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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 225

ANO DE 1953 23 DE MARÇO

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 225 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 21 DE MARÇO

Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMARIO:-O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
Foram recebidos na Mesa os elementos fornecidos pelos Ministérios do Ultramar e do Interior em satisfação de requerimentos dos Srs. Deputados Pinto Barriga e Abel de Lacerda, que foram entregues a estes Srs. Deputados.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Alberto Crus, para se referir à próxima visita do Chefe do Estado ao Minho, e Pinho Brandão, acerca da necessidade de se construir a ponte sobre o Tejo, em frente do Lisboa, e que enviou um requerimento à Mesa, dirigido ao Ministério da» Obras Públicas, sobre este assunto.

Ordem do dia. - Continuou a discussão do aviso prévio do Sr. Deputado Manuel Cerqueira Gomes, relativo à Previdência Social.
Prosseguiu nas suas considerações o Sr. Deputado Abrantes Tavares, usando também da palavra o Srs. Deputados França Vigon, Augusto Cerqueira Gomes, Santos Bessa, Carlos Moreira. Mário de Figueiredo e Manuel Cerqueira Gomes, que fechou o debate.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 21 horas.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 55 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Alberto Cruz.
Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Carlos Borges.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Maria da Silva.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Carlos de Azevedo Mendes.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Botelho Moniz.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José Pinto Meneres.

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José dos Santos Bessa.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel da Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 49 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Do Grémio da Lavoura de Penafiel a apoiar as considerações do Sr. Deputado Pimenta Prezado acerca do aumento de efectivos da Guarda Nacional Republicana para policiamento rural.
Do Grémio da Lavoura de Tábua no mesmo teor.
Do Grémio da Lavoura de Paredes no mesmo sentido.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério do Ultramar em satisfação de um requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Pinto Barriga, que vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Estão também na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério do Interior em satisfação de um, requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Abel de Lacerda, que também vão ser entregues àquele Sr. Deputado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Alberto Cruz.

O Sr. Alberto Cruz: - Sr. Presidente: vai Guimarães comemorar condignamente o milenário da Bua fundação, á sombra do Mosteiro do Salvador do Mundo, mandado construir no século X pela condessa galega Mumadona, esposa do conde Hermenegildo Mendes. Comemora também a sua elevação a cidade, por decreto da rainha D. Maria II de 22 de Junho de 1853.
O brio dos vimaranenses e o orgulho de a sua, terra ser legitimamente considerada berço da nacionalidade sugeriram a patriótica ideia de celebrar essas datas com pomposas festas, que ficarão marcadas na sua história como páginas brilhantes de fé nos destinos, da Pátria e de esperança no progresso cada vez maior do seu laborioso burgo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quiseram os habitantes de Guimarães, por intermédio do seu Município, que Portugal inteiro lá estivesse, e para isso convidaram o mais alto e legítimo representante da Nação, o venerando Chefe do Estado, que jubilosamente aceitou a honrosa solicitação.
É a primeira visita oficial de S. Ex.ª ao Minho, e mais uma vez essas terras, onde nasceu Portugal e o movimento de 28 de Maio, que o fez remoçar com a transfusão patriótica do amor dos seus filhos, vão mostrar que os seus habitantes se encontram unidos à volta dos princípios informadores da civilização cristã, que sempre defenderam e espalharam par todas as partes do Mundo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: já neste lugar pedi um dia que se erigisse em Braga um padrão comemorativo da revolução de Maio. Lá só encontra. Dele se orgulha II minha terra e é bem digno da transcendência do feito. Ouso pedir para, Guimarães que o Governo da Nação se associe também, de maneira perdurável, às suas festas centenárias, e lembro o que talvez seja mais do agrado dos seus habitantes e que as novas gerações só conhecem por intermédio das saudados carpidas pelos seus maiores.
Os vimaranenses sentiram duramente a perda da sua unidade militar, que em 1927 «e uniu aos revoltosos do Porto, e sempre lamentaram que essa unidade tivesse sido transformada em depósito de adversários da situação, que logicamente adeririam a qualquer movimento revolucionário, ainda .muito em voga nessa ocasião. Não tiveram culpa do sucedido, anãs foram eles que pagaram. Ouso pedir, como intérprete do sentir de todos eles, que o Governo, numa possível remodelação dos nossos meios de defesa, coloque naquele ambiente, tão evocador das glórias passadas, qualquer unidade militar, que servirá ide sentinela ao berço onde Portugal se embalou nos primeiros dias da sua gloriosa existência. Isso encherá de alegria os bons patriotas que mourejam à sombra do castelo onde viveu o primeiro rei de Portugal.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinho Brandão: - Sr. Presidente: em 10 de Julho de 1942, a propósito de um relatório feito pela Junta Autónoma de Estradas sobre ligações rodoviárias das povoações que ficam ao sul do Tejo em frente de Lisboa e de um parecer emitido sobre esse relatório pela Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, o então Ministro das Obras Públicas, engenheiro Duarte Pacheco, lavrou o seguinte despacho:

Os estudos apresentados pela Junta Autónoma de Estradas e pela Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos levam-me a considerar a necessidade de se definir em toda a sua extensão o problema das ligações terrestres do Sul do País com a zona ocidental da cidade ou, pelo menos, com a margem esquerda do Tejo, a oeste do Barreiro. Parece indispensável evitar a execução de obras parciais que possam dificultar ou comprometer u realização de empreendimentos que no futuro venham a reconhecer-se necessários ou recomendáveis.
Por outro lado, convirá que tudo o que for sendo realizado se integre num plano de conjunto previamente delineado.
São muitos os problemas a encarar e alguns deles bem complexos.
Assim, para apontar um ou outro:
1) Prejudicada seriamente a ligação ferroviária do Sul do País até Cacilhas, em consequência da

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construção da base naval do Alfeite, será de afastar definitivamente a hipótese de trazer o caminho de ferro até à margem esquerda e possivelmente até Lisboa?
2) Reconhecendo-se o interesse económico de tal ligação, qual o ponto da margem indicado para tal?
3) Será possível trazer a linha férrea ate às proximidades do Pragal e prever a sua ligação com a linha férrea do vale de Alcântara, através de uma ponte sobre o Tejo, com a extensão de cerca de 2 km, e de um viaduto sobre a zona baixa de Alcântara?
4) Atribuindo-se, em tal hipótese, à estação de Gampolide a função de grande nó de comunicações ferroviárias, não ficariam assim bem resolvidos os problemas das ligações ferroviárias entre as zonas Norte e Sul do País e entre estas e o porto e a cidade?
5) Quando se não julgue de grande interesse, em futuro mais ou menos largo, a interligação ferroviária entre as duas margens, não seria ao menos de considerar a solução de se trazer o caminho de ferro até um ponto da margem esquerda do Tejo suficientemente próximo de Alcântara e reunindo as condições necessárias ao estabelecimento de um serviço complementar de transporte de vagões ou ferry--boats?
6) Num ou noutro caso, qual seria a função a atribuir à gare do Barreiro, embora com as ampliações necessárias entre o Barreiro e Lavradio?
7) Quer se preveja ou não a continuação do caminho de ferro, não convirá aproveitar a actual ponte sobre o Coina, convenientemente adaptada, conforme o caso, para sobre ela lançar a estrada de ligação à rede de estradas do Sul?
8) Como e onde deverá ser feita a passagem sobre o rio Judeu? Deverá ser comum à estrada e ao caminho de ferro no caso de o último ser de considerar?
9) Não seria de prever o estreitamento do rio Judeu para facilitar a construção da obra de arte que o transporia, aproveitando-se os dragados de aprofundamento da bacia do esteiro do Seixal para fazer os aterros necessários nas duas margens do novo canal?
10) Pode considerar-se suficientemente justificada a obra de valorização que assim resultaria para a bacia do esteiro do Seixal?
11) Em que ponto deveria fazer-se a bifurcação do caminho de ferro e da estrada?
12) Não seria de considerar que a estrada viesse também à região do Pragal, com um troço que permitisse lançá-la sobre a ponte a que se refere o n.º 3), embora com ramais de ligação a Cacilhas, à futura estrada de turismo a construir na margem esquerda em frente de Lisboa e ainda à zona baixa dos terrenos marginais ao Tejo?
13) O ramal de ligação de Cacilhas não deveria ser traçado de modo a promover-se a conveniente regularização da margem entre Cacilhas e o Alfeite e a assegurar-se um franco acesso às instalações da base naval do Alfeite?
14) Como deveria fazer-se a ligação da ponte-estrada à Avenida de Ceuta, na margem direita, para assegurar boas comunicações do Sul do País com a capital e com a rede de estradas do Norte?
15) Como deveria assegurar-se a sua ligação com o porto de Lisboa e com a artéria marginal de Lisboa, constituída pelas Avenidas da Índia e 24 de Julho e pela nova Avenida Oriental em projecto?
Para que sejam devidamente estudadas estas questões e o mais que interessar à elaboração de uma solução de conjunto do problema das comunicações terrestres da zona ocidental da capital com o Sul do País constitua-se a seguinte comissão de engenheiros ...

O despacho que acabo de ler nesta Assembleia Nacional, Sr. Presidente, revela a estatura do malogrado estadista que o proferiu ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... e põe em evidente relevo a necessidade de elaboração de um plano de conjunto que integre o problema das comunicações terrestres da capital com o Sul do País.
Por afirmações públicas sabe-se que o Governo não pôs de lado a hipótese da construção da grande ponte sobre o Tejo entre Lisboa e a Outra Banda, pelo menos até ao dia em que se inaugurou oficialmente a ponte de Vila Franca de Xira.
Na sessão desta Assembleia Nacional de 28 de Outubro do ano findo e a propósito da justa comemoração nacional dos vinte e cinco anos do Governo de Salazar sugeri que essa comemoração se assinalasse com a adjudicação das obras da construção da grande ponte sobre o Tejo entre Lisboa e a Outra Banda, e na sessão de 4 de Dezembro do mesmo ano, ao discutir-se o Plano de Fomento Nacional, sustentei que essa importantíssima obra devia ser incluída nesse Plano.
Mas, incluída ou não no Plano de Fomento, parece-me que obra tão notável e de tão larga repercussão na economia do País não pode deixar de merecer as atenções do ilustre titular da pasta das Obras Públicas, Sr. Engenheiro José Frederico Ulrich.
Assim, requeiro, pelo Ministério das Obras Públicas, que me sejam dadas as seguintes informações:

a) Se já foram realizados trabalhos no canal de saída do Tejo tendentes a localizar a zona em que a referida ponte deva ser construída e, no caso afirmativo, qual a natureza e resultado desses trabalhos, ou se, pelo menos, foram ultimamente tomadas quaisquer providências pelo referido Ministério no sentido da realização dos mencionados trabalhos;
b) Se já está elaborado um plano de conjunto integrando os terrenos da margem esquerda do Tejo na zona da expansão da capital em relação com a futura construção da ponte, de forma a evitar-se, como se diz no despacho do Ministro Duarte Pacheco, a execução de obras parciais que possam dificultar ou comprometer a realização de empreendimentos que venham a reconhecer-se necessários, ou se, pelo mesmo Ministério, foram tomadas providências tendentes à elaboração desse plano de conjunto.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Manuel Cerqueira Gomes relativo à Previdência Social.
Continua no uso da palavra o Sr. Deputado Abrantes Tavares.

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O Sr. Abrantes Tavares: - Sr. Presidente: já tive a honra de expor os princípios teóricos que informam a Previdência.
Habilitada a Câmara com o conhecimento desses princípios, podemos entrar agora na apreciação do caso português, porque suponho a Câmara suficientemente elucidada para, por si, apreciar as dificuldades de desenvolver o seguro social.
O sistema português é de capitalização. Isso não precisa demonstrar-se.
Estão organizados o seguro de acidente-doença profissional, a cargo dos patrões, e o seguro de doença-invalidez e reforma, por enquanto só para algumas categorias de trabalhadores.
A Previdência abrange já 621 000 trabalhadores, que, com os familiares, perfazem 1 200 000.
É um seguro de capitalização de base bipartida (operário-patrão).
O Estado abstém-se de financiar ou subsidiar o seguro da Previdência. Temos, portanto, um sistema autónomo de seguro, sob a fiscalização do Estado, que nomeia os presidentes das direcções das caixas.
Pode perguntar-se se foi bem ou se foi mal iniciar os seguros sociais com o sistema de capitalização.
Como já tive ocasião de dizer, a capitalização tinha atrás de si a tradição do seguro privado e era ainda o sistema mais geralmente adoptado.
Era difícil, portanto, na altura em que se montou o seguro social português, resistir a certas tradições de capitalização, ainda com muitos e vigorosos adeptos entre os tratadistas.
O sistema de capitalização tem a desvantagem de se iniciar com taxas mais elevadas, ao passo que o sistema de repartição se inicia com taxas muito mais baixas.
Como já tive ocasião de ler a VV. Ex.ªs, o Dr. António Leão, no trabalho a que aludi, faz os seus cálculos para 1 milhão de trabalhadores, a 750$ de ganhos mensais, o que, à taxa técnica de 4 por cento, dava uma reserva-limite de 30 milhões de contos; mas, se a taxa baixasse para 3,5 por cento, exigia uma reserva-limite da ordem dos 37 milhões de contos.
Este sistema, pelas suas consequências práticas, está, em relação à economia nacional, doutrinàriamente certo?
É evidente que doutrinàriamente tão certo está o sistema de capitalização como o de repartição. É uma questão de política económica e financeira.
Tanto um como outro se pode estabelecer, contanto que não agrave profundamente as condições gerais de vida.
Se porventura vierem dizer-me que o prémio de 18 por cento para o sistema de repartição, referente a 1 milhão de empregados, é comportável na França, na Inglaterra e na América do Norte, eu direi que ignoro, porque não sei se os ganhos médios dos trabalhadores desses países são tais que consintam, sem sacrifício, suportar esses encargos.
Pode ser que os ganhos médios dos trabalhadores desses países sejam tais que consintam, sem grande sacrifício, esse desconto sobre os seus ganhos; mas o problema não pode pôr-se em relação a nós, porque não são comparáveis os ganhos médios dos trabalhadores portugueses com os ganhos médios dos operários desses países, nem com o seu índice de custo de vida.
Aqui temos que só a política, com a ciência da economia e a ciência das finanças, pode dizer até que ponto podemos ir sem perturbar socialmente a vida económica do País.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-A Previdência arranca já 700 000 contos e o abono de família 300 000. Temos portanto um encargo de cerca de 1 milhão de contos. Se na Previdência vier a ser incorporada a construção civil, o total subirá para 1 300 000 contos.
Pergunto: poderá a economia nacional aguentar tamanho peso?

O Sr. Pinto Barriga:-V. Ex.ª dá-me licença? É uma base restrita da economia nacional apenas. Uma parte está, evidentemente, fora desse âmbito.

O Orador:-Ninguém escapa, nem V. Ex.ª, porque todos, até mesmo os patrões, têm de pagar.
Pergunto: será possível?
A desvalorização da moeda corrigiu um pouco o excesso na taxa que se encontrou para calcular o prémio, mas é necessário que a economia nacional esteja em regime de próspera saúde para aguentar este esforço.
Se houver uma crise de trabalho em certa ou certas indústrias ?
A caixa não vai, é claro, realizar a capitalização que esperava e pode não ter possibilidades de satisfazer as contribuições desses desempregados.
Pode então comprometer-se o equilíbrio financeiro do regime de seguros.
Ponhamos a hipótese - que Deus afaste - de uma mobilização em caso de guerra. É a geração mais activa que fica impossibilitada de participar na actividade económica. E como é que os restantes, que são os mais idosos, podem suportar essa taxa?
São questões graves e complicadas, que não compete só à política decidir; como é política social com reflexos na vida económica do País, têm os economistas e os financeiros a sua palavra a dar para esclarecer o que pode e o que não pode fazer-se em matéria de Previdência.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Os benefícios que se podem conceder pela Previdência têm a sua tradução em gastos. Só através dos gastos é que se concedem os benefícios e é necessário saber onde é que havemos de arranjar os meios para os pagar?
O Ministro das Corporações está a estudar o problema de baixar a taxa de 13 para 10 por cento só para a Previdência propriamente dita, sem incluir por isso os descontos para o desemprego e abono de família.

O Sr. Mário de Figueiredo: São 7 mais 3 por cento, isto é, 10 por cento.

O Orador:-Para a Previdência são 13 por cento. Desejaria poder verificar que se passava de 13 para 10 por cento sem prejuízo dos benefícios concedidos e se possível alargando-os.

O Sr. Manuel Lourinho: - Como são distribuídos os encargos ?

O Orador:-O empregado paga 5 por cento e o empresário 15 por cento. Daí são extraídos 7 por cento para o abono de família.

O Sr. Manuel Lourinho: - Passa-se de 13 para 10 por cento e eu pregunto o que ficaria a pertencer ao beneficiário e ao empresário?

O Orador:-É o que se está a estudar. Eu elucido apenas o que se está a estudar sobre o assunto. Pretende-se agora, através de uma nova arrumação dos

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seguros, fazer as economias suficientes para dar, pelo menos aos trabalhadores rurais, assistência médica na doença; é um dos objectivos para os quais se está a estudar o problema. Isto foi, do resto, o que o Sr. Ministro das Corporações expôs a uma comissão de reforma da Providência, que se reuniu em Novembro de 1951.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu li Setembro.

O Orador:-Será.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Foi só para mostrar que tinha lido.

O Orador:-Entende também que deve estabelecer-se um salário-limite para a inscrição no seguro na doença. Sobre isto disse o Sr. Ministro:

Nós garantimos pensões de reforma até 80 por cento do salário (com quarenta anos de inscrição) teóricos. Mas não damos pensões de sobrevivência nem protegemos a doença de longa duração. É um sistema desequilibrado. Devemos continuar a economizar fortemente, sem preocupação de atenuar deficiências do sistema actual de assistência? Não vale mais a pena economizar menos e melhorar mais os ramos hoje desprotegidos? Para manter economias grossas, continuamos a não hospitalizar, a não assistir os tuberculosos, etc.

Mais adiante me referirei a isto. A ideia do Ministro seria esta: com o seguro na invalidez e na reforma, que é um seguro de prestação diferida, constituir uma caixa única de base nacional e dar ao seguro na doença uma descentralização tão grande quanto pudesse ser. Isso tornaria a obra psicologicamente mais amada do contribuinte. Não reduziria o trabalhador a uma ficha.
Os beneficiários que vivem nos confins do País não sabem o que se passa na sua caixa e não se interessam pela maneira como correm as coisas.
A ideia do Ministro, repito, é reunir os dois seguros - invalidez e reforma- numa caixa única nacional, o que tem as seguintes vantagens de ordem administrativa e técnica:

1.º Simplificam-se as transferências;
2.º Maior facilidade de gestão das caixas de seguro a curto prazo, aliviadas das responsabilidades e das complicações técnicas dó seguro alongo prazo;
3.º Haverá menos técnicos e teremos melhores técnicos;
4.º As reservas assim concentradas seriam colocadas com mais facilidade e eficiência, sem federação de habitações e serviços técnicos de investimento.

Para o seguro na doença caixas de empresa, caixas de actividade e caixas únicas distritais, em obediência à descentralização.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sendo, segundo parece, o pensamento do Ministro que a melhor é a caixa de empresa, caso seja possível. Com ela dá-se o contacto directo entre os interessados.

O Orador:-Exactamente, é o ambiente familiar entre o patrão, o empregado e o operário. Somente, como daqui a pouco terei ocasião de demonstrar, nós não tínhamos experiência e montámos com muita largueza. Assim, há uma caixa de empresa com 241 beneficiários.

rata-se, como é evidente, de uma caixa inviável. Mas ao lado desta há as que têm 18000 e mais beneficiários. Em todo o caso, seriam as caixas ideais.
Portanto, todos estes problemas que aqui foram aflorados no aviso prévio do Sr. Deputado Cerqueira Gomes tinham já merecido a atenção do Ministro das Corporações e estavam e estão a ser estudados para serem resolvidos, se puderem sê-lo.
Daqui a pouco referir-me-ei ao problema da tuberculose, doença de tipo muito especial - de tipo social, como se diz nos meios médicos. Nesta doença a unidade não é o doente, mas a família.
Há certos países onde a assistência à tuberculose é concedida com um limite máximo de tempo.
Pergunto agora: dos 621000 inscritos na Previdência quantos tuberculosos há para assistir? Qual a percentagem que deve ser assistida em regime sanatorial? Conhecido este número, teremos depois de ver qual é a capacidade dos estabelecimentos assistenciais montados no País e em condições de recolherem todo esse número de doentes? Há camas, há sanatórios que cheguem? Como vamos resolver o problema? Por outro lado, grande custa a assistência aos tuberculosos o auxílio à família deles, privada dos ganhos do chefe?
A quanto monta isso? E, se tivermos a certeza do que isso vai custar, ainda se põe outra questão: onde vamos arranjar dinheiro ?
Volto de novo ao problema da unidade ou pluralidade das caixas: o Ministro orientou-se para a unidade quanto ao seguro invalidez-velhice. E porquê?
Pelo que li, já VV. Ex.ªs o sabem.

O Sr. Cerveira Pinto: - Quando começou essa centralização das caixas e se começaram a extinguir as caixas que havia na província, e especialmente no Porto, houve alguém com responsabilidade que mostrou logo, por escrito, aliás com grande vibração, os erros dessa medida.

O Orador:-Os erros dos nossos avós fazem-nos eles e pagamo-los nós ...
De maneira que quando o Ministro expôs estas ideias, sobre as quais a comissão de reforma iria trabalhar, creio que estava longe de supor que nesta Casa, e pela boca autorizada do Sr. Deputado Cerqueira Gomes, lhe fosse dada razão. É isto um incentivo bem grande para acelerar e levar a cabo, com mais confiança, as suas ideias de reforma e revisão.
Podemos agora ver como se distribuem as caixas.
É da seguinte maneira:
Há 33 caixas sindicais de previdência, com 357 764 beneficiários, os quais têm 263 839 familiares. O total de beneficiários e familiares é assim de 621 603.

Receitas cobradas ............... 575:479.511$00
Despesas com os beneficiários.... 279:839.163(500

Há 55 caixas de reforma ou previdência, abrangendo 263 639 beneficiários, com familiares em número de 155 210. Total 418 849.

Receitas totais................... 598:616.081$00
Despesas com beneficiários........ 270:750.731$00

Ainda que não deva considerar-se o abono de família como reforma de previdência, mas meio de realizar o salário familiar, sempre direi que há 24 caixas de abono família, com 162 790 sócios electivos. Os beneficiários ascendentes e descendentes somam 148 009. As receitas totais sobem a 92:985.003-$». As despesas alcançam 80:499.957$.
Pelo que toca à Previdência, há, assim, uma multiplicidade de caixas, com variados esquemas, mas, apesar

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disso e sem contar com os rurais, há ainda grandes zonas populacionais não protegidas.
Entre as caixas do reforma e de previdência há algumas que são inviáveis. Por exemplo: há uma que tem 241 beneficiários, isto ao lado de outra que tem 50 136, outras 1 000, 600 e ainda outras 000.
Como vamos resolver este problema?
Temos de ir para qualquer solução, inclusivamente a fusão numa caixa pluriprofissional.
Já se sabe que muitas destas .caixas são, isoladas, tecnicamente inviáveis e, consequentemente, não podem subsistir.
E, porque assim é, o Ministro está a estudar o assunto para o resolver.
Agora vamos às doenças de longa duração ou de longo curso.
Em primeiro lugar, a expressão é muito possível que seja corrente nos meios médicos. Para nós, juristas, que temos um pouco a deformação profissional de esgaravatar os problemas até ao osso, pergunto: é possível definir uma doença de longo curso? Para nós, leigos no assunto, parece-nos que uma ligeira constipação pode transformar-se, pelas complicações ou sequelas, numa doença de longa duração; um ligeiro incómodo de saúde transforma-se às vezes numa grave doença.
Portanto, como é que vamos definir doenças de longo ou breve curso? Ora sobre isto o Sr. Deputado Cerqueira Gomes mostra-nos uma modificação estrutural no sistema do seguro, a qual seria suprimir o seguro de doença de breve duração, para assistir às doenças do longa duração.
Não conheço em nenhum país sistema que aconselhe a não assistência nas doenças de curta duração. Dos abusos a que tais doenças se prestam defendem-se as caixas através dos períodos de espera. Umas têm um período maior, outras um período menor.
Pelo que aqui posso ler, o sistema mais adoptado é do três dias; há-os de dois, de quatro e de seis dias. Parece que para essas doenças pequenas, incómodos passageiros, este período de espera defende perfeitamente as caixas de qualquer percalço.
Mesmo no sistema de doenças de chamada longa duração o prazo é variável. Nos temos duzentos e setenta dias. Mas há quem tenha mais e quem tenha menos. A variedade é grande e vai desde cento o oitenta a trezentos dias, um ano, vinte e seis e trinta e nove semanas. Nós assistimos durante duzentos e setenta dias. Não somos dos primeiros mas também não somos dos últimos.
Damos, portanto, para essas doenças 38,4. quase trinta e nove semanas.
Quanto a isto, volto a afirmá-lo, não encontro em qualquer sistema estrangeiro de seguro social -não me refiro à segurança social- algum que tenha suprimido a assistência nas doenças de curto prazo.
A Previdência gasta anualmente com a assistência na doença 100 000 contos.
Quanto à tuberculose, sobre a qual tinha uma nota, não vale a pena repetir o que já disse. Não se conhecem números e não se está preparado para dar assistência sanatorial e calcular os gastos de uma assistência rigorosa, e V. Ex.ª sabe que não interessa apenas a cura do tuberculoso, mas a sua readaptação e reeducação profissional. Se ele tiver uma profissão esgotante, não pode vir do sanatório para o trabalho; portanto, além do período de internamento, há também o período de readaptação profissional, e este prolonga a assistência para além do próprio sanatório. E também se saberá quanto isto custa?
Outros pontos do aviso prévio do Sr. Deputado Cerqueira Gomes aqui focados não digo que não tenham importância: por exemplo, o da livre escolha do médico.
Entremos aqui no domínio do «diálogo singular». É, certamente, a melhor forma de assistir. O médico de família é o confidente a quem o doente se abre com tanta franqueza como se abriria ao próprio confessor quando vai à confissão. E o médico de família não é apenas o clínico que trata, mas o amigo que ouve o doente, considerando-o na integridade da sua pessoa, para o assistir também psicologicamente.
Não é realmente vão dizer-se que uma boa palavra do médico de confiança é de grande valor na cura. Realmente, porém, a própria evolução das técnicas médicas, a sua excessiva especialização e o progresso dos meios de diagnóstico ultrapassaram já o diálogo singular.
Ao diálogo singular com um médico sucedeu o diálogo plural com vários médicos. Já não há módicos, mas uma equipe. A base de confiança pessoal num clínico vai-se restringindo pela necessidade imposta pela medicina de observação por vários clínicos.

O Sr. Moura Relvas: - Sobre esse problema de o médico ser também de equipe pergunto se em certos casos de perturbações psíquicas e psicossomáticas que o doente não pode confessar a uma equipe tem de ter o seu médico assistente?

O Orador:-Mas quando o doente vai a um clínico geral, que é o primeiro que procura, este diz-lhe que tem de ir ao especialista.

O Sr. Moura Relvas: - Quando é necessário, e a maior parte das vezes não é preciso isso.

O Orador:-Mas é preciso muitas vezes.
Nos meios rurais é que os doentes não podem escolher, tendo do sujeitar-se ao médico da terra. Quando surgem dificuldades é que este remete o doente para os centros urbanos.
A organização de serviços médicos nos sistemas de seguros sociais pode, de facto, ser montada nos termos em que propõe o Sr. Deputado Cerque ira Gomes. A Previdência organiza certas tabelas, propõe essas tabelas à aceitação dos médicos, estes aderem e inscrevem-se para prestar serviço, escolhendo o doente de entre os médicos inscritos. É assim em alguns países.
Mas há também países onde os serviços médicos são prestados por quadros privativos da Previdência; há, portanto, médicos próprios para assistir.
Como temos b problema entre nós?
Até agora a Previdência tem quadros privativos de médicos, com remuneração fixa.
É um bem? É um mal? Tem vantagens e inconvenientes.
O problema foi estudado pelo Governo com vista ao sistema preconizado pelo Sr. Deputado Cerqueira Gomes.
Considerou-se a remuneração per capita, e não pelos serviços clínicos, em vista dos abusos a que pode dar lugar.
O problema foi, pois, estudado e chegou-se a esta conclusão: para os grandes centros urbanos, para os grandes aglomerados de beneficiários, pode ir-se para a remuneração per capita. Pensa-se até que seria conveniente, para não estar a montar postos que obriguem os beneficiários a grandes deslocações, que os doentes fossem observados, dentro de certas zonas, nos consultórios privativos dos médicos ai existentes.
A remuneração por serviços clínicos tem de manter-se nos meios onde a população assistida é diminuta.
Portanto, não pode estabelecer-se um sistema rígido, mas sim um sistema maleável, adaptado às próprias con-

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dições de vida dos centros onde os serviços são prestados.
De resto, e ainda sobre o problema da livre escolha, é claro que a Previdência não faz mais nem menos do que o Estado.
O doente que recorre aos serviços da assistência, para ser assistido, não pode escolher médico.
E quem se interna num hospital público, para ser operado, não pode, senão dentro de estreitos limites, escolher o cirurgião que há-de operá-lo..
Nos meios rurais, pelo geral, a escolha é impossível. Continuo a dizer: o Governo está inclinado-a resolver o problema, tudo dependendo, porém, das conclusões técnico-financeiras a que se chegar.
Também foi ainda levantado pelo Sr. Deputado Cerqueira Gomes o problema da radiologia.
É certo ser um problema sem grande grau de acuidade, pelo número de pessoas que se dedicam a esta especialidade. É, em todo o caso, um problema sério e que tem os seus pontos delicados.
Claro que a Federação dos Serviços Médico-Sociais, durante muito tempo, e sobretudo enquanto havia o Fundo Nacional de Abono de Família para se sacar sobre ele e cobrir os deficits, trabalhou com os radiologistas, pagando as contas que estes lhe apresentaram.
Houve até quem enriquecesse trabalhando em radiologia para a Federação!

m Lisboa e no Porto, só num ano, os radiologistas receberam 8 500 contos!
Houve radiologistas que embolsaram de 400 a 700 contos naquele ano!
Assim, não havia dinheiro que chegasse!
Mas então era a providência dos radiologistas, e não a Previdência ...

O Sr. Cerqueira Gomes: - Peço a V. Ex.ª que explique de quem foi a culpa de os radiologistas terem recebido tão grandes somas.

O Orador:-Enquanto houve dinheiro, pagou-se.

O Sr. Cerqueira Gomes: - Eu explico: durante certo tempo só três ou quatro radiologistas é que trabalhavam para a Previdência.
É claro que esses tiveram um volume de trabalho enorme. Porém, em certa altura os outros radiologistas pediram que o trabalho fosse distribuído por todos, como era de justiça.
Acabaram-se essas verbas enormes.

O Orador:-Em todo o caso foram pagas.

O Sr. Cerqueira Gomes: - Não enriqueceram. Receberam 600 contos por ano, e como isso durou dois anos, 1 200 contos não é uma verba extraordinariamente elevada, porque é preciso não esquecer que há nela a descontar despesas de material, amortizações e muitos outros gastos.

O Orador:-O que posso dizer é que em 1951 os serviços radiológicos receberam 8 500 contos, o que representa um peso de 10 por cento sobre as despesas gerais.
Isto obrigou a Federação a entrar num regime de equilíbrio financeiro e experimentou-se um sistema diferente - 4 por cento das consultas do mês anterior-, mas esse mesmo não deu resultado, porque o encargo continuou a pesar nas despesas gerais com 10 por cento.
Foi elaborada uma tabela, que foi presente aos radiologistas, os quais se comprometeram a estudá-la e a dar uma resposta.
Por informação que tenho, até agora não responderam nada.
Daqui surgiu a questão dos radiologistas. Os de Lisboa e Porto recusaram-se a aceitar a tabela da Federação e os da província, pelo geral, aceitaram-na.
Disse o Sr. Deputado Cerqueira Gomes que a Federação quer impor os serviços de radiologia. É uma maneira de dizer.
A Federação não quer impor, e tanto que quer evitar a montagem de serviços próprios.
V. Ex.ª sabe que no Porto estiveram para ser abertos os serviços próprios de radiologia, mas uma nova orientação fez desistir desse intento.

O Sr. Cerqueira Gomes: - Mas eu distingo entre a Federação e a atitude do Ministro.
A Federação queria montar, mas o Ministro é que entendeu que não.

O Orador:-Mas a Federação tem duas épocas de vida diferentes: uma já pertence à história: a outra é o caminho que está trilhando agora, sob a orientação do Ministro, que a força a administrar com avareza, como é sua obrigação, porque o dinheiro é suor e lágrimas de todos.

O Sr. Cerqueira Gomes: - Quando eu dizia a Federação falava numa coisa que não era o que o Ministro queria.

O Orador:-Mas V. Ex.ª tem de distinguir duas fases na vida da Federação: uma em que a Federação se valeu de tudo o que quis para gastar os dinheiros acumulados do abono de família. Outra em que teve de submeter-se a normas severas de administração.

O Sr. Cerqueira Gomes: - Mas devo dizer a V. Ex.ª que a tentativa da criação do posto de radiologia do Porto é anterior a tudo isso. Foi em 1951 que tal se fez, quando o Sr. Dr. João Moreira era presidente.

O Orador:-V. Ex.ª desculpe, mas é que eu tinha-me esquecido do Dr. João Moreira. Isso já não era a primeira fase, mas era ainda a transição.

O Sr. Cerqueira Gomes: - Bem; então já não são duas fases, são três.

O Orador:-São tantas quantas V. Ex.ª queira. Há, porém, que distingui-las.
Mas, como ia dizendo, a Federação não tem o desejo de criar serviços próprios.

O Sr. Manuel Lourinho: - Mas tem esse desejo, pois abriu um posto de análises em Lisboa.

O Orador:-Abriu, não. Pensou abrir. Isso, porém, já pertence à pré-história da Federação.
Não tinha realmente a Federação, nesta orientação que está a adoptar, a intenção de criar serviços próprios, e creio que bem. O País precisa de estar apetrechado com todos os meios auxiliares de diagnóstico e especialistas preparados. Não deve por isso a Federação estar a impedir esse apetrechamento criando serviços próprios.
Para tanto não basta que a Federação colabore com os particulares; é preciso que os particulares colaborem também com a Federação.

Vozes: - Muito bem !

O Sr. Cerqueira Gomes: - É assim mesmo.

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O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª não pode elucidar a Câmara de qual era o volume desses trabalhos antes e depois da Federação?

O Orador:-Não tenho esses elementos, mas não tenha V. Ex.ª dúvida de que aumentaram. Digo-o com segurança por uma razão: é que a Federação, e só ela, fornece serviços radiológicos à família dos assistidos.

O Sr. Manuel Lourinho: - Há outras caixas também.

O Orador:-É possível. Mas por aqui já VV. Ex.ªs podem avaliar o aumento de serviço que daí resultou.

O Sr. Mário de Figueiredo: - A Caixa dos lanifícios presta serviços, mas em nível muito mais baixo do que o da Federação.

O Orador:-A Câmara já devo estar a deitar previdência pelos olhos.

Vozes: - Não apoiado!

O Orador:-Temos estado aqui, no fundo, a trabalhar pelos operários. Entendo que devemos defendê-los tanto quanto pudermos. Mas há uma zona marginal da previdência que não podemos esquecer:
O proprietário rural, que, quando precisa tratar-se de doença grave, tem de vender os bens que herdou, e às vezes, para os deixar aos filhos, prefere não os vender e deixar-se morrer.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Está bem todo este afã em favor dos trabalhadores, mas porque não devemos ter uma palavra para a pobre gente que não é operária nem rica e não tem maneira de se defender? Que faremos ao modesto proprietário rural, ao pequeno comerciante e industrial, ao funcionário pequeno e médio?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Em toda a parte as classes médias foram, politicamente, as classes estabilizadoras.
Não embarcaram nas primeiras aventuras. Souberam guardar o caudal do bom senso e dos sentimentos nacionais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Carlos Borges: E renovaram as classes superiores.

O Orador:-Temos de as manter, até por necessidade política, porque no dia em que formos todos proletários o Estado será socialista, ainda que lho não chamemos. E digo mais: até aqui tratámos das mazelas do corpo. E as da alma?
Porque não havemos de cuidar das incapacidades morais ? Estas repercutem-se em toda a vida da Nação; têm reflexo profundo na sua vida e modo de ser. Temos de encará-las também. Quanto ao resto, nem segurança social nem qualquer outra coisa que exceda as possibilidades nacionais.
Só o que a Nação puder dar honestamente, e nada mais.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. França Vigon: - Sr. Presidente: não tinha tenção, até ontem, de intervir neste debate. Bem ao contrário, razões especiais que não vêm para o caso tinham-me levado à disposição de ser mero ouvinte, mas ouvinte atento. E não duvidava de que, transportado o conhecimento doa problemas da Previdência e das mias soluções do domínio profissional de poucos para o interesse, meditação e estudo de muitos mais, haveria vantagem em ouvir, ouvir muito, ouvir bem.
A Previdência não se faz só com números e cálculos. Faz-se com anseios, com observação de factos, com tendências de espírito e com convicções sobre necessidades verificadas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E se os números e os cálculos condicionam as possibilidades e as exigências, ela é, sobretudo, a satisfação de necessidades humanas, que estão reconhecidas em toda a parte como imperativos da ordem social. A Previdência é, portanto, expressão de uma face da vida do homem, e por isso é evolutiva, e não estática.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A tudo isto devem estar atentos, e estão-no, aqueles profissionais - eu não o sou.
Enfim, desta vez eu queria ouvir e queria aprender.
Ontem, momentos depois de acabar o seu esplêndido discurso, felicitei o Sr. Deputado Cerqueira Gomes. Felicitei-o sinceramente, mas felicitei-me mais a mim. Tinha ouvido e tinha aprendido. Ganhei este lucro, mus perdi alguma coisa: perdi a disposição de ficar calado. E poderá ao fim da minha fala alguém dizer que mais ganharia se calado ficasse. Não me atemoriza o comentário, porque ao vir a esta tribuna faço-o por ditame de consciência.
É possível, mas não é fácil, tomar-se o discurso inteiro do Sr. Deputado Cerqueira Gomes e fazer num só lance o comentário a todos os seus pontos. E de tal maneira extensa a matéria nele tratada, tão elevado o acervo dos problemas postos, tão grandes as dificuldades de toda a ordem que a sua exposição levanta, que só um longo trabalho abarcaria o conjunto. E, sobretudo, eu não conheço muitos desses problemas por modo a entregar-me à sua discussão. Entenda-se com isto que o meu ofício não é, muita foi, o da Previdência. Outro me ocupa o tempo, embora de paredes meias, na repartição do Estado que se ocupa do trabalho nacional.
Acresce que o debate se faz em condições de não poderem alongar-se as exposições dos que vierem à tribuna Mais dois dias e a Assembleia fechará. E esses estão reservados a outros trabalhos, que não podem esperar.
Ainda bem que o Sr. Deputado Abrantes Tavares .nos trouxe a sua meditada exposição sobre o problema da Previdência.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Todos nós, estou convencido, lhe agradecemos o largo esclarecimento que nos deu na calma e minuciosa lição que lhe ouvimos.
Quanto a mim, por tudo quanto atrás exponho, sou forçado a limitar-me a meros apontamentos, como costuma dizer o nosso querido leader. Trago para aqui alguns que me parecem de grande importância, mas só alguns. Dizem respeito a aspectos parciais do problema. A sua natureza e importância social e política explicarão a escolha que deles fiz para a minha curta intervenção no debate.

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Nessas notas, a primeira diz respeito à preferência nitidamente dada pelo Sr. Deputado Cerqueira Gomes à exclusão no actual esquema da doença de curta duração. O nosso colega entende que a doença longa deve substituí-la.
A situação actual é esta: durante os primeiros seis dias de doença o beneficiário tem assistência médica, mas não tem subsídio.
Só a partir do sétimo dia passa a tê-lo. Anteriormente isso acontecia apenas nos primeiros três dias, mas o prazo foi duplicado.
De futuro e pela tese do Sr. Dr. Cerqueira Gomes este prazo teria de se alargar ainda mais.
Para quanto? Para quanto, realmente?
Não ouvi uma sugestão a esse respeito, mas tudo leva a crer que não seria pequeno o alargamento.
Creio que nenhum de nós deixará, em primeiro lugar, de conceber os perigos de adoptar um sistema de que resultará deixar-se avançar muito muitas doenças, para só as tratar medicamente quando oferecem graves perigos de progresso.
Em segundo lugar, todos nós sabemos como são hoje relativamente fáceis de curar um grande número de doenças que antigamente se arrastavam em longos períodos de tratamento e de convalescença. E são-no devido a terapêuticas de efeitos imediatos ou quase. Essas terapêuticas exigem, porém, a assistência do médico e o emprego de meios de cura potentes, mas muito cairos.
A sugestão feita no desenvolvimento do aviso prévio isolará o doente do médico e atirá-lo-á para o recurso ao curandeirismo próprio ou de terceiros. Creio que isto seria um regresso, e não um progresso.
Mas mais:
O homem como valor de produção é-o na medida em que conservar a sua saude. Uma doença curta mal tratada atira-o para uma doença menos curta ou até prolongada. Não se compadece a vida de hoje com pendas frequentes de dias de trabalho. No aspecto económico o abandono da doença curta aio esquema seria motivo de graves consequências daquela ordem.
Por último calculem-se outros graves reflexos de uma medida desta natureza.
É oneroso para o doente e grave para a família viver uma semana sem o salário do seu chefe. Pode prever-se o que aconteceria se se alargasse - e não se sabe até quanto - o prazo de inassistência. Prevê-se sem esforço a soma de privações e de outras doenças, do desamparado e da família, a que o sistema daria resultado.
Não duvido de que no aspecto de profilaxia das doenças o sistema traria desastrosos resultados.
Por mim não concebo que fosse admissível num país com um sistema de Previdência forçar os que perdem a saúde, sem ser nos casos de doença longa, à assistência pública, à caridade dos médicos e até à mendicidade da família, quando tudo isso se pode evitar com a prestração normal da assistência medira logo nos primeiros dias do mal.
Segurado apenas para a doença de longa duração e, fatalmente, sentindo apenas a partir de certo momento o benefício do seguro, isso provocaria a natural incompreensão e revolta contra um sistema que, para o socorrer, exigiria ao beneficiário uma longa espera na inassistência previdencial ou a desistência do que considera o seu direito. Pagando toda o, vida, em todas as semanas - ele e o patrão - as contribuições para a Previdência, nem um nem outro compreenderiam que só contra certas doenças, felizmente muito mais raras na generalidade e pelo menos, até certa idade, fosse defendido.
O caso frequente é o da doença de curta e média duração. Esse é que atormenta o dia-a-dia do, família.
A ele acode a Previdência, por não poder acudir a todos. Quanto a mim o desejável é alargar esse sistema na medida possível e com o decorrer do tempo, embora sem mais encargos. Num sistema que excluísse as doenças de curta e média duração teria de acudir a esta a assistência pública ou teria o beneficiário de recorrer à clínica particular.
Outro ponto importante do desenvolvimento do aviso prévio consiste em se afirmar que a Previdência não deve abranger senão os económicamente débeis. E a afirmação situou-se, sobretudo -foi o que me pareceu-, naquilo que respeita a prestação de assistência na doença.
O Sr. Deputado Cerqueira Gomes não andou longe de reconhecer as dificuldades da definição de «economicamente débeis». Sugeriu, porém, com certo à vontade, que o conceito resultasse da fixação de um salário como limite máximo. E propôs 2.000$ por mês ou 70$ por dia.

O Sr. Moura Relvas: - V. Ex.ª dá-me licença para um esclarecimento?
Mas não se podia dar aos não económicamente débeis a liberdade de escolher se querem ou não ter essa faculdade, isto é, a obrigatoriedade da inscrição para esse efeito?

O Orador: - Não digo que não. Não digo que o caso desses possíveis beneficiários não possa tomar o aspecto de uma inscrição voluntária.

O Sr. Moura Relvas: - Isso é que nos daria a nota dos que eram ou não económicamente fortes ou débeis.
Por este processo nunca chegamos a concluir quem se sente económicamente débil e quem se sente económicamente forte. Entendo que deve dar-se o ensejo de inscrição àqueles que não se sintam económicamente débeis.

O Orador: - V. Ex.ª é suficientemente versado nestes assuntos para saber que as associações de socorros mútuos não vivem, vegetam, por causa do princípio da voluntariedade da inscrição. Isto entre parêntesis, porque não é esse o caminho das minhas considerações. Desejo apenas demonstrar que a fixação de um limite para se considerar um indivíduo económicamente débil ou económicamente forte é muito difícil. Até agora não VI apresentar aqui elementos que convencessem da ordem legítima desse limite.
Senão vejamos:
Em primeiro lugar levanta-se no meu espírito a dúvida sobre se pode considerar-se tão económicamente débil aquele que ganha 2.000$ por mês e não tem filhos como o que ganha o mesmo e tem quatro ou cinco, ou como o que tem a seu cargo um tuberculoso ou mais na família. Isto além de considerar meramente arbitrário um tal número, por não se ter feito a demonstração de que ele resulta da consideração de iodos os factores de cálculo de um salário suficiente.
E verdade que o Sr. Deputado Cerqueiro, Gomes lançou também a ideia da ordem dos 3.000$, talvez por admitir já uma correcção daquele primeiro número. Gostaria de sabei- se, por exemplo, nós podemos em consciência aceitar que um chefe de secção das nossas repartições ou um capitão do nosso exército, um e outro com encargos de educação de filhos e da defesa da sua saúde, ganhando como ganham um pouco mais, sejam económicamente fortes de modo a poderem continuar fora do âmbito de uma organização de assistência na doença, assistência que, realmente, não possuem. E chamo o caso destes dois servidores do Estado por ser mais conhecida e sentida a sua situação, como pá-

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radigma da dos outros que, não sendo oficiais nem tendo diplomas de funções públicas, também têm filhos e doenças, suas e destes.
Aliás, suponho que andamos à volta de ideia já ultrapassada.
Senão vejamos:

o âmbito de 650 000 beneficiários, averiguou-se, em estudo do actuário, já citado, Dr. António Leão, haver 2,95 por cento que ganham 2.000$ ou mais, 1,78 por cento que ganham 2.500$ ou mais e 1,13 por cento que ganham 3.000$ ou mais.
Disse o nosso colega que a diminuição de receita proveniente da exclusão destes não afectaria sensivelmente os réditos da Federação. É verdade, tanto mais que eles não trazem apenas receita mas também dão despesa. Mas é caso de meditar se tão reduzida percentagem tem expressão que aconselhe em face das suas conhecidas condições de vida, a colocá-los na situação de terem de pagar as radiografias, as análises, as provas laboratoriais e os honorários médicos.
Na realização do aviso prévio foi posto também - embora não completam ente- o problema dos trabalhadores independentes.
Creio que convém um rápido esclarecimento a este respeito.
A política do actual Ministério orientou-se sempre ,no sentido de não abranger no âmbito da Previdência os trabalhadores independentes. E fê-lo dadas as gravíssimas dificuldades que a resolução do problema apresentava, muito embora reconhecesse que uma certa parte desses trabalhadores, por simples razão de justiça, devia estar também protegida. Refiro-me, sobretudo, ao artesanato.
E, porém, verdade que a certa altura, e em conformidade com a lei, se fez a experiência de incorporar no âmbito daquela os sócios gerentes que também trabalhassem como empregados das suas empresas. E só quanto a estes, repito, só quanto aos que, além das funções de gerência, trabalhassem como empregados.
Mas, como a generalização do sistema podia absorver os que tivessem grandes rendimentos, foram desligados os trabalhadores independentes do comércio por despacho de 1949 e os das outras actividades pelos despachos de aplicação geral do 29 de Março e de 15 de Maio de J 052. Hoje o seguro só abrange os trabalhadores dependentes, com excepção dos três casos que vou referir.
O primeiro é o da Ordem dos Advogados, que, por iniciativa própria e sob a protecção do Ministério da Justiça, pediu e montou a sua caixa de previdência. O segundo é o da Ordem dos Médicos, que já tinha desde 1926 uma instituição de previdência, criada pelo Decreto n.º 11 487, e que, requerendo, como era de lei, a sua regulamentação, a obteve em 1946 pelo Decreto-Lei n.º 35513, decreto-lei que foi presente à Assembleia Nacional para ratificação.
Também a Ordem dos Engenheiros, depois de voto unânime do congresso nacional destes, realizado, salvo erro, no Porto, pediu a formação da sua caixa. Esta, porém, ainda não funciona.
Em último lugar gostaria de pôr a VV. Ex.ªs algumas breves reflexões sobre a alteração do esquema do seguro na doença, alteração que o Sr. Deputado Cerqueira Gomes propugnou com calor.
E há-de S. Ex.ª crer e VV. Ex.ªs também -estou certo - que não andam alheios a esse desejo os homens que se têm dedicado a montar os esquemas da nossa Previdência. Têm sido eles frequentemente acusados de ousadia excessiva e até de ... imprevidência. Não vá agora supor-se que pararam no caminho das aspirações e dos melhoramentos.
O desenvolvimento do aviso prévio feito pelo nosso colega atirou-nos para a ideia de o seguro na doença abranger a dos rurais, a tuberculose, a cirurgia, o internamento hospitalar, as doenças mentais, o cancro.
Ora vejamos um exemplo curioso:
O actuário Dr. António Leão fez com um seu colega e com dois ilustres médicos -um da Assistência Nacional aos Tuberculosos e outro de uma caixa - um estudo sobre o seguro da tuberculose. Chegaram à conclusão de que, incluindo um subsídio durante três anos, ele custaria 2,8 por cento dos salários dos seus beneficiários. Com isto quero notar que, se juntar esta percentagem às de 3,8 e 1,2 que custam actualmente a assistência na doença e o subsídio de nove meses, chegaríamos a um total de 7,8 por cento. Eu ousaria propor que se fizessem estudos semelhantes para a doença nos rurais, o internamento hospitalar, a cirurgia, as doenças mentais, o cancro - para ao fim se fazer a simples operação de somar as respectivas percentagens no esquema do Sr. Dr. Cerqueira Gomes. E mesmo sem esses estudos parece-me de considerar o grave peso de ordem económica que tais soluções implicariam e a grave dúvida sobre se existe possibilidade real de encarar imediatamente tal encargo.
Naquilo em que excedem as possibilidades respectivas da organização da Previdência quem o assumiria?
O Estado?
Ou, excedendo-as, diminuir-se-iam, como pretende o autor do aviso prévio, os outros benefícios da Previdência, para atender a estes?
Meditou-se bem na aceitação de soluções por parte dos interessados directos - os que pagam -, soluções que envolvem o abandono do actual esquema da doença, para o substituir por um em que só uma parte dos contribuintes - a menor- vem a receber contrapartida?
Meditou-se bem na aceitação de soluções que reduzam as pensões de reforma e de invalidez?
E isto não é de considerar?
Sr. Presidente: foram breves e dispersas notas as que eu trouxe aqui. Pouco valor terão em face do trabalho completo do Sr. Deputado Cerqueira Gomes.

Creio, porém, que em alguma coisa poderão concorrer para uma grande, reflexão sobre o tamanho problema proposto a esta Assembleia mitos de se tomar uma decisão.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cerqueira Gomes: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: visto em seus múltiplos aspectos, o assunto aqui em debate constitui uma das mais sérias e das mais graves questões do nosso tempo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Grave e séria, pelo gigantismo das suas dimensões. Já aqui se insistiu nas cifras astronómicas de tesouraria e na imensidade dos seres humanos que abrange em seus vastos horizontes.
Grave pela qualidade e importância dos problemas que envolve - os sérios problemas que se põem ao homem ante a doença e a morte e os problemas, não menos sérios e não menos dramáticos, do pão de cada dia, da segurança do futuro e do sustento da família. Estas questões têm, no nosso tempo, uma particular acuidade. O homem moderno preocupa-se mais com a doença e inquieta-se mais ante a visão da morte e a incerteza do porvir.
Grave problema ainda pelas suas interdependências e pelas suas repercussões no aspecto moral, no aspecto económico, no aspecto social, no aspecto ideológico e no

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aspecto político. A este respeito pode mesmo verificar-se que, pela feição eminentemente social do nosso tempo, os regimes e as ideologias tendem, em grande parte, a ser criticados e julgados através da maneira como resolvem esta grave questão.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - De passagem, um comentário em relação ao caso português.
Temos um sistema de previdência. Com suficiências, com desvios? Sem dúvida. Mas, em todo o caso, obra positiva, já com resultados volumosos, concretos e palpáveis e que se deve inteiramente à ânsia construtiva que anima a política do regime.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Apesar de tudo, a obra, em vez de servir para prestigiar o regime, tem servido mais para críticas e vitupérios. É que os homens são mesmo assim. Esquecem depressa o que recebem. Não vêem o que já lhes foi dado. E só reparam no que lhes falta ou não satisfaz.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Há em toda esta questão um ponto de partida em que me parece estarmos todos de acordo: é o reconhecimento de que a actual organização da Previdência não satisfaz adequadamente os seus fins.
As críticas podem resumir-se assim: há insuficiência de serviços e desvios doutrinários na organização.
Vou limitar a minha intervenção exclusivamente ao departamento dos serviços médicos.
Em face das deficiências e dos desvios o que há então a fazer? Logicamente, dar à organização maior eficiência e corrigir os desalinhes heterodoxos.
Enunciemos, resumidamente, os princípios basilares em que deve assentar a nossa organização da Previdência:

1.º Não deve estender-se a toda a população. Nem aos estratos populacionais de alto rendimento, que devem assumir, por si, os encargos da sua saúde, nem aos de muito baixo nível e aos indigentes, que ficam ao abrigo da assistência pública;
2.º Alimentar-se financeiramente apenas da contribuição dos interessados. Ë, aliás, já perfeitamente respeitado na actual organização da nossa Previdência;
3.º Instituir-se a partir dos organismos corporativos. Assim se faz também entre nós. Apenas se inflectiu desta norma com a Federação das Caixas de Previdência; não propriamente pelo princípio da concentração, mas pela maneira como ela foi feita;
4.º Reduzir ao mínimo os gastos de administração. Princípio evidente, porque as receitas da Previdência devem, quanto possível, encaminhar-se paira o seu objectivo próprio;
5.º Estender o mais possível, em superfície, em tempo em profundidade, o esquema de benefícios;
6.º Assegurar a liberdade de escolha do médico e a liberdade de tratamento. E, como corolário, dispensar postos e instalações privativos e utilizar os consultórios e instalações particulares dos médicos para o serviço ambulatório das beneficiários. Com isto se obterá uma grande economia - de instalações, de
pessoal e de material. E mais: dá-se ao beneficiário um ambiente de maior intimidade e confiança, melhor adequado ao carácter reservado dos actos médicos, ao mesmo tempo que também se dignifica, pondo-o ao nível da outra clientela.

Porque esta discussão já vai longa ,e o essencial já está dito, só quero, por mim, considerar o último destes princípios basilares enunciados, ou seja: o da livre escolha do médico.
Na nossa Previdência está quase universalmente adoptado o sistema de médico privativo, com ordenado fixo. É isto um erro, um dos pecados mortais da organização.
O princípio da livre escolha do médico impõe-se em nome da dignidade .e do interesse do doente; da dignidade do médico e da sua valorização; da essência da medicina e do carácter irredutível mente humano do acto médico.
a) É uma imposição da dignidade do doente e do seu interesse.
Há que dar liberdade de escolha ao homem em assunto tão delicado e que tão directamente o afecta: a sua saúde e a sua vida - dois dos seus bens mais preciosos. Não se- trata aqui das liberdades retóricas, das falácias do liberalismo, mas de uma liberdade real o concreta do homem de carne e osso, melhor, de carne e espírito - o direito de o homem doente eleger o médico da sua confiança para se lhe entregar confiadamente.
Privar desta liberdade, impor o médico a quem sofre, a quem se debate nas inquietações e angústias da doença é uma crueldade. Sabem-no bem os que algum dia foram doentes e estiveram ante as perspectivas da morte.
E é ainda outra coisa: é um erro e um malefício, porque afecta e desvaloriza o rendimento dos actos médicos. Escolher o médico é entregar-se ao médico da sua confiança. E a confiança vence reservas, aquieta emoções, afasta .receios e abre mais rasgadamente o homem à devassa da medicina - ajuda o conhecimento da doença e do doente. A confiança ainda é fonte de fé, de alegria, de esperança, tónico da vontade portanto ajuda terapêutica, porque as molas espirituais são poderoso factor de cura.
b) É uma imposição da dignidade do médico e da sua valorização.
Primeiro: raramente de outro modo o médico poderá ter remuneração material condigna. É uma profissão, bem sei, que exige acima de tudo altruísmo, desinteresse, espírito de sacrifício. Mas deixemos os angelismos hipócritas- tem também exigências de ordem material. Carreira- longa, trabalhosa, cara e difícil; profissão que exige um alto nível intelectual, moral, técnico e até de capacidade física; que obriga a constante esforço de readaptação -com livros, revistas e, não raro, visitas e até frequência de centros médicos-, porque a ciência e a técnica médicas estão em permanente revisão e progresso; que impõe duro trabalho, sem horas e a desoras, com sacrifícios e emoções - o médico tem direito a um alto nível de vida. Este é até, vistas as coisas a luz das realidades humanas, unia exigência do seu prestígio social.
Segundo: só o regime de escolha permite boa selecção de valores médicos. É pelos seus méritos próprios, pela afirmação das suas qualidades, no terreno aberto da clínica livre, que se faz a escolha e a hierarquização profissional. É a democracia dos doentes. Mas aqui eu aceito a democracia, porque, além do mais, na base da escolha, da boa escolha, está o interesse vivo, pessoal, imediato de quem escolhe: o amor à saúde e o amor à vida.

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Contrariamente, como é feita, a selecção em regime de médicos privativos? Aqui será ainda, algumas vezes, a competência; mas muitas há-de ser o favoritismo, o compadrio, a afinidade de cor política, a afabilidade do candidato.
E assim há-de resultar, necessariamente, uma nítida diferença no resultado, conforme o modo de selecção.
Mas há mais. Quando a organização da Previdência enquadrar toda a população que, em boa regra, terá de abranger, pouco ou nada ficará, como terreno de trabalho, para os médicos que começam. E nas camadas de gente modesta, aquelas exactamente que entram na esfera da Previdência, que os novos iniciam os seus passos na vida profissional. E daí alastram e ascendem, conforme os méritos revelados. Mais ou menos todos os médicos com algumas qualidades para triunfar terão campo de trabalho e na proporção do valor afirmado. Em regime de médicos privativos não será assim. Logo à entrada ficarão dois grupos: os privilegiados, que ingressam nos quadros da Previdência, e os outros, sem campo de trabalho, esmagados e triturados pela engrenagem gigantesca.

O Sr. Pereira de Melo: - V. Ex.ª dá-me licença? Isso talvez não seja bem assim, porque, então, a razão reside por igual contra a existência de partidos médicos municipais.

O Orador: - Nesses casos, quando se trata apenas de sectores localizados, o resto - digamos, o vasto campo de clínica livre - fica para assegurar a todos, que merecem, possibilidades de trabalho. Com o alastramento da organização da Previdência é que se fecham as pontas aos novos.

O Sr. Pereira de Melo: - Também me parece que não é bom assim, visto que lhes fica ainda uma larga margem para o exercício da medicina naqueles que vivem num nível superior.

O Orador: - Em primeiro lugar, não fica uma larga margem porque os que ficam acima serão forçosamente em minoria. Em segundo, eu referi-me aos médicos que começam e, como já disse e é notório, é nas camadas de gente modesta que os novos iniciam normalmente a «na carreira. Não é pelas alturas. Os grandes senhores não chamam os novos que começam. Dizia-me um colega: «Comecei pelas criadas e mais tarde é que vieram os amos. Primeiro vieram os operários e a seguir chegaram os patrões». Subtraindo à clínica livre os estratos populacionais que terá de abranger, a Previdência vai fechar as portas ao trabalho de muitos médicos novos.
Mesmo que a direcção das caixas queira fazer boa selecção, não terá, neste regime, muitas possibilidades do julgamento. Porque, exactamente, os novos só podirão revelar-se, dar mostras de capacidade nas camadas da população enquadrados na Previdência.
Terceiro: para o aperfeiçoamento e valorização profissional do médico há ainda grande diferença a favor do sistema de livre escolha. Neste o médico tem constantemente o estímulo da concorrência e os triunfos e os êxitos há-de conquistá-los dia a dia, pela qualidade do seu trabalho no exercício da clínica e debruçado sonho os livros a as revistas, num esforço permanente de melhoria e actualização científica.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:-Enquanto que, contrariamente, no regime de médicos privativos, o médico se burocratiza, não tem estímulo, cai na rotina, no desleixo, no apagamento. A sua permanência na organização há-de depender, em grande parte, da boa vontade dos senhores das direcções.. Estarão sobretudo assegurados os dóceis, os reverentes, os acomodatícios.
Tudo isto há-de reflectir-se na psicologia do médico. O médico formado em regime de trabalho livre é um homem forte, senhor de si, crente nas suas possibilidades, bem preparado até para as funções de comando e de animador que terá de exercer na sua vida profissional. O médico tem de ser um optimista, um dominador de almas, um indutor de energias. Com o sistema de médicos privativos e ordenados fixos vamos ter, seguramente, no futuro um progressivo rebaixamento do nível moral e material dos médicos. Não se sente já porque a organização não alastrou ainda até ao fim. Não se sentirá logo de princípio porque haverá, por algum tempo, as gerações de médicos educados e enriquecidos profissionalmente no sistema de medicina livre. Mas, passadas que estejam estas gerações, ver-se-á então a gravidade do problema. Aqui, como em tudo, os sistemas socialistas e socializantes queimam as reservas, dilapidam o património acumulado (pelas gerações anteriores. Com a sua visão tão clara e o seu lúcido realismo, Gustavo Thibon vincou magistralmente este estigma do socialismo.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - c) E uma imposição da essência da medicina e do carácter irredutivelmente humano do acto médico.
O homem é um ser ao mesmo tempo individual e social, dois aspectos, indissociáveis e que só por abstracção podemos olhar separadamente. E a medicina é unia ciência do homem é uma arte, baseada nessa ciência, ao serviço da pessoa, humana. Tem, por seu lado, dois aspectos distintos, mas correlativos e complementares - prevenir e curar, conservar a saúde e recuperar a saúde ou, pelo menos, aliviar os sofrimentos: é a medicina preventiva e a medicina curativa.
Como ciência e arte ao serviço do homem, a medicino, considera-o e serve-o nos dois planos humanos - o individual e o social.
A acção da medicina preventiva desenvolve-se, em parte, na esfera individual; mas, sobretudo, no plano da vida colectiva, através de providências tendentes a melhorar o nível de saúde e de capacidade do organismo humano e a impedir o desenvolvimento de doenças ligadas às próprias condições da vida social. São umas dirigidas ao próprio homem, como as vacinações; outras ao seu meio ambiente, como a higiene do trabalho e o saneamento dos aglomerados urbanos. São providências, que podem alargar-se até problemas de alcance mundial, como é o sistema, internacional de defesa contra a propagação das moléstias pestilenciais. Para sua feição e sua amplitude este ramo da medicina é uma missão do Estado e das colectividades e está adequadamente confiado a técnicos especializados, dependentes dos Poderes Públicos.
A medicina curativa, a medicina clínica, essa tem um carácter marcadamente pessoal. E exercida através de contactos humanos, directos, afectivos, íntimos, entre o homem que sofre e o médico que lhe assiste. E o famoso «colóquio singular», de que fala admiravelmente Duhamel.
E é nessa intimidade, é através desse diálogo afectivo e caloroso que o homem se abre, se desnuda e escancara de corpo e alma e, deixando reservas e pudor, conta as suas misérias físicas e morais, tantas vezes humilhantes. E aí que o doente se afirma, não como um número social, um caso clínico que desfila diante de um técnico, mas um homem em diálogo humano com outro homem. Homem na plenitude do seu ser

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humano - carne e espírito. Carne e espírito, porque o homem é um todo, uma unidade psicofísica, e tanto na saúde como na doença. Há doenças originariamente do espírito, como as nevroses, ricas em reflexos orgânicos. E às doenças mais caracterizadamente orgânicas andam aliadas manifestações da esfera neuropsíquica as mais variadas, não raro dominantes no quadro clínico, ainda que, aqui, secundárias na origem umas resultantes de repercussões de ordem fisiológica, outras de proveniência emotiva e espiritual.
A verdade é que, mais ou menos, o homem adoece de corpo e de espírito. A vida orgânica e a vida psicológica entrelaçam-se e reflectem-se reciprocamente do modo mais íntimo. Na doença há entre o corpo e o espírito múltiplas acções e reacções, que complicam e enriqueceu! o quadro clínico.
E porque o homem é sempre carne e espírito e o doente adoece sempre de corpo e alma, nem o doente pode ser olhado e tratado como uma máquina nem o médico pode ser um técnico que monta e desmonta engenhos. Seria a mecanização do homem e a desumanização da medicina. E, por isso mesmo, o contacto do médico com o doente reclama do médico, a par da ciência, uma grande humanidade, e do doente, acima de tudo, uma ampla margem de confiança. E por isso mesmo ainda é que a essência do acto do médico está verdadeiramente nesse contacto humano.
Não pretendo dizer, entenda-se bem, que o lado técnico do caso possa, as mais das vezes, decidir-se no âmbito desse encontro pessoal nem que o problema da doença, na sua origem e nas suas consequências, haja de limitar-se ao aspecto individual. A devassa do caso clínico e as suas ligações e reflexos terão de projectar o contacto pessoal em espírito e em actos. O «colóquio humano» não é tudo, mas está no centro de tudo.
Não é tudo na ordem técnica. A prática da medicina, com o seu carácter actual, altamente científico, não pode hoje exercer-se quase nunca apoiada apenas no simples interrogatório e nos recursos pessoais de observação do médico. Há que apelar para o laboratório, e não raro para o concurso de técnicas e especialidades. Há até às vezes que recorrer a internamentos em centros de clínica médica ou cirúrgica.
Sem dúvida esta evolução da medicina científica trouxe um período de grande desorientação, que veio a reflectir-se largamente nos conceitos médicos e na prática clínica. A medicina tendia para um conjunto de técnicas desligado do homem e as especialidades parcelavam-no em fragmentos desgarrados, esquecidas da indestrutível unidade da vida. Parecia que iria perder-se de todo o espírito da medicina tradicional. Mas entramos já em período de reconsideração e de penitência e começamos a refazer-nos dos desnorteamento das primeiras horas. De todos os lados, e até de além-Atlântico, onde o desvaire tinha ido mais longe, se levantam clamores e se pretende arripiar caminho. No último encontro internacional de Genebra (1952) foi este um dos assuntos discutidos e dos que mais interesse suscitaram. E ali se proclamou mais uma vez a boa doutrina. Há que harmonizar as exigências técnicas e científicas da medicina contemporânea com os valores humanísticos da medicina tradicional.
O homem não é feito de peças soltas. Tudo nele é interdependente. Interdependência na vida orgânica. Interdependência na vida psicológica. Interdependência da vida orgânica e da vida psicológica. Não há compartimentos estanques. E tanto na saúde conto na doença. A observação do doente é um trabalho de análise. Muitos podem comparticipar na análise - laboratórios, técnicos, especialistas. Mas o diagnóstico é uma obra de síntese. E, por sua vez, a terapêutica é uma conclusão ditada pelo conhecimento total do doente. É preciso relacionar todos os elementos dispersos da análise. É preciso integrá-los no todo psicofísico do doente. Ao médico assistente, que tudo coordena e centraliza, fica, o encargo da integração e da síntese. O que a medicina moderna tem de impor afinal não é a dissociação do homem nem a desumanização das atitudes médicas. É a colaboração médica ao serviço do doente, ordenada no interesse do doente. O que veio foi ampliar as responsabilidades do médico, do médico verdadeiro e verdadeiramente assistente do outro, que terá de estar no centro de tudo a pedir as colaborações oportunas, extrair-lhes o sentido e concluir com espírito de totalidade.
Também não está toda a realidade da medicina na visão individual do problema médico. Mais uma vez, aqui, o homem não é um ser destacado do seu ambiente. É preciso considerá-lo como homem e como doente, nos seus vínculos sociais e cósmicos. A própria doença está muitas vezes relacionada na sua origem ou na peculiaridade das suas feições com as condições do ambiente. E, por sua vez, tem, não raro, para a família e para a colectividade consequências mais ou menos amplas e que podem ser de ordem vária. Umas, por exemplo, para a economia familiar. Outras ainda de ordem profiláctica, como a oportunidade de internamento de um contagioso ou de um mental de índole anti-social.
É a projecção social do acto médico. É mais uma vez a indissociável natureza individual e social da pessoa humana.
Mas, insistamos, a intimidade pessoal das relações entre o doente e o seu assistente haverá sempre de estar no centro de tudo. E mais uma vez a essência deste contacto reclama simpatia humana, confiança do doente, condições que impõem, com lógica de ferro, a liberdade de escolha do médico pelo doente. Nem haverá confiança se o módico é imposto. Nem o módico su sente dignificado e com prestígio e autoridade para dar assistência conveniente a um homem que o não escolheu e pode muito bem até nem o amar nem intimamente o aceitar.
A verdade, vistas assim as coisas, em toda a sua realidade científica e humana, é que entre este problema nem temos a liberdade de optar. 0 direito à livre escolha do médico de sua confiança é uma imposição irrecusável da nossa filosofia do homem e até do nosso coração humano.
O que temos é do procurar adaptar esta exigência às nossas realidades.
Vejamos o problema de remuneração do médico em regime de livre escolha. Há duas modalidades - por capitação e por unidade de serviço. Tomo abertamente posição a favor da última. Parece-me preferível. Primeiro: em boa justiça, porque é a remuneração em função dos serviços prestados. Segundo: é a que anais confiança dá ao doente. O doente é naturalmente desconfiado e susceptível. Supõe muitas vezes, erradamente, que lhe não são prestados todos os cuidados devidos. E outro modo de remuneração pode dar ocasião e vulto às suas suspeitas. Podem assim envenenar-se as relações entre o doente e o médico. Desde que a remuneração seja feita por unidade de serviço não fica lugar para a suspeição.

O Sr. Pereira de Melo: - E terão as caixas de previdência as disponibilidades suficientes para pagar a todos?

O Orador: - A terceira razão da minha preferência é que a retribuição por unidade é a que mais estimula o médico, porque o remunera na medida do seu trabalho.
Tem inconvenientes? Tem, como tudo. Nesta magna e complexa questão da previdência as dificuldades e os inconvenientes surgem de todos os lados. Nenhuma solução está isenta de reparos. Há sempre que escolher

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apenas a menos má. Até o próprio princípio da Previdência levanta críticas e as mais graves. Tem contribuído, para o relaxamento moral dos beneficiários, paru agravar o seu espírito de imprevidência e perturbar seriamente, com os seus encargos, a produção, alteando o custo da vida. Se nos embaraçam os inconvenientes e as objecções, detemo-nos logo no limiar da questão.
Vejamos os dois inconvenientes em que se insiste: é caro a presta-se a abusos.
Respondo ao primeiro reparo. Mais dispendioso é, sem dúvida. Mas, embora as considerações económicas sejam de primeira importância na solução destes problemas, nem só as razões de ordem económica devem intervir. A verdade é que com esta modalidade presta-se uma assistência de muito mais alto nível. E, por outro lado, também há que salientar uma compensação importante na ordem material. O aproveitamento dos consultórios e das instalações particulares dos médicos daria uma economia substancial à organização, dispensando instalações e material próprio e reduzindo o número de funcionários nos serviços.
Os abusos são, como em tudo que há homens, inevitáveis. Mas, pergunto: há que esperar um volume de abusos que possa invalidar as vantagens apontadas? Eu penso decididamente que não. Tenho em alta conta o nível moral da classe médica. E estou certo de que bem poucos serão capazes de trabalhar com menos dignidade neste clima de liberdade. Ainda assim haveriam de tomar-se as medidas possíveis para reduzir ao mínimo a inevitável margem de desmandos. O primeiro freio é o da comparticipação do beneficiário nos encargos dos serviços clínicos. Pequena que seja esta comparticipação, torna-o solidário da caixa e fiscal zeloso dos seus interesses, em defesa natural contra abusos e ganâncias. Fica a possibilidade do conchavo entre o médico e o doente. Mas para isto, para que um médico desça até ao ajuste degradante com a outra parte, é preciso que o rebaixamento moral seja tão fundo que só por excepção será possível. E as excepções não bastam. Por outro lado, haveria que criar um bom serviço d e fiscalização, com sanções as mais pesadas e severas. O castigo dos abusos, com rigor implacável, não só eliminaria da classe os piores elementos, mas serviria de aviso profiláctico para muitas tentações. O sistema de caixas de área limitada contribuiria muito para o saneamento moral. Dentro delas p conhecimento mais próximo das situações permite facilmente localizar desmandos e denunciar abusos.
E agora outra questão. Fala-se hoje muito de socialização e colectivização da medicina. Que sentido podem ter estas expressões?
Dentro do espírito eminentemente social do nosso tempo procura-se assegurar a todos os homens, sem distinção, a possibilidade de assistência médica. Conforme os climas nacionais e as ideologias, inspirados por diferentes conceitos da sociedade e do homem, estão em funcionamento ou em projecto organizações do tipo mais diverso. Umas que abrangem a totalidade da população, outras mais moderadas, interessando apenas algumas áreas populacionais. Umas totalmente montadas e subordinadas ao Estado, outras em que o Estado apenas intervém móis ou menos abertamente. Entre nós a Previdência destina-se aos que, pelo trabalho, auferem rendimentos que lhes não permitem afrontar os encargos eventuais, não raro elevados, da doença. Deixa de fora os de alto nível de possibilidades, que por si devem assumir as responsabilidades da sua assistência, e os de muito baixo nível ou indigentes, que ficam a cargo da assistência pública. Nestes estratos médios da população, os trabalhadores e as empresas, na maioria dos casos, contribuem com prestações periódicas, que vêm a ser, logo distribuídas ou capitalizadas, o apoio financeiro da organização. O Estado intervém na qualidade de promotor, orientador e fiscalizador. É o sistema do seguro social.
Com que verdade se fala, em relação a estas organizações, ide socialização e colectivização da medicina? Há aqui que encarar dois aspectos da questão: o da organização em si, nos seus fundamentos ideológicos e da sua ordenação administrativa, e o outro, inteiramente distinto, do modo de prestação dos serviços clínicos. No primeiro aspecto há sempre socialização, estatizada ou não, conforme os casos. Às organizações do nosso tipo cabem talvez melhor as expressões «mutualização» ou «cooperação social». O termo a socialização», embora não contenha todo o socialismo, presta-se a confusões, ou porque para o socialismo se encaminha, ou porque muitos, como Mann, lhe atribuem já significado particular e com um sentido que não podemos perfilhar.
Em relação ao segundo aspecto, tudo depende do modo como os serviços médicos são prestados. Se há livre escolha de médicos e liberdade de tratamento, como defendi, a medicina conserva o seu carácter próprio de ciência do homem e para o homem, baseada no carácter humano dos actos médicos. Os serviços da Previdência só intervêm para assegurar o custeio. As caixas apenas funcionam como centros administrativos. Há mutualização, cooperação, se quiserem até socialização, dos encargos e dos riscos de assistência médica. Mas a prestação dos serviços clínicos - a medicina - conserva o seu carácter próprio e específico. Não há socialização ,da medicina. Mas, se a organização alinha médicos privativos ou serviços privativos, então entramos francamente no caminho da socialização e, em todo o rigor, na burocratização da medicina. Mais: o caso tem até um sabor francamente totalitário, porque, já vimos, esta maneira de prestar serviços médicos deforma gravemente a essência da medicina, rebaixando o seu rendimento humano no aspecto técnico e no aspecto espiritual. Há aqui invasão de uma esfera vedada ao Estado moderado e cristão, que, num sadio pluralismo, deve respeitar a ideologia e a essência de instituições autónomas, mormente quando estão em causa, como aqui, valores humanos de tão subido quilate.
Neste segundo aspecto podemos bem dizer que algumas organizações fortemente socializadas e até estatizadas, como na Inglaterra e na Suécia - socializadas e estatizadas no primeiro aspecto -, é que estão na linha da nossa doutrina personalista e pluralista. E somos nós, em conflito com a nossa doutrina, socializantes e totalitários.
Sr. Presidente: sobre o destino do homem pesam boje as ameaças mais sombrias. Depois de uma era de liberalismo, em que os egoísmos individuais andaram à rédea solta, entramos no caminho sinistro de um mundo colectivizado, em que a personalidade está condenada à subversão total.
Dois extremos, irmãos desavindos, mas irmãos gémeos, ambos saídos no mesmo instante, em princípio, ao menos, do ventre nefasto do individualismo, porque o liberalismo e o colectivismo são as duas faces do mesmo erro, as duas faces ou, se quisermos, as duas lógicas do individualismo. Se considerarmos o homem ser autónomo e a sociedade uma soma aritmética de indivíduos justapostos, há dois modos de construir ou ainda, se quisermos, dois sentidos de visão para a construção da vida. Ou a partir do indivíduo isolado, da poeira solta - e é o liberalismo - ou a partir da soma, da poeira aglutinada em bloco - e é o colectivismo.
O primeiro será o preferido dos senhores, o segundo o preferido dos desfavorecidos. E o individualismo dos

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fortes e o individualismo dos fracos de que fala Valois, mas em todo o caso sempre individualismo.
A verdade, o remédio contra os dois erros ou, melhor, contra o princípio que é a raiz comum dos dois erros, ou, ainda melhor, a superação das verdades unilaterais que há no liberalismo e no colectivismo, está na nossa doutrina de sadio realismo, na nossa concepção personalista do homem e na nossa concepção orgânica da sociedade.
A sociedade não é uma soma de indivíduos autónomos justapostos, mas um todo orgânico constituído por sociedades menores, com a sua finalidade própria, e, portanto, os seus direitos, que devem subordinar-se, mas não serem sacrificados ao bem comum. E o homem, embora careça da sociedade onde se enquadra e apoia para se desenvolver e enriquecer, na plenitude do seu ser e da sua condição humana (meio, portanto, mas meio necessário), o homem é um grande senhor, universo moral dotado de autonomia e liberdade de escolha, enobrecido por um destino próprio e um fim transcendente.
Nesta hora em que o Mundo anda desorientado e perdido por escuros descaminhos, mantenhamos a nossa serenidade e o apego e amor à escala de valores que escolhemos e à concepção de vida que professamos e não nos deixemos arrastar na onda monstruosa de socialização que tudo ameaça submergir.
Que o alto conceito da nobreza do homem nos guie na solução deste problema - tão palpitante, tão humano, tão do nosso tempo -, nos guie aqui como em tudo o mais.
Quando amanhã as decepções e as ruínas chamarem o homem e meditação e à revisão de conceitos e de valores se possa ainda dizer que aqui, no calcanhar da velha Europa, um pequeno povo, já mais de uma vez pioneiro e apóstolo, rico de espiritualidade e de história, manteve, no meio do desvaire do Mundo e da nova Babel confusa, a regra e o sentido da medida e a fidelidade ao alto património de verdades humanas, provado e entesourado pela experiência dos séculos.
E que o nosso exemplo e a nossa lição possam servir ao Mundo para a gestação de uma nova idade em que o homem sobressaia em toda a plenitude da sua realeza espiritual.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: foi com o maior prazer que assisti ontem à efectivação do aviso prévio do Sr. Deputado Manuel Cerqueira Gomes sobre a Previdência Social em Portugal.
E o prazer nasceu, sobretudo, a forma como desenvolveu o tema, revelando profunda e meditada maturação, da amplitude que deu ao seu estudo, do nível alto em que o colocou e da maneira elegante com que o rematou.
Nós, os médicos que o vimos acompanhando e seguindo no seu trabalho à frente da Ordem, vimos aqui sintetizados com superior distinção os mais destacados aspectos do problema- da segurança social, problema que o absorve desde há anos. Este estudo sério e reflectido contém elementos que merecem ser meditados por quem tiver a responsabilidade de marcar os novos rumos da Previdência.
Subi a esta tribuna para declarar a minha adesão à linha geral das considerações produzidas pelo autor do aviso prévio e para afirmar a minha confiança no ilustre Ministro das Corporações, que sempre se revelou, em todas as manifestações da sua brilhante inteligência, um homem capaz de resolver os mais delicados e complexos problemas.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O Orador: - Dou a minha adesão às ideias aqui expendidas pelo ilustre bastonário da Ordem dos Médicos, apesar de ser médico dos Serviços Médico-Sociais - Federação de Caixas de Previdência (sim, porque eu ainda sou médico da Previdência! ...). Faço-o no uso de um direito e no cumprimento do meu mandato. E faço-o porque entendo que acima dos interesses do grupo de médicos que constituem o quadro da Federação estão os interesses da grande maioria do corpo médico nacional e, sobretudo, os dos novos colegas recém-chegados, dos que acabam de sair das Faculdades para iniciar a sua vida profissional; faço-o porque estou convencido de que por esta nova proposta se servem melhor os interesses de toda a massa dos beneficiários da Previdência e se serve melhor a própria medicina portuguesa.
Os problemas que a Previdência criou são tão vastos e tão importantes que bem merecem que o Governo se detenha a analisar o caminho percorrido e a meditar no melhor rumo a dar a organização. A discussão franca a que está sendo sujeita nesta Câmara contribuirá seguramente para um melhor conhecimento do assunto. A experiência portuguesa tem de sor posta em confronto com as de outros países onde se começou mais cedo do que entre nós a montar os serviços de segurança social e onde os assuntos que lhe andam ligados têm sido largamente debatidos, e têm de ser conscienciosamente analisados os resultados já obtidos e meditadas as consequências a que nos conduzirá a sua evolução.
Não quero entrar em pormenores de discussão, aduzindo novas razões para apoiar este ou aquele ponto. A maneira como foi ordenada a exposição dispensa-nos de apresentar mais argumentação. Mas há dois aspectos que quero focar aqui, embora como simples apontamento.
Não vivo desejo de ver alargada e melhorada a acção da previdência portuguesa, já esta Câmara se pronunciou há cerca de três anos, ao apreciar as propostas do lei enviadas pelo actual Ministro do Interior, Dr. Trigo de Negreiros - homem público, aquém a assistência ficou devendo o período de renovação que a caracteriza.
Desses dois projectos saíram as duas Leis n.ºs 2 036, de 9 de Agosto de 1949, e 2 044, de 20 de Julho de 1950, a primeira respeitante ao combate às doenças infecciosas e a segunda referente à luta antituberculosa.
Em ambas se consigna a obrigatoriedade de um entendimento entre a Assistência e a Previdência, tanto no ponto de vista profiláctico, como no da terapêutica. Efectivamente, na redacção definitiva da Lei n.º 2 036 claramente se determina:

Base II: .
Impõe-se u Previdência a colaboração com a Direcção-Geral de Saúde.
Base III:
Impõe-se à Direcção-Geral de Saúde o dever de orientar e coordenar tecnicamente as instituições de previdência para o combate contra as doenças contagiosas.
Base XXIV:
São responsáveis pelos encargos da assistência aos doentes contagiosos:
1) ......................
a) .....................
b) As instituições de previdência social de 1.ª e 2.ª categorias, previstas no artigo 1.º da Lei

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11.º 1 884, de 16 de Março de 1935, ou as instituições em que aquelas se acham integrarias, para efeito da questão de assistência na doença relativamente nos sócios beneficiários o pessoas de família por eles abrangidos.
d)......
2).....
3) A responsabilidade prevista no n.º 1, alínea h), obriga à manutenção de serviços próprios ou .ao pagamento dos encargos com a assistência prestada aos beneficiários das respectivas instituições, aos estabelecimentos e serviços referidos nesta Lei;
4) O pagamento aos estabelecimentos e serviços regular-se-á por acordo celebrado entra estes e as instituições de previdência ou conforme tabelas aprovados pelo Ministro do Interior, ouvido o Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social;
5) Para efeito do disposto nesta base, as instituições de previdência procederão, no prazo de seis meses, à reforma dos seus regulamentos, podendo alterar o esquema, de seguro actualmente em vigor na modalidade de doenças, de modo a ficarem habilitadas a cobrir o risco inerente ao encargo que lhes é imposto, mas sem aumento das taxas Idas contribuições a pagar pelas empresas e beneficiários.

Na Lei n.º 2 044 igualmente se estabelece a obrigação da colaboração dos serviços da Previdência (base IV), se impõe ao Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos (n.º 1 da base V) cooperar com o Instituto Nacional do Trabalho e Previdência no combate à tuberculose e [alínea c] da base XIV] igualmente para as instituições de previdência social a Previdência estipula encargos de tratamento respeitantes à tuberculose de que sofrerem os sócios ou beneficiários e pessoas de família por elas abrangidos.
Ficaram assim estabelecidas por estas duas leis, não só a obrigatoriedade para a Direcção-Geral de Saúde do coordenar e orientar tecnicamente as instituições de previdência no combate às doenças contagiosas, como a obrigatoriedade de essas mesmas instituições responderem pelos encargos de tratamento dos seus sócios ou beneficiários ou das suas famílias que venham a sofrer de tuberculose ou de outras doenças infecto-contagiosas.
Suponho que nestes três anos que nos separam da publicação daquelas leis nada se fez para lhes dar execução!
A Previdência não encarou ainda entre nós a doença que mais compromete o agregado familiar e que é o problema sanitário n.º 1 de Portugal - a tuberculose.
O problema tem uma natural acuidade nas classes trabalhadoras, porque, em geral, nestas classe só quando a doença passa a ser inibidora da sua capacidade normal do trabalho é que o seu portador recorre ao médico. Isto correspondo habitualmente a um avançado estado evolutivo, que já compromete seriamente o êxito terapêutico e que tem já na sua esteira vários casos de contágio no ambiente familiar, na sua vizinhança e nos próprios companheiros de trabalho.
A silenciosa evolução dos seus primeiros estádios, com a escassa sintomatologia, quer objectiva, quer subjectiva, faz com que, na grande maioria dos casos, os doentes se apresentem, na altura do diagnóstico, com lesões graves e às vezes irreparáveis. O estado actual dos serviços não impede que a grande maioria das vezes este diagnóstico tardio nos trabalhadores corresponda a fases em que as lesões ou são mui graves ou de longo o caro tratamento.
A tuberculose é um problema de extrema acuidade entre nós. Os números que representam as taxas da mortalidade por 100 000 habitantes têm descido muito lentamente e ainda hoje rondam por volta dos 157.
No alvorecer do século as nossas taxas podiam, sem vergonha, alinhar ao lado dos demais países. Mas os nossos serviços sanitários não puderam acompanhar o ritmo evolutivo de uma grande parte deles e por isso nos encontramos hoje com taxas que são três vezes superiores às suas: as da França e da Suíça, que eram então superiores às nossas,, estão hoje representadas, respectivamente, por 57 e 52 por 100 000 habitantes.
As da Bélgica andam hoje pela casa dos 55. Mas mais extraordinário é ainda o caso da Dinamarca - esse pequeno país que, mercê do rigor da aplicação das medidas sanitárias clássicas, de um magnífico nível de vida e, ultimamente, da vacinação pelo B. C. Gr., conseguiu ser o primeiro país do Mundo a exterminar a tuberculose como flagelo social.
Entre nós, a mortalidade pela tuberculose representa 12 por cento da mortalidade geral. 50 por cento das mortes por tuberculose verificam-se em indivíduos abaixo dos 30 anos; s por cento em gente compreendida entre os 15 e os 45 anos, e 12,5 por cento em crianças com menos de 5 anos.
Vê-se que é na idade do máximo desenvolvimento que a tuberculose atinge os indivíduos e que, por isso, deve ser problema a encarar com urgência e com carinho pela Previdência portuguesa. Os cálculos estão feitos. Em investigações sobre a mortalidade portuguesa, afirma-se num boletim dos actuários portugueses que a cada tuberculoso falecido corresponde para a economia nacional um prejuízo de cerca de 29 anos de trabalho, ou seja 230 contos de salário, tomando por base o vencimento dos trabalhadores abrangidos pelos organismos da Previdência em 1951. Ao total dos óbitos por tuberculose nas populações abrangidas pelos organismos de Previdência (625 000 trabalhadores e seus familiares - 14,7 por cento do população portuguesa), correspondem, portanto, 440 000 contos de salários.
Se lhe juntarmos os prejuízos resultantes da doença, atingem-se os 500 000 contos, que são o verdadeiro prejuízo que a tuberculose causa em cada ano à população trabalhadora de Portugal abrangida pela Previdência.
Cientes do agudo e grave problema da tuberculose entre nós, senhores das dificuldades sérias que a sua rápida solução envolve, desejaríamos ver as instituições de previdência encararem devidamente a tuberculose e darem as mãos ao Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, cumprindo o que está legislado e bem expresso na Lei n.º 2 044, para dar solução conveniente aos aspectos profilácticos e terapêuticos da tuberculose.
O diagnóstico precoce traz consigo também, possibilidades de isolamento mais pronto, limitando assim a capacidade de difusão à volta do doente, e tem, por isso, um interesse sanitário indiscutível, não só para o próprio seguro, mas para a colectividade. O diagnóstico precoce traz consigo um grande número de probabilidades de tornar a terapêutica mais curta e menos onerosa e, portanto, também de um período menos longo de suspensão de trabalho para os doentes recuperáveis. O servição de radiorrastreio, o serviço social, a vacinação pelo B. C. Q., uma terapêutica a tempo e em boas condições e um serviço de reeducação pós-sanatorial são elementos indispensáveis a um moderno e eficiente serviço de luta antituberculosa.
As três missões de profilaxia, de terapêutica e de recuperação-interpenetram-se constantemente, e, portanto, os «serviços hão-de ser organizados de modo a responderem a esta constante interdependência.

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De acordo com o que foi afirmado hoje pelo Sr. Deputado Moura (Relvas, deve também procurar evitar-se a duplicação ou a triplicação de serviços que não têm vantagens, mas só prejuízos. - duplicações e triplicações que deploramos em tantos sectores da nossa Administração e que são a prova, da «autonomia excessiva conferida a muitos serviços ou da falta dum. elemento coordenador forte.
Voto a reafirmar a aninha confiança nos dois Ministros de quem dependem estes assuntos para o estabelecimento da indispensável harmonia, enquanto não pudermos ver implantado neste país o tão desejado Ministério da Saúde, que viria dar solução definitiva a estes e a tantos outros problema?.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente: o aviso prévio ora em discussão suscita largo número de problemas e põe em equação doutrinais e métodos diversamente seguidos.
Habituados a ouvir dizer, e com razão, que vivemos numa época em que domina a preocupação do problema, social, um ponto de partida se impõe, melhor direi, um pressuposto doutrinário, que há-de informar todas as medidas em unidade de obediência, e não por forma alguma em disparidades e contradições dentro da execução do sistema constituído e a seguir.
Na nossa organização económica e de trabalho ultrapassámos, felizmente, os rigores capitalistas, socialistas o sindicalistas, caminhando para o equilíbrio que o corporativismo pretende imprimir à vida social pela harmonização dos interesses e eliminação de lutas destrutivas e dissolventes.
É certo que tais sistemas constituíram uma expressão das condições e imposições da época respectiva, mus, por deficiência ou exagero, deixaram de corresponder a novos estádios, em que condições e exigências recentes reclamaram novos sistemas e métodos.
À preocupação exclusiva dos lucros para o capitalismo sucede a absorção do poder político pelo Estado na organização socialista, de raiz marxista, fomentadora da luta de classes.
À medida, porém, que se vai assistindo à violência do sistema e da sua incapacidade na resolução dos problemas dos trabalhadores, reage-se contra a sua organização em partidos políticos e preconiza-se o agrupamento por interesses: é a instauração sindicalista dos fins do século passado.
Dera-se um passo para associar os indivíduos da mesma categoria, mas persistia a luta de classes. Havia, pois, que ir mais longe, impregnando essas organizações sindicais de um espírito cristão que integrasse patrões e trabalhadores do mesmo ramo numa unidade associativa, organicamente forte, mas com respeito mútuo da posição e função dos seus associados.
Caminhou-se assim para o corporativismo, em que os elementos associados o devem ser, além da razão económica, por motivos morais e culturais de variadas feições.
Chega-se desta forma ao corporativismo. Do Estado? De associação? A uma e outra forma. De resto, mutuamente influenciadas, como naturalmente teria de acontecer no período de instauração e desenvolvimento inicial do sistema. Mas é fora de dúvida que se tem ido entre nós caminhando na libertação progressiva da influência estadual, à medida que as actividades se vão mostrando possuídas das necessárias condições e garantias de não errarem, a sua missão, amparada pelo Estado nos seus primeiros passos.
Terá sido moroso o percurso, por vezes - assim o entendemos-, mas devemos lembrar-nos de que a Nação não estava apetrechada para se enquadrar desde logo livremente na nova orgânica e lhe faltava, como falta, politicamente, o fecho da abóboda: uma magistratura suprema de ordem institucional vitalícia e hereditária, garantia indispensável do equilíbrio das actividades organizadas, eliminadora de excessos e reparadora de injustiças.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Mas, Sr. Presidente, vejo que me vou alongando demais na enunciação de certos princípios fundamentais e de factos, aliás conhecidos, que convém, todavia, ter presentes no desenvolvimento da matéria do presente aviso prévio.
É tempo, assim, de passar à sua análise.
O ilustre Deputado Dr. Manuel Cerqueira Gomes, a quem tributo as minhas homenagens, na larga exposição que constitui a enunciação do seu aviso prévio,
anda, em resumo, à volta das seguintes afirmações:

a) A Previdência Social foi detida há mais de três anos;
b) Existe necessidade de uma revisão da Previdência, quanto à sua estrutura, administrativa, ao campo de aplicação do seguro social, no esquema de benefícios, ao regime financeiro e à prestação dos serviços médicos.

A enunciação do primeiro fundamento é reforçada na parte final do aviso prévio nos seguintes termos:

... tanto a nossa como a alheia experiência já nos dão luzes bastantes para romper a indecisão actual e de momento construir um novo sistema.

Tanto na enunciação como no desenvolvimento do aviso prévio o seu ilustre autor concluiu e pretendeu convencer-nos de que a. Previdência Social foi detida há mais de três anos. Ora eu dei-me ao trabalho de em breve peregrinação por vários serviços e publicações, descobrir elementos que me permitissem confirmar ou infirmar aquela primeira e basilar afirmação do aviso prévio.
Devo desde já declarar que: participo das aspirações do seu autor no que concerne aos desejos e necessidade de nova revisão; aplaudo sem reservas, quanto ao princípio, a tese de que deve fazer-se a melhor diligência para levar o seguro social aos trabalhadores rurais; o risco doença e o risco invalidez devem ficar em gestão comum; os operários que o quiserem, enquanto tiverem capacidade, devem poder continuar a trabalhar entre os 65 e os 70 anos.
Tudo isto, afinal, e o mais poderá ser objecto de estudo numa revisão.
Mas, porque a revisão ainda se não fez, pode afirmar-se que a Previdência está detida?
O problema é de tal maneira largo e complexo que não admite improvisações de alteração nas suas linhas fundamentais sem um prévio estudo sério das condições do seu funcionamento, estudo que fatalmente tem de ser demorado para ser consciencioso, até pelos muitos elementos que deverão prestar-lhe o seu concurso.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - De resto, que o assunto mereceu especial atenção vê-se no discurso proferido pelo ilustre Ministro das Corporações em que deu a conhecer ao País a delicadeza da matéria, carecida de um prévio amadurecimento, e para tal a nomeação de uma comis-

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são e de uma subcomissão especialmente encarregadas do exame e do estudo desses problemas. Passaram-se estes factos em Setembro de 1951 e Agosto de 1952.
Um facto novo veio, porém, atrasar esses exame e estudo. E esse facto foi -ninguém o ignora - a contribuição de cerca de 3 milhões de contos no financiamento do Plano de Fomento, proposto pelo Governo e aprovado nesta Assembleia. O assunto ultrapassou, assim, para plano superior a competência e as possibilidades do Ministério das Corporações.
Eu não vejo, francamente o confesso, que a Previdência esteja detida, a não ser que o ilustre Deputado autor do aviso prévio tenha querido significar que ela tem caminhado sensivelmente nos mesmos moldes ou que os estudos sofreram* a paragem a que me referi. Mas em matéria desta importância, vinte anos de nova política e menos de três anos da actual gerência da pasta são um momento na evolução de um sistema implantado sobre as ruínas de um passado recente.
Quem duvida de que nesse aspecto caminhámos desde o zero?
Sr. Presidente: o ilustre autor do aviso prévio preconiza:
a) Quanto à estrutura administrativa, a não integração das caixas na Federação, mas sim o esquema das caixas únicas distritais. Por outro lado, porém, pretende a existência de uma caixa nacional central, a que fiquem ligadas as caixas distritais por meio de representantes.
Eu não sei que funções e extensão o autor do aviso prévio pretende atribuir à sua projectada Caixa Nacional Central. Não viria esta (ignoro-o) a constituir, por forma diferente, a chamada «Federação»?
De resto, penso que é de atender às regras fundamentais da nossa orgânica corporativa, aplicáveis por extensão às organizações de que estamos tratando, regras que prevêem precisamente no 2.º grau da verticalidade do nosso sistema as federações e as uniões.
Quanto ao campo de aplicação do seguro social, afirma-se no aviso prévio que em tão ampla extensão como a que lhe tem sido dada no comércio e na indústria se excedeu o espírito da nossa política, social e se fez puro socialismo. Ora não é o número dos administradores e gerentes, limitadíssimo em relação ao total dos beneficiários, que poderia dar o carácter de puro socialismo e que se refere o ilustre autor do aviso. Em pequeno parêntese devo dizer que tenho a impressão de que, salvo o devido respeito, existe no aviso uma confusão de limites entre as concepções de dois sistemas: o socialista e o intervencionista.
Mas prossigamos:
A este respeito julgo que não poderá haver dúvidas em face do que se passa e que sobressai das palavras expressas e inequívocas contidas no aludido discurso do Sr. Ministro das Corporações, muito anterior ao aviso prévio, que me permito citar na íntegra:

Não se contesta que muitos (refere-se aos pequenos empresários e trabalhadores autónomos) precisam e merecem! tanta protecção como a concedida aos empregados e assalariados. Mas, em boa verdade, o clima ainda não é favorável a medidas desta natureza. Demais, terá um dia de estudar-se para eles regime especial apropriado - o que apresenta dificuldades (e para dificuldades bastam, por agora, a>s muitas que já temos).

E prossegue nos seguintes termos:

Por todo o exposto, foram eliminados da Previdência Social os sócios, directores ou administradores e até gerentes (o que carecerá de revisão) de qualquer empresa comercial ou industrial e os chamados «trabalhadores de conta própria» (despachos de 29 de Abril de 1902 e 26 de Maio do mesmo ano, publicados no Diário do Governo, respectivamente, de 9 de Maio de 1902 e 30 de Maio de 1952, que consagraram, como orientação geral, doutrina já antes aplicada a certos casos concretos.

Afirma-se ainda nesta alínea ò) do aviso prévio que deve abandonar-se o conceito colectivista de generalização do seguro social, limitando-o aos econòmicamente débeis, definido por um salário-limite.
Mas não é novidade levantada pelo aviso prévio, pois no referido discurso ministerial diz-se textualmente - reparem VV. Ex.ªs

A Previdência Social é agora, portanto, domínio reservado dos trabalhadores por conta de outrem, no comércio e na indústria, havendo quanto a eles uma aplicação efectiva do princípio dos econòmicamente débeis.

Qual é a, mecânica dessa aplicação efectiva do princípio dos econòmicamente débeis?
Explica-se, logo a seguir, nos seguintes termos:

A importância das remunerações auferidas não é elemento que se tenha em conta para efeito de obrigatoriedade de inscrição nas caixas, pois todos são inscritos. Os descontos, porém, incidem apenas sobre a parte do vencimento, não excedente a 3.000$ mensais, à mesma medida se restringindo os benefícios.

Ficamos, pois, sem perceber a que vem no aviso prévio a citada expressão, com aspecto perfeitamente genérico, de que deve abandonar-se o conceito colectivista da generalização do seguro e limitando-o aos econòmicamente débeis.
Tenho mesmo dúvidas sobre o significado que o ilustre autor do aviso prévio pretendeu atribuir ao termo «colectivista», mas suponho que deve ter sido no sentido económico-social, se bem que, salvo o devido respeito, eu o não considere usado com propriedade a propósito de uma maior ou menor largueza quanto aos beneficiários do seguro.
Mas a discussão do problema levar-nos-ia longe.
É preciso ainda acrescentar-se, quanto a esta matéria, que aquele plafond de 3.000$ mensais quase não oferece interesse prático para o problema, visto que cerca de 95 por cento dos actuais beneficiários têm vencimentos inferiores. E afirma o Sr. Ministro crer que o Sr. Bastonário da Ordem dos Médicos (ilustre autor do presente aviso prévio) não mostrou, em Setembro de 1951, repugnância em aceitar o actual limite de 3 contos;
c) Passemos ao esquema de benefícios. Afirma-se no aviso prévio que o seguro doença está mal concebido, porque ampara a doença de curta duração e não protege a doença prolongada; por isso deve inverter-se o sentido do plano assistencial.
E acrescenta a seguir:

As prestações médica e farmacêutica são quase sempre insuficientes, marcadamente as da Federação; devem completar-se, garantindo os meios de diagnóstico, assistência nocturna, pagando cirurgia e o tratamento dos tuberculosos e outros doentes infecto-contagiosos, cancerosos e mentais, etc.

Ora vejamos aonde nos conduziria o critério do ilustre autor do aviso prévio ao pretender que se desampare o doente que sofra moléstia de curta duração ou mesmo

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que se proteja só depois dos pacientes de doença prolongada - o que equivale, aliás praticamente, por deficiência de meios, ao desamparo daqueles. Que seria dos infelizes que se vissem atacados de febre tifóide e de pneumonia?
Todavia, sem desamparo destes e de outros igualmente portadores de doenças a curto prazo, verifica-se que, de 1 200 000 beneficiários e familiares da Previdência, orça por 50 por cento o número dos que têm direito a assistência médica dos Serviços Médico-Sociais, atingindo os tuberculosos pulmonares o número de 15 754, assim distribuídos: zona de Lisboa, 6 000; zona do Porto, 89-39, e zona de Coimbra, 795.
Sirvo-me de elementos e de números fornecidos ou referidos na exposição clara e perfeita do Sr. Ministro das Corporações enviada a esta Assembleia e num esclarecedor relatório do presidente da Federação.
Pois bem: ainda neste aspecto de preferência na assistência e tratamento das diversas doenças conviria conhecer os números representativos da «massa de doentes e familiares a assistir, em sanatórios, as possibilidades de internamento, em instalações capazes, e com o apetrechamento indispensável à reeducação e readaptação. Isto quanto aos tuberculosos, não valendo a pena estar agora a tratar de outras doenças, em relação às quais surgem iguais ou semelhantes dificuldades.
A Previdência - afirma-se num dos citados documentos - não pode dar aquilo que não tem.
E recordo a este propósito as palavras que o procurador brasileiro Péricles de Sousa Monteiro escreveu há cerca de dois anos, após uma viagem de estudo à América do Norte e à Europa:
«Ao que pude observar, os legisladores desses três países (refere-se aos Estados Unidos, ao Canadá e à Inglaterra) tiveram e têm sempre em mira dar ao povo o que devem, mas só o que podem».
O conceito tem aplicação plena à matéria que se discute.
Pelo que respeita à afirmação do ilustre autor do aviso prévio de que as prestações médica e farmacêutica são quase sempre insuficientes, tem igualmente aplicação adequada o que acaba de dizer-se.
Não deixa de ser curioso e elucidativo a este respeito apontar a referência especial e marcada que no aviso prévio se faz ao Serviços Médico-Sociais - Federação de Caixas de Previdência, sendo certo que estes não são os de maior extensão do campo da Previdência.
Reportando-me aos elementos colhidos, verifica-se que a assistência médica prestada pela Federação não atinge a metade dos beneficiários inscritos nas caixas de previdência. E senão vejamos: as Casas do Povo prestam assistência médica a mais de 500000 sócios. O mesmo sensivelmente acontece com as associações de socorros mútuos. Vêm as Casas dos Pescadores com 50 000. E há ainda a considerar diversas caixas privativas de empresas, tais como a da Companhia União Fabril, e de organismos oficiais, como os CTT e outros. A estas não se referiu o aviso prévio. Gostaríamos de saber porquê. Talvez porque aí tudo esteja certo e não haja quaisquer deficiências dignas de nota. Será?
d) Quanto ao regime financeiro, assevera o aviso prévio que está doutrinàriamente certo o nosso sistema de financiamento dos seguros sociais, que se deve exclusivamente às contribuições profissionais.
E acrescenta ser preciso completar o esquema assistencial e, querendo modificar-se os riscos de sobrevivência, invalidez e velhice, o que precisamos é alterar a distribuição das taxas: o mesmo para o abono de família, menos para o subsídio de morte e para a reforma, mais para o agregado doença-invalidez. Aumento nos seguros imediatos e redução nos seguros a longo prazo. O que equivale a distribuir mais e capitalizar menos. E conclui, nesta matéria, o aviso prévio: «estamos em regime de capitalização excessiva».
Estamos de acordo quanto a algumas aspirações enunciadas, e deve dizer-se que o aviso prévio não oferece novidade. No seu referido discurso o Sr. Ministro das Corporações e Previdência Social, depois de se referir à inquietação dos espíritos que caracteriza a nossa época e à falta, entre nós, de zelosos cultores ou estudiosos dedicados da previdência social, afirmou, com verdadeira consciência, das dificuldades, preferir, a traçar directrizes, expor certa massa de questões, sobre as quais pretendia colher juízos opinativos.
Para isso constituiu as comissões a que já aludi.
Também explicou as razões determinantes da chamada detenção da murcha, que não pode supor-se sinónimo de inacção.
Com a devida vénia, Sr. Presidente, reproduzo textualmente, a este respeito, as palavras proferidas pelo Sr. Ministro:

Sucedeu que se anunciou, entretanto, o propósito da elaboração de um vasto plano de fomento, com eventual larga participação dos capitais da Previdência Social, e, assim, a definição do regime financeiro a que esta deveria obedecer ficou naturalmente dependente da organização e aprovação do referido plano.

E acrescenta:

Havia, na verdade, que esperar pela determinação da medida em que, para a execução desse plano, se considerava indispensável o concurso efectivo destes capitais.

Não sei, Sr. Presidente, que melhor clareza e lealdade se podia esperar da parte do Governo no esclarecimento das razões que determinaram a detenção dos trabalhos (que, repito, em meu entender, não é abandono nem inacção).
Não compreendo assim, dado o conhecimento público das razões invocadas, que na enunciação do aviso prévio se não tenha considerado ou pesado o valor dessas razões.
Não vale a pena, Sr. Presidente, entrar numa apreciação doutrinária e técnica dos sistemas que são ou podem ser adoptados na organização do regime financeiro do seguro social.
Parece poder deduzir-se das considerações expendidas pelo ilustre autor do aviso prévio que é possível encontrar uma gradação de casos diversos intermédios entre os dois sistemas opostos: o de capitalização e o de repartição ou distribuição. Essa é, aliás, opinião geral. A irredutibilidade de cada um dos dois sistemas tem os seus defensores e sequazes.
Creio, porém, que entre nós o mais conveniente é procurar o desejado equilíbrio para o nosso caso, o sistema intermédio mais aconselhável, de harmonia com as nossas condições específicas «e o estado de evolução da instituição do seguro social.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas toda essa gama de problemas, o campo da incidência dos encargos sociais, taxas de incidência, capitalização e distribuição, benefícios, etc., não pode sujeitar-nos a decisões parciais ou inoportunas e exige uma longa observação e um aturado estudo - caminho traçado, aliás, nas considerações do documento ministerial a que nos temos referido.
Alude o aviso prévio a acções socializantes do sistema em vigor.

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Respondem cabalmente a essa arguição ou receios as seguintes palavras, que destacamos, do mesmo discurso:

Só um regime político conduzido por princípios socialistas ou socializantes pode admitir que o Estado se considere financeiramente obrigado a realizar, de modo normal ou a simples título supletivo, os seus específicos a que se destinam os encargos sociais aqui referidos.

E prossegue:

Nós, que nos governamos por princípios e devemos lògicamente governar-nos pelos nossos próprios, entendemos que a missão do Estado, neste domínio, é assegurar que se não frustre a realização de tais fins, pelos meios a eles naturalmente adequados.
Sr. Presidente: porque me vou alongando, e mais haveria para dizer, é tempo de passar ao último ponto do aviso prévio:
c) A prestação dos serviços médicos.
Constitui esta matéria, a pedra. de toque do mesmo aviso, mas tem, talvez por isso mesmo, especial melindre.
Devo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, antes de mais, declarar que não pretendo, nem ao de leve, envolver nas considerações que vou proferir pessoas ou entidades, a não ser que estas, e se for necessário, tenham funções ou atribuições de natureza pública e que digam respeito ao bem comum.
Só me interessam factos e realizações, para deles poder deduzir as naturais e lógicas conclusões que os mesmos comportem.
Posto isto, vejamos rapidamente os pontos fundamentais versados nesta alínea do aviso prévio.
Aí se afirma essencialmente:

1.º Que a Federação das Caixas quer agora impor a criação de serviços de radiologia;
2.º Que a ameaça de serviços privativos radiológicos e analíticos pesa sobre importantes sectores e agrava a crise da classe médica;

E assim:

3.º Todos os médicos devem ter o direito de prestar serviços no seguro doença, como todos os segurados devem ter o direito de escolher o médico da sua confiança; também os médicos devem receber vencimentos, como nos outros países, segundo os serviços que prestam: nus remuneram por capitação, outros por unidade de serviço.

Ora vejamos cada um destes pontos:
1.º Julgo, pelos elementos colhidos, que a Federação não pretendeu impor a criação de serviços de radiologia.
Em presença de verbas, por vezes avultadíssimas, com serviços radiológicos, é natural que se tentasse organizar os serviços de forma a conseguir um preço mais barato por unidade.
Esta economia redundaria, além do mais, em alargamento de benefícios.
Perante contas altas e critérios de custo t ao variados como os que apereciam impunha-se um proveitoso critério de uniformidade. Para isso se procurou organizar, com previu consulta e acordo, uma tabela de preços para os serviços.
Sabe-se que ela foi aceite em Coimbra e noutros pontos da província, o que não foi conseguido em relação ao Porto e a Lisboa.
Também se não ignora que, confiado o assunto à Ordem, esta acabou por informar as instâncias competentes de que entregara a resolução do mesmo assunto nas mãos do seu ilustre bastonário.
Verificado o facto, se não estou em erro, em meados de Dezembro do ano findo, outro conhecimento, que eu saiba, houve acerca da matéria que não fosse o anúncio do aviso prévio.
2.º Quanto ao pretendido agravamento da crise da classe médica, não nos esqueçamos do seguinte: grande parte dos laboratórios de raios X e de análises clínicas foi instalada contando com os serviços a prestar aos subsidiados pela Federação.
Não se citam casos, mas são sobejamente conhecidos. E é elucidativo que, em 1949, os serviços radiológicos chegaram a absorver-se por cento da despesa total.
Em boa verdade, pois, a crise da classe médica não foi agravada por este motivo, antes pelo contrário.
3.º Antes de mais, quanto ao princípio, preconizado no aviso prévio, de que todos os médicos devem ter o direito de prestar serviço no seguro doença, refiro, por me parecer não ser descabida, a seguinte opinião, expressa no jornal O Médico, de 12 do corrente, em carta aberta ao Exmo. Sr. Dr. Cerqueira Gomes:

Todos os médicos devem prestar serviço no seguro doença. «Simplesmente V. Ex.ª esqueceu-se de que o seguro se limita aos econòmicamente débeis e que, ao pretender para todos os médicos o mesmo direito, deveria pedir a integração de toda a população no mesmo seguro. A fórmula deveria ser esta: todos os médicos para toda a população. Tal como V. Ex.ª pretende, passa a ser um benefício dado pelos módicos de situação económica difícil aos que não têm quaisquer dificuldades. É uma dádiva dos que (precisam aos que podem. Mas é, sobretudo, anu desprezo pelos direitos adquiridos e pelos concursos efectuados que define um sentido de justiça.

Esta é a opinião de um médico.

Quer-nos parecer que, um princípio, deve ser facultado a todos os médicos prestarem serviço no seguro doença. Mas harmònicamente com as ideias que defendemos, é indispensável que exista um determinado condicionamento e a competente fiscalização. Isto exige, evidentemente, uma inscrição prévia dos médicos que pretendam prestar tais serviços à Previdência, o que, aliás, tem sucedido.
Em relação ao direito que o segurado tenha de escolher o médico, é evidente que só poderá usá-lo dentro das naturais limitações, como sejam a natureza da doença, a localidade onde resida, o hospital ou casa de saúde onde se encontre internado, etc.
A liberdade do beneficiário não ficará assim mais cerceada do que está a de qualquer não beneficiário sem avultados meios de fortuna que lhe permitam gastar quantiosas somas com a sua doença. É que, para esses, a liberdade de escolha reside praticamente nas consultas externas dos hospitais ou das policlínicas.
Quanto à forma de retribuição ao médico, duas soluções têm sido adoptadas: o pagamento por vencimento, que, aliás, é o preconizado pelo ilustre autor do aviso prévio, e o de pagamento por acto médico.
A este respeito, e por elementos colhidos, verifica-se que, de 711 médicos que presentemente asseguram os serviços médico-sociais da Federação, 633 recebem vencimento e 78 são pagos por acto médico.
Simplesmente, tendo sido fixado um limite máximo para estes últimos, só três de entre eles o não atingiram. Isto demonstra que praticamente o sistema generalizado é o de pagamento por vencimento!

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Sr. Presidente: vou concluir: o que se apura anual de positivo deste aviso prévio?
Um desejo de aperfeiçoamento e de melhoria através de uma revisão, aliás já prevista e iniciada antes do anúncio do mesmo aviso.
Não se demonstrou - alegar não é demonstrar - que as linhas fundamentais não estivessem certas, que a execução não fosse a mais aconselhável em face das circunstâncias do tempo, das exigências, do Plano de Fomento em que o Governo se lançou e da necessidade comprovada de corrigir desvios e limitar gastos excessivos.
Se o Governo se propôs tomar para si certas actividades, papel que os particulares podiam desempenhar, foi só porque estas entidades individuais ou colectivas interessadas se não mostraram dispostas a fazê-lo.
Não se viu que fossem absorvidas pelo Estado actividades particulares ou livres e que este fosse além do seu papel orientador e supletivo.
Sempre se atendeu ao critério de uma tributação compatível com as possibilidades dos beneficiários e de um dispêndio comportável pelas receitas obtidas, sem se esquecer que a distribuição ou repartição não deveria absorver as possibilidades de uma capitalização para o futuro, nem esta, por demasiado excessiva, deixaria de respeitar aquela em devido grau.
Mas essa ânsia de aperfeiçoamento e de melhoria a que nos referimos, traduzida no aviso prévio do Sr. Deputado Cerqueira Gomes, é de todos, e não o é em menor grau, por certo, da parte do Sr. Ministro das Corporações.
Supérfluo será, pois, concluir por pedir a sua atenção para o problema e afirmar a confiança nas medidas que sejam reputadas necessárias ou convenientes.
Por mim, e em face do caminho percorrido neste sector da Administração, não cheguei bem a compreender o alcance do aviso prévio, nos termos em que foi formulado.
Salvo o devido respeito, pareceu-me mais uma questão tocante essencialmente a certo campo da classe médica, e num aspecto muito específico, do que a uma política da Previdência Social, tão extensa e ainda oscilante, como se compreende, e por isso tão melindrosa para que possa julgar-se terem-se encontrado as soluções seguras e definitivas.
Há que ser cauto e moderado.
Aliás tem sido essa a política seguida.
Podemos, julgo eu, continuar confiantes no estudo aturado, inteligência esclarecida, vontade construtiva e sã doutrinação do ilustre Ministro das Corporações, a quem tributo, ao terminar estas considerações, o preito da minha admiração, no que, estou certo, sou acompanhado .por esta Câmara, onde ele deixou bem vincados o acerto e o brilho das suas intervenções.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: quero começar a minha intervenção no debate por apresentar os meus cumprimentos e as minhas felicitações ao Dr. Cerqueira Gomes. Apresento-lhe os meus cumprimentos pela maneira como desenvolveu o seu pensamento sobre a matéria do aviso prévio, colocando-o numa altura digna de S. Exa...

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- ... e digna desta instituição.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Não lhe digo esta palavra a lembrar velho companheirismo nas lutas pelo mesmo ideal: digo-lha porque sinto que é verdadeira, mesmo que não tivéssemos tido o ensejo de nos encontrar na vida em pensamento e acção.
Cumprimento, portanto, pessoalmente V. Ex.ª E quero cumprimentá-lo ainda por ter trazido à Assembleia o ensejo de se fazer aqui um debate sobre um dos maiores problemas da vida moderna. Pela altura em que o debate foi feito, tudo correu depressa, mas tudo correu bem. Não se estranhará, creio, que ou distinga no conjunto do debate a bela peça - eu ia a dizer parlamentar, mas não sei se só parlamentar- que produziu nesta tribuna hoje o Dr. Abrantes Tavares.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Ninguém estranhará que eu, depois de referir de um modo geral a altura em que foi posto e em que decorreu o debate, tenha esta referência particular a respeito da oração do Dr. Abrantes Tavares.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Divergências de pensamento, quando se olha para o fundo do problema, não houve aqui. Houve divergências, afirmaram-se divergências de pensamento, menos quanto aos princípios dominadores da questão em debate do que quanto a formas particulares de execução desses princípios.
Não houve, dizia, divergências profundas de pensamento no que respeita às posições fundamentais do problema, mas, se as houvesse, isso não significaria que delas resultasse qualquer demonstração de menos consideração por aqueles que as tinham afirmado.
Estamos já num momento bastante avançado das relações de conveniência humana para não imputarmos a divergências de pensamento a marca de desatenção pessoal.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Por mim afirmo que, se gosto que concordem comigo estando convencidos de um pensamento igual ao meu, gosto, do mesmo modo, que discordem de mim quando não participem do meu pensamento.
Horrorizaria, o que não é possível nesta Casa, que alguém manifestasse concordância, quando no fundo discordava do pensamento afirmado. Creio mesmo que a afirmação de discordância é ainda uma afirmação de consideração pela pessoa de cujo pensamento se discorda.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Até aqui foi assim ... (risos). Agora também tenho de que me queixar. Nesta altura do debate já estamos todos bastante fatigados, e todos desejarão que eu acabe quanto antes ...
Não apoiados.
Esclareço o meu pensamento quando afirmava, há pouco, que também tinha de que me queixar. E tenho. É de que, se fosse indispensável fazer um discurso grande, para marcar uma posição parlamentar, eu, neste momento do debate, já não o podia fazer, porque a matéria para o preencher já, de um modo geral, foi aproveitada pelos oradores que intervieram no debate.
Não tenho, pois, só que cumprimentar, tenho também de que me queixar ...
Não tocarei então senão poucas questões, que, suponho, carecerão, ainda nesta altura do debate, de uma nota de esclarecimento.

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Farei uma primeira nota de esclarecimento ao problema posto pelo Sr. Deputado Cerqueira Gomes ao referir que há duplicação entre os serviços das caixas e os serviços da Federação, no que respeita à medicina.
Disse-o, e por forma impressionante. Quem não tenha cora a vida da Previdência uma convivência muito intima é inclinado a crer que há realmente uma duplicação nos serviços médicos das caixas e nos dos Serviços Médico-Sociais.
Entretanto, analisando bem as coisas, eu creio que não há, na verdade, duplicação, o vou dizer porque o creio.
Como VV. Ex.ªs não ignoram, e sabem mesmo melhor do que eu, as caixas tom uma multiplicidade de funções, umas já efectivas e em ser e outras em potência.
Tom como função: arrecadar as receitas; fiscalizar folhas de férias dos trabalhadores; pagar o subsídio na doença e na invalidez e, quando já for caso disso, as pensões de reforma; assegurar a identificação e registo dos contribuintes e dos beneficiários; inverter os capitais acumulados para efeito de reservas técnicas; e assegurar os serviços de acção médico-social.
As caixas federadas transferem para a Federação a sua acção médico-social. Não ficam por isso som função, porque têm do desempenhar todas as outras que apontei; e não há duplicação, porque a acção médico-social deixou de ser exercida por elas, para passar a sê-lo pela Federação.
Compreendo que se seja inclinado a pensar, em casos particulares, que, na verdade, há duplicação, principalmente quando as caixas mantiverem certos serviços médicos mesmo na área onde existem serviços da Federação.
Mantêm-nos, que eu saiba, em duas hipóteses. Uma é a de a acção médico-social da caixa se desenvolver, não simplesmente dentro do esquema de benefícios específicos da Previdência, mas também para além desse esquema.
Há caixas que têm também serviços de assistência, e, como estes serviços estão para além do esquema de benefícios próprio das caixas de previdência, não podem ser tomados pela Federação, devendo aquelas, para o exercício da sua acção assistencial, manter um ou outro médico.
Outra hipótese é a das chamadas, no calão dos serviços, «zonas brancas». É o caso, por exemplo, dos conserveiros.
A caixa está federada, e nas zonas de Lisboa e Porto transferiu para a Federação os seus serviços módicos; mas no Algarve, onde a Federação não tem serviços - é uma zona branca -, continua a caixa de previdência com os seus serviços médicos.
Isto dá-se com várias actividades e não significa, é claro, que haja propriamente, ao contrário do que afirmou o Sr. Dr. Cerqueira Gomes, uma duplicação.
Outra nota que desejo fazer respeita à questão da racionalização da medicina. Foi um problema dos que foram aqui largamente debatidos. V. Ex.ªs verão adiante porque é que, não obstante isso, entendo ainda dever falar nele. Eu não sei se alcanço bem o significado da fórmula «racionalização da medicina», usada pelo Sr. Dr. Cerqueira Gomes.
Vou dizer o que lhe atribuo, e peço ao Sr. Dr. Cerqueira Gomes que, se realmente não coincidir com o seu pensamento, me corrija.
Suponho que, quando se fala da escolha livre de médico, ninguém pensa em atribuir ao trabalhador o direito de escolher qualquer médico, seja qual for o estalão dos seus honorários. O que se quer dizer é que pode escolher qualquer clínico residente em determinada área e que se obrigou para com a Federação ou as caixas a prestar os seus serviços conforme determinada tabela.
Pode escolher livremente qualquer de entre os médicos da Federação.
Quando digo médico da Federação, quero dizer, na ordem de ideias em que me movo, de entre os médicos que aceitaram - é com repugnância que nesta matéria emprego a palavra preço - uma certa tabela de preços.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Se há tabela, esta é o primeiro momento de racionalização da medicina.
Agora podemos continuar. Há momentos de racionalização mais apertados e menos apertados, mas o dizer-se que os- trabalhadores podem escolher de entre os médicos que aceitaram determinada tabela corresponde a dizer-se que se está já num momento de racionalização da medicina.
Não vou agora discutir se a racionalização deve fazer-se mais larga ou mais aportada. Basta-me afirmar que estamos num primeiro momento da racionalização da medicina: só prestam serviços à Federação os que aceitaram determinada tabela.
Quem fixa a tabela?
Claro que a fixação da tabela pressupõe uma série de estudos ou trabalhos preliminares, direi mesmo, negociações preliminares.
Uma vez esclarecido o problema, considerados os elementos de informação que se julgaram necessários, fixa-se a tabela.
Se esta for aceita pelo número suficiente de médicos para se realizar o serviço, não há problema.
Ponhamos a questão no seu momento de crise: suponhamos que ninguém aceita a tabela.
Como proceder então?
Eu creio que mesmo num regime impecavelmente liberal se não deixaria, em matéria como esta, de intervir, ainda que contra os fundamentos em que assenta. No regime em que felizmente vivemos é-se, por virtude dos seus próprios fundamentos, obrigado a intervir: os serviços hão-de ser prestados; não importa agora determinar a forma.
Outra nota: vou referir-me ao esquema de benefícios sugerido pelo Dr. Cerqueira Gomes. Suponho que pude reter os seus números; não o afirmo, porque os ouvi ontem aqui e não tive tempo para os ler depois. Se me enganar, peço me corrijam.
Disse o ilustre Deputado Sr. Dr. Cerqueira Gomes que, uma vez que está votado por esta Assembleia e promulgado o Plano de Fomento, deve manter-se o sistema de capitalização na medida em que isso é exigido por este Plano. Simplesmente, para mostrar que o seu esquema de benefícios era possível não obstante o Plano, supôs que a contribuição que nele se pedia à Previdência era de 1 400 mil contos. Hás não é; é de 2 900 mil contos.
Compreende-se que se tenha deixado enlear pelos 1 400 mil contos, porque essa importância se refere no Plano como correspondendo aos investimentos a fazer directamente pela Previdência; mas, além destes, há mais 1 500 mil contos a colocar em títulos do Estado para financiamentos a fazer por este. Compreende-se que isto tenha escapado ao Dr. Cerqueira Gomes.

O Sr. Cerqueira Gomes: - Não me escapou. Simplesmente não queria ir para a gravidade dessas afirmações. Então o que está no Plano deve ser posto ao contrário.

O Orador: - Mas V. Ex.ª reconhece que não estou a raciocinar precipitadamente.

O Sr. Cerqueira Gomes: - Isso é outra coisa. Se o que aparece em nome do Estado há-de sair da Previ-

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dência, então não seriam 1 400 mil contos, mas sim 3 milhões.

O Orador:- Pois é isso mesmo.

O Sr. Cerqueira Gomes: - Mas eu não fui até onde V. Ex.ª foi...

O Orador:- Na ordem de considerações que V. Ex.ª produziu ontem, estavam bem os 250 mil contos de capitalização; mas, como as coisas não se passam assim, como o que o Plano pede à Previdência são 2 900 mil contos, e não 1 400 mil, é preciso capitalizar 500 mil contos por ano.

O Sr. Cerqueira Gomes: - Folgo com a declaração de V. Ex.ª

O Orador:- Então agora continuo. A verba que eu referi vem lá no Plano de Fomento.

O Sr. Cerqueira Gomes: - Como V. Ex.ª a apresentou não vem.

O Orador:- Diz-se lá que é à Previdência que se vai buscar essa verba.

O Sr. Cerqueira Gomes: - O Estado aparece lá com capital dele, mas, atinai, desses 3,5 milhões de contos, 1,5 vão-se buscar à Previdência.

O Orador:- Nesta Assembleia esclareceu-se bem onde o Estado vai buscar os meios de fazer os financiamentos. Portanto não temos dúvidas a esse respeito.
Isto é suficiente para mostrar que não podemos organizar o esquema de benefícios tal como o desenhou aqui o Sr. Deputado Cerqueira Gomes.

O Sr. Cerqueira Gomes: - Mas se as coisas têm de ser assim, não discutamos mais.

O Orador:- Se V. Ex.ª me consente, desejo considerar outro aspecto. O esquema, como V. Ex.ª o desenhou, apresenta-se assim: doença, invalidez e subsídio por morte, 9,5 por cento; reforma, 3,5.
Não considero já a questão no aspecto do Plano de Fomento, mas independentemente dele.

O Sr. Cerqueira Gomes: - Muito bem.

O Orador:- Administração, 0,5 por cento. Não vou distinguir agora o problema da administração.
O esquema vigente atribui para a reforma 6-7 por cento. V. Ex.ª 3,5.
Ora a reforma baseada na percentagem actualmente prevista é uma reforma pobre, que teoricamente, ao fim de quarenta anos de trabalho, atribui 80 por cento dos salários. E digo teoricamente porque, ao que me informaram, efectivamente pouco se ultrapassarão os 60 por cento.
Então em que condições ficariam amanhã os reformados se fizéssemos baixar a percentagem a aplicar à reforma de 6 ou 7 por cento para 3,5 como V. Ex.ª sugere? Suponho que a simples aproximação destes números é bastante elucidativa.
Mas eu pergunto ainda: que estudos há sobre essa matéria? Poderemos, na verdade, antes de se estudarem todos os reflexos que ela traria em relação ao estado actual, aceitar uma sugestão dessas?
Aqui têm VV. Ex.ªs as questões essenciais que, não obstante o debate, julguei de certa utilidade esclarecer.
Tenho ainda aqui uma nota final: o interesse dos trabalhadores.
Com ela queria aludir a que quem está na posição de ter de resolver e administrar tem de procurar permanentemente administrar e resolver de modo a dar maior soma de benefícios aos trabalhadores.
Para isso tem de procurar as fórmulas que, sem quebra da justiça, conduzam a mais forte economia.
Procurando-as assim trabalha como deve trabalhar, e não no intuito de agravar qualquer classe; defende apenas os interesses que nós todos desejamos ver defendidos - os interesses dos trabalhadores.
Não trabalha ad odium ou em espírito de ser desagradável a qualquer classe e, designadamente, à classe módica, classe à qual não quero, ao terminar, deixar de afirmar o maior respeito e que não deixa de ficar igual a si mesma pelo facto de como sucede em todas as classes, alguns daqueles que a compõem aparecerem manchados de nódoas que sempre caem em quem não observa a moral da profissão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-E é saudando-a na pessoa do seu bastonário...

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-... que quero, a terminar, saudar outra vez o Dr. Cerqueira Gomes. Tenho dito, Sr. Presidente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cerqueira Gomes:- Sr. Presidente e Srs. Deputados: quero agradecer as palavras bondosas e amigas que aqui me foram dirigidas por todos os ilustres Deputados que participaram neste debate.
A todos afirmo a minha maior gratidão.
Deixem-me, em todo o caso, que destaque aqui o Prof. Mário de Figueiredo; primeiro, pela ternura verdadeiramente emocionante com que se me dirigiu; segundo, porque nela evocou uma velha camaradagem nossa, de lutas e de acção.
Venho, como o Prof. Mário de Figueiredo, de unia velha trincheira, e pertenci, como ele, a uma geração académica, doutrinária, afirmativa, idealista, cheia de fé, geração de que faziam parte Sala/ar, Cerejeira, Dinis da Fonseca, Mário de Figueiredo e tantos outros que ainda vivem pelo País ou que a morte já levou.
Bons tempos de luta. Apetece recordá-los hoje. Recordar horas como as daquela célebre sessão da Acção Católica do Porto, em que falámos o Prof. Salazar e eu; ainda estou a vê-lo na sua batina de estudante, desenvolvendo a formosa sucessão de raciocínios que já faziam dele nesse tempo o nosso melhor doutrinário; estou a ver a sala invadida pelo Grupo Civil da Vitória, a quebrar as cadeiras e a maltratar as pessoas, aos vivas à liberdade.
Estou a ver aquela reunião da Juventude Católica que realizámos, há trinta e cinco anos, em Viseu, e na qual falámos Salazar, Zusarte de Mendonça, Mário de Figueiredo e eu e em que na madrugada seguinte eu tinha de fugir à pressa porque os liberais da terra - assim diziam os jornais - tinham ido pedir ao governador civil a minha prisão, em nome da liberdade de opinião.
Foi o seu fermento que deu aquela massa de cadetes que Sidónio Pais levou para o Parque Eduardo VII. E depois o punhado de bravos de caçadores n.º 9 que em Braga se levantou no 28 de Maio. Todos dessa geração.

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Muito obrigado, Sr. Prof. Mário de Figueiredo, pelas suas palavras. Tenho o maior prazer, a maior alegria em afirmar neste lugar a minha grande considerarão pela sua inteligência, pelo sou aprumo, pela dignificarão que traz a esta Casa a sua inteligência brilhantíssima.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Não tenho propriamente que responder às pessoas que intervieram neste debate. Afinal entre nós há questões de pormenor e a diferença de pormenor, de um modo ou do outro de realizar, não é diferença pela qual valha a pena estar a terçar armas.
Só se o Sr. Prof. Mário do Figueiredo me permito, como me pediu, para concretizar o problema da liberdade de escolha do médico, eu farei meia dúzia de linhas, onde me parece que o problema é posto de maneira a elucidar convenientemente VV. Ex.ªs
A medicina coloca a liberdade de escolha do médico dentro do condicionalismo das outras liberdades de escolha; não a crê ilusória só porque o doente não pode escolher do entre todos os médicos do Mundo ou de entre todos os médicos do País; considera-a real, electiva, quando o doente vai até ao médico que, por uma ou várias razões psicológicas, escolheu do entre os que estavam ao alcance da sua escolha.
E é esta razão ou razões psicológicas que interessam à medicina; é a sua existência e a sua importância como factor activo, de real actuação no jogo terapêutico, que a medicina quer defender.
O essencial é que o doente chegue ao médico com ambiente interno de confiança; nos lugares em que há vários médicos, chega melhor se pode ir até àquele que preferir; onde há só um médico, também chega em bom ambiente, porque a sua confiança está livre de querelas.
E depois disto passaria a ter de responder à elucidação que o Sr. Ministro das Corporações mandou a esta Câmara. No sentido perfeito das minhas responsabilidades, entendo que não devo responder. Nesta elucidação são gastas algumas páginas a procurar demonstrar à Câmara e ao País que é difícil encontrar uma linha contínua de ideias minhas e que através destes anos, nos problemas que pus à Previdência, há mais do que flutuação: há verdadeiras contradições.
Eu podia, se lesse os textos donde foram desarticuladas essas passagens, demonstrar o contrário. Hás renuncio a fazê-lo, e renuncio pelo respeito que me deve a função. A função não é património de um homem; está para cima dos homens. Qualquer Deputado teria o direito de se sentir, e eu também me sinto, porque, além de tudo, repito, venho da velha trincheira, tenho servido o regime o melhor que sei e posso, e saio desta tribuna, como sempre tenho estado, com as mãos limpas de pedir e vazias de receber.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Dou por encerrado o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Cerqueira Gomes.
Vou encerrar a sessão. A próxima será na segunda-feira dia 23, às 10 horas e 30 minutos, tendo por ordem do dia o debate sobre as Contas Gerais do Estado e as contas da Junta do Crédito Público, que já estava marcado para a sessão de hoje, a apreciação do Protocolo adicional ao Tratado do Atlântico Norte, que já tem parecer da Câmara Corporativa, e o projecto do Sr. Deputado Abel de Lacerda, que altera o artigo 5.º do Decreto n.º 38 906 (defesa da riqueza do nosso património artístico).
Está encerrada a sessão.

Eram 21 horas.

Sr s. Deputados que entraram durante a sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Calheiros Lopes.
António Cortês Lobão.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António de Sousa da Câmara.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira. Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José Dias de Araújo Correia.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel França Vigon.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Tito Castelo Branco Arantes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
António Bartolomeu Gromicho.
António Júdice Bustorff da Silva.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Sousa Meneses.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Vasco de Campos.

O REDACTOR - Luís de Avillez,

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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