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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 226

ANO DE 1953 24 DE MARÇO

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 226 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 23 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão das 10 horas e 45 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 221.
Usou da palavra o Sr. Deputado Jacinto Ferreira.

Ordem do dia. - Iniciou-se a discussão tias Contas Gerais ao Estado e das contas da Junta do Crédito Público da gerência de 1951.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Mendes do Amaral, Vaz Monteiro, Manuel Domingues Basto e Matos Taquenho.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 13 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 10 horas e 35 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Calheiros Lopes.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.

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Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 49 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 10 horas e 45 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.º 221 do Diário das Sessões.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Não havendo nenhum Sr. Deputado que peça a palavra sobre este número do Diário, considero-o aprovado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Jacinto Ferreira.

O Sr. Jacinto Ferreira: - Sr. Presidente: num destes últimos dias já, portanto, quase no termo da actual legislatura - foi enviada a esta Assembleia uma representação da autoria do capitão de artilharia, com o curso do Estado-Maior, Jorge Faro Valadas, actualmente a cumprir pena de prisão no Forte da Graça, em Elvas.
Foi enviada cópia desse documento, individualmente, a cada um dos representantes da Nação, e eu, sem pretender formular juízo definitivo sobre as alegações do impetrante, não posso nem quero ocultar que elas mo impressionaram vivamente, como pessoa de consciência e de formação cristã.
Não pretendo - até porque não me é lícito - fazer qualquer referência à situação do impetrante, porque só os órgãos judiciais são para isso competentes, mas na sua exposição há aspectos puramente afectos à Administração, que me levaram a pensar não ficar mal acusar a sua recepção com uma palavra de conforto moral, em homenagem às leis da humanidade e da caridade.
Procurei averiguar de quem se tratava e verifiquei que, anteriormente a ter caído em desgraça, o capitão Jorge Faro Vaiadas era considerado «um oficial muito distinto, profissional competentíssimo, de excepcional envergadura militar, mental e moral» e também «um oficial brilhantíssimo, com excepcionais qualidades de inteligência e de trabalho, um verdadeiro chefe, um grande carácter, muito brioso, de uma lealdade cavalheiresca, com o culto fervoroso da honestidade, de inexcedível correcção e apurados escrúpulos, de um aprumo e dignidade inquebrantáveis nas suas atitudes, com manifestações contínuas de patriotismo e dedicação ao Governo, etc., etc. tudo menções que honram a sua folha de serviços.
E mesmo na prisão tem mantido uma atitude de dignidade e de fidelidade aos seus princípios morais e religiosos que não pode deixar de ser encarada com respeito e simpatia.
Porque cumpriu já mais de metade da pena de seis anos que lhe foi aplicada, apela, como coisa justa e legal, para a benevolência de uma libertação provisória e condicional.
E apela ainda para que, com vista à revisão, que intenta promover, do seu processo, lhe sejam fornecidos determinados documentos para isso indispensáveis.
Atrevo-me, Sr. Presidente, a formular o voto de que o seu apelo seja ouvido, na medida do possível, pelas entidades a quem, conjuntamente, a referida representação foi enviada, e resolvido dentro de um critério de justiça, generosidade e apaziguamento, que, decerto, está no espírito de todos os que neste caso intervieram ou foram chamados a intervir.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - A ordem do dia consta, na sua primeira parte, da discussão das Contas Gerais do Estado e das contas da Junta do Crédito Público da gerência de 195l.
Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Mendes do Amaral.

O Sr. Mendes do Amaral: - Sr. Presidente: a apreciação da Conta Geral do Estado é cometida à Assembleia Nacional pela alínea 3.ª do artigo 91.º da Constituição Política da República Portuguesa, promulgada em 1933, alínea essa que desde a revisão constitucional de 1951 passou a incluir também, na competência desta Assembleia, a apreciação das contas da administração das províncias ultramarinas.
O que significa, em verdade, esta expressão «tomar as contas», que se encontra no texto constitucional?
Na legislatura antecedente e na sessão de 19 de Março de 1948 o nosso ilustre colega Doutor Águedo de Oliveira, actual Ministro das Finanças e ao tempo presidente, em exercício, do Tribunal de Contas, com a alta competência que lhe advinha, não sómente desta última qualidade, mas também do facto de ser um eminente doutorado em ciências jurídicas, forneceu-nos, através de um primoroso discurso, repleto de conhecimento da matéria, a resposta adequada a esta pergunta, contribuindo para desfazer dúvidas, confusões e incertezas que no meu espírito, como talvez no de muitos outros colegas sem formação jurídica como eu, pairavam como nuvens obscurecedoras do verdadeiro sentido da disposição constitucional que acima citei.
Com efeito, segundo a doutrina expendida no discurso do nosso ilustre colega, a apreciação da Conta Geral do Estado pela Assembleia decorre logicamente da disposição da alínea 4.º do mesmo artigo da Constituição, segundo a qual a Assembleia confere ao Governo unia autorização que se traduz numa procuração de ampla, total, libérrima administração.
Sob a égide desse amplo mandato, o Governo organiza e decreta até 31 de Dezembro de cada ano o plano orçamental da cobrança, das receitas e da sua aplicação em despesas e nem sequer à rigidez da execução desse plano o próprio Governo fica manietado, porque pode durante o ano, sem qualquer intervenção da Assembleia, ao longo e ao jeito da gestão dos negócios públicos, alterá-lo completamente, mediante a publicação de decretos simples ou decretos-leis, reforçando ou anulando verbas de receita ou de despesa previstas, por forma que o panorama final da Conta Geral do Estado em muito pouco se parece com o que ficara esboçado no Orçamento.
A apreciação desta Conta pela Assembleia não pode, portanto, ser uma espécie de conferência ou confronto contabilístico entre o que foi orçamentado e o que foi cobrado e dispendido, porque isso nada significaria, nem pode também ser uma fiscalização da legitimidade das contas, isto é, da harmonia entre as receitas processadas leis que autorizam a sua percepção e entre

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as despesas liquidadas e os diplomas legais que igualmente as devem autorizar, porque esta é precisamente uma das funções orgânicas do Tribunal de Contas e o relatório deste Tribunal é um elemento informador para esta Assembleia, que a auxilia na formação do seu juízo político sobre a gestão administrativa.
Por exclusão de partes temos então que a função da Assembleia Nacional na apreciação das contas públicas é uma função meramente crítica, dentro da qual, aliás, se pode movimentar com a amplitude que vai desde o exame dos princípios de doutrina financeira que informam aquelas leis a que me referi, criadoras de receita, e de despesa, as primeiras principalmente, por serem as que melhor traduzem O sentido de uma determinada política económica ou social, até à apreciação, digamos, académica das repercussões da execução do orçamento sobre o conjunto da vida nacional ou às anotações e apontamentos, como se usa dizer, sobre os reflexos locais ou regionais de tal ou tal empreendimento da iniciativa do Governo ou de iniciativa particular por ele autorizada.
Quanto a doutrina financeira, os princípios nítidos, claros e indiscutíveis que nos têm orientado e que deverão continuar a orientar-se são os que se extraem das lições iniciais do Sr. Presidente do Conselho desde que, em 27 de Abril de 1928, se dispôs a tomar sobre si a pesada tarefa de refazer desde os alicerces o arruinado lar dos Portugueses e as regras da sua aplicação ficaram também desde logo estabelecidas no acto da sua posse de Ministro das Finanças e nas declarações públicas que se lhe seguiram, numa das quais, o memorável discurso de 30 de Julho de 1930, se lêem, estas palavras:

O Poder Executivo, exercido pelo Chefe do Estado, com os Ministros nomeados livremente por ele, sem dependência de quaisquer indicações parlamentares, tem por missão governar com o direito; cabe-lhe a obrigação e a responsabilidade de manter a exigência e a honra da Nação, de assegurar a ordem e tranquilidade publicas, cumprir e fazer cumprir as leis, prover a tudo o que seja indispensável para a conservação e funcionamento do Estado. Para isso é forçoso ser tão independente e tão legítimo representante da Nação como o Poder Legislativo.

Estas palavras, as últimas principalmente, constituem para mim a raiz de direito público donde dimanam todas as atribuições consignadas na Constituição ao órgão de soberania que ao tempo se chamava o Poder Executivo e que hoje, constitucionalmente e com muito mais propriedade; se designa por Governo.
É certo que a nossa Constituição outorga por igual ao Governo e à Assembleia Nacional a iniciativa da lei, mas a complexidade actual da administração de um Estado importa para a gestão dos negócios públicos uma tecnicidade de que sómente os governos podem dispor através da colaboração próxima e permanente, dos serviços.
Este organismo de que fazemos parte, e que antigamente se designava por Poder Legislativo, foi perdendo de facto, e menos pelas disposições constitucionais do que pela sua própria índole de Assembleia representativa, as condições mínimas indispensáveis para exercer convenientemente aquilo que foi no passado a sua prerrogativa essencial: a elaboração das leis reguladoras desta complicada e febril combinação de movimentos de astronomia económica em que se converteu a vida moderna das nações.
Eis porque, Sr. Presidente, entendo que o que resta a esta Assembleia para a sua colaboração com o Governo na administração dos negócios públicos se devo
resumir àquela função de exame crítico a que atrás me referi.
Ao entrar, portanto, no exercício desta função, devo, coerentemente, limitar-me a considerações de carácter bastante genérico e ao apontamento de algumas dúvidas, certamente infundadas, que o estudo perfunctório das Contas e do respectivo parecer me suscitou. E quero aproveitar o ensejo para declarar que teria de me movimentar como um cego dentro da floresta de números cada ano mais densa e emaranhada se não tivesse a guiar-me o luminoso farol que é o parecer da nossa Comissão de Coutas, para cujos componentes, e em especial para o seu ilustre relator, quero aqui deixar exarada uma palavra de muito louvor o de muita gratidão pelo serviço que nos presta o mérito insuperável do seu minucioso trabalho.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - No mesmo encómio envolvo o magnífico relatório justificativo da declaração de conformidade do Tribunal de Contas: trabalho, na verdade, elaborado com tal clareza e com tal método que em nenhum outro poderíamos encontrar mais assimilável explanação da vida financeira do Estado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A propósito da publicação do último censo da população nacional continental e insular, apresenta-nos este ano o parecer das Contas um valioso estudo da evolução provável dos dois factos económicos tão relacionados: aumento da população e aumento dos recursos alimentares, concluindo por declarar que não é satisfatória a situação actual nem a que se prevê para o futuro próximo.
A acuidade do problema não é de hoje; vem de muito longe, não tem escapado à atenção dos nossos estadistas e nem mesmo é peculiar deste canto da Europa Ocidental. O que é difícil é encontrar-lhe a solução adequada e tranquilizadora, mormente tratando-se de um país, como o nosso, que na parte continental e insular não dispõe já de grandes possibilidades de aumento da produção alimentar. Aceita-se que outros recursos podem ainda ser extraídos do solo, permitindo, directa ou indirectamente, assegurar a mantença de muitos milhares de famílias: há minérios valiosos a extrair do subsolo, há a possibilidade de triplicar ou quadruplicar a produção florestal do País, mas o grave é que todo este incremento marcha com uma velocidade muito inferior ao do crescimento da população. Por muitos anos, talvez para sempre, continuará a caracterizar a economia do Portugal continental a alta percentagem da produção absorvida pelo consumo público e particular (87 por cento) e a reduzida percentagem reservada a poupança e formação de novos capitais de investimento. Há-de ser possível uma certa melhoria, mas não sòmente pelo melhor aproveitam unto do subsolo e pela criação de massa florestal: aumentando a produtividade do Sul do País, não apenas com a acção dos agentes físicos e químicos, mas também com a modificação do regime agro-social.
E evidente a vantagem de estimular e criar condições para a poupança individual, formadora de capital de novos investimentos de iniciativa particular, cujo contributo para o enriquecimento nacional é ainda superior ao das obras de fomento da iniciativa do Estado. E este facto económico tem íntima ligação com o melhor ou pior funcionamento do sistema tributário.
Como habitualmente, ao entrar propriamente no estudo dais Contas, o parecer deste ano reedita a compa-

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ração das receitas dos vários anos antecedentes, referidas ao índice actual do custo da vida, e desse estudo se extrai a conclusão de que em 1951 o encargo tributário do País foi ainda ligeiramente inferior em valor real ao da média da década anterior à última guerra mundial. Com efeito, enquanto o índice do encarecimento da vida entre 19-38 e 1951 foi da ordem dos 270, a soma dos impostos directos, indirectos e taxas em 1951 foi de 2,42 vezes a de 1939.
Ora as estatísticas mostram u evidência que, por exemplo, só a produção agrícola aumentou em quantidade 40 por cento entre 1938 e 1951, e, se juntarmos este aumento ao dos preços, verificamos que o rendimento bruto ida produção agrícola deve ter sido, em escudos de 1951, 3,8 vezes superior ao de 1938. Paralelamente ao incremento da produção agrícola, é natural que se tenham desenvolvido as actividades transformadoras e comerciais do País, e, de facto, nós constatamos nas estatísticas financeiras que as médias de circulação fiduciária nos anos de 1938 e de 1931 estão entre si na relação de 1 para 3,94.
Porque neste espaço de tempo não houve modificação substancial no nosso sistema tributário, compreende-se fàcilmente que a folga de recursos sobrantes se tenha revelado, de norte a sul do País, na proliferação prodigiosa de investimentos particulares, em construção civil, em novas indústrias e em melhoramentos fundiários agrícolas.
Nós podemos efectivamente considerar-nos hoje, em relação ao resto do Mundo, um país privilegiado, não apenas de clima meteorológico, mas também de ameno clima fiscal.
Todavia, Sr. Presidente, embora pareça paradoxal, eu afirmo que temos necessidade de modificar o nosso sistema tributário no sentido de uma actualização que, instituindo uma melhor distribuição, uma mais justa repartição do imposto, promova simultaneamente uma produtividade adequada ao nível actual das nossas actividades.
Já tive ocasião de o dizer, uma vez pelo menos, deste lugar: o sistema fiscal instituído em 1929 foi nessa altura a máquina perfeitíssima adequada às circunstâncias do momento que permitiu lançar os firmes alicerces da nossa reconstrução financeira. Mas nesse momento pôs-se de parte o princípio de que a tributação devia incidir sobre a realidade dos factos tributários, para se adoptar o princípio de que deveria incidir sobre a normalidade desses factos.
Na ocasião o sistema foi considerado duro, pesado; mas foi-o efectivamente muito menos do que se supunha, e hoje, passados vinte e cinco anos, a realidade dos factos tributários ultrapassou em muito a pressuposta realidade de 1929; verifica-se por isso hoje uma grande defasagem entre a actualização dos rendimentos e a incidência tributária. Mas o problema só poderá vir a ser satisfatoriamente resolvido depois de concluído o cadastro geométrico da propriedade rústica e do apuramento de outros rendimentos nacionais.
Não se contesta nem a estrutural produtividade do sistema, apontada pelo ilustre Ministro das Finanças nas conclusões do seu relatório sobre a Conta Geral do Estado, nem outras qualidades intrínsecas e aproveitáveis do sistema; o que se deseja é o aumento dessa produtividade em paralelo mais exacto, mais real, com o aumento do rendimento nacional.
Concretamente e sem pretender embrenhar-me no estudo minucioso das modificações que julgo necessárias, limito-me a formular o desejo de que apareçam quanto antes os trabalhos das comissões de direito fiscal e de técnica fiscal, instituídas em 1951, e de que eles possam vir à apreciação desta Assembleia, quando mais não seja em homenagem a velha e essencial prerrogativa da representação nacional de poder dizer da sua justiça em matéria de sistemas tributários.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A actualização desejada para a produtividade dos impostos deveria elevar o nível das receitas dos capítulos 1.º, 2.º, 3.º e 4.º do Orçamento para cerca de 5 milhões de contos, porque é para este nível que terão de subir as chamadas a despesas correntes da Administração » no dia em que se quiser remunerar condignamente o funcionalismo público e dotar convenientemente os serviços.
Estas despesas correntes, segundo se lê a p. 87 do parecer das Coutas, apenas subiram em 1951 a 2,15 vezes as de 1938. Se se reparar que o índice do agravamento dos preços entre estes dois anos foi, como já vimos, 270; que neste espaço de tempo a criação de novos serviços públicos elevou o pessoal dos quadros de pelo menos, 20 por cento (faço esta afirmação com todas as reservas, pois não consegui apurar o número de funcionários existentes em 1938 e em 1951), e que o aumento de vencimentos ao funcionalismo teve o factor médio 1,8 - pode fazer-se uma ideia de como tem vivido a maioria dos funcionários e dos serviços, com as suas remunerações e dotações respectivamente, comprimidas ao máximo.
É uma situação que tem de ser encarada a sério e com urgência, e por isso se aguardam também com ansiedade os resultados do trabalho da comissão ultimamente nomeada para estudar as medidas atinentes a obter melhor eficiência dos funcionários e melhor rendimento dos serviços com uma possível redução no número de unidades de trabalho.
É evidente, Sr. Presidente, que tem sido em parte à custa desta angustiosa situação dos funcionários e dos serviços que se têm conseguido os avultados excedentes da receita ordinária com que tem sido possível financiar a quase totalidade das despesas extraordinárias nos últimos anos.
O caso de 1951 pode mesmo considerar-se um caso de «ponta máxima», como se diria em linguagem electrotécnica, que aliás talvez venha a ser superada em 1952: para um total de 5 604 693 contos de despesas ordinárias e extraordinárias concorreram as receitais ordinárias com 5 527 201 contos: a diferença foi coberta com o recurso a 125 540 contos de receita extraordinária, de que aliás só se utilizaram efectivamente 77 492 contos, visito que se verificou um excedente final de 48 048 contos. Situação admirável, na verdade, situação indiscutivelmente brilhante se não a ensombrasse a mancha atrás apontada do regime de insuficiência de dotações e de remunerações do funcionalismo em que temos vivido ùltimamente.
E já agora, a respeito de receitas e despesas extraordinárias, umas ligeiras observações em matéria de previsão orçamental:
Orçamentaram-se em 30 de Dezembro de 1950 receitas extraordinárias do montante de 618 004 contos; verifica-se pelo exame da Conta Geral do Estado que aquela verba de previsão orçamental foi sendo elevada até 1 098 235 contos por sucessivos e numerosos decretos publicados durante o ano; previram-se no orçamento quatro fontes de receita extraordinária: amoedação, saldos de anos económicos findos, fundo de contrapartida do Plano Marshall e venda de títulos, e constata-se que, afinal, apenas foram utilizados 63 207 contos cio fundo Marshall e 62 333 contos de venda de títulos, sem que se tenha utilizado a receita da amoedação, nem se tenha tocado nos saldos de anos económicos findos. Paralelamente, a previsão da despesa extraordinária foi subindo de 911 005 contos para 1 405 142, dos

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quais se gastaram efectivamente 1 235. Porquê e para quê tão grande disparidade entre o plano da previsão e o quadro da sua execução?
No orçamento não estava previsto qualquer subsídio do Tesouro ao Fundo de Fomento Nacional, mas os Decretos n.º 38 339, de 13 de Julho, e 38 404, de 16 de Agosto de 1951, terminaram a entrega àquele Fundo de um total de 214 000 contos, entrega que efectivamente se deu, como consta das contas do próprio Fundo, mas que não figura como receita liquidada no mapa final da Conta Geral do Estado. Porquê? Como se realizou então esta avultada importância.?
É certo que, por outro lado, as contas da Junta do Crédito Público revelam um aumento de 650 000 coutos na dívida pública efectiva, o que é confirmado a p. 24 do relatório do Ministro das Finanças que antecede a Conta Geral do Estado, mas no final dessa página lêem-se as seguintes palavras, que só contribuem para obscurecer o meu espírito a este respeito:

A situação geral da dívida pública no fim do ano de 1951 encontrava-se afectada com 650 000 contos, correspondentes aos títulos colocados no decurso daquele ano, dos quais 100 000 contos são do empréstimo de renovação da marinha mercante, cujos encargos têm compensação em receita. A diferença respeita a certificados da dívida pública, nos termos do Decreto-Lei n.º 37 440, de 6 de Junho de 1949 (250 000 coutos), e ao empréstimo amortizável de 3,5 por cento de 1951 (300 000 contos).
Dos 550 000 contos acima referidos apenas 62 000 foram, aplicados na cobertura de despesas extraordinárias, estando, pois, a diferença englobada no saldo da conta do produto da venda de títulos, que - convém mais unia vez acentuar - mantém por ora apenas significado numérico, pois não se julgou ainda conveniente proceder à regularização das operações relativas à aplicação que se fez do produto da venda de títulos para reembolso da dívida flutuante do período anterior a 1928, problema este a que se fez especial referência no relatório da conta de 1939.

Simplesmente, da leitura desta referência não se descortina a razão da conveniência de protelar por mais tempo a regularização de um assunto que pende desde antes de 1928 e ao qual parece agora ligar-se uma operação de crédito público da ordem dos 300 000 contos.
E no já citado relatório das contas da Junta do Crédito Público lê-se ainda, a respeito do empréstimo de 300 000 contos em obrigações do Tesouro de 3,5 por cento:

Emitida em 27 de Março de 1951 a respectiva obrigação geral, no valor total nominal de 300 000 contos, foi a mesma, uma vez obtido o voto de conformidade da Junta e o visto do Tribunal de Contas, publicada no Diário do Governo n.º 74, 2.ª série, de 31 de Março do mesmo ano.

Confiados à Junta do Crédito Público os serviços da emissão, representação e administração do empréstimo, procedeu-se oportunamente ao desdobramento da referida obrigação geral em 30 000 títulos de 10 obrigações, ao portador, do valor nominal de 10.000$ cada, os quais foram entregues à Fazenda Pública.

A referência acidental ao Fundo de Fomento Nacional despertar-me-ia o desejo de me ocupar um pouco deste palpitante assunto dos fundos autónomos. Mas não me julgo autorizado a abusar por mais tempo da paciência dos que me escutam. Limitar-me-ei a recordar que ao votar a Lei de Meios para 1951 esta Assembleia aprovou a seguinte moção:

A Assembleia Nacional dá o seu incondicional apoio às medidas enunciadas no artigo 18.º da Lei de Meios em discussão e formula o voto de que, em ampliação dessas medidas, o Governo adoptará as necessárias para assegurar a revisão prévia do Ministro das Finanças aos orçamentos dos organismos autónomos ou dotado de simples autonomia administrativa e aos fundos de administração autónoma, por forma a integrar os respectivos orçamentos nas mesmas regras que presidem à elaboração do Orçamento Geral do Estado e a harmonizar as respectivas previsões com as possibilidades económicas do exercício a que se refiram.

Sobre este assunto perfilho, e por isso traslado para as minhas considerações, incorrendo num plagiato que só traduz a minha absoluta concordância com eles, os comentários que o relatório do Tribunal de Contas produz nesta matéria:

Vem de longe o problema abordado na moção e encarado na Lei de Meios, pois já o Decreto n.º 15 465, de 14 de Maio de 1928, no alvor das reformas financeiras, estabelecia que «sem prévio acordo do Ministro das Finanças não poderão de futuro ser criados quaisquer fundos especiais nem administrações autónomas de serviços públicos com receitas e despesas independentes» (artigo 20.º), estabelecendo o artigo 13.º que o todas as receitas e despesas dos serviços públicos, estejam ou não sujeitos a administrações autónomas e haja ou não fundos especiais que lhes sejam destinados, serão incluídas no Orçamento, exceptuando-se apenas as de estabelecimentos financeiros do Estado ....
Aos fundos se referiu expressamente o relatório deste Tribunal sobre a Conta de 1948, notando-se que eles se haviam constituído «por uma razão política ou social, designadamente o Fundo de Desemprego, o Fundo Nacional de Abono de Família e o Fundo do Socorro Social, constituindo mesmo alguns uma medida de emergência, resultante de malefícios nascidos com a guerra e supervenientes, como seja o Fundo de Abastecimentos. Foram criados pela dura lei da necessidade, sendo alguns o único instrumento de luta em situações que se afiguravam inelutáveis».
E mencionaram-se aí:

Fundos que constituem serviços com autonomia, como o Fundo Especial de Caminhos de Ferro, cujo desenvolvimento de receitas e despesas consta do Orçamento Geral do Estado;
Fundos administrados por serviços do Estado, constando as respectivas receitas e despesas do seu orçamento;
Fundos administrados por serviços autónomos e integrados nas suas contas;
Fundos com administração autónoma cujas receitas e despesas estão fora do Orçamento Geral do Estado;
Fundos que não prestam contas, embora sejam administrativamente fiscalizados.

Sem tomar parte na vasta discussão doutrinária que se levanta quanto aos fundos especiais, sua heterogeneidade, multiplicidade e autonomia, apenas aqui registaremos o seu desenvolvimento depois daquele relatório.

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No parecer da Câmara Corporativa sobre a Lei de Meios em apreciação se publicou uma longa relação desses fundos (63).
O decreto ornamental declarou que os princípios clássicos da unidade e universalidade deviam ser aplicados aos fundos e autonomias excessivos depois de a Lei de Meios ter tomado a posição em referência.

Termino, Sr. Presidente, dando o meu voto de concordância às conclusões do parecer da nossa Comissão de Contas Públicas, mas não sem deixar aqui formulado o meu veemente desejo de que vamos regressando prudentemente à pureza das grandes regras de administração financeira proclamadas por Salazar, designadamente ao respeito pelos princípios da unidade e universalidade do Orçamento Geral do Estado, ao rigor e à clareza das contas públicas; e, como deve ser essa - e nem podia ser outra - a orientação do actual Ministro das Finanças, daqui lhe envio, com as minhas homenagens, os meus sinceros votos de que os seus esforços nesse sentido sejam coroados de êxito, a despeito de todas as resistências e de todos os entraves que os homens e os acontecimentos queiram projectar no seu caminho.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Vaz Monteiro: - Sr. Presidente: a nossa Comissão de Contas Públicas elaborou o seu 15.º parecer sobre as Contas Gerais do Estado, relativas ao ano económico de 195L. 15 um trabalho extenso, pormenorizado e, sobretudo, valioso, pelas conclusões a que chegou, pelos ensinamentos e advertências que nele se contêm.
Daqui dirijo as minhas felicitações à Comissão de Contas Públicas e ao seu relator, o nosso ilustre colega Sr. Engenheiro Araújo Correia, pelo seu notável e exaustivo trabalho.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Termina o parecer sobre as Contas por nos mostrar com a maior clareza e convicção que a Assembleia Nacional deverá considerar certas e devidamente equilibradas as Contas Gerais de 1951; que a cobrança das receitas se fez de harmonia com a Lei de Meios que fora votada na Assembleia Nacional para aquele ano económico e do mesmo modo as despesas públicas se efectuaram em obediência à lei.
É motivo de grande satisfação saber que o Estado Novo continua fiel aos princípios sobre administração das finanças públicas, sobre a pontualidade na apresentarão das Contas e sobre o seu indispensável equilíbrio.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Porém, Sr. Presidente, uma lacuna se deu. Não foi possível ao ilustre relator do parecer incluir as contas gerais das províncias ultramarinas, conforme preceitua o n.º 3.º do artigo 91.º da Constituição Política, pela simples razão de ainda não terem sido remetidas à Assembleia Nacional.
Esta lacuna foi devida ao excessivo alargamento dos prazos ainda existentes no ultramar para apresentação das contas. Tais prazos tiveram outrora a sua plena justificação, pelas enormes dificuldades que então havia nas comunicações. Hoje podem e devem ser alterados.
A este importante assunto dos prazos de entrega das contas gerais das províncias ultramarinas referir-me-ei mais adiante, para apresentar sugestões de maneira a evitar a lacuna a que me referi.
E estou certo de que o Governo dará ao assunto toda a sua atenção, de modo a tornar possível que as contas da metrópole e do ultramar do mesmo ano económico sejam submetidas conjuntamente à Assembleia Nacional.
Assim o espero, depois de indicar as causas da deficiência notada e as sugestões tendentes a evitar que volte a repetir-se.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, antes de mais importa desde já fazer notar que a fidelidade aos princípios da Revolução Nacional, se existe e se continua na metrópole, como claramente nos traduz o valioso e substancial parecer da nossa Comissão de Contas Públicas, igualmente se verifica no ultramar e em todas as suas províncias ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... como teremos ocasião de ver pelos números que hoje hei-de apresentar.
Não nos indica o parecer, como disse, quais foram os resultados das contas ultramarinas relativos ao ano económico de 1951.
Não foi possível mencioná-los por motivo de a remessa das contas ser posterior à elaboração do parecer. Mas eu terei oportunidade nesta minha intervenção de informar a Assembleia Nacional dos resultados das contas gerais das províncias do ultramar. E posso fazê-lo porque essas coutas já se encontram publicadas e já foram remetidas ao Ministério do Ultramar, embora as últimas tenham sido recebidas muito recentemente.
Pelo exame feito às coutas das oito províncias ultramarinas, coutas relativas ao exercício do ano económico de 1951, verifica-se que em cada uma daquelas províncias se cumpriram igualmente os princípios da Revolução Nacional que dizem respeito à administração das finanças públicas.
E que a escola de Salazar tem profusamente difundido por todos os órgãos de administração e enraizado no espírito dos Portugueses os grandes princípios de administração financeira que regem o Estado Novo e ergueram Portugal à situação de engrandecimento em que hoje se encontra e ao prestígio internacional que justamente desfruta.
Como se sabe, as contas da gerência e do exercício das províncias ultramarinas, a partir, inclusivamente, do ano económico de 1951, são submetidas a julgamento do Tribunal de Contas e à apreciação da Assembleia Nacional, de conformidade com o preceito estabelecido no artigo 17.º da Constituição Política, que peço licença para ler:

As contas das províncias ultramarinas serão enviadas ao Ministério do Ultramar, pura, depois de verificadas e relatadas, serem submetidas a julgamento do Tribunal de Contas, nos termos e prazos fixados na lei, e tomadas pela Assembleia Nacional, nos termos do 11.º 3.º do artigo 91.º

Apesar desta disposição constitucional, não foi possível, como já anteriormente informei, que as coutas ultramarinas do ano económico de 1951 fossem apreciadas no parecer da nossa Comissão de Contas Públicas.
Mas não se julgue que no Ministério do Ultramar, pela sua Direcção-Geral de Fazenda, se ficou impassível e adormecido no expediente diário sem atender ao novo preceito constitucional que manda submeter à apreciação da Assembleia Nacional as contas gerais das províncias ultramarinas.
Há até justificado motivo de louvor pelo interesse revelado por aquela Direcção-Geral ao tomar a feliz

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iniciativa de organizar com plena uniformidade as contas das províncias ultramarinas relativamente à contabilização motivada pela abertura de créditos, e, além disso, dando outras instruções relativas à pormenorização dos relatórios das contas. Tudo isto, Sr. Presidente, tendo em mira facilitar o julgamento a fazer pelo Tribunal de Contas e o exame e apreciarão das contas ultramarinas pela Assembleia Nacional.
Desta tribuna manifesto o justo agrado que produziu a manifestação de interesse pelo serviço público revelada pela referida Direcção-Geral de Fazenda do Ministério do Ultramar.
E assim que procedem aqueles em quem impera o brio profissional e a honra de bem servir.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: pelo que acabo de expor, pode a Assembleia Nacional entender que é realmente louvável a iniciativa daquela Direcção-Geral, mas não compreender como poderia ainda haver divergências de critério na maneira de «laborar as contas gerais das províncias ultramarinas, depois de tantos anos de vigência do Estado Novo.
Embora me vá tornar maçador com a explicação que vou fazer (não apoiados), julgo-a necessária, para mostrar a divergência que havia na elaboração das contas feitas na província de Angola e nas restantes províncias ultramarinas.
Era uma divergência apenas de natureza técnica, mas que, se continuasse a ser permitida, produziria confusão a quem tivesse de se dedicar ao exame meticuloso das contas gerais das nossas províncias do ultramar.
E para evitar essa confusão é que se tomaram coimo paradigma as contas gerais da província de Angola.
Em virtude de tal determinação, os contas ultramarinas das restantes províncias relativas, ao exercício de 1901 foram já elaboradas de um modo um pouco diferente da organização dos anos anteriores.
Permitam-me VV. Ex.ªs, para o assunto ser conhecido da Assembleia Nacional, que eu preste as seguintes informações:
Pelo Decreto n.º 17 881, de 11 de Janeiro de 1930, operava-se uma contabilização pela qual o saldo das contas podia ficar influenciado de maneira tal que não traduziria a realidade.
E mesmo que o saldo ficasse adulterado, era, contudo, obtido com toda a aparência de verdadeiro. O erro provinha de duas origens diversas: ou do próprio orçamento geral onde se inscrevessem importâncias do saldo dos exercícios findos, ou então da abertura de créditos com contrapartida naqueles saldos cujas importâncias não estivessem inscritas no orçamento.
E todo, a causa do erro se resumia afinal em contabilizar como receita a totalidade das importâncias de exercícios findos que estivessem inscritas mo orçamento ou fossem dadas para contrapartida de créditos e ao mesmo tempo tomar como despesa sòmente a parte despendida por conta daquelas importâncias.
Daqui resultava um saldo da conta que ficava falseado ao sentido positivo ou favorável ao equilíbrio e no quantitativo da diferença entre a totalidade da receita de exercícios findos e a parte da despesa coberta por tal receita.
É evidente que este modo de contabilizar desvirtuaria o resultado da conta quando a importância das despesas pagas pela verba de saldos, anteriores fosse inferior à totalidade da receita inscrita onde teve cabimento.
Mas, no entanto, para melhor se compreender o que acabo de expor, vou concretizar a minha ideia por meio de um exemplo.
já disse anteriormente, as causas de erro provinham de duas origens: ou do orçamento, ou dos créditos.
Consideremos primeiramente o caso do orçamento geral.
Suponhamos que no orçamento das receitas e no capítulo 8.º se inscreviam 250 contos provenientes do saldo de exercícios anteriores e destinados ao pagamento de despesas de anos económicos findos que tinham ficado por pagar. E isto é o que normalmente acontece: haver despesas dos anos anteriores ainda por pagar.
Vamos ainda supor que na tabela das despesas do mesmo orçamento e no respectivo capítulo 11.º se inscrevia igual importância, para satisfazer tais encargos.
O resultado que se obtém, tendo em consideração o capítulo 8.º das receitas e o capítulo 11.º das despesas, é idêntico ao que se pode obter considerando do mesmo modo os dois capítulos seguintes: o 9.º das receitas e o 12.º das despesas.
Admitamos então que no mesmo orçamento geral, e no capítulo 9.º das receitas, se inscrevia a importância de 330 contos retirada do saldo de exercícios findos e destinada ao pagamento de despesas extraordinárias, despesas novas além do orçamento ordinário, e que se inscrevia igualmente a mesma importância na respectiva tabela das despesas e no seu lugar próprio, que é o capítulo 12.º
Admitindo esta posição num orçamento geral, duas soluções podem resultar no fim do ano económico: ou a despesa se realiza na totalidade da respectiva importância inscrita, ou apenas absorve uma parte.
No primeiro caso não se altera o resultado da conta, porque figura igual importância tanto na receita como na despesa. E no segundo caso, em que a despesa efectuada não absorveu a importância total inscrita, resulta uma diferença a favor do saldo da conta.
Mas devemos notar que esta diferença só na aparência é favorável ao saldo da conta do exercício, porque ela já figurou nos saldos dos exercícios anteriores.
E é assim que o resultado da conta pode ficar viciado pela repetição de uma ou mais vezes de importâncias do saldo de exercícios findos.
Esta anomalia que deixo exposta, e se verifica por intermédio do orçamento geral, também pode ter origem na contabilização dos créditos, quando estes forem abertos tendo por contrapartida importâncias do saldo de exercícios findos, as quais se não encontram inscritas no orçamento geral.
A contabilização destes créditos também pode falsear o resultado da conta do exercício, pelas razões atrás expostas, quando a sua receita não for absorvida pela despesa na sua totalidade.
Para evitar erros desta natureza foi expedida pela Direcção-Geral de Fazenda do Ministério do Ultramar, e dirigida aos governadores das províncias ultramarinas, a circular n.º 10, de 11 de Junho de 1952.
Esta maneira de organizar a conta de exercício vinha já sendo praticada nas contas da província de Angola. E devo notar que ela deverá ser introduzida no Decreto n.º 17 881, de 11 de Janeiro de 1930.
Como simples esclarecimento devo dizer que a anomalia por mini exposta não se poderá verificar na metrópole nas Contas Gerais do Estado.
Já houve, é certo, quem aleivosamente alegasse que o saldo das nossas contas gerais em vez de traduzir superavits, como nós apregoávamos com toda a nossa ufania, representava autênticos deficits.
Todos sabemos que pela resposta que oportunamente foi dada a atoarda se desfez e volatizou.

Vozes: - Muito bem!

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1064 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 226

O Orador: - É completamente impossível que o saldo das contas possa ser influenciado pela receita proveniente de empréstimos, desde que a receita desta proveniência entre na conta só em quantia igual à despesa por ela efectuada.
E podemos estar certos de que sómente se inscreve mi conta do exercício, como receita, uma quantia igual àquela que cobriu a despesa.
Na metrópole a importância dos empréstimos é escriturada em operações de tesouraria e só é levada ao Orçamento Geral do Estado por quantias iguais às que forem liquidadas por conta dela.
Sr. Presidente: a referida circular n.º 10, de 11 de Junho de 1952, não só pôs cobro a esta possível incongruência, remediando-a e uniformizando a organização da conta de exercício de todas as províncias ultramarinas, tomando por norma a organização da conta cia província de Angola, como também deu uniformidade ao relatório que antecede as contas e deve ser elaborado pelos respectivos chefes ou directores dos serviços de Fazenda e contabilidade.
Quanto à uniformidade na elaboração do relatório da couta, na mencionada circular, recomenda-se aos governadores das províncias do ultramar que se deverá tomar como norma o relatório das contas de gerência e exercício de 1946 da província de Moçambique. E relativamente aos capítulos do relatório que tratam da circulação fiduciária, do comércio bancário, da cunhagem e emissão de moeda metálica e do comércio externo e balança de pagamentos foram mandados seguir os mesmos capítulos da Conta Geral do Estado do ano económico de 1950, prestada pelo Ministério das Finanças e publicada no Diário do Governo N.º 183, 2.º série, de 9 de Agosto de 1901.
E, pois, merecedora dos nossos louvores a Direcção-Geral de Fazenda do Ministério do Ultramar, pelas instruções que deu às províncias ultramarinas para facilitar e tornar possível a tarefa da Assembleia Nacional na aplicação do novo preceito constitucional.
Mas, Sr. Presidente, no parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1951, n.º 67, relativo ao Ministério do Ultramar, o seu ilustre relator, Sr. Engenheiro Araújo Correia, diz-nos que para a Assembleia Nacional se pronunciar e julgar sobre a política seguida no que respeita à eficiência do gasto das verbas e outros pontos de natureza política seria vantajoso que as verbas globais fossem discriminadas tanto quanto possível na organização das contas de exercício; e que, além disso, os respectivos relatórios dos chefes ou directores dos serviços de Fazenda e contabilidade nos elucidassem sobre as obras realizadas e a sua influência na economia ou na vida social da província, do distrito ou da região onde se realizaram.
Este desdobramento das verbas globais pelas diversas obras realizadas e a indicação da sua influência no respectivo meio económico e social não foram considerados pelo Ministério do Ultramar na referida circular; mas estou certo, Sr. Presidente, de que, depois de lidas as sugestões do parecer relatado pelo Sr. Engenheiro Araújo Correia, o Ministério do Ultramar dará novas instruções nesse sentido aos Srs. Governadores das províncias ultramarinas.
Quando tudo estiver definitivamente preparado para se entrar na normalidade do estudo e apreciação das contas gerais das províncias ultramarinas, ver-se-á então mais claramente a grandeza, e importância do nosso ultramar e haverá oportunidade de se reconhecer a prosperidade crescente que o Estado Novo tem promovido e impulsionado em cada província, e sobretudo dever-se-á reconhecer o resultado da aplicação das receitas públicas durante o respectivo exercício.
Interessa, sem dúvida alguma, verificar o imprescindível equilíbrio no resultado das contas de exercício como base fundamental da administração financeira; mas interessa também conhecer e apreciar o resultado que se obteve na aplicação que se deu às receitas públicas durante o exercício do respectivo ano económico.
Paru a Assembleia Nacional tomar as contas respeitantes a cada ano económico, tanto da metrópole como das províncias ultramarinas, como se encontra preceituado no n.º 3.º do artigo 91.º do Constituição Política, é indispensável que as contas do ultramar sejam apresentadas em tempo oportuno para se poderem apreciar conjuntamente com as da metrópole. E assim já deveria acontecer com as Contas, do ano económico de 1951. Mas, como já informei, não foi possível, visto que as última» contas deram entrada no Ministério do Ultramar há ainda poucos dias.
Torna-se pois indispensável, em relação ao ultramar, encurtar os prazos, tanto do prolongamento complementar do exercício, como da apresentação das contas.
O parecer das contas públicas do ano económico de 1951, sobre o qual assenta esta nossa discussão, refere-se à necessidade do encurtamento dos prazos estabelecidos no ultramar com o fim de se apreciarem conjuntamente as contas da metrópole e das províncias, ultramarinas relativas ao exercício do mesmo ano económico.
E fazendo alusões nas grandes distâncias dos cofres centrais nalgumas províncias, as distâncias entre estas e a metrópole e ao actual desenvolvimento aéreo que elimina ou diminui o inconveniente dos grandes afastamentos, levanta a seguinte pergunta:

Será possível tomar disposições em cada uma idas províncias no sentido de enviar à Assembleia as contas do ano transacto?

Eu respondo afirmativamente; isto é, as contas das províncias ultramarinas de determinado ano económico poderão ser enviadas à Assembleia Nacional no ano seguinte ao do exercício.
Mas para isso é indispensável encurtar os prazos. E creio haver possibilidade de os diminuir sem que da redução resultem inconvenientes insuperáveis.
Eu vou procurar esclarecer este assunto.
Cosmo todos sabemos, o exercício do ano económico na metrópole prolonga-se até ao dia 14 de Fevereiro. Referindo-se a esta data o encerramento das contas, resulta que na metrópole o prolongamento complementar do exercício abrange quarenta e cinco dias.
Por sua vez o fecho das contas no ultramar é referido ao dia 30 de Junho. Deste modo o período complementar do exercício nas províncias ultramarinas prolongasse por seis meses além do fim do ano económico.
Esta grande diferença de prazos - mês e meio para a metrópole e seis meses para as províncias do ultramar - teve outrora o seu justificado fundamento nas enormes distâncias a que o relator do parecer se refere e nas dificuldades de comunicação que então existiam.
Dados os meios actuais de rápidas comunicações, ainda assim haverá casos em que as antigas dificuldades podem persistir.
No entanto, tudo indica a possibilidade de se reduzir a metade o período complementar do exercício, isto é, de seis para três meses.
O único inconveniente que poderia resultar desta redução de tempo era o aumento do volume dos exercícios findos por motivo de ficar em atraso o pagamento de mais algumas despesas.
Mas este mal tem bom remédio.
Certo é que se antecipavam assim três meses à apresentação das contas gerais das províncias ultramarinas. E já era o tempo bastante para se remeterem as contas

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à Assembleia Nacional dentro do ano seguinte ao do exercício, como iremos ver.
No ultramar, além de o fecho das contas se referir a 30 de Junho, há uma disposição legal que impõe a apresentação das contas até Outubro do ano seguinte ao do exercício, com excepção para as províncias de Angola e Moçambique, que as devem apresentar até ao fim de Fevereiro do segundo ano ao do exercício.
Esta disposição legal é o artigo 2.º do Decreto n.º 26 409, de 9 de Março de 1936, que impõe a remessa ao Ministério do Ultramar das contas de gerência e exercício das províncias de Angola e Moçambique dentro dos oito meses que se seguirem ao termo do exercício respectivo e dentro de quatro meses nas restantes províncias.
Ao abrigo desta disposição legal, as províncias de Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe, índia, Macau e Timor remetem as suas contas ao Ministério do Ultramar até ao fim de Outubro, e portanto dentro do ano seguinte ao do exercício.
As províncias de Angola e Moçambique remetem as contas até ao fim do mês de Fevereiro, e portanto no segundo ano a seguir ao exercício.
Mas se o período complementar for reduzido de seis para três meses é evidente que mesmo as províncias de Angola e Moçambique remeteriam as suas contas dentro do ano seguinte ao do exercício.
Porém, esta redução de três meses no período complementar ainda não deve ser suficiente para as contas ultramarinas serem devidamente estudadas e o resultado desse estudo ser incluído no parecer da nossa Comissão de Contas Públicas, tanto mais que o Ministério do Ultramar não se poderá limitar a remetê-las ao Tribunal de Contas. E necessário primeiramente verificá-las e relatá-las para satisfazer ao preceituado no artigo 171.º da Constituição Política; e esta verificação e relato, a fazer pela Direcção-Geral de Fazenda do Ministério do Ultramar, deve levar seu tempo.
Donde se deverá concluir que é ainda indispensável, para se dar inteiro cumprimento ao preceituado na Constituição Política, encurtar o prazo de elaboração das contas e sua remessa ao Ministério do Ultramar.
E poder-se-á encurtar este prazo de dois meses, pelas razões que vou expor:
O relatório do director dos Serviços de Fazenda e Contabilidade sobre as contas de gerência e exercício de 1951 da província de Angola está datado de 31 de Dezembro de 1952.
Escolhi esta conta por ser da província que julgo lutar com maiores dificuldades nas comunicações e ter oito meses para efectuar a sua remessa.
Se foi possível assinar e datar o relatório no dia 31 de Dezembro, foi certamente porque em data anterior já estava concluída a organização da conta. Mas na pior das hipóteses a elaboração da conta Levou seis meses, desde 30 de Junho a 31 de Dezembro. E portanto posso considerar seis meses como tempo bastante para ter a conta em condições de ser remetida ao Ministério do Ultramar.
Sou levado, pois, a só ver razões para encurtar o período de remessa ao Ministério de oito para seis meses.
É inteiramente lógica esta redução de dois meses.
E assim ficaria antecipada de cinco meses a remessa das contas, sendo três meses na antecipação do final do exercício e dois na elaboração da conta, como acabei
de justificar.
Esta sugestão de encurtar de cinco meses o prazo de remessa ao Ministro do Ultramar das contas gerais das províncias de Angola e Moçambique, devido à necessidade que há de se cumprir o preceito constitucional que manda à Assembleia tomar conjuntamente as contas do exercício do mesmo ano económico da metrópole e das províncias ultramarinas, daqui a dirijo ao Governo, e especialmente ao Sr. Ministro do Ultramar, para ser tomada na consideração que merecer.
Sr. Presidente: vou continuar as minhas considerações baseando-me ainda no mesmo parecer e nos parágrafos relativos ao Ministério do Ultramar.
Do que seguidamente me vou ocupar não vai além de simples anotações ou pequenos esclarecimentos aos n.ºs 109 e seguintes do parecer.
O nosso ilustre relator diz-nos no n.º 109 que:

A despesa nas contas públicas da metrópole para o ano de 1951 é sensivelmente igual à dos anos anteriores se não for tomado em consideração o decréscimo numa garantia de juro.

Começo por esclarecer que "a despesa nas contas públicas da metrópole", a que o parecer se refere neste número, diz respeito ùnicamente ao Ministério do Ultramar; mas é despesa que foi realizada por conta do Orçamento Geral do Estado de 1951. É portanto despesa da metrópole, e não das províncias ultramarinas.
Como já anteriormente esclareci, as contas gerais de 1951 daquelas províncias já estão publicadas e já foram remetidas ao Ministério do Ultramar; mas não puderam ser consideradas no parecer que serve de base à nossa discussão, porque foram remetidas dentro dos prazos legais, é certo, mas ainda não foram enviadas à Assembleia e já o parecer da nossa Comissão de Contas Públicas está a servir de base a esta nossa discussão.
A despesa a que o referido período do parecer se refere, por pertencer à metrópole, é contabilizada pela 9.ª Repartição da Direcção-Geral da Contabilidade Pública, junto do Ministério do Ultramar.
Depois de feita esta breve e simples aclaração vou expor à Assembleia Nacional o significado que têm as palavras que li do parecer tomando-se "em consideração o decréscimo numa garantia de juro".
Devo informar que esta garantia de juros é referida à, Companhia do Caminho de Ferro de Mormugão, nos termos dos contratos de 18 de Abril de 1881 e de 19 de Dezembro de 1892.
Nós temos de entregar anualmente àquela Companhia de Mormugão a importância de 39 000 libras, podendo este número ser elevado até 73 000.
A importância é entregue periodicamente em três prestações e é variável o número de libras a entregar conforme os resultados da exploração do caminho de ferro e a necessidade que houver para completar o pagamento dos dividendos.
Sendo assim variável esta despesa, é evidente que num ano económico em relação ao anterior a despesa ou será a mesma ou acusará um acréscimo ou um decréscimo.
Se o parecer das contas nos diz que no ano económico de 1951 houve um decréscimo numa garantia de juro, vejamos qual foi o valor desse decréscimo, isto é, que diferença para menos se pagou em 1951 em relação a 1950.
Posso informar a Assembleia Nacional de que as despesas efectuadas e liquidadas no pagamento da garantia de juro à Companhia do Caminho de Ferro de Mormugão nos exercícios de 1950 e 1951 foram as seguintes:

Exercício de 1950 ........ 5:864.512$50
Exercício de 1951 ........ 3:155.880$00
Decréscimo .... 2:708.632$50

Houve, portanto, um decréscimo de 2700 contos na despesa do exercício de 1951 em relação a 1950.

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1066 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 226.

No parecer se esclarece que o aumento de despesa ordinária no Ministério do Ultramar foi de 2578 contos no exercício de 1951, em relação ao de 1950, assim discriminado:

Contos
Exercício de 1950 ........... 40 395
Exercício de 1951 .......... 42 973
Aumento ......... 2 578

Se não tivesse havido o decréscimo de 2700 contos na garantia de juro da Companhia do Caminho de Ferro de Mormugão, o resultado da conta restrita ao Ministério do Ultramar ficaria agravado naquela importância de 2700 contos.
Mas desde que se não considere a natureza especial daquele decréscimo poder-se-á dizer que as despesas ordinárias do Ministério do Ultramar em 1951 tiveram apenas o aumento de 2578 contos, e portanto poder-se-á dizer que foram sensivelmente iguais às dos anos anteriores.
Este é o significado e a interpretação que me parece se deverá dar às referidas palavras do parecer no seu n.º 109.
Mas logo a seguir nos esclarece o parecer, no seu n.º 110, que, além das despesas ordinárias que atrás se deixam indico das, ainda há a considerar as despesas extraordinárias e aquelas que foram pagas por conta das províncias ultramarinas.
E todas as despesas do Ministério do Ultramar no exercício do ano económico de 1951, tomadas no seu conjunto, atingiram 85 251 contos, assim discriminados:

Contos
Despesas ordinárias .......................... 42 973
Despesas extraordinárias ........................ 15 000
Despesas pagas pelas províncias ultramarinas .... 27 278
85 251

E para este volume de despesas totais liquidadas em 1951 por conta do Ministério do Ultramar apenas o aumento no conjunto foi de 3954 contos.
Seguidamente, no n.º 111, o parecer das contas informa-nos a que foi devido o aumento de despesas no Gabinete do Ministro e na Secretaria-Geral. E, depois de se referir às despesas de colonização, nos termos do Decreto n.º 38 200, de 10 de Março de 1951, que neste ano atingiram a importância de 5050 contos, diz-nos que a seria vantajoso que se fizesse um estudo sobre os resultados desta verba, que vai subindo todos os anos".
Não devo deixar passar em claro esta observação feita no douto e valioso parecer da nossa Comissão de Contas Públicas, sem lhe dedicar umas palavras.
É conveniente esclarecer desde já que a verba do Decreto n.º 38 200 se repartiu em duas alíneas: a da colonização e a dos subsídios de intercâmbio.
Este decreto traduz a continuidade de um regime que teve a experiência de alguns anos e parece ter provado bem, pois foi aproveitada a ideia e continuada pelo decreto em referência. E este Decreto n.º 38 200 sòmente surgiu pela simples razão de se ter esgotado a verba e ter caducado o decreto que a criou.
Pela caducidade do Decreto n.º 34 4&4, foi então publicado em 10 de Março de 1951 o referido Decreto n.º 38 200.
Com fundamento neste diploma foi aberto um crédito especial, pelo Ministério das Finanças, na importância de 5 850 contos.
Como já tive ocasião de dizer, a verba repartiu-se por duas alíneas. A discriminação, em referência a cada alínea, é a seguinte:

Contos
Colonização ...................... 4 570
Subsídios de intercâmbio ......... 1 280
5 850

Pelas Contas Gerais do Estado sabe-se que foram gastos 5 050 contos no conjunto das duas alíneas, e portanto resultou um saldo de 800 contos:

Contos
Receita das alíneas da colonização e do
intercâmbio ................................ 5 850
Despesa ............... 5 050
Saldo............ 800

Devo frisar que o desenvolvimento dos gastos que se fizeram pelo Decreto n.º 38 200 foi feito de harmonia com os planos organizados nos termos do § 3.º do artigo 1.º deste decreto, com a aprovação do Governo em Conselho de Ministros.
Não ponho em dúvida que a alínea da colonização tivesse ido reforçar a do intercâmbio. As exigências de ocasião e do programa político do Governo assim poderiam justificar.
Ao certo sabe-se que houve um saldo de 800 contos, e portanto parcimónia nos gastos. E devo ainda dizer que julgo ser natural o aumento crescente da verba atribuída à colonização, devido à nossa constante actividade no sentido da colonização ou povoamento europeu.
Mas o que sobretudo interessa é o estudo sobre o resultado da verba; e este estudo é solicitado pela Comissão de Contas Públicas, em minha opinião, com justificado motivo. Vejamos então qual seria o motivo por que no parecer da Comissão se julga conveniente realizar um estudo sobre o resultado da aplicação da verba do Decreto n.º 38 200, de 10 de Março de 1951.
Anteriormente fora publicado o Decreto-Lei n.º 34 464, de 27 de Março de 1940, no relatório do qual se indicavam as bases de um regime experimental de apoio e incitamento à colonização livre.
Para cumprimento deste diploma o Ministério das Finanças pôs à disposição do ultramar, e durante seis anos, a importância de 30 000 contos, entregue em anuidades de 5 000 contos.
Por esta verba forneceram-se passagens gratuitamente, em navios portugueses para a nossa África, a colonos pobres e pessoas da sua família, dando preferência às mulheres legítimas, às filhas solteiras, aos filhos menores, e aos diplomados com cursos técnicos, profissionais, agrícolas ou de enfermagem; e pagaram-se despesas de intercâmbio tendentes ao estreitamento das relações entre a metrópole e as províncias ultramarinas.
Que resultado se obteve no fim deste período considerado experimental?
Que elementos de estudo se colheram para saber se o regime de apoio à colonização livre deveria ser continuado, melhorado ou suprimido?
Creio que apenas se ficou a saber que beneficiaram do fornecimento das passagens cerca de 12 000 colonos. Mais nenhum ensinamento se colheu. Ficou sem se saber se foram alcançadas no ultramar as finalidades do regime experimental, tais como a fixação dos colonos beneficiados e se foi evitada no ultramar africano a constituição de lares irregulares.
Embora se lutasse com falta de elementos de apreciação sobre o resultado do regime criado em 1945, publicou-se o Decreto n.º 38 200, em 1951.

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E creio que tudo continua na mesma sem conhecimento exacto dos resultados obtidos com as despesas efectuadas por conta desta verba.
Não é nem pela continuidade que se deu ao regime de apoio à colonização livre, nem por aquilo que se diz e comenta, muitas vezes sem fundamento, sobre a finalidade e destino dos colonos que da verba se aproveitaram para o seu transporte, que nós podemos tirar conclusões acerca dos resultados obtidos.
As conclusões só poderão alcançar-se depois de realizado o estudo que no parecer é julgado conveniente pela nossa Comissão de Contas Públicas.
Sr. Presidente: vou continuar a referir-me a outras despesas.
No n.º 112 o parecer mostra-nos o aumento de despesa no ano de 1951 na Direcção-Geral de Administração Política e Civil, informando que na importância de 327 contos está incluído um subsídio extraordinário concedido à Sociedade de Geografia; e que na verdade subiram muito, para 1 036 contos, os encargos com as despesas de soberania.
E natural que se queira saber onde estas despesas se fizeram de modo. a atingir aquela importância.
Foram consideradas despesas de soberania os encargos que se contraíram com a Residência de S. João Baptista de Ajuda e com as Casas da Metrópole nas cidades de Luanda e Lourenço Marques, por conta do "que se liquidaram as seguintes despesas:

Residência de S. João Baptista...... 406.400$00
Casas da Metrópole ................. 650.000$00
1:056.400$00

No n.º 113, dedicado à Direcção-Geral do Fomento do Ultramar, o parecer revela-nos que as verbas se mantiveram ao nível de 1900, mas continua, como no ano passado, a aludir às deficiências destes serviços e à sua fraca dotação para realizar trabalho adequado às funções que a Direcção-Geral tem a desempenhar.
E, devido ao franco desenvolvimento que se nota nas províncias ultramarinas e à realização de obras de natureza económica, com intervenção da técnica e de capitais de origem metropolitana, mostra-nos que por estas razões se impõe uma reforma adequada a esta Direcção.
Realmente o Ministério do Ultramar, para suprir as suas deficiências de natureza técnica, tem recorrido ao Ministério das Obras Públicas.
As considerações do parecer são inteiramente justas acerca das deficiências apontadas.
Ainda neste n.º 113 há uma referência a um subsídio gratuito ou não reembolsável concedido à província de Cabo Verde, a que igualmente se refere o n.º 115 ao tratar da Direcção-Geral de Fazenda.
Julgo que haverá algum interesse em relembrar a Assembleia Nacional a política do Governo do Estado Novo em matéria de empréstimos às províncias ultramarinas, através de um esclarecimento sobre a origem do subsídio não reembolsável.
Em 1948, pelo Decreto n.º 36 780, de 6 de Março, foi autorizada a província de Cabo Verde a contrair um empréstimo na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, na importância de 50 000 contos, em conta corrente até 1951, devendo iniciar-se a amortização em 1952.
Este empréstimo teve o aval do Estado.
Pelo mesmo decreto, e até 1952, o Estado estabeleceu um subsídio gratuito ou não reembolsável à província de Cabo Verde, na importância de 2 750 contos anuais, correspondente aos juros do empréstimo.
Presto esta simples informação acerca do empréstimo e do subsídio a Cabo Verde porque, além de traduzir o princípio seguido pelo Estado Novo de a metrópole auxiliar o ultramar quando for necessário, fica indicada a razão do quantitativo do subsídio.
No n.º 116 refere-se o parecer aos subsídios concedidos a missões religiosas no ultramar, mas evidentemente sem incluir os que são inscritos nos orçamentos das províncias ultramarinas.
Posso esclarecer que em 1951 a importância orçamentada destes subsídios, acrescida de reforços, atingiu 8278 contos, que se despenderam na totalidade.
E no ano de 1950 estavam orçamentados 8 385 contos e foram despendidos 6974.
Estes subsídios são concedidos ao Padroado do Oriente, ao Padroado do Extremo Oriente (Diocese de Macau) e às missões católicas portuguesas, nos termos do Estatuto Missionário.
Ao passar uma revista muito rápida sobre aquilo que mais chamou a minha atenção acerca do ultramar e se menciona no parecer da nossa Comissão de Contas Públicas., não posso deixar de me referir a duas sugestões que interessam grandemente à economia geral da Nação e estão dependentes do aumento de produção do tabaco e do açúcar.
O conjunto das receitas provenientes do tabaco aumentou de 4 400 contos e atingiu em 1901 mais de 380000 contos, assim verificados:

Contos
Ano de 1950 ............. 375 630
Ano de 1951 ............ 380 061
4 421

No n.º 93 do parecer volta a insistir-se na possibilidade de se pouparem anualmente alguns milhões de dólares se a metrópole deixasse de importar folha de tabaco dos Estados Unidos da América, que poderia e deveria ser produzida no ultramar português, sobretudo nas províncias de Angola e Moçambique.
Realmente fica-se impressionado ao ter conhecimento da importação de folha de tabaco, que em 1951 teve o valor total de 107659 contos, na sua grande maioria importada da América:

Contos
Estados Unidos da América ...... 86 4112
Angola ................ 3 717
Moçambique ............. 122
Outros países ............. 17 408
107 659

Causa, na verdade, impressão verificar que da importação de folha de tabaco, no valor de 107 659 contos, apenas a metrópole importa das províncias de Angola e Moçambique, o mesmo produto, no reduzido valor de 3 839 contos.
Certamente impressionado por estas cifras o relator do parecer sugere o aumento da produção de folha de tabaco nas províncias ultramarinas para abastecer grande parte do consumo nacional e até para a destinar à exportação.
Este problema terá, evidentemente, de ser resolvido, e tanto melhor quanto antes, tendo em vista a finalidade indicada no parecer do interesse geral da Nação, tanto da metrópole como do ultramar.
Sr. Presidente: no n.º 79 o parecer aponta-nos o açúcar como a maior verba das substâncias alimentícias importadas logo a seguir ao trigo em grão.
Em 1951 importaram-se 95 8881 de açúcar, que nos custaram 313 335 contos.
O ultramar apenas contribuiu com 175 333 contos.

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Com fundamento nestes números, igualmente se sugere, no referido n.º 79, que as províncias ultramarinas deverão produzir a totalidade do açúcar consumido no País.
Entre muitos outros problemas que interessam à economia da Nação o aumento da produção da folha de tabaco e do açúcar é um problema de grande importância que há a resolver e a que se espera o Governo dedique o seu maior cuidado.
Depois de me ter referido àquilo que mais chamou a minha atenção acerca do Ministério do Ultramar nas Contas Gerais do Estado de 1951, vou agora passar a referir-me às contas de exercício do mesmo ano económico das províncias ultramarinas.
Já tive ocasião de informar a Assembleia Nacional que as contas do ultramar referentes ao ano de 1951 foram elaboradas de um modo um pouco diferente da organização tios anos anteriores, mas de maneira compreensível e uniforme.
Todas se apresentam equilibradas e com saldos positivos.
Era minha intenção fazer um relato de todas elas para mostrar à Assembleia Nacional a sua solidez financeira, a veracidade do resultado das contas e vários aspectos que ressaltam ao nosso exame; mas desisti porque teria de ser demasiadamente extenso e além disso as contas do ultramar podem ser fàcilmente consultadas.
Não quero, no entanto, deixar de ler os números representativos das receitas e das despesas, relativamente a cada uma das oito províncias ultramarinas para assim dar a conhecer à Assembleia Nacional o resultado das respectivas contas de exercício do ano de 1951.

Cabo Verde:

Receitas cobradas .... 36:622.762$72
Despesas pagas ....... 34:913.060$41
Saldo positivo 1:709.702$31

Guiné:

Receitas cobradas .... 96:898.138$26
Despesas pagas ....... 88:167.589$35
Saldo positivo 8:730.548$91

S. Tomé e Príncipe:

Receitas cobradas .... 69:109.818$67
Despesas pagas ....... 53:983.083$03
Saldo positivo 15:126.735$64

Angola:

Receitas cobradas ..1.444:811.269,49
Despesas pagas .....1.078:862.050,19
Saldo positivo 365:949.219,30

Moçambique:

Receitas cobradas . 1.959:275.118$94
Despesas pagas ... 1.544:484.981$61
Saldo positivo 414:790.137$33

Índia:

Receitas cobradas. 22.873:556-08-00
Despesas pagas. 15.973:850-12-11
Saldo positivo 6.899:705-11-01

Macau:

Receitas cobradas.. $18:448.046,29
Despesas pagas .... $14:734.798,03
Saldo positivo $ 3:713.248,26

Timor:

Receitas cobradas .... $ 11:510.736,64
Despesas pagas ....... $ 8:443.658,51
Saldo positivo $ 3:067:078,13

Pela enumeração dos saldos positivos que se obtiveram no resultado das contas do exercício de 1901 em todas as províncias ultramarinas, a Assembleia Nacional formará o seu juízo acerca da administração financeira que se faz nos nossos territórios do ultramar.
Podemos estar certos, Sr. Presidente, de que os salutares princípios básicos que a Revolução Nacional restaurou e tem mantido com rigor inalterável sobre a pontualidade e o equilíbrio do Orçamento Geral e das Contas Gerais no fim de cada exercício são igualmente cumpridos e respeitados pelo Governo de cada província ultramarina.
De princípio, quando o regime de Salazar foi tornado extensivo à administração financeira do ultramar e o Ministro Armindo Monteiro teve de o implantar no meio de tão pavoroso caos que o Estado Novo herdara e de que hoje já poucos se lembram, então houve dificuldades sérias a vencer.
Hoje, porém, com essas dificuldades vencidas, caminha-se com segurança e temos a grande satisfação de assistir ao extraordinário e progressivo desenvolvimento que se nota em todas as províncias ultramarinas.
Salazar, quando tomou conhecimento do resultado destas contas do ultramar, deveria ter sentido uma enorme e profunda sensação de tranquilidade.
O exigido equilíbrio do orçamento e das contas tanto se verifica na metrópole como mo ultramar, o que constitui motivo de legítimo orgulho para a Nação Portuguesa.
Sr. Presidente: depois de ter indicado à Assembleia Nacional o saldo positivo da conta de .1951 de cada província ultramarina, desejo agora fazer umas breves referências ao saldo positivo da conta da metrópole, considerando as receitas ordinárias e extraordinárias e as despesas do mesmo nome.
O saldo acusado pelas Contas Gerais do Estado no ano de 1951, e a que faz referência o parecer da Comissão de Contas Públicas, é de 48048 contos, assim obtido:

Receitas ordinárias........... 5 527 201
Receitas extraordinárias...... 125 541 5 652 742

Despesas ordinárias........... 4 369 765
Despesas extraordinárias...... 1 234 929 5 604 694
48 048

As receitas extraordinárias tiveram a seguinte proveniência: 62 333 contos de empréstimos e 63 207 do Plano Marshall, que totalizam os 125 541 contos indicados na conta.
As despesas extraordinárias excederam em 1109 388 contos as receitas do mesmo nome.
Foram as receitas ordinárias aproveitadas para cobrir aquela diferença, superior a 1 milhão de contos.
O saldo acusado pelas contas obedece pois à exigência do equilíbrio preceituado pela Constituição Política, e o facto de as receitas ordinárias cobrirem não só a totalidade das despesas do mesmo nome, mas ainda grande parte das despesas extraordinárias, é sinal evidente da solidez das nossas finanças.
Sem deixar de se ter em consideração as justas observações apontadas no parecer e a algumas das quais ousei referir-me, entendo que a Assembleia Nacional encontrará motivo para se congratular em nome da Nação

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pelo resultado da administração feita pelo Governo e traduzido através das Contas Gerais do exercício de 1951.
Tenho dito, Sr. Presidente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Manuel Domingues Basto: - Sr. Presidente: ao subir à tribuna para tomar parte no debate sobre as contas públicas sinto que o posso fazer, ufano do meu patriotismo e contente pelo rumo das nossas coisas na vida política da Nação.
Embora possa haver deficiências e erros - e é isso inevitável em toda a obra humana - e o meu idealismo, que não esmoreceu com o decorrer dos anos e ao contacto das realidades, se tenha esforçado por apontar erros e deficiências, a fim de mais nos aproximarmos do ideal, a clareza das contas públicas, a sua admirável organização e a regularidade com que são apresentadas dão-nos testemunho de que é de saúde o estado da Nação e de que os erros e deficiências dos homens da actual situação política não passam de pequenas sombras, que são o fundo escuro em que se destaca e brilha, com todo o esplendor, a grandeza do conjunto.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-A propósito me lembro de que na sessão da Academia Francesa em que o padre Bremond fez o seu discurso de recepção e posse um velho académico francês disse, malicioso e irónico: «Este padre tem todos os defeitos dos jesuítas, sem ter nenhuma das suas virtudes».
Mas logo um colega, a quem o juízo depreciativo sobre o padre Bremond não tinha agradado, retorquiu, com não menos vitoriosa ironia: «Pois sim. Mas não se esqueça de que os defeitos dos jesuítas são ainda méritos bastantes para fazerem um grande homem».
Também aos críticos derrotistas da actual situação política tinha agora o sacerdote que subiu à tribuna ocasião de dizer, em face da maledicência de uns e da insatisfação de outros, mais prontos ao trabalho negativista de dizer mal do que à colaboração: «Olhem que os defeitos do Estado Novo Corporativo e a época de Salazar, apesar das suas imperfeições, constituem ainda título mais que suficiente para tornarem este período dos mais gloriosos da história de Portugal...

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-... e os defeitos motivo de admiração para todas as nações com juízo».

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Quem, sobretudo, pode, devido à sua idade, fazer um confronto entre o que isto foi e o que é actualmente sente que o activo é digno de louvor ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- ... e nos conduz a olhar sem pessimismo nem desalento a obra realizada.
E porque queremos que ela seja garantia e segurança de um futuro desafogado e sem preocupações de maior é que o parecer das contas públicas, profundo e vasto estudo critico que honra o seu relator e nosso ilustre colega Sr. Engenheiro Araújo Correia, foca e aponta aspectos e actividades da vida nacional para que é necessário voltar mais solícitas atenções e a que é preciso consagrar mais carinho e amparo.
Se dou o meu voto de aprovação às contas públicas, dou-o também, com o maior aplauso, ao parecer que as aprecia e ao relatório que o acompanha.
Sr. Presidente: um dos pontos essenciais do parecer das Contas Gerais do Estado é o de que precisamos de dar toda a atenção às despesas produtivas, para criar novas fontes de receita e assegurar à população em aumento um nível económico de vida decente e até evitar que grande número de portugueses abandonem as suas terras e a profissão em que se criaram e se deixem absorver pelas cidades tentaculares, para muitas vezes nelas viverem uma vida de miséria e se converterem, no aspecto moral e social, em elementos indesejáveis e nefastos.
Esta justa observação do parecer sobre as contas públicas sugere algumas considerações, que talvez não sejam novas, mas ainda não foram, como é de justiça, devidamente compreendidas.
Persiste-se no erro de criar nas cidades indústrias que tinham o seu lugar marcado, por direito, nos meios rurais, e continuam sem amparo fontes de riqueza das populações rurais, que são absorvidas pela usura, pelo intermediário e pela ganância exploradora, quando podiam e deviam proporcionar uma melhor situação económica desses rurais e promover o aformoseamento da sua vida, tornando-a mais amada, porque mais compensadora.
Consideremos, por exemplo, as carnes e as frutas. Todas as vezes que o problema dos gados e carnes se aborda nesta Assembleia tenho notado que aparecem alguns técnicos a contrariar a montagem e criação de matadouros nas terras da província que, pela sua riqueza de pastagens, mais se prestam à criação de gado e são os centros naturais para o abastecimento das grandes zonas populacionais e urbanas do País.
Ainda não encontrei nas alegações apresentadas nesse sentido um argumento convincente ou uma razão de peso.
Parece-me que são mais os interesses dos municípios das grandes cidades do País, e não os dos munícipes e da economia nacional, que têm imperado, mas sem razão, em matéria de tanta importância.
As câmaras municipais das cidades cobram um tanto por cada cabeça de gado que entra nas barreiras da cidade para ser abatida; os subprodutos da carne dão lugar a negócio e aumento de receitas, e têm-se essas circunstâncias em maior conta do que a boa e regular economia da Nação e a necessidade de valorizar in loco a riqueza agrícola, em que os gados têm lugar de destaque.
Contra tais pretensões há, porém, além da lógica e verdade dos princípios, algumas experiências já tentadas com pleno êxito. Não vou referir-me à feita com o matadouro rural da Galiza nos tempos em que governava o país vizinho o general Primo de Rivera.
Em França, que é um grande país estragado pelo vício da má política, realizou-se há pouco tempo ainda uma experiência com pleno êxito.
No desejo de dar uma certa ordem ao caos económico e financeiro do seu país, o chefe do Governo, António Pinay, voltou também os seus olhares para o abastecimento de carnes às grandes cidades da França.
Verificou bem depressa que o preço por que se vendia a carne ao público era exorbitante, em relação à exiguidade do que se pagava ao lavrador pelo gado.
Verificou ainda que à custa e com sacrifício do lavrador - criador do gado - e do público - consumidor da carne - se sustentava uma multidão desnecessária de intermediários e que o marchante ou talhante oferecia a maior resistência a sujeitar-se a vender por preço mais justo a carne que servia ao público.

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Dando-se mais afincadamente ao estado do problema, chegou à conclusão de que o gado transportado de longe para ser abatido nas cidades chega a perder, em alguns casos, 25 por conto do seu valor.
E foi para uma solução revolucionária pela novidade, simples como a própria verdade, mas eficaz, porque baseada nos mais rigorosos ensinamentos e aperfeiçoamentos da técnica.
Dirigiu-se com os técnicos às regiões da França em que se cria o melhor gado e do carne mais saborosa e, de acordo com os lavradores e associações agrícolas, montaram-se aí matadouros rurais devidamente apetrechados e em condições técnicas de se poderem aproveitar todos os subprodutos da carne.
Esta era metida em pequenos sacos de celofane, com peso certo o indicação da qualidade, saquinhos esses colocados em caixas de alumínio e o transporte feito em camiões.
Nas cidades havia casas de venda, com pessoal irrepreensivelmente limpo e com balança para o consumidor verificar, querendo, o peso exacto da carne que estava no saquinho.
O resultado foi conseguir-se por este processo o que os marchantes diziam impossível: carne ao preço estipulado pelo chefe do Governo e ainda com a promessa da parte dos lavradores associados de se baratear o preço da carne em 25 por cento, desde que as populações citadinas soubessem compreender este esforço das populações rurais em favor dos meios urbanos.
Porque não há-de ser possível em Portugal o que tão recentemente e com tanto êxito se realizou em França? Só o não será se os técnicos, os governantes - com subsídios - e a organização da lavoura - para uma economia mais justa e mais ao serviço da Nação - se não derem as mãos, como é indispensável.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- E digo que é indispensável porque sem isto as populações rurais não terão interesse em criar gado e as citadinas continuarão a pagar a carne a preços exorbitantes. A experiência feita está dentro dos melhores princípios da produção e distribuição da riqueza e da crítica salutar feita no notável parecer das contas públicas.
Sr. Presidente: é com iniciativas destas e olhando a sério para o abandono das populações rurais que a técnica mostra praticamente o seu valor e se faz, a bem da Nação, uma política económica de produção, circulação e consumo justa, equitativa e útil a todos.
Pena é que entre nós os interesses criados sejam tão fortes e certas posições ocupadas tão injusta e obstinadamente defendidas, e assim se não tenha feito em matéria de gados e de carnes a política nacional que se impõe e nos indica a experiência feliz realizada em França pelo Governo Pinay.
Mas o que se passa com gados e carnes acontece também com a fruta.
Que o diga o nosso ilustre colega Dr. Manuel Vaz, relatando-nos o que acontece com a da veiga de Chaves e sua região.
É ela ali excelente, e, contudo, não passa de uma riqueza nacional que se perde ou de um valor quase por completo desvalorizado.
Há nas grandes cidades procura de boa fruta; mas, sendo de região de pequena propriedade, a fruta de Chaves, por falta de cooperativas de lavradores, apodrece ao abandono ou é destinada aos animais, porque nenhum produtor está em condições de a colocar no mercado de Lisboa e muito menos de a exportar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Amares é no Minho, terra de excelente laranja, que pela estação de Braga é enviada para os mercados de Lisboa. Só o distrito de Braga vende para Lisboa mais laranja do que todos os outros do País.
Mas aproveitam a lavoura regional o as populações rurais na proporção do valor das laranjas?
Por falta de organização de crédito e de cooperativas de produção e venda de laranja, a economia familiar do lavrador é vitima da exploração mercantil de endinheirados e intermediários, e a laranja é vendida em Janeiro de cada ano ao desbarato, ainda com o encargo de o lavrador a defender dos rapazes e dos ladrões.
Por estudos recentes parece ter-se chegado à conclusão de que as laranjas do Minho não devem ser enviadas para Lisboa cedo, mas nos meses de Verão.
Amadurecendo mais tarde que as laranjas do Centro e Sul do País, não têm nos primeiros meses do ano a doçura das provenientes de regiões mais quentes, mas nos meses de calor possuem a frescura que noutras se não encontra. Fala-se agora muito em aproveitar os terrenos mais pobres do Minho para laranjais, numa cultura associada com oliveiras, que é a forma tradicional no Norte do País e tom a vantagem de defender as laranjeiras das geadas e dos estragos dos vendavais.
Mas nada disso resultará em proveito dos pequenos lavradores se a estes faltar crédito, cooperativas e organização. Cada vez se põe com mais urgência a imperiosa necessidade do dar à lavoura uma organização que mereça tal nome.
Há semanas prestou a lavoura da sua região uma justa homenagem ao nosso ilustre colega Melo Machado, pelo entusiasmo e brilho com que a tem defendido. E quando os homenageantes e o homenageado se dirigiram ao Sr. Ministro da Economia foi para reclamarem de S. Ex.ª cooperativas, como meio indispensável da valorização agrícola e da necessária elevação do nível económico das populações rurais.
Têm os reclamantes toda a razão. Mas o problema é tanto mais grave e crucial quanto mais se caminha para as regiões de pequena propriedade. Nessas é que, ou se criam cooperativas, ou o lavrador, sem nível económico de vida decente, emigra ou procura nas cidades o que elas tantas vezes lhe não podem dar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Com razão e muito a propósito se afirma no parecer das contas públicas que a emigração pode ser um mal social grave se se fizer em excesso, e que a fuga para as cidades já está a ser combatida em muitos países como mal que sob muitos aspectos se considera de gravíssimas consequências.
Mas nem é possível travar a emigração, reduzindo-a às proporções de facto social inevitável e natural expansão dos meios populacionais do País ricos em vidas, nem obstar à debandada para as cidades sem que se dê à vida rural mais desafogo e aos rurais mais justa compensação do seu esforço.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Porque tudo isso falta é que as aldeias se despovoam e só fica no trabalho agrícola quem dele não pode fugir, porque em qualquer outra espécie de actividade em que empregue o seu esforço há melhor salário, mais horas de descanso, mais assistência e mais vantagens.
O problema é sério e tem como causa primária e inicial a desorganização da lavoura. Para se sair deste mal económico e social, que conduz à perda de muita riqueza nacional ou, em muitos casos, a uso dela que aproveita, injustamente, a poucos, com prejuízo de muitos

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e até da boa economia da Nação, é forçoso estruturar convenientemente a organização da lavoura.
Não me parece que tal se possa fazer sem que os grémios da lavoura e as Casas do Povo realizem um trabalho de entendimento e colaboração, que até agora não existiu.
A organização profissional dos lavradores deve ser tão simples e fácil que se adapte à pobreza dos caseiros e rendeiros e tão completa que não deixe sem amparo e auxilio qualquer aspecto da vida do associado.
Há necessidade de que não falte em cada organismo profissional e primário dos lavradores a secção de formação e cultura - formação moral, sindical e técnica ou de exploração da terra.
É que não vale nem resulta ter associados uns tantos lavradores; o que vale é convencê-los do valor e necessidade da associação e criar-lhes uma consciência moral e sindical que seja elemento de mística associativa e, mais do que a lei, os congregue em defesa colectiva própria e sempre a bem da Nação.
Este trabalho educativo no aspecto moral e sindical está por fazer. Por isso é que se não ama a organização, pois falta a consciência do seu valor.
O Ministério das Corporações deveria intervir nesse aspecto da vida associativa agrícola, como intervém na vida dos sindicatos operários.
E permitam-me que, sem intuito de ofensa para ninguém, diga que os delegados do Instituto Nacional do Trabalho não deviam ser simples bacharéis em Direito, mas preparados em escola especializada, para que fossem nos seus distritos os disciplinadores e educadores de funcionários, que não seriam apenas burocratas, mas propagandistas do corporativismo e associativismo e capazes de formar um escol de dirigentes entre os associados das várias profissões.
Sem este esforço a organização corporativa terá quadros - os quadros determinados pela lei -, mas não terá mística nem almas e cairá num baixo materialismo de interesses e de luta de classes.
Quando este trabalho de educação sindical, associativa e social se fizer no sector agrícola é ainda preciso defender os associados contra dois grandes inimigos da vida associativa: o usurário e o mau negociante ou negociante ganancioso.
Contra a usara, que aflige a lavoura, mormente a pequena lavoura, são indispensáveis as secções de crédito dentro dos organismos agrícolas e, em união com a secção de crédito e em íntima colaboração com ela, a secção de cooperativas de produção e compra e venda exclusivamente a favor dos associados.
Não se compreende nem justifica que o crédito agrícola não tenha sido ainda reformado e se encontre desarticulado da organização da lavoura, em que se devia incluir, fazendo parte, assim como as cooperativas, da secção económica da organização sindical ou profissional.
O que acabo de dizer, tendente a que se faça das organizações profissionais organismos completos, só é novidade por se não ter praticado. Está, porém, na história, tradição e essência do corporativismo português.
É sabido que as confrarias não eram apenas associações de piedade, com o objectivo da formação religiosa e moral dos associados, mas bancos populares, contra a usura e mutualidades de seguro dos homens, e até dos animais, como as confrarias de Santo Antão, de que encontramos ainda memória em velhos arquivos das nossas paróquias do Minho e de que as mútuas indemnizadoras de gado bovino não são mais que o prolongamento e continuação.
A nossa vizinha Espanha não esqueceu estes ensinamentos e lições da história e mantém prósperas as suas irmandades de lavradores.
Da maneira como ela fomenta o crédito e os organismos populares de economia e crédito entre as populações rurais nos dão eloquente testemunho os cartazes que nas aldeias da Galiza chamam a atenção dos viajantes para a existência em cada localidade da «cajá de abonos».
O problema é vasto e eu já me alarguei em demasia no seu exame ou crítica e estou por isso a cansar V. Ex.ª, Sr. Presidente, e a Câmara.
É que se trata de uma questão de vida ou de morte para a pequena lavoura. Ou esta vive da força e auxilio de uma boa organização ou perece, à míngua de um mínimo económico indispensável.
E o desaparecimento da pequena lavoura, que é o mesmo que dizer da pequena e média propriedade, não se dará sem que toda a vida da Nação se ressinta e o facto traga sérias consequências económicas, sociais e de ordem pública.
Para as evitar se expressa o desejo de que não tardem as federações regionais da lavoura, pelas quais há tempo se clama em vão, e de que o lavrador, ao mesmo tempo que encontre crédito e colocação ajusto preço dos seus produtos, como serviços da organização a que pertence, receba ainda dela a cultura e a educação social, moral e associativa, que não tinha ao lançar-se a organização e que nada se fez para lhe dar.
E que, logo que seja possível - pois vai sendo tempo-, os organismos de coordenação económica, que, por circunstâncias especiais da guerra, se intrometeram na vida da organização corporativa, abandonem as posições tomadas e não estorvem nem tornem odiosa essa organização, permitindo-se nela direitos e funções que a rigor lhes não pertencem.
Sr. Presidente: quando o turista, português ou estrangeiro, se dirige ao Alto Minho, para aceder ao convite do autor do Minho Pitoresco e poder confrontar as belezas das margens do rio Minho com as do rio Lima - que se disputam à porfia vantagens e primazias, pleito difícil que o referido autor se não decide a resolver, comparando-o ao eterno e insolúvel problema dos olhos azuis e dos olhos negros -, e, entrando em Viana do Castelo, sobe a esse incomparável miradouro que é o monte de Santa Luzia, sentirá todo o assombro da maravilha da paisagem, viva, garrida e variegada.
Se, porém, além de admirar a paisagem, o interessa a vida da gente que habita esse rincão português de incomparável beleza, notará bem depressa que o rio
- que em linguagem poética beija os pés da cidade, sua dama, e abraça os campos -, assoreado no seu leito, invade os terrenos marginais e rouba às gentes de Viana e de Ponte de Lima o pão, ou seja as culturas de algumas centenas de hectares de terreno.
É a nota triste o desoladora no meio de tanta garridice e policromia de tons da paisagem e do traje das raparigas.
Muitas vezes tenho contemplado entristecido este pormenor da paisagem e da vida da gente das margens do rio Lima e perguntado a mim próprio se não há quem veja aquilo e se para o caso se não encontrará remédio.
Tendo exposto a alguém o meu sentir em conversa de minhoto que mais ama a sua pátria através da região em que nasceu, vim a saber que já há estudos feitos sobre o aproveitamento total do rio Lima, de que resultará, com outras vantagens, não só o desaparecimento do espectáculo desolador que entristece o turista, mas ainda o melhoramento da barra de Viana do Castelo, a rega e o enxugo do muitas terras marginais e o aproveitamento hidroeléctrico do rio.
De facto, vêm de longe os estudos sobre o assunto, que é hoje de mais importância e de mais urgência na solução, dado que na sua parte inferior se agravam cada

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vez mais o estado do leito do rio e o lamentável desperdício das terras marginais invadidas pelas águas.
É o rio Lima, na opinião dos técnicos, um dos poucos rios portugueses cujo aproveitamento total se impõe, e esse aproveitamento reveste-se na actualidade da maior necessidade e urgência, por se tratar de uma região de grande densidade de população, em que as indústrias são escassas ou quase não existem, sendo por isso mais necessário intensificar a produção agrícola e aproveitar todos os recursos da terra.
Pelos elementos que me vieram à mão, verifica-se que as duas mais importantes obras para o aproveitamento completo do rio Lima estão já realizadas, e são o porto de Viana do Castelo, na sua foz, e o aproveitamento hidroeléctrico do Lindoso, na fronteira.
Reconhecem os técnicos a que a bacia hidrográfica do rio Lima tem excepcionais condições de aproveitamento e que nela se registam as maiores precipitações anuais médias e, paralelamente, os maiores coeficientes de escoamento de todo o País».
Vê-se dos bem elaborados anuários dos serviços hidráulicos que há possibilidade de um plano geral de aproveitamento a fio de água no rio, a jusante de Lindoso, e de albufeiras de elevada regularização específica nas ribeiras da Peneda e de Castro Laboreiro.
Os resultados desse plano seriam a produção de grande quantidade de energia, a defesa contra cheias, o enxugo do vale inferior do rio a jusante de Ponte de Lima, a rega e valorização com ela de 5 000 ha de terras férteis, o melhoramento da navegação - de grande vantagem económica para a região - e a recuperação integral de algumas centenas de hectares de terrenos de cultura inutilizados.
E se as duas obras maiores deste plano já estão realizadas, há também já muitos estudos feitos para se chegar ao aproveitamento total do rio.
Nos anos de 1939, 1940 e 1941 realizaram-se, por meio de brigadas de estudos dos serviços hidráulicos, levantamentos topográficos e hidrográficos e medições de caudais no rio Lima e seus afluentes.
Maiores foram os estudos e trabalhos dos anos de 1942 e 1943.
Em 1942 fizeram-se os reconhecimentos gerais necessários para a elaboração do plano geral de aproveitamento, o reconhecimento detalhado do rio Lima sob o ponto de vista hidráulico e agronómico e em relação às necessidades de enxugo e rega e ainda o reconhecimento das bacias dos seus afluentes-rio Vez e ribeiro de Castro Laboreiro.
Em 1943 iniciou-se o estudo do plano geral da regularização e aproveitamento das águas de toda a bacia hidrográfica.
O ano de 1944 foi o do início do estudo do aproveitamento hidroeléctrico, estudando-se já os vales do rio Lima e dos ribeiros da Peneda e de Castro Laboreiro.
Dos estudos e trabalhos no ano de 1945 diz o Anuário dos Serviços Hidráulicos:

Prosseguiu a recolha de elementos topográficos, hidrológicos e agronómicos para a elaboração do plano geral de sistematização da bacia deste rio. Ficou concluída a parte referente à correcção torrencial e ao aproveitamento da energia das águas do rio e dos seus afluentes Castro Laboreiro, Peneda e Vez.
O esquema do aproveitamento hidroeléctrico prevê uma possível produção de 450x106 kWh no ano muito seco de 1944-1945, com influência benéfica na utilização de água para a rega e na manutenção de caudais para a navegação e contribuindo ainda para a diminuição dos transportes sólidos.
Nos anos de 1946,1947,1948 e seguintes continuou se com a elaboração do plano geral de regularização e aproveitamento das águas, tendo-se ainda feito o reconhecimento agro-económico dos terrenos a beneficiar e o reconhecimento geológico dos possíveis locais de barragens.

O Sr. Elísio Pimenta: - Não esqueça V. Ex.ª que o problema do rio Lima, nos aspectos que acaba de encarar, não é o único na região do Minho.
Existe um problema paralelo no rio Minho, a poente de Valença, em S. Pedro da Torre.

O Orador:- Tem V. Ex.ª razão. Tanto na veiga de Ganfei como em S. Pedro da Torre, freguesias do concelho de Valença, há problemas idênticos.
Sr. Presidente: parece que os trabalhos sobre o aproveitamento integral do rio Lima pararam ou, pelo menos, não há indicação do que se fez depois de 1950. Diz-se que foi a necessidade de deslocar os técnicos para estudos urgentes no rio Douro o que motivou esta paralisação de trabalhos e estudos.
Permita-me, ao terminar as minhas considerações no debate das contas públicas, lembrar ao Governo a necessidade de se prosseguir nesses trabalhos interrompidos, visto que depende deles o aproveitamento de grandes fontes de receita, bem necessárias à gente do Alto Minho e às prementes necessidades de melhor nível económico, para sustento da sua densa população.
Junte-se à beleza da paisagem e dos trajos regionais a beleza desta possível e urgente realização. As despesas a que obriga são fartamente compensadas pelas receitas que dela hão-de provir para a economia nacional e para melhoria de vida da gente alegre de Viana e da Ribeira Lima.
Que por esta obra tão necessária possam o estrangeiro ou o português que visitam a cidade de Viana ou ali vão pelas festas da Agonia, ao ouvir os cantares das raparigas e ao apreciar as danças regionais, dizer com toda a verdade: «Sente-se que esta gente é mais feliz e canta com mais vivacidade e alegria porque vive no Portugal renovado de Salazar».
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Matos Taquenho: - Sr. Presidente: foram presentes à consideração desta Assembleia o relatório e declaração geral do Tribunal de Contas, e bem assim o parecer da nossa Comissão de Contas Públicas sobre as Contas Gerais do Estado de 1951.
Trata-se de dois notáveis documentos de grande interesse, que permitem verificar como o Governo deu execução à lei de receitas e despesas.
O venerando Tribunal, baseando-se em todos os elementos de conferência que lhe foi possível obter, além dos vistos que durante aquele ano já tinha posto nos documentos que lhe tinham sido submetidos, verificou perfeita concordância com a Conta Geral do Estado e acordou em dar a sua declaração de conformidade, com reserva de divergência que possa resultar de elementos que, como em anos anteriores, não puderam ser verificados, por exiguidade de tempo, até à data da declaração de conformidade.
A nossa Comissão de Contas Públicas conclui, em mais um notável parecer, como há quinze anos vêm sendo apreciadas estas contas, que a cobrança das receitas e as despesas foram feitas de harmonia com a lei, que o produto dos empréstimos teve aplicação constitucional, que foi mantido o equilíbrio orçamental e é

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legítimo e verdadeiro o saldo, de 48:047.952$23, que a Conta Geral do Estado apresenta.
A análise dos números leva imediatamente a concluir que se manteve o já tradicional espírito de prudência com que são previstas as receitas, tanto assim que entre a previsão da receita ordinária e a cobrança efectiva se verificou um aumento de 827 000 contos, números redondos. Por outro lado, uma sólida orientação nos gastos levou a que entre a verba orçamentada e a efectivamente despendida se tenha verificado unia diferença para menos da ordem dos 34 500 contos no capítulo das despesas ordinárias.
As receitas extraordinárias tinham sido previstas até ao montante de cerca de 618 000 contos, dos quais apenas vieram a ser utilizados, cerca de 123 500 contos. Pelo que diz respeito às despesas extraordinárias, que tinham sido previstas e orçamentadas em cerca de 911000 contos, vieram a atingir a elevada verba de aproximadamente 1 235 000 contos, portanto com um acréscimo de cerca de 1124 000 contos.
O quadro seguinte dá os números exactos:

[Ver Quadro na Imagem]

Foi possível efectuar as despesas extraordinárias sem aumentar os encargos gerais da Nação até ao montante previsto, porque o excesso das receitas ordinárias sobre as despesas da mesma natureza o permitiu, e assim
desta origem se utilizaram no decurso do ano 324 000 contos. Efectivamente:

[Ver Quadro na Imagem]

Respeitou-se pois o princípio fundamental do equilíbrio financeiro e o Governo foi mais longe do que prometera pelo orçamento, o que também já não apresenta novidade, mas não se deve deixar de acentua r, porque constitui pedra de toque da administração.
Quando da votação da Lei de Meios para 1951 a, Assembleia Nacional aprovou por unanimidade uma moção relacionada com a situação dos fundos especiais, que no Decreto Orçamental n.º 38 145 encontrou expressão no seu artigo 19.º Para se ajuizar da importância destes fundos, o venerando Tribunal de Contas faz a sua enumeração e classifica-os como segue:

Divisão A:

Fundos que prestam contas ao Tribunal de Contas - 12;

Divisão B:

Fundos integrados em contas sujeitas ao julgamento do Tribunal de Contas - 35;

Divisão C:

Fundos que não prestam contas ao Tribunal de Coutas nem estão integrados em contas sujeitas ao seu julgamento - 35;

ou seja, no total, S2 fundos, que movimentam verbas que totalizam muitos milhares de contos. A Assembleia Nacional, na moção referida, retomou um tema que já em 1Ü28 o Decreto n.º 15 465 tinha estabelecido e ficou definido no seu artigo 13.º, com a seguinte redacção:

Todas as receitas e despesas dos serviços- públicos, estejam ou não sujeitas a administrações autónomas e haja ou não fundos especiais que lhes estejam destinados, serão incluídas no Orçamento, exceptuando-se apenas as de estabelecimentos financeiros do Estado ...

Sr. Presidente: tem grande interesse a comparação das receitas ordinárias com as do ano anterior, pois se verificou o maior aumento entre duas gerências consecutivas e que se traduz na vultosa, verba de cerca, de 702 000 contos. Este substancia! alimento provém especialmente dos impostor directos e indirectos e dos regimes tributários especiais.
O mapa a seguir esclarece completamente:

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Já se disse que a despesa extraordinária foi de aproximadamente 1 235 000 contos e que a receita extraordinária não foi além de 125 500 contos. Importa agora verificar a proveniência destas verbas.
Concorreu o Fundo de contrapartida com cerca de 33 150 contos, o produto do empréstimo Marshall com cerca de 30 050 contos e o produto da venda de títulos e empréstimos com 62 330 contos.
Mais exactamente se vê no quadro seguinte a forma como se orçamentou e como se cobrou:

[Ver Quadro na Imagem]

A despesa extraordinária atingiu o máximo no ano de 1947, com 2 254 000 contos, «números redondos, e diminuiu substancialmente em 1949, a menos de metade, sendo o último ano em que foram utilizados os saldos de anos económicos findos.
Tem vindo a aumentar a utilização dentro do mesmo ano dos excessos das receitas ordinárias sobre as despesas da mesma natureza para pagamento de despesas extraordinárias, o que significa folga da tesouraria.
Este aumento traduz-se nas seguintes percentagens: em 1948, 31,8 por cento; em 1951, já 89,8 por cento.
O acerto da política de finanças tem verdadeira expressão nestas percentagens, pelo que endereço ao Sr. Ministro daquela pasta as minhas homenagens.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: as contas de 1951 pela primeira vez revelam que a contribuição predial urbana ultrapassou a predial rústica, que tradicionalmente era mais rendosa. O desenvolvimento da contribuição predial urbana encontra possivelmente a sua razão de ser no volume de prédios novos construídos e ainda nas remodelações que valorizaram outros.
Nos mapas a seguir mencionados verifica-se em pormenor, segundo consta da estatística industrial relativa a 1951, o desenvolvimento das construções novas no continente entre 1939 e 1951, que se podem resumir da seguinte maneira:

a) Edifícios para habitação - 37 006i, a que correspondem 66 889 pavimentos, em um a cinco e mais andares, com a área coberta de 3 853 963 m2;
b) Edifícios mistos - 1 631, com 3 081 pavimentos, em um a cinco e mais andares, com a superfície coberta de 280 630 m2;
c) Edifícios para comércio e indústria - 4 560, contando 5 777 pavimentos, com a área coberta de 1 314 488 m2;
d) Edifícios não especificados - 2713, totalizando 2 996 pavimentos, representando a superfície coberta de 251 862 m2.
Os mapas a seguir mostram a evolução destes tipos de construção.

Edifícios para habitação construídos no continente

[Ver Quadro na Imagem]

Edifícios mistos construídos no continente

[Ver Quadro na Imagem]

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[Ver Quadro na Imagem]

Edifícios para comércio e indústria

[Ver Quadro na Imagem]

Edifícios para fins não especificados

[Ver Quadro na Imagem]

Todos estes edifícios correspondem a altos valores, que não podiam deixar de ter reflexo na contribuição predial urbana.
Indicam-se no mapa a seguir as percentagens de aumentos ou diminuições dos prédios rústicos e urbanos e do número de contribuintes do continente e ilhas em 1931, referidas a 1936, que se podem resumir como segue: os prédios urbanos aumentaram em todos os distritos nas seguintes condições: mais de 20 por cento, Setúbal e Castelo Branco; de 10 a 20 por cento, Braga, Leiria, Funchal, Lisboa, Portalegre, Évora, Faro, Porto, Santarém o Aveiro; menos de 10 por cento, Beja, Bragança, Coimbra, Guarda, Viana do Castelo, Vila Real, Viseu, Angra do Heroísmo, Horta e Ponta Delgada.
Estas percentagens impressionam pela ideia que só faz do desenvolvimento de alguns centros urbanos importantes, visto não lhe corresponderem. Referiu-se a natureza dos prédios e nos indicados não se encontram os bairros de casas económicas, nem os para as classes trabalhadoras, nem para pescadores, nem os de renda económica ou renda limitada, por falta de tempo para coligir os respectivos elementos. Com grande minúcia foram estes bairros há dias referidos pelo Sr. Deputado Amaral Neto, pelo que a sua enumeração agora não importa grandemente.
Refere o parecer da Comissão de Contas Públicas a importância que tem no plano social o parcelamento ou a concentração da propriedade rústica e na p. 37 publica um mapa por onde se pode verificar a evolução do número de contribuintes - rústicos - e urbanos entro os anos de 1936 e 1951. A análise dos números apresentados impressiona e bem assim as considerações da p. 38.
A especial referência aos três distritos que formam o Alentejo, que é a região que menos mal conheço, levou-me a procurar esclarecer um pouco mais em profundidade um problema que é de grande importância, tanto no aspecto social como no económico, porque os números levaram a uma conclusão que se não ajusta «o conhe-

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cimento directo da evolução da propriedade rústica naquela zona do País.
Por outro lado, unida é frequente ouvir-se falar ou lerem-se referências à existência de latifúndios no Alentejo. Não é o momento próprio para tratar deste caso com me inicia, mas aqueles que vivem da terra do Alentejo da que não dá trigo, da que dá uma «pastagem que morre aos primeiros calores, aquela para a qual o Criador destinou os sobreiros e na qual o homem de seis em seis, de sete em sete «u de oito em oito anos teima em semear ou que nela procura apascentar ovinos, de cuja rusticidade abusa sabem, de saber de experiência feito, que é bem verdadeiro o rifão: «Mais vale um canto que um campo».
Importa necessariamente estudar estes problemas, mas não com frases feitas; importa encontrar uma solução para o mal-estar económico-social dos nossos tempos, mas ela é complicada em demasia para se cifrar num parcelamento, como poderão imaginar os que, no desconhecimento das realidades, se debruçam apenas sobre áreas.
No mapa o trás referido podemos ver como os três. distritos alentejanos alteraram a fisionomia do mosaico que forma a propriedade rústica entre 1936 e 1951. Dele se conclui que o de Beja tem a menos 6,2 por cento de prédios rústicos, Évora menos 0,6 por cento e Portalegre mais 5,2 por cento. Julgo não ser legítimo falar-se em concentração com percentagens tilo diminutas.
Tenho o maior respeito e consideração pelo saber do relator das contas públicas, mas julgo, em face do que fica dito, que não haverá grande razão para o seguinte, que se lê na p. 38:
Um dos fenómenos que os números indicam e que não parece ter explicação razoável é a contínua concentração de propriedade no Alentejo, visto diminuir o número de prédios. Mas mostra tendências que convirá reter em qualquer julgamento sobre a vida da propriedade rústica e urbana.
Analisando detidamente o mapa ultimamente referido, observa-se que os distritos de Braga, Faro, Portalegre e Funchal tinham em 1951 mais prédios rústicos que em 1936. Os restantes distritos têm estes prédios em menor número, e interessa ver qual a redução, em percentagem, e por ela avaliar da gravidade do fenómeno. Podemos agrupá-los assim: com menos de 1 por cento, Évora: compreendidos entre 5 e 10 por cento, Beja, Bragança, Guarda, Leiria, Santarém, Setúbal, Viana do Castelo e Ponta Delgada; entre 10 e 15 por cento, Vila Real, Viseu e Horta; entre 15 e 20 por cento, Castelo Branco.
Como fica demonstrado pelos números que o relator do parecer recolheu na Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, os distritos do Alentejo não estão mal acompanhados, com o que muito folgo.
Se é certo que os números estatísticos não podem apresentar grande rigorismo, se neles se não deve procurar mais que tendências e não rigor absoluto, parece-me, no entanto, que para tirar uma conclusão mais conforme com o que diz a prática de quem vive naqueles locais seria conveniente analisar um maior número de anos, em que alterações fossem mais fáceis de apreender, e assim se elaborasse um novo mapa com os números oficiais publicados pelo Instituto Nacional de Estatística referentes aos anos de 1916 a 1951, referidos aos distritos de Beja, Évora e Portalegre.
Aqui desejo deixar expressa a minha gratidão ao Sr. Dr. Picão de Abreu, que gentilmente me facultou informações que obrigam a não poder confiar grandemente em alguns números publicados, especialmente de 1916 a 1921, por deficiências encontradas nas notas enviadas dós concelhos.
No mapa a seguir vai indicada, em observação, a falta de alguns elementos, conforme se encontra na respectiva publicação.

[Ver Quadro na Imagem]

Observação.- No que diz respeito ao distrito de Évora, em alguns anos de 1916 a 1936, faltam elementos do dois concelhos: Montemor-o-Novo de 1929 a 1931 e Arraiolos de 1920 a 1931.

São estes, no entanto, os elementos de que se dispõe, e só por eles se poderá fazer um juízo, mas as conclusões são de receber com reserva. As variações registadas de ano para ano determinariam uma curva que não tem lógica, pois corresponde a um movimento muito desordenado, a que os prédios rústicos nunca estivera submetidos. Julgo serem de admitir divergências de critério na elaboração dos mapas concelhios, como seja a inclusão ou não dos prédios isentos, que são em número muito considerável.
Como exemplo, vejamos o que se passa em relação ao distrito de Beja: de 1916 a 1924 as variações são entre 79 000 e 82 000 prédios; de 1925 a 1928 sobem repentinamente para mais de 87 000, para recaírem de 1929 a 1931 em 81 000-82 000; em 1932 sobem novamente para 84000 e lentamente a mais de 87 000 novamente em 1943, para virem gradualmente baixando até 79000 em 1951. Parece tratar-se de um autêntico bailado enérgico, um fandango predial rústico, que a observação directa não confirma.
Para o distrito de Évora os números têm menos saltos bruscos e o número de prédios foi aumentando lentamente no mesmo número de anos considerado para Beja.
Quanto a Portalegre, os números também mostram maior regularidade, sendo visível o aumento do número

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de prédios, que se cifra em 9000 no espaço de tempo considerado. «Mas há mais. Reconhece o parecer, a p. 38:

De um modo geral, verificasse aumento substancial no numero de contribuintes, provavelmente em virtude do desenvolvimento demográfico.

Trabalhando sobre os números fornecidos no quadro da p. 37 do parecer, obtiveram-se as percentagens constantes do mapa já referido, que mostram o aumento do número de contribuintes, o que implica a existência de maior número de proprietários, e que se resume como segue: até 5 por cento, Aveiro e Angra do Heroísmo; de 5 a 10 por cento, Braga, Viana do Castelo e Horta; de 10 a 15 por cento, Faro, Guarda, Portalegre, Vila Real, Viseu e Ponta Delgada; de 15 a 20 por cento, Coimbra, Évora, Leiria, Porto e Santarém; de 20 a 25 por cento, Beja, Castelo Branco, Lisboa e Funchal; mais de 30 por cento, Bragança e Setúbal.
Importa não esquecer que o número de contribuintes é fornecido pelas instâncias oficiais para o conjunto das contribuições prediais rústica e urbana e que para estudar a evolução de tendências da propriedade seria necessário conhecer separadamente o número dos respectivos contribuintes.
Tentei com interesse esclarecer este ponto fundamental, como alicerce sólido de raciocínio e conclusões, mas só me foi dado encontrar alguns elementos que constam dos mapas a seguir indicados, colhidos numa publicação que teve duração efémera, o que é para lamentar, visto que oferecia pormenores de incontestável interesse para o estudo deste grande problema.
Os mapas que seguem foram compilados de Elementos estatísticos relativas à liquidação e cobrança das contribuições industrial e predial, edição do Instituto Nacional de Estatística.

Número de contribuintes da contribuição predial rústica nos anos de 1931-1932, 1932-1933, 1933-1934 e 1934-1935

[Ver Quadro na Imagem]

É lamentável que também não possam servir de base para um estudo, e esta conclusão tira-se fàcilmente.
Por aqueles elementos o número de contribuintes da contribuição predial rústica no ano económico de 1933-1934 era de 1 238 930 e no ano imediato indicam-se como sendo de 1778 517, ou seja um aumento de 539 587 contribuintes, o que corresponde a um aumento de 43 por cento.

[Ver Quadro na Imagem]

Vejamos agora o que se passa com a contribuição predial urbana. lio ano económico de 1933-1934 indicavam-se 749 971 contribuintes e no ano imediato estes tinham subido para 1052713, ou seja mais 30.2 742, correspondendo a um aumento de 40 por cento.
Necessàriamente que estes números não podem corresponder u realidade e, consequentemente, não podem ser tomados em consideração. Neles nada se pode basear.
Tem o Instituto Nacional de Estatística serviços impecavelmente montados e procura já há muito, ao longo dos anos, aperfeiçoar, desenvolver e completar as suas publicações; porém, a sua actividade é em grande parte apenas compiladora, e se os elementos que lhe são fornecidos não forem exactos é impossível realizar trabalhos de confiança, por melhor montada que esteja aquela prestimosa organização.
Dado que cada vez se torna mais necessário ter elementos definidos sobre a evolução da propriedade, e estes para terem interesse carecem de ser detalhados e certos, daqui endereço ao ilustre titular da pasta das Finanças um apelo para que as repartições de finanças os forneçam em conformidade.
Sr. Presidente: já se fez referência à circunstância de a contribuição predial urbana liquidada ter ultrapassado a predial rústica no ano em análise, o que é inédito, e procurou-se-lhe a explicação.
A progressão da contribuição predial, no seu conjunto, é pequena quando comparada com 1938, se a colocarmos em paralelo com a contribuição industrial. A predial aumentou 45,7 por cento, enquanto que a industrial foi para a ordem dos 385 por cento.
Comparadas uma e outra com o total das contribuições e impostos arrecadados em 1938 e em 1951, verifica-se que a predial perdeu posição, pois a percentagem baixou de 25,4 paro 16,1, enquanto que a industrial subiu de 20.9 paro 26,8, e que dá ideia nítida do progresso de uma e da estagnação da outra.
O País estava muito atrasado, tanto no seu desenvolvimento industrial como no agrícola. As percentagens referidas mostram que se ganhou bastante no atraso industrial, mas e outro tanto se não verificou com a exploração predial. Já vimos que aumentou a contribuição predial urbana. Torna-se necessário dedicar algumas palavras à predial rústica.
Interessa ao Estado aumentar os seus réditos, mas não lhe convém asfixiar as fontes da produção. Reside aqui a razão de ser da falta de progresso da contribui-

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cão predial rústica. No entanto, nos concelhos já cadastrados o rendimento colectável subiu, com grandes diferenças, que se situam entre 19,93 por cento em Almodôvar, e 283,74 em Moura. Já em outra altura tratei deste assunto nesta tribuna.
Os preços dos produtos da terra não acompanharam a desvalorização do escudo, salvo um ou outro, que tem tido altas esporádicas, mas por virtude de factores de ordem externa. A lavoura que dispõe desses produtos encontra neles uma compensação para os que vende em más condições. São, no entanto, poucos os que auferem essa vantagem e que, em consequência, podem viver; os restantes, que formam a grande maioria, vegetam ou definham.
Garrem a mesma, sorte dos últimos os trabalhadores rurais, que não viram as suas jornas elevadas na medida da desvalorização do escudo. Compram, é certo, alguns produtos da terra desvalorizados, mas pagam outros, que são fundamentais para a sua existência, como se tivessem os seus réditos actualizados. Em consequência, têm um nível de vida mais baixo que antes da segunda grande guerra. Quem vive no campo junto deles não precisa de indagar nada; basta ser um pouco observador e confrontar o passado com o presente.
Neste pormenor refiro-me especialmente ao Baixo Alentejo, onde a necessidade forçou já a alterações na indumentária tradicional, designadamente na usada para o trabalho. Ela aproxima-se da do operário do meio urbano, o que empresta o trabalhador rural um aspecto de proletário, que o campo não estava habituado a ver e que o distancia dos tempos felizes da vida patriarcal, com manifestas desvantagens, que não cabe aqui analisar.
O Governo sabe que os rendimentos colectáveis, mesmo onda o cadastro geométrico já está em vigor, não correspondem aos valores que atingiram alguns produtos da terra, mas sabe também que se trata apenas de altas acidentais, que nada justificam sobre permanência de valores.
O Governo sabe que II pecuária, em tempos que já vão distantes, era nas zonas de sequeiro o elemento compensador dos prejuízos da cultura arvense, mas não desconhece a que ponto baixou o seu rendimento e quanto tem representado em auxílios do Fundo de Abastecimentos tentar segurar quedas vertiginosas.
E aqui está, em poucas palavras, porque não sobe o rendimento da contribuição predial rústica. Não sobe porque não pode subir. O que resta saber é durante quanto tempo os contribuintes poderão pagar mesmo aquilo que não está actualizado.
Mais uma vez o parecer se preocupa com este problema e diz:

O problema da propriedade rústica é dos mais importantes a considerar uma futura reforma tributária. Através do imposto se pode operar certa reorganização de todo o sistema agrário, sem necessidade de ir até aos limites da divisão, que levantam muitas vezes injustiças e lançam perturbações graves na vida política. Já se citaram, em pareceres anteriores, certos aspectos do regime agrário português: a concentração excessiva e exploração extensiva do Sul e o extraordinário parcelamento no Norte.

Evidentemente que o excessivo parcelamento no Norte tem os mais altos inconvenientes sociais e económicos. Um emparceiramento seria de desejar que se realizasse o mais rapidamente possível, mas constitui um problema, sério, que levantará reacções compreensíveis, mas que não invalidam a necessidade de melhorar as condições sociais e económicas das zonas dos minifúndios.
A exploração extensiva do Sul, por seu lado, não é um capricho, não é um ancestral propósito latifundiário, é uma consequência da produtividade, e esta em grande parte está imediatamente dependente das condições agro-climáticas de cada região.
Pode o homem intervir neste problema? Não só pode, em certa medida, mas deve fazê-lo, porque o social é imperativo suficiente, quando não se queira dar preferência a teoria social católica.
Estaremos possivelmente todos de acordo, quer num aspecto, quer noutro. Mas da teoria à sua aplicação prática vai distância enorme. Entre a teoria e a prática está a vastidão de um .munido de problemas económicos, exactamente como há dias tão brilhantemente foi demonstrado pelo ilustre Deputado Abrantes Tavares no caso das dificuldades para generalizar a previdência social.
O parecer aborda este ano pela primeira vez o problema da formação de capitais e afirma:

Sem a contínua formação de capitais provenientes da poupança não pode haver investimentos, e sem investimentos não pode haver investimento económico.

Na sua brilhante intervenção na discussão do Plano de Fomento o Sr. Deputado Nunes Mexia, tratando dos interesses da lavoura, disse: «Vivemos pràticamente da riqueza que havia, e não da que criámos», e na proposta que então o Governo enviou à Assembleia reconhecesse:

O progresso económico do País depende de um conjunto de iniciativas, nas quais se integram, assumindo particular importância, as que promovem o desenvolvimento da agricultura ...

e noutro passo acentua:

A transformação das condições deficientes da agricultura nacional no que respeita à técnica agrícola e ao apetrechamento que lhe é indispensável há-de ser obra, sem dúvida, dos próprios lavradores.

Muito bem; assim será, ou, antes, assim deveria ser, mas para tanto falta o requisito fundamental àquela grande maioria dos produtores agrícolas a que há pouco me referi: as possibilidades de fazer a necessária poupança para a constituição do capital necessário ao apetrechamento que o próprio Governo reconhece que é indispensável à lavoura nacional.
Eu acredito nas vantagens de um largo apetrechamento em máquinas e instalações agrícolas, mas paxá tornar esta necessidade viável não pode ser apenas por força do crédito, para custeio integral das aquisições ou obras que permitam, a necessária mudança nas explorações. Os riscos da lavoura «ao sempre muito grandes e sem uma parte substancial de capital próprio ninguém se arriscará, porque pode ficar sem a propriedade, dada a incerteza dos preços dos seus produtos e a falta de lucros.
Mas, se o preceito se generalizasse, quem pagava aos trabalhadores rurais substituídos pelas máquinas? - uma das maneiras de baratear, e portanto de conseguir algum lucro. Grandes problemas que deixo a consideração de VV. Ex.ªs
No seguimento destas ideias interessa ver a forma como se distribui geogràficamente o rendimento colectável rústico e o imposto complementar por distritos, como maneira aproximada de determinar a concentração de rendimentos.
O rendimento colectável por habitante e por distritos em 1931 distribuiu-se como mostra o quadro seguinte,

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em que necessariamente a densidade de população tem importância fundamental:

[Ver Quadro na Imagem]

Figuram nos três primeiros lugares os distritos que formam o Alentejo. De todos, o único que está completamente cadastrado é o de Beja, sendo, consequentemente, o mais actualizado. Desde 1945, ano em que entraram em vigor as primeiras matrizes cadastrais, a capitação do rendimento colectável subiu de 187$ para 336$. A capitação varia entre 50$ no Porto e 33$ em Beja. A média no continente é de 130$.
Vejamos agora como se comporta o imposto complementar, que, como o seu próprio nome indica, parece ser aquele que mais nitidamente pode reflectir onde se concentram os rendimentos. 32 certo que ele é pago no concelho onde o contribuinte reside, o que pode alterar substancialmente a distribuição em relação aos distritos onde existem os bens passíveis deste imposto. O caso dos absentistas da propriedade rústica é fundamental neste resultado. Analisa-se, em todo o caso, com o mesmo objectivo do rendimento colectável:

[Ver Quadro na Imagem]

Concentra-se em Lisboa e Porto a maior parte do rendimento deste imposto. Os distritos que formam o Alentejo vêm em 10.º, 11.º e 1-3.º lugares, não obstante a. atribuição de latifúndios, que ainda há quem teime em afirmar que existem.
Sr. Presidente: vai longa esta explanação em volta de contribuições e impostos, com números que são sempre enfadonhos de ouvir, mas necessários e que nos cumpre apreciar.
Depois desta análise, quero afirmar que interessa ao distrito de Beja - o qual tenho a honra de representar nesta Assembleia - que aumente o rendimento da contribuição predial rústica, porque esse aumento só é viável com maior rendimento efectivo da terra. Interessa que este aumente, na verdade, para se tentar minorar a agrura do problema social, que significa martírio para os trabalhadores rurais e amargura para os lavradores.
Muito há que fazer, mas entre inúmeras dificuldades, como já disse.
Permito-me recordar que na minha intervenção na discussão do Plano de Fomento que se há-de executar de 1953 a 1958, a qual consta do Diário das Sessões n.º 173, de 4 de Dezembro de 1952, fia um apontamento sobre a forma como se celebram hoje os contratos de arrendamento da propriedade rústica. Apresentei ainda números, por onde se conclui que as áreas arrendadas representam 46,1 por cento na região agrícola de Eivas, 42,3 ma de Évora e 26,2 na de Beja em relação à área semeada. Tentei mostrar quanto influi no resultado da exploração o regime de arrendamento e como se torna urgente procurar evitar os males, que vão crescendo.
Permito-me, Sr. Presidente, voltar a insistir nestes pontos. O arrendamento consente ao proprietário, com as garantias de que se rodeia - rendas caras e pagamentos adiantados -, viver perfeitamente à margem dos riscos que importa a exploração Agrícola. Trata-se de uma forma de capitalização que desvincula a terra da sua função ancestral e traz consigo a inevitável proletarização do trabalhador rural o que não convém de forma alguma.
Se me esforcei por demonstrar que os números para mini não significam concentração da propriedade, já o caso de aquisições de propriedade rústica como forma de capitalização industrial me não repugna aceitar que exista. A espoliação através do arrendamento não é nova. Esta capitalização, que classifico de industrial, tem a sua origem em avultados capitais feitos não indústria e que são investidos, não na exploração agrícola, o que seria muito de louvar, mas sim em certos casos na aquisição de montados, dê sobro, que é o que interessa, para depois se fazer a espoliação através dos arrendamentos. A área arável não aumenta, mas os montados submetidos a este regime deixarão de ter a pouca pecuária que alimentavam e terão de ser aproveitados ùnicamente para a cultura arvense, que, como já disse, não tem ali significado económico. Mas a paixão da terra cega, e os que não sabem fazer outra coisa, habituados à lotaria dos anos bons e maus, vão sempre tentar a sorte, como caminho intermédio para passarem o simples condição de rurais.
Torna-se necessário evitar este desvio, cujos, resultados podem ser muito perigosos.
Cobram-se impostos sobre lucros extraordinários de guerra, cobram-se sobre mais valias, de produtos ocasionalmente fortemente valorizados. Entendo que, se a terra é aproveitada, não para a fazer produzir, que é a sua finalidade, mas sim para a explorar, sem compartilhar nos riscos, que o proprietário integralmente transfere para o rendeiro, também pode ser considerado como auferindo uma mais valia, que pode ser tributada.
Esta solução, estou disso convencido, poderá provocar enormes reacções, mas terá também grandes vantagens, pois gradualmente fará voltar a terra à sua função natural.
Num estudo magnífico de Robert Mallet verifica-se que o regresso à terra apenas se terá verificado com os judeus à Palestina - mas mesmo estes não se voltaram

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para a terra. Não há pois que considerar este problema, mas sim evitar o êxodo para a cidade.
Toma-se necessária uma política de fixação dos que ainda, lá estão, e para tanto é preciso que aumente a área em exploração directa. Para isso impõe-se diminuir a área do arrendamento, que, como já disse, andará na zona do sequeiro por 40 por cento.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: vou terminar. Antes, porém, quero formular o voto de que no próximo Orçamento Geral do Estado figure uma verba suficiente para que o chamado Plano de Fomento Agrário tenha rápido incremento, porque apenas ele pode esclarecer a infindável série de dúvidas que têm mesmo os mais envelhecidos na exploração da terra.
No parecer sobre as contas vêm indicações sobre o aumento demográfico e sua distribuição. Dois terços dos Portugueses vivem no campo, e no campo é onde se vive menos bem. Torna-se necessário não descurar os problemas que impedem que toda esta população melhore de nível de vida, para poder adquirir o que o fomento industrial irá criando, pois de outra forma ficará sem consumidores.
Agora reparo que no termo da legislatura, na minha última intervenção, acabo como principiei: falando do Alentejo, falando da terra. Filho do Alentejo, encontro-lhe os encantos; vivendo nele, compartilho das suas alegrias e fatalidades; vivendo da terra, estou-lhe preso - digo-o com orgulho -, e por isso mesmo a tenho procurado defender com o melhor do meu entusiasmo, do entusiasmo do amante. Mas VV. Ex.ªs foram as minhas vítimas em cada uma das vezes que subi a esta tribuna. Hoje, como sempre, quero agradecer a generosa atenção ema que me ouviram e pedir que me perdoem a insistência de sempre, mas os amantes só sabem falar dos seus amores.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A ordem do dia para a da tarde será a mesma que estava designada para esta.
Está encerrada a sessão.

Eram 13 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto Cruz.
André Francisco Navarro.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Pinto de Meireles Barriga.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Délio Nobre Santos.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Cerveira Pinto.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Jorge Botelho Moniz.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
Manuel França Vigon.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arautos.
Vasco Lopes Alves.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
António Bartolomeu Gromicho.
António Júdice Bustorff da Silva.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pinto Meneres.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Sousa Meneses.
Vasco de Campos.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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