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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 224
ANO DE 1953 23 DE MARÇO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 224 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 21 DE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou alerta a sessão às 10 horas e 30 minutos.
Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão do aviso prévio do Sr. Deputado Manuel Cerqueira Comes.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Manuel Lourinho, Moura Relvas e Abrantes Tavares.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 13 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 10 horas e 20 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Calheiros Lopes.
António Cortês Lobão.
António Joaquim Simões Crespo.
António Maria da Silva.
António Finto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Sebastião Garcia Ramires.
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O Sr. Presidente: - Estão presentes 47 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 10 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Não estando inscrito nenhum Sr. Deputado para antes da ordem do dia, vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Manuel Cerqueira Gomes, sobre a Previdência Social.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Lourinho.
O Sr. Manuel Lourinho: - Sr. Presidente: poderá parecer estranho a alguns que me encontre nesta tribuna disposto a tomar parte na discussão de um problema que a todos se afigura tão complicado para desenvolver e tão difícil nas soluções.
E mais estranho poderá parecer que, tendo limitado as minhas intervenções neste período legislativo a um único assunto tão grato ao meu espírito, agora me abalance a analisar um outro bastante distante do primeiro no espaço onde se aplica, que não nos objectivos de que se informa.
Espero em Deus não ser acoimado com justiça de abelhudo, e, se o for, que me sirva de desculpa ser o canto do cisne das minhas intervenções, inúteis dentro das paredes desta Assembleia.
A simples circunstância de ter exercido durante anos a função de médico-chefe de uma caixa de previdência de um grande núcleo industrial deu-me um certo volume de ensinamentos que permite trazer aqui alguns dados da experiência que colhi durante esse tempo.
E vamos ao assunto.
Sr. Presidente: quero apresentar antes de tudo o mais os meus cumprimentos de alta admiração ao Sr. Deputado Cerqueira Gomes, que brilhantemente nos expôs um trabalho de pensamento e cultura que distinguiria o seu autor, se necessitasse de tal, para ser considerado um alto - o mais alto - defensor da profissão que tem a honra de o contar entre os seus mais ilustres cultores.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Assim, seria agora nascida a minha admiração se ela não estivesse já cimentada desde a primeira hora que me foi dado conhecer o Prof. Cerqueira Gomes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - No aviso prévio que foi posto figuram dois problemas distintos na sua essência, embora se possam ligar, porque um efectiva-se em parte por intermédio do outro.
Um é o problema do seguro social.
O outro é o problema da prestação dos serviços médicos a determinadas modalidades do primeiro.
Foram ambos porém postos em causa, e assim, no desenvolvimento das minhas considerações, tratarei do primeiro colocando-me na posição de observador do que vai pelo Mundo neste sector e do segundo abstraindo-me da minha qualidade profissional.
Sr. Presidente: todo o indivíduo que não tem como capital mais do que a força dos seus músculos ou o valor da sua inteligência e perde uma ou outra, quer temporária quer permanentemente, necessita que a colectividade tome para si, no todo ou em parte, os encargos que estavam a cargo do sinistrado.
No Mundo actual o indivíduo desapareceu como capital humano. A máquina desumanizou o homem.
O homem tornou-se máquina. A técnica tudo brutalizou, no sentido mesquinho e materialista que despersonalizou o trabalho do homem. A máquina automatiza tudo e o homem ignora a finalidade do seu esforço. Dai o desinteresse pelo trabalho, filiado na ignorância do fim a atingir.
O homem que trabalha na oficina moderna não raciocina, não transmite a menor feição pessoal à obra que realiza, não sabe para que executa o seu trabalho.
Cada homem é uma unidade-trabalho, estandardizado, e uma multidão de homens na moderna sociedade é uma soma de unidades iguais, automaticamente iguais, tecnicamente iguais, materialmente iguais, animalmente iguais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Só há dissemelhanças na forma exterior, no mais a colectividade impõe-lhe obrigações tipo rotina, que vão desde a determinação da sua ração alimentar até à mais insignificante manifestação 4º homem no meio social.
O homem moderno é um autómato. A sociedade actual comanda-lhe todos os movimentos, todos os pesares, todas as alegrias, pensa por ele, age por ele e não lhe deixa a mínima possibilidade de autodeterminismo.
Assim acontece desde que a técnica tudo dominou. A rã atómica, a boneca atómica, não são especulações infantis da moderna cibernética.
Não virá longe que o homem autómato tome lugar com cada qual na disputa dos bens da civilização, e nessa altura o homem-pessoa nada poderá fazer para se revalorizar em relação ao seu ersatz feito em série.
Mas, Sr. Presidente, se a sociedade dirige e impõe ao homem obrigações que limitam a sua personalidade com tendência para o manejar como se fora um manequim, pergunta-se: que lhe dá a sociedade em troca da sua servidão?
Se o homem se apaga para servir a colectividade, não é legítimo, mais, não é humano que ele exija dela protecção contra os riscos que o podem atingir, independentemente da sua vontade?
Mas, supondo que esta verdade não estava na base da actual organização social, poderíamos apresentar outras razões que nos levassem à mesma conclusão.
O capital organiza-se industrialmente para a exploração de um determinado ramo de produção. Procura as matérias-primas capazes e necessárias para a sua laboração.
Promove a instalação dos seus meios de produção, máquinas, oficinas, energia, etc.
Planifica a sua acção por intermédio dos técnicos responsáveis.
Organiza a sua administração e contrata a mão-de-obra.
Deixemos de parte todos os elementos que ficam referidos e estudemos apenas o caso da mão-de-obra.
A organização tem interesse manifesto em que o trabalho de cada operário seja o mais rendoso possível, isto é, que o número de unidades-trabalho seja o mais elevado em cada dia.
Por outro lado, a organização tem o maior interesse em que o operário perca o menor número de dias de trabalho. Ainda à organização interessa que a vida útil de trabalho de cada operário seja o mais duradoura no tempo.
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A organização tem ainda o maior interesse em que o operário no rendimento do seu trabalho seja o mais perfeito possível.
A organização tem ainda o maior interesse em que o quadro da sua mão-de-obra seja renovado o menor número de vezes, isto ó, que a aprendizagem não seja frequente e demorada.
Todos estes factores referentes à mão-de-obra, no caso exemplificado - sector industrial -, podem tornar-se extensivos a todas as formas de trabalho manual ou mental: à indústria, ao comércio e à agricultura.
Assentes estas premissas, fácil é concluir que o seguro social é um factor económico, espiritual e psicológico que contribui para a solução da questão social.
Parece pois que a sociedade tem por dever cobrir os seus concidadãos econòmicamente débeis contra todos os riscos.
Sr. Presidente: como foi encarado o problema nalguns dos grandes países do Mundo, sem importar as fórmulas políticas que os governam nem a organização económica dentro da qual gravitam?
A Inglaterra adoptou o plano Beveridge, tendo sido precedida na solução do problema antes da última guerra pela Rússia e pela Nova Zelândia.
A estes países seguiram-se os Estados Unidos, o Canadá, os países da América Latina e ultimamente a Bélgica, a Checoslováquia e a Suécia.
A maior parte destes planos tinha a sua base na protecção contra o desemprego, dando lugar à abertura de grandes obras de interesse, público capazes de absorver um grande volume da mão-de-obra; pouco importou que tal processo tomasse o passo ao seguro propriamente dito.
Acontece porém que nesta forma de absorção da mão-de-obra fica excluída toda a que ultrapasse um certo limite na idade, isto é, os velhos.
Assim, a velhice fica fora da protecção que a colectividade dispensa à massa trabalhadora. Claramente que um seguro de protecção contra a velhice traz também toda uma série de medidas de ordem sanitária, tais como protecção à criança e protecção à natalidade.
Quantias cada vez maiores são investidas em obras de protecção à gravidez, ao parto, à maternidade, à educação, à saúde, à invalidez e às famílias numerosas, com prejuízo do consumo de bens sumptuários, que não têm interesse sob o ponto de vista social.
Nos Estados Unidos foi a crise de 1930 que lançou o grito de alarme contra a miséria. O Governo deste país pôs em execução um larguíssimo programa de trabalhos de interesse público no programa da política social proclamada pelo presidente Roosewelt. Em 1935 o Social Security Act institui o primeiro seguro contra o desemprego, possuindo cada um dos estados da federação a sua legislação própria.
O abono atribuído a cada desempregado variava de estado para estado, obedecendo contudo a uma uniformidade relativa, imposta pelo governo federal, de modo a que o beneficiário recebesse um quantitativo tanto quanto possível igual ao seu nível de vida anterior ao desemprego, variando de 15 a 20 dólares por semana.
Algumas profissões foram excluídas - as agrícolas e as domésticas -, tendo também sido excluídas do pagamento da taxa federal para o seguro social as que não empregavam mais de oito assalariados. A taxa é de 3 por cento sobre o salário semanal.
Ainda no Social Security Act se inscreveu o seguro contra a velhice na indústria e no comércio, com uma taxa de prémio igual para beneficiários e empresas, começando em l por cento e elevando-se cada três anos até atingir 3 por cento.
A pensão é dada aos 65 anos, não podendo ser inferior a 10 dólares nem superior a 85. No caso de morte a viúva recebe 75 por cento da pensão atribuída ao marido. Com o projecto Wagner Murray foram incluídos os trabalhadores agrícolas, os domésticos e os marítimos, excluídos na legislação anterior.
Os abonos são distribuídos durante seis meses a um ano sobre a base de 50 por cento do salário, nunca mais de 30 dólares. As prestações variam com os encargos de família, acrescidos de abono de maternidade.
