armadas da Suécia enviou um ofício à respectiva Direcção-Geral do Ensino Liceal recomendando a necessidade urgente de aumentar o número de tempos semanais atribuídos no horário escolar à educação física.
Consta-me de origem fidedigna que esse número de tempos por semana é de quatro nos primeiros anos e de três nos últimos, o que já ó sobremaneira avultado em relação aos nossos horários.
O relatório da proposta de lei faz justiça ao Exército e à Marinha, citando a sua valiosa contribuição para o desenvolvimento da educação física nacional, nomeadamente quando criou a antiga Escola do Educação Física do Exército, actualmente extinta, sem se compreender porquê, depois de ter deixado uma grande obra, sem a qual não seria possível nem a Organização Nacional Mocidade Portuguesa nem o Instituto Nacional de Educação Física.
É de notar, sem desprimor para ninguém, que os resultados obtidos derivaram do facto de os diplomados por essa Escola e terem especializado já com uma cultura geral relativamente vasta o de terem vivido sempre num ambiente de disciplina que muitas vezes falta nas escolas civis.
É possível, é mesmo natural, que os professores civis de Educação Física, que nos enviaram um parecer digno de atenção e em muitos pontos razoável, receiem a concorrência dos professores e instrutores militares. Mas a verdade é que estes continuam a ser de grande utilidade, pelo menos na província, em localidades onde não haja professores civis.
Também no combate ao analfabetismo se tem recorrido ao Exército como elemento de colaboração. Que nos deixem ao menos colaborar ...
Ainda relativamente à educação física no Exército, é preciso também intensificá-la, muito especialmente no que respeita à ginástica geral elementar, mas efectiva, de flexibilização e destreza, com exercícios de maior aplicação militar: corrida pelo campo, com transposições de obstáculos, natação, esgrima, escaladas, etc., além do tiro, evidentemente. Para isso há necessidade de fornecer os meios indispensáveis à Comissão Superior de Educação Física do Exército. Mas é tempo de terminar, Sr. Presidente, embora muito me fique por dizer.
Não quero, todavia, deixar de manifestar a minha estranheza perante uma anomalia que neste breve exame se me deparou.
Num decreto há pouco publicado proclamou-se, e muito bem, a necessidade de ensinar a ler toda a gente. E eu então pergunto: porque razão se não proclama também a obrigatoriedade da educação física para todos os portugueses?
Verifica-se, de facto, que a ginástica só é obrigatória durante o período liceal; no ensino primário e superior é praticamente inexistente, ou, quando muito, facultativa.
O Sr. Simões Crespo: No Instituto Superior Técnico é normal
O Sr. Galiano Tavares: - É, de facto, a único, escola superior onde isso acontece.
O Orador: - Mas aí faz-se desporto por amor à arte: ninguém obriga a isso.
O Sr. Simões Crespo: - Se me permite, aproveito ainda o ensejo para prestar a V. Ex.ª uma informação que me dispunha a dar-lhe no fim das suas considerações, mas vou dá-la agora, já que V. Ex.ª me permitiu interrompê-lo. E que, além das piscinas que V. Ex.ª citou, há mais duas ou três: uma no Instituto Superior Técnico, outra no edifício da Mocidade Portuguesa, na Rua do Quelhas, e outra no Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho.
O Orador: - São cobertas?
O Sr. Simões Crespo: - São.
O Orador: - E têm água?
O Sr. Simões Crespo: - Creio que todas têm água.
O Orador: - Mesmo contando com essas, são poucas.
E contudo a adolescência não basta para consolidar os benefícios da educação física. E preciso acompanhar a nossa mocidade desde a infância à virilidade plena, desde os primeiros passos à formação completa da personalidade, precavendo-a contra todos os desvios.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Desde que a decadência deste ocidente latino se manifesta e se acentua, ante a cobiça lúbrica dos bárbaros, por forma tão degradante e tão impudica, é preciso preparar uma mocidade heróica e bela para mostrar aos aliados que nos esperam, com o nosso esforço, o nosso exemplo; é preciso contrapor aos que fraquejam unia geração de fortes, para estancar no flanco exausto da raça esse vigor antigo, que se vai perdendo.
Foi esta. Sr. Presidente, a única lacuna que encontrei na proposta do Governo, tanto mais para estranhar dados o significado e o alcance desse magnífico diploma.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: vou procurar ser breve e resumir em poucas palavras o essencial do que tenho de dizer a respeito desta proposta de lei sobre a reorganização da educação física nacional.
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Não vale a pena procurar demonstrar perante esta Assembleia o valor da educação física e dos desportos na correcção de desvios morfológicos, na formação de melhores cidadãos, de corpos mais robustos e ágeis, nu disciplina da vontade, no robustecimento da confiança no seu próprio valor, no desenvolvimento da inteligência e dos sentimentos de lealdade e de sociabilidade dos que a praticam.
Nem há que encarecer aqui a vantagem da intervenção do Estado na determinação das bases orientadoras e disciplinadoras da educação física e dos desportos da juventude e dos adultos, na formação dos professores e na fiscalização da acção dos dirigentes.
A educação física passou, por disposição constitucional, a constituir uma parte da educação integral do povo português. Isso é razão bastante para justificar a obrigação da intervenção do Estado em tal matéria.
Louvável tem sido essa acção, quer na realização de obras destinadas à prática dos desportos, quer no campo legislativo. Salazar reconheceu o desporto como merecedor de amparo e de estímulo, e não lhe tem faltado nem com uma nem com outra coisa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É do conhecimento de todos o que tem sido a acção do Estado, dando condições novas à prática dos desportos. Através desse magnífico Estádio Nacional, dos Estádios do Porto, de Coimbra e de Braga e dos campos de jogos modernos de alguns clubes se tem afirmado uma política de realizações do mais alto interesse para a cultura física nacional.
E, no ponto de vista legislativo, quero salientar aqui o valor dos Decretos n.ºs 32 241 e 32 946, respectivamente de 1942 e de 1943, da autoria do ilustre Ministro de então, o Prof. Doutor Mário de Figueiredo. Através deles se aprecia o carinho com que em Portugal foram olhados estes problemas, que agitam a gente moça, e se define a clara visão do estadista.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O primeiro criou a Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, que veio substituir a antiga Direcção-Geral de Saúde Escolar, dando à intervenção do Estado uma amplitude que até aí não tinha. A esta nova Direcção-Geral se atribuiu a missão de promover a educação física do povo português e a disciplina nos desportos, através das instituições públicos ou particulares, em tudo o que não estivesse sob a alçada das escolas, da Mocidade Portuguesa e da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho.
Por força deste decreto ficou a Direcção-Geral com o direito e o dever de intervir directamente, ou através de delegados seus, nas próprias organizações desportivas e nos clubes que se haviam formado espontaneamente e que actuavam sem obediência a um plano de conjunto, sem orientação definida, ao sabor das paixões ou das preferências dos seus dirigentes. Mercê dela se deveria orientar a sua acção dentro de um plano de interesse nacional, relegando para plano secundário o interesse particular ou clubista.
Não ficou por aqui, Sr. Presidente, a acção deste decreto, pois com ele se reorganizou o Instituto Nacional de Educação Física e se atribuiu à Direcção-Geral a administração do subsídio ao Comité Olímpico, instituído em 1925 pela Lei n.º 1 810.
Na Direcção-Geral por ele criada ficou incorporada a antiga Direcção-Geral de Saúde Escolar e foi preocupação do legislador manter-lhe o mesmo espírito norteador da sua acção e a mesma influência no ambiente escolar, embora arrumando os médicos de outro modo, instituindo um quadro único que permitisse uma mais larga acção.
O segundo decreto veio completar aquele, dando estrutura à Direcção-Geral, criando-lhe os conselhos técnicos, os delegados regionais e locais e dando-lhe um regulamento.
Pretendeu-se com ele garantir o que já se havia procurado atingir com o primeiro: subordinar o interesse clubista ao interesse geral, «substituir a política da vitória do clube, seja como for, por uma política desportiva de sabor verdadeiramente nacional». E julgou-se que através dele se podia dar realização a este desejo louvável:
Querem-se os juizes e árbitros em condições de prestígio que os libertem de quaquer forma de pressão e deseja-se acabar com negócios que arruinam os clubes e diminuem o desporto e os desportistas. A beleza do desporto perde-se quando se converte num modo de vida.
As organizações cabe assegurar aos seus desportistas o condicionamento indispensável ao pleno rendimento das suas faculdades físicas, mas deve-lhes ser vedado comprá-los e n estes vender-se. E o que pretende atingir-se com o regime de transferências que se institui.
Quero prestar ao ilustre autor destes dois decretos o preito da minha maior homenagem, ao mesmo tempo que lamento que se não tivessem podido atingir com eles aquilo que legitimamente se esperava.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É digna do maior louvor a intenção que presidiu à política desportiva daquilo a que o seu autor chama a «centralização descentralizada», procurando a um tempo garantir uma ideia mestra, uma unidade de pensamento representada pela Direcção-Geral e a múltipla aplicação desse pensamento, através dos órgãos que superintendem em cada modalidade desportiva.
Tenho a impressão de que se foi demasiado longe na descentralização, provavelmente porque se pensou que os dirigentes teriam já atingido a maturidade bastante para poderem corresponder à excessiva autonomia que se lhes outorgou.
Comprometeu-se seriamente a acção que a Direcção-Geral podia e devia exercer efectivamente junto das federações; não se sente, através de todas as suas manifestações de actividade, a presença desse pensamento superior, directivo e disciplinador.
E, quanto àquela independência dos árbitros e juizes, cumpre-me recordar que as coisas se passam na realidade ao contrário do que estava no pensamento do reformador. Não se lhes pode garantir efectivamente essa completa emancipação, porque eles estão ainda demasiado dependentes das federações e estas dos clubes, e principalmente dos clubes grandes, cujo peso da sua influência se sente a cada passo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por esta via se explica que muitos árbitros exerçam a sua acção, não com aquela independência que seria para desejar, mas sob o signo do medo das represálias, e que nestas condições, por defesa própria, propendam para favorecer determinado clube preponderante, actuando portanto sob uma espécie de coacção moral, como muito bem disse um ilustre dirigente de determinado sector desportivo, que tem agitado aos quatro ventos a ideia da necessidade
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de uma profunda reforma da nossa organização desportiva.
Pelo que respeita a transferências, suponho que também não foi respeitado o pensamento do legislador. Os jogadores não se venderão; mas é público que as cartas de desobriga custam às vezes muito dinheiro! ... Parece pois que se não atingiu o que louvavelmente se pretendia.
Parece mesmo que os jogadores são património do clube. Há que rever este assunto, para se saber se se deve manter o período de três anos de permanência no clube para que o Ministro possa autorizar a transferência ou se se deve reconhecer ao jogador o direito de liberdade ao fim de um ano.
Também não me parece que as organizações desportivas tenham procurado assegurar aquele condicionamento indispensável ao pleno rendimento das faculdades físicas dos filiados, criando escolas de preparação moral e física dos desportistas. Suponho que não será à míngua de recursos materiais que isso se não tem executado! ... Embora não saibamos pormenores acerca, da maneira como são administrados os largos rendimentos das competições desportivas, temos a impressão de que o dinheiro chegaria abertamente para subsidiar escolas em todos os clubes ou, pelo menos, nas associações, escolas que cuidariam a um tempo da educação física, da educação moral e da elevação do nível cultural desportivo de toda essa massa associativa. Suponho que a carência é dum pensamento alto, reformador e criador, no comando efectivo das organizações que superintendem nestes assuntos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A propósito disto, quero aqui render as minhas homenagens ao esforço que está realizando, sem subsídio da respectiva Federação - pelo menos, até agora, não teve deferimento o pedido feito há meses ! ... -, a actual direcção da Associação de Futebol de Coimbra, com a fundação da sua escola de preparação moral e física dos jogadores de futebol. Belo exemplo é este! ... A semente está lançada à terra e foi-o com as possíveis garantias de germinação. Vamos a ver como o terreno a recebe e a acarinha e como poderá propagar-se ! ...
No relatório que precede a presente proposta de lei claramente se confessa:
«É fora de dúvida que, por escassez de meios ou por impossibilidade de adaptação das iniciativas ao campo da sua competência, a Direcção-Geral não pode ir mais além», e que se sente que ela «não está apetrechada para realizar efectivamente a direcção e a fiscalização da educação física nacional».
Palavras graves são estas e mais graves ainda por virem de S. Ex.ª o Ministro da Educação Nacional, a quem cabe garantir a suprema eficiência da acção dos organismos do Estado na orientação e disciplina do desporto nacional.
Ao lê-las, seriamente as meditamos, recordando as várias queixas que a cada passo surgem contra a acção dos dirigentes do desporto nacional, os conflitos sucessivos que o desporto - e particulamente o futebol - tem originado, a organização da nossa representação nos últimos jogos olímpicos em Helsínquia, a qual foi objecto de severas e impressionantes críticas, etc.
Sente-se, através de tudo isto, a razão que assiste ao ilustre Ministro para juntar a esta proposta a palavra de crítica e de amargura.
Também nós sentimos amargamente o que se passa, e, por isso, não podendo conter por mais tempo o nosso desgosto e sentindo a necessidade urgente de modificar este estado de coisas e de fazer carrilar por outras vias o desporto nacional, pusemos há dias, nesta Câmara, a propósito daquilo que julgamos um despropósito da comissão executiva da Federação Portuguesa de Futebol, as razões da indispensável revisão do problema, pois nos parece que se torna necessário ou reformar as instituições ou substituir os homens que estão à sua frente.
Conheço as qualidades da gente portuguesa e sei o que vale um comando forte a discipliná-las. Acompanha-me a ideia firme de que as nossas qualidades nos poderiam garantir melhor êxito, tanto nas exibições nacionais como nas competições internacionais, poupando-nos a dolorosos desaires, se outro fosse o comando e a fiscalização do que por aí se passa.
Suponho que não é com a alteração contida nesta proposta de lei, limitada à reorganização da 2.º subsecção da 1.ª secção da Junta Nacional da Educação e à reorganização do Instituto Nacional de Educação Física, que se poderá remover aquela série de causas que têm obstado a que a Direcção-Geral cumpra efectivamente a missão que se lhe outorgou.
Eu desejaria que, a par delas, o Governo nos trouxesse já os elementos indispensáveis à reforma que urge fazer. Ignoro quais as razões que levaram o ilustre titular da pasta da Educação Nacional a não o fazer neste momento.
Tenho a impressão de que o problema se agravará tanto mais quanto mais tarde se fizer a intervenção decisiva que possa dar-nos a garantia de que a Direcção-Geral ficará apetrechada para realizar efectivamente a direcção e fiscalização da educação física nacional, vencendo-se a escassez de meios e conseguindo-se a adaptação que até hoje não foi possível verificar.
Tenho confiança na inteligência esclarecida, no são patriotismo e na coragem forte, tantas vezes revelada, do ilustre Ministro da Educação Nacional, e por isso espero que não tardarão as medidas de que carecemos.
O País olha, neste momento, com particular interesse a acção do Ministério da Educação Nacional e aguarda confiado a acção decisiva que venha pôr termo a tais coisas.
Eu comungo neste anseio e nesta esperança.
A propósito da reorganização dada à Direcção-Geral da Saúde Escolar, devo dizer aqui que no I Congresso de Protecção à Infância, realizado em Novembro último, tive oportunidade de assistir a acaloradas discussões entre médicos escolares e médicos especializados em educação física sobre o tema a Ginástica nas escolas». Igualmente acesa foi a discussão acerca das teses sobre saúde escolar.
Elas revelaram claramente, não só que a ginástica dos escolares carece de ser revista com urgência, mas também que os serviços de saúde escolar precisam de nova arrumação, arredando certas disposições que tolhem a sua acção como medicina social moderna, garantindo-lhe certa independência técnica, que parece não possuírem, e alargando o quadro dos médicos, de modo a tornar-se mais eficiente. Sobretudo a instrução primária requer vigilância médica capaz.
Aproveito esta oportunidade para chamar para o assunto a atenção do ilustre Ministro da Educação Nacional, a quem, aliás, já foram entregues os respectivos votos do Congresso, pedindo-lhe que mande estudar com possível urgência estes assuntos de tão grande importância.
Em complemento do que disse acerca dos desportos, quero aqui declarar que perfilho inteiramente o aditamento do Dr. Moura Relvas à redacção da base m proposta pelo Governo, a fim de que a Direcção-Geral possa dispor dos órgãos e meios necessários à sua completa efi-
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ciência, e permito-me juntar novo aditamento à mesma
base:
À Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar compete também velar por que se mantenha o alto nível moral das organizações e competições desportivas.
Tento dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Galiano Tavares: - Sr. Presidente: a proposta de lei para a reorganização da educação física nacional, que contém onze bases, é apresentada com o fim de orientar e promover o exercício da educação física do povo português, para o que se sugere a reforma da 2.º subsecção da 1.ª secção da Junta Nacional da Educação.
Porque se trata de educação física, não posso deixar de a integrar na escola.
O ensino, nos seus múltiplos graus, tem sido nos últimos anos, e em quase todos os países, largamente reformado.
Também em Portugal, nalguns aspectos, o foi, e com as mais louváveis intenções.
Bom é caracterizar-se o médio ou o secundário, de índole especulativa, na génese filosófica das suas concepções.
Na escola de ontem o ensino era dirigido a todos do mesmo modo; a criança era um adulto imperfeito que era mister tornar perfeito. O aluno tinha de subir ao plano do professor.
Na escola de hoje o ensino deve adaptar-se à mentalidade da criança, e dessa necessidade são prova evidentíssima as tentativas constantes de modificar os livros escolares, auxiliares poderosos da aprendizagem.
Na escola clássica o professor era o centro do ensino, admitindo-se o postulado de que a escola era homogénea.
Considerava-se o ensino dirigido a um tipo ideal de aluno, a um tipo padrão, uma vez que, em princípio, iodos tinham a mesma capacidade, os mesmos interesses e expoente mental, o que levou Binet a compará-lo a «fato feito sem medida».
Faltando a noção de unidade psicológica, a escola era homogénea, não hierarquizando os alunos pelas suas qualidades nem atendendo à natureza do esforço.
Era a pedagogia a uma só dimensão, nivelando as diferentes idades: a cronológica ou civil, a fisiológica ou anatómica e a mental.
A escola moderna, preconizando a individualização do ensino, é essencialmente diferencial ,e progressiva, embora tendendo, mas por processos psíquicos, à homogeneização.
A escola antiga não considerava néon as consequências de ordem física nem tão-pouco as de ordem psicológica - aquilo que Claparède designou por «teleiformismo».
A escola clássica - até a superior - tinha como preocupação dominante a precocidade do aluno, e este sabia explorar solertemente esta atitude.
Escrevia Fialho:
Quando a professores se pergunta pelas aptidões dos escolares, respondem quase todos que são, em geral, gerações com fraca síria para o trabalho disciplinado, que é o único frutífero.
A escola moderna teria, como base de aprendizagem, o conceito de motivação, isto é, a conexão entre o trabalho escolar e a experiência, os interesses, os valores
e as aspirações do aluno. A escola quer que o educando se torne o agente da sua própria educação, motivo por que, em geral, quanto mais baixo for o nível de desenvolvimento físico e mental do aluno mais carece do auxílio do professor para a vitalização do trabalho a executar.
Na escola tradicional a criança era arregimentada e o ensino essencialmente estático, quero dizer, o professor dizia a lição que o aluno recebia para novamente debitar flagelando a memória com repetições mecânicas, laboriosos processos de mnemotecnia e memorização precipitada, tanto mais difíceis quanto menor era a significação do aprendido, fraca por isso a atenção e insignificante o interesse, normas, nalguns aspectos, que na escola actual subsistem.
Para a escola moderna, se definitivamente puder triunfar, aprender não será apenas estudar nos livros, nem ouvir lições, mas adquirir uma norma de conduta, entendendo por conduta não só o comportamento exterior mas a actividade intelectual ou afectiva que determine novas formas de acção, tendo em vista, principalmente, a formação da personalidade.
O Sr. Mário de Albuquerque: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Tenha a bondade.
O Sr. Mário de Albuquerque: - E só para pedir uma informação. Quando V. Ex.ª fala da escola moderna refere-se à escola que existe ou à que deve existir?
O Orador: - Refiro-me à que deve existir.
Quero dizer? a escola moderna vai buscar os fundamentos da sua atitude à psicologia experimental e afirma: «Toda a educação se deve subordinar à natureza do aluno, e, mesmo quando se queira modificar essa natureza, é preciso não desprezar mas ter em conta as suas leis, pondo-as ao serviço dos nossos desejos».
Sob a influência das novas doutrinas deveria acentuar-se o carácter educativo do ensino, deixando de ser obra receptiva para formar a própria consciência moral do aluno, porque, se as leis sociais se contentam com a obediência exterior sem entrar em conta com os motivos dessa obediência, a consciência moral vale pela intenção, dignificando o homem, que procura com sabedoria e coragem realizar em si próprio um ideal, para ter uma vida nobre, boa e justa, sem discordâncias profundas entre o que «deve ser» e o que «pode ser».
A escola não seria assim grosseiramente utilitária nem excessivamente idealista.
O outro aspecto da escola moderna seria a indispensável colaboração da família. Os Kindergarten de Froebel, uma espécie de extensão do lar, não significam o jardim para a criança, antes envolvem o conceito de que a criança está para o jardim como a planta para o horto. A planta nasce livre e crescerá tanto melhor quanto melhores forem as condições que lhe proporcionarmos, e aqui poderemos aplicar, com propriedade, o pensamento de que o grande papel de quem educa, tal como no jardim o jardineiro, não é ganhar tempo mas perdê-lo.
A família é, portanto, o primeiro centro educativo.
A escola seria, a partir de certa idade, a continuação do lar.
«Casa de pais, escola de filhos», escreveu o Prof. Agostinho de Campos para significar que a família é a primeira escola da vida.
Por outro lado, o médico é clamado a intervir activamente, colaborando com o professor - por ora, bem o sabemos, hesitantemente - sob o tríplice aspecto repressivo, profiláctico e psicofísico, reconhecidas as va-
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liosas conclusões da endocrinologia e da psicanálise, motivo por que a escola se escalona, se desdobra, se diferencia, consoante se trate de normais, subnormais esquizofrénicos ou idiotas.
Estou a ouvir os comentários de alguns para quem tudo o que se disse (e que não é mais do que a repetição do que se tem escrito) é jogo de palavras e me perguntariam: é assim que se procede hoje na escola? Não se trata antes da complicação nos dados de um problema que afinal se resolveu sempre singelamente com mais ou menos puxões de orelhas, o melhor dos métodos, o finais eficaz, o mais proveitoso? Essa mesmíssima escola antiga não foi o centro de onde saíram melhores homens, melhores profissionais? Ao contrário do que se expõe da escola moderna, temos ouvido dizer que é fértil em produtos inferiores, ignorantes, com visíveis deformidades ...
Outros atribuem os escassos resultados dos estudos secundários à turba-multa de incapazes e atrasados que invadiram os liceus. Os melhores alunos ver-se-iam abafados pelo grande número de ineptos, que, entorpecendo as aulas, lhes matam o ardor. (La Cité Nouvelle).
Dito e redito por pedagogistas e mestres, tudo isto é afinal velho.
Para nós, o baixo nível cultural, ao contrário de se atribuir ao sistema, antes se deve considerar como resultado do modo como esse ensino se realiza.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nalguns desses institutos - e a alusão, por vaga, conterá uma insinuação injusta, pelo seu carácter de excessiva generalidade, que, aliás, não posso remediar ou sequer evitar- o ensino que se pratica visa predominantemente o exame, e todos os professores sabem como no domínio de certas ciências a atitude de aprender é substancialmente diferente da atitude de adquirir automatismos de respostas e perguntas, a fim de lograr a nota tangencial de passagem.
No decorrer dos anos lectivos, e sobretudo após o segundo período escolar, nós sabemos como é grande o número dos que se afastam dos liceus, procurando outros «climas» onde a vida escolar, de arrastada -não sabemos mercê de que elixires -, passa a desenvolver-se numa harmoniosa euforia de satisfação e de aproveitamento. Continuemos, pois:
Se à escola, na sua concepção obsoleta, fosse exigido o que hoje se lhe exige, seria capaz de suportar o desenvolvimento da vida actual sem totalmente se subverter e ruir?
Mas, se assim se pensa, porque se exige então que a escola instale o seu pupilo em edifício amplo, arejado, luminoso e confortável, onde haja o banho e a cantina, a biblioteca, o amplo pátio de recreio, a piscina e o salão de festas?
Há dias, o Ministro da Educação do Governo Francês, inaugurando o Liceu Central, dizia:
Este elegante e vasto edifício, dotado com as mais modernas invenções da técnica, é, meus senhores, uma resposta triunfante aos pessimistas que, há vinte anos, declaravam insolúveis os problemas que se iam pôr ao ensino secundário.
Para o espírito humano não há problemas insolúveis.
Ninguém ignora a revolução que se operou no ensino a partir do momento em que a rádio, o cinema e a televisão, depois, possibilitaram transmitir conhecimentos fecundos que deixaram de ser simples abstracções.
Aqui se esboça um antagonismo entre aquilo que a pedagogia científica e a escola moderna consideram como útil e a nova estrutura do lar, que a cada momento se revela em mais ampla evolução.
O acesso da mulher às escolas médias e superiores, a sua arrumação na vida em competência com o homem, tornou o lar diferente do que era: casa de pais, escola de filhos. Não queremos denegar à mulher a prerrogativa de se instruir no sentido intelectual, e antes reconhecemos que a sua conduta é uma inevitável defesa na procura de meios de vida que a emancipem economicamente, uma vez que, se a mulher de há anos tinha no casamento o seu futuro, a de hoje só pode ater-se ao seu trabalho.
Nalguns países o Estado começa a apropriar-se da criança logo quase após os primeiros anos: é a chamada socialização da juventude. Acerca desses Estados disse o Prof. Serras e Silva: «... não se deve confundir o Poder forte, concentrado, com o Poder extensivo, intervencionista, que perturba a vida privada». Não pode haver dúvida sobre a vantagem que há em se ter sempre a autoridade forte - a força é em todas as condições uma vantagem e a fraqueza é sempre um defeito -, mas o ser forte não significa absorção, e muito menos opressão, nem diminuição desnecessária da liberdade significa tão-sòmente capacidade para fazer respeitar as suas decisões. Em certos países a autoridade paterna é muito forte e, contudo, as suas intervenções na vida dos filhos são muito limitadas. Desde que o seu vigor seja pressentido, isso basta para que a ordem se mantenha por si, sem abalos e violências. A autoridade fraca, sem prestígio, é que se perde em intervenções múltiplas, tão variadas como ineficazes. Dizia-se em Roma: «muitas leis, péssima república».
A escola assume nesses países o carácter de moeda que se cunha para se tornar o instrumento de utilização política, suprimindo, por nivelação, a individualidade dos educandos.
Ora na escola é impossível negar a realidade e a importância das aptidões que dão fisionomia ao adolescente. O respeito pela individualidade do aluno, o cuidado no seu desenvolvimento e orientação, não tendem, contudo, para o feiticismo individualista do século XIX, mas para a associação dele com o espírito colectivo, de modo que, apoiando-se no respeito comum, a liberdade possa consentir em servir sem totalmente abdicar.
O grave problema do ensino é principalmente de afluência. As escolas, em especial nos grandes centros, são frequentadas por massas compactas de jovens, e em tal ambiente não é possível ensinar nem aprender. Não há assim ensino possível, quanto mais educação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A própria Universidade não pode, em muitos casos, ir além da leccionação teórica, critério memorista de pouca flexibilidade, tendendo para a estandardização, causadora de deformações mentais e limitando o próprio horizonte científico.
A substantividade dos centros universitários parece consistir numa pura obra cie secretaria, isto é, na concessão de títulos académicos, a maior parte dos quais, hoje, como se sabe, desprovidos de valor económico.
A desigualdade de tratamento do investigador e do erudito destrói quase, por assim dizer, o gosto da investigação, a qual, bem como a ciência, carecem de um valor prático que seduza, convença e alicie.
As bases que se propõem quanto à educação física não as apreciarei em pormenor.
Consigno que a educação física, inseparável da ginástica metodizada em qualquer dos graus de ensino, é um importante elemento de formação geral.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - A educação física constitui um meio positivo, escrevia Spitzy, de conformar de um modo orgânico o corpo humano, influindo de maneira apropriada sobre o desenvolvimento e crescimento naturais.
O estudo do homem nos períodos de infância, adolescência e maturidade conduz à fixação e adopção de métodos próprios, em vista a aperfeiçoar as condições morfológicas e fisiológicas, aumentando o coeficiente de resistência e de energia.
Quais são os fins da educação física?
O professor Serras e Silva, antigo director-geral da Saúde Escolar, afirma:
O fim da educação física é dar a saúde, o vigor, a resistência à doença, à fadiga, às intempéries. Saúde, vigor físico, resistência são os fins que a educação física procura atingir. Estas são capacidades, não se confundem com a força muscular, com a flexibilidade das articulações, com a rapidez, a precisão, a elegância dos movimentos, etc., que são capacidades físicas, mas não definem nem a saúde nem a resistência e vigor do organismo.
A saúde, disse um mestre da medicina portuguesa, é uma soma que pode estar errada de maneiras diversas, mas que não tem senão uma maneira de estar certa.
Há no organismo uma hierarquia de valores, como em toda a sociedade bem organizada. Ao lado de pequenos valores há os grandes valores, representados pelas vísceras, de que dependem a vida e a saúde. Podemos viver sem esta ou aquela articulação, sem tal osso ou aponevrose, mas não se vive sem coração, sem pulmões, sem cérebro, sem rins, sem fígado.
As vísceras e as glândulas de secreção são os órgãos essenciais à vida e à saúde: a sua integridade funcional - que implica a integridade anatómica - e a sua harmonia é que definem a saúde e o vigor.
Da integridade e do equilíbrio das funções viscerais endocrínicas é que dependem os fins da educação física, porque estes consistem precisamente em realizar e manter esta integridade e este equilíbrio.
E depois, comentando Ling:
Ling correu com a rotina e olhou o problema pelo lado visceral, procurando:
1.º Desembaraçar o organismo das peias e entraves que impedem o funcionamento regular das vísceras;
2.º Vitalizar, avigorar o corpo pela educação da função respiratória.
Como o método é o caminho que deve seguir-se na constituição de qualquer ciência, em ciência de educação física, o caminho é composto de duas vias: a remoção dos obstáculos que se opõem ao bom funcionamento dos órgãos e dos aparelhos; o avigoramento do organismo pela educação de função respiratória, para boa ventilação pulmonar.
Ling teria visto com intuição e clareza de visão o que era preciso fazer, mas não foi feliz na técnica.
Todo o bom exercício com vista a desenvolver as forças da alma e do corpo é uma educação, e não se percebem por isso as amputações que se operam no sistema escolar do nosso país.
A ginástica e o desporto desaparecem nalguns horários, quiçá por desnecessários e inúteis, como se os exercícios activos e variados - variatio delactat -, de efeitos fisiológicos sobre o sistema nervoso, ou psicológicos, intelectuais, morais e sociais, não ajudassem o desenvolvimento integral orgânico pelo exercício, bem orientado, das funções musculares.
No relatório da proposta se historia: ao introduzir os exercícios ginásticos (1894) nos programas do ensino secundário salientava-se «que a fadiga cerebral, que estudos aturados e a longa permanência nas aulas inevitavelmente acarretam, tem a sua correcção na ginástica, nos jogos e nos trabalhos manuais».
Apesar de todas as tentativas para se estabelecer uma metodologia da ginástica dos jogos e desportos, sempre associados à higiene prática, a verdade é que se sente a falta de um comando com prestígio, que oriente com eficácia e ordene com decisão.
Aplaudo, por isso, a Câmara Corporativa quando alude à necessidade de reorganizar a Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, criada em 1942.
Foi notável, com efeito, nalguns aspectos, a acção de certos organismos particulares de índole desportiva, pois criaram e desenvolveram, como se diz no parecer, o gosto pelos jogos e pela vida ao ar livre no campo ou no mar. Foram, na verdade, os fomentadores da educação física nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-O desporto moderno, porém, desprovido do seu carácter lúdico, debate-se hoje em constantes choques emocionais de verdadeira excitação histérica, que deformam o espírito desportivo, gerando tendências exclusivistas, violentas, perigosas e, por isso mesmo, deseducadoras.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na base IV estabelece-se que o Instituto Nacional de Educação Física continue a promover o revigoramento físico da população portuguesa nos seus aspectos individual e social e a formação dos respectivos professores, tanto do ensino oficial como do particular, e na base V estipula-se que «o curso de habilitação será constituído pelas disciplinas que assegurem, a par da preparação social, a formação biopedagógica e técnica, tendo em vista as condições mesológicas do nosso país e as capacidades fisiopsicológicas da raça».
A Câmara Corporativa, concordando que a escola do educação física deve ser escola única civil e militar, embora, evidentemente, a preparação para os corpos docentes no Exército e na Armada tenha características diferenciadas exclusivamente castrenses, sugere a adopção de três categorias de agentes de ensino: professores, instrutores e monitores.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Isso que V. Ex.ª está a dizer é rigorosamente exacto.
A Câmara Corporativa não reparou que o problema é posto na proposta do Governo, que, em vez de dizer que se organizam desde já os cursos de monitores ou instrutores, estabelece a possibilidade de eles virem a organizar-se.
Não há, portanto, nenhuma contradição.
O Orador: - A preparação dos professores de Educação Física tem variado muito
através dos tempos, e ainda de país para país, com evidente superioridade dos das regiões escandinavas. A ilustração e a proficiência dos professores de ginástica suecos são o motivo da sua excelente reputação.
Foram também célebres as escolas de Berlim, Dresden e Estugarda. Menciono - perdoe V. Ex.ª, Sr. Presidente, a divagação no passado - o aplano de estudos» do Instituto Central de Ginástica de Estocolmo, omitindo a transcrição dos horários, citado por H. Spitzy
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no seu livro La Educación Física del Niño, edição espanhola:
Ginástica Pedagógica
Fisiologia
Ginástica Pedagógica
Prática
Ginástica Médica
Higiene
Esgrima com Armas
Anatomia
Ginástica Pedagógica
Teórica
Esgrima livro
Esgrima de Baioneta
Esgrima de Sabre
Natação
Jogo e Canto
Exercícios Livres
Eram tidas por muito importantes a ginástica pedagógica, a anatomia e a fisiologia. Seis horas de ginástica prática e teórica para duas a três de anatomia.
Na base VI estabelece-se que o curso para professor de Educação Física compreende três anos, seguidos de um de estágio, com a diferença adequada aos sexos e mediante programas oficialmente aprovados. O pessoal docente será constituído por professores ordinários, auxiliares e assistentes.
Sem deixar, Sr. Presidente, de ter a maior importância a categoria do Instituto, os meios de que disponha, a reputação de quem ensine e os programas a fixar, é essencial dentro da diferenciação a unidade, para que da harmonia de propósitos e do conjunto se colham bons resultados e que da aprovação das bases constantes da proposta resulte uma regulamentação que coloque todos os clubes de desporto no mesmo pé de igualdade, em face das leis que regem a organização desportiva nacional, e que a própria Mocidade Portuguesa e a F. N. A. T., desde que queiram sair do ambiente em que se confinam, consoante representa e expõe a Federação Portuguesa de Atletismo, para tomarem parte em provas desportivas em competição com clubes simplesmente desportivos, tenham de sujeitar-se às gerais normas estabelecidas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão, mas antes vai ler-se a proposta de aditamento à base III apresentada pelo Sr. Deputado Santos Bessa.
Foi lida. É a seguinte:
BASE III
Proponho que passe a ter a redacção que se encontra na proposta do Governo, acrescida do aditamento proposto pelo Deputado Moura Relvas («... para o que disporá dos órgãos e meios necessários à sua completa eficiência») e também do seguinte:
À Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar compete também velar por que se mantenha o alto nível moral das organizações e competições desportivas.
O Sr. Presidente: - A discussão da proposta de lei relativa à reorganização da educação física nacional continuará amanhã na, generalidade e na especialidade, devendo ficar concluída essa discussão.
Para hoje estava também indicado o debute sobre o projecto de lei dos Srs. Deputados Sá Carneiro e Bustorff da Silva relativo a alterações na lei de expropriações.
Continua, pois, esse assunto na ordem do dia da sessão de amanhã. Como assuntos novos designo o aviso prévio dos Srs. Deputados Elísio Pimenta e Manuel Domingues Basto sobre custas nos recursos dos conservadores e o aviso prévio do Sr. Deputado Amaral Neto sobre a acção do Estado na melhoria das habitações dos trabalhadores.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 5 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António Pinto de Meireles Barriga.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José Luís da Silva Dias.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Américo Cortês Pinto.
António Carlos Borges.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos Mantero Belard.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
Texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção
Lei da organização geral, recrutamento e serviço militar das forças terrestres ultramarinas
CAPITULO I
Organização geral
BASE I
As forças terrestres ultramarinas compreendem as forças originárias do ultramar e as forças da metrópole ali destacadas.
As primeiras são constituídas por portugueses originários ou naturalizados, residentes no território nacional do ultramar ou dele naturais, e regem-se pela presente lei e respectivos diplomas complementares.
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BASE II
As forças terrestres ultramarinas têm por missão:
a) Defender pela força das armas a integridade do território nacional, assegurar o livre exercício da soberania e cooperar na manutenção da ordem pública na sua província ou em qualquer outra;
b) Cooperar, eventualmente, por meio de forças expedicionárias, na defesa da integridade do território metropolitano e na satisfação de compromissos militares de ordem externa.
§ único. A organização das referidas forças militares tem por objectivo garantir desde o tempo de paz a preparação militar dos portugueses naturais das províncias ultramarinas, ou nelas residentes, e a mobilização das forças previstas para o caso de guerra.
BASE III
A unidade de organização militar prevista pela Constituição assegurará para o escalão batalhão, grupo ou superior, a intermutabilidade das unidades e formações militares em operações e a identidade de formação dos quadros de oficiais e sargentos, embora se devam ter em conta as condições particulares de cada província e as especialidades impostas pelas circunstâncias.
§ 1.º Serão comuns às forças metropolitanas e ultramarinas os princípios que regem a instrução táctica e técnica das tropas, bem como o seu emprego em campanha.
§ 2.º Para efeito de instrução, mobilização e estudo do emprego das tropas em campanha, sua administração e disciplina, as forças ultramarinas estão inteiramente subordinadas em tempo de paz e de guerra ao Ministro do Exército.
§ 3.º Mantém-se esta subordinação ao Ministro do Exército para efeito do emprego das forças ultramarinas contra inimigo interno.
BASE IV
Nas províncias ultramarinas poderá estabelecer-se uma divisão territorial militar, normalmente adaptável à divisão administrativa, com o fim de facilitar:
a) O exercício do comando pela descentralização da acção dos comandantes militares, em especial quanto à administração, disciplina, instrução e preparação do emprego das tropas na guerra;
b) A preparação e execução das operações de recrutamento e mobilização;
c) A preparação e execução das medidas relativas à segurança e defesa do território.
As províncias de Angola e Moçambique serão divididas em circunscrições territoriais militares, correspondendo cada uma destas a área de recrutamento e mobilização de um regimento de infantaria.
Nas restantes províncias haverá uma só circunscrição militar.
BASE V
Em cada província ultramarina haverá um comando militar responsável pela preparação, serviço, disciplina e administração das forças militares.
O comandante militar de cada província será nomeado pelo Ministro do Exército, de acordo com o Ministro do Ultramar, ouvido o governador respectivo. O comandante militar terá a patente de oficial general nas províncias de Angola e Moçambique, de coronel nas províncias da Guiné, Macau e no Estado da índia e de oficial superior nas províncias de Cabo Verde e Timor, se circunstâncias especiais não determinarem a nomeação de oficial de maior graduação.
§ 1.º O oficial mais graduado das forças de S. Tomé e Príncipe exercerá as funções de comandante militar, enquanto um aumento de guarnição, permanente ou eventual, não exigir a nomeação de oficial superior.
§ 2.º A competência dos comandantes militares nas províncias ultramarinas é, para efeitos de justiça militar, equivalente à dos comandantes de região militar nas forças metropolitanas.
BASE VI
No caso de operações de guerra, se o Governo não determinar expressamente o contrário, os comandantes militares das províncias ultramarinas assumirão, na qualidade de comandantes-chefes, o comando supremo de todas as forças que operem aio território sob a sua jurisdição, com as atribuições e competência previstas na lei da organização do Exército.
BASE VII
As unidades deverão dispor de efectivos e quadros suficientes para ministrarem a instrução militar, actuarem no sentido de garantir a guarda e vigilância dos pontos vitais do território, especialmente os das fronteiras, e poderem passar a pé de guerra no mais curto prazo.
§ 1.º A preparação e execução do recrutamento e da mobilização ficarão a cargo dos comandos e das unidades permanentes do tempo de paz, organizadas para esse efeito.
§ 2.º As forças terrestres ultramarinas, normalmente estabelecidas em tempo de paz, são as que constam do mapa anexo e terão a constituição e composição a fixar na lei de quadros e efectivos das mesmas forças.
BASE VIII
Nas províncias ultramarinas a execução da mobilização militar será estabelecida em ordens de mobilização assinadas pelos Ministros do Exército e do Ultramar e transmitidas às autoridades militares e civis, respectivamente, pelos comandantes militares e governadores.
Para execução da mobilização e constituição em pé de guerra das forças destinadas às operações, o Governo poderá determinar medidas idênticas às previstas na metrópole para os mesmos efeitos.
BASE IX
O enquadramento das unidades será feito por oficiais e sargentos dos quadros permanentes e de complemento.
§ 1.º Nas escolas metropolitanas de formação de quadros poderão ser admitidos quaisquer naturais das províncias ultramarinas desde que satisfaçam às condições do admissão previstas na lei.
§ 2.º Em cada província, conforme o seu desenvolvimento e possibilidades, poderão ser organizados cursos de sargentos dos quadros permanente e de complemento.
§ 3.º Para obviar às dificuldades resultantes da existência de diferentes línguas e dialectos nas províncias ultramarinas, e para aproveitar os indivíduos com melhores qualidades, os sargentos europeus, em proporção a determinar, poderão ser substituídos no enquadramento das tropas ultramarinas por sargentos naturais do ultramar especialmente preparados para o efeito. Os cabos das unidades das forças ultramarinas serão, em regra, recrutados nas mesmas forças.
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BASE X
Nas províncias ultramarinas poderão ser mandadas estacionar unidades metropolitanas de escalão normalmente não superior a batalhão.
§ 1.º A contribuição do Ministério do Exército para cobrir o encargo com estas forças nunca será inferior à importância que despenderia se estivessem em serviço na metrópole.
§ 2.º Na nomeação do pessoal para estas unidades serão preferidos os que tenham habilitações profissionais que interessem à vida económica das províncias e facilitem a sua fixação ulterior nas mesmas.
§ 3.º Não deverá, em regra, exceder a dois anos a obrigação de serviço nas unidades europeias destacadas no ultramar ou nas forças ultramarinas destacadas noutras províncias ou na metrópole.
BASE XI
Os comandos militares elaborarão, com base no plano geral de instrução do Exército e nos privativos das armas e serviços, o plano de instrução das tropas na sua imediata dependência, tendo em atenção as possibilidades e grau de civilização dos recrutas e as naturais condições da província, sem prejuízo do objectivo de se conseguirem unidades ou formações de valor sensivelmente análogo ao das metropolitanas, em particular nas de menores características técnicas.
BASE XII
Para a manutenção, em tempo de paz, das tropas e do material deverão existir nas diferentes províncias os convenientes órgãos e formações dos serviços gerais, previstos na organização geral do Exército e organizados de fornia a facilitar-se a sua transformação nos órgãos e formações congéneres em caso de guerra.
§ único. Nas províncias onde não haja tribunais militares poderão os tribunais ordinários conhecer dos delitos praticados por militares, segundo as disposições do Código de Justiça Militar.
CAPITULO II
Recrutamento
BASE XIII
Todos os portugueses naturais do ultramar poderão ser obrigados ao serviço militar em condições idênticas às estabelecidas para o serviço militar na metrópole.
As condições de prestação pessoal do serviço militar serão fixadas no regulamento de recrutamento de cada província, aprovado pelos Ministros do Exército e do Ultramar, ouvidos o governador e o comandante militar respectivos.
BASE XIV
Serão isentos da prestação pessoal de todo o serviço militar:
1.º Os que forem portadores de alguma das lesões mencionadas na respectiva tabela;
2.º Os que tiverem menos de 1,55 m de altura;
3.º Os que na data da incorporação excederem 30 anos de idade.
BASE XV
Em todas as províncias o recrutamento será feito entre os mancebos previamente recenseados.
§ 1.º E da competência dos corpos administrativos e dos administradores de circunscrição o recenseamento, nos últimos três meses de cada ano, de todos os indivíduos sujeitos ao serviço militar que tenham completado ou completem 20 anos de idade no ano civil respectivo e sejam naturais ou residentes na área da sua jurisdição.
§ 2.º Nas regiões ou núcleos populacionais em que não seja ainda possível fazer o recenseamento militar em condições satisfatórias, recorrer-se-á aos processos em uso e, nomeadamente, à fixação do número de recrutas a fornecer pelas áreas das circunscrições, cumprindo neste caso aos respectivos administradores promover a apresentação do contingente indicado nos locais e datas fixados pelo comando militar de acordo com os governadores.
§ 3.º Os comandantes militares apresentarão anualmente aos governadores, e tio Ministério do Exército um relatório com as observações que o recrutamento lhes sugerir no sentido de o melhorar, indicando em especial os reflexos que sobre ele hajam tido as operações de recenseamento.
BASE XVI
Todos os mancebos recenseados serão presentes na época própria às juntas de recrutamento que funcionarem na respectiva circunscrição territorial, as quais terão a seu cargo a inspecção dos recenseados, o alistamento dos julgados aptos para o serviço e a classificação destes, de acordo com o regulamento de recrutamento e as directivas do comando militar.
§ 1.º As juntas de recrutamento serão nomeadas pelo comando militar, anualmente e em número adequado, e terão constituição e atribuições quanto possível análogas às da metrópole.
§ 2.º Nas sedes administrativas onde não possam funcionar juntas de recrutamento, serão os mancebos inspeccionados provisoriamente pela autoridade militar ou administrativa, conforme a tabela das lesões, organizada por fornia que, sem dependência de conhecimentos de ordem técnica, seja possível eliminar a maioria dos incapazes, recorrendo a mensurações apropriadas e à verificação das lesões externas ,e permanentes.
§ 3.º A inspecção definitiva, bem como a classificação para o serviço militar, estarão, porém, a cargo da junta de recrutamento, que funcionar mais perto do- local onde os mancebos forem recrutados.
BASE XVII
A fixação e distribuição do contingente a incorporar anualmente em cada província serão feitas pelo comandante militar, segundo directivas do Ministro do Exército, ouvido o governador.
§ 1.º Quando o número de apurados para o serviço militar for superior ao contingente fixado, designar-se-ão por sorteio os que podem ser dispensados da incorporação.
§ 2.º O sorteio efectuar-se-á na sede da divisão administrativa onde se realizarem as inspecções, sempre que o número de mancebos apurados exceda em mais de 20 por cento o número de recrutas a fornecer.
Serão excluídos do sorteio os refractários, os compelidos e os que não se apresentarem à inspecção na data fixada.
BASE XVIII
Os mancebos serão normalmente incorporados em seguida ao alistamento e, conforme a natureza deste, prestarão serviço como voluntários, recrutados, refractários ou compelidos.
Poderá ser adiada, por uma ou mais vezes, a incorporação dos alistados, segundo normas análogas às que regulam os adiamentos da prestação do serviço na metrópole, ampliadas conforme as necessidades de cada província.
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BASE XIX
Em cada ano deverá ser indicado aos comandos militares das províncias ultramarinas o número de mancebos do contingente anual de recrutas a reservar eventualmente para a Armada ou para a Aeronáutica.
A distribuição do número de mancebos necessários será feita de harmonia com o dos apurados em nada área regional de recrutamento.
A designação dos mancebos apurados a destinar para a Armada e para a Aeronáutica deverá ser feita:
1.º Pelo voluntariado;
2.º Por sorteio.
BASE XX
As condições de transferência da obrigação de serviço militar para qualquer parte do território nacional, da metrópole ou do ultramar, bem .como as condições de alistamento na Aeronáutica Militar e na Armada, serão consignadas nos regulamentos de recrutamento.
CAPITULO III
Serviço militar
BASE XXI
No ultramar, salvo os casos especiais previstos nesta lei e nomeadamente o disposto na base XXIV, a duração do serviço nas tropas activas será, em tempo de paz, de cinco a oito anos, três dos quais no serviço efectivo dos fileiras e dois a cinco na disponibilidade.
Este serviço, porém, não será obrigatoriamente iniciado depois dos 30 anos de idade.
Sem prejuízo do disposto na base XXIV, não poderão ser organizados os escalões das tropas licenciadas e territoriais.
BASE XXII
O tempo de serviço efectivo nas fileiras compreenderá:
a) A instrução de recrutas, não excedendo doze meses;
b) O serviço no quadro permanente das tropas.
§ 1.º Durante o terceiro ano de serviço nas fileiras pode ser concedida às praças licença por períodos prorrogáveis, mas estas praças devem manter-se em condições de recolher imediatamente à unidade a que pertencem.
§ 2.º Os refractários e compelidos serão obrigados a prestar serviço no quadro permanente, respectivamente, durante quatro e cinco anos.
§ 3.º O serviço efectivo nas fileiras poderá ser prorrogado a pedido das praças, ou por determinação do Governo em tempo de guerra ou em caso de emergência grave.
BASE XXIII
Podem ser readmitidas, por períodos sucessivos de três anos, as praças que concluírem o serviço nas fileiras ou se encontrarem na disponibilidade e queiram regressar à actividade do serviço militar.
São condições indispensáveis de readmissão a aptidão física, o bom comportamento, a vocação e o zelo pelo serviço.
O número de readmitidos é fixado anualmente pelo comandante militar, de acordo com o governador.
BASE XXIV
Os europeus naturais ou residentes no ultramar têm obrigações de serviço militar iguais às estabelecidas para as forças metropolitanas, e o serviço nas fileiras a que são normalmente obrigados será prestado em unidades exclusivamente destinadas a militares da sua condição ou em subunidades especializadas das restantes unidades.
§ 1.º Os indivíduos de ascendência europeia, que satisfaçam às condições gerais para prestação do serviço e estejam sujeitos às prescrições da lei de recrutamento e serviço militar, poderão ser convocados, nos termos das disposições em vigor na metrópole, para as tropas ou para os cursos especiais de preparação militar.
§ 2.º Os cursos de oficiais milicianos para os residentes nas províncias ultramarinas funcionarão, em regra, na metrópole.
BASE XXV
Os disponíveis e os europeus residentes no ultramar, pertencentes às tropas licenciadas ou às tropas territoriais, ficam sujeitos a obrigações análogas às dos militares naquela situação na metrópole, com as alterações que forem julgadas convenientes.
Os disponíveis ficam ainda sujeitos a convocações para exercícios ou períodos de manobras que, em regra, não excederão um mês em cada ano.
BASE XXVI
Os oficiais e sargentos milicianos de qualquer dos escalões atrás referidos, residentes nas províncias ultramarinas, serão normalmente aumentados aos efectivos das unidades e formações nelas constituídas. Estes graduados deverão, em regra, tomar parte, em cada triénio, num período de exercícios ou de manobras anuais não inferior a três semanas.
BASE XXVII
Nas localidades onde o número de europeus sujeitos ao serviço militar e a existência de oficiais e sargentos fora da efectividade do serviço o justifiquem, poderão ser organizadas unidades destinadas essencialmente à guarda e defesa das localidades e linhas de comunicações, em tempo de guerra ou de perigo iminente dela.
Estas unidades territoriais poderão estar organizadas em quadros, a partir do tempo de paz, e dispor de material de guerra, fardamento e outros materiais de toda a natureza destinados à mobilização.
Em tempo de paz, disporão apenas tio pessoal indispensável à conservação e guarda do material que lhes está atribuído.
CAPITULO IV
Disposições diversas
BASE XXVIII
São directa e obrigatoriamente incorporados em companhias disciplinares das províncias ultramarinas:
1.º Os que até à data da incorporação se reconheça professarem ideias contrárias à existência e segurança da Pátria ou à ordem social estabelecida pela Constituição Política;
2.º Os condenados por delito de rebelião ou violência contra os agentes ou depositários da autoridade ou da força pública ;
3.º Os condenados por difamação ou injúria contra as instituições militares ou por terem provocado ou favorecido a deserção e rebeldia contra as suas leis;
4.º Os condenados a prisão correccional por violências contra crianças, roubo, receptação e abuso de confiança;
1.º
4.º
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5.º Os que atentem contra o perfeito estado do material de guerra ou de mobilização distribuído às forças armadas ou o desviem da sua regular utilização ou normal armazenagem.
§ 1.º Aqueles que depois da incorporação ou durante o serviço nas fileiras se reconheça estarem incursos nas disposições do corpo da presente base são transferidos para as companhias disciplinares, para ali completarem o tempo de serviço militar nas fileiras a que são obrigados.
§ 2.º A duração do serviço a prestar nas companhias disciplinares por motivo de pena disciplinar será fixada pelo Ministro até ao limite máximo de três anos.
BASE XXIX
Os indivíduos que protegerem ou prestarem qualquer auxílio a desertores do serviço militar ou instigarem os militares; presentes ou não nas fileiras, a desobedecerem às ordens ou às leis militares serão punidos com a pena de multa de 1.000$ a 20.000$ ou com a de prisão correccional de três meses a dois anos.
§ 1.º A mesma falta cometida por funcionários públicos determinará a suo demissão dos lugares ou comissões que exercerem.
§ 2.º As falsas declarações acerca de habilitações literárias ou aptidões profissionais prestadas pelos mancebos, no acto de recrutamento perante as juntas ou após a incorporação, serão punidas com a pena de prisão de um a seis meses.
BASE XXX
Em tudo que não estiver previsto nesta lei serão observadas, na parte aplicável, as disposições das Leis n.ºs 1960 e 1961, de 1 de Setembro de 1937, com as alterações feitas à última pela Lei n.º 2 034, de 18 de Julho de 1949.
BASE XXXI
Na execução da presente lei serão observados os princípios seguintes:
1.º Escalonamento do seu integral desenvolvimento e das despesas correlativas por um período não superior a cinco anos;
2.º Instalação de novas unidades pela transformação de órgãos actualmente existentes, suprimindo-se todos os desnecessários ou não considerados no mapa anexo às presentes bases;
3.º Nas novas construções militares ou alargamento das existentes devem sempre preferir-se as que imediatamente interessem aos aquartelamentos das unidades;
4.º Os elementos dos comandos, estados-maiores e duma forma geral os órgãos ou postos que não tenham directamente acção na instrução das tropas serão quanto possível constituídos só depois de organizadas as unidades e preenchidos os postos indispensáveis ao enquadramento dos efectivos previstos;
5.º A fim de facilitar o exercício da soberania em grandes áreas, o estudo táctico das regiões e o contacto com as populações, prever-se-á que se destaquem subunidades mediante rotação em cada unidade.
BASE XXXII
No recrutamento do pessoal europeu para o serviço no ultramar ter-se-á; em conta, além doutras condições, a capacidade profissional e a não existência de quaisquer elementos que possam exprimir inadequada disposição para contacto com as populações do meio ultramarino.
MAPA ANEXO
Referido na base VII da lei de organização geral, recrutamento e serviço militar das forças terrestres ultramarinas
Órgãos de comando, unidades e estabelecimentos militares normalmente constituídos em tempo de paz nas províncias ultramarinas
A) Cabo Verde:
Comando militar.
Duas companhias da arma de infantaria.
Uma bateria de artilharia.
Um depósito de material.
Uma companhia disciplinar.
Um tribunal militar.
B) Guiné:
Comando militar.
Um batalhão da arma de infantaria.
Uma bateria de artilharia.
Um depósito de material.
Um tribunal militar.
C) S. Tomé e Príncipe:
Uma companhia da arma de infantaria (corpo de policia).
D) Angola e Moçambique:
Quartel-general.
Três regimentos de infantaria.
Quatro grupos de artilharia.
Um grupo de cavalaria motorizado.
Um batalhão de engenharia.
Uma companhia de saúde, tendo anexo um centro de tratamento e um depósito de material sanitário.
Uma companhia de subsistências.
Escola de quadros.
Um depósito de material de guerra.
Um depósito de material de administração militar.
Um depósito disciplinar.
Uma casa de reclusão.
Um tribunal militar.
E) Índia:
Comando militar.
Um batalhão da arma de infantaria.
Duas baterias de artilharia.
Um esquadrão de cavalaria motorizado.
Uma companhia de engenharia.
Uma enfermaria militar.
Um depósito de material.
Um tribunal militar.
F) Macau:
Comando militar.
Duas companhias da arma de infantaria.
Uma bateria de artilharia.
Um esquadrão de cavalaria motorizado.
Uma enfermaria militar.
Um depósito de material.
Um tribunal militar.
G) Timor:
Comando militar.
Um batalhão da arma de infantaria.
Uma bateria de artilharia.
Um esquadrão de cavalaria motorizado.
Um depósito de material.
Um tribunal militar.
Sala das Sessões da Comissão de Legislação e Redacção, 29 de Dezembro de 1952.
Mário de Figueiredo.
António Abrantes Tavares.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinís da Fonseca.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel França Vigon.
Manuel Lopes de Almeida.
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892 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 218
CÂMARA CORPORATIVA
V LEGISLATURA
PARECER N.º 42/V
Protocolo adicional ao Tratado do Atlântico Norte
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103.º da Constituição acerca do Protocolo adicional ao Tratado do Atlântico Norte, sobre as garantias dadas pelos Estados. Partes no Tratado aos Estados Membros da Comunidade Europeia de Defesa, emite, pela secção de Política e administração geral, à qual foi agregado o Digno Procurador Pedro Teotónio Pereira, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
Como aconteceu há pouco mais de um ano com o Protocolo adicional ao Tratado do Atlântico Norte que serviu de instrumento para a inclusão da Grécia e da Turquia no sistema defensivo do Ocidente, veio agora o Governo submeter à aprovação da Assembleia Nacional, para efeitos de subsequente ratificação, um novo Protocolo adicional ao mesmo Tratado, já assinado por todos os membros da comunidade atlântica em 27 de Maio do ano findo.
Trata-se desta vez da associação da República Federal Alemã à organização do Pacto. A fórmula que se utilizou e as razoes que a determinaram vêm expostas no relatório do Governo.
Não se tornando possível no caso presente adoptar a fórmula de adesão pura e simples usada no Protocolo adicional do ano passado, recorreu-se à utilização da Comunidade Europeia de Defesa criada na zona leste do Pacto e dentro da qual podem ser enquadradas as forças militares da Alemanha.
Foi, sem dúvida, a resolução de associar os alemães a defesa activa do Ocidente, decidida na reunião de Lisboa do Conselho do Atlântico, em Fevereiro de 1952, que motivou a alusão feita pelo Presidente do Conselho no Palácio de Queluz às «decisões de uma importância histórica» que acabavam de ser tomadas.
O ponto de vista de Portugal, exposto então pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros ao encarecer as vantagens de, por essa forma, se ampliar e fortalecer o âmbito do Pacto e sem desconhecer a boa vontade dos povos que haviam resolvido agrupar-se na Comunidade Europeia de Defesa, não deixou, porém, de marcar nitidamente certas características especiais da nossa posição neste recanto sudoeste da Europa.
Compreende perfeitamente a Câmara Corporativa a orientação seguida pelo nosso Governo e dá-lhe pleno apoio.
Nesta nova cruzada que arduamente se tem levantado em guarda ao nosso património da civilização cristã e ocidental, é mister que as nações livres conjugem fraternalmente as suas forças, mas sem se diminuírem no capital da sua personalidade histórica, nem fazendo tábua rasa de valores morais que foram a principal razão da sua folha de serviços à humanidade e da sua própria sobrevivência.
Logo depois da reunião em Lisboa do Conselho do Atlântico e dentro da orientação por este traçada, prosseguiram as negociações que levaram, por um lado, à constituição da Comunidade Europeia de Defesa, mediante tratado assinado entre os países que se haviam concertado para tal em 17 de Maio seguinte, e, por outro, ao presente Protocolo adicional, que foi assinado como já se disse, por todos os países do Pacto em 27 do mesmo mês.
Destina-se este Protocolo a articular no sistema defensivo do Atlântico a organização militar da Comunidade Europeia de Defesa.
Com a entrada em vigor do Protocolo ficará resolvido o enquadramento de forças que era imprescindível congregar.
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18 DE MARÇO DE 1953 893
Supõe-se que estará para breve a ratificação pelos países signatários do tratada que criou a Comunidade Europeia de Defesa, depois de vencidas as dificuldades que naturalmente se depararam no caminho de tão arrojado empreendimento. Resolvidos os problemas por esse lado, é de desejar que não tarde por sua vez a ratificação pelas nações da comunidade atlântica do presente protocolo.
Compreende-se por isso que o Governo Português tenha urgência em que por nossa parte seja dada a necessária ratificação.
A Câmara Corporativa é pois de parecer que ele deve ser aprovado pela Assembleia Nacional, para ratificação pelo Chefe do Estado na forma da Constituição.
Palácio de S. Bento, 17 de Março de 1953.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Afonso Rodrigues Queiró.
José Joaquim de Oliveira Guimarães.
Pedro Teotónio Pereira, relator.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA