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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 219
ANO DE 1953 19 DE MARÇO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 219 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 18 DE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente informou estar na Mesa, para os fins do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Decreto-Lei n.º 39 133.
O Sr. Deputado Melo Machado usou da palavra para se referir à taxa de panificação.
O Sr. Deputado Pinto Barriga falou sobre o ensino superior farmacêutico, apelando para o Governo no sentido de serem melhoradas as condições em que é ministrado.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei relativa à reorganização da educação física nacional.
Usaram da, palavra os Srs. Deputados Sousa Rosal, Ribeiro Cazaes e Bartolomeu Gromicho.
Passou-se seguidamente à discussão na especialidade, tendo sido aprovadas todas as bases constantes da proposta, de lei, com alterações apresentadas pelos Srs. Deputados Ribeiro Cazaes, Délin Nobre Santos, Moura Relvas e Santos Bessa.
Visaram da palavra no decorrer do debate na especialidade os Srs. Deputados Mário de Figueiredo e Ribeiro Cazaes.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 50 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva. Afonso Eurico Ribeiro Cazaes. Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
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Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Gosta.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Gosta Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Pinto Meneres.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Domingues Basto.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 69 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegrama
Do Grémio da Lavoura de Marco de Canaveses a apoiar as palavras do Sr. Deputado Pimenta Prezado acerca do aumento de efectivos da Guarda Nacional Republicana para policiamento rural.
Oficio
Do presidente do Centro de Cultura Popular a apoiar as palavras do Sr. Deputado Ricardo Durão no sentido de serem trazidos para Portugal os restos mortais do Sr. D. Miguel I e pedindo no mesmo ofício a trasladação dos restos mortais da Sr.ª D. Maria Pia para o nosso país.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa, para os fins do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Decreto-Lei n.º 39 133, publicado no Diário do Governo n.º 50, 1.º série, de 13 do mês corrente.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Melo Machado.
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: há já quase dois anos que hesito em apresentar o problema que vou tratar à Assembleia Nacional: trata-se da taxa de panificação.
Sr. Presidente: desde que, em 1918, sendo presidente da câmara municipal do meu concelho, tive necessidade de chamar, para resolver o problema de abastecimento do pão, um manipulador de pão e um moageiro, e vendo que um e outro, por X + y, chegavam a resultados diametralmente opostos, passei desde esse momento a ter um enorme respeito por estas questões e uma grande admiração pelas pessoas que têm de resolver estes problemas e conseguem encontrar para a sua solução unia posição de equilíbrio. Todavia, queixam-se os industriais de padaria do que a taxa de panificação para o pão tipo corrente é insuficiente e eu, Sr. Presidente, sem tomar posição no assunto -porque, como digo, estas contas são extremamente complicadas -, verifico, todavia, que na lei existe pão de luxo e pão especial e com taxas tão diferentes e tão altas que me levam a crer que efectivamente a taxa de panificação de pão corrente é insuficiente; e, para o demonstrar, direi a VV. Ex.ªs que:
Uma saca de farinha do tipo corrente custa 277$50
Produz, em média, 100 kg de pão a 3$40 340$00
_________
Lucro por saca ..... 62&50
manifestamente insuficiente para ocorrer às despesas de laboração e outras inerentes;
Uma saca de farinha tipo especial custa 360$00
Produz, em média, 98 kg de pão a 4$80 470$00
_________
Lucro por saca ..... 110$40
isto é, quase o dobro do que rende o tipo corrente.
Ora a razão por que me parece efectivamente insuficiente é a de que no pão de tipo corrente os industriais são indemnizados pelo que ganham no pão especial e no pão de luxo.
Há, todavia, Sr. Presidente, para que haja justiça e equilíbrio, uma pequena dificuldade: é que nos bairros ou zonas onde o consumo de pão especial e de pão de luxo é muito grande, efectivamente os industriais de padaria ganham compensadoramente, mas nos bairros pobres, onde o consumo de pão é precisamente do tipo corrente, a situação dos industriais aí estabelecidos é extremamente difícil.
Chamada a minha atenção para este problema, que me parece representar para alguns industriais de padaria uma situação de evidente injustiça, atrevo-me a solicitar daqui a atenção dos Srs. Subsecretários de Estado da Agricultura e do Comércio e Indústria no sentido de na remodelação que em cada ano se faz do problema, o assunto ser estudado em termos de colocar todos os industriais em igualdade de circunstâncias, pois não faz sentido que o facto de se ser industrial de padaria em bairros pobres seja motivo de condenação permanente a uma vida de insuficiência económica.
enho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: o regime jurídico e económico da propriedade farmacêutica foi regulado pelo Decreto-Lei n.º 23 422, mas a forte industrialização e comercialização das farmácias obriga inteiramente o Governo a rever o problema em termos económica e juridicamente hábeis e actualizados.
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A organização do ensino de Farmácia, apesar da competência, do seu professorado, tem um sabor pré-biótico e pré-industrial. Escolas, Faculdades, há pouco interesse pedagógico em fazer essa discriminação; o que se torna necessário é reforçar as verbas orçamentais e organizar o ensino, quer profissional, quer de licenciatura, para que esteja devidamente actualizado e disponha de laboratórios onde a prática se faça segundo os ditames modernos da Ciência.
Não interessam os títulos universitários; impõe-se mais um elenco de cadeiras que dê a este ramo de ensino uma eficiência científica e prática. O Sr. Reitor da Universidade de Lisboa, no seu relatório referente ao ano transacto, com a lucidez de sempre, afirma:
Problema semelhante se apresenta agora e com aspecto alarmante na Escola de Farmácia, sendo particularmente impressionante os apelos para as instâncias superiores a este respeito formulados pelo seu actual director, que à vida e progressos da sua Escola se tem dedicado com uma solicitude e um acerto que o tornam credor de louvores e imprimem especial autoridade aos seus apelos.
Como ó sabido, a Escola está actualmente funcionando em instalações consideradas provisórias, na chamada «Quinta da Torrinha», ao Campo Grande, num sítio isolado, onde mal chegam ainda os trabalhos de urbanização. Está por concluir a pavimentação da rua de acesso ao edifício, que assim fica isolado, como que na zona extrema da cidade onde não há policiamento nocturno, o que faz com que na roda do ano se repitam com frequência desconcertante os roubos de canalização e do contador da água.
De há muito que se pensa na melhoria dessas precárias instalações, e já tive ensejo de nestes relatórios aludir às obras que há anos ali foram feitas, após uma profícua visita do Sr. Ministro das Obras Públicas, e que dotaram providencialmente a Escola com duas salas de aula, modestas, mas limpas e arejadas e com boa luz, sem as quais nem sei o que se teria passado na vida deste sector da Universidade frequentado por 311 alunos de ambos os sexos.
Mas, apesar disso, a situação tornou-se de tal modo angustiosa que levou o seu director a declarar, em ofício dirigido à reitoria, em Julho último, que não julgava aconselhável iniciar novo ano de estudos sem que se atendessem à(r) necessidades mais urgentes em obras naquela dependência universitária.
A situação, de que o Dr. Mendes Ribeiro traça um quadro confrangedor, apresenta-se particularmente grave no que respeita a laboratórios. Instalados há trinta anos em casas construídas para recolha de alfaias agrícolas, sem esgotos, canalizações, ventilação e instalação eléctrica que permitam condições, razoáveis de segurança, para o trabalho escolar, funcionam em condições de salubridade deficientes e comportam reduzidíssimo número de alunos.
No ano lectivo transacto a Escola de Farmácia de Lisboa ministrou ensino prático a diversos cursos, que contam desde o mínimo de 58 alunos até 141, regulando a maior parte por cerca de 70 alunos. Para isso dispõe apenas de cinco laboratórios de dimensões reduzidas, o mais amplo dos quais comporta apenas 12 alunos. Isto obriga a numerosos desdobramentos, com notável acréscimo de trabalho para o escasso número de professores de que a Escola dispõe. E torna-se assim quase praticamente impossível organizar os horários dentro das horas aproveitáveis do dia e da capacidade de resistência física dos professores.
O local afastado em que a Escola se encontra aconselhou a instalação de uma cantina para evitar aos alunos deslocações para a refeição necessária no intervalo entre os cursos da manhã e os da tarde. Pois a cantina foi encerrada há vários meses, por não oferecer as necessárias condições de comodidade e ... de salubridade. Os alunos, além disso, não têm sala de estar; nos intervalos das aulas espalham-se pelo jardim, o que, pelo menos no Inverno, especialmente em dias de chuva, não é de grande conforto.
E mais poderíamos dizer se quiséssemos reproduzir o quadro traçado pelo director da Escola. Tem-se observado que se desaconselha fazer obras dispendiosas numa instalação provisória. Mas a verdade é que se tornou de urgência imediata a instalação definitiva. E cremos que esta se poderá fazer na própria Quinta da Torrinha, onde há terreno bastante e que não fica longe do novo Hospital Escolar, não parecendo, por outro lado, desvantajoso - segundo opinião dos da especialidade - que se encontrem vizinhas a Escola de Farmácia e o Hospital Escolar, sede futura da Faculdade de Medicina.
A frequência da Escola de Farmácia e a utilidade pública do ensino que nela se ministra justificam que se pense sem delongas na sua conveniente instalação. Já em 1949-1950 o número de alunos que frequentava em Lisboa o 1.º ciclo do curso de Farmácia era superior ao da soma dos que frequentavam o mesmo ciclo nas Universidades de Coimbra e Porto: 298 alunos em Lisboa, 118 em (Coimbra e 154 no Porto. A soma dos dois últimos números é apenas de 272 alunos, contra 298 em Lisboa.
E note-se que, no que respeita à licenciatura, que só se obtém no Porto, dos 130 alunos que a cursavam no citado ano lectivo, a maior parte provinha da Escola de Lisboa; ali se deslocavam para completar o sen curso.
As circunstâncias referidas, e ainda o facto de que em Lisboa estão localizados mais de dois terços da indústria farmacêutica do País, tornam injustificado o facto de o ensino completo de Farmácia se fazer apenas no Porto, em vez de Lisboa.
Seria de interesse do Estado facilitar e fomentar este ensino no País, localizando-o na capital. Em 1949, segundo notas fornecidas à reitoria pela direcção da Escola de Farmácia, o valor dos medicamentos especializados selados no País para venda ao público foi de cerca de 500:000.000$, e importámos nesse ano do estrangeiro medicamentos especializados no valor de 218 £20.i320$.
Grande parte destes medicamentos, muitos deles fabricados com matérias-primas por nós exportadas, poderia ser manipulada em Portugal se a Escola e Faculdades de Farmácia fossem dotadas de instalações e de laboratórios que permitissem aos seus alunos receber a preparação técnica que hoje têm de procurar no estrangeiro.
Aqui oferecemos à ponderação do Governo um problema, que, não apenas pelo aspecto cultural, senão também pelo aspecto económico-financeiro, é verdadeiramente de interesse nacional ...
Depois da leitura deste tão interessante relatório, há que concluir que se torna necessário reorganizar o ensino farmacêutico, não tanto para dar licenciaturas a todos os profissionais, mas para lhes ministrar uma adequada proficiência e bem actualizada competência; não
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nos faltam bons professores nem alunos com desejo manifesto de bem aprender; faltam-nos verbas orçamentais, e o resto virá por acréscimo.
A indústria e o comércio de farmácia estão requeimados numa cascata ardente de descontos, que faz lembrar as circunstâncias que impuseram o alvará de 5 de Novembro de 1808, que podemos assim lembrar:
I. - Que todos os boticários dos meus reinos sejam obrigados a vender seus medicamentos pelas taxas no regimento determinadas, sem abatimento da terça parte ou da metade da soma das receitas que o costume tem introduzido por circunstâncias que presentemente não ocorrem; e porquanto desta quase necessidade de fazer semelhantes abatimentos podem facilmente originar-se abusos e substituições dolosas e danosas à saúde de meus vassalos, cometer-se faltas essenciais na composição dos remédios: liei por abolido este costume e mando aos julgadores e justiças de meus reinos que nos casos de sua competência assim mesmo julguem, façam executar da publicação deste alvará em diante, conforme o tempo, e era declarada no regimento, condenando aos boticários que tais abatimentos fizerem no dobro da importância dos ditos abatimentos, a metade para o acusador e a outra metade para o hospital- mais vizinho, em razão da má fé que destes abatimentos de soma se deve presumir, sendo como são os preços racionàvelmente taxados.
O II Congresso Luso-Espanhol de Farmácia terminou por uma sério de votos cujo conhecimento importa a esta Assembleia:
Que se recomende a reorganização, em Espanha, da fiscalização sanitária de alimentos, coordenada com os serviços de repressão de fraudes e a integração dos serviços municipais, provinciais e estaduais, de forma a assegurar a sua ,função com a máxima eficácia em defesa da saúde pública. Que ao mesmo tempo se expresse o desejo de que em (Portugal, num futuro tanto quanto possível próximo, se organize um serviço de fiscalização dos géneros alimentícios em moldes semelhantes;
Que, em face da importância e dos recentes progressos da fitofarmácia, se dê, tanto em Portugal como em Espanha, o maior incremento ao estudo destes problemas nos programas do curso de Farmácia e se defina o papel do farmacêutico em tal matéria;
Que se formule o desejo de que numa futura revisão dos planos dos estudos farmacêuticos, entre outras modificações a introduzir, se amplie para dois anos a duração do curso de Química Farmacêutica Orgânica, à semelhança do que se faz já em Espanha;
Que se proponha a unificação dos métodos biológicos de aferição de medicamentos das farmacopeias espanhola e portuguesa e a sua coordenação com os consignados na farmacopeia internacional, publicada pela Organização Mundial de Saúde;
Que se faça o estudo da normalização das drogas de Portugal e Espanha, estabelecendo-se as suas características e constantes físicas, químicas e farmacodinâmicas, para o que as estâncias oficiais devem fornecer os meios de trabalho indispensáveis;
Que se reconheça a necessidade de se estabelecer um conceito de especialidade farmacêutica visando à sua regulamentação em benefício da saúde pública;
No que diz respeito a Portugal, e reconhecido o carácter liberal da profissão farmacêutica, que se faça realmente a necessidade da fusão dos dois organismos corporativos actualmente existentes num único organismo, que deverá ser do tipo «Ordem» e extensivo às províncias ultramarinas.
A leitura a que procedi dos principais votos desse Congresso leva-nos à conclusão da imperiosa necessidade da normalização e categorização das especialidades farmacêuticas, para elas não continuarem num pandemónio de nomenclaturas que nada dizem cientificamente, cansam a memória dos médicos e dos farmacêuticos e só servem para exacerbar uma concorrência funestamente dirigida para o bem do público e do interesse da saúde nacional. O nosso corporativismo em matéria farmacêutica tem de ser uma bem vigiada e coordenada concorrência, e não uma truculenta luta de interesses, com perigo da saúde pública e da economia nacional. Corporativismo económico, e não liberalismo darwiniano.