Em resumo, a tendência actual é para o alargamento dos serviços de higiene pública e protecção à mãe e à criança mais do que para o seguro na doença. São distribuídos créditos avultados para a montagem de estabelecimentos hospitalares regionais e locais e centros de higiene que protejam toda a população. A profissão médica está sujeita a larga legislação, que determina uma repartição dos médicos e pessoal médico em ordem às necessidades públicas.
Por toda a parte o Governo procura melhorar e alargar os cuidados médicos públicos para as pessoas necessitadas, colaborando os médicos com este propósito e procurando o Governo dar à classe médica condições de vida convenientes em relação com o elevado custo da sua formação profissional e necessidade permanente de aperfeiçoamento.
Há nos serviços médicos um grande desenvolvimento da previdência livre; contudo parece desenhar-se uma forte tendência para a cobertura dos riscos sociais.
Na Inglaterra a legislação de seguro social reside na instituição em todo o país do plano William Beveridge, que se resume, segundo a fórmula sintética do seu autor, na abolição da miséria.
A característica principal é pertencer ao Estado o papel de segurador contra todos os riscos, ou seja doença, maternidade, acidentes de trabalho, desemprego, viuvez, morte e velhice, sendo protegidos pela legislação todos os trabalhadores do comércio, indústria e agricultura.
O financiamento do seguro é igual para todos e por uma taxa única, variável apenas com a idade e o sexo.
A prestação de abono fornece um mínimo vital, pertencendo à previdência livre melhorar o sistema de abonos.
O beneficiário paga mais que o empresário. O plano britânico está, no ponto de vista financeiro, ligado ao orçamento geral do Estado, constituindo uma espécie de orçamento social.
Aparece aqui a obrigação do pagamento de três anos de quotização para receber os benefícios do seguro no caso de doença. O beneficiário recebe em dinheiro semanalmente uma certa quantia, com a qual procura os cuidados médicos e farmacêuticos e os alimentos necessários à sua manutenção - é uma espécie de seguro-desemprego, com um quantitativo variável por categorias: idade e situação familiar.
Contudo o Governo mantém um serviço nacional de saúde modelar, ao qual podem recorrer todos os cidadãos sem distinção de idade, de recursos, profissão ou residência, desde que estejam filiados no seguro social.
Todos os médicos podem tomar parte na aplicação do plano e ter clientela privada, desde que esta não esteja inscrita no Serviço Nacional de Saúde. O doente escolhe livremente o seu médico de entre os que aderiram ao sistema.
Na Rússia é ao Estado que pertence o papel de seguro de todos os riscos que podem afectar os trabalhadores.
Os beneficiários e suas famílias têm assistência médica gratuita e recebem abono em espécie independentemente da causa que deu origem à perda do salário. Sòmente as empresas pagam taxas em função dos salários atribuídos ao pessoal.
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A taxa varia para cada ramo da economia nacional. Assim, a indústria de produtos químicos paga 10,7 por cento e as empresas mineiras 9. O orçamento dos seguros sociais paga todas as despesas, à excepção da assistência médica, que está a cargo do orçamento geral do Estado e é gratuita.
A administração está inteiramente nas mãos dos segurados, por conselhos de seguros sociais eleitos e comités sindicais das empresas, aos quais pertence estabelecer a taxa dos abonos em espécie nos diferentes riscos.
O direito ao abono é concedido ao fim de dois meses de prestação de trabalho na empresa e o seu quantitativo vai de 50 a 100 por cento do salário médio. Há suplementos de abonos para os eleitos - politicamente, é claro. Os operários que tenham incorrido em penas disciplinares perdem o direito à prestação do abono, que lhe é outorgado novamente depois de um estágio suplementar de seis meses de seguro. Os operários que não estão sindicalizados não ultrapassam metade da prestação normal.
O Governo tomou medidas para melhorar a assistência às grávidas, as mães e às crianças.
A pensão do reforma é atribuída aos 60 anos, com 25 de serviço, sendo a percentagem de abono à roda de 50 a 60 por cento do salário normal. Não são abrangidos os trabalhadores agrícolas, que se encontram agrupados em mutualidades.
Sr. Presidente: o que se faz em Portugal? Qual é actualmente o sistema de segurança social entre nós?
1.º Protecção contra o desemprego e garantia de estabilidade do trabalho;
2.º Abono aos beneficiários a cargo de quem estejam filhos ou enteados e netos com idade inferior a 14 anos. Abono ainda aos ascendentes do trabalhador ou do seu cônjuge que estejam a seu cargo e sustentação;
3.º Protecção nos acidentes de trabalho e doenças da profissão;
4.º Protecção contra outros riscos sociais - doença, invalidez, velhice e morte.
As instituições de previdência social constituem três grupos:
Instituições de seguro obrigatório, associações de socorros mútuos o instituições de previdência privativas dos servidores do Estado e dos corpos administrativos.
Ao primeiro grupo pertencem as caixas de previdência, as Casas do Povo e as Casas dos Pescadores.
As caixas de previdência dividem-se em caixas sindicais de previdência e caixas de reforma ou previdência.
As primeiras são a solução corporativa, que absorvem os indivíduos de uma mesma profissão; as segundas constituem organismos de empresa. São, portanto, instituições idênticas, representando os órgãos fundamentais do seguro social obrigatório.
Compõem-se os inscritos nas caixas de previdência de sócios beneficiários, contribuintes e honorários, pertencendo uma quotização determinada na lei ao primeiro e ao segundo grupo dos inscritos.
A administra cão das caixas pertence aos beneficiários, sistema aconselhado pela, Organização Internacional do Trabalho. A sua composição é diferente para as caixas sindicais e para as caixas de empresas.
Há uma federação de caixas de previdência denominada Serviços Médico-Sociais - Federação de Caixas de Previdência, criada por portaria de 15 de Junho de 1946.
Compete à Federação:
1.º Assegurar assistência médico-social aos sócios efectivos das caixas federadas e pessoas de suas famílias;
2.º Melhorar as suas condições físicas e morais;
3.º Empreender a realização de obras de carácter social do que resulte a diminuição dos encargos da previdência;
4.º Assegurar, sem prejuízo da acção curativa, a recuperação das vítimas de acidentes de trabalho e cios inválidos, e bem assim a prevenção das doenças profissionais;
5.º Montar serviços de inspecção sanitária e de acção médico-social;
6.º Promover a propaganda da higiene o das medidas do profilaxia junto dos beneficiários e das suas famílias;
7.º Efectuar inquéritos à alimentação e à habitação e outros que interessem ao conhecimento das condições de vida.
A Federação funciona com uma direcção e um conselho geral. Os beneficiários recebem serviços médicos e farmacêuticos e abonos em espécie, variáveis os dois primeiros do caixa para caixa; uniforme, porém, na Federação.
Não vale a pena especificar em pormenor os benefícios dados pela organização, visto que a pluralidade nos levaria à confusão. Isto relativamente às caixas.
Podemos, porém, sintetizar:
1.º O Estado Português intervém no problema simplesmente como orientador e fiscalizador;
2.º A administração das caixas exerce-se por via de estatutos regulamentares, obedecendo a um mínimo de regras impostas na lei geral e actualmente com latitude discricionária;
3.º A quotização em taxa é diferente para beneficiários e empresários e incide sobre os salários pagos; o abono é de 60 por cento do salário e durante os primeiros 270 dias de doença;
4.º A invalidez pode ser atribuída após dois anos de inscrição e a reforma aos 65 anos, não podendo aquela ser no mínimo superior a 20 por cento e exceder 80 por cento, ambas sobre o salário médio;
5.º O subsídio de sobrevivência tem como limite máximo normal seis meses de salário, não podendo exceder 5.000$, sendo o prazo de garantia de cinco anos.
O nosso esquema tem um carácter de novidade; não se pode enquadrar em qualquer das fórmulas usadas noutros países.
Como actua esto sistema? Tem defeitos de origem? Não preenche os seus fins?
Em minha opinião o sistema não é tão mau como o pintam. Mais, o sistema não é muito mau.
Actuar bem talvez que não actue. Mas isso não é propriamente por culpa do sistema, mas sim daqueles que o põem a funcionar, por incapacidade, incúria ou derrotismo. E não sei se não terá havido disto tudo, ou haverá, dentro da nossa actual organização de seguro social.
A não aceitar o actual esquema, como seria? Caixa única, na qual estariam todas as outras federadas? Caixas regionais? Caixas de empresa ou sindicais? Não caixas? Assistência pelo Estado?
Sr. Presidente: em minha opinião o esquema de seguros seria este:
Caixas regionais ou agrupamentos de caixas, que incluiriam todos os operários residentes na região, independentemente da empresa a que pertencessem ou do contrato colectivo de trabalho que os obrigasse. Uma caixa nacional de seguros sociais, que actuaria como organismo de compensação, permitindo a possibilidade de instalar uniformidade nos benefícios a receber e incluir alguns dos riscos.
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Esquema dos benefícios a distribuir:
A):
1) Doença;
2) Desemprego;
3) Invalidez;
4) Viuvez;
5) Morte;
grupo a que eu chamaria dos riscos primários;
B):
1) Casamento;
2) Gravidez;
3) Filhos;
4) Férias;
grupo a que chamarei dos riscos secundários ou de benefícios acessórios.
Nas suas linhas gerais considero a legislação que regula todo o sistema susceptível de fornecer resultados razoáveis ou, melhor, de servir de ponto de partida para melhores resultados.
As alterações ao sistema, em minha opinião, não podem ou, antes, não devem ser introduzidas senão depois de inquéritos rigorosos e extensos e dos quais seja possível tirar elementos bastantes para estruturar uma determinação.
Alterar o prazo de garantia, diminuir a idade da reforma, aumentar ou diminuir a percentagem de invalidez, alargar ou diminuir os benefícios, aumentar ou diminuir as percentagens de quotização, tudo isto feito, refeito ou desfeito com base subjectiva não me parece o melhor caminho para construir um seguro social útil e possível dentro da economia dos empresários e com vantagem para o beneficiário.
Toda a prudência e lentidão não são demais. E todo o excesso de velocidade e uso de fórmulas novas tem de ser pensado maduramente e controlado, como já disse, com inquéritos elucidativos, que nos indiquem a melhor possibilidade. Nada de pressas, mas não estacionar.
O assunto é vasto e daria margem a considerações muito prolongadas. É difícil porque a divergência de interesses é manifesta, profunda e irredutível. Não é portanto fácil expor em pormenor tudo quanto haveria a fazer para melhorar o sistema. Destruir nunca! Vale mais nada fazer. Nem era possível destruir, dado que estamos ligados por compromissos internacionais que nos obrigam.
Sr. Presidente: parece-me ter indicado em traços rápidos e largos o pensamento sobre o que entendo deverá ser o seguro social em Portugal.
Tenho muitos elementos e números que poderiam ilustrar modificações a introduzir na prestação de benefícios, mas eles interessariam mais a quem se propusesse apresentar um projecto de estatuto. Ainda o tentei; mas não me foi possível, por falta de tempo, concluí-lo em jeito de o apresentar à Assembleia. Melhoremos o que está; só depois poderemos partir para novos benefícios.
Sr. Presidente: consideremos agora o outro problema que o aviso prévio pôs. A prestação dos serviços médicos no sistema português de seguros sociais.
Não quero dizer que outros problemas não devem ser projectados, tais como a prestação de serviços farmacêuticos, a enfermagem, o abono de família, etc.
Como eles não foram enunciados no aviso prévio parece-me preferível tratar apenas dos serviços médicos.
O serviço médico faz a sua prestação de serviços de modo diferente de país para país, como tivemos ocasião de ver ao enunciar o esquema existente em três grandes nações.
Como se realiza entre nós?
Cada caixa e os Serviços Médico-Sociais têm um quadro de médicos privativos, que trabalha em regime de contrato, livremente aceite entre o médico e a administração.
Por esse contrato o médico obriga-se a observar, em consulta dada em postos também privativos, os beneficiários da organização onde presta serviço. Há um horário previsto e é ilimitado o número de beneficiários a observar. Algumas caixas têm serviço domiciliário e de socorros urgentes, também com médico privativo.
O serviço médico de especialidades é também, em regra, por contrato, sendo os doentes umas vezes observados no posto privativo, outras nos consultórios do respectivo titular. A terapêutica prescrita sofre restrições maiores ou menores ou é completamente livre.
No primeiro caso as restrições são função do médico-chefe; no segundo, determinadas pela direcção da caixa de previdência.
Está bem? Está mal? Tem uma quota de bem e uma de mal.
Que apresenta o aviso prévio como fórmula a adoptar? Que a escolha do médico seja livre? Que a terapêutica seja livre? Que se respeite o segredo profissional.
Permito-me esquematizar cinco hipóteses, que serão publicadas no Diário das Sessões, se V. Ex.ª, Sr. Presidente, o autorizar, onde mais facilmente se poderá ver o desenvolvimento do meu pensamento.
1.ª hipótese (v. fig. n.º 1, p. 1 030):
Livre escolha do médico. Liberdade terapêutica. Segredo profissional. Pagamento pelo próprio. Não há fiscalização técnica nem administrativa. Não há arquivo, e portanto não há elementos para instituir reforma ou sequer invalidez. Anarquia total.
2.ª hipótese (v. fig. n.º 2, p. 1 031):
Não há fiscalização administrativa e a fiscalização técnica é fornecida pelos elementos trazidos pelo beneficiário. Não pode haver arquivo nem os elementos referidos na 1.ª hipótese. Situação indefensável em todos os pontos de vista: técnico, profissional e moral.
Verifica-se portanto nas duas hipóteses que não é possível funcionar com eficiência e seriedade um esquema de prestação de serviços nestas condições.
3.ª hipótese (v. fíg. n.º 3, p. 1 031):
Posto privativo. Médico privativo. Médico-chefe. Liberdade terapêutica. Segredo profissional. Fiscalização técnica eficaz. Fiscalização administrativa. Arquivo. Elementos bastantes para solucionar todas as situações. Não há controle de fornecimento de medicamentos.
4.ª hipótese (v. fig. n.º 4, p. 1 031):
Posto privativo. Médico privativo. Terapêutica parcialmente condicionada. Há fiscalização administrativa. Não há fiscalização técnica. Não há segredo profissional. Há elementos para resolver todas as situações. Arquivo.
5.ª hipótese (v. fig. n.º 5, p. 1 031):
Posto privativo. Módico privativo. Terapêutica parcialmente comparticipada. Há segredo profissional. Arquivo. Fiscalização técnica. Fiscalização administrativa. Há elementos para resolver todas as situações.
De todas as hipóteses apresentadas, seguramente mo parece a melhor esta última, a 5.ª Mas ela, a hipótese, não acautela os interesses médicos... Isso é outro aspecto da questão.
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E não acautela porquê?
1.º Porque não só não absorve os médicos todos, como retira da clientela um volume muito grande de indivíduos;
2.º Porque não remunera condignamente o trabalho do médico, dado que é ilimitado o número de doentes por consulta;
3.º Porque não dá garantias de segurança do exercício da função;
4.º Porque permite a intromissão em assuntos técnicos de indivíduos incompetentes e irresponsáveis perante a lei;
5.º Porque não dá ao módico liberdade terapêutica absoluta.
Tudo isto é verdade. Mas tudo ó susceptível de ser regulado em ordem a corrigir abusos e meter cada qual dentro do seu ambiente funcional próprio. Dispenso-me de pormenorizar, pois nos levaria muito tempo e possivelmente nos arrastaria para longe do carácter geral em que é posto este meu desenvolvimento.
Analisemos porém o n.º 1.º Apenas esse, porque me parece aquele que pode ser aceite por toda a gente como sendo o que necessita de mais cuidado no estudo da possível má projecção do actual esquema de previdência.
O curso de Medicina é inegavelmente um curso longo e exigente na prestação de provas para sua conclusão. Obriga a uma larga preparação para que se possa adquirir o diploma respectivo. A profissão médica impõe também uma preparação constante, que é cara e fatigante de adquirir.
O exercício da profissão obriga a um esforço físico grande, além do risco que resulta dos contactos que a profissão determina.
Não é pouco vulgar o médico ser vítima da sua dedicação profissional. Infelizmente, também aparecem casos, graças a Deus raros, de falta de decoro e do probidade profissional.
Tudo isto posto, e que o grande público nem sempre tem bem presente, torna inegavelmente injusto que o médico seja levado à proletarização. Mas daí até à hipótese de fazer do seguro social um sistema de aproveitamento material para o exercício da profissão vai um abismo, Sr. Presidente.
Eu afirmo categoricamente que a classe médica não deseja tal. Quer ser respeitada nos seus interesses e na sua dignidade profissional, mas deseja ardentemente não menosprezar os interesses materiais e morais da grande multidão dos que sofrem. A classe médica sabe bem que não foram os doentes que se criaram para seu uso. O jus utendi et abutendi repugna à sua sensibilidade e à ética da sua formação profissional.
Como seria então, Sr. Presidente, em meu entender?
Todos os médicos teriam o direito de se inscrever em qualquer caixa de previdência para efeito de prestação de serviço. Esta inscrição seria feita por intermédio da Ordem dos Médicos no Instituto Nacional do Trabalho e Previdência.
As caixas de previdência requisitariam ao referido Instituto o número de médicos de que necessitassem para a prestação dos seus serviços, quer gerais quer de especialidade.
Cada médico prestaria serviço pelo prazo de seis meses. A Ordem dos Médicos indicaria aqueles que iriam prestar serviço em cada caixa, estabelecendo um roulement para tal fim.
A remuneração dos serviços seria regulada por contrato colectivo de trabalho a combinar entre a Ordem e a caixa de previdência, sob a arbitragem do Instituto Nacional do Trabalho. Quando não houvesse médicos voluntariamente inscritos para prestação de serviços nas caixas de previdência, estas poderiam contratar quaisquer outros à sua escolha, que exerceriam a função pelo prazo de um ano, podendo ser reconduzidos por prazos iguais não havendo voluntários inscritos.
Os médicos que prestassem serviço seriam responsáveis tecnicamente perante o médico-chefe da caixa de previdência, que seria nomeado pelo Ministro das Corporações pelo prazo de dois anos, podendo ser reconduzido. A Ordem dos Médicos poderia opor reservas junto do Ministro à nomeação ou recondução do médico-chefe.
Eis um sistema. Está completo? O que daria na prática? Talvez possa ser útil aos interesses dos médicos e útil a boa prestação de serviços para os beneficiários.
Um facto porém tem de ser admitido, e duma forma incontroversa, pela classe médica. A medicina na sua independência antiga morreu. Em seu lugar tem de viver e prosperar a medicina de equipe e a medicina social.
O doente caso clínico não mais poderá ser admitido. A despersonalização do homem, e por conseguinte do doente, não pode ser admitida pelo médico moderno.
Creio que a classe médica atravessa um período de adaptação, que lhe parece mais doloroso e inaceitável do que realmente é. Eu penso que o seguro social tem de trazer benefícios para a sociedade em geral e também os trará para os interesses materiais do exercício da profissão, com a mais intensa e urgente procura dos cuidados do médico por parte duma multidão que até há pouco não sabia o que era ter cuidados com a saúde.
O assunto ó muito vasto e muito difícil - já o disse no começo das minhas considerações.
Outros problemas estão ligados ao seguro social, Sr. Presidente. Eu também teria desejo de os abordar e sobre eles pôr um pensamento, uma directriz. Isso levar-me-ia muito longe.
O volume dos meus apontamentos é muito grande e a explanação das consequências que deles eu poderia tirar arrastar-me-ia certamente para fora dos limites do aviso prévio.
Assim: como se encara o risco do acidente de trabalho e da doença profissional?
Qual o esquema da prestação dos serviços de enfermagem?
Como é encarada a segurança dê emprego dos funcionários administrativos das caixas de previdência?
Quais as atribuições das direcções das caixas de previdência, sua responsabilidade e forma de fiscalização de actividade?
Qual o esquema da prestação de serviços farmacêuticos?
Nada disto tem uma resposta?
Tem, Sr. Presidente. Não é chegado o momento para a dar.
Ela existe no meu pensamento. Se nunca for ocasião azada para a ditar, outros o farão por mim e certamente com mais acerto e conhecimento de causa e efeito.
Finalmente, desejo apresentar os meus cumprimentos de simpatia o cordeal admiração ao Sr. Ministro das Corporações e Previdência Social pelo alto espírito do que tem dado provas ao arcar com as ingratas responsabilidades dum sector do Governo sobre o qual todos dão opiniões, mas onde não é fácil encontrar soluções. É inegavelmente a sua posição um posto de sacrifício, de sacrifício da sua viva inteligência e do seu dinamismo, que muito terão sofrido e hão-de sofrer por não ser possível em tal assunto caminhar depressa, conseguir a perfeição e dar a cada qual mais do que as possibilidades permitem.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Moura Relvas: - Sr. Presidente: hesitei bastante em subir a esta tribuna para intervir na discussão do aviso prévio apresentado pelo ilustre Deputado e Prof. Doutor Cerqueira Cromes, cuja distinção de espírito, excepcionais qualidades de trabalho, devoção à classe médica e grande projecção de clínico provocaram a sua eleição para bastonário da Ordem dos Médicos.
A minha intervenção no debate será muito curta; apesar disso pareceu-me vantajoso trazer aqui algumas achegas, que talvez tenham o mérito de esclarecer um pouco mais estes complexos problemas médico-sociais, tanto sob o ponto de vista político como médico.
Trata-se de uma importantíssima questão, que não sòmente interessa a muitas centenas de milhares de portugueses, a toda a classe médica, como põe também à prova o valor, a solidez e as vantagens da própria organização corporativa.
Afora as grandes importâncias monetárias, temos presentes, envolvidos nos serviços médico-sociais de previdência, em primeiro lugar os beneficiários, depois os médicos e enfermeiros que os tratam e, finalmente, a máquina burocrática criada para articular as necessidades clínicas dos que pagam com o trabalho dos que as satisfazem.
Em todos os países, democratas ou socialistas, monárquicos ou republicanos, onde se estabeleceram estes serviços houve sempre um tal respeito pelo valor social da classe médica que se procedeu como se estivessem organizados corporativamente nas combinações e arranjos que os prepararam.
Por outro lado, é evidente que na complexidade das relações englobando patrões, operários, médicos, enfermeiros e burocratas, e na efectividade de esforço exigido aos responsáveis não se pode fazer política pura.
Trata-se, quanto aos clínicos, de uma grande mudança, de novos rumos da medicina, e toda a cautela ó pouca para que se não desperte, com escusadas pressas, um clima social de violência de uns e irritação de outros, que muito pode prejudicar e inquietar a classe médica.
Não ponho em dúvida a boa fé e boa vontade de acertar de todos, mas reconheço que pràticamente estamos ainda longe de um mínimo que plenamente satisfaça.
Porque a verdade é que se chegou ao ponto de utilizar instituições de assistência, como os Hospitais da Universidade de Coimbra, para prestar serviços para a Previdência, donde resultou um evidente prejuízo para médicos que cá fora lutam pela vida e pagam contribuições, precisamente para manter aquelas mesmas instituições que em troca lhes fazem uma concorrência desleal.
O Sr. Carlos Moreira: - Creio que esse mal já está remediado.
O Orador: - Está quanto ao ponto a que eu me referi explicitamente; mas não está remediado quanto a outros pontos.
As anomalias resultantes de critérios divergentes, a existência de sobreposições e a falta de interpolações na distribuição de médicos pelo País e a ausência de uma necessária coordenação de instituições de assistência e de previdência, cuja recíproca independência não é adequada à mais lógica e mais justa aplicação das respectivas receitas, não permitem a assistidos e beneficiários ver e sentir as vantagens dos sistemas em vigor - desconexos, por vezes prolixos e por vezes deficientes.
Os serviços médico-sociais, federados ou não, deveriam desligar-se do Ministério das Corporações, onde fazem figura de enxerto que não deve pegar, e vir contribuir para formar o Ministério da Saúde, donde dimanaria um plano geral de saúde pública, que traria consigo grandes economias, pois já se não pode falar no status presens de duplicações, mas de triplicações e não sei se de quadruplicações.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Veja-se, por exemplo, o que sucede com o radiorrastreio, posto em marcha de forma desarticulada e desconexa, sem programa bem definido e unificado.
Enquanto numas regiões se acotovelam médicos municipais, médicos das Casas do Povo, médicos das caixas de previdência e clínicos livres, há outras onde falta assistência médica.
Isto prova a necessidade da coordenação a que me referi ao falar no Ministério da Saúde.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - «Devagar que tenho pressa», diz o nosso povo, e eu penso que nesta questão tem havido precipitações e ao mesmo tempo receios, hesitações.
Em qualquer caso, com pressa ou sem ela, cumpre respeitar as tradições e ter em conta certos usos e costumes.
Sou católico praticante e corporativista; não compreendo os estados totalitários, com a sua divinização do Estado; não confundo regime autoritário com cesarismo ou totalitarismo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não tenho, portanto, particular simpatia política por Bevan, e sei muito bem que em Inglaterra organizou serviços muito dispendiosos, com larga distribuição de dentes postiços e lentes de correcção visual, de modo que houve que recuar nessa tendência exageradamente igualitária, prolixa e esbanjadora.
Não são estes os defeitos existentes na nossa organização, porque há deficiências evidentes, mas também ó certo e justo dizer-se que elas não contendem com a honradez dos que souberam arrecadar as grandes somas cobradas e muito menos pode estar em causa a dignidade do Ministro das Corporações e dos seus subordinados.
Mas nas próprias mãos de Bevan o Ministério da Saúde soube respeitar velhas tradições e usos e obedeceu a restrições impostas pelos costumes e permitidas por leis anteriores.
Possuo a legislação inglesa sobre saúde pública desde 1946 a 1949 (National Healt Service).
Respeitou Bevan a tradição do médico de família (a que nós chamamos em Portugal o médico assistente), pois no período de arranque, logo em Março de 1946, se diz no sumário do bill proposto à aprovação dos Comuns: «People will be free to choose their own doctor».
Além disso, aos médicos era assegurado, em partes iguais, intervirem no estabelecimento das suas remunerações: «With a membership half medical and half nonmedical, to make an independent report on the appropriate range of remuneration for doctors taking part in a publicly organised service of this kind».
Muitas vezes nem os mais conscientes avaliam os sacrifícios, as despesas, a ânsia de aperfeiçoamento, afora os riscos financeiros, que mio se importam de correr, afora o desprezo pela própria saúde e que leva os médicos ao cumprimento integral da sua importantíssima missão profissional, humana e social.
Não me movem paixões nem interesses pessoais. Porque assim é, quero testemunhar ao ilustre titular da
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pasta das Corporações todo o meu apreço pelas suas qualidades de carácter, bem como pelas dos seus subordinados, susceptíveis de errar, mas que em todos os problemas procuram a solução que lhes parece estar de harmonia com os interesses da Nação.
E, desde que estamos irmanados na mesma fé política, não fax sentido que as questões se azedem, porque isso dificulta e atrasa a solução dos problemas e muitas vezes as desvia do terreno próprio.
Poucos médicos conheço que tenham enriquecido com a prática da medicina. Médicos eminentes, que em plena maturidade física e intelectual conquistaram enorme clientela, posso incluir neste número, porque a regra é morrer pobre.
Com efeito, uma boa preparação científica fica muito cara, as instalações por vezes exigem centenas ou milhares de contos, as necessárias viagens de estudo ao estrangeiro, além das perdas inerentes ao abandono do consultório, não têm contrapartida senão na acumulação do conhecimentos e experiência.
Não se estranha que um indivíduo comece marçano e acabe milionário, mas parece fazer impressão que quem arrisca milhares de contos nas suas instalações procure defender-se das futuras contingências de uma medicina que pode tender para a socialização.
Com efeito, chega a haver beneficiários - isto ninguém pode discutir ou negar - que pagariam as suas consultas sem sacrifício pelo custo da tabela usual, mas, por estarem inscritos obrigatoriamente nas caixas de previdência, utilizam, como é óbvio, os seus serviços, com grave prejuízo para clínicos gerais e especialistas.
Trata-se da importantíssima noção, a ajustar, dos economicamente débeis. Sobre isso creio não haver discussão possível.
Com eleito, é mais fácil resolver o problema geral de uma medicina socializada do que o desta espécie de socialização parcial, mas progressiva, existente entre nós.
Vou exemplificar com o Serviço Nacional do Saúde britânico. Na Inglaterra os médicos tinham clientelas privadas, susceptíveis de compra e venda. Não quis Bevan deixar de respeitar os direitos adquiridos desses médicos, e por isso se perfilou respeitosamente perante o trabalho que representava o valor material desses consultórios, não só bem apetrechados, mas também muito considerados e procurados pelos doentes.
Assim Bevan, ao mesmo tempo que proibia pelo bill de Março de 1946 essas compras e vendas de consultórios, previu a soma de 66 milhões do libras como compensação da perda do direito de compra e venda das clínicas privadas àqueles que estivessem dispostos a entregar essas clínicas, integrando-as no Serviço Nacional de Saúde.
Alguns médicos devem ter recebido milhares de contos, outros, de centros rurais pobres, pouco ou nada, mas, se pensarmos que na Inglaterra devem existir cerca de 25 000 médicos, concluiremos que daquela soma, se fosse repartida por igual, cada médico receberia de indemnização mais de 200 contos, pois a soma total prevista através do fundo de compensação era de cerca de 5 280 000 contos.
Com uma socialização progressiva todos estes direitos e compensações se iriam diluindo, numa desintegração que vai actuando pouco a pouco, mas com a persistência do verme que corrói a madeira.
Tem de adoptar-se nestas questões um critério humano e compreensivo. Assim, por exemplo, encontramos em 1948 nas bases do Serviço Nacional de Saúde uma distinção entre o caso usual do médico já lançado e que é pago por capitação e o caso do que recebe um vencimento de 300 libras, além duma capitação - evidentemente mais baixa do que a dos que percebem só por capitação. A segunda categoria foi estabelecida para ajudar os que iniciam a sua prática clínica: «this arrangement is specifically intended to help doctors starting up in practice».
Eis, valha a verdade, um critério humano neste aspecto socialista.
Mas é evidente que o Ministério da Saúde britânico não trabalhou sem dificuldades. Por isso no amendment de 1949 se estabeleceu a criação duma comissão de arbitragem composta por três membros: um advogado, indicado pelo lord chanceler; um médico, indicado pela Associação Médica Britânica, e um contabilista, indicado pelo Ministério da Saúde. Uma comissão de arbitragem como esta, se existisse entre nós, talvez tivesse evitado alguns dissabores.
Em 1949 o então Subsecretário de Estado das Corporações nomeou uma comissão para proceder ao estudo do problema dos quadros, categoria e remuneração do pessoal médico das caixas de previdência, composta por quatro membros: dois representantes da Direcção-Geral da Previdência e dos Serviços Médico-Sociais, um representante da Ordem dos Médicos e o módico chefe do Gabinete de Estudos da Federação.
Nota-se a influência que no relatório da comissão exerceu a organização de Bevan, mas, pelo que atrás deixo exposto, explica-se que as dúvidas e hesitações fossem manifestas, exactamente porque traduziam o desejo dum ajustamento às realidades, muito difícil de conseguir com esta socialização progressiva, portanto parcial.
No entanto, no espírito público confundia-se a organização corporativa com os serviços de previdência.
Todavia, as caixas de previdência, federadas ou não, nada têm directamente que ver com a organização corporativa, mas esta pode ser posta à prova pela forma como forem respeitados os direitos dos beneficiários e dos que nelas trabalham - médicos e burocratas.
Por outras palavras, se na própria Inglaterra se procedeu, quanto ao Serviço Nacional de Saúde, ouvindo advogados, médicos e contabilistas, é claro que num Estado Corporativo não faria sentido que tudo se passasse à porta fechada. Não passará, tenho a certeza disso.
Porque, independentemente da doutrina que nos rege, qualquer pessoa medianamente compreensiva verificará que no Estado Corporativo é necessária a colaboração da classe médica, sem a qual perderia firmeza e equilíbrio, negando-se a si próprio.
Ouço dizer certas coisas que me não soam bem aos ouvidos, porque se dá a entender que a classe médica está degenerada.
Se a classe estivesse degenerada nada haveria a fazer, porque não se torna nova a roupa velha e rota só porque é lavada. Mas se a classe mantém vivos os nobres sentimentos de patriotismo, dignidade profissional e espírito de sacrifício pelo próximo, então há que não a atirar para o vácuo. A classe médica portuguesa não precisa de ser tratada como Bevan fez aos médicos ingleses, porque Bevan, ao proporcionar-lhe substanciais vantagens económicas, talvez tivesse também em vista captá-la para o seu partido.
A classe médica portuguesa pretende que não se estiolem os estímulos para o seu trabalho e aperfeiçoamento técnico, só possíveis com uma organização onde se atenda à situação actual das clínicas particulares e ao futuro da classe, incluindo os jovens médicos acabados de sair das escolas, que tão acarinhados foram por Bevan.
Não me parecem oportunas certas acusações feitas a uns poucos de médicos porque, mesmo justas, o argumento ou ilação que daí se tiraria só era valioso provando-se ser a regra.
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Não o sendo - e não o é -, julgo ser pouco salutar querer impor a excepção como regra.
Se os Serviços Médico-Sociais continuarem a estender-se e a desenvolver-se tentacularmente, então pode estranhar-se - e deve mesmo estranhar-se - que se não tenha preparado o caminho para que todos os médicos venham a participar nos Serviços Médico-Sociais, e que vão mesmo participando em número cada vez maior a medida que a massa dos beneficiários se for alargando. Este aspecto da questão é muito complexo e requer estudos, que, creio, nem sequer estão esboçados, mas são impostos pela prudência e como salvaguarda de legítimos interesses criados.
Seria recomendável simplificar a organização dos serviços por meio de caixas distritais, sem esquecer que a sua acção deve limitar-se aos econòmicamente débeis.
Pela minha parte, que não sou socialista, deploro uma tendência de alguns para esquecer o valor do ofício médico, pois muitos clínicos sacrificam as distracções habituais de toda a gente à sua actividade profissional esgotante.
Os doentes não são meros portadores dum estado mórbido; são um conjunto complexo, onde o estado mórbido figura dentro duma moldura particular, que é o seu modo de ser fisiológico, psíquico e físico.
Supor que as grandes descobertas recentes da medicina, como transfusão contínua, os modernos métodos de anestesia, etc., valem por terem suprimido o carácter eminentemente individual da arte de curar ó um erro de palmatória.
Não é de somenos importância o conhecimento que o médico possa ter do agregado familiar, das contingências hereditárias do seu doente, dos seus hábitos e do seu passado mórbido e psicologia. Neste último aspecto todos reconhecem o valor que tem na prática médica destrinçar o que ó orgânico do que é funcional.
O carácter individualista da medicina mantém-se como depois de Pasteur, como depois da descoberta dos antibióticos, e manter-se-á enquanto não possuirmos o segredo da vida. Mas este, sendo segredo de Deus, está fora do alcance das nossas cogitações a propósito deste aviso prévio.
Não há dúvida de que a classe médica se sente ameaçada, e por isso reage. Parece-me que se devem ter em conta as reacções de tão importante classe no que têm de justo, para se lhe restituir o optimismo que alguns já perderam. Devo dizer que não me incluo nestes últimos. Estou certo de que tudo se resolverá com aquele equilibrado espírito de justiça próprio do Estado Corporativo, que ajudámos a fundar e dentro do qual queremos colaborar.
A unificação dos serviços de saúde eliminaria para já muitas anomalias, e certas discordâncias nunca se teriam acentuado se houvesse o cuidado de anteceder as resoluções de estudo prévio de uma comissão organizada com a presença das várias entidades que directamente intervêm nestes problemas: sindicato, Ordem dos Médicos, um delegado do Ministério da Saúde, ou, na sua falta, um delegado do Ministério das Corporações, e um contabilista, indicado pelo Ministro das Finanças.
Com autoridade, que a todos se imporia, com o sentido de uma inteira responsabilidade, com o conhecimento do causa resultante da própria função e da facilidade e justeza das informações colhidas, o Ministério da Saúde permitiria uma acção directa, eficaz, sinérgica, unificadora e correctiva, disciplinadora e coordenadora de actividades que andam por aí dispersas, desconexas, deixando graves lacunas e ocasionando despesas inúteis.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Abrantes Tavares: - Sr. Presidente: foi com inenarrável encanto que ouvi o aviso prévio realizado pelo Sr. Deputado Cerqueira Gomes, pela forma de que o revestiu e pela vibração que conseguiu imprimir-lhe.
Ainda me encantou o mesmo aviso prévio noutros pontos de vista e em especial pela concordância, que a Assembleia pôde verificar, entre a quase totalidade das ideias expostas pelo Sr. Deputado Cerqueira Gomes e as do Governo em matéria de reforma da Previdência.
Um ou dois problemas que foram levantados têm real interesse. Deviam ser apreciados nesta Assembleia com o cuidado e a reflexão de verdadeiros problemas nacionais. A forma breve pela qual se tem de realizar a discussão prejudicou, porém, a projecção deste aviso prévio e das matérias nele versadas, que o País tinha obrigação de conhecer, para formar ideia do que são os problemas da Previdência e, sobretudo, o que na questão é de fundamental interesse.
Sobre a Previdência actual pode dizer-se o seguinte: é a forma nova de uma ideia velha que ganhou ressonância internacional com a segunda guerra mundial, tal como aconteceu aos seguros sociais com a guerra de 1914-1918. Mas é apenas a forma nova de uma ideia velha.
Se não receasse cansar a Assembleia, faria um ligeiro apontamento sobre as formas históricas que revestiram as instituições de previdência, até chegar à última, com a qual ganhou o maior número de adeptos: a segurança social. Assim, a Assembleia veria como o problema renasceu constantemente, e posso assegurar, sob responsabilidade pessoal, que ainda agora se não encontrou forma definitiva para resolvê-lo.
Todos, em todo o Mundo, estamos a ensaiar. Não há experiência nacional, mas também a não há em qualquer parte, para confrontar com o que estamos fazendo.
Estamos todos e em toda a parte a experimentar.
A previdência realizou-se na Roma pagã através dos collegia e das sodalitates, concedendo prestações económicas para funerais e para as viúvas e órfãos.
Depois, com o aparecimento do Cristianismo e devido à acção da Igreja, multiplicaram-se as várias formas de previdência, mais tarde desaparecidas com a queda do Império Romano.
Só muito depois, quando a vida política se estabilizou e a ordem reinou de novo, se encontraram novas formas de previdência através das confrarias, das irmandades e dos montes-de-piedade.
Então a previdência fazia-se através destas instituições com uma ideia mais alta: a de cumprir um dever de caridade para com o próximo.
Só finda a Idade Média, com o aparecimento do iluminismo e das ideias da democracia liberal, aqueles quadros foram dissolvidos, para darem origem a uma forma nova de previdência.
Assim, suprimidos os grémios e outras instituições medievais, surgem depois os montepios, tradução laica dos montes de piedade, que a Igreja tinha criado e defendido.
Sòmente o iluminismo e a democracia vieram a coincidir com a época da industrialização. Esta inicia-se com o alargamento do mercado, a aplicação de novas matérias-primas e novas fontes de energia. Surge a máquina e, com ela, a grande empresa capitalista. A máquina, como instrumento de trabalho, já não pertence ao operário. Este proletarizou-se e, sem a propriedade dos instrumentos de produção, tornou-se ele próprio um instrumento de trabalho. Doravante terá de contar apenas com a sua força e capacidade de trabalho.
Como a máquina, porém, dispensou mão-de-obra e esta não foi absorvida, os salários desceram a nível inferior ao que hoje poderemos chamar «mínimo vital».
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O trabalho passou a ser uma mercadoria e, como estávamos em regime liberal, teve as suas bolsas e cotações.
O baixo salário obrigou o operário a lançar mão do trabalho da mulher e dos filhos para poder viver. Aí vêm a mulher e a criança para a promiscuidade das fábricas e minas, sujeitas a um trabalho esgotante de sol a sol.
Assim começou a desagregação da família e também a revolta contra a miséria.
Organizam-se então os sindicatos, inicia-se a luta e surge a questão social.
Não temos já os velhos grémios de artes e ofícios, mus sindicatos organizados com o fim de lutarem pela defesa dos direitos dos trabalhadores.
Nessa luta em defesa de melhor salário das mulheres e das crianças e da fixação do dia de trabalho houve que recorrer às greves e, para sustentar as greves, às «caixas de resistência». Daqui veio a primeira ideia de utilizar essas «caixas de resistência» para iniciar uma modalidade nova de previdência. Chegamos assim à previdência sindical.
Quanto aos montepios, com os quais se pretendeu substituir os montes-de-piedade criados pela Igreja, precisamente porque se organizaram quando o trabalhador não tinha capacidade económica nem possibilidades para manter o seu lar, quem neles ingressou foram os pequenos comerciantes, os pequenos proprietários, os modestos funcionários públicos e, sobretudo, os membros das profissões liberais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Esta organização é, na verdade, marginal ao mundo do trabalho.
Como é que apareceu a ideia do seguro?
O Estado liberal tinira como postulado filosófico-político a ideia de liberdade e foi com ela que se preocupou; o socialismo viria reivindicar, depois, a ideia de igualdade. Portanto, o Estado preocupa-se essencialmente em garantir aos indivíduos, livres e iguais, o exercício da liberdade. A função do Estado é garantir a ordem, para que cada qual possa realizar os seus fins usando da sua liberdade e autonomia.
O Estado é, pois, um produtor de ordem, um Estado polícia, não intervencionista.
A reacção dos operários e o seu clamor contra o trabalho esgotante das mulheres e das crianças forçam, porém, o Estado a intervir, proibindo-o ou regulamentando-o quanto à duração e modo de prestação.
Este foi o primeiro desvio intervencionista do Estado liberal.
Na Alemanha o fundamento do Estado era a realização do bem público; para a ética política alemã o indivíduo só valia como ser social e enquanto integrado na vida em sociedade. O fim do Estado não era, assim, o indivíduo, mas, como acentuei, a realização do bem público.
O Estado alemão estava deste modo, filosófica e politicamente, justificado para intervir no mundo do trabalho e realizar também aí o que fosse requerido pelo bem público. Daqui que na Alemanha se tivesse iniciado o seguro obrigatório do trabalhador.
Surgem aqui as sociedades de socorros mútuos dos mineiros, de iniciativa privada e base bipartida - operário-patrão. Como era morosa a acção da iniciativa privada e urgente alargar a todos os mineiros a protecção de tais associações, o Estado, em 1854, dá o passo decisivo e torna-as obrigatórias para todos os mineiros. Procura ainda fomentar, ao lado das mutualidades voluntárias, a criação de caixas municipais e distritais.
E, em todo o caso, isso ainda não bastou.
O socialismo continuava a minar os fundamentos do Estado, reclamando muito mais.
Foi então que o chanceler Bismarck, para defender o Estado e poder tirar a iniciativa aos socialistas, faz votar em 1883, 1884 e 1889 as famosas leis do seguro social obrigatório contra a doença, os acidentes de trabalho, a velhice e a invalidez.
Deu-se, assim, o primeiro passo para a organização do seguro social obrigatório.
Como se fundamentou este seguro? Começou-se, naturalmente, pelos acidentes de trabalho, que as máquinas multiplicaram e agravaram.
Como se fundamentou juridicamente este seguro social? Começou-se pela velha teoria romanística da culpa subjectiva: o operário teria de provar sempre que o acidente fora devido a culpa do patrão. A obrigatoriedade desta prova tornou, como é evidente, muito precária a protecção contra os acidentes de trabalho. Era necessário fundamentar a responsabilidade de modo diferente para garantir uma protecção eficaz.
E como se passou da teoria da culpa subjectiva para a teoria da responsabilidade objectiva? Também aqui foi a Alemanha que deu o primeiro passo.
Na legislação sobre caminhos de ferro estabeleceu que a direcção da empresa seria sempre responsável pelos acidentes sucedidos às pessoas e mercadorias transportadas, se não pudesse provar a culpa da vitima ou caso de força maior.
Tinha-se dado, portanto, o salto jurídico para se começar a erguer a teoria da responsabilidade objectiva. Deu-se aqui uma inversão do ónus da prova, chegando-se depois, por sucessiva evolução jurídica, à teoria da responsabilidade objectiva.
Invertido o ónus da prova, alarga-se o mesmo conceito às minas e aos acidentes provocados pelos empregados, gerentes ou outros operários.
E é depois a Suíça que vem determinar, nos mesmos termos, a sua aplicação relativamente aos operários fabris: o fabricante é responsável pelos acidentes sucedidos na fábrica aos trabalhadores ou empregados, sempre que não possa provar a culpa da vítima ou caso de força maior. Já não tinha interesse saber se havia ou não culpa do patrão.
Havia aqui uma relação de causa e efeito entre o acidente e a forma especifica do trabalho: o risco.
Durante o período de luta para a organização do seguro contra acidentes de trabalho uma das bandeiras de reivindicação dos trabalhadores era esta frase justiceira, que ainda hoje se não lê sem emoção: «Reparai-nos como reparais as vossas máquinas».
Mas, se estava encontrado o fundamento jurídico para a responsabilidade objectiva quanto aos acidentes de trabalho, relativamente ao seguro por doença, invalidez ou velhice já era mais difícil a sua determinação, porque envelhecer todos envelhecem e uma fatalidade a todos acontece. Daí ser difícil encontrar o necessário vinculo jurídico.
Tentou-se construí-lo raciocinando-se assim: o trabalhador é um produtor de riqueza, do qual o patrão beneficia. Sendo assim, o patrão tem de tomar em consideração que, se beneficia do trabalho do trabalhador, tem obrigação moral de o ajudar quando ele se invalida ou quando já não pode trabalhar. Isto no Estado informado por certa teoria política.
O seguro de invalidez e velhice, por falta de vínculo jurídico entre patrão e operário, levou à adopção do sistema do seguro obrigatório do Estado.
Neste caso, porém, ainda o Estado não pôde por si só tomar esse encargo, pela sua repercussão na ordem financeira e económica, e obrigou o próprio trabalhador a contribuir, bem como o patrão.
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Temos assim organizado o seguro de acidente de trabalho-doença profissional, a cargo do patrão.
No caso de doença por causas diferentes de acidente de trabalho ou doença profissional, invalidez e velhice, o seguro assentava em base tripartida e bipartida - ou seja: patrão-operário-Estado e patrão-operário -, havendo ainda o seguro social apenas a cargo do Estado.
Chegámos ao fim desta ligeira introdução histórica e vimos como evoluíram as normas de previdência e como elas se realizaram.
Vamos ver as características dos seguros obrigatórios ou sociais, para as distinguir do seguro que hoje se chama «segurança social».
O seguro obrigatório era o exercício de um dever de protecção do Estado à massa dos trabalhadores. Era, portanto, uma medida protectora.
A segurança social tem um fundamento diferente e a teoria jurídica é, consequentemente, outra.
Há um direito de segurança social inerente ao próprio homem, e só pelo simples facto de o ser. O indivíduo apareceu, assim, perante o Estado invocando um direito e reclamando o cumprimento de um dever.
O seguro social, porém, era, como se acentuou já, essencialmente uma medida de protecção dos trabalhadores, na linha da política social que o Estado teve de adoptar.
Claro, todas estas medidas de protecção aos trabalhadores surgiram quando se pôs a chamada questão social e se reclamou protecção para os economicamente débeis. Foi esta questão que forçou o Estado, para lhe fazer frente, a iniciar certa política social, servindo-se dos seguros sócias obrigatórios para a realizar.
Falando da questão social, não quero deixar de referir o papel assumido pela Igreja com Mons, Ketteler, o cardeal Manning e, por último, Leão XIII.
A Igreja abriu, assim, caminho à satisfação das reivindicações sociais e pôde orientar a realização de uma política social equilibrada.
A evolução do seguro social, medida protectora dos econòmicamente débeis, para a segurança social, como reconhecimento de um direito subjectivo, veio a consignar-se na Carta do Atlântico, em 1941.
No ponto V da referida Carta fala-se da segurança social como um dos objectivos da guerra, então em pleno desenvolvimento, mas ainda de um modo vago e impreciso.
Posteriormente, em 1944, na Conferência de Filadélfia, já se pretendo delimitar-lhe o alcance prático, desdobrando a nova expressão nas três recomendações seguintes:
Segurança contra todos os riscos e necessidades sociais;
Assistência médica a toda a população;
Assistência a velhos e doentes.
Finalmente, cria-se em 1945, e para fomentar e orientar a execução do ambicioso enunciado, o Conselho Económico Social.
Já conhecemos outros ideais igualmente sugestivos, como o progresso indefinido, a realização plena da democracia, e tudo isso foram romantismos apaixonantes, mas sem realização. Este é mais um.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Houve quem morresse por essas ideias românticas, em inglório mas respeitável martírio, mas de tudo isso ficou apenas a poalha dourada das ilusões desfeitas.
Neste caso são as ruínas materiais e morais, com a proletarização total de todos, o que ficará a assinalar o aparecimento de uma nova esperança tão romântica e irrealizável como as outras.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Considera-se a segurança como um direito natural e ao mesmo tempo um instrumento de redistribuição da riqueza. Ora isto de redistribuição da riqueza tem acentuado sabor socialista.
Há que estar atento à elaboração doutrinal do novo conceito, porque as consequências podem ser consideráveis.
É certo que os doutrinários do novo direito natural concedem que este não é absoluto, mas condicionado ao grau de suficiência económica de cada país. Já é uma limitação.
Mas há outras, e estas não podemos nós aceitá-las.
Marti Bufill, autor que estamos seguindo, escreveu:
O reconhecimento do direito de segurança social, como implica redistribuição de riqueza, exige que aqueles indivíduos que se encontram em idade e condições de aptidão suficientes cooperem na criação da própria riqueza que deve distribuir-se.
Portanto, o direito de segurança social está condicionado também, em virtude de um dever de solidariedade e cooperação, pela circunstância de que o homem seja um membro activo da sociedade, de fornia que realize a prestação física ou social que a caracterizam como tal.
E acrescenta:
Todo o indivíduo que não queira trabalhar, que não cumpra uma função, não pode pedir que o Estado lhe reconheça o direito de segurança social, de indivíduo incrustado na sociedade com uma série de direitos e deveres que neste momento não cumpre.
Vê-se, pois, que, caracterizando o direito como um direito natural, o vem a medir, limitando-o, pela função social. O direito natural, com os atributos que todos conhecemos, vem a reduzir-se, afinal, ao tamanho de uma função social! ...
Em matéria de seguros sociais é tudo de uma gravidade enorme.
Não basta dizer aqui: «é necessário isto, é necessário aquilo».
Todos temos boa vontade em satisfazer esses apelos de justiça.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas como e com que meios?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quando agarramos num papel e num lápis e fazemos as contas é que surgem as dificuldades.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Há uma diferença grande entre seguro social e segurança social.
O seguro social restringe-se ao campo dos trabalhadores, ao passo que a segurança social, com a latitude com que se pratica na Inglaterra e noutros países que seguem o seu sistema, visa a fazer a cobertura total contra todos os riscos e para todos os indivíduos e pretende garantir-lhes, além de várias formas de assistência, independentemente da quotização, o chamado grau de suficiência económica.
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O seguro social dirige-se a certa zona populacional; a segurança social pretende atingir todas as camadas da população, pois os infortúnios atingem, ou podem atingir, não só os pobres, mas também os ricos, que, de um momento para o outro, podem ficar pobres.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Isto é realmente muito sedutor, mas é demasiado ambicioso, o dentro de poucos anos se verá o que poderá trazer de consequências para a economia da Inglaterra.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Esta teoria é aliciante, mas joga com a economia das nações -redistribuição da riqueza -, e, portanto, para evitar desvios económicos e políticos é necessário estar atento ao seu desenvolvimento, acentuo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E o desvio não ó apenas este. É que se teoriza o direito de segurança como um direito que se mede pela função, como já vimos. Resvala-se, portanto, do direito natural para o positivismo jurídico, de que Duguit foi arauto acatado na sua hora.
Mas isto, pela nossa formação cristã, não podemos aceitá-lo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - É na esfera do direito privado ou do direito público que deve mover-se a política do seguro? No primeiro caso teremos normas de direito privado e seguro social; no segundo caso normas de direito público e segurança social.
Como se organizaram os sistemas? Uns em forma do serviço público, no plano dos outros serviços; outros como serviços públicos centralizados, com administração autónoma, e outros ainda através de instituições de direito privado.
A adopção de um ou outro critério depende do sistema que se queira montar.
Convém agora delimitar, com a precisão possível, o campo de acção da assistência e o da previdência, para que se não confundam.
Podemos distingui-los deste modo:
O seguro faz previsão para reparar; a assistência repara sem fazer previsão.
No seguro o segurado tem garantido um direito exigível, desde que satisfaça às condições legais, sem ter de fazer prova do grau de suficiência económica; a assistência protege sem conferir um direito e, para proteger, exige a prova administrativa da insuficiência económica do protegido.
Fora do seguro há e haverá sempre uma população marginal, que é função da assistência cobrir.
Como instrumentos de política social, trabalhando paru o mesmo objectivo, embora com motivação e meios diferentes, há quem os suponha identificados e confundidos. São, porém, distintos, embora devam ser cooperantes, e só deixarão de distinguir-se nos países que substituíram o seguro social pela segurança social. Entendo dever deixar este ponto aclarado e penso que ficou.
Vamos agora entrar no ponto mais delicado: o problema das estruturas financeiras da Previdência.
Há dois sistemas fundamentais e distintos e um terceiro que resulta da combinação desses dois: o da capitalização, o da repartição e o da capitalização parcial ou cobertura de capitais.
Como já disse, começou-se, na organização dos seguros obrigatórios, pelos de acidentes de trabalho, através de companhias privadas, e, portanto, na base do seguro mercantil. Deste modo, ao organizarem-se os seguros sociais, foi-se tentado a adoptar o sistema financeiro daquele seguro, que é o de capitalização.
No sistema de capitalização a prestação é função dos prémios capitalizados, adicionados dos juros compostos que renderam. Para estabelecer o montante dos prémios há que calcular o valor actual das prestações já em pagamento e o daquelas que estão ainda em período de constituição. É, pois, um processo de prestações diferidas.
O sistema de repartição funciona numa base diferente. Calcula todos os encargos, incluindo os gastos administrativos, para certo tempo - vulgarmente um ano -, e ainda as reservas para os imprevistos, dividindo-se o total pelos contribuintes.
É o sistema das lutuosas e dessas pequenas associações rurais conhecidas por mútuas bovinas. A quota, neste processo, sofre oscilações para mais à medida que as prestações se vão vencendo.
Há ainda o sistema de capitalização parcial, ou cobertura de capital. Este admite várias combinações entre os outros já referidos.
Na capitalização têm de considerar-se as prestações não vencidas ainda, diferidas ou a longo prazo, como as que respeitam à reforma e invalidez.
Na repartição só há que tomar em conta as prestações vencidas ou a vencer no período de tempo escolhido - prestações a curto prazo.
Nenhum destes sistemas logrou fazer carreira definitiva. Ambos têm os seus defensores e os seus críticos. Vamos ver que críticas se podem fazer a um e a outro.
A capitalização inicia-se logo com contribuição relativamente alta. É, portanto, e no período de constituição, um sistema muito mais caro do que o de repartição no mesmo período.
Exige ainda a acumulação de grandes somas como cobertura de garantia.
Através das somas capitalizadas e do rendimento que produzem, dizem os seus defensores que garante melhor o pagamento das prestações, pràticamente sem agravamento do prémio cobrado.
Há que tomar em consideração a variação do valor da moeda - dizem os críticos - e quando surgiu a desvalorização exigiu-se um sacrifício pesado, que nada garantiu.
Sucedeu isso na guerra de 1014 com o seguro alemão, de capitalização, e agora, em 1939, com o seguro italiano, também de capitalização, com a desvalorização das respectivas moedas em seguida às guerras referidas. Em qualquer destes casos a segurança do sistema nada segurou.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Além disso, como a capitalização trabalha com os juros compostos, tem de movimentar os seus capitais a uma taxa de rendimento tecnicamente fixada. E se não conseguir obter o rendimento à taxa prevista e fixada?
Se assim for, o seguro ou vai para a falência ou tem do cobrir-se agravando os prémios. É um problema muito delicado o de movimentar grandes somas sem correr riscos ou correndo o mínimo deles.
No nosso limitado meio económico, por exemplo, como vamos movimentar os milhões acumulados pela Previdência, sabendo-se que aquele dinheiro não pode correr os riscos do capital particular?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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23 DE MARÇO DE 1953 1029
O Orador: - Movimentar milhões de contos para dar o rendimento técnico da taxa de 4 por cento - taxa entre nós adoptada - não é fácil, e já se vão ver as consequências de ter de aceitar taxa ligeiramente inferior.
O distinto actuário Dr. António Leão calculou qual seria a reserva-limite para garantir as pensões de velhice-invalidez, supondo que o seguro abrangia 1 milhão de beneficiários com o vencimento médio mensal de 750$. As conclusões mais seguras levaram-no a encontrar 29,3 milhões de contos, supondo que todo o capital rendia 4 por cento ao ano. Se rendesse, porém, 3,5 por cento, a reserva-limite subiria então para 37,2 milhões de contos.
Repito: este problema é muito delicado; uma pequena coisa que se conceda tem repercussão em centenas de milhares de contos.
Tem este sistema da capitalização esta vantagem: é equitativo. Para o mesmo benefício exige e pode manter sensivelmente a mesma quota.
A taxa ou prémio de seguro é, em todo o caso, inicialmente menos favorável no sistema de capitalização do que no sistema de repartição. É um inconveniente, mas a repartição tem outros.
Eu já vou ler um estudo sobre o sistema de repartição, mas devo dizer a V. Ex.ª desde já que no sistema de repartição do seguro austro-húngaro de acidentes a quota inicial, que era de 0,60, vinte anos depois estava já em 16,35. Quer dizer: há beneficiários favorecidos e outros agravados, embora o benefício seja igual.
Do estudo já referido do Dr. António Leão transcrevo a passagem seguinte:
Em conjunto, as despesas com pensões de invalidez e velhice atingem o montante de 592 810 salários anuais, correspondentes a 0,184 6 por beneficiário. Isto quer dizer que em regime de repartição a quota sobe, no estado limite, só para o seguro das pensões, a 18,46 por cento do salário - duas vezes e meia o prémio actual.
É, portanto, um sistema menos equitativo, por exigir para o mesmo benefício contribuições de valor diferente, e, como não tem reservas de garantia, nada pode garantir.
A geração ou gerações que se seguem à que se inscreveu no período de constituição do seguro é que têm de suportar e sustentar aqueles que se verifica não poderem já trabalhar. É uma geração sacrificada aos velhos e inválidos.
Pensa-se no entanto - e parece ser esta a esperança dos partidários do sistema inglês - que no futuro os nascimentos mantenham a população activa em crescimento.
Mas, se a duração média da vida subir também, como parece suceder, o número de velhos trabalhadores subirá igualmente, e eu não sei se esse sistema poderá então aguentar-se.
No sistema de capitalização, como disse, a taxa é mais constante, mas não sei se vale a pena estar a sobrecarregar a economia nacional com uns tantos milhões de contos que será necessário amealhar para o efeito.
Ora sobre isto vou ler um estudo do Prof. Aznar, que consta da revista espanhola da Seguridad Social de Janeiro-Fevereiro de 1947. O professor Aznar é um defensor do sistema de capitalização e, para evidenciar as suas vantagens, publica um cálculo referente ao seguro-reforma de 796 786 trabalhadores de 25 anos que entraram para o seguro em 1913 para garantirem 1 peseta anual aos 65 anos, e conclui:
Pelo regime de repartição teria custado 6 006 293 pesetas; pelo de capitalização ou de seguro cobre-se com 1 323 347,04 pesetas.
Naturalmente o referido escritor vê no facto a evidente superioridade do sistema que defende. Quanto à inutilidade das reservas como cobertura de garantia quando a desvalorização aparece, responde:
E se não aparecer? Essa objecção não vai apenas contra as reservas do sistema de capitalização destes seguros; vai igualmente contra os fundos das caixas económicas e dos bancos e contra as reservas das companhias comerciais. Ou supõe-se que só depreciará a moeda dos seguros sociais?
Se o céu cair, nem as cotovias escapam.
Sendo precária a garantia dada pelas reservas acumuladas pelo sistema de capitalização, não pode negar-se, repito, que o prémio exigido é mais equitativo e mais constante.
Volto agora ao estudo do Dr. António Leão:
Vimos que nas condições em que funciona o seguro de invalidez-velhice, a reserva-limite para 1 milhão de trabalhadores ganhando a média mensal de 750$ é, rendendo 4 por cento, de 29,3 milhões de contos.
Suponhamos, porém, que ao milhão de trabalhadores já considerado somávamos mais 1 milhão de trabalhadores rurais. Pode fazer-se ideia da soma que atingiria a reserva-limite considerando que o rendimento nacional anda à roda de 34 milhões de contos.
E como se comportaria a vida económica nacional com estas somas desviadas do seu giro normal pelas suas restritas aplicações?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O Dr. Leão estuda o caso de se julgarem excessivas as reservas a que seremos levados pelo actual sistema de seguro, preferindo-se reservas menores.
Para essa hipótese considera a adopção de prémio deficitário inicial, para atingir o equilíbrio mais tarde. Uma das soluções que propõe é a de estabelecer de início o prémio de 2 por cento e acrescê-lo de cinco em cinco anos de 1 por cento até perfazer 9 por cento ao fim de trinta anos. A reserva-limite seria então de 14,3 milhões de contos.
Aqui está figurado um exemplo das combinações possíveis entre o sistema de capitalização e o de repartição.
Mesmo assim, atrevo-mo a considerar aquela capitalização, embora menor, ainda bastante elevada.
O Sr. Ministro das Corporações, como ó do conhecimento do Sr. Deputado Cerqueira Gomes, tem a ideia de adoptar o sistema de repartição para as prestações a curto prazo (seguro doença) e o de capitalização para as prestações diferidas (seguro invalidez-reforma).
Veremos a que conclusões o estudo de tal sistema nos conduzirá.
Que o peso do seguro recai directa ou indirectamente sobre a Nação parece-me evidente. Ainda há pouco estive a dizer ao nosso colega Dr. Magalhães Pessoa: «O fato que traz vestido já está sobrecarregado com os encargos da Previdência desde o fabricante ao armazenista e alfaiate. É que, afinal, quem paga é o consumidor, pois tudo se incorpora no preço».
Vamos então fazer previdência em larga escala? Alguém a há-de pagar, e temos de ver o que a economia nacional pode pagar.
Rogo a Deus que nos dê vida para podermos ver ao que, dentro de alguns anos, chegará a previdência inglesa.
Já na Bélgica, onde se segue o sistema de repartição, o Estado, ao que me consta, teve de entrar com mais do 100 milhões do francos para cobrir o deficit.
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E isto só agora começa!... Mas daqui a cinquenta ou sessenta anos se verá o que se passa na Bélgica e na Inglaterra. De qualquer modo, é riqueza que se vai acumulando, mas com repercussões graves no mundo económico.
Claro que entre nós o Estado tenta corrigir as consequências do sistema, tomando as reservas da Previdência, investindo-as e devolvendo assim, imediatamente e por vários modos, uma parte à Nação. Esta situação poderá aguentar-se, porém, durante muito tempo? Este ó que é o problema!
O estado de equilíbrio financeiro pode levar a 30 milhões de contos, à taxa técnica de 4 por cento; isto durante o período de cinquenta ou sessenta anos. E eu pergunto: como se comportará a economia nacional com a acumulação de tamanhas reservas? Para decidir do sistema não basta a arte do político, mas a audiência do economista e do financeiro, para não descapitalizar imoderadamente e restringir o poder de consumo.
O Sr. Presidente: - Se as considerações que V. Ex.ª pretende fazer ainda demoram, eu reservo-lhe a palavra para a sessão da tarde, visto a hora já ir adiantada.
O Orador: - Realmente, ainda demoro.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima será à hora regimental e prosseguirá com este assunto em ordem do dia e, se houver tempo, seguir-se-á a discussão das Contas Gerais do Estado da gerência de 1951.
Está encerrada a sessão.
Eram 13 horas e 50 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Jacinto Ferreira.
António de Matos Taquenho.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Délio Nobre Santos.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Herculano Amorim Ferreira.
Jérónimo Salvador Const&ntino Sócrates da Costa.
João Cerveira Pinto.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Pinto Meneres.
Manuel Colares Pereira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
António Júdice Bustorff da Silva.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Sousa Meneses.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
Gráficos a que se referiu o Sr. Deputado Manuel Lourinho no decorrer do seu discurso:
Fig. n.º 1
[ver figura na imagem]
B. Beneficiário - C. Caixa de previdência - M. Médico - F. Farmácia - E. Enfermeiro - M. E. Médico especialista - B. Baixa.
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23 DE MARÇO DE 1953 1031
Fig. n.º 2
[ver figura na imagem]
Beneficiário - C. Caixa de previdência - M. Médico - F. Farmácia - E. Enfermeiro - M. E. Médico especialista - B. Baixa - M. C. Médico-chefe.
Fig. n.º 3
[ver figura na imagem]
B. Beneficiário - P. Posto privativo - M. P. Médico privativo - M. C. Médico-chefe - E. Enfermeiro - B. Baixa - F. Farmácia - M. E. Médico especialista - C. Caixa do providência.
Fig. n.º 4
[ver figura na imagem]
B. Beneficiário - P. Posto privativo-M. P. Médico privativo - E. Enfermeiro - D. M. Depósito do medicamentos - B. Baixa - M. E. Médico especialista - C. P. Caixa de previdência.
Fig. n.º 5
[ver figura na imagem]
B. Beneficiário - P.P. Posto privativo - M. P. Médico privativo - E. Enfermeiro - D. M. Depósito do medicamentos - M. E. Médico especialista - B. Baixa - C. P. Caixa de previdência.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA