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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 222

ANO DE 1953 21 DE MARÇO

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 222 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 2O DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aborta, a sessão às 10 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.

Usou da palavra o Kr. Deputado Vasco Mourão para chamar a atenção do Governo para a questão das tarifas da energia eléctrica no Porto.

Ordem do dia. - Continuou a discussão do aviso prévio do Sr. Deputado Amaral Neto relativo à defesa da melhoria das habitações dos trabalhadores dos campos e das cidades.
Usaram da palavra os Sr. Deputados Manuel Vás, Maria Leonor Correia Botelho e Miguel Bastos.
Encerrou o debate o Sr. Deputado Amaral Nulo, que enviou para a Mesa uma moção.
Posta à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 13 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 10 horas e 45 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Finto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Maria da Silva.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Oliveira Calem.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.

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Manuel Marques Teixeira.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 45 Srs. Deputados,
Está aberta a sessão.

Eram 10 hora» e 10 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Dos Grémios da Lavoura de Vila da Feira e S. João da Madeira a apoiar as considerações do Sr. Deputado Pimenta Prezado acerca do aumento do efectivo da Guarda Nacional Republicana para policiamento rural.
Das forças vivas de Vendas Novas a aplaudir as considerações do Sr. Deputado Bartolomeu Gromicho sobre a electrificação daquela vila.

Ofício

Do Grémio da Lavoura do Grato a apoiar as palavras do Sr. Deputado Pimenta Prezado acerca do aumento do efectivo da Guarda Nacional Republicana para policiamento rural.

O Sr. Presidente: -- Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Vasco Mourão.

O Sr. Vasco Mourão: - Sr. Presidente: desde há tempos se vêm manifestando certos indícios tendentes a preparar a cidade do Porto para ter de aceitar como imperiosamente necessário um aumento sensível nas tarifas de energia eléctrica actualmente em vigor naquela cidade.
Coincide essa situação com a aproximação do termo do contrato que vigora desde 1939 entre a Câmara Municipal do Porto e duas empresas produtoras, que já denunciaram o contrato.
Pretende-se, ao que parece, impor, a partir de 1954, novas e mais onerosas condições ao Município do Porto, cujas consequências tom de ser devidamente ponderadas pelo Governo.
Pela circunstância casual de, como vereador da Câmara do Porto, ter feito parte do conselho de administração dos seus serviços municipalizados de gás e electricidade no período em que foi negociado e firmado o contrato em vigor, tive necessariamente intervenção directa nessa negociação e até na própria elaboração do texto do contrato.
Por isso tive oportunidade para poder apreciar que, a par das indiscutíveis vantagens que do novo sistema tarifário advieram para a população portuense, também de tal sistema tarifário, que foi uma consequência do contrato, resultou um alto benefício para as empresas produtoras interessadas no mesmo contrato.
Isto porque as tarifas adoptadas então, e que foram aprovadas pelo Decreto n.º 32 468, tendiam justamente a forçar os aumentos de consumo durante as horas do dia, o que vinha melhorar para as empresas produtoras o aproveitamento da sua capacidade do produção.
Nessas tarifas, e para só me referir à de maior consumo, que é, de muito longe, a tarifa doméstica geral, fixaram-se dois escalões, cujos consumos foram calculados em função do número de divisões de cada fogo e por vistoria levada a efeito em todos os prédios da cidade.
Esses dois primeiros escalões representavam, de uma maneira geral, a energia eléctrica consumida para iluminação e alguns usos domésticos e compreendiam quase inteiramente a energia fornecida pelas empresas produtoras durante algumas horas da noite.
Além destes escalões foi estabelecido um 3.º, a baixo preço, tendente a permitir os consumos para aquecimento e cozinha, que atingem maior amplitude durante as horas do dia, consumos esses que até à entrada em vigor das novas tarifas eram praticamente nulos.
Por esta forma, os consumos do 3.º escalão constituíram para as empresas produtoras uma renda suplementar do energia eléctrica para a qual até então não havia aplicação.
Daí resultou, evidentemente, para as próprias empresas fornecedoras um alto benefício pela melhor e maior utilização da sua capacidade de produção.
Deve-se esta utilíssima inovação no sistema tarifário que entrou em vigor após o contrato de 1938 aos cuidadosos estudos da então Junta de Electrificação Nacional e do seu ilustre presidente e orientador, sem cuja decisiva intervenção nem a cidade do Porto nem as empresas produtoras poderiam ter beneficiado das indiscutíveis vantagens que desse sistema tarifário resultou para ambos os contratantes.
E sendo o Porto, desde há muito, um dos principais centros consumidores de energia eléctrica, os resultados financeiros das empresas produtoras interessadas no contrato durante a vigência deste mostram bem que elas continuaram e continuam ainda a desfrutar dum larguíssimo desafogo financeiro, o que vem confirmar como no contrato se haviam harmonizado perfeitamente os interesses em causa.
Ora, da prolongada vigência do contrato durante os últimos catorze anos resultaram para a cidade do Porto necessidades fundamentais de energia eléctrica barata que não podem de um momento para o outro ser alteradas, como facilmente se pode demonstrar.
A entrada em vigor do novo sistema de tarifas após o contrato de 1938 provocou, como se previa, um aumento extraordinário de consumo de energia eléctrica para usos domésticos, que se justifica até pela circunstancia de o Porto estar já então inteiramente privado do uso de gás para esses consumos, visto a respectiva fábrica ter sido desmontada, por se encontrar, bem como a sua rede de distribuição, completamente inutilizável.
Este facto mostra bem que a situação do Porto quanto às suas necessidades do energia eléctrica barata continua a ser inteiramente diferente da de Lisboa, que para usos domésticos dispõe ainda hoje da utilização de gás a preços acessíveis.
E esta uma circunstância que tem de ser devidamente ponderada pelo Governo no que respeita a fornecimento de energia eléctrica à cidade do Porto após o termo do contrato vigente, cujo prazo termina em Junho de 1954.
Por outro lado, para que se tornasse possível a política de aumento de consumos durante as horas do dia que o novo regime tarifário traduz, despenderam-se em toda a cidade somas avultadíssimas em novas instalações e na renovação das existentes, bem como na aquisição do indispensável material eléctrico necessário para os mais variados fins, não podendo hoje prescindir-se de energia eléctrica barata, sob pena de se verem completamente desperdiçados todos os vultosos investimentos feitos para esse fim.

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A população do Porto acreditou na política tarifária estabelecida pelo Decreto n.º 32 468, não podendo nestas condições alterar-se de um momento para o outro essa política que, como já salientei, trouxe também consideráveis benefícios para as empresas produtoras interessadas no contrato com a Câmara do Porto.
Pode porventura suceder que a Câmara se veja na necessidade de um ligeiro reajustamento da sua tarifa mínima pelo aumento excessivo de consumos no 3.º escalão, a baixo preço.
Tal reajustamento terá, no entanto, de ser muito limitado, mas o que é indispensável é que a qualquer combinação de pormenor não venha a sobrepor-se um sensível aumento de preços por parte das empresas produtoras, que os seus lucros revelados não justificam.
Mas é ainda de considerar que, pela actual interligação económica das empresas produtoras de energia eléctrica com a própria Companhia Nacional de Electricidade, qualquer concurso se torna praticamente impossível para resolver o problema do fornecimento de electricidade ao Porto após o termo do contrato vigente até 1954.
Assim, qualquer solução que venha a adoptar-se depende unicamente do Governo, pelo que a responsabilidade das suas consequências também recairá unicamente sobre o próprio Governo e especialmente sobre o Sr. Ministro da Economia.
Ora, como tem sido posta em prática uma política geral tendente a não permitir um aumento do custo da vida, estou certo de que esse mesmo espírito presidirá à solução que venha a adoptar-se quanto ao fornecimento de energia eléctrica à cidade do Porto.
Entendi dever chamar deste lugar a atenção do Governo para a crítica situação que se avizinha quanto a este problema, que urge ver resolvido sem precipitação e com a necessária antecedência, de forma a poderem conciliar-se os interesses em causa, quer da Câmara Municipal do Porto, quer das empresas produtoras, como, aliás, sucedeu em 1938.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Amaral Neto relativo u defesa de melhoria das habitações dos trabalhadores dos campos e das cidades.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Vaz.

O Sr. Manuel Vaz: - Sr. Presidente: o aviso prévio que o nosso ilustre colega Sr. Engenheiro Amaral Neto apresentou na sessão de 23 de Janeiro deste ano e que tão brilhante e profundamente desenvolveu aborda uma matéria que me parece de extrema importância e singular oportunidade, dado o seu objectivo político-social.
Receia S. Ex.ª que o Estado abrande os seus esforços na política de melhorar as habitações dos trabalhadores, tanto dos campos como das cidades, «em face da premência de certas obras e certos empreendimentos de mais directa e imediata reprodutividade».
Revela-se nesta sua preocupação um estado de espírito não isento de apreensões, que «e traduz no receio de que o problema da habitação das classes trabalhadoras sofra um atraso no plano da sua execução adentro da política económica e social em tão boa hora adoptada pelo Governo da Nação e definida no artigo 14.º, n.º 1.º, da Constituição.
Compreendo, e também perfilho este receio.
Precisamente quando o êxito dessa política nos enchia de justificado orgulho e tudo aconselhava a prossegui-la, não obstante as críticas, nem sempre bem intencionadas, daqueles que fecham os olhos com obstinação à luz ofuscante das verdades inegáveis, vem o relatório do Plano de Fomento, que com tanto entusiasmo aprovámos, prevenir-nos de que, por causa da sua execução, haverá «uma ligeira alteração no ritmo da construção urbana».
E, folheando as páginas do Orçamento Geral do Estado para este ano, apenas encontramos no capítulo 15.º das despesas extraordinárias do Ministério das Obras Públicas a verba exígua de 1 500 contos destinada à construção de casas para pobres. Confirma-se a prevenção.
Parece, assim, justificar-se o receio evidenciado no aviso prévio em discussão, o que é de lamentar, embora a verba para outras construções seja um pouco superior a 20 mil contos, como referiu o Sr. Engenheiro Amaral Neto.
Sem dúvida, o volume e a importância das obras e empreendimentos a realizar pelo Plano de Fomento exigem o investimento de largos capitais.
Os recursos do País são modestos e não têm, por isso, a elasticidade dos das nações superindustrializadas ou de copiosos recursos naturais, onde, aliás, o problema se reveste de não menor acuidade, é conveniente frisá-lo.
Por via disso ser-nos-á necessário concentrar no gigantesco esforço a despender o máximo das nossas possibilidades económicas e financeiras.
Julgo, não obstante, que, sem prejudicar a execução desse Plano e integrando-se nele ou a seu lado, o problema da habitação deve continuar a merecer dos Poderes Públicos o carinhoso interesse que até aqui lhe tem merecido; que o ritmo das construções deve ser mantido em nome do princípio basilar ria Revolução Nacional afirmado por Salazar: «Enquanto houver bocas sem pão e famílias sem lar a Revolução continua».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: o aviso prévio em discussão, para ser completo, não deveria ter limitado o seu âmbito «à melhoria das habitações dos trabalhadores», mas abranger o problema habitacional ma sua totalidade, se bem que reconheça serem aqueles os que devem merecer os nossos maiores desvelos e carinhos, por serem de todos os anais necessitadas e porque o trabalho, para ser proveitoso, requer um mínimo de condições imateriais e morais indispensáveis.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estamos, Sr. Presidente, perante um aumento demográfico ao ritmo anual de 100 mil almas, pouco mais ou menos.
Sabemos, por conhecimento pessoal e directo, que há escassez de habitações por esse país fora, nas cidades e nas aldeias.
Os últimos dados estatísticos anunciam-nos que há no continente um número de famílias que se aproxima muito de 2 milhões (1 922 295) e revelam-nos que nesse número se contam mais de 2500 (2 507) sem habitação.
Suponho, porém, e com fundadas razões, ser muito maior o (número de famílias sem abrigo, e muito maior ainda o número dos sem abrigo conveniente. O ilustre Deputado Sr. Amaral Neto calculou o número provável.

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A par das que não tem nenhum, há as que vivem. em míseras barracas, as que vivem em comum e as que o têm por favor.
Todas estas se podem também, e pràticamente, considerar sem lar, aquele lar unifamiliar e próprio, que todos ambicionam, em ordem à defesa da família.
Cada um de nós tem conhecimento, pelo menos parcelar, do angustioso problema, e por ele poderemos calcular da sua extensão e importância.
Ainda não há muito tempo, e como presidente da Câmara Municipal do concelho de Chaves, tive ocasião de pessoalmente observar um caso desta natureza.
Eram quarenta famílias que viviam, e vivem, em deploráveis condições higiénicas e morais, num autêntico "bairro de lata", de impossível descrição.
Não sei ainda como resolver o seu problema, mas tomei a resolução de, seja como for e custe o que custar, tirá-las dali no mais curto prazo, embora tenha de sacrificar algum empreendimento de considerável importância para a economia e desenvolvimento do concelho.
Por outro lado, e como presidente que fui durante largos anos da comissão municipal de assistência, tive ocasião de observar a extensão do problema dentro e fora da cidade através dos subsídios para rendas de casa concedidos por essa comissão, o que me obrigou muitas vezes a visitar as suas instalações e a ordenar um inquérito às condições económicas, higiénicas e sociais dos seus beneficiários.
Por isso conheço e, sobretudo, sinto a grandeza do problema e a extrema urgência de o solucionar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No sector das construções para pobres e remediados o Estado Novo tem uma doutrina que é bem sua, porque é portuguesa, e possui uma obra que se pode considerar formidável. Não há que alterá-las. Fixou-as o Decreto-Lei n.º 23 052, de 23 de Setembro de 1933, para a construção de casas económicas.
A questão está em não pararmos no caminho e percorrê-lo até ao fim, sem desfalecimentos, com teimosa decisão, possuídos do sentido nacionalista e cristão da política social que está na base doutrinal do Estado Corporativo Português e se resume na frase lapidar do Chefe da Revolução Nacional que já citei.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Não vou lançar um olhar retrospectivo sobre o que se passou antes do regime actual. Os "bairros sociais a construir num ano", são de triste memória (Decretos n.ºs 5397 e 5443, de 1919) e onde o Estado perdeu 61 mil contos.
Sr. Presidente: se folhearmos o relatório do Governo sobre a execução da Lei n.º 1 914 verifica-se que a acção governativa durante o período da sua execução se orientou no sentido de construir casas económicas, casas para família, pobres, casas para pescadores e casas desmontáveis para as classes mais necessitadas de todas.
Até 31 de Outubro de 1900 a posição, no que respeita à execução dos planos, era o seguinte:

a) Casas económicas:

Construídas ....... 2 716
Em construção ...... 2 010 4 726

b) Casas para famílias pobres:

Construídas ....... 3 815
Em construção ..... 1 488 5 303

c) Casas para pescadores:

Construídas....... 1 370
Em construção..... 80 1 450

d) Casas desmontáveis:

Construídas........ 1 828
Total....... 13 307

Depois dessa data muitas mais se construíram ainda.

E, se analisarmos os mapas das despesas realizadas com essas construções, apura-se que foi nos anos de 1948 e 1949 que as verbas despendidas atingiram maiores volumes: 58 974 contos em 1948 e 61 308 em 1949.
Em 1951 despenderam-se em:

Contos
a) Casas para famílias pobres..... 1 490
b) Casas económicas......... 26 491
c) Casas para pescadores....... 7 604
35 585

E para o ano de 1951 o total previsto no orçamento fora de 61:500 contos, gastando-se, portanto, pouco mais de metade do calculado.
O custo dessas construções foi subindo de 7 242 contos em 1936 para aquelas cifras importantes que acabo de referir, o que revela um ritmo ascensional impressionante.
A partir de então a velocidade adquirida começa a declinar rapidamente e cristalizou-se no ano em curso na verba de l 500 contos, destinados a construção de casas para pobres, o que, devemos reconhecê-lo, é muito pouco. Em resumo: a obra realizada e em curso, de 1933 a 1952, em matéria de casas económicas foi de 40 bairros já construídos, num total de 8 mil moradias, do custo global da ordem dos 300 mil contos e o dispêndio total de 360 mil, incluindo capital e juros, sem falar no Bairro do Restelo, de 452 moradias, ainda por inaugurar.
Devemos nesta altura salientar o esforço despendido pelas câmaras municipais e outros organismos que colaboram com o Estado dedicadamente, sabendo encontrar na magreza dos seus recursos os meios indispensáveis para uma profícua coadjuvação, mas que, na mesma medida em que as comparticipações diminuíam, tiveram de abrandar a, marcha iniciada por falta de recursos próprios.
E é curioso anotar que com o declínio das actividades estaduais e autárquicas coincidiu, no tocante a construções, tanto de renda livre, como de renda limitada, um pronunciado afrouxamento das actividades particulares.
Se consultarmos os Anais da Câmara Municipal de Lisboa encontraremos neles a afirmação de que em 1951 o número de licenças para construção baixou "pronunciadamente" e um pouco "inexplicavelmente" de 40 por cento, embora na cidade do Porto, como nos informa a Civitas, tenha havido nesse ano um ligeiro aumento, e, ao que parece, o mesmo fenómeno se tenha observado em algumas terras do País, a apesar de se manter a situação de retraimento que há anos se vem sentindo" (Civitas, ano 8.º, p. 119).
Assim, a febre, aquela febre de construções a que assistíramos nos anos anteriores, parou, e não promete recidiva próxima.
A baixa "pronunciada" e de algum modo "inexplicável" para a Câmara (Municipal de Lisboa deve, em grande parte; ter sido influenciada pelo aumento de custo dos materiais e mão-de-obra e pela insegurança

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do negócio daqueles que construíam para vender (que se tornara indústria, e indústria de fartos lucros), e que passaram a ter dificuldades em negociar os prédios construídos.
Sr. Presidente: a par das construções atrás indicadas surgiram com o Decreto-Lei n.º 36212, de 7 de Abril de 1947. as casas chamadas «de renda limitada», como com a Lei n.º 2 007, de 7 de Maio de 1945, haviam já aparecido as moradias de renda económica, a que, de passagem, aludi anteriormente, para as classes de reduzida capacidade económica.
Mas também em relação a construção de habitações desta espécie a baixa se verificou, mais acentuadamente ainda, pois em Lisboa desceram de 250, em 1950, para 90, em 1951, os pedidos de licença pura a sua construção, sendo este número o mais baixo do último quinquénio.
Não valerá a pena citar mais números, já de si fastidiosos em intervenções desta natureza, para acentuar a tendência degressiva em matéria de construções, definir a crise que estas atravessam e acentuar a necessidade de se prosseguir sem afrouxamentos na política e no esforço de dar a todos os portugueses o lar confortável e higiénico correspondente à posição social que ocupam na vida da Nação, por todos ambicionado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: não desejo concluir este capítulo sem fazer uma referência, ainda que ligeira, ao trabalho realizado no sector habitacional por alguns organismos, oficiais, como a Junta de Colonização Interna e a Direcção-Geral dos Serviços Florestais.
Este último organismo vem semeando pelos pendores das mossas serras lindíssimas casas, brancas, alegres, de elegante e feliz arquitectura, amplas, cómodas e higiénicas, com água e saneamento, para melas instalar os funcionários que o servem, e designadamente os humildes guardas florestais ou as sedes administrativas dos seus perímetros florestais.
Poderá alguém considerá-las talvez luxuosas em demasia para o fim a que se destinam.
Não penso dessa maneira, porque, a meu ver, elas não servem apenas para abrigar as famílias daqueles servidores, mas constituem, simultaneamente, exemplo e lição para as populações rurais no seio das quais elas são implantadas e de que estas muito carecem.
Além disso representam uma justa compensação do isolamento em que terão de viver os seus locatários.
Aplaudo por isso a ideia e a obra.
Quanto ao trabalho realizado neste campo pela Junta de Colonização Interna, já aqui desta tribuna fiz alguns reparos, sem que eles envolvam uma admiração menor pelo trabalho feito, e que sinceramente reconheço ser grande, nos vários sectores das suas múltiplas actividades.
Também por essa altura manifestei a esperança de que, corrigidos certos defeitos de uma construção empírica do sistema rígido empregado, quanto ao melhor aproveitamento económico e social das terras a colonizar, atinja aquele grau de eficiência que é legítimo esperar-se dos seus estudos e farta experiência e do dinamismo e tenacidade do seu ilustre presidente, a cujas nobres intenções presto sincera homenagem.
Não conheço, infelizmente, apesar de muito o desejar, os vários, aldeamentos por ela construídos. O tempo não me sobra puni esse efeito e gostaria de os confrontar.
Sei, no entanto, que são numerosos já e mais o serão num futuro próximo.
Neste capítulo de moradias conheço apenas os aldeamentos ou colónias da região de Barroso, em Trás-os-Montes.
Na sua traça arquitectura não me parece haverem sido felizes os arquitectos da Junta, ao contrário do que aconteceu noutras, colónias agrícolas.
Não se harmonizam com o condicionalismo local; destoam dele.
A mim parece-me - mas estarei em erro - que os edifícios desta espécie devem casar-se com o ambiente, evitando contrastes agressivos; devem ter um cunho regionalista, aproveitando da habitação típica regional o que de interessante ela possa ter, actualizando-a, diga-mos, estilizando-a, de forma a constituir uma escola bem portuguesa de arquitectura rural.
Não será difícil aos técnicos desse organismo, estudadas as condições locais, idealizar moradias agrícolas modernas, sem perderem o cunho tradicional, completas, elegantes até, sem luxos desnecessários, mas bem adequadas às necessidades familiares e agrícolas dos seus moradores, tendo em atenção as exigências do clima e outras que as circunstâncias aconselhem.
Eles podem e devem ressuscitar a velha casa de lavoura portuguesa ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... que se vai perdendo e era, no panorama regional, um encanto para os olhos.
Sr. Presidente: não desejo encerrar esta simples enumeração das actividades estaduais e administrativas sem me referir à acção desenvolvida, neste sector pelas caixas sindicais e de reforma e previdência, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 35 611, de 28 de Abril de 1946, e Lei n.º 2007, já citada, que, como experiência e tendo capitais disponíveis, decidiram proceder à construção de casas de habitação de renda económica, exercendo com esta sua actividade simultaneamente uma nobre função social diferente da que lhe é peculiar, o que denota espírito de colaboração, por intermédio da Federação das Caixas de Previdência - Habitações Económicas.
Ao analisarmos esta sua actuação, temos de considerar que o seu principal objectivo não é, contudo, fazer assistência às classes médias principalmente, mas acautelar o seu património e garantir-lhe um juro razoável e certo de 4 por cento, por forma a possibilitarem-se o seguro exercício da função que lhes incumbe, embora se reconheça que igualmente, e sem diminuição de garantias, poderiam empregá-lo em construções mais modestas e de menos renda portanto, e que são as mais necessárias.
As caixas sindicais de previdência investiram até 31 de Dezembro de 1950 174 595 contos em casas económicas e 191 915 contos em outros imóveis. As caixas de reforma ou de previdência investiram 138 668 contos em casas de renda económica e 221 489 em outros imóveis em 1951. E os sons fundos actuais são de mais de 3 milhões de contos.
No capítulo de casas para pobres não deve ficar esquecida a acção de numerosos organismos industriais e comerciais que têm procurado enfrentar o problema habitacional dos seus operários e empregados, resolvendo-o, em muitos casos, por forma modelar, só digna de elogios, com nítida compreensão da função social que desempenham.
Honra lhes seja feita, mas suponho podermos e devermos ir mais longe, não permitindo a montagem de novas indústrias sem a correspondente instalação residencial dos seus operários.
Uma palavra apenas para finalizar este capítulo da minha despretensiosa e modesta intervenção, e esta de profunda reverência, admiração e respeito por essa grande alma de apóstolo que é o padre Américo, o ge-

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neroso criador desse movimento admirável de loucura e caridade criatãs que é a Obra da Rua e o Património dos Pobres.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Para os mais pobres dos pobres ele esforça-se por dar, construindo-a, a casinha humilde, mas higiénica e limpa, onde possam viver e morrer descansados. Curvemo-nos reverentes.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: julgo ter feito a sumária indicação, mas não completa, das actividades interessadas na resolução do problema habitacional português e a não menos sumária enumeração dos esforços empregados e da obra realizada durante os últimos tempos, a que será justo acrescentar a dos organismos de assistência administrativos, da iniciativa particular, cooperativas, Casas do Povo, etc.
Obra grande, sem dúvida alguma, pelo que já se fez, mas pequena, indiscutìvelmente, para o que resta fazer.
Tudo aconselha, por isso, a prossegui-la.
Era talvez agora a altura de a analisar em pormenor e definir-lhe os objectivos, modos de utilização e características essenciais no que respeita às diferentes modalidades de construção, sem regimes jurídicos e fins sociais.
Não o farei, por desnecessário, tanto mais que o ilustre apresentante do aviso prévio já o fez, com brilho e profundeza.
Sr. Presidente: no quadro das necessidades humanas a habitação ocupa um lugar de relevo, ...

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - ... idêntico em importância ao das necessidades primárias de alimentação e vestuário.
Há até quem o situe em segundo lugar, logo atrás da alimentação; porque, se há quem possa viver nu, não há quem possa viver sem abrigo.
A dignidade humana, quando impossibilitada de satisfazer esta exigência, degrada-se.
O homem fica inibido de constituir família e, se a constitui, os laços físicos e morais que a devem unir tendem a desapartar-se, a caminho de uma perniciosa desagregação, ameaçando a solidez da estrutura política das nações e a segurança da paz social.
A moral - periga e todos os vícios surgem, depauperando a saúde e destruindo os mais nobres sentimentos do coração e da inteligência humanos.
«No fundo da alma revolucionária esconde-se o desejo insatisfeito da propriedade», como escreveu Valdour.
E, pelo menos em parte, isto é verdadeiro.
A casa, o lar, eis a ambição, o sonho de todos aqueles que o não têm.
Já Salazar, com o seu profundo conhecimento das realidades sociais, ensinava com a costumada clareza: a família exige por si mesma duas instituições: a propriedade privada, e a herança.
Primeiro a propriedade, a propriedade de bens que possa gozar e até a propriedade de bens que possam render.
A intimidade da vida familiar reclama aconchego, pede isolamento, numa palavra, exige a casa, a rasa independente, a casa própria, a nossa casa.
Há impossibilidade, haverá mesmo em muitos casos inconveniente, que o trabalhador possua os meios de produção, em deixar dividir a terra por minúsculas parcelas, dando-se a todos um pedaço para a cultura.
Mas é utilíssimo que o instinto da propriedade que acompanha o homem possa exercer-se na posse da parte material do seu lar.
E naturalmente mais económica, mais estável, mais bem constituída a família que se abriga sob tecto próprio.
Eis por que não nos interessamos grandes falanstérios, as colossais construções para habitação operária com seus restaurantes anexos e mesa comum.
Tudo isto serve para os encontros casuais da vida para as populações já sem nómadas da alta civilização actual; para o nosso feitio independente e em benefício da nossa simplicidade morigerada, nós desejamos antes a casa pequena, independente, habitada em plena propriedade pela família.
A herança é o reflexo na propriedade do instinto da perpetuidade da raça; transmite-se com o sangue o fruto do trabalho, da economia, quantas vezes de grandes privações.
Assim falou o mestre, condensando uma doutrina, a doutrina da política social do Estado Novo em matéria de habitação, o que nem sempre se tem dado rigorosa aplicação, em nome e a pretexto de duvidosas economias nos preços de construção.
Sr. Presidente: é impossível explanar numa simples intervenção parlamentar todos os complexos problemas que andam ligados ao problema central da habitação, entre os quais avultam os de higiene física e moral, a projectarem-se nos planos económicos, políticos, sociais, morais e até espirituais.
Limito-me por isso, e para finalizar, a algumas considerações mais a seu respeito no que interessa aos meios rurais.
Nem só nas grandes cidades faltam habitações, porque também na província essa falta se nota.
Nem só nessas cidades há famílias vivendo em comum, sob o mesmo tecto e às vezes num só compartimento.
Também nos meios rurais isso acontece com certa frequência.
Nem só nos grandes centros há ruelas escuras e imundas, porque isso é vulgar nas cidades, vilas e aldeias da província.
Nem só nesses grandes aglomerados há casas sem água, sem saneamento, sem higiene, sem conforto, porque também, e em mais larga escala, isso acontece em quase todos, senão todos, os núcleos populacionais disseminados pelos campos.
As ruas das aldeias tapetam-nas, no Inverno e na Primavera, estrumeiras onde os matos se curtem: são tortuosas, mal calçadas e não dão escoante às águas pluviais e outras de origem suspeita, que se filtram através das paredes para os baixos das moradias das suas gentes, quando se não transformam em autênticos lamaçais.
Se as condições higiénicas são bastante melhores nalgumas regiões, nas terras montanhosas das Beiras e Trás-os-Montes o atraso a esse respeito é ainda muito grande, devido a vários factores, como o clima, a situação económica, a distância e a educação.
Procede-se actualmente em quase todas as vilas e cidades ao estudo dos respectivos planos de urbanização, como é absolutamente necessário, realizados por engenheiros contratados para esse fim pelas autarquias locais, debaixo da orientação superior e competente da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, organismo de brilhante actuação.
Parece, porém, que esses trabalhos, sempre caros e morosos, não têm sido feitos com os cuidados precisos pelos autores dos respectivos anteprojectos, a dar-se cré-

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dito às inúmeras reclamações dos organismos e das populações.
Um plano de urbanização deve ser, a meu ver, acima de tudo, uma previsão.
Para o fazer é indispensável conhecer, e conhecer-se profundamente, todas as circunstâncias que interessam ao futuro da, localidade a urbanizar.
Tem de se ter em conta as suas condições geofísicas e humanas; a posição e importância em relação à zona de que elas são, por assim dizer, o centro de atracção, o fulcro em volta do qual giram os interesses, locais ou regionais; o seu presente e todas as possibilidades futuras, por um estudo económico conveniente, não só da. localidade, mas também da zona que serve, de maneira, a promover o seu desenvolvimento, riqueza e bem-estar, dando-lhes um ar alegre, sadio, e formando um conjunto harmonioso, em que os seus habitantes encontrem o prazer de viver e trabalhar, aliado ao orgulho de uni legítimo e sempre benéfico bairrismo, estímulo de maiores empreendimentos e realizações.
Esse estudo seria tanto mais completo quanto mais demorada fosse a análise- das circunstâncias locais.
Mas desejaríamos que esse estudo e esses projectos se não limitassem às sedes dos concelhos, antes se estendessem a todas as suas freguesias.
Eu sei que lá chegaremos um dia. levados pela ânsia renovadora, do Estado Novo.
Mas quando? Só muito tarde, porque partimos do zero absoluto e o caminho é longo.
Para apressar esse momento eu lembraria, que a execução de um tal programa fosse entregue à Junta de Colonização Interna, que dispõe de técnicos especializados em assuntos agrícolas, de grande competência e com larga prática no que se refere à construção de casas e urbanização dos pequenos aglomerados rum is, isto em colaboração com as Casas do Povo, onde as houvesse.
Ela possui já um instrumento legal, de que pode utilizar-se sem delongas - a Lei n.º 2 017, de 23 de Junho de 1946, e os Decretos-Leis n.ºs 35 993 e 33 944, de 23 de Novembro desse mesmo ano as chamadas «leis dos melhoramentos agrícolas», que criaram o Fundo dos Melhoramentos Rurais.
Na região Nordeste do País, na província, de Trás-os-Montes, as aldeias são formadas por aglomerados densos de construções, de precário conforto e duvidosa solidez na sua, maior parte, em que as moradias se apinham, encostadas umas às outras, sem quintais e muitas vezes sem pátios, ao longo de ruas estreitas, tortuosas, de trânsito nem sempre fácil.
As habitações são, em regra, constituídas por rés-do-chão e primeiro andar e Feitos de pedra solta, a cunhadas e pobres.
No rés-do-chão ficam as cortes ou lojas para o gado; no primeiro andar vive a família.
O rés-do-chão é formado por uma ou duas divisões.
O primeiro andar é constituído por uma cozinha, que serve em geral de sala de jantar e as mais das vezes não tem chaminé, e de duas, o máximo três divisões, onde se amontoa a família de mistura. com os produtos colhidos e utensilagem doméstica e agrícola.
A casa ou é herdada dos puis ou construída pelos seus próprios moradores, com a ajuda dos vizinhos.
A rudeza do clima e a escassez de terreno arável devem ter contribuído em larga escala para o apinhado das povoações e a escassa mediania, ou pobreza dos seus moradores para as suas construções primitivas.
Efectivamente, como o terreno arável não sobra, as povoações encostam-se no sopé das serras, em terreno sem valor agrícola e de área restrita.
Por outro lado, a escassez de terras de cultivo, aliada •\ distância enorme a que se encontram dos mercados consumidores e a falta de caminhos e estradas municipais em condições, desvalorizando-lhe os produtos que não têm escoamento barato, não lhes permitem constituir uma economia desafogada e criou-lhes uma mentalidade especial, que os leva a procurar, primeiro e principalmente, a terra criadora, e se traduz neste aforismo popular que domina a sua existência: «Casa quanta caibas, fazenda quanta vejas».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: na construção de casas de habitação nas aldeias deveríamos seguir a orientação de as dividir em dois grupos fundamente distintos:
a) Casas para trabalhadores rurais;
b) Casas para pequenos agricultores e equiparados.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As primeiras deveriam aproximar-se o mais possível das casas para pobres recentemente construídas, adaptadas ao condicionalismo local e com um pouco de terreno em volta para servir-lhes de horta.
Deve notar-se que o salário do trabalhador rural nunca é elevado, nem mesmo como tal pode ser considerado nas épocas de maior procura, e que, além disso, não oferece garantias de estabilidade.
Por isso a renda ou a prestação a pagar para transformar a moradia um habitação própria - sua ambição máxima - tem de ser necessariamente módica, ao alcance das suas reduzidas possibilidades.
As moradias destinadas aos pequenos agricultores devem obedecer a outras características, tendo em atenção a função económica, e social que desempenham e a natureza específica das suas actividades adentro da sua pequena exploração agrícola.
Nesta a criação de gado é fundamental, como instrumento de trabalho e porque constitui uma das suas melhores fontes de receita.
Devem, por isso, constar da habitação familiar propriamente dita e das instalações agrícolas consideradas indispensáveis à satisfação das exigências da respectiva exploração, como abegoarias, pocilgas, silos o nitreiras, com um espaço livre que lhes sirva de pátio.
Programa vasto?
Sem dúvida alguma, mas não irrealizável.
Parece-me perfeitamente viável, neste sector do problema habitacional no campo, a sugestão, lançada pelo nosso ilustre colega Sr. Engenheiro Amaral Neto, para que os interessados sejam chamados a colaborar, podendo, com os serviços públicos na edificação da» suas moradias com os recursos do que poisam dispor, tais como trabalho, dinheiro, materiais, etc.
Assim poderão ter, em condições favoráveis e reduzido «nisto, uma habitação, adequada às Mias necessidades, que lhes permita viver com alegria a vida saudável dos nossos campos, no aconchego do lar.
Transformar-se-ia como por encanto o aspecto tristonho das aldeias de certas regiões, num ambiente acolhedor, aliciante, livrando os seus habitantes das tentações da cidade, que não poderá dar-lhes nem mais nem melhor do que aquilo que nesse caso já possuiriam: uma casa sua para viver e um campo seu paro cultivar.
Sr. Presidente: resumido, podemos chegar às seguintes conclusões:

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tuguesa definida legalmente, está certa; não há que modificá-la;
2.ª Quanto ao tipo, devesse optar pela residência unifamiliar de preferência ao bloco, de sabor colectivista, por mais conforme às exigências e hábitos nacionais;
3.ª O ritmo construtivo deve manter-se, a não poder, de momento, acelerar-se;
4.ª Nos planos de urbanização deve atender-se ao clima, à topografia, à história, às vias de comunicação, ao desenvolvimento económico e demográfico e a todas as demais circunstâncias locais;
5.ª Parece impor-se, para maior unidade e eficiência, a concentração na Direcção-Geral de Urbanização de toda a actividade na matéria, hoje dispersa por diferentes sectores; mas
6.ª A urbanização das aldeias, por falia de recursos próprios, deveria ficar a cargo da Junta de Colonização Interna, bem como a construção de moradias para trabalhadores rurais e pequenos proprietários, .em colaboração com as Casas do Povo;
7.ª Deve estimular-se ainda mais a iniciativa particular, pela facilitação de crédito barato e a largo prazo e pela colaboração dos serviços com o particular, onde e sempre que isso se torne necessário e em especial nas aldeias.

E, assim, julgo podermos ajudar a construía1 uni Portugal melhor e mais feliz, realizando a aspiração de dar abrigo, um lar conveniente, a todos os portugueses.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

A Sr.ª D. Maria Leonor Correia Botelho: - Sr. Presidente: quero, em primeiro lugar, apresentar ao nosso ilustre colega Amaral Neto os meus mais sinceros cumprimentos pelo oportuníssimo tema que trouxe ao interesse e consideração da Câmara e agradecer-lhe em nome de todas as famílias de Portugal que, neste momento - e tantas são elas! -, sofrem amargamente as deficiências do problema habitacional, e que confiada e ansiosamente esperam, ao menos, a atenuação daqueles aspectos que comprometem a própria vida da família portuguesa.
Naturalmente, Sr. Presidente, não ignoro, antes tenho disso plena consciência, que o problema da habitação é, entre os problemas sociais, um problema específico. Específico no sentido de que para a sua solução se exige a intervenção de técnicos e estudiosos especializados.
Mas sei também que, se o encararmos em toda a sua extensão, logo o encontramos a espraiar-se no campo social e a invadir os seus meandros mais recônditos. Apercebermo-nos-emos então de que o problema da habitação não pode ser tratado isoladamente. A sua complexidade é tão vasta e tão intimamente se amalgama a outros problemas sociais que, por vezes, não é fácil distinguir se ele é causa se efeito de muitos dos aspectos do mal-estar social.
Poder-se-á isolar o problema habitacional da questão de desemprego, salários, custo da mão-de-obra, urbanismo e de tantos outros?
Este problema da habitação é, pois parte de um todo; é um anel da fortíssima e ininterrupta cadeia formada pela concatenação das coordenações do problema social.
Vale a pena encarecer este aspecto. É fora de dúvida que uma das razões por que os valiosíssimos esforços que o Governo vem realizando neste sentido não atingiram, em certos canos, pleno êxito está em que se tem tratado o problema da habitação empiricamente, melhor dizendo, especificamente, desprezando, muitas vezes, os aspectos humanos do problema.
Confirmam esta minha informação as chamadas «casas-tipo», ou onde as possibilidades de alargamento são apenas hipotéticas, onde a adaptação à evolução da vida da família é impraticável.
O facto de estarem vazias casas construídas para operários por estes não poderem pagar a renda é ainda uma confirmação deste divórcio entre a casa e o lado humano que ela supõe. Pode, materialmente, o plano da construção ser um êxito, mas nunca conseguirá dar uma alma à casa, à habitação, se a finalidade social for esquecida.
A casa deve ser pensada em função da família, visto ela constituir o seu quadro funcional. Quem pode negar que as famílias numerosas que, por qualquer circunstância, não podem, sequer, concorrer a uma casa de renda limitada não estão votadas a casas insalubres, às criminosas rendas altas, ou ... ao casebre ou barraca de latas?
Como não há-de ser assim se os nossos planos habitacionais se limitam à noção, socialmente medíocre, da casa-tipo mínimo?
Como não há-de ser assim se a família de sete, oito e dez filhos é considerada anormal, visto não estar prevista nos programas oficiais de construção?
Um dos factos mais flagrantes de que os próprios organismo oficiais constróem casas à margem do problema social, ou, melhor dizendo, à margem das realidades sociais e humanas, é o de que muitas das rendas de casas das habitações dos bairros económicos e sociais constituem para as famílias tão pesado encargo que é a assistência, que tem de as subsidiar.
Poucos meses após a ocupação de um bairro social logo se põe o problema das rendas, de que os municípios ou as Misericórdias não podem prescindir para amortização do capital empregado. Não haverá nada a rever neste ponto?
Creio que o problema não está só em construir.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - É necessário que se estudem as necessidades do meio, o tipo de famílias a que as casas se destinam, que se atenda com realismo e bom senso às condições económicas das mesmas famílias, que não deixe de considerar-se a distância, as possibilidades e facilidades de acesso aos locais de trabalho, para que não suceda que os operários e trabalhadores peguem no trabalho depauperados e cansados pela caminhada, Deus sabe em que condições, de hora e meia e mais.
Não basta, pois, construir quantitativamente; é preciso estudar a casa qualificativa e socialmente, sem o quê será outro tonel das Danaides a absorver verbas em pura perda.
Mas, Sr. Presidente, o assunto é tão vasto e complexo que, para que a achega que desejo dar para a, soluçai» do problema, intervindo neste aviso prévio, possa ter ao menos a utilidade de um testemunho, me limitarei a focar dois dos aspectos que aio campo social têm a meu ver profunda repercussão: deficiência da habitação e as suas consequências sociais, a habitação e vida de família - tragédia das famílias numerosas.
A deficiência da habitação é um vício endémico que põe em perigo a estabilidade da família e, consequentemente, os fundamentos da sociedade ...

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A Oradora: -... um vício que, como diz M. Houist, vice-presidente do Comité da Habitação da União Nacional das Associações Familiares de França, se encontra na encruzilhada de todos os outros flagelos sociais: alcoolismo, inadaptação juvenil, divórcio, mortalidade infantil, etc.
Tem-se afirmado que a habitação deficiente, o casebre, custa extraordinariamente caro; que se podo mesmo considerar um artigo de luxo. E assim é, de facto. Se fosse possível saber o preço por que nos fica esse artigo, infelizmente ainda tanto em uso entre nós verificaríamos como este luxo nos sai caro.
Embora tivesse procurado mi meros neste sentido, para estatisticamente provai1 a. V. Ex.ª a veracidade do facto, não me puderam ser fornecidos os elementos de que carecia; no entanto, estudos e inquéritos sociais recentemente elaborados pela Association Populaire d'Action Sociale du Bâtiment et des Travaux Publics de la Région Parisienne dão-nos a realidade dos factos.
Assim, dois exemplos, respigados de entre muitos:
Família. D. - Nove filhos desta família entre quinze morreram nas primeiras idades.
A que atribuir esta percentagem assustadora?
Esta família habita uma casa de três divisões, só uma com janela; as outras são frias, húmidas, sem ar nem luz. Em três anos as crianças sobreviventes custaram à colectividade 671 mil francos em despesas de hospitalização e tratamento. Em sois anos custarão certamente o preço necessário para a construção de uma casa salubre e confortável de cinco divisões.
Outro exemplo:
Família. F. - Pai nascido em 1914 e mãe em 1918; filhos: gémeos nascidos em 1943; mais dois gémeos nascidos em 1944; o mais novo nasceu em 1946.
A família vive num rés-do-chão, numa única divisão sem janela.

Repercussões na saúde da família. - As crianças nasceram com peso normal e saudáveis, mas no fim de alguns meses começaram a perder peso; foram então internadas, visto a mãe não as poder tratar, mais por falta de espaço do que por qualquer outra razão.
Depois foram recolhidas no preventório, onde permaneceram cerca de seis meses por mio. À data do inquérito - 1950 - os mais novos estavam no preventório havia três meses, por os pais não encontrarem habitação conveniente.

Repercussões financeiras:

Francos

Estadia das crianças no preventório.......... 1 068 375
Hospitalização das mesmas ................... 665 040
1 723 415

No comentário ao inquérito lê-se: «A construção de uma casa decente para esta família custaria cerca de 2 milhões de francos».

O Sr. Amaral Neto: - Os exemplos que V. Ex.ª acaba de citar referem-se à França, não é verdade?

A Oradora: - Exactamente.
Outra estatística, esta dos Estados Unidos da América, referente à cidade de Cleveland. A população que aqui habita casebres, e que é apenas 10 por cento da população citadina, custa 26 por cento do total da polícia, bombeiros e serviços de saúde e 36 por cento das despesas hospitalares da referida cidade. Estas
proporções, segundo se refere em Architecture in Modern Life, verificam-se em todas as grandes cidades americanas.
E em Portugal?
E em Lisboa e Porto?
Eu sei, Sr. Presidente, que, como já referi, neste, como em todos os problemas de ordem social, as causas são muito complexas e não podem delimitar-se rigorosamente os efeitos que e elas produzem. Para mais, todos estes factores, de ordem humana reagem uns sobre os outros, o que fax corri que nas suas consequências se agravem também mutuamente. Assim, nos exemplos que atrás apresentamos só estão consideradas as repercussões que afectam o problema financeiro directamente: doenças e despesas, de hospitalização dos membros da família em causa. Mas serão incalculáveis os prejuízos «e os considerarmos como agentes de contágio aia vizinhança, no trabalho, nos transportes públicos, nos cinemas, etc.
É preciso termos em mão estatísticas, sem dúvida, mas é sobretudo preciso que tenhamos visto com os nossos olhos os casebres, as mansardas, onde vegetam famílias e famílias, para nos darmos conta de como a promiscuidade, a falta de ar, luz e higiene, etc., agravam, e consequentemente oneram, a solução de todos os problemas sociais.
Sem querer carregar as cores, mas a reforçar os exemplos dos casos apontados pelo nosso colega Amaral Neto, apenas o apontamento de alguns exemplos recentes respigados na última quinzena de trabalho do serviço social do Instituto de Assistência à Família:

Alcãntara:

Casal sem filhos, que vive de um subsídio mensal da Misericórdia e da caridade de pessoas amigas.
O chefe da família sofre de tuberculose pulmonar (incurável).
Vivia o casal numa barraca, em Alcântara, que foi demolida pela Câmara Municipal. Foi então habitar um telheiro em Monsanto.
Foi-lhe arranjado um quarto pelo serviço social do Instituto de Assistência à Família.

Carnide:

Casal com filhas. A mais velha está atacada de tuberculose pulmonar (incurável). O chefe da família e a mulher andam ao trapo.
Viviam numa barraca que foi demolida pela Câmara Municipal. Passaram a viver, por esmola, em casa de um sobrinho, no Barro da Urmeira (duas divisões para duas famílias).

Olivais:

Pessoa de 76 anos; vivia só numa barraca, que foi demolida pela Câmara Municipal. Sem possibilidade de alugar quarto, foi viver para um tanque, que cobriu com latas.

Santa Engrácia:

Corredor onde dormem trinta e duas pessoas, aproximadamente, a pagar 5$ por -noite. Todas sem profissão.

Santa Isabel:

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um quarto, foi viver para uni automóvel velho, abandonado. Esteve aí oito meses.
O servido social teve nessa altura conhecimento do caso e conseguiu, por intermédio do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, a sua sanatorização.

Ameixoeira:

Família constituída por casal, seis filhos e uma tia, pessoa de idade. Vários membros da família têm tracoma.
Chefe de família - pedreiro.
Mulher - trabalha a dias.
A filha mais velha tem 8 anos e a mais nova 2 meses.
Vive esta família com outra (chefe, mulher e um filho) num forno debaixo da terra.
Não têm luz nem ar; o chão é barro.
Não tem conseguido arranjar quarto para viver por se tratar de uma família numerosa. O serviço social fez várias diligências, conseguindo há poucos dias um quarto, pelo qual pagarão 200$ de renda.
Em quanto vai ficar à Assistência a solução dos problemas da saúde - não considerando todos os outros aspectos - destas famílias?
Em 1952 o Subsecretariado de Estado da Assistência Social, pelo serviço social do Instituto de Assistência à Família, distribuiu em subsídios cerca de 20:742. 364$50. Pode dizer-se que o desemprego e a habitação foram as causas reais a cujas necessidades estas verbas procuraram acudir.
Tenho pena, Sr. Presidente, que não seja regimental a passagem de documentários cinematográficos aqui na Câmara. Talvez o écran pudesse - e podia, com certeza - convencer dos factos, de que não consigo sequer dar uma pálida imagem.
Mas há mais. Nas informações que colhi junto dos Serviços Jurisdicionais de Menores verifiquei que a maior percentagem da delinquência infantil é dada pelos menores dos tugúrios, dos bairros do trapo, dos mal alojados, das casas superlotadas. Problemas angustiosos também aqui se põem. Estão no refúgio menores arrancados à vida da vadiagem, libertos da escola do crime.
Com a graça de Deus e os bons métodos pedagógicos dos educadores realizou-se a obra da reabilitação dessas crianças, que de mau só têm afinal muita vezes o meio que as rodeia. Pergunta-se: que fazer-lhes agora? Continuarem a pesar nas despesas públicas, sem outra razão que não seja a de não terem casa decente?
Sr. Presidente, meus senhores: é quase lugar comum apontar-se com espírito rotineiro e mentalidade egoísta estes e outros factos repercutidos pela habitação deficiente. Mas, por amor de Deus, vai sendo tempo de se iniciar uma ofensiva que não deixe dúvidas de que queremos Atacar o problema de frente, e integralmente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - E os prejuízos que a habitação deficiente causa n través do alcoolismo, que por ema vez leva às piores consequências? Certamente que a estatística dos dispensários de higiene social e do profilaxia de doenças mentais neste caso não serão consoladoras.
Mas vamos mais a fundo na avaliação do preço das casas insalubres, inadaptadas e superlota-las. Há a considerar ainda aquilo a que poderíamos chamar «as despesas «escondidas»: os prejuízos causados nas empresas devido ao mau rendimento no trabalho, as perdas ide emprego, que sei eu?
E fica ainda para além, a pesar na balança idas angústias, dos sofrimentos, tudo aquilo que não é susceptível de estatísticas. Apesar da sua amplitude, não são os prejuízos financeiros os que trazem as mais graves pendas imputadas a este fiaigelo da deficiência habitacional. As repercussões mais dolorosas escapam em razão da sua própria natureza. Não são susceptíveis de apreciação e avaliação. É impossível, de facto, reduzir a estatísticas a dor das mães de família que vêem os filhos definhar nas casas sem espaço vital, o sofrimento silencioso dessas crianças privadas de ar, luz e alegria. O tormento do rapaz, da rapariga que se quer valorizar, estudando, trabalhando, e a quem falta o mais estrito espaço para esse fim.
Valores que se perdem, perdas que se tornam em certos casos irrecuperáveis!
E porque não considerar as pendas de vidas humanas ocasionadas, embora indirectamente, pelas habitações insalubres, valores que não «e registam nas orçamentos nem nas fichas dos numerosíssimos processos familiares dos organismos sociais e de assistência?
Construir é caro, sem dúvida, mas não construir, construir mal ou deixar que as casas se habitem em más condições é bem mais caro e de bem piores consequências.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - E agora um apontamento sobre o segundo aspecto (pé me propus focar para finalmente deixar uma ou outra sugestão que possa ao menos um dia vir a ser aproveitada.
Disse há pouco que a casa tem de ser imaginada em função da família, satisfazendo às condições normais da sua vida física, moral e familiar. Este aspecto foi já aqui perfeitamente focado pelo nosso ilustre colega Amaral Neto e não o vou repetir. Quero no entanto e apenas ferir uma nota. E dos postulados da mais estrita justiça social que cada família, qualquer que seja o número de filhos, tenha direito a procurar uma habitação suficiente. Pois isso, em muitos casos, falha completamente. As principais dificuldades não residem na técnica. A nossa época resolve com efeito todos os problemas da teórica que lhe são postos. É quando «e chega aos ângulos social, económico e financeiro que os obstáculos se acumulam.

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[Ver Quadro na Imagem].

Dir-se-á: «mas vive-se com $70 por dia?». Sim, mas morre-se muito também.
Mas não é ainda, nu província, apesar dos 24 por cento do ordenado - que, em certos distritos, leva a renda da casa -, que o problema atinge proporções de drama, relativamente às famílias numerosas. São as cidades de Lisboa e Porto que servem de palco às representações dessas tragédias familiares. Quem, de VV. Ex.ªs, não teve ecos do calvário destes pais peregrinando, em vão, de casa em casa, ouvindo recusas sobre recusas, para o aluguer de um quarto? Nega-se-lhes o arrendamento por uma razão apenas: a de terem filhos.
Drama em cem actos diversos, este das famílias com filhos que procuram um abrigo.
«Trata-se - diz uma revista canadiana, Relations, de Janeiro de 1952 - de uma espécie de delito contra a família. Esta situação é tanto mais triste quanto é certo que há em Montreal mais de 50 mil habitações de três a seis divisões ocupadas por concubinos». E acrescenta: «estes pseudolares, além de não representarem um

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activo paru o país, privam de espaço as crianças dos casais legítimos».
E em Portugal? E nas cidades de Lisboa e Porto?
Sabemos, apregoamos, pregamos, que as crianças são uma riqueza para a Nação. Mas esta é, como outras, uma doutrina abstracta, desencarnada. Só em presença dos factos nós nos podemos convencer. E eles estão aí, Sr. Presidente. Quando alguém viu, como nós, os berços - os berços? os caixotes ou os trapos onde repousam as crianças - nas casas térreas, nas barracas, nas capoeiras, quando, como nós, se ouve clamar das mães que não têm onde abrigar-se com os filhos, a gente não pode deixar de pedir para eles a atenção de quem de direito. Sentimentalismo, Sr. Presidente? As estatísticas falam e os casos gritam. Problemas de iodos os países? Sem dúvida. Mas isso não justifica a mais pequena omissão neste campo. Aprendamos então como e]es a lançar mão de todas as iniciativas, de todas as boas vontades que neste campo nascem e se organizam na iniciativa particular e oficial.
As dificuldades das famílias não dependem todas dos proprietários que recusam alugar casas a casais com crianças.
Há locatários que não merecem que se tenha com eles atenções, mas a maior parte respeita a propriedade.
Não se preconiza que o proprietário perca, mas exige-se que ele não esqueça e cumpra o dever da solidariedade social. Os proprietários que sem razoes fortes, recusam o aluguer a casais com filhos colaboram na decadência, da sociedade. Há que tomar medidas a este respeito.
É necessário que se estabeleça uma política familiar. Matinalmente, as organizações profissionais são indispensáveis; mas antes e primeiro que tudo o homem é membro de uma família. A comunidade natural - a família à qual o homem pertence, portanto, por natureza tem fatalmente de ter mais força e reveste implicitamente tinia importância primacial sobre qualquer outra organização. Insisto: é necessário criarmos uma política familiar. Ninguém melhor do que a própria família é capaz de a defender. Porque não se promove entre nós a criação das associações familiares e as associações de famílias numerosas?
A Liga das Famílias Numerosas da Bélgica, em vinte e cinco anos, pelo Fundo da habitação, libertou 10 mil famílias numerosas dos. casebres e das casas superlotadas.
Há que fazer justiça ao são critério, ao escrúpulo com que a Repartição das Casas Económicas tem estado a agir dentro desta doutrina, escolhendo criteriosamente as famílias para. habitarem as casas ultimamente constituídas.
Sr. Presidente: não pode perder-se tempo em acudir às famílias, mormente às famílias, numerosas, neste problema da habitação.
As dificuldades das famílias não dependem todas dos proprietários que recusam as crianças.
Há locatários que não merecem que se tenham com eles «tenções, mas a maior parte respeita a propriedade.
Não se preconiza que o proprietário perca, mas exige-se que ele não esqueça e cumpra o dever da solidariedade social. Os proprietários que, sem razoes fortes, recusam o aluguer a casais com filhas colaboram na decadência da sociedade. Não se poderá fazer nado, neste sentido?
Há que acudir aã famílias neste problema da habitação.
Ao que parece a construção é barata em Portugal. Mais barata mesmo do que em outros países. A renda não pode ser menor; portanto parece que os salários é que são baixos. Aumentar os salários? Utopia, decerto.
Porque não se cria então em Portugal, à semelhança de outros países, especialmente em França, a allocation logement? Esta medida, que é aplicada a partir do nascimento do segundo filho e que é mantida em casos de doença ou desemprego, permite, a meu ver, resolver em parte o grave problema das rendas de casa - de casas salubres -, como prevê o decreto que institui esta medida. O abandono de «renda de casa» está já a ser estudado para os trabalhadores rurais em alguns países. Não seria esta uma maneira de, em parte pelo menos, acudir ao problema do alojamento das famílias numerosas? Não haveria vantagem em estudar o sistema?
Resta-me, Sr. Presidente, apoiar inteiramente todas as medidas de protecção à casa de família e às famílias sem casa, preconizadas pelo Deputado Amaral Neto, louvar o muito que já se tem realizado e fazer aqui um sincero acto de confiança no Governo, que, de certeza e de verdade, está a envidar os seus melhores esforços para que também aqui a revolução continue.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Miguei Bastos: - Mais uma vez o ilustre Deputado engenheiro Amaral Neto trouxe a esta tribuna um problema cheio de oportunidade e interesse, exposto e tratado com a maior clareza e impressionante espírito de realidade.
Pareço que está tudo dito, e só encontro explicação em intervir neste debate pelo desejo de dar a problema que há tantos anos me apaixona um testemunho - aliás bem modesto - de presença, activa presença.
Ao falar nesta tribuna em Janeiro de 1952 acerca do projecto do lei do ilustre Deputado Dr. Paulo Cancela de Abreu sobre o abandono de família, referi, entre as coisas principais que, entre nós, ferem a coesão familiar, o grave problema da habitação.
Citei então números e referi pormenores, e fujo agora a repetir-me, até pela simples razão de que os números então citados o os próprios pormenores referidos foram já confirmados e ampliados pelo autor deste aviso prévio, que, quanto aos últimos, soube pelos por forma verdadeiramente impressionante.
Todos os que um dia foram chamados a tocar este problema, a vivê-lo o a senti-lo, logo dele ficaram presos, e no mundo das suas preocupações ele ficou como uma grande sombra que não se apaga nem se desvanece.
A casa é. realmente, uma das primeiras necessidades do homem, mas, mais do que isso, ela constitui para todos nós o ambiente em que se forma e se desenvolve a nossa vida moral.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se recordarmos, então, a casa onde passámos os primeiros anos da nossa vida, melhor havemos de compreender o valor e a força que ela tem na vida moral do cada um de nós.
Pode a vida mudar, ser pródiga ou avara em dores, sofrimentos ou alegrias, mas a recordação da nossa casa, do seu ambiente, das horas nela vividas, tudo para sempre ficará em nós gravado, através os anos, através a vida. Pode ser rica ou modesta, opulenta ou pobre, foi nela que passámos os primeiros anos da nossa existência, onde se formou o nosso carácter, onde pela primeira vez sentimos a vida com todo o seu clamor de batalha a travar, de batalha a vencer.
A casa - um reino e uma vida, uma escola e um destino.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - Não admirei, pois, que este problema preocupe os Governos de todas as nações, os quais têm tentado múltiplas experiências para lhe dar solução.
Infelizmente, porém, tem de se reconhecer que não tem sido possível dominar as dificuldades, e por toda a parte se mantém evidente desequilíbrio entre o aumento demográfico e o ritmo da construção.
Um delegado francês ao XXI Congresso Internacional da Habitação, reunido em Lisboa no ano passado, falou da necessidade de ser construído l milhão de casas, afirmação esta que se afigura como bem expressiva da angústia do problema em todo o Mundo.
Em Portugal, como já referiu o Sr. Engenheiro Amaral Neto, a posição era, em 1900, a seguinte:

Famílias que ocupam partes de casa ................ 193 231
Famílias sem alojamento ........................... 2 592
Famílias que ocupam habitações de construção precária ou provisória ..................................... 13 449

Estes números mostram, realmente, com evidência, que também estamos longe de ter dominado este problema.
Por outro lado, como provou o Sr. Engenheiro Amaral Neto, continua a ser grande o atraso entre a construção de novas habitações e o ritmo do nosso aumento demográfico.
Logo, qualquer abrandamento na política de construção de novas casas só pode agravar os termos já angustiosos em que hoje nos debatemos nesta questão.
A necessidade de combater a falta de alojamentos dignos para a nossa população tem merecido o melhor interesse ao nosso Governo ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -... e isso bem vincado foi pelo autor deste aviso prévio.
A posição em 31 de Dezembro de 1951, apresentava-se assim:

Casas económicas: 7 603 construídas; 841 em construção.
Casas de pescadores: 1 370 construídas; 238 em construção.
Casas para famílias pobres: 4077 construídas; 1168 em construção.
Casas desmontáveis: 1 488 construídas.

A estes números podemos acrescentar os das casas de renda económica e de renda limitada, visto que se trata de tipos de construções fomentadas pelo Estado.
Teríamos, portanto, mais 2 696 casas de renda económica já construídas e 250 em construção e 2 896 de renda limitada já construídas e 90 em construção.
Conclui-se, pois, que já foi possível construir 20630 fogos de rendas acessíveis.
É, evidentemente, pouco para as reais necessidades do País, como sublinha com a lealdade habitual dos nossos homens de Governo no seu último relatório o ilustre titular da pasta das Obras Públicas, engenheiro José Frederico Ulrich, mas representa já um grande esforço da parte do Estado nesta matéria.
Torna-se, porém, necessário prosseguir.
E como?
Não ponho quaisquer dúvidas ou objecções ao sistema que aqui equacionou o nosso distinto colega engenheiro Amaral Neto, se bem que me seja difícil em escassas horas poder ponderar os prós e os contras da sua sugestão. Parece-me, no entanto, que bem merece que o Governo a considere e estude, assim como me parece útil que o Governo pondere no movimento nacional de auto construção que a União Católica dos Industriais e
Dirigentes do Trabalho de Coimbra lançou e se propõe realizar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Igualmente me parece que se deveria estudar a situação actual das cooperativas de construção, para se ver até onde se lhes poderia dar mais eficiente ajuda técnica e financeira, pois que, com as dificuldades que ultimamente têm encontrado no recurso ao crédito da Caixa Geral de Depósitos, estão - ao que me dizem - a viver horas difíceis.
A sua contribuição para a solução deste problema não tem sido em Portugal do grau muito elevado - ao contrário do que sucede noutros países -, no entanto em problema tão grave não julgo de desprezar a sua ajuda.
Dou desde já o meu entusiástico aplauso à criação dum organismo coordenador que no Ministério das Obras Públicas se ocupe exclusivamente deste problema. Talvez a ideia, suponho defendida em tempos pelo Sr. Dr. Mendes Correia, da criação do Instituto da Habitação tivesse agora grande oportunidade. Neste Instituto se centralizaria tudo o que dissesse respeito à construção de casas em Portugal, e com isto se evitariam alguns erros de localização, tipos de construção, et c., que infelizmente se têm verificado, trazendo com isso justo receio para o alargamento duma obra julgada indispensável e urgente.
Os problemas da habitação, como escreve o Dr. Vicente Moreira, devem estudar-se simultaneamente à luz da humanidade e da ciência.
Há que os considerar nas suas consequências de ordem moral, económica e sanitária. É preciso reunir periodicamente os documentos dispersos sobre o estado dos alojamentos no País.
Completar os inquéritos organizados pelo Instituto Nacional de Estatística ou por outras entidades. Estudar a demografia como base das necessidades actuais e futuras de alojamento. Saber quais as habitações susceptíveis de beneficiações que as tornem saudáveis.
Coordenar as investigações por forma a saber-se qual a forma de construção e técnica a adoptar para a melhor solução económica. Estudar e ponderar todas as sugestões que vão surgindo nesta matéria e dispor do fundo de financiamento que permita acorrer aqui ou além com a devida oportunidade e eficiência.
Tudo isto representa um trabalho que só um serviço próprio pode e deve fazer.
Prevê-se, por exemplo, que da intervenção activa do Laboratório de Engenharia Civil no planeamento e execução de obras públicas e particulares poderá resultar para a Nação, no próximo período de dez anos, uma economia da ordem dos 250 mil contos. Daqui se vê a utilidade que pode resultar para o embaretecimento da construção o aproveitar-se os ensinamentos deste Laboratório quando aplicados por um só organismo a todo o esforço feito para a construção de habitações em Portugal.
O problema tem de ser visto no seu conjunto e observado por um corpo especializado, que em todos os momentos cuide de encontrar as melhores soluções.
A própria localização precisa de ser estudada através de um inquérito cientificamente organizado, que possa efectivamente indicar em cada momento e a qualquer entidade interessada onde e o que deve construir.
Aqui há anos certa entidade desejou construir uns blocos de casas numa cidade do País.
Para o fazer abriu um inquérito, mas este não foi além de uma inscrição aberta na câmara municipal e de uma visita de meio dia de dois senhores a quem cabia - ao que parece - fazer o relatório decisivo do inquérito. Parece realmente, em matéria tão delicada,

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muito pouco. Mas também se compreende que é impossível a cada entidade que se proponha construir habitações ter um serviço de inquérito conveniente e próprio.
O que se torna necessário é haver um só serviço que, para todos, se encarregue deste trabalho, que me parece muito importante. Com isto se evitaria a situação impolítica e desanimadora de casas construídas mas não ocupadas, umas vezes por falta de inquilinos, as mais das vezes por serem de tipo a que corresponde certa e determinada renda não comportável pela generalidade dos habitantes da região onde foram construídas as casas. O próprio problema da justa ou razoável retribuição de capitais investidos seria objecto de estudo deste órgão coordenador, pois me parece que muito se poderia obter se, abdicando de critérios demasiadamente rígidos, se adoptasse um critério mais realista, obtendo-se, assim, soluções socialmente muito úteis.
Se tantas casas podem estar anos sem se arrendar, o até, se para o conseguir, se podem baixar as rendas previamente fixadas, penso que, indo-se para edificações mais modestas, e, consequentemente, de construção mais económica, se poderia garantir melhor o juro do capital investido. Tudo, ó evidente, sempre feito depois de inquérito real às condições do meio em que se pretende actuar.
A minha experiência nesta matéria e alguns estudos feitos sobre ela por dever de ofício dão-me fundas razões para insistir na importância deste aspecto do problema.
Estudem-se, pois, com o maior interesse todas as hipóteses que possam de longe ou de perto ajudar a resolver o problema da habitação, mas crie-se para este trabalho um órgão próprio, entregue em boas mãos e com os meios de acção que forem julgados necessários o convenientes.
Com isto julgo que muito se poderia progredir nesta matéria.
O nosso ilustre colega engenheiro Amaral Neto pensou e disse que a crise da habitação tinha especial acuidade no domínio das habitações modestas.
Ninguém duvida desta verdade.
Enquanto não se faz a possível aplicação de outras modalidades entendo que o esforço em matéria de construção das casas chamadas «para famílias modestas» não deve abrandar.
O Decreto-Lei n.º 34486, de 1945, que previu a construção de casas deste tipo, precisa, a meu ver, de ser actualizado.
O estímulo que aquele decreto-lei previa eficiente atenuou-se gravemente com a evolução das circunstâncias.
Na verdade, ao elaborar-se aquele diploma legal partiu-se da hipótese - certamente possível no momento - de «e poder construir cada casa com 20 contos.
Para tanto o Estado dava um subsídio não reembolsável de 10 contos, ficando às câmaras municipais ou às Misericórdias o encargo dos restantes 10 contos. E, porque era nessa altura fácil recorrer ao crédito da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência para se obter aquela verba restante, o sistema era eficiente o deu de início, efectivamente, resultados práticos. A renda seria só a necessária para cobrir os encargos do empréstimo e as despesas de conservação.
Assim foi possível obter rendas da ordem dos 50$ mensais.
A construção civil encareceu, porém, bastante. E assim em breve os cálculos iniciais foram ultrapassados.
Diz-se que o P. Américo, essa extraordinária figura de sacerdote.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... tocado também pela gravidade deste problema da habitação, tem conseguido na construção das suas casas do Património dos Pobres obter médias de construção por casa ainda abaixo daquele mínimo de 20 contos. Não conheço bem a questão, mas penso que, dada a natureza da obra, se tem possivelmente obtido um regime de trabalho especial e talvez também especiais facilidades na concessão de materiais, o que tudo terá contribuído para obter custo tão baixo de construção.
Num caso que me passou pelas mãos tive ocasião de verificar que era impossível fazer descer o custo de cada casa abaixo de 22.500$. Mas logo se verificou que a este valor tinha de ser acrescido o do custo da chamada urbanização. Feitas as contas, verifica-se que aquela casa de 22.500$ custou, na realidade, 28.000$.
Posso até concretizar um outro caso que é suficientemente elucidativo.
Construiu-se um bairro de quatrocentas casas. As casas custaram 8:912.218$76. O terreno e a urbanização custaram 1:805.819$59. Quer dizer, para se construírem estas casas houve que despender 11.169.574$15.
O Estaco deu 4 mil contos não reembolsáveis, permitiu um empréstimo doutros 4 mil e concedeu de comticipação para os trabalhos de urbanização 667.237$50.
Verifica-se, pois, que para um dispêndio de 11:169.574$15 se recebeu uma ajuda de 8:667.237650, o que obrigou a entidade responsável pela construção a despender dos seus réditos próprios 2:502.336$65.
Ora é de todos conhecido que poucas são as câmaras municipais ou as Misericórdias que podem fazer, sem gravíssimo risco do seu equilíbrio financeiro, esforços deste volume.
Parecia-me por isso muito necessário que fosse revisto o regime do citado Decreto-Lei n.º 34486, de forma a aumentar-se o subsídio não reembolsável fixado. E porque se tornou difícil recorrer ao crédito da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, por razões de todos conhecidas, parecia-me igualmente conveniente que se facilitasse às câmaras municipais e às Misericórdias o recorrer à banca particular, permitindo que se oferecesse a esta iguais garantias às que Be dão à referida Caixa Geral.
Também o problema das casas para os trabalhadores rurais merecia um estudo especial, para se melhorar o seu regime e adaptá-lo mais às realidades da nossa vida nas aldeias.
Quando se fala de protecção à lavoura não se quer dizer só protecção de preços dos produtos da terra; deseja-se exprimir também - como nesta legislatura ficou bem vincado - protecção a tudo o que diz respeito à vida nas regiões agrícolas ...
Vozes: - Muito bem!

O Orador: -... porque é nelas que vive um dos mais notáveis sectores da vida económica nacional. Sendo assim, como é, a habitação do nosso trabalhador rural deveria vir a sofrer um tratamento especial, procurando-se a fórmula de se conseguir para esta espécie de construções um regime próprio.
Talvez se o Governo quisesse reformar o Decreto-Lei n.º 34 486 pudesse nessa reforma incluir esta espécie de habitações, atribuindo às juntas de freguesia e as Casas do Povo a iniciativa na matéria.
Os grandes auxílios que estas duas instituições podiam obter dos lavradores talvez lhes facilitasse a missão desde que, como atrás referi, o subsídio não reembolsável atingisse grau, que, por si só, verdadeiramente fomentasse e estimulasse a iniciativa. O regime da Lei n.º 2 014, tendo, sob vários aspectos, muito interesse,

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não resolve, e podo mesmo dizer-se que pouco atenua, o problema das casas para trabalhadores rurais.
Entusiasmado pelo interesse do problema posto pelo nosso distinto colega engenheiro Amaral Neto, fui mais longe do que desejava ao propor-me apenas traçar um apontamento.
Mas termino já e faço-o com o voto de que o Governo continue, como até aqui, atento a este problema, estudando as novas sugestões que vão surgindo, como contribuição para o atenuar, revendo o regime do que já está legislado na parte que parece deve ser alterada e prosseguindo sempre nesta grande obra que tanto o honra de servir a Nação através de todas as dificuldades e de todos os sacrifícios.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: quero aproveitar a faculdade tradicional e regimental de voltar ao debate, a. encerrá-lo, em primeiro lugar para agradecer a V. Ex.ª as disposições que teve a bondade do tomar para tornar ainda possível a efectivação do meu aviso prévio dentro do programa de trabalhos deste tão sobrecarregado final de legislatura.
A interpelação tinha a importância que lhe conferia o seu objecto, não a da forma que me fosse possível dar-lhe, e, admitindo-a e reconhecendo-a, V. Ex.ª deu mais uma prova de que esta Assembleia continua sendo o lugar próprio de expressão das grandes inquietações públicas e de exame dos problemas políticos e sociais.
Aos Srs. Deputados que fizeram o favor de abrirem debate sobre a minha interpelação quero agradecer-lhes, não só a consolação do seu apoio ao essencial e ao geral das minhas considerações, mas também e, mais ainda, o terem vindo valorizar e elevar o debate com um conjunto de opiniões tão notáveis por si mesmas, como pela variedade de aspectos do problema que abrangem.
Com efeito, ouvimos em primeiro lugar a voz de um distintíssimo sacerdote que com tanta autoridade como brilho pôs em toda a sua evidência o problema moral da habitação.
Depois uma devotada trabalhadora dos serviços sociais apresentou-nos com toda a sua objectividade a agudeza das situações a que podem chegar muitos daqueles que lutam com a falta de casas.
E, por último, vieram assistir-me, nesta intervenção, dois presidentes de municípios geogràficamente muito distanciados, e grato me foi ver um problema de tanta importância para a vida das populações obter das suas palavras a abonação de que está sempre presente nas preocupações dos administradores o representantes dos seus mais directos interesses.
Cumpridos com prazer e reconhecimento estes gratos deveres, uma vez que não foram postas objecções ou levantadas dúvidas quanto ao fundo da matéria, limitar-me-ei a versar dois ou três pontos de pormenor para os quais foi chamada a minha atenção por pessoas que fizeram o favor de assistir ao debate e por ele tomaram interesse. Pontos que não tocam ao problema fundamentalmente, sendo apenas de pormenor, todavia não desmerecem de atenção.
Em primeiro lugar, e como mais importante, foi-me dado a entender, melhor, foi-me exposto objectivamente, que uma certa disposição da lei sobre casas de renda económica começa a mostrar agora os seus perigos, digamos, os resultados inconvenientes que alguns já esperavam.
Refiro-me à disposição que estabelece que as casas de renda económica não podem ser ocupadas por famílias cujos rendimentos totais excedam o sêxtuplo da renda da casa ocupada.
Ontem aludi a essa doutrina e não deixei de expor que a proporção era julgada por muitos como sendo a máxima aceitável. O certo é que a Lei n.º 2 007 consagrou a proporção do 1 para G, estabelecendo que, quando os rendimentos da família excedam o sêxtuplo, com uma tolerância de 20 por cento, não poderá essa mesma família continuar a habitar a casa que ocupa. Sucede, pois, que as famílias que começam a progredir, por efeito de promoções dos seus chefes, ou por motivo de os filhos terem terminado formaturas o começado a contribuir para a casa essas famílias tem diante de si a perspectiva do despejo, por excederem a proporção teórica dos ganhos para as rendas.
E, sejam ou não baratas as rendas, o certo é que o despejo as levará ao mercado livre das casas, onde só podem encontrar rendas muito mais altas, podendo mesmo suceder que essas famílias que excederam a proporção legal possam vir a não encontrar senão casas em que a proporção teórica da lei seja invertida para muito além do razoável.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não posso conceber a perspectiva do que um legítimo avanço de um chefe ou a entrada de um filho na vida prática, normal e naturalmente motivos de alegria e contentamento, possam passar a constituir acontecimentos temidos, por obrigarem a família a deixar a habitação ocupada para se instalar noutra, sabe-se lá em que condições.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ao Governo já terão sido presentes muitos dos casos que constantemente surgem. Faria votos para que por qualquer forma esta disposição, embora do lei aprovada pela Assembleia Nacional, possa ser em breve rectificada como convém.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Julgo ser legítimo que as famílias cuja situação melhore procurem escolher uma casa superior. Mas estabelecer uma relação estrita entre a renda, que é uma coisa precisa, o a situação económica da família, que é muito variável e depende de factores de ordem mais subjectiva, desde o espírito económico da dona da casa até ao amor ao trabalho do seu chefe, parece-me não ser de aplaudir.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: também foi notado que eu não aludi à acção dos serviços sociais nos grupos das chamadas «casas desmontáveis» construídas em Lisboa para receber os moradores dos bairros de latas, de alguns bairros do latas que, graças a Deus, foi possível demolir.
Nesses estabeleceram-se serviços sociais apurados e todos os observadores conhecem e reconhecem a sua obra notabilíssima, não só de assistência como de educação para as condições, felizmente tão melhores, a que os habitantes foram levados a habituar-se.
Serviços do mesmo tipo se consideram necessários não só para enquadrar as famílias instaladas, mas para escolher as famílias a instalar.
A atribuição das casas dos bairros económicos - e elas são tão desejadas que a sua procura anda à volta da

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ordem de dez vezes o número das que se constróem - dá a necessidade aos mesmos serviços de intervirem na escolha dos candidatos a moradores. Chamar a esta os trabalhadores sociais habituados a aferirem os múltiplos aspectos e factores do equilíbrio da vida familiar parece-me de facto ser realmente uma sugestão digna da atenção de VV. Ex.ªs
Uma terceira observação que tem importância é a de que a lei, precisamente o artigo 33.º do Decreto n.º 23 052, que criou as casas económicas, enumera entre as condições de preferência para atribuição destas a idade dos candidatos.
Tem sido interpretado este artigo no sentido de que devem ser preferidos os mais idosos, aqueles que tenham menos possibilidades de virem a concorrer novamente.
O critério que, absolutamente, não direi ser de afastar talvez deva, no entanto, ser revisto para o caso de moradias destinadas a casais sem filhos, à luz da ideia de que as famílias que começam a sua vida são das que mais se debatem com dificuldades, por vozes maiores do que aquelas que já estão em meio da existência e com esta de certo modo encaminhada e organizada. Eis uns pormenores que ou não quis deixar de trazer à consideração de V. Ex.ª, em atenção ao interesse neles afirmado por quem bem conhece a sua importância, os seus efeitos, o seu possível alcance.
Posto isto, não julgo descabido concretizar numa moção as tendências expressas poios vários oradores que aqui vieram colaborar neste aviso prévio. A moção é a seguinte:

A Assembleia Nacional:
Considerando o alto valor social, económico e político da habitação salubre;
E reconhecendo que o Governo se tem esforçado de vários modos, e com resultados notáveis, para resolver o problema dos alojamentos económicos;
Mas verificando que persiste e é mesmo grave a carência de casas satisfatórias e acessíveis às classes- menos abastadas, tanto nos meios citadinos como nas zonas rurais:
Exprime o voto de que o Governo, tanto quanto lho vá permitindo a execução do Plano de Fomento, continue dedicando as suas atenções ao problema e procure resolvê-lo nos seus diferentes aspectos e por todas as formas adequadas.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Considero encerrado o debate. Vai proceder-se à votação da moção que o Sr. Deputado Amaral Neto acaba de mandar para a Mesa.
Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vou, portanto, encerrar a sessão.
Logo haverá sessão, à hora regimental, tendo por ordem do dia a efectivação do aviso prévio do Sr. Deputado Manuel Cerqueira Gomes sobre previdência social.
Está encerrada a sessão.
Eram 13 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Délio Nobre Santos.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
João Alpoim Borges do Canto.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Miguel Rodrigues Bastos.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Cruz.
António Carlos Borges.
António Júdice Bustorff da Silva.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Mantero Belard.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Gaspar Inácio Ferreira.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel de Sousa Meneses.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Vasco de Campos.

O REDACTOR - Luís de Avillez

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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