Sob a égide da Universidade de Coimbra e da Escola de Farmácia, o distinto farmacêutico Sr. Adolfo Teixeira, numa conferência que reveste toda a autoridade, pelo local e pela pessoa que a proferiu, demonstra como a farmácia está doente e preconiza os seus meios de cura:
Um deles, talvez o maior, ó o exercício ilegal da profissão, mal antigo, direi mesmo, mal crónico, que, todavia, os observadores atentos reconhecem não ser muito, difícil de debelar.
Por toda a parte as drogarias continuam a vender medicamentos ao público, apesar da fiscalização exercida pelas entidades competentes. É curioso notar que a maior resistência ao cumprimento da parte correspondente do Decreto n.º 17 636, que regula o exercício da profissão farmacêutica, não provém das pequenas drogarias, daquelas cujo pequeno rendimento explicaria o recurso à prática dl! um negócio que lhes é vedado pelas determinações expressas nu lei. Não. A maior resistência vem precisamente daquelas que não têm necessidade do que lhes não pertence, vem das chamadas grandes drogarias, detentoras, até há pouco, de cerca de dois terços da venda de especialidades. A prova disso está numa tentativa de acordo proposta aos organismos farmacêuticos, tendo em vista o prolongamento do statu quo ante, acordo que, sobre ser inaceitável para os farmacêuticos, era de uma revoltante injustiça para com os pequenos droguistas, exactamente aqueles que pouco ou nada tinham andado fora du lei, por isso que nenhuma concorrência faziam aos farmacêuticos. Esse acordo, como não podia deixar de ser, foi em absoluto rejeitado.
Hoje, essas drogarias, ao invés do que sucedia anteriormente, já não estão, de manhã à noite, cheias de clientela, o que vem reforçar o cálculo relativo ao volume das suas vendas de especialidades e, até, de medicamentos manipulados, pois, como é sabido, não se coibiam de vender tintura de iodo, cola granulada, glicerofosfato de cálcio granulado, vinho quinado, sais de frutos, etc. Se hoje ainda fazem essas vendas, já não é às claras e a toda a gente, o que reduz consideràvelmente essas operações, como é natural. A drogaria é permitida a venda de medicamentos para uso externo, segundo uma lista organizada para cumprimento do disposto no artigo 2.º do Decreto n.º 17 636.
Em conclusão - opina o mesmo senhor - o médico está inteiramente dominado pelas especialidades. O farmacêutico com farmácia sofre materialmente com isso; o médico não deixa de sofrer de iguais consequências; com efeito o médico ensinou o doente a medicar-se pela sua própria iniciativa.
O problema basilar é o da comercialização e industrialização da farmácia, que envolve consequente e neces-
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sàriamente a modificação da estrutura do regime jurídico e económico da propriedade farmacêutica e a revisão do já citado Decreto n.º 23 422, reformados pelos encargos farmacêuticos, sobretudo paratributários, como os que são drenados para a Caixa Sindical de Previdência dos Ajudantes de Farmácia, para a Caixa Regional de Abono de Família e para os Fundos Nacional do Abono de Família e de Desemprego. São assuntos que no aviso prévio encontrariam o seu natural desenvolvimento e que aqui ficam forçosamente sucintos. Ao Governo, e sobretudo aos Ministros responsáveis, chamo a atenção para a necessidade imperiosa da revisão deste estatuto económico, jurídico, fiscal e de previdência social. O ponto de vista corporativo não pode ficar também descurado.
Tenho dito.
Vozes : - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente : - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua um discussão na generalidade a proposta de lei relativa à reorganização da educação física nacional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Rosal.
O Sr. Sousa Rosal : - Sr. Presidente : pretende-se com esta proposta de lei n.º 516 estabelecer as bases para a reorganização da educação física nacional.
No relatório que a antecede reconhece-se que a educação física é um dos elementos fundamentais para o desenvolvimento e aperfeiçoamento das aptidões físicas. o das tendências psíquicas do homem.
Nele se faz a historiada evolução da educação física em Portugal, assinalando-se o que se deve às colectividades particulares e ao Exército e à Marinha, como seus pioneiros e dedicados propagandistas e praticantes, isto numa época em que ainda não eram, entre nós, compreendidos e aceites os seus benefícios, nem pelo Estado nem pela grande maioria da população, e se faz sentir «a conveniência de integrar a educação física no mesmo plano unitário da educação geral», para o que se preconiza a definição e aplicação de uma unidade didáctica material e formal no ensino da Educação Física, a concentração num único organismo dos poderes de direcção e fiscalização e num outro a competência doutrinária e técnica para proceder a estudos e dar pareceres. Tudo na ideia de conduzir e expandir a educação física como meio vivificador de energias e virtudes.
É de desejar que a proposta de lei atinja os objectivos apontados e tenha o efeito reformador que está na intenção do Governo, no desejo dos técnicos e da opinião pública que lhe é afeiçoada.
Também tenho uma ideia sobre o assunto e com ela venho à discussão, no desejo de ser, de qualquer maneira, útil. Antes de a exprimir vou dizer alguma coisa acerca da situação presente do Estado na orientação, organização e comando da nossa educação física, da sua importância e das circunstâncias e preocupações que a fazem movimentar em vários e caracterizados sectores e ambientes, e assim se ajuizar melhor do passo que ora se vai dar.
Começo por uma citação de um pensamento de Salazar:
A posse da infância e da juventude, a educação no sentido nacionalista, a formação da mentalidade geral, os exercícios, os jogos, os desportos, os cuidados de revigora mento físico e moral da raça - tudo se pretende que obedeça a uma direcção única, a um único espírito.
É seguindo este pensamento que se tem vindo estruturando legalmente a educação moral e física do homem novo e se redigiu a proposta de lei que estamos apreciando.
A Constituição, fonte dos preceitos que regulam a vida da Nação, diz 110 seu artigo 6.º, n.º 2.º:
Incumbe ao Estado, entre outras coisas: Coordenar, impulsionar e dirigir todas as actividades sociais, fazendo prevalecer uma justa harmonia de interesses, dentro da legítima subordinação dos particulares ao geral.
Esta é a posição política do Estado perante todas as actividades de fim social, e as que se prendem com a educação física são das que mais atingem, em extensão e profundidade, a viria da Nação, porque influem decisivamente na formação integral do homem e proporcionam espectáculos que arrastam, prendem e entusiasmam multidões, constituídas por todas as classes sociais.
O revigoramento físico e o aperfeiçoamento das faculdades intelectuais, a formação do carácter e a defesa das virtudes morais e cívicas são também indicativos constitucionais, expressos no § 3.º do artigo 43.º da Constituição, e que através da educação física se cultivam e praticam.
A Câmara Corporativa alberga no seu seio representantes da educação física, na sua secção de Educação física e desportos, considerando justamente a sua importância e o seu direito na orgânica corporativa nacional.
Como se constata, o valor da educarão física está visivelmente marcado no pensamento e nos princípios directivos da nossa ordem política.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Isto obriga a dispor tudo para que ela desempenhe uni papel construtivo e prestigiante.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Será assim se um espírito novo animar mentores e praticantes, que não venha impregnado do desejo único de desenvolver o músculo pelo músculo e de qualquer maneira, mesmo a custa da ruína física u da quebra das boas regras da educação. É indispensável que a educação física seja ministrada na convicção de que, a par da necessidade de cultivar o corpo para desenvolver o vigor físico, se sinta a obrigação de cultivar qualidades morais que levem ao autodomínio, à autodisciplina, à fortaleza de ânimo, à lealdade e ao espírito de sacrifício.
Qualquer acção estimulante que provoque reacções no organismo do homem tem influência na modelação do seu carácter.
Qualidades morais que se reflectirão apropriadamente na vida da família e da sociedade, contribuindo para um estado de educação completa e harmónica, geradora de gosto do viver e de bem-estar social. A posição do Estado nos domínios da educação física, neste momento, pode ser definida pelo conteúdo da série de providências legislativas que a ela se referem.
À cabeça, como não podia deixar de ser, tratando-se de um problema de educação, está a Junta Nacional da Educação, criada pela base II da Lei n.º 1 941. de 1936, que reformou o Ministério da Educação Nacional. A sua actividade foi regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 26 611, de Maio do mesmo ano, sendo-lhe conferida,
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na sua competência, a categoria de organismo técnico e consultivo para os assuntos de educação, ensino e cultura.
É a uma das suas sete secções, a 1.ª, chamada de «Educação moral e física», que compete o estudo dos meios a empregar para a formação moral e cívica do homem português, bem como para a valorização da sua energia física, no espírito de devoção à Pátria.
E é na sua 2.ª subsecção, chamada de «Educação física e pré-militar», a reorganizar com as bases I e II do projecto da proposta de lei, que os assuntos de educação física têm o seu lugar. Cabe-lhe cooperar na obra educativa do Estado e em «tudo o que possa concorrer para aumentar o vigor da raça portuguesa».
O Decreto-Lei n.º 27 084, de Outubro de 1936, que reformou o ensino liceal, reconheceu o «direito à saúde física e os limites de capacidade intelectual».
Para criar as condições ambientais a tal intenção, espalhou-se pelos programas dos diferentes ciclos o ensino da Educação Moral e Física, contando para o seu êxito com a colaboração da Mocidade Portuguesa e das instituições particulares bem orientadas. Idênticos propósitos foram extensivos às escolas técnicas e primárias, propósitos que tiveram maior significado com a criação, pela base XI da Lei n.º 19 412 da Organização Nacional Mocidade Portuguesa.
A sua acção foi regulamentada pelo Decreto n.º 27 301, de Dezembro de 1936, estendendo-se a toda a juventude, e até à infância, com os lusitos.
No estatuto da Obra das Mães pela Educação Nacional, aprovado pelo Decreto n.º 26 893, de Agosto de 1936, também se prevê o desenvolvimento do gosto pela cultura física, para bem da saúde, da família e da Pátria.
O Decreto n.º 28 262, de Dezembro de 1937, cria, por sua vez, a Mocidade Portuguesa Feminina, tornando extensiva a acção do Estado à educação física da mulher, visando a higiene, o fortalecimento, a correcção e a defesa do organismo, e, no campo moral, a disciplina do esforço, a confiança em si, a lealdade e a alegria sã, vedando-lhe as competições e exibições de natureza atlética e desportos prejudiciais à sua missão natural e ofensivas do pudor feminino.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As Casas do Povo e as Casas dos Pescadores, criadas, respectivamente, pelo Decreto-Lei n.º 23 051, de Março de 1934, e Lei n.º 1953, de Março de 1937, também têm na sua missão actividades desportivas.
O Estado tomou ainda posição nos desportos náuticos, codificando e actualizando a sua legislação, nomeadamente sobre barcos de vela, tidos como escolas de marinharia, paxá os filiados da brigada naval da Legião Portuguesa, colocando os referidos desportos na sua dependência.
Em 1940, com o Decreto-Lei n.º 30 239, de Janeiro, foi criado o Instituto Nacional de Educação Física, cuja falta há muito se fazia sentir, para promover a preparação dos agentes de ensino, com base no estudo científico do problema de educação física, sem descurar os seus aspectos educacional e social.
Em 1942, com o Decreto-Lei n.º 32 241, de Setembro, foi criada a Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, com o fim de orientar e promover, fora da Mocidade Portuguesa e da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, a educação física do povo português e com competência para intervir nas organizações desportivas, com o intuito de disciplinar os desportos.
Ao lado da acção desenvolvida directamente pelo Estado, u Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, criada pelo Decreto-Lei n.º 25 495, de Junho de 1945, por feliz inspiração do disposto no artigo 17.º da Constituição, tem vindo, sob a asa protectora do Estado, recreando o trabalhador e fortalecendo a sua saúde moral e física, guiada pelos seus estatutos, aprovados pelos Decretos n.08 31 036 e 37 836, respectivamente de Dezembro dê 1940 e de Maio de 1950.
As entidades a que me acabo de referir são as que detêm nas suas mãos os destinos da educação física nacional, orientando, dirigindo, fiscalizando e ensinando conforme o que expressamente lhes foi fixado nos textos ou sugestionado nos considerandos dos diplomas que as criaram e regulamentaram as suas actividades.
Pode resumir-se assim o que oficialmente está estruturado sobre a educação física:
A Junta Nacional da Educação, organismo de estudo e de consulta; o Instituto Nacional de Educação Física, estabelecimento de ensino especializado; a Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, organismo orientador e fiscalizador das actividades particulares; a Mocidade Portuguesa, organização que enquadra, dirige e fiscaliza a juventude escolar e extra-escolar; a Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, organização que enquadra, dirige e fiscaliza os trabalhadores da organização corporativa; a brigada naval da Legião Portuguesa, animadora dos desportos náuticos, e ainda a Comissão Superior de Educação Física do Exército e a Comissão Técnica de Educação Física da Armada, para a educação física castrense.
Todas estas entidades estão apenas ligadas entre si pelo alto pensamento que as instituiu e pelo imperativo do fim comum.
Com este projecto de proposta de lei deseja-se ir mais além, .na unidade de direcção e de espírito que é pensamento de Salazar e marca a linha de rumo a seguir na educação da infância e juventude.
Para a educação física, irradia dela o propósito ide alcançar uma unidade técnica específica, pedagógica e educacional, coordenada e dirigida harmònicamente por comando centralizado.
Excelente propósito, que não pode deixar de solicitar aplausos ao ser teoricamente enunciado, mas provoca algumas apreensões quando se pensa na maneira de o pôr, eficientemente, em marcha. Como se materializa ele no projecto de proposta de lei de que estamos a tratar?
Com as bases I e II dá-se organização e competência ao organismo que há-de promover a unidade de doutrina.
Com a base III aponta-se o organismo que vai dispor de unidade de comando.
Com as bases IV a XI dão-se as directrizes para fomentar e divulgar a unidade didáctica.
A unidade de doutrina fica a cango da Junta Nacional da Educação, através da sua Subsecção de educação física, remodelada pela base I e com a competência que lhe é atribuída pela base II.
A Junta Nacional da Educação, em virtude dos fins para que foi criada - «estudo de todos os problemas que interessam à formação do carácter, ao ensino e à cultura » - e da sua orgânica, é a entidade que reúne todas as condições e está preparada para «estudar e definir os princípios e estabelecer as normas em que deve assentar e mover-se a educação física no quadro geral da educação nacional.
Correm pelas suas sete secções os problemas que interessam à educação moral e física, ao ensino em todos os graus e à alta cultura, o que lhe permite ver o problema da educação nacional de alto e de conjunto e encontrar as soluções mais em conformidade com os interesses superiores da Nação e com a política do espírito que o Estado proclama.
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As normas estudadas e lançadas de meio tão prestigioso e autorizado permitirão pôr a educação física no justo plano e em condições de desenvolver-se nele, com inteligência, método e ânimo, de modo a despertar as consciências para um movimento ascensional e fecundo em realizações e resultados do que estamos necessitando.
A preparação dos agentes de ensino continuará a fazer-se no Instituto Nacional de Educação Física, a remodelar nos termos das bases IV a XI, dispostas para dar ao ensino da Educação Física os fundamentos científicos e as condições materiais e espirituais, para o elevar e colocar no lugar que lhe compete entre os estabelecimentos da sua categoria.
É fora de dúvida que o Instituto Nacional de Educação Física está na base de tudo o que se desejar fazer de sério e de seguro para melhorar a mentalidade dirigente da educação física e renovar o ar onde ela se pratica, como elemento capital para a formação de uma firme consciência pedagógica que transforme o nosso sistema de cultura física. Que assim é revela-o a importância que se lhe deu no projecto de proposta de lei, reservando-lhe oito das suas onze bases.
Só é de desejar que a sua reorganização, inspirada nelas, tenha a felicidade de dar ao ensino da Educação Física maior categoria e mais autoridade, tornando-se o Instituto Nacional de Educação Física, na verdade, o «cérebro da acção educativa e pedagógica unitária» da educação física em Portugal, como se deseja, para que a sementeira desta seja anais vasta e de melhores frutos.
As bases a que já me referi e que reorganizam a subsecção de educação física da Junta Nacional da Educação e o Instituto Nacional de Educação Física não levantam problemas de fundo, mas sim de pormenor, que melhor se localizam durante a discussão na especialidade.
Só a base m provoca uma série de considerações que atingem um dos princípios que o projecto de proposta de lei deseja assegurar - a unidade de comando.
A questão é levantada, com certa razão, pela Câmara Corporativa no seu parecer.
E fora de dúvida que será vantajoso ligar de certa maneira e coordenar o que se está a fazer em educação física nas escolas, na Mocidade Portuguesa, na F. N. A. T. e nas colectividades particulares, encaminhando tudo para que os esforços se conjuguem e completem e se aproveitem bem os recursos de que dispomos.
Procura-se localizar na Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar o posto de comando para dirigir a batalha da educação física.
Que poderes devem ser conferidos à Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar na sua prevista reorganização para levar a bom termo tão espinhosa missão?
Até onde deve ir a sua acção intervencionista, no vasto e movimentado terreno em que habitam os factores que influenciam as coisas da educação física, sem contrariar as leis naturais da espontaneidade e da iniciativa e a liberdade de que necessitam para respirarem, e moverem-se sem peias burocráticas, entorpecedoras e desmoralizantes?
Apesar de o meu espírito se sentir predisposto a ter como bom o princípio da unidade de comando, também me sinto tocado pelas objecções feitas pela Câmara Corporativa no seu parecer.
Eu vou dizer porquê.
Entremos com o pensamento no mundo da educação física, cheio de condicionalismos, e detenhamo-nos aqui e acolá, só para fazer uma ideia, neste momento, que ajude a esboçar uma sugestão fundamentada.
Comecemos por pensar nos meios específicos em que se decompõe a educação física, fazendo um ligeiro apontamento para cada um. São eles:
A ginástica de formação;
Os jogos educativos;
Os desportos.
A ginástica de formação está na base da educação física e é imprescindível para o desenvolvimento racional e harmónico do homem, fazendo mover o seu complexo organismo com equilíbrio, elegância, capacidade física e saúde no labor normal da sua vida e na prática bela e salutar dos desportos. Assim, tem de ser tida como essencial na formação do indivíduo e, consequentemente, generalizada pana poder algum dia chegar a toda a parte e a toda a gente, solicitando, para tal, uma campanha bem estudada e decidida, como a que foi recentemente lançada pelo Ministério da Educação Nacional contra o analfabetismo.
O analfabetismo da educação física não é menos prejudicial à valorização da nossa gente.
Os jogos educativos são exercícios de iniciação desportiva e meios fáceis e eficazes de dosear, para aumentar a resistência física e fomentar a aplicação de princípios morais num clima expansivo e alegre, onde se revelam instintivamente qualidades; e defeitos, proporcionando a oportunidade de se exercer uma acção educativa, estimulando as qualidades e corrigindo os defeitos.
Os desportos são a continuação dos jogos educativos e da ginástica de formação para eles é atraída a gente moça e em sua volta movimentam-se interesses nem sempre compreensíveis e grandes massas populares apaixonadas, que tantas vezes lhes tiram a beleza e a sua utilidade, por excesso de entusiasmo. É através deles que os povos manifestam em exibições e competições públicas em terreno nacional ou internacional a virilidade, lealdade e nobreza de uma raça.
A estas ligeiras notas sobre o esquema geral da educação física há ainda a acrescentar a diversidade de actuações que a ginástica, os jogos e os desportos exigem para que os exercícios tenham a sua aplicação óptima, o que implica uma prática metodicamente escalonada, tendo em atenção o estado de desenvolvimento psicofísico, as idades e os sexos e os factores da natureza cósmica e moral que
rodeiam os elementos humanos a abarcar e a educar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Outro aspecto. Não se pode também deixar de pensar na origem, natureza e constituição dos agrupamentos onde se pratica a educação física, com a sua fisiologia e psicologia próprias e possibilidades materiais limitadas.
Encaminhemos agora o pensamento para esse lado e consideremos o nosso mundo da educação física compartimentado em três grandes sectores.
O da Mocidade Portuguesa, o da F. N. A. T. e o das colectividades desportivas particulares, orientado pela Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar.
Não considero para o caso o sector militar, por ter ficado fora da alçada do projecto.
Cada um deles é caracterizado por certo número de particularidades, que requerem sistemas e métodos diferentes de direcção e acção, o que tem sido reconhecido pelo próprio Estado, tomando posições diferentes perante cada um deles.
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Por um lado, a Organização Nacional Mocidade Portuguesa, formosa e alegre oficina, que é necessário dotar generosamente...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -... com a ferramenta e o tino capazes de forjar o braço forte e temperar a alma generosa da nossa juventude, que é a sua matéria-prima, para a dura luta pela vida, no amanha que a espera e se adivinha que será difícil e áspero, lendo nos horizontes carregados do dia de hoje.
Matéria-prima preciosa, porque ela terá de consubstanciar a continuidade de um esforço, de um engenho e de um espírito que definem o carácter da nossa raça, que tem dado ao Mundo e à Humanidade proveitosas realizações e exemplos. É para essa herança pesada, transcendente e honrosa, que temos de preparar os homens de amanhã.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A formação da mocidade pede para tal uma inteligente e bem conduzida acção educativa do Estado e uma compreensiva e carinhosa colaboração de todos, nomeadamente da escola e da família.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A preparação física tem de vir de longe, começar na assistência à maternidade, tomar depois pó na escola primária, por onde hoje toda a população tem de passar, e continuar afincadamente em todos os graus de ensino e nos locais de trabalho, e atingir a sua plenitude sob a direcção da Mocidade Portuguesa e dentro das suas fileiras, dando formação completa e personalidade ao indivíduo, no mais adequado período da vida, que ó o da juventude, para fazer dele um ente são e alegre, capaz de cumprir o seu papel para com a família, a sociedade e a Nação, com altura, espírito de sacrifício e sempre.
Este trabalho de modelação do corpo e da alma da juventude, praticado em diferentes meios e circunstâncias, numa solicitação constante e vigilante às características e tendências naturais, carece, não só do saber, mas também duma apaixonada e patriótica devoção de todos ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -... e principalmente da parte dos dirigentes, instrutores e graduados.
Não quero deixar de focar uma das. missões de maior alcance nacional da actividade da Mocidade Portuguesa, que é a da preparação pré-militar da juventude. Não com carácter de instrução específica como a que é dada na milícia, que deve ser classificada mais como instrução, militar preparatória do que propriamente como de preparação pré-militar, no sentido generalizado e básico que se deseja e se julga possível e necessário para facilitar a instrução militar nas fileiras das forças armadas.
Trata-se de um problema de formação geral nos seus aspectos de educação moral e física. Em muito seria facilitada a preparação dos homens que se apresentam nas fileiras para cumprir as suas obrigações militares se viessem devidamente apetrechados, intelectual, moral e fisicamente para receber a instrução especial que lhes tem de ser ministrada, em Curto tempo, para o manejo dos instrumentos bélicos e para a manobra táctica e função técnica.
O Sr. Moura Relvas: - O ensino da ginástica, como é feito, através do método Ling, e com os exercícios de ordem, corrida, etc., que nessa juventude existem e se concentram, não será suficiente para preparar a juventude para a instrução militar preparatória da milícia? Isto é, uma organização da educação física com ginástica educativa, ginástica de formação, creio que, sendo bem conduzida, devidamente orientada e bem fiscalizada, conduz logicamente o indivíduo a ser apto a frequentar a milícia.
O Orador: - Isso está dentro do meu pensamento quando me referi a educação pré-militar no sentido generalizado e básico.
O Sr. Moura Relvas: - Agradeço o esclarecimento de V. Ex.ª, porque eu estava a pensar que V. Ex.ª admitia duas preparações físicas da juventude.
O Orador: - Desde que a preparação da juventude seja um facto, claro que ela servirá perfeitamente as necessidades militares; mas nós notamos que os rapazes que lá chegam é que não têm essa preparação.
O Sr. Moura Relvas: - Nós estamos aqui exactamente para modificar isso.
O Orador: - Quem vive em meio militar e em posição de poder observar como se apresentam os mancebos dos mais diferentes graus de cultura, desde o analfabeto ao universitário, para receberem instrução de recruta e graduados, não pode deixar de se impressionar com o grau de analfabetismo, passe o termo, com que quase todos se apresentam em matéria de cultura e resistência físicas e de falta de predisposição para compreenderem a sua situação moral o cívica perante a sagrada obrigação do serviço militar.
Não devemos fazer, porém, das insuficiências que se notam motivo de censura que leve a perder a fé ma grandeza dos fins e a confiança na modicidade dos meios.
Insuficiências que se devem em grande parte à falta de objectividade educativa, inclinada para a defesa nacional e ligação conveniente tom o«j departamentos militares, e ainda à carência de recursos, que limitam o espaço e o esforço, e ao excesso de mimo familiar, que predispõe a mossa juventude para uma vida sedentária.
A Organização Nacional Mocidade Portuguesa é o instrumento adequado para modificar este estado de coisas, devendo por isso ser olhada com a importância e cuidado que merece, de molde a poder, dentro ida modéstia dos nossos recursos, enquadrar e dominar de facto toda a gente nova, para fazer dela homens capazes de enfrentarem com aptidão e dignidade os problemas sérios e duros da vida.
Vem tudo isto a propósito para salientar a extensão, profundidade e altura do empreendimento que está entregue à Mocidade Portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pode afirmar-se que a Mocidade Portuguesa, tem atrás ide si uma obra apreciável e digna de respeito, embora discutível, construída com a dedicação e o saber de homens de boa vontade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Todos gostaríamos de conhecer mais do seu intenso trabalho e vê-la conquistar a admiração e a estima das elites e das massas sociais, com exuberantes manifestações públicas de civismo, de beleza e de vigor, e o coração dos seus filiados.
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Sentimos, porém, que a sua maré alta ainda não foi atingida.
Não nos impressiona com grandeza e intimamente, nem a maioria dos seus componentes dá a conhecer que ama e temi orgulho «em pertencer-lhe, nem ficam ligados a ela por sentimentos pela vida fora, como deviam e era de esperar.
Procure-se o motivo. Aproveite-se bem o valor dos elementos que a dirigem e enquadram. Corrija-se o que não estiver certo e dê-se-lhe o que lhe falta.
Deve-se fazer tudo para se conseguir que a juventude marque a posição de relevo que lhe pertence na vida da Nação, obrigando a volver para ela os olhos cheios de admiração e a confiança dos que vão adiantados na vida, de tal modo que um dia, ao fechá-los para sempre, o passam fazer com a tranquilidade de quem deixa atrás de si uma certeza feliz.
Mas não é com diminuição de- autoridade dos órgãos dirigentes ou travão burocrático que a Organização Nacional Mocidade Portuguesa há-de atingir a sua maior expressão e grandeza.
O contacto directo e permanente que existe em todos os departamentos da Organização, dos dirigentes com os dirigidos e com os seus problemas instantes e constantes e a íntima e bem coordenada colaboração com os estabelecimentos de ensino, a F. N. A. T. e as organizações particulares, que lhe falta, são condições muito importantes para a sua marcha ascensional e proveitosa.
A interposição entre eles de unia autoridade estranha será prejudicial, por ser desarticulante.
O Sr. Moura Relvas: - A Direcção-Geral tem por fim, exactamente, articular o que anda desarticulado.
O Orador: - Se exercer a sua acção muito fundo, desarticula.
O Sr. Moura Relvas: - A razão que a Direcção-Geral na base III encara é a razão que se circunscreve à necessidade de articular o que anda desarticulado.
O Orador: - Deve articular por cima. A acção desarticulante exerce-se quando se pretende mexer em pontos de vida interna, de que só os organismos entendem.
Uma superintendência exercida por directrizes no plano superior de orientação geral e uma fiscalização posta no mesmo plano permitiriam que as actividades da Mocidade Portuguesa trabalhassem obedecendo ao princípio de unidade, sem a necessidade de invadir as suas atribuições e campos de acção privativos com uma injustificável diminuição de autonomia que possa redundar em prejuízo do dinamismo e da força que deve ter.
Por outro lado, a F. N. A. T., organismo de feição nitidamente popular, que tem por missão instruir e educar o trabalhador, divertindo, tem na educação física um dos motivos apropriados para o conseguir.
Através da sedução dos exercícios físicos, bem orientados e praticados, quebra-se no trabalhador a monotonia do espírito e corrigem-se deformações orgânicas produzidas pela rotina do trabalho quotidiano, sempre igual. Isto é mais de considerar nas grandes organizações industriais, em que a mecanização do esforço e a paralisação da inteligência durante ele são fatais, por efeito de uma produção estandardizada.
O aproveitamento das horas vagas na prática da educação física ou mesmo o simples assistir às suas exibições terá uma influência boa na formação moral do trabalhador, pelo desvio deste de ambientes prejudiciais, que por distracção procura, por não ter outros ao seu alcance, os quais insensivelmente levam quase sempre a hábitos prejudiciais e viciosos.
A acção recreativa que a educação física permite, e designadamente os desportos, tem de resultar necessariamente educativa nas suas manifestações de beleza, força, subtileza e lealdade e terá efeito social apreciável, pela alegria e convivência nascidas em meio sadio, e até efeito económico, pela melhor disposição que dá para a aceitação das tarefas do dia seguinte, tornando-as mais compreensíveis e rendosas. Neste sector, como na Mocidade Portuguesa, embora com características diferentes, é igualmente reconhecida a vantagem de um comando exercido directamente em toda a extensão da organização, por intermédio dos que vivem e sentem a sua vida, e ainda acrescida da circunstância de ser indispensável que dentro da F. N. A. T. todos os actos sejam conduzidos para dar ao trabalhador mentalidade corporativa, e só a pode dar unia direcção que esteja ciente dela e para isso especialmente preparada.
Esta particularidade e outras que à distância não se enxergam nem se sentem nilo são susceptíveis de ser atendidas convenientemente e com oportunidade por um organismo dirigente colocado alto e distante e girando ainda por cima na órbita de uni departamento ministerial diferente.
A evolução da educação física do trabalhador, e de maneira particular a dos desportos, tem-se exercido com um passo certo e sempre crescente e em regime desportivo saudável e disciplinado dentro da F. N. A. T., com a autonomia que lhe dá o seu estatuto e na obediência às normas, regulamentares, publicadas para cada modalidade desportiva.
Se alguma coisa unais há a fazer - e muito há - em prol da educação física pela F. N. A. T., é estender a sua acção à juventude trabalhadora, em colaboração com a Mocidade Portuguesa, para a trazer ao gosto da prática da ginástica, modalidade mais proveitosa da educação física, a qual não tem tomado grande incremento por falta de instalações apropriadas junto dos locais de trabalho, que tornem atraente a prática da ginástica e compatível com o esforço exigido pelo seu labor diário. Arada há a considerar a falta de ligação com a Mocidade Portuguesa.
A F. N. A. T. tem o necessário em organização e experiência, para receber e pôr em execução às directrizes que superiormente lhe forem dadas para colaboram decididamente na obra da educação física e ajeitar-se aos princípios e preceitos sem os deformar.
Julgo-me na obrigação de aproveitar este momento em que estou a referir-me à F. N. A. T., para dizer nesta Casa, onde não devem passar em claro acontecimentos que tenham significativa projecção na vida nacional, algumas palavras de louvor para a ideia que presidiu e para o ânimo que pôs em marcha e de pé essa manifestação encantadora da inteligência e do génio criador do povo que foi a I Exposição de Arte dos Trabalhadores.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quem a percorreu com sentido não deixou de se inclinar com respeito e admiração perante as muitas pequenas coisas que retratavam essa grande coisa que é o sentir ingénuo, fecundo e bom da alma popular, que ali ficou expresso em desenhos, recortes e modelações, engenhados por cérebros de restrita cultura mas de pujante imaginação.
Esse estabelecimento de contacto com o trabalhador, tocando o lado mais sensível das preocupações do homem, aquilo que julga ser o seu valor e marca a sua destacada personalidade, teve senso político, porque lhe deu alegria, íntima, fazendo-lhe sentir que efectivamente o Estado Corporativo o acarinha e o deseja
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ver dignificado e aproveitado em tudo que possa enriquecer e prestigiar o património material e espiritual da Nação, sem esquecer as suas legítimas e queridas aspirações pessoais, dando-lhe assim a certeza de que a organização corporativa não é um corpo sem alma.
Gestos deste quilate, que facilitem a aproximação entre os de cima e os de baixo, devem repetir-se com frequência, porque mais vale uma troca de palavras, de impressões e de gestos acolhedores do que montes de literatura e milhares de discursos para Comentar sentimentos e esclarecer ideias que tornem respeitada, e compreensível uma política que se deseja enraizar no coração do povo.
Retomando o fio da meada que estou a dobar sobre a educação física, vou entrar agora no sector das colectividades particulares que a ela se dedicam.
Esto ó o mais heterogéneo e porventura o mais difícil de dirigir e controlar.
Nele superintende a Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar.
As colectividades que o compõem têm as suas características próprias, que lhe vêm essencialmente da modalidade desportiva que preponderantemente praticam e desejam servir.
Não deixam, contudo, de manter entre si certas afinidades quanto à sua origem e manutenção, puramente filhas de iniciativas e esforços particulares, e quanto aos seus fins mais aliciantes, que são a divulgação da educação física por exibições e competições públicas desportivas, com o engodo nas vitórias e no bater dos records.
No âmbito das colectividades particulares a educação física toma aspectos diferentes daqueles que a revestem na Mocidade Portuguesa e na F. N. A. T.
Neste sector procura-se, de preferência, o adulto, esquecendo algumas vezes as boas regras, forçando qualidades pessoais, com um treino que, por vezes, provoca o desequilíbrio orgânico, pura vencer e despertar a, emoção do público, com certo fim utilitário imediato para a, vida das colectividades, embora com projecção de realce na vida desportiva nacional.
Pelo contrário, na Mocidade Portuguesa tudo se encaminha para a formação da personalidade completa do homem, praticando a educação física desde a ginástica aos desportos, com orientação puramente formativa.
Na F. N. A. T. a educação física anda preocupada com fins recreativos e também se exerce quase exclusivamente sobre adultos, mas não procura o fim utilitário que domina as colectividades particulares, mantendo as exibições e as competições dentro do campo da formação corpórea e educativa, para ajudar o trabalhador a defender-se das coisas deformantes que o rodeiam.
As práticas desportivas atraem-no pelo prazer e utilidade que isso lhe dá, e não propriamente com mira numa vitória de qualquer maneira.
A posição de comando que a Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar tem ocupado no sector das colectividades particulares que se dedicam à educação física deve ser mudada na futura reorganização para um plano mais alto, de onde os acontecimentos se possam ver, apreciar e julgar convenientemente, não devendo descer com a sua autoridade orientadora, fiscalizadora e disciplinar ao campo do pormenor, a não ser paira servir de árbitro ou reprimir abusos, pela dificuldade de encontrar o meio de aplicação particularizado e minucioso exigido para acudir às variadíssimas circunstâncias que a todo o momento surgem.
Descer ao íntimo dos organismos desportivos, para assistir às reuniões das direcções e dos conselhos técnicos e administrativos, como é facultado pelo n.º 8.º do artigo 4.º do Decreto n.º 32 946, de Agosto de 1943, que regulamentou a actividade da Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, não é simpático nem compreensível.
O Sr. Moura Relvas: - Suponha V. Ex.ª que há uma colectividade que tem determinadas necessidades, que quer atender certos receios.
O Orador: - Entendo que não há que fiscalizar deliberações que interessam à vida interna da colectividade.
O Sr. Moura Relvas: - Mas eu refiro-me à acção educativa dessas colectividades. É neste ponto que eu não compreendo a inconveniência da assistência do inspector.
O Orador: - Para isso não é necessário assistir às reuniões das direcções, basta assistir às suas actividades.
O Sr. Moura Relvas: - V. Ex.ª o que quer é isso devidamente regulamentado.
O Orador: - Na medida do possível.
O Sr. Moura Relvas: - Se tem havido exorbitâncias, estou de acordo com V. Ex.ª
O Orador: - Estou a pôr problemas na generalidade e para o futuro.
As pessoas que tiverem de tomar deliberações desta maneira não podem fazê-lo sem constrangimento, por se sentirem susceptibilizadas com uma tutela que quebra o entusiasmo, prende a iniciativa e diminui a autoridade, indispensáveis à sua acção directiva, à qual tantos desinteressada e dedicadamente se entregam paru servir o desporto nacional.
Também ferem a sensibilidade dos dirigentes desportivos os poderes discricionários conferidos à Direcção-Geral pelo artigo 28.º do Decreto n.º 32 946, que têm a faculdade de impedir que as assembleias gerais e os corpos gerentes tomem deliberações e de tornar executórias as deliberações tomadas.
Compreende-se que haja necessidade de prever procedimentos desta natureza para impedir actos que perturbem a disciplina desportiva e o sistema educacional, mas é indispensável condicionar na própria lei tais poderes, para que não se possa cair num abuso de autoridade, por má visão dos acontecimentos por parte dos homens que os tenham em mãos.
Outro problema, que o Decreto n.º 32 946 levantou no seu artigo 59.º, e que não tem sido resolvido satisfatoriamente, é o da autorização para poderem tomar parte em competições: desportivas desportistas com menos de 18 anos de idade.
No futebol só entre os 17 e 18 anos é autorizada a prática e na categoria de' juniores.
Noutras modalidades só com alteração das negras, de forma a reduzir a intensidade do esforço.
A questão devia ser posta no plano da aptidão física, e não no da idade.
Pode haver um rapaz de 16 anos mais apto fisicamente do que um de 19 anos. Lá fora há campeões olímpicos muito jovens e na Inglaterra há profissionais de futebol com 17 anos.
Portugal não tem podido entrar nas competições internacionais de juniores porque, começando entre nós muito tarde a prática do desporto de Competição, os nossos rapazes não podem sustentar o confronto com elementos que começaram muito mais cedo a sua formação para tal. Este assunto é digno de ser reconsiderado e resolvido com o cuidado e interesse que solicita o futuro do nosso desporto.
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Uma vez que existem centros de medicina desportiva, não haverá dificuldade em dar execução ao abaixamento previsto do limite de idade para os fisicamente aptos poderem tomar parte na prática de desportos de competição.
Aos centros de medicina desportiva devia dar-se a referida- faculdade e possibilitá-los com os meios necessários para o exercício de uma rigorosa, fiscalização médica sobre todos os que praticam os (desportos.
Então teríamos o gosto de vê-los desempenhar de facto uma alta missão e assistir ao trocar de uns tantos jovens aptos por muitos adultos inaptos que por aí andam a suicidar-se praticando desportos para que não têm saúde nem condições físicas.
A quantos ficariam reduzidos os 12 000 futebolistas, referidos no discurso com que brilhantemente iniciou este debate o Sr. Deputado Moura Relvas, se tivessem de passar pela fieira dos centros de medicina desportiva?
O caso da transferência de desportistas de clube para clube é necessário colocar na devida altura, para lhe tirar todo o aspecto de mercado de compra e venda, contrário à boa ética desportiva, que cumpre defender, o que não será conseguido se oficialmente se mostrar demasiada simpatia por determinadas transacções que tenham laivos de um profissionalismo que teoricamente se condena e se deixem circular sem ser pelas vias competentes.
Profissionalismo que se condena mas não se ignora quando se cobra para o Fundo de Desemprego 2 por cento sobre os vencimentos pagos por alguns clubes a alguns dos seus desportistas e ao facilitar lugares que nem sempre estão ao saber e jeito dos ocupantes.
A este respeito devo ainda dizer que já é tempo de regulamentar a questão do amadorismo e profissionalismo à luz das realidades, estremando os campos e reconhecendo a sua existência de facto, para que acabe a farsa em que vivemos e os clubes e os atletas possam ler a sua situação e os seus direitos perfeitamente definidos.
E a propósito mais uma ligeira anotação referente à disciplina, meio educativo de muito mérito, de que tantos falam e poucos usam com acerto, por tocarem com mais gosto a tecla repressiva. Pior ainda é o não ser tocada com afinação, e desta maneira não será entendida e pode pôr em perigo o equilíbrio colectivo, que tem na autêntica disciplina o seu mais sólido fundamento.
Toda a precaução que for tomada no seu emprego será pouca pela influência que ele exerce no espírito dos atingidos e no dos que estão atentos ao seu aplicar e efeitos. Evite-se sempre ofender os princípios e as regras estabelecidos com interpretações e aplicações que não sejam ditadas por critério justo e uniforme. Se assim não for, logo se dirá, mesmo injustamente, que levam carapuça.
Para exercer acção disciplinar não se devem tomar atitudes de indisciplina para com as determinações regulamentares. Por exemplo, é inconveniente interferir inicialmente nas decisões a tomar pelos clubes, associações e federações por parte de quem na hierarquia estabelecida da jurisdição disciplinar desempenhe funções de instância de recursos. É igualmente inconveniente alterar a ordem de precedência dentro da hierarquia das instâncias de recursos.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Sim, senhor, com todo o gosto.
O Sr. Mário de Figueiredo: - E só para pôr este problema; imagino V. Ex.ª que se verifica numa instância, já de recurso, que certa decisão é contraída abertamente à decisão sobre a mesma matéria tomada anteriormente pela mesma instância. Como se há-de proceder?
Se se esgotou a via de recurso, o caso concreto já não tem remédio. Mas, se não se esgotou a via de recurso, por que se há-de parar na primeira ou na segunda instância de recurso que se verificou ter decidido o caso em contradição aberta com outro idêntico que decidira antes?
O Orador: - Esse problema não se pôs.
O Sr. Mário de Figueiredo: - É o problema que V. Ex.ª acaba de pôr. Não se trata de uma desautorização, trata-se de uma via de recurso que não está esgotada, e verifica-se que unia instância de recurso resolveu determinado caso -estou a falar de uma hipótese abstracta - ...
O Orador: - Eu também estou a falar de hipóteses.
O Sr. Mário de Figueiredo: - ... em contradição aberta marcada com a forma por que resolveu outros casos que se apresentavam precisamente com o mesmo condicionalismo.
O Orador: - Agradeço que V. Ex.ª me diga como se deve resolver o problema.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Recorrendo para a instância que está acima.
O Orador: - O problema que eu ponho é o da disciplina para com as leis e os regulamentos, e apresento-o da, seguinte maneira: que se respeite o que está determinado sobre a ordem de precedência na apresentação dos problemas de disciplina e se passe por cima de determinadas instâncias quando não haja necessidade.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Estou de acordo com V. Ex.ª Se não está esgotada a via de recurso, recorre-se para a instância superior; se está esgotada, executa-se a deliberação da instituição que tenha competência para resolver e a seguir substitui-se ou modifica-se a instituição, porque não sabe resolver com igualdade, e portanto com justiça.
O Orador: - Tem de regulamentar-se como isso se exerce. É preciso que se regulamente esse problema que V. Ex.ª pôs, com fundamento no que eu disse, para que não possa existir a possibilidade do livre arbítrio. Resolver as coisas uma vez de uma maneira e outra vez de outra não está bem.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Se se verifica que uma instância de recurso resolveu mal várias vezes, executam-se as suas decisões, porque era u última via de recurso, mas depois reforma-se.
O Orador: - O que é preciso é que as coisas não estejam ao critério das pessoas. O que se deve é regulamentar, definir direitos e obrigações.
Disciplinar é antes de mais educar, e não o conseguirá quem se guiar por linhas tortas.
Assim a disciplina faz arder, mas não cura, dá tranquilidade, mas só aparentemente e em superfície, e jamais conquistará o que conta para a educação: as consciências e os corações.
Pintada deste modo e com estas tintas a posição doutrinária, legal e de facto da educação física nacional, com o propósito de chamar a atenção para a maneira como vive e para que vive no vasto espaço que conquistou e como se ajeita dentro de certos compartimentos,
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com as suas virtudes, defeitos e condicionalismos essenciais ao seu desenvolvimento e fim, resta agora concluir.
Para o fazer com certo fundamento vou ainda esboçar alguns considerandos à laia de premissas, inspirados no que tenho vindo a dizer.
A educação física é factor valioso a considerar na formação intelectual, moral e física do indivíduo.
A formação do indivíduo é o problema n.º 1 na ordem de importância dos problemas nacionais.
Na sua solução anda empenhado o Estudo, com a colaboração de colectividades particulares, utilizando variados meios e de diferentes maneiras.
Ao listado é legítimo tomar o mando desta actividade, tida como vital para a Nação, para imprimir ao sou esquema geral rumo conveniente.
Não se discute a legitimidade e a importância do seu intervencionalismo; o que é discutível é a maneira como o deve fazer e até onde deve ir, para, que a sua acção seja, na verdade, criadora, impulsionadora e estimada.
A intervenção do Estudo, quanto a mim, devia exercer-se por directrizes, partindo de um comando centralizado. Directrizes que definiriam a doutrina, a técnica, à pedagogia a seguir pelos organismos, com a independência que devem usufruir para não os transformar em simples repartições públicas.
Isto daria origem a uma descentralização de comando, que não quebraria a unidade de pensamento e de objectivo e permitiria uma autonomia e liberdade indispensável ao labor particular dos diferentes organismos.
O Estado deve evitar ao máximo uma intervenção que atinja a vida interna dos organismos com preceitos detalhados, uniformes e rígidos que perturbem e entorpeçam as boas iniciativas e a administração.
Tem contudo de estar atento ao que se passa para que os organismos não se desviem da linha de rumo marcada, o que poderia ser conseguido mediante uma fiscalização que devia desenrolar-se dentro das regras e dos limites do plano director que o Estado adoptou, responsabilizando os Comandos descentralizados pelo cumprimento das directrizes recebidas.
Tudo isto pode ter sentido prático, até com a própria redacção do projecto da proposta de lei, visto que o pomo da discordância está principalmente na extensão e intensidade dos poderes que forem dados à Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar para superintender, orientar e fiscalizar e difundir a prática da educação física, que lhe são atribuídos pela base III.
Superintender e orientar significa de facto dirigir, mas dirigir superiormente, dirigir, digamos, sem interferir directamente na acção executiva das organizações.
A Clamara Corporativa, em seu parecer sobre esta base, sugestiona outra redacção, certamente mais para defender a Mocidade Portuguesa e a F. N. A. T. de um intervencionismo de natureza burocrática, que lhes pode ser prejudicial, do que para negar a vantagem de uma «unidade de vistas e acção coordenadora», que reconhece úteis no seu parecer.
As preocupações vêm mais do que pode vir a ser do que daquilo que está expressamente escrito.
Como teria sentido prático o que venho sugestionando?
A subsecção da educação física, da Junta Nacional da Educação, com os elementos que a constituem e a competência que lhe é dada, está apta a estudar e dar as directrizes sobre tudo o que interessa à educação física.
Essas directrizes seriam transmitidas, por intermédio da Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, aos organismos interessados, sob a forma de instruções ou regulamentos, elaborados com a colaboração dos seus conselhos técnicos, onde devem estar representadas a Mocidade Portuguesa, a F. N. A. T., a Junta Nacional da Educação e as federações ou associações das diferentes modalidades desportivas.
A esta caberia, consequentemente, fiscalizar a maneira como eram aplicados os princípios formativos e as normas regulamentares e arcar com todo o peso de dirigir a parte burocrática e administrativa da sua organização.
Uma superintendência sem interferência, que prenda os movimentos dos órgãos dirigentes, deixando-lhes liberdade nas deliberações e acções de ordem interna que não alterem o sistema educativo e de relações e estejam dentro das directivas superiores que lhes forem dadas, a função orientadora da Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar será tida como útil e agradavelmente apreciada.
Se, pelo contrário, a sua competência tiver poder intervencionista na vida quotidiana das colectividades, em nome de uma mal interpretada disciplina, será tida, como um organismo perturbador e impertinente.
Se a sua acção fiscalizadora se exercer no plano superior das directivas e das normas gerais, com intuitos mais educativos do que repressivos, levando os organismos por coacção moral, ou disciplinar, em casos de manifesta rebeldia que revelem desvio da doutrina e perturbação da harmonia social das boas normas técnicas è pedagógicas da higiene física e moral, será tida como conveniente e indispensável.
Mas se a fiscalização se exercer para contrariar as condições de vida própria dos organismos, que não prejudiquem o interesse nacional, para os obrigar a um padrão único de vida, que não está conforme com as suas possibilidades e tendências naturais, então teremos uma acção que não se entenderá, e, logo, será desmoralizante.
A sorte da projectada reorganização da educação física vai depender mais do espírito que presidir à regulamentação das bases que estamos apreciando do que propriamente do conteúdo delas, necessariamente generalizado, que aprovamos.
A chave mestra ficará nas mãos da Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, moldada com os poderes que lhe forem outorgados na sua prevista remodelação.
O Sr. Moura Relvas: - Mas a chave mestra está na 1.ª subsecção.
O Orador: - Mas a subsecção não tem poderes executivos.
O Sr. Moura Relvas: - Mas pode influir para que a Direcção-Geral mantenha esses princípios.
O Orador: - Mas quem manda e fiscaliza é a Direcção-Geral.
O Sr. Moura Relvas: - Não só esqueça V. Ex.ª de que acima da Direcção-Geral está o Ministro.
O Orador: - Sei muito bem, mas o Ministro tem do delegar na Direcção-Geral importantes poderes, que moldarão a chave mestra a que me referi; é com eles que lidará com os homens e as coisas, e terá de dominar os acontecimentos, comandando de facto a vida da educação física.
É desejável que tudo se encaminhe para dar satisfação aos que têm proclamado a necessidade de uma reforma que radique na consciência nacional a noção do valor e do bem da educação física.
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Reforma que consiga levar mais mocidade aos ginásios e mais e melhores atletas aos campos e às pistas.
Reforma que contribua para elevar os records nacionais e obter mais lisonjeiros resultados nas competições internacionais.
Reforma que crie no público que lhe assiste um entusiasmo são e um verdadeiro espírito desportivo.
Na sua feitura não se deve desprezar a experiência e os resultados práticos obtidos durante a vida intensa já vivida pela Mocidade Portuguesa, F. N. A. T., Direcção-Geral da Educação Física. Desportos e Saúde Escolar e Instituto Nacional de Educação Física, colhendo nos seus êxitos e insucessos os ensinamentos necessários para não estragar o que é bom e não insistir no que se tem tornado inoperante e prejudicial.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Ribeiro Cazaes: - Sr. Presidente: ao estudar a proposta de lei n.º 237, que agora se discute, relembrei o admirável discurso de S. S. Pio XII dirigido ao Congresso Científico de Educação Física em 8 de Novembro de 1952, todo ele com base no princípio que, em poucas palavras, definiu:
Tudo o que serve para a consecução dum fim determinado devo tirar do mesmo fim a regra e a medida.
E, para sequência das suas claras e seguras deduções, acrescentou o Santo Padre:
A educação física tem como fim próximo educar, desenvolver e fortificar o corpo sob o ponto de vista estético e dinâmico; como fim mais remoto n utilização, por parte da alma, do corpo assim preparado para o desenvolvimento da vida interior e exterior da pessoa; como fim ainda mais profundo contribuir para a sua perfeição; por último, como fim supremo do homem em geral e comum a todas as formas de actividade humana, aproximar o homem de Deus.
Segue-se, assim, acrescento, que deve aprovar-se tudo o que é útil a estes fins o rejeitar-se o que a eles não conduz ou dos limites fixados se afasta.
A educação física deve pois ser considerada como um elemento primordial da educação geral ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-... tendo em vista manter e melhorar a saúde, colocar o homem nas melhores condições de receptividade intelectual, contribuir para a formação do carácter pelo desenvolvimento das qualidades morais, enfim, alcançar o alto ideal sintetizado na divisa espartana da escola de Salerno (Mens sana in corpore sano) ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-... a que muitos têm emprestado o significado, que nem entre os pagãos teve, de só em corpos sãos haver almas sãs.
Mas, face a esta finalidade, que define a sã doutrina, ditada pelas Escrituras, colhida nos ensinamentos dos apóstolos e nas palavras dos mais autorizados valores intelectuais, ergue-se muitas vezes quem procura emprestar ao corpo a categoria de primado do composto humano. Todavia, a história de todos os tempos e de todos os povos mostra bem que tal divinização degrada o homem, enfraquece a raça, cava a ruína das pátrias.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Por outro lado, tem havido também quem julgue dever desprezar-se o corpo, para só nos ocuparmos da alma. A tal respeito, Bickel, o grande apóstolo do desporto cristão, no seu livro Para além da Bola, esclarece perfeitamente o assunto:
São tentados a confundir a preguiça e o desinteresse da saúde do corpo com duvidoso ascetismo cristão, dando pouco valor ao andrajo, ao desprezível invólucro da alma que é a nossa carcaça carnal.
Há quem se permita, até autorizar-se com o exemplo de numerosos santos, que visivelmente desprezaram, senão torturaram, o miserável companheiro de infortúnio sobre a terra - o corpo -, para só se ocuparem da alma, a única digna de interesse aos seus olhos.
Estes desconheceram manifestamente as leis da prudência ordinária. Mas acautelemo-nos de julgar os santos pelas leis puramente naturais.
As suas obras, as suas penitências extraordinárias, inteiramente penetradas de amor divino, são eficazmente sustentadas pelo auxílio de Deus, que não raro decuplica as reservas da sua saúde. Se Deus espera muito dos seus amigos santos, dá-lhes também muito.
Ninguém poderia, contestar que a força divina, capaz de formar profetas como Moisés, santos como S. Francisco de Assis, num plano heróico, possa dispensá-los da inquietação do culto do corpo. Mas o comum dos mortais não pode impunemente afastar-se dos caminhos vulgares, seguros, da prudência. Ela ó a via ordinária estabelecida por Deus, e só ele pode sancionar excepções, que revestem carácter de milagres.
Mas não é para aqueles que entendem dever desprezar-se o corpo, não o respeitar e estimar como dádiva de Deus, que se torna necessário legislar. São poucos os que esquecem que cuidar do corpo é um dever derivado do 5.º mandamento, que manda guardar a saúde e a vida.
O que urge é tomar todas as medidas possíveis para evitar ou reduzir os perigos da vaga de materialismo que assola o mundo do hoje ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- ... e que, ao fim e ao cabo, se traduz na idolatria do corpo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-É sobretudo através do desporto, que tão forte sedução exerce na juventude da época que vivemos, que muitos são arrastados ao culto, à divinização do corpo.
Cai-se, não raro, num desporto agnóstico e ateu, como diz Mons. Avelino Gonçalves, num desporto onde o espírito cavalheiresco, a dignidade humana, a elegância moral, a função educativa são sacrificados à paixão cega do grupo, à mira única do campeonato (traduzindo, quantas vezes, grossos proventos), à predominância do animal sobre o humano, à deslealdade, à «rasteira», à brutalidade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: - Cai-se, como diz Bickel, no desporto-Moloque, caricatura da religião, culto furioso do corpo, em detrimento da inteligência e da alma, com todas as devastações morais e sociais que consigo arrasta. E, assim, o desporto, despojado de qualquer preocupação moral, libertado da salutar influencia da religião, longe de se tornar um poderoso meio de educação da juventude, longe de lhe infundir o sangue generoso de entusiasmo para o sacrifício e dedicação à família e à pátria, torna-se um coveiro da civilização.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Em muitos países um nacionalismo exagerado torna ainda mais negro o quadro de misérias a que arrasta a deificação do desporto.
Como vão esquecidos os tempos heróicos da velha Hélada e o florescimento admirável do espírito desportivo da Idade Média!
É preciso recordar à juventude de hoje os ensinamentos de Platão:
Nos exercícios do corpo os jovens propor-se-ão, sobretudo, aumentar a sua força moral, de preferência a desenvolver o seu vigor físico.
É preciso que a mocidade tenha sempre presentes as admiráveis palavras de S. Paulo na sua carta aos romanos, as quais, como nos recorda Pio XII, tão claramente descrevem o drama quotidiano da vida do homem:
Vejo nos meus membros outra lei, que se opõe à lei da minha mente e me torna escravo da lei do pecado, que está nos meus membros.
Não há quem não conheça alguns episódios tristes passados no inundo do desporto por esse mundo fora e que Dubeck tão bem fotografou:
O desporto deixa de ser desporto; torna-se batalha, espectáculo, comércio.
O jogador deixa de ser jogador; torna-se acrobata, mercenário, qualquer coisa parecida com um gladiador hipócrita
Assim se explica o balanço catastrófico duma recente época de rugby nos Estados Unidos: 47 mortos e 1 200 enfermos para toda a vida.
Mais, como diz Bickel, o desporto tornou-se, por vozes, lacaio da política.
A propósito disso, conta-nos o seguinte episódio passado em França:
A multidão, tocada de crise aguda de chauvinismo, obriga, sob a ameaça do revólver, um oficial aviador da guerra, que fazia de árbitro, a revogar o seu juízo e a assinar que o clube local tinha ganho o desafio. Assina e depois comunica ao conselho da F. A. F., por telegrama, o escândalo de tal intervenção extra-oficial.
O clube em questão foi interdito, mas logo, apressadamente, amnistiado.
Como os membros do clube eram eleitores influentes, apareceu um Deputado a impulsionar a máquina política que realizou o milagre do «Abre-te Sésamo!».
O clube reincidiu noutro encontro desportivo e foi também amnistiado, pela segunda vez.
Não quero, já agora, deixar de contar mais um triste episódio, que muito me impressionou, como choca qualquer espírito que pela educação se interesse.
Trata-se de um simples comentário, saído da pena de Maurice Smith, no jornal The People, a propósito dos desafios entre portugueses e ingleses em Cardife e Liverpul:
O que não faria um clube inglês com o pensamento rápido e destreza de pés do interior direito português ?
Se eu fosse manager daria por ele, um dia qualquer, 20000 libras ou o seu equivalente em escudos.
Na terra do fair play, sobrevivência do desporto medieval, tão cheio de nobreza, haver quem pense assim, o escreva e o publique é profundamente desolador.
No meio deste sombrio quadro surge, é verdade, um ou outro traço de luz, que conforta e dá esperança em melhores dias.
Eu não esquecerei nunca, por exemplo, o espectáculo emocionante do desafio de futebol entre uma selecção portuguesa e uma equipa argentina, quando esta, em pleno campo, só recolhe por instantes e reza antes do começar a jogar.
E, quem gosta de acompanhar as actividades desportivas, não ignora aquele gesto cavalheiresco dum atleta francês nos jogos olímpicos de Amsterdão, em 1928, num cross country, tão bem descrito por Benoit-Joseph Bickel:
Nurmi, campeão finlandês, caiu numa ribeira, empurrado por um americano. Duquesne, atleta francês, que o seguia, ajudou-o a levantar-se, e os dois, a breve trecho, tomaram a dianteira, apresentando-se juntos à chegada.
Nurmi quis ceder o lugar a Duquesne, mas este recusou e chegou em segundo lugar.
Não é verdade que nos sentimos transportados aos tempos da cavalaria medieva ouvindo isto?
Estes oásis de luz mais fazem meditar na imensidade do deserto, em que só o materialismo impera, atingindo todas as camadas sociais, na embriaguez alucinante e avassaladora do desporto, transformado, como diz o padre Agostinho Veloso, em objecto de exploração argentaria ou motivo de paixões infra-racionais, em dissolvente da hierarquia dos valores humanos.
Por isso, todos os governos clarividentes, todos os homens responsáveis pela condução dos povos se esforçam, como não podia deixar de ser, por reduzir ou eliminar tão grande mal, que rebaixa o homem a um estado de humilhante escravidão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Também por isso, estou certo, foi presente à Assembleia Nacional a proposta de lei n.º 237, embora deva dizer-se, em abono da verdade, que os inales da idolatria que referenciei estão muito longe, entre nós, de atingir a acuidade que noutras regiões se observa.
Tão importante iniciativa é digna dos maiores louvores, e mais uma vez o Governo se tornou credor da gratidão dos Portugueses ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -... que se orgulham de ver como em tantos passos da história a nossa pátria serviu de guia a outros povos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na verdade, nos outros países não se segue ainda o caminho que o diploma em discussão define, impondo uma orientação superior na educação física, que esperamos seja segura e firme, tendendo a
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alcançar o alto ideal sintetizado na divisa espartana: Mens sana in corpore sano.
Eu bem sei que a experiência alheia não é para desprezar, até porque muitas vezes dispõe de meios que nós não possuímos, mas o que devemos ter sempre presente ó que Portugal é dos portugueses, que somos um povo com características próprias e que nos problemas espirituais e morais o norte está bem vincado nas almas lusíadas por muitos séculos de história e não se muda com a facilidade com que se altera o rumo duma nau.
Ora a educação física é, como procurei demonstrar no inicio das minhas considerações, acima de tudo um problema de espírito.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Como tal, a meu ver, exige uma unidade de acção, que só o Governo e um só organismo podem comandar.
É impressionante, porém, dirão os discordantes, que em nenhum outro estado se siga tal caminho. Na verdade assim é.
Pode dizer-se que em todos os países o problema da educação física compreende dois âmbitos totalmente distintos: o oficial e o da iniciativa particular.
O primeiro engloba a preparação da juventude, das forças armadas e das organizações paramilitares; o segundo as actividades praticadas em clubes do ginástica e desportos, reunidos normalmente em associações e federações.
Mesmo nos países em que mais se evidencia ou evidenciou o predomínio do Estado - isto é, uma clara tendência ultracentralizadora - tem-se verificado aquela diferenciação, quer no campo do estudo, quer no da acção.
Isso se baseia certamente no facto de a educação física da juventude ser obra de formação, o que só tem viabilidade se se exercer no período do crescimento e desenvolvimento corpóreo, enquanto as actividades clubistas, aplicando as qualidades que se pressupõem adquiridas antes, têm um fim utilitário imediato no sentido recreativo, exibicionista e de obtenção de records.
A legislação sobre educação física da juventude ó vasta em todos os países, diferenciando-se na extensão da obrigatoriedade, no número de lições semanais, na exigência ou não de exame nas várias classes, no que respeita ao ensino especial dos alunos que não podem participar das lições normais, no desportismo obrigatório e facultativo, nos programas, na preparação dos professores, etc.
É curioso registar que em todos os países, explicitamente ou não, se procura evitar o perigo que advém de estimular demasiadamente o espirito de competição, assim como do exagerado amor ao desporto.
Muitos países chegam até a adoptar medidas especiais para este efeito.
Aponto, por julgar um exemplo interessante, o que se passa no Haiti. O vencedor não tem, ali, direito aos trofeus. Eles pertencem à classe ou escola, conservando-se o anonimato de quem os alcançou.
Salvo raras excepções -alguns estados da América do Norte e Irlanda-, considera-se em toda a parte a educação física da juventude como um ramo obrigatório, no mesmo plano que nos ramos intelectuais. Em alguns países, organizações extra-escolares, de carácter oficial ou privado, preenchem as lacunas eventuais da escola.
Pelo que respeita à educação física para adultos, seria interessante registar o que se passa nos vários países, especialmente na Suécia, Suíça e Bélgica, por apresentarem curiosas características, mas o tempo falta e já vou sendo demasiadamente longo. Aliás, já falei nas linhas gerais a tal respeito.
Em Portugal tem-se verificado também a distinção entre as actividades da educação física de iniciativa particular e oficial, ocupando, todavia, a F. N. A. T. uma situação intermédia, aproximando-se da actividade clubista pelo seu cunho recreativo e competitivo, mas atendendo também ao benefício que as práticas físicas podem prestar às condições do trabalhador e do trabalho profissional que executa. É, pois, um campo privativo com finalidades específicas.
O que se pretende agora com a proposta de lei em discussão?
Que a 2.ª subsecção da 1.ª secção da Junta Nacional da Educação funcione como órgão de estudo e coordenador da educação física, sendo a Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar o organismo dirigente que superintende em toda a educação física ministrada em instituições de natureza civil, do Estado ou particulares, fiscalizando, orientando e difundindo a sua prática.
Julgo que se dá um passo acertado em tão importante ramo da educação nacional e estou convencido de que é esta a única forma de seguir a sã doutrina definida nas minhas considerações iniciais.
É possível, não digo que não, que num futuro mais ou menos longínquo possamos entrar, francamente, ato mesmo no caminho duma ampla liberdade de conduta.
De momento, todavia, não é de aconselhar. Já fomos muito atingidos pela vaga do materialismo que assola o Mundo.
Tenho ouvido defender o critério do meio termo. Também não me parece acertado.
Seria transportar para a educação nacional o conceito moderno de direito internacional a que chamam «mentalidade colaborante». Não creio que os assuntos de educação comportem tal conceito.
Pena é que o diploma, seja tão pouco explicito e não surja, alveolado num estatuto geral da educação, que pedi quando se discutiu a reforma do ensino técnico.
Oxalá que a regulamentação o a execução possam traduzir o alto pensamento «Io legislador.
Pordoe-se-me a franqueza: pelo que respeita à regulamentação, só receio o fantasma da economia (mas já estou, já estamos todos, habituados a enfrentá-lo), pois em Portugal legisla-se bem; a execução causa-me mais sérias apreensões. Mais do que em ginásios, piscinas, campos de jogos e estádios; mais do que em aparelhagem up to date e no valor e número do recordmen, é indispensável, é forçoso, pensar nos executantes do alto pensamento que informa, o diploma em discussão.
Não há falta do homens em Portugal, como tantas vezes se houve dizer por aí. Olhem em frente, que os vêem!
De entre esses executantes têm de assumir especiais responsabilidades os que se classificam como professores.
Nós, os chefes do família, nós, os pais, desejamos que não se esqueça, o significado que no nosso país se leu sempre à palavra «professor».
Fora do lar é o representante do pai, e muitas vezes a sua influência deve fazer-se sentir nos lares dos seus alunos. Este é o velho conceito português.
Está muito esquecido e muito adulterado.
Há que corrigir a rota e continuar a marcha.
Antes de terminar, peço licença a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para apresentar algumas ligeiras propostas do alteração, as quais, não modificando a estrutura do diploma, o tornam, cuido eu, mais preciso e mais em conformidade com as realidades.
Assim, na base I, ao fazer-se referência aos delegados militares, não se fala no Subsecretariado da Aeronáutica, que hoje é um ramo das forças armadas independente do Exército e da Marinha.
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É verdade que também não se faz referência ao Ministro da Defesa Nacional. Aí estaria, como em muitos outros diplomas, a chave racional do problema, em meu fraco entender. Um seu delegado na subsecção ficaria bem e resolveria perfeitamente o assunto.
Julgo que saio do campo das possibilidades firmando-me nessa posição, e, assim, proponho uma nova alínea, para que a Aeronáutica não deixe de estar representada no organismo superior de educação física.
Ainda na mesma base encontro uma outra alínea que julgo precisar de correcção ou ser, como proponho, eliminada.
Trata-se da alínea i).
O director do Estádio Nacional seria, por esta alínea, um dos membros constitutivos da 2.ª subsecção da 1.ª secção da Junta Nacional da Educação.
Devo declarar previamente que tenho pelo actual director do Estádio. Nacional o maior respeito e a maior consideração. E se o seu nome substituir a designação de director do Estádio, aceito-o gostosamente.
É um nome que ficará ali bem pelo carinho que sempre dedicou à educação física, pelas suas altas qualidades e mérito excepcional.
Mas o director do Estádio Nacional na direcção suprema da educação física não fica bem. Trata-se dum cargo administrativo, cujas funções são bom claras no Decreto-Lei n.º 35 440.
É um administrador, nada mais. Não chega a ser um empresário. Relembrem-se, por outro lado, as atribuições elevadas da 2.ª subsecção da 1.ª secção da Junta Nacional da Educação.
Nestas condições, proponho a eliminação da alínea e) da base I.
Na base II define-se a competência da 2.ª subsecção da 1.ª secção da Junta Nacional da Educação.
Na alínea g) dessa base lê-se:
Responder às consultas que lhe sejam feitas pelos Ministérios do Exército, etc.
E eu pergunto: porque não responder às consultas feitas por outros Ministérios e que têm mais necessidade do que alguns dos indicados na referida alínea?
Então o Ministério do Interior, com o seu caudal de assistência e Guarda Nacional Republicana, não poderá ser esclarecido directamente?
E o Ministério da Justiça, com as suas prisões, os seus reformatórios, etc.?
E o Ministério das Finanças, a que pertence a Guarda Fiscal?
Deve ter havido lapso, certamente, e, nestas condições, proponho que a alínea g) tenha a seguinte redacção :
Responder às consultas que lhe sejam feitas pelos vários Ministérios o Subsecretariado de Estado da Aeronáutica.
A propósito da base III peço licença para apresentar uma simples sugestão:
Não seria conveniente que à Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar se chamasse somente Direcção-Geral da Educação Física?
Parece que daquela forma se define que os desportos não podem ser educação física, quando só assim se compreendem e devem aceitar.
Pelo que respeita à saúde escolar, às suas características psico-somáticas, precisa o assunto de ser devidamente ponderado. Todavia, a saúde escolar ó um ramo da educação física.
Não compreendo que, tal como os desportos, não possa ser uma repartição da Direcção-Geral da Educação Física.
O Sr. Moura Relvas: - Permita-me V. Ex.ª uma interrupção.
De facto, a saúde escolar não é um ramo da educação física, porque, a sê-lo, a própria medicina seria educação física.
A saúdo escolar tem atribuições de ordem técnica, médica, que não pertencem de modo nenhum à educação física.
Não é de facto possível que a designação fique só definida por Direcção-Geral da Educação Física.
Estou convencido do que quando foi criada a Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar todos estes pontos foram ponderados. Eu também já pensei no assunto e cheguei à conclusão de que era melhor deixar ficar o nome como está. Desportos também não é já educação física. Um desportista como deve ser já está fisicamente educado, e é por isso que ele é desportista; caso contrário, não presta para desportista.
Portanto, à falta de melhor, deve deixar-se estar a designação como está.
O Orador: - Respondo já a V. Ex.ª
Como disse há pouco, quis fazer uma simples sugestão ; por isso não fiz qualquer proposta de emenda.
B evidente que qualquer pessoa, como nós, não pode deixar de considerar que o assunto deve ter sido ponderado convenientemente. Mas permita-me V. Ex.ª que eu continue a manter a minha discordância. Pelo que respeita à saúde escolar, ela é indispensável em tudo o que à educação física se refere.
O Sr. Moura Relvas: - Mas é que, quando estamos a observar um indivíduo que tem perturbações psíquicas, que tem falta de memória, por exemplo, não estamos a tratar de educação física.
O Orador: - Talvez estejamos a perder-nos em discussões que não levam a um fim. Pela consideração que devo a V. Ex.ª e à Câmara, direi que não estou a tratar esto assunto de ânimo leve, como nunca subo a esta tribuna para levianamente falar seja do que for.
Eu pergunto a V. Ex.ª se o primeiro colaborador do professor de Educação Física, num colégio, não deve ser um médico?
O Sr. Moura Relvas: - Certamente.
O Orador: - Entendo que o médico deve colaborar com o professor de Educação Física, repito, para que esta educação seja o que deve ser.
É este aspecto especial que eu quero salientar, porque é uma falta grave que se sente nas escolas oficiais e particulares, para não falar já no desporto. Isto me leva a concluir que não ficariam mal (na impossibilidade de haver um Ministério da Saúde) na Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúdo Escolar - pois junto do professor de Educação Física trabalha o braço do médico - unia repartição de saúde escolar e, pelo mesmo motivo, uma repartição de desportos.
O Sr. Moura Relvas: - Está muito bem.
O Orador:-Isto assim é que é educação física. Fazer-se como se faz nas nossas escolas - pôr uma classe a trabalhar e querer que todos os alunos igualmente executem todos os movimentos - só em Portugal se verifica.
Pelo que respeita ao desporto, é evidente que ele não deve praticar-se sem uma preparação geral e constante, pois, de contrário, cairíamos na tal idolatria que eu condeno. Eu apresento um exemplo:
Numa escola, cujo nome peço licença para não citar, um aluno, o mais classificado, era também o melhor
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atleta, e, representando essa escola, ganhou, num campeonato, a corrida de 100 m. Tornou-se campeão de Portugal.
O professor só cuidava do desporto e só procurava tirar o maior rendimento que o aluno podia dar.
Acabado o curso do liceu, esse aluno, ao querer seguir a vida militar, foi recusado na Escola do Exército, porque o estado do seu coração não permitiu que fosse apurado. Isto responde a V. Ex.ª.
Trata-se, repito, duma simples sugestão, mas repare--se que separar, como coisas distintas, educação física e desportos é deixar a porta aberta para a entrada de ídolos, daqueles ídolos a que me referi nas minhas primeiras considerações.
Sobre as bases IV e VI, pelas razões expostas quando apresentei a proposta de aumento duma alínea na base I, para a figuração do Subsecretariado da Aeronáutica no organismo superior de educação física, apresento também propostas de emenda.
Sobre a preparação dos professores, e principalmente pelas dificuldades que se apresentam pelo que respeita aos militares, teria também propostas a fazer.
Outros Srs. Deputados já cuidaram do assunto; e, nestas condições, quando o diploma se discutir na especialidade, direi o que penso, se for necessário.
E fico-me por aqui, fazendo os melhores votos para que os obreiros desta jornada possam ver a antiga divisa Mens sana in corpore sano como árvore florida, frondosa, brotada da semente agora lançada à terra, a perfumar, a embelezar a Casa Lusitana, possam ver nessa sentença, como diz S. S. Pio XII, a sorte das novas gerações.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Sr. Presidente: está em discussão nesta altura a proposta de lei n.º 516, que contém onze bases, para a reorganização da educação física nacional.
Não ficava de bem com a minha consciência se não viesse a esta tribuna trazer o meu modesto depoimento sobre matéria tão importante e tão estreitamente ligada à função que há trinta e sete anos venho desempenhando como professor e há duas dúzias de anos como reitor de um estabelecimento de ensino liceal.
Também assisti à fase pioneira da ginástica no curso dos liceus, pois encetei a minha carreira de estudante interno liceal no exacto ano - 1905 - em que a reforma, então publicada, entrou em vigor nesse afastado mês de Outubro.
Pode dizer-se que foi por via dessa reforma de 1905 - que, no geral, ainda não foi ultrapassada por tantas outras posteriores - que a educação física entrou no domínio oficial.
A história desta actividade social e da abundante legislação - platónica na maioria dos casos -, referente a várias épocas, está descrita no sucinto, mas expressivo, relatório que antecede a proposta do Governo.
líão vale a pena repetir, ou mesmo parafrasear, o que nesse documento se relata, por ser do conhecimento de todas as ilustres pessoas que benevolamente me honram com a sua atenção.
Dou inteira razão ao douto parecer da Câmara Corporativa quando diz que: «O relatório que antecede o diploma, de uma maneira geral, não corresponde ao articulado das bases».
Na verdade, ao passar-se da leitura do relatório para o exame das bases da proposta, sofre-se certa decepção em não se descortinar uma só base que apresente questões de princípio e de orientação relacionadas com as premissas expostas ou esboçadas.
A proposta, de facto, limita-se à reorganização dos comandos da educação física nacional e à preparação dos agentes desse ensino especial.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Quero chamar a atenção de V. Ex.ª para o seguinte: só se pode dizer - e a Câmara Corporativa di-lo no seu parecer - que não há correspondência, entre o relatório a proposta e as bases quando o conjunto do relatório e o conjunto das bases se apresentem com um aspecto de contradição.
Portanto, para o que há que olhar, segundo creio, é para o seguinte: elucida, ou não elucida, o relatório da proposta as bases? O que é o relatório? O relatório é de alguma maneira a história das efemérides da educação física e das dificuldades que tem havido para pôr em movimento certos princípios que se devem considerar como princípios dominadores do sistema de organização da própria educação física.
Portanto, digo eu: só haverá contradição se as bases n Só estiverem no prolongamento de um movimento histórico relativo à organização da educação física.
Para V. Ex.ª concordar com a Câmara Corporativa - em que não há coincidência entre o que se escreve no relatório e o que depois se diz nas bases- precisava de demonstrar que realmente as bases não estuo no prolongamento da história do movimento da educação física em Portugal. E essa demonstração não a vi feita no parecer da Câmara Corporativa, pelo que desejava que V. Ex.ª a documentasse.
Essa afirmação chocou-me porque, ao ler o relatório da proposta, as bases e o parecer da Câmara Corporativa, pude verificar que em alguns casos este parecer fora redigido com esquecimento do que se continha no relatório da proposta do Governo. E isso demonstra-se; e se V. Ex.ª quiser, eu faço u demonstração.
O Orador: - Concordo com V. Ex.ª em que as bases não estão em desacordo com o relatório da proposta.
Simplesmente nesse relatório, embora não detalhadamente, fala-se em orientação, condenando-se até a ginástica respiratória, e, portanto, nas bases poderia haver uma pincelada sobre o que deveria ser o desporto no que respeita ao amadorismo e ao profissionalismo e outros aspectos essenciais para a futura regulamentação da educação física.
Sobre princípios gerais a adoptar e orientação definida a trilhar nos vários sectores onde se exerce, ou irá exercer-se, a actividade da educação física, nem uma única base foi posta à nossa reflexão e discussão.
As questões de princípios e futura orientação ficarão, assim, relegadas para o organismo da base I, consoante se prevê nas alíneas a) e c) da base II.
Talvez que, por outro lado, fosse intenção do Governo provocar nesta Assembleia as opiniões emergentes desta discussão, para ajudarem a esclarecer um complexo problema, acerca do qual tão divergentes conceitos se digladiam e tão acaloradas controvérsias se têm produzido.
De qualquer maneira, há conveniência no debate sobre o que as bases preconizam e sobre alguns aspectos que as mesmas omitem, ou, ainda, sobre bases que o desenvolvimento do relatório deixava legitimamente prever.
As bases, na sua generalidade, são, na minha opinião, de aprovar, porque visam a estabelecer unidade e coesão nos departamentos até aqui isolados e estanques.
O comando supremo único, proposto na base I, só pode pecar pelo avultado número de comparticipantes. Não vejo, porém, forma de se evitar a interveniência
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das entidades e organismos interessados, que são por natureza numerosos.
Julgo preferível a composição segundo a redacção do parecer da Câmara Corporativa, por ser de utilidade visível a comparência do director-geral da (Educação Física, Desportos e Saúde Escolar para mais estreita colaboração e eficácia entre o organismo orientador e o departamento executivo no campo civil.
Também, dada a importância que assumiram certas modalidades do desporto, não são de mais três representantes das federações desportivas.
Quanto à designação da 2.a subsecção da 1.º secção da Junta Nacional da Educação, parece-me prático o nome característico que a Câmara Corporativa indica: Comissão Técnica de Educação Física Nacional. Ficaria como subtítulo e teria a vantagem de se adoptar uma designação expressiva e compreensível, em vez de uma fórmula arrevezada, difícil de fixar e que nada diz das funções que exerce.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Não me importa a definição. Não me parece que deva adoptar-se, mesmo como subtítulo, designação de «técnica», porque essa designação apontaria já para um organismo de carácter técnico, e a Junta não o é.
E a mim parece-me que, realmente, a Junta, de um modo geral, e, de um modo particular, esta subsecção não devem ser os organismos de carácter técnico, justamente porque se trata de organismos que devem definir a política a seguir em matéria de educação física. Os técnicos indicarão as soluções possíveis na ordem técnica, mas quem deve escolher, de entre essas soluções, não é o técnico, mas o político.
Ora bem: a Junta Nacional da Educação, de um modo geral, e a subsecção de educação física, de um modo particular, devem definir a orientação a seguir em matéria de educação física. Isto não quer dizer que o saber técnico não faça bem, mas apenas quer significar que a Junta não tem, para definir uma orientação, de ser constituída por técnicos. Não é condição sine qua non para tomar uma orientação que se seja técnico; é condição sine qua non para se tomar uma orientação que se tome contacto com as soluções técnicas possíveis de um determinado problema, para depois escolher, de entre elas, aquela que realmente é de adoptar no condicionalismo do meio e do tempo.
Por isso é que não deve, mesmo nessa parte e com o carácter restrito que V. Ex.ª refere, perfilhar-se a sugestão da Câmara Corporativa.
O Orador: - Estou de acordo com V. Ex.ª De facto, é visível que a subsecção da 2.a secção é um organismo orientador, político, mas nem por isso pode prescindir da técnica.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Como não pode um Ministro prescindir dos técnicos, o que, aliás, não quer dizer que ele tenha necessidade de ser um técnico.
O Sr. Moura Relvas: - Mesmo a 2.a secção nunca pede ter funções propriamente técnicas. Creio até que na Junta Nacional da Educação não há funções técnicas e temos aqui o seu ilustre presidente, que nos pode esclarecer. A parte técnica compete aos organismos respectivos.
Claro que na 2.a secção há pessoas que têm conhecimentos técnicos, mas é diferente do facto de elas se reunirem para exercer funções técnicas.
O Orador: - A designarão é desagradável porque tem muitos «ãos». É por isso que eu tenho mais simpatia pelas expressões que já trazem a indicação da matéria de que se trata. É que, quando j por vezes, nós ouvimos referir a 2.a subsecção da 4.a secção, etc., temos de perguntar a alguém que espécie de comissão é essa. Portanto, a questão não é a de ser ou não técnica, mus a simplificação do nome desse organismo.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas pode vir entre parêntesis: educação física (ensino primário, ensino secundário ou ensino superior).
O Orador: - Eu simpatizei com a designação expressiva, com técnica ou sem técnica.
A base II desdobra em alíneas de a) a g) as atribuições do grande organismo directivo, que me parecem as necessárias.
Não posso concordar com a proposta de alteração da base III da Câmara Corporativa, porquanto seria prejudicada a unidade que a redacção da proposta do Governo estabelece de forma iniludível.
O aditamento à, base III proposto pelo Sr. Deputado Moura Hei vás julgo-o indispensável para que o organismo executivo -a Direcção-Geral- possa cumprir a nobre e vasta missão que se lhe exige.
As restantes bases referem-se à orgânica e finalidade do Instituto Nacional de Educação Física, que funciona desde 1940 e que veio preencher uma lacuna e resolver satisfatoriamente o grave problema da formação de professores especializados para os estabelecimentos de ensino oficiais e particulares.
Embora longe da anata que se pretende atingir, o Estado Novo pode orgulhar-se dos benéficos resultados que se têm reflectido principalmente nos liceus, onde os professores saídos do Instituto Nacional de Educação Física têm demonstrado óptima preparação e amor pela profissão que entusiasticamente exercem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tudo que se faça no sentido do aperfeiçoamento do curso e diferenciação em especializações só é de louvar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Simplesmente, os cursos de instrutores e monitores, a que se faz referência na base VI, só se compreendem no tampo militar, onde a hierarquia do funções, consequente de uma disciplina adequada, não se confunde nem provoca conflitos de competência.
Na vida civil a questão é muito outra, porque a prática demonstra que em vários sectores de actividade profissional há a irresistível tendência de se nivelar no exercício das funções o que está oficialmente diferenciado pela natureza e nível dos diplomas concedidos. Os exemplos abundam.
Portanto, a seguir-se o critério da Câmara Corporativa quanto ao segundo período da base VI e ao último que se propõe na base VIII, cair-se-ia aia confusão de funções, que, (na prática, seriam as mesmas paira professores, instrutores e monitores.
Ou a educação física é coisa séria e delicada - e para a ministrar convenientemente, isto é, com eficiência, há que utilizar professores devidamente preparados pelo Instituto Nacional de Educação Física - ou o ensino da matéria é banal e corrente, e então é ministrável por pessoas com menores habilitações especializadas. Nesse caso não valeria a pena manter cursos de nível elevado, como é o dos professores pelo Instituto Nacional de Educação Física.
A ratione seria de admitir no sector civil a existência de instrutores e monitores, se estes auxiliares de-
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sempenhassem a função subalterna e directamente dependente do professor de Educação Física.
Mas, como o argumento da Câmara Corporativa é o elevado número de jovens e adultos a movimentar na ginástica e nos desportos, fatalmente, como no parecer se aconselha claramente, esses instrutores e monitores exerceriam actividade independente e igual â do verdadeiro diplomado no nível de professor.
Seria o desânimo e a ausência de estímulo para os futuros candidatos a professores.
De resto, cada professor de Educação Física abrange centenas de alunos e praticantes de desporto. Isto acontece, e julgo estar bem, nos estabelecimentos oficiais, onde cada professor com vinte e duas horas pode estender a sua acção a cerca de 400 alunos, na hipótese legal de todas as turmas serem de 40 alunos.
Este máximo legal, em regra, não é atingido, por ser elevada a percentagem dos incapazes de exercícios físicos por deficiências orgânicas, especialmente cardíacas e respiratórias.
Mesmo na base de 300 alunos por professor, seriam necessários l 666 professores para os 500 000 jovens, que parece haver na metrópole e ilhas adjacentes, necessitados de cultura física.
Além disso, aos professores de Educação Física das escolas oficiais secundárias, únicas onde existe estabelecido esse ensino, não é vedada a actuação no campo particular, o que amplia e muito a sua esfera de acção.
E até por esta regalia, que acho perfeitamente lógica, que os seus vencimentos distam bastante dos agregados e muito mais dos professores efectivos. Têm também a prerrogativa de estarem inscritos 110 seu sindicato, embora sejam contratados permanentes, com todos os deveres e direitas dos efectivos. Creio que são os únicos funcionários do Estado que podem beneficiar da organização corporativa.
Não obstante, os vencimentos desses professores deveriam ser relativamente mais elevados.
Em todo o caso um problema de tal magnitude, como seja a solução completa da educação física em escalão nacional, necessita de tempo para ser inteligentemente estudado e executado.
Do zero que era no domínio oficial antes de 1905 até hoje muito terreno útil se tem percorrido, e não se diga que não se progrediu substancialmente.
É claro que há duas zonas de educação física, perfeitamente distintas.
Uma, a mais vasta, delicada e complexa, é a que abrange a infância e a adolescência. Outra, é a que respeita aos adultos, e esta localiza-se principalmente na organização militar do País, na F. X. A. T. e nos clubes desportivos.
A primeira é a ginástica de formação e iniciação desportiva, que é inseparável da formação moral e intelectual dos indivíduos.
A segunda, para adultos, visa essencialmente à conservação e aperfeiçoamento das qualidades físicas individuais por meio de ginástica e desportos adequados, com o fim patriótico de melhorar a raça para o trabalho e para a guerra, quando esta calamidade se impuser.
Portanto, há que estabelecer planos diferentes ou diferenciados na futura orgânica da educação física, como a Câmara Corporativa preconiza no seu parecer.
Voltando à primeira, a que respeita à infância e à adolescência, é do conhecimento público que esta zona escolar e extra-escolar está sob a orientação e fiscalização da Mocidade Portuguesa e da Mocidade Portuguesa Feminina, e isto desde 1947 para os liceus e 1948 para as escolas industriais e comerciais, com obrigatoriedade de a elas pertencerem todos os estudantes inscritos, quer no ensino oficial, quer no particular.
Pode classificar-se de tentativa o que se tem feito com as naturais hesitações e desvios próprios dos homens.
Impõe-se uma remodelação, aliás anunciada pelo ilustre titular da pasta da Educação Nacional, para que a organização melhore e aumente a sua eficácia e se eliminem duplicações do actividades, especialmente no sector feminino.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O distinto Deputado Moura Relvas, na sua brilhante intervenção, que iniciou este debate na generalidade, manifestou a opinião de que, se bem entendi, a educação integral da juventude deveria ser entregue à Mocidade Portuguesa.
Ora eu peço licença a S. Ex.ª para discordar, porquanto a educação integral da juventude resulta do somatório da actuação de vários factos primordiais e diferentes: a acção da família, da escola, da igreja, das organizações adjuvantes entro as quais a Organização Nacional Mocidade Portuguesa, masculina e feminina, ocupam lugar proeminente- e do ambiente social.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sabemos todos que a acção da família é, infelizmente, em muitos casos negativa. Mal iria, porém, á sociedade se essa fosse a regra. Esse abandono da educação dos filhos é mais frequente nas camadas de maior carência económica e nas mais abastadas.
E lamentável que nestas se alastre a moda de alienarem em estranhos, perceptores, mesmo criadas, colégios, etc., os deveres familiares que, mais do que a ninguém, aos pais, e especialmente aos pais cultos, incumbem.
A escola é o complemento natural da acção da família e muitas vezes o principal substituto desta.
A velha fórmula de ensinar para instruir sucedeu, e ainda bem, a de ensinar educando.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A alteração operada na designação do Ministério da Instrução para a actual, de Ministério da Educação Nacional, foi uma feliz inspiração do Estado Novo, porque só por si ela marca uma doutrina e aponta claramente um rumo definido.
Além do mais, a palavra «professor» sempre foi sinónima de «educador».
A respectiva preparação pedagógica orienta o professor nesse lógico sentido. Pelo contacto e convívio, o professor, mesmo através das matérias que ensina, está em condições óptimas de contribuir para a formação moral dos seus alunos. E desgraça seria se assim não fosse, como se prova com as calamitosas excepções quando assim não é.
A Igreja exerce a sua benéfica acção através da escola ou directamente pelos seus próprios meios.
A Mocidade Portuguesa tem pela lei-base das suas directrizes fins específicos a alcançar: formação pré-militar «que estimule o desenvolvimento integral da sua capacidade física, a formação do carácter e a devoção à Pátria, e a coloque em condições de poder concorrer eficazmente para a sua defesa».
Portanto, é uma organização essencialmente patriótica ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... que visa a robustez física e moral da juventude e a saia formação política no que esta
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palavra encerra de mais elevado para uma esclarecida consciência nacional.
Assim, a Mocidade Portuguesa exerce a sua acção, quase exclusiva, na organização da educação física juvenil. Mas na formação moral e patriótica, especialmente na primeira, têm, sem dúvida, maior poder de penetração, até pela continuidade e intensidade de actuação: a Família, a Escola e a Igreja.
E evidente que a Mocidade Portuguesa tem na formação moral dos filiados um papel de alto valor complementar. Tudo depende da boa escolha dos seus dirigentes.
A formação ou educação integral da juventude por um organismo do Estado só é compreensível, e parece que existe, nos países para além da «cortina de ferro», em que a Família e a Igreja foram esmagadas por um estado totalitário e tirano.
Sr. Presidente: já vai longa e fastidiosa esta intervenção, e, assim, vou terminar.
Não o quero fazer, porém, sem ao menos resumidamente deixar expressa a minha esperança de que pelo organismo orientador que vai resultar da aprovação da base I alfim se encare de frente o agudíssimo problema das competições públicas desportivas espectaculares, em especial o exercício do futebol, e se resolva e extreme a não menos aguda questão do amadorismo e profissionalismo desportista, como tive a honra de expor na minha intervenção de 13 de Março de 1952 e que agora não repito.
Desejo, finalmente, que também ao desporto português cheguem os benefícios da política da verdade.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito para a discussão na generalidade. Considero aprovada a proposta na generalidade.
Vai passar-se à discussão na especialidade.
Sobre a base I existem na Mesa duas propostas do Sr. Deputado Ribeiro Cazaes, que vão ser lidas.
Foram lidas. São as seguintes:
Proponho que na base I da proposta de lei n.º 237 seja eliminada a alínea i).
Proponho que à base I da proposta de lei n.º 237 seja acrescentada a seguinte alínea:
Um delegado do Subsecretariado de Estado da Aeronáutica, designado pelo respectivo Subsecretário.
O Sr. Mário de Figueiredo: - O Sr. Deputado Ribeiro Cazaes acabou de justificar da tribuna a sua proposta de eliminação, assim como a proposta de aditamento.
Nada tenho a observar quanto à proposta de aditamento. Não me parece, entretanto, de aceitar a proposta de eliminação da alínea i), muito embora reconheça que a fundamentação que dessa proposta fez o Sr. Deputado Ribeiro Cazaes ó de considerar.
Na verdade, o que S. Ex.ª fundamentalmente disse ó que não há nenhum condicionamento com base no qual tenha de ser escolhido o director do Estádio Nacional.
Por acaso disse S. Ex.ª agora que é director do Estádio Nacional alguém que em matéria de educação física merece o maior respeito e a mais rasgada admiração. Mas isto ó o eventual. Porque, por força de lei, pode ser nomeado quem quer que conheça ou não os problemas da educação física, visto que o director do Estádio Nacional, segundo S. Ex.ª diz, não é senão um administrador do Estádio e nem empresário chega a ser. Ora quem quer que seja não pode ser vogal da Junta Nacional da Educação.
Estas as razões com fundamento nas quais o Sr. Deputado Ribeiro Cazaes entendeu dever apresentar a proposta de eliminação da alínea i).
São de considerar, sem dúvida. Devo no entanto dizer que, se no condicionamento geral da lei não há nenhuma disposição que sujeite o Ministro a nomear dentro de determinada categoria ou determinadas categorias do pessoas, o certo é que não pode deixar de estar presente no espírito do Ministro que o director do Estádio Nacional, a partir da vigência desta lei -se for efectivada-, não tem só funções de puro administrador, também vem a ter as funções que resultam da própria disposição da alínea i); do próprio facto de, por dependência da função, ser vogal de uma das secções da Junta Nacional da Educação, e sendo assim não se vê porque é que é que o director do estabelecimento no qual em conjunto se desenvolverão as matérias relativas à educação física, onde funcionará o próprio Instituto Nacional de Educação Física, não vejo porque é que não há-de, na verdade, aceitar-se que seja um dos vogais desta secção da Junta Nacional da Educação.
Tenho dito.
O Sr. Ribeiro Cazaes: - Traduziu S. Ex.ª o Sr. Deputado Mário de Figueiredo perfeitamente o meu pensamento. Na verdade eu disse que o Decreto-Lei n.º 3õ 440, que definiu as obrigações, a função de director do Estádio Nacional, não me parece suficiente para que, por isso, pertença ao mais alto organismo da educação física.
Também S. Ex.ª frisou, repetindo e melhorando, como sempre, as minhas expressões, que, neste momento, o director do Estádio Nacional é alguém que ficava bem na Junta Nacional da Educação, e, mais, que se o seu nome for indicado é mais do que suficiente para, só por isso, eu estar completamente concordante em que ele pertença àquele organismo.
Diz agora o Sr. Prof. Mário de Figueiredo que S. Ex.ª o Ministro, ao indicar o director-geral do Estádio para a Junta Nacional da Educação quer dizer que exige para essa nomeação certo número de qualidades que imponham a sua escolha.
Quer dizer: esta lei vai, parece, condicionar de futuro a nomeação do director do Estádio. Nestas condições, estou plenamente de acordo com o que diz o Sr. Prof. Mário de Figueiredo.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Como mais ninguém deseja usar da palavra, vai proceder-se à votação.
O Sr. Ribeiro Cazaes: - Em face do que acabo de dizer, solicito de V. Ex.ª, Sr. Presidente, se digne consultar a Assembleia sobre se autoriza a retirada da minha proposta de .emenda quanto à eliminação da alínea i) da proposta do Governo.
Submetido este pedido à apreciação da Assembleia, foi autorizada a retirada da proposta de emenda apresentada pelo Sr. Deputado Ribeiro Cazaes quanto à eliminação da alínea i) da base I da proposta do Governo.
O Sr. Presidente: - Vão agora votar-se a base I e as suas alíneas tal como constam da proposta de lei.
Submetidas à votação, foram aprovadas.
O Sr. Presidente: - Vai agora votar-se o aditamento proposto pelo Sr. Deputado Ribeiro Cazaes.
Submetido à votação, foi aprovado.
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O Sr. Presidente: - Ponho agora em discussão a base II.
Sobre esta base há uma proposta do Sr. Deputado Délio Santos, de emenda às alíneas b) f), e uma proposta de substituição à alínea g), apresentada pelo Sr. Deputado Ribeiro Cazaes, propostas estas que vão ser lidas.
Foram lidas. São as seguintes:
Proponho que no texto das alíneas b) f) da base II as expressões: «expansão desportiva» e «fomentar a prática dos desportos», sejam substituídas, respectivamente, pelas seguintes: «expansão ginástica e desportiva» e «fomentar a prática da ginástica e dos desportos».
Proponho que a alínea g) da base II da proposta de lei n.º 237 passe a ter a seguinte redacção:
g) Responder às consultas que lhe sejam feitas pelos vários Ministérios e Subsecretariado da Aeronáutica.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto nenhum Sr. Deputado desejar fazer uso da palavra, vai votar-se a base II e as suas alíneas, com excepção da alínea g), com as emendas propostas pelo Sr. Deputado Délio Santos quanto às alíneas b) f).
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Ponho agora à votação a proposta de substituição da alínea g) da base II apresentada pelo Sr. Deputado Ribeiro Cazaes.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Ponho agora à discussão a base III, sobre a qual há na Mesa duas propostas de aditamento: uma do Sr. Deputado Moura Relvas e outra do Sr. Deputado Santos Bessa, as quais vão ser lidas.
Foram lidas. São as seguintes:
Proponho o seguinte aditamento à base m da proposta do Governo:
Para o que disporá dos órgãos e meios necessários à sua completa eficiência.
BASE III
Proponho que passe a ter a redacção que se encontra na proposta do Governo, acrescida do aditamento proposto pelo Sr. Deputado Moura Relvas «... para o que disporá dos órgãos e meios necessários à sua completa eficiência» e também do seguinte :
À Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar compete também velar porque se mantenha o alto nível moral das organizações e competições desportivas.
O Sr. Presidente: - Visto nenhum Sr. Deputado desejar fazer uso da palavra, vai votar-se em primeiro lugar o texto da base Hl tal como consta da proposta de lei.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora a proposta de aditamento apresentada pelo Sr. Deputado Moura Relvas.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se a proposta de aditamento apresentada pelo Sr. Deputado Santos Bessa.
Submetida à votação, fui aprovada.
O Sr. Presidente: - Está em discussão a base IV, sobre a qual há na Mesa uma proposta do Sr. Deputado Ribeiro Cazaes para substituir a última parte da mesma base. Vai ser lida.
Foi lida. E a seguinte:
Proponho que a última parte da base IV da proposta de lei n.º 237 passe a ter a seguinte redacção:
Os Ministérios do Exército e da Marinha e o Subsecretariado da Aeronáutica prestarão ao Instituto Nacional de Educação Física a colaboração necessária à integral eficiência dos seus fins, sem prejuízo da intervenção das comissões a que se refere esta segunda parte da base iv.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: nada tenho a observar quanto à proposta de alteração na parte que respeita à intervenção do Subsecretariado de Estado da Aeronáutica, mas não me parece que deva eliminar-se o que na base IV se contém relativamente à intervenção dos Ministérios do Exército e da Marinha, que se faz por intermédio da Comissão Superior de Educação Física do Exército e da Comissão Técnica de Educação Física da Armada. Suponho que a referida eliminação aparece até sem intenção.
O Sr. Ribeiro Cazaes: - Não foi minha intenção eliminar a parte referida polo Sr. Deputado Mário de Figueiredo. Eu quis apenas afirmar que também o Subsecretariado de Estado da Aeronáutica deveria colaborar com o Instituto Nacional de Educação Física.
O Sr. Presidente: - Portanto, a proposta do Sr. Deputado Ribeiro Cazaes ficará como está, acrescentando-se-lhe apenas: «sem prejuízo da intervenção das comissões a que se refere a segunda parte da base IV.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu suponho que ficava bem assim: «Os Ministérios do Exército e da Marinha, por intermédio da Comissão Superior de Educação Física do Exército e da Comissão Técnica de Educação Física da Armada, e o Subsecretariado de Estado da Aeronáutica prestarão ao Instituto Nacional de Educação Física a colaboração necessária à integral eficiência dos seus fins».
O Sr. Presidente: - A redacção da proposta do Sr. Deputado Ribeiro Cazaes ficará confiada à Comissão de Redacção.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se a primeira parte da base IV.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Submeto agora à Câmara a segunda parte da base IV com a proposta de substituição
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apresentada pelo Sr. Deputado Ribeiro Cazaes, nos termos já explicados à Assembleia.
Submetida à votação, foi aprovada a proposta do Sr. Deputado Ribeiro Cazaes, nos termos em que fui esclarecida.
O Sr. Presidente: - Está em discussão a base V. Sobre esta base não existe na Mesa nenhuma proposta de alteração.
Submetida à votarão, foi aprovada a base V tal como consta da proposta de lei.
O Sr. Presidente:-Vou pôr à votação a base VI. Sobre esta base existe na Mesa uma proposta do Sr. Deputado Ribeiro Cazaes.
Foi lida. E a seguinte:
Proponho que a última parte da base vi da proposta de lei n.º 237 passe a ter a seguinte redacção:
A regência das disciplinas de aplicação militar será feita por professor a designar pelos Ministérios do Exército e da Marinha e Subsecretariado da Aeronáutica.
Submetida à rotação, foi aprovada a base VI, com a excepção do seu último período.
Seguidamente foi aprovada a proposta do Sr. Deputado Ribeiro Cazaes quanto ao último período da base VI.
O Sr. Presidente: - Quanto às bases VII, VIII, IX, X e XI não existe na Mesa qualquer proposta do alteração. Vai passar-se à votação.
Submetidas à votação, foram aprovadas as bases VII, VIII, IX, X e XI tal como constam da proposta de lei.
O Sr. Presidente: - Estão esgotadas a discussão e a votação da proposta do lei sobre a reorganização da educação física.
Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão da parto da manhã, às 10 horas o 30 minutos precisos, e da parte da tarde, sendo a ordem do dia, em primeiro lugar, o projecto de lei dos Srs. Deputados Sá Carneiro e Bustorff da Silva sobre alteração à lei de expropriações.
Os outros assuntos que constituíram a ordem do dia da sessão de hoje farão parte da ordem do dia das sessões de amanhã, ou seja o aviso prévio do Sr. Deputado Elísio Pimenta e o aviso prévio do Sr. Deputado Amaral Neto.
É provável que o projecto de lei dos Srs. Deputados Sá Carneiro e Bustorff da Silva ocupe toda a sessão da manhã.
À tarde haverá sessão à hora regimental.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
André Francisco Navarro.
António Calheiros Lopes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Luís da Silva Dias.
Manuel Colares Pereira.
Manuel França Vigon.
Ricardo Malhou Durão.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Cruz.
António Carlos Borges.
António Raul Galiano Tavares.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Cardoso de Matos.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA