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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 227

ANO DE 1953 24 DE MARÇO

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 227 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 23 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta, a sessão às 16 horas.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente anunciou estarem na, Mesa, para os efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Decretos-Leis n.ºs 39 136, 39 137, 39 138, 39 139 e 39 141.
Foi recebida na Mesa, enviada pela Presidência do Conselho, uma informação sobre perguntas feitas pelo Sr. Deputado Jacinto Ferreira numa das sessões anteriores.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Melo e Castro, que enviou um requerimento para a Mesa; Silva Dias, sobre o problema do turismo em Portugal; Ribeiro Cazaes, sobre o mesmo assunto, mas focando especialmente esse aspecto na zona dos Estoris, e o problema do jogo; Délio Santos, para agradecer ao Governo as obras efectuadas no edifício da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; Simões Crespo, que chamou a atenção do Governo para as condições em que funciona o Liceu da Guarda; Melo Machado, acerca da necessidade de se instalar uma escola industrial no concelho de Vila Franca de Xira; António de Almeida, para se referir a diversos assuntos de interesse para o ultramar, nomeadamente quanto às visitas de intercâmbio ultimamente levadas a efeito, e Mendes Correia, que fez considerações acerca da situação de certos funcionários na actividade e aposentados dos quadros do ultramar.

Ordem do dia. - Em primeira parle foi apreciado o Protocolo adicional ao Tratado do Atlântico Norte.
Usou da palavra o Sr. Deputado Sebastião Ramires, que apresentou uma proposta de resolução.
Posta à votação, foi aprovada por unanimidade.
Em segunda parte da ordem do dia continuou a, discussão das Contas Gerais do Estado e das contas da Junta do Crédito Público relativas ao ano de 1951.
Usou da palavra o Sr. Deputado Dinis da Fonseca.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam, os seguintes Srs. Deputados:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Albino 8oares Pinto dos Reis Júnior.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Joaquim Simões Crespo.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.

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João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 53 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa, para os fins do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Decretos-Leis n.ºs 39 130, 39 137 e 39 138, publicados no Diário do Governo n.º 54, 1.ª série, de 18 do mês corrente, e os Decretos-Leis n.ºs 39139 e 39141, publicados no Diário do Governo n.ºs 55 e 56, 1.ª série, respectivamente de 19 e 20 do mês corrente.
Enviada pela Presidência do Conselho está na Mesa uma informação sobre as perguntas formuladas pelo Sr. Deputado Jacinto Ferreira numa das sessões anteriores, antes da ordem do dia, e que vai ser publicada no Diário das Sessões.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Melo e Castro.

O Sr. Melo e Castro: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte:

Requerimento

Por escritura de 15 de Outubro de 1943, o lavrador e publicista Dr. Júlio de Campos Melo e Matos fez a favor alo Estado doação dum importante conjunto de prédios rústicos, sitos no concelho da Covilhã, conhecido por Quinta da Lajeosa, assim como dum considerável núcleo de instalações agrícolas e ainda duma biblioteca relativa a assuntos agronómicos, para que ali fosse instalada uma escola prática de agricultura.
Na mesma escritura o Estado aceitou a doação nos precisos termos em que foi feita. Houve reserva do usufruto vitalício a favor do doador, mas este faleceu a 5 de Dezembro de 1947.
Há portanto mais de cinco anos que o Estado entrou na posse e administra os bens doados sem que a vontade do doador esteja cumprida.
Requeiro, assim, ao Governo informações sobre os motivos que têm impedido a instalação da escola prática de agricultura na Quinta da Lajeosa e sobre o que a este respeito haja planeado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Outrossim requeiro informação, embora sucinta, sobre o que haja realizado ou planeado em cumprimento das bases XVII, XVIII e XIX da Lei n.º 2 025, de 19 Junho de 1947, relativas à importante necessidade do ensino elementar agrícola.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Devo declarar, em relação à primeira parte deste requerimento, que não sou herdeiro do Dr. Júlio de Campos Melo e Matos, não represento por forma alguma os seus herdeiros, a doação não tem prazo, julgo-a irrevogável, e ainda que o meu intuito é apenas o de estimular a realização daquele objectivo de interesse público.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Silva Dias: - Sr. Presidente: é meu propósito referir-me ao caso do turismo do distrito de Viana do Castelo. Não o posso fazer, porém, sem. aludir ao problema do turismo em Portugal.
Desta maneira, a minha intervenção de agora relaciona-se com outras que sobre casos análogos foram produzidas nesta Assembleia por alguns dos Srs. Deputados meus ilustres colegas, sobretudo quando se considerou conveniente e oportuna a generalização do debate acerca do aviso prévio do Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu.
Julgo que tudo o que havia a dizer em geral sobre o assunto já aqui foi proficientemente focado e desenvolvido. Portanto, só me resta destacar e sublinhar alguns dos aspectos* examinados que considero essenciais para a solução portuguesa deste problema.
Na prossecução do meu objectivo não poderia deixar de me socorrer também do valioso e exaustivo parecer apresentado pela Câmara Corporativa ao Governo, em 1 de Fevereiro de 1952, acerca de um projecto de estatuto de turismo, e de que foi relator o Digno Procurador Luís Supico Pinto.
Sr. Presidente: porque tenho de ser breve, vou tentar reduzir a algumas proposições os resultados a que cheguei após a análise dos dados da questão e o exame atencioso dos documentos acima referidos.
I) Encontram-se satisfeitas em, conjugação com, as riquezas naturais do País as condições essenciais e indispensáveis à solução do problema do turismo em Portugal. - Devido à política firmemente seguida, que teve como base a ordem pública e o saneamento financeiro, foi possível tentar a reconstrução material e moral do País, esta alcançada pela transformação da mentalidade portuguesa e a reforma política do listado e aquela conseguida pelas obras públicas levadas a efeito em todos os sectores da vida nacional nestes últimos vinte e sete anos de criadora primavera lusitana.
Reconstruídos os portos de mar, edificados os aeroportos e as gares marítimas, reparadas e melhoradas as velhas estradas e abertas e construídas outras, renovada a marinha (mercante com navios rápidos e cómodos, inauguradas carreiras de aviação, modernizado o equipamento dos caminhos de ferro, alargada a rede telegráfica e telefónica, embelezadas as cidades, vilas e aldeias, restaurados os monumentos nacionais, enriquecidos os museus, realçados por meio de fáceis vias de acesso os mais afamados e deslumbrantes locais paisagísticos, as

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estâncias de repouso e as termais - nós lançámos os alicerces seguros, sobre os quais é possível apoiar e erguer uma obra séria de turismo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Possuímos também, por dom gratuito da Providência, uma terra com variadas e características belezas naturais, usufruímos um. clima ameno e doce, somos um povo bondoso e hospitaleiro, manifestamos aia nossa vida simples e profundamente crista usos e costumes que causam a admiração de quantos nos visitam. Temos uma história digna e maravilhosa, que mais parece a vida romanceada de um povo. Temos uma cultura universalista e uma literatura admirável.
Vivemos tranquilos num mundo tragicamente inquieto, que, desorientado, procura a felicidade e a paz onde nunca poderão ser encontradas. No mais profundo do Ocidente da Europa, somos assim um lugar de refúgio e meditação, onde a vida é aprazível, onde ainda se pode sonhar e receber lições de humildade perante a infinita bondade de Deus.
Que conjunto mais propício de condições se poderia esperar para tentar resolver no nosso país o problema do turismo?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - II) A solução do problema do turismo interessa à economia nacional e ao progresso das diferentes regiões do País. - Os nossos economistas, já que apenas quero referir-me a estes, entre os quais se destaca Anselmo de Andrade, mostraram-nos o que representam para a economia nacional de qualquer país como fonte de divisas as receitas provenientes da indústria do turismo.
No parecer da Câmara Corporativa, o seu relator põe em evidência, por sua vez, a forma como o turismo tem contribuído «para o restabelecimento de normais condições de vida na Europa». Assim, em referência apenas ao turismo americano, sublinha que «as quantias gastas na Europa, em 1949, correspondem a 10 por cento da balança comercial dos países membros da Organização Europeia de Cooperação Económica». E, mais adiante, sublinha que, em 1948, a percentagem das receitas do turismo internacional relativamente ao déficit das balanças comerciais «já foi de 9 por cento quanto à França, 10 por cento quanto à Bélgica, Luxemburgo, Dinamarca e Noruega, 21 por cento quanto à Grã-Bretanha, 28 por cento quanto à Suécia e Suíça e 38 por cento no que diz respeito à Itália».
No referente a Portugal verifica-se que o número de estrangeiros entrados no nosso país, que em 1936 foi de 51 124, desceu em 1944 a 25 636, e, após a guerra, subiu progressivamente, até atingir nos anos de 1948, 1949 e 1950, respectivamente, 54 156, 55 400 e 76 307.
Dada a elevação do nível de vida das diferentes classes da população em vários países, a que corresponde em muitos casos a valorização das necessidades culturais a satisfazer, e o progresso de um moderno turismo popular, a intensificação dos meios de transporte, o barateamento das viagens e o apelo aliciante da propaganda, não julgo descabido prever o aumento do número de turistas nos próximos anos. No referente ao nosso país, além dos estrangeiros que nos visitarão, estamos certos de que se verificará acréscimo no numera de portugueses que, espalhados pelo ultramar e pelas Américas do Norte e do Sul, aqui virão matar saudades ou visitar a terra dos seus antepassados.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quanto às receitas de turismo, averiguou-se, pelas divisas entradas no nosso país provenientes de estrangeiros que nos visitaram e creditadas nas balanças de pagamentos relativas aos anos de 1948, 1949 e 1950, que elas alcançaram, respectivamente, 217 000, 246 000 e 250 000 contos.
É inegável que o turismo contribui também para o progresso de várias regiões do País, pela actividade comercial que desenvolve, as pequenas indústrias que fomenta, a gente que ocupa e até pela satisfação que proporciona e o incentivo que comunica aos naturais de muitas populações.
Como meio de ocupação, verifica-se que só na indústria hoteleira o número de profissionais no nosso país deve atingir 2-5 200 pessoas, ao passo que na Suíça era de 65 000 pessoas e que em França, segundo o relatório da Comissão de Modernização do Turismo, publicado em 1948, se calcula que vivam directamente do turismo 1 200 000 a 1 500 000 pessoas. Não possuímos elementos para avaliar o número de pessoas que, além da actividade hoteleira, vivem no nosso país directamente do turismo, em indústrias de artigos folclóricos, agências de viagens, etc.
Em qualquer dos casos, conforme se afirma no referido parecer, o turismo «é uma indústria sem par», porque se, por um lado, «opera a entrada de divisas estrangeiras no circuito económico nacional», por outro lado, «o valor por que se exprime não sai das fronteiras do País», visto explorar «fundamentalmente matérias-primas gratuitas - que outra coisa não são as riquezas naturais ou artísticas que servem de principal motivo para as deslocações».
Por isso se conclui que «o turismo é a menos custosa e a mais lucrativa das exportações».
O turismo constitui em todos os países uma importante indústria-base, pela orientação e progresso da qual se interessam todos os governos.
Não poderá deixar de ser assim no nosso país.
III) O problema do turismo deve ser resolvido quanto antes e em conformidade com as realidades nacionais e as possibilidades de desenvolvimento do turismo externo e interno. - Reconhecida a importância do turismo nos tempos modernos e verificada a existência no nosso país das condições indispensáveis à solução do problema, creio ter chegado a hora de o estudar com cuidado e o resolver com prudência e decisão, como tem acontecido em relação a outros problemas da vida portuguesa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Para se poder alcançar uma solução óptima do problema, em conformidade com as realidades nacionais, temos bem patentes os resultados de uma longa e acidentada experiência, durante a qual se revelaram as grandezas e misérias das improvisações sucessivas ou adaptações ao nosso caso do que lá fora se fez com resultados aparatosos.
Portanto, do estudo sério das realidades portuguesas é que provirá o Estatuto do Turismo, constituído pelo enunciado dos princípios normativos gerais e a concretização dos objectivos a alcançar, os meios a empregar e os órgãos a utilizar para a execução progressiva de um plano de turismo.
De acordo com esse diploma fundamental, será ilegítimo esperar, em breve, a reforma do órgão central orientador, coordenador e fiscalizador das actividades turísticas, a restauração dos organismos locais e regionais e o estudo e traçado dos planos da acção a empreender.
Trata-se de obter planos realistas, isto é, conformes com as possibilidades de desenvolvimento das várias

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modalidades de turismo, e não projectos de utopias e de castelos no ar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O que se fez mal ou deficientemente em tempo da improvisação permanente devemos agora revê-lo e reconstruí-lo com o espírito científico que a indústria do turismo permite e impõe.
Após a aprovação dos planos e conseguidos os necessários investimentos em colaboração com os interessados imediatos, seguir-se-á a obra de restauração, ampliação e construção de hotéis, pousadas e outras iniciativas indispensáveis ao equipamento do turismo regional e nacional.
Entretanto, será estudada a forma mais eficaz e económica da propaganda nos mais importantes centros de provável proveniência de turistas.
Com a reorganização turística dos serviços de turismo, o estudo e traçado dos planos de acção turística e o início e execução progressiva das obras julgadas indispensáveis nós teremos dado um passo decisivo na solução de um problema que, à semelhança de outros já resolvidos, assinalará na História a época de Salazar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: para concluir, vou referir-me, embora de forma muito sucinta, ao problema do turismo do distrito de Viana do Castelo.
São inegáveis as condições de turismo daquele distrito. Quem o visita, seja português ou estrangeiro, volta sempre maravilhado, com recordações que nunca mais esquecerá. Viana do Castelo constitui, de facto, no País, uma capital do turismo português.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não só as belezas naturais nos deslumbram, mas também a doçura de viver, a harmonia das coisas e o carácter e horizonte moral de um povo acolhedor, que canta e reza, apegado profundamente à terra como as raízes de um roble, mas capaz de calcorrear o Mundo, sempre com a ideia de regressar um dia ao paraíso da sua infância.
E toda essa beleza - de valor aprazíveis, de rios povoados de lendas, de montes azulinos à tardinha, da orla branca das praias se acha, por assim dizer, sobrenaturalizada por uma rede de ermidas, capelas e igrejas, com campanários rumo ao Céu, sumptuosos santuários, os cemitérios, as alminhas dos caminhos, os cruzeiros - enfim, as fornias espaciais do culto que, na expressão de um filósofo moderno, constituem o conjunto da terra santificada.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Entre o Minho e o Lima - um a namorar a Espanha, o outro que «de correr parece que se olvida» - que viveiro de poetas para interpretar a paisagem das coisas e das almas, desde Diogo Bernardes, Frei Agostinho da Cruz, até António Feijó, que «no domingo triste, protestante e frio» da Suécia suspirava
pelos

... Domingos de outros anos
Adro da minha igreja, alameda do rio
Dias Santos de Sol católicos romanos ...

Viana pode, pela sua posição turística, proporcionar aos que a visitam itinerários incomparáveis. Entre outros, não devo deixar de mencionar os passeios pelas margens dos seus rios, a subida, ao lado do Minho, por Caminha, Valença, até Monção e Melgaço, e a descida do Vez e do Lima pelos Arcos, passando por Ponte da Barca e Ponte de Lima, as digressões a Paredes de Coura, ao Bom Jesus de Braga - a terra arquiepiscopal - e à Penha de Guimarães - berço da nacionalidade - e as viagens à Galiza das maravilhosas rias ...
Com a restauração e ampliação do hotel de Santa Luzia - obra actualmente em curso, graças à rasgada compreensão e boa vontade do Sr. Ministro das Obras Públicas -, o seu apetrechamento e abertura, o estabelecimento de um modesto mas indispensável plano de realizações, a orientação e coadjuvação de iniciativas privadas, não será difícil dotar o distrito com os instrumentos de turismo necessários à satisfação dos que, em número crescente, percorrem a região.
Julgo que os esforços despendidos na valorização turística do distrito representam, quer no aspecto moral, quer material, capital colocado a muitos por cento, dada a atracção que Viana exerce no espírito não só dos estrangeiros que dela ouvem falar e a visitam, mas, sobretudo, no dos portugueses do continente e dos minhotos espalhados por todos os cantos do Mundo.
Sr. Presidente: só me resta pedir perdão pela forma desataviada desta minha intervenção (não apoiados), que não corresponde ao harmonioso arranjo da terra que nesta Assembleia represento.
Eu pretendi apenas chamar a atenção de quem me queira ouvir para um filão de ouro que ainda não foi inteiramente descoberto.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Ribeiro Cazaes: - Sr. presidente: acabamos de ouvir sobre turismo uma bela dissertação, perfumada pelo maravilhoso canteiro do jardim minhoto que é Viana do Castelo - «filão de ouro que ainda não foi inteiramente descoberto», como muito bem lhe chamou o ilustre Deputado Sr. Engenheiro Silva Dias.
Não desejo, neste momento, analisar a questão em toda a sua amplitude, mas quero afirmar, desde já, em resposta às hesitações que, de quando em vez, tenho observado sobre se o turismo deve ou não considerar-se útil à vida do País, que, em minha opinião, seria sórdida avareza, bem contrária aos sentimentos da alma lusíada, guardar e esconder os bens com que Deus nos dotou.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mesmo seguindo a sã doutrina, só merecemos possuí-los considerando-nos como seus fiéis depositários e na medida em que tais riquezas possam servir o bem comum.
Assim, em plena concordância com o Sr. Deputado Silva Dias, entendo que o problema do turismo deve merecer o melhor interesse do Governo e julgo urgente o estabelecimento de medidas que convenientemente o impulsionem o orientem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por agora desejo sómente vincar a necessidade de quanto antes, se olhar para tão melindroso assunto - também, em meu entender, do maior interesse para o País - com um simples, apontamento.
Diz-se que a região de turismo mais importante de Portugal é a dos Estoris.
Já tive ocasião, há dias, de mostrar como ali se despreza tudo o que às populações mais pode interessar - luz, água, estradas, esgotos, policiamento, etc. -,

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afirmando que só se tem feito nessa zona uma obra de «fachada». Não exagerei.
Desejo agora ser mais preciso. Tudo ali parece gravitar em redor do Casino.
E o que e o Casino? Pouco mais do que uma tavolagem. Quer dizer: aquela região encantadora da nossa terra, com um clima privilegiado, com belezas naturais que não receiam confronto com as mais belas do Mundo, parece viver, simplesmente, exclusivamente, para o jogo e do jogo, isto é, do uma mazela social.
Mas o Casino será, afinal, só isso?
Do ponto de vista monumental, nada - um barracão; sob o aspecto de conforto, uma pobreza; sob o de centro de diversões, basta citar o cinema - e não há outro na zona dos Estoris, que não seria permitido hoje em qualquer aldeia, num local onde o principal divertimento consiste em alimentar um terrível vício.
Afirma-se que houve necessidade de regulamentar o jogo, para evitar o mal maior da sua difusão clandestina, e se tornou forçoso consentir que na zona dos Estoris fosse permitido o exercício de tão triste actividade pela concorrência de estrangeiros. Concedo.
E afirma-se também que o jogo é uma fonte de receita importante, que na o é para desprezar.
Isto é que já não me parece aceitável.
Será necessário para a vida do País tal caudal de riqueza argamassada em lama e amargura?
Não se recolheriam maiores proventos do que do jogo se a região dos Estoris fosse transformada, de facto, numa zona de turismo? Pelo que ali se verifica, de abandono do turismo, no significado alto que lhe atribuímos, a verdade é que muitos pensam que parece ser o Casino, o jogo, que esmaga todas as iniciativas no sentido de fazer dos Estoris a mais bela estância de turismo de Portugal: que muitos julgam que tão maravilhosa região não é mais do que um feudo nas mãos de forças que sufocam tudo e que pode desviar da tavolagem tudo o que para ela não seja canalizado.
Tratar-se-á afinal, simplesmente, duma luta entre o bem e o mal? Seja como for, porque não podemos considerar que o óptimo é inimigo do bom e somos forçados, quantas vezes, a transigir com o que menos desejamos, não consintamos, todavia, no abandono a que tem sido votada a região dos Estoris.
É preciso que não se diga e pense que ela existe só porque há jogo no Casino.
É preciso que se diga a verdade. E a verdade dos Estoris está no seu clima maravilhoso, nas belezas naturais som par que ali se desfrutam, está nas boas almas que ali vivem e que ainda há pouco nos deram o espectáculo emocionante da sua fé e do seu portuguesismo em seus cânticos e orações em redor da imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima.
O Governa decidirá, e, como sempre, seguindo o caminho que os interesses sagrados da Nação impõem.
Eu creio nele!
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Délio Santos: - Sr. Presidente: chamei, no começo desta legislatura, a atenção do Governo para o estado lamentável em que se encontravam as instalações da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. E solicitei então do Governo, na impossibilidade de se construir imediatamente um novo edifício próprio para essa escola, que se fizessem ao menos obras na sala nobre onde D. Pedro V ia assistir às lições do antigo Curso Superior de Letras, para que pudéssemos receber com dignidade os visitantes estrangeiros.
O Governo ouviu o meu apelo e atendeu as diligências realizadas pelo antigo director Prof. Matos Romão.
A sala dos Actos Grandes foi completamente remodelada. O seu aspecto hoje é digno. Há pouco tempo realizaram-se ali, com a solenidade conveniente, provas de doutoramento e de concurso.
Mas não foi essa sala a única a sor melhorada. Remodelou-se a sala dos professores e do conselho; abriu-se uma escada de acesso para as aulas do 1.º andar, destinada a substituir a antiga escada, estreita, velha e quase impraticável; melhorou-se muito o aspecto do claustro e do jardim; aumentou-se o número de salas, etc.
Entretanto o Governo anunciou para este ano o começo dos trabalhos relativos à construção de um novo e definitivo edifício da reitoria da Universidade de Lisboa, da Faculdade de Letras e da Faculdade de Direito, como partes integrantes da Cidade Universitária.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Eu não podia deixar passar esta oportunidade de terem sido concluídas aquelas obras e de estarem iniciados estes trabalhos sem que expressasse nesta Assembleia e neste mesmo lugar, no qual, em nome da escola onde ensino, formulei aquele pedido, os mais profundos agradecimentos, em nome dos professores e alunos da Faculdade de Letras e em nome de toda a Universidade, que encontra nas atenções do Governo fonte de novos estímulos para o trabalho e redobrada inspiração na tarefa patriótica que pretende levar a cabo no campo da educação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sempre considerei que o dever do Deputado ao ocupar este lugar é, não só reclamar junto do Governo as medidas que o interesse nacional exija, como reconhecer e agradecer os altos serviços que este, porventura, preste ao País.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Bem haja, pois, o Governo por se ter enfim lembrado com interesse da esquecida Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e ter decidido dar um novo impulso à construção dos edifícios da Cidade Universitária da capital do Império, e este agradecimento traduz o sentir dos alunos, dos professores e da cultura nacional.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Simões Crespo: - Sr. Presidente: longos anos de abandono deixaram nas obras públicas um vazio difícil de preencher.
Construiu o Governo numerosos edifícios liceais por todo o País e muitos outros foram ampliados e as suas instalações melhoradas, mas a obra não está completa.
Na Guarda funciona o Liceu num edifício cedido pela Câmara Municipal, em 1927, creio eu, quando ainda ninguém pensava na construção de novos edifícios.
Nessa ocasião era a única possibilidade que se apresentava de permitir a matrícula a tantos alunos que a requeriam.
O antigo edifício não tinha condições para o funcionamento dos serviços do Liceu nem capacidade suficiente para o número de alunos matriculados.

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O edifício cedido pela Câmara, mais tarde adaptado, ficou em condições satisfatórias para o ensino das 12 turmas que então ali funcionavam.
Hoje, porém, há no Liceu da Guarda 24 turmas. O número dos seus alunos, que no ano escolar de 1943-1944 era de 413, em 15 turmas, é agora de 796, o que representa um aumento de 100 por cento em dez anos.
É escusado dizer que não é possível, nestas condições, pôr os serviços de ensino a funcionar satisfatoriamente.
O Liceu da Guarda precisa, pois, de ver melhoradas as suas instalações, seja por ampliação do actual edifício, seja pela construção de um novo edifício.
Paralelamente com este, outro problema de instrução interessa ser resolvido na Guarda. Refiro-me à criação de uma escola técnica.
O distrito da Guarda é o único distrito do continente em que não há uma escola técnica. As condições de vida da população rural do distrito da Guarda são precárias. A terra é pobre, e o trabalho árduo e tenaz dos homens não chega para lhe fazer dar fortes rendimentos.
O parecer sobre as contas que aqui está sendo apreciado mostra justamente que o movimento demográfico da região não acompanha o do resto do País. Há que procurar trazer à região elementos de vida, e a escola de ensino técnico pode ser um dos mais valiosos a que de momento é permitido aspirar. Alunos não faltarão.
O Liceu da Guarda, excluídos os das cidades de Lisboa, Porto e Coimbra, é o quarto no número de candidatos ao exame de admissão, depois de Santarém, Faro e Viseu.
Em 1949 requereram exame de admissão no Liceu da Guarda 323 candidatos e este ano 398.
O número total de alunos inscritos no ensino oficial e particular passou de 707 no ano escolar de 1943-1944 para 1 379 no ano findo.
Muitos destes alunos encontrariam no ensino técnico a possibilidade de uma carreira lucrativa, que o ensino liceal lhes não faculta.
No Decreto n.º 36409, de 11 de Julho de 1947, prevê-se a criação no distrito da Guarda de duas escolas de ensino técnico, uma em Gouveia e outra na sede do distrito.
Gouveia é, na verdade um importante centro industrial, e no seu concelho também, em Sampaio e Moimenta, funcionam indústrias de grande valor.
Próximo, no concelho de Seia, há a assinalar os centros industriais de S. Romão e Loriga. Parece, pois, bem natural que ali venha a instalar-se uma escola técnica.
No distrito da Guarda ainda, em Manteigas e na Guarda, funcionam importantes fábricas de lanifícios.
Já o proprietário de uma destas fábricas legou em tempos, para a criação de uma escola técnica, uma quantia que ao tempo teria sido um importante auxílio e que não foi até agora utilizada.
Hoje, reconhecida a necessidade da ampliação do edifício do Liceu, parece que é a oportunidade de se estudar se não será de aconselhar a construção de novo edifício para o Liceu e do instalar no actual a escola técnica, a cuja criação legitimamente aspiram os habitantes da Guarda e do distrito.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Terrenos disponíveis não faltam para instalação de oficinas, enquanto que, dada a disposição especial em planta do actual edifício do Liceu, a ampliação deste só poderia fazer-se com a construção de novos corpos quase isolados do edifício e dos serviços centrais.
Deixo, pois, à consideração dos Srs. Ministros da Educação e das Obras Públicas este assunto, de tanto interesse para a Guarda e seu distrito, na certeza antecipada de que SS. Exa. o tomarão na conta que merece. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: peço desculpa a V. Ex.ª e à Câmara de em tão grande aperto de tempo e de assuntos, vir ainda ocupar a vossa atenção neste período de antes da ordem do dia. Mas a verdade é que os elementos que eu tinha solicitado com vista a esta intervenção só no sábado passado chegaram às minhas mãos.
O concelho de Vila Franca de Xira já em 1894, sendo presidente da respectiva câmara o grande lavrador que foi José Pereira Palha Blanco, homem que deixou na lavoura e em todo o País um rasto de respeito e de consideração pelos seus merecimentos, pelas suas virtudes e pela sua obra, reclamou a instituição de uma escola industrial.
Não creio, Sr. Presidente, que ao tempo essa reclamação fosse perfeitamente explicada senão como uma antevisão notável de futuras necessidades, mas posso afirmar que neste momento todos nós sabemos que esse pedido insistente que o mesmo concelho faz é absolutamente justificável. Ninguém que circule na linha do Norte ou passe pela estrada Lisboa-Porto deixará de ter observado o espantoso desenvolvimento industrial daquele concelho.

Vozes: - Muito bem~!

O Orador:- VV. Ex.ªs poderão verificar com facilidade que há no concelho de Vila Franca de Xira uma enorme multiplicidade de indústrias, que vão desde a de fiação de tecidos e de algodão até às de estamparia de tecidos, fabrico de cimentos, lavagem, penteação e cardação de lãs, conservas, descasque de arroz, refinação de azeite e de óleos de peixe, cerâmica, oficinas gerais de material aeronáutico, produtos lácteos, cortiças, sabões, adubos, etc. Não é preciso referir mais para justificar a necessidade imperiosa da criação em Vila Franca de Xira de uma escola industrial, que, aliás, já está prevista no Decreto n.º 36 409.
O que eu peço daqui aos Srs. Ministros da Educação Nacional e das Obras Públicas é que urgentemente, tão urgentemente quanto possível, fazendo-se a utilização, se necessário for, de um edifício oferecido pela Câmara Municipal respectiva, comece a funcionar essa escola, dando àquele concelho e àquela região o contributo indispensável para que tenhamos, se quisermos efectivamente ter, uma indústria. Para isso é preciso que lhe preparemos os operários com os conhecimentos suficientes para poderem ser úteis trabalhadores.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Não tenho dúvidas, Sr. Presidente, de que, se observarmos atentamente as importações de géneros agrícolas, poderemos considerar que tudo quanto se faça para o seu desenvolvimento provocará um benefício de 100 por cento. Mas também não tenho dúvidas, Sr. Presidente, de que, se quisermos - e suponho que queremos e devemos fazê-lo - desenvolver a nossa indústria, é indispensável preparar os operários de amanhã.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

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O Sr. António de Almeida: - Sr. Presidente: há cerca de um ano, o Sr. Ministro do Ultramar deu a conhecer à Nação o patriótico desejo do Sr. Presidente do Conselho de promover a construção em Lisboa do Palácio do Ultramar.
Tão jubilosa notícia foi acolhida em todas as parcelas territoriais de Portugal com caloroso entusiasmo e gratidão, não só pelo altíssimo significado espiritual e político desta oportuníssima realização, como ainda por virtude de o nosso ultramar ir dispor na capital de mais um excelente instrumento de activa propaganda e divulgação das suas imensas possibilidades, dia a dia mais prometedoras e carecidas de obreiros apetrechados com conveniente formação física, moral e intelectual.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O Orador:- No Palácio do Ultramar poderão reunir-se em fraternal convívio os servidores de além-mar, oriundos dali ou da metrópole, onde vieram robustecer-se corporal e moralmente, reforçando os seus sentimentos de indefectível amor à Pátria. Neste verdadeiro solar ultramarino, os agentes do progresso das nossas províncias de além-mar hão-de conhecer-se melhor, assim como os problemas de interesse para cada uma delas e para toda a Nação, criando-se mais sólidos laços afectivos e de índole económica, que, apertando-se com o tempo e as circunstâncias, muito virão a contribuir para a consecução do supremo objectivo dos portugueses de todas as eras: a comunidade lusíada, perene e indestrutível.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Ali, num edifício amplo e majestoso, digno da grandeza do ultramar e do histórico local em que irá ser levantado na Praça do Império, em frente do esplendoroso Convento dos Jerónimos -, encontrar-se-á convidativo conforto material, aliciante ambiente instrutivo e óptimo meio espiritual, três importantes fautores de atracção, tanto para os nossos compatriotas devotados à obra ultramarina como para os menos familiarizados com as questões de além-mar, de quem é urgente cativar a atenção e a curiosidade para torná-los comparticipantes esclarecidos na ingente cruzada colonizadora em que andamos empenhados.
Para esse efeito, em largos e apropriados salões, poderão expor-se temporariamente produtos ultramarinos de maior valor económico, projectos, fotografias e maquetas dos principais melhoramentos realizados, em curso ou em estudo, expressivos dioramas e outras formas de inteligente e sugestiva propaganda da terra, da fauna, da flora e das gentes que a povoam; se no Palácio do Ultramar, ao lado de exposições, amiúde renovadas ou substituídas e, por isso, actuais, vivas e palpitantes, houver ciclos periódicos de conferências e de simples palestras de divulgação (consoante o nível cultural da assistência a quem são dirigidas) e exibições de bons filmes com motivos de além-oceano, a empresa a levar a cabo pela nova instituição atingirá pleno êxito, cuja benéfica influência se fará sentir brevemente na formação da mentalidade ultramarina do nosso povo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Sr. Presidente: endereçando respeitosas saudações aos Srs. Presidente do Conselho e Ministros do Ultramar e das Obras Públicas, espero que dentro de poucos anos esteja construído o Palácio do Ultramar, cujo projecto, segundo creio, se acha bastante adiantado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Sr. Presidente: já que aludi à construção de um grande edifício destinado a tornar ainda mais conhecidas e amadas na metrópole as terras de além-mar - para bem de uma e das outras -, não quero nem devo esquecer duas grandes obras públicas mandadas estudar pelo Sr. Comandante Sarmento Rodrigues e a erigir para organismos com o mesmo fim: o Instituto de Medicina Tropical e a Escola Superior Colonial. Se a construção do primeiro vai iniciar-se dentro de poucas semanas, quanto ao segundo não demorará muito tempo a conclusão do respectivo projecto, em elaboração no prestimoso Gabinete de Urbanização do Ultramar.
O lançamento da primeira pedra do edifício do Instituto de Medicina Tropical realizou-se, no ano passado, com a assistência do Sr. Presidente da República, por ocasião das solenes comemorações dos cinquentenários da sua fundação e da do Hospital do Ultramar. Faço votos para que as cerimónias da celebração do cinquentenário da criação da Escola Superior Colonial - a ocorrer em 18 de Janeiro de 1956- se efectuem no futuro edifício deste estabelecimento de ensino superior.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- E se com os melhoramentos mencionados o Governo puder, em ocasião não distante, fundar e dar arrumações convenientes aos Museus do Ultramar e da Marinha, bem agradecidos lhe ficarão todos os portugueses de hoje e da posteridade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Sr. Presidente: porque as obras que acabo de apontar visam objectivos culturais e pretendem concorrer para a consolidação da unidade nacional, não concluirei as minhas considerações sem anotar dois factos de grande merecimento no crescente e frutuoso intercâmbio da juventude metropolitana e ultramarina. Refiro-me à recente vinda ao continente dos filiados angolanos da Mocidade Portuguesa e à próxima ida à Guiné Portuguesa dos membros do Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Os rapazes da Mocidade Portuguesa de Angola - alguns dos quais pisaram pela primeira vez terra europeia -, depois de terem visitado o torrão natal dos seus maiores e os lugares onde nasceu e se enraizou Portugal e onde se pelejou e rezou pela sua independência e se criaram, desenvolveram e retemperaram as virtudes da grei, deslumbrados pela sedutora paisagem e pelo indomável progresso material da metrópole, enternecidos com o afectuoso carinho que em toda a parte lhes dispensaram, este jovens regressarão a Angola, sem dúvida, mais portugueses e orgulhosos da sua ascendência lusitana, agora melhor instruídos sobre o prestígio da Pátria-Mãe, que viram, admiraram e de que sentiram a pujança da vitalidade social, política e económica.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Esta feliz iniciativa do Sr. Governador-Geral de Angola, logo possibilitada pelo entusiástico patrocínio do Sr. Comandante Sarmento Rodrigues, será mais um elo, poderoso e forte, da cadeia eterna da solidariedade nacional.
Brevemente partirão para a Guiné Portuguesa, em avião militar cedido pelo Sr. Ministro da Defesa Na-

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cional os componentes do Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra. É a primeira vez que uma embaixada de escolares visita a Guiné Portuguesa, como também as idas do grupo de futebol, da equipe de ténis - à frente dos quais se apresentava o nosso ilustre colega Dr. Melo e Castro - e do Orfeão da Universidade de Coimbra foram das primeiras excursões académicas a S. Tomé, Angola e Moçambique.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Melo e Castro: - V. Ex.ª dá-me licença?
Era só para frisar, em apoio às muito judiciosas considerações de V. Ex.ª e ao interesse que ao ilustre Ministro do Ultramar estão merecendo as viagens de estudantes ao Portugal de além-mar, que a bela iniciativa da ida do Orfeão Académico de Coimbra às nossas províncias de Angola e Moçambique se deveu ao então Ministro das Colónias, nosso ilustre colega Sr. Capitão Teófilo Duarte.

O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª o seu aparte, porque ele dá-me ensejo para, de novo, prestar homenagem ao nosso ilustre colega Sr. Capitão Teófilo Duarte por haver sido, como Ministro das Colónias, o promotor da viagem ao ultramar do Orfeão Académico de Coimbra.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- A prioridade das viagens de estudantes ao nosso ultramar tem cabido sempre a Coimbra; recordo neste momento a missão académica presidida pelo Dr. Luís Carrisso, em 1929, na qual tomaram parte alguns professores e alunos das Univeridades de Coimbra, Lisboa e Porto, e que na realidade deve ser considerada como a precursora de todas as outras. Com esta viagem, subsidiada pela Junta da Educação Nacional (hoje Instituto de Alta Cultura), iniciou o Estado Novo a longa série de excursões de estudo que enumerei há semanas, quando intervim na discussão da Lei Orgânica do Ultramar.
Essa missão fez com que altos valores intelectuais se enamorassem definitivamente das terras de além-mar, a ponto de se sacrificarem e até morrerem ao serviço delas, como o sábio Prof. Luís Carrisso, falecido no deserto de Moçâmedes quando estudava a sua flora. No Sr. Prof. Maximino Correia, insigne reitor da Universidade de Coimbra, que comparticipou na missão académica a Angola, felicito a nobre Universidade, a alma mater, agora mais uma vez distinguida com o honroso convite para que um dos seus mais consagrados grupos artísticos se exiba em Bolama e Bissau.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Acredito firmemente que a viagem dos componentes do Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra, apesar de estes já conhecerem tantos e tão diferentes países civilizados na Europa e na América, há-de despertar-lhes na Guiné Portuguesa emoções novas e belas, que jamais se apagarão dos seus cérebros e das suas almas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Nas laias e bolanhas verão fartos e extensos arrozais; nas terras menos alagadiças admirarão plantações de mancarra e de outros ricos géneros agrícolas, florestas luxuriantes, povoadas de palmares sem fim, de incontáveis espécies botânicas, entre as quais se evidenciam os gigantescos poilões, moradas e altares dos misteriosos irans tutelares do gentio; aqui e ali, descobrirão aves de maravilhosa plumagem multicolor, antílopes nervosos e irreverentes símios, felinos atrevidos - quem sabe se o leão! - e outras espécies faunísticas; nos abundantes esteiros e canais de águas remançosas surpreenderão bojudos hipopótamos e traiçoeiros jacarés - à espera de desprevenidas vitimas; impressionar-se-ão com as formas caprichosas dos morros de baga-baga ou formiga branca, desde os mais pequenos, lembrando cogumelos escuros, aos maiores, simulando marcos de triangulação geodésica e, por vezes, torres e pináculos finamente rendilhados, como os das catedrais góticas; e, finalmente, apreciarão, encantados, muitos e interessantes aspectos humanos desta verdadeira «babel negra», os seus curiosos usos e costumes, cada vez mais estudados graças ao porfiado labor do Centro de Estudos da Guiné, brilhante realização cultural do governador Sarmento Rodrigues.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- E só quando percorrerem as terras da Guiné Portuguesa os membros do Teatro dos Estudantes de Coimbra saberão avaliar em toda a sua extensão a inestimável oportunidade que o Governo e, especialmente, os distintos Ministros da Defesa Nacional e do Ultramar lhes vão proporcionar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- É que, se é grande o bem espiritual e o estímulo que os escolares coimbrões levarão aos nossos irmãos que laboram afanosamente na Guiné, sob a acção de inclemente clima tropical - calor ardente, trovoadas temerosas, chuvas torrenciais, humidade sufocante -, longe dos parentes e dos amigos e privados de muitos dos benefícios da civilização, maiores hão-de ser as vantagens usufruídas pelos visitantes, tão fecundos ensinamentos irão receber do contacto, embora breve, com esse pequeno, lindo e muito querido território africano, que há cinco séculos os nossos navegadores descobriram para Portugal.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Mendes Correia: - Pedi a palavra para renovar neste final de legislatura um apelo que já formulei aqui noutras oportunidades. E faço-o na convicção de que se trata de matéria em que se requer das instâncias governativas uma decisão reparadora e justiceira.
Refiro-me a dois casos: um relativo à retribuição de determinado grupo de funcionários em actividade, aliás com reflexos no montante das suas aposentações; o outro respeitante à situação de desfavor em que se encontram os aposentados do ultramar com residência na metrópole.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Quanto aos primeiros, trata-se do carácter definitivo dos vencimentos-base de determinados funcionários que não têm em perspectiva escalões de acesso ou de promoção e não recebem, em compensação, cabidas diuturnidades, por melhor que seja a qualidade dos serviços por eles prestados.
Há, na verdade, cargos em que não existem no quadro diferenciações de classes ou possibilidades de acesso a categorias superiores e para os quais não estão estabelecidas diuturnidades, sejam quais forem a duração do seu serviço e a qualidade deste.

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É o que sucede, por exemplo, com os naturalistas, analistas, leitores, fotógrafos o outros funcionários de museus, laboratórios, faculdades, escolas, etc. Nenhuma possibilidade de promoção ou de aumento por diuturnidade lhes é normalmente facultada, e isso não é justo.
Trata-se de cargos em que à preparação, a competência exigida de início, acresce naturalmente, com o seu exercício, um aperfeiçoamento, um desenvolvimento daquela preparação ou competência. E no entanto os vencimentoss-base ficara para eles os mesmos em toda a duração da sua permanência ao serviço e sejam quais forem os progressos nos merecimentos e capacidades desses funcionários em vinte, trinta ou mais anos de labor proficiente, dedicado e zeloso. Não é justo.
Merece também atenção a situação dos contínuos de laboratório, os quais exercem frequentemente tarefas delicadas, especiais, diversas das dos contínuos de corredores e antecâmaras.
O segundo caso do que desejo ocupar-me é, como disse, o da situação dos aposentados do ultramar que residem na metrópole.
Com vencimentos, na maior parte dos casos, muito superiores aos dos funcionários metropolitanos de igual categoria, os funcionários ultramarinos, quando se aposentam, ficam, em regra, com uma pensão inferior à daqueles, o que também não é justo.
E certo que o funcionário da metrópole desconta 4 por cento para a aposentação, ao passo que o do ultramar desconta ;5: mas há a atender que esta percentagem incide geralmente sobre vencimentos muito superiores, de modo que o funcionário ultramarino contribui normalmente com quantias mais elevadas para a Caixa de Aposentações em que está inscrito.
A pensão de aposentação, que nos funcionários metropolitanos é ligeiramente inferior aos vencimentos que auferiam na actividade, representa nos funcionários ultramarinos uma redução muito maior nos seus proventos. Entendo que é uma situação a considerar com equidade. Mas há mais.
Em 1924 o Diploma Legislativo Colonial n.º 38 estabeleceu que a remuneração do funcionalismo colonial, quer no activo, quer na aposentação, constaria de duas partes: uma fixa, estabelecida na lei, e outra variável com um factor determinado em função das oscilações no custo da vida.
Esse factor, sendo calculado em harmonia com o custo da vida, devia ser o mesmo para todos. E assim foi durante alguns anos.
Mas de certa data em diante (suponho que a partir de 1946) o factor tem sido aumentado para os funcionários em activo serviço, mantendo-se, porém, sem alteração para os aposentados.
Deste modo, enquanto às pensões de aposentação é aplicado o factor 14, aos vencimentos dos funcionários em serviço activo é aplicado o factor 25. É certo que para corrigir tal desigualdade se tem atribuído aos aposentados ura suplemento de vencimento, que é hoje de 60 por cento.
Porém, mesmo assim, subsiste a desigualdade. Com o factor 25 os funcionários em serviço activo percebem vinte e seis vezes o vencimento fixo, enquanto que os aposentados, com o factor 14 e mais 60 por cento, apenas recebem vinte e quatro vezes a parte fixa.
Sr. Presidente: afirmo a minha convicção de que o Governo concederá a atenção mais benévola e equitativa às situações que expus, dando-lhes remédio justo e ficaz.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Começaremos a ordem do dia de hoje pela apreciação do Protocolo adicional ao Tratado do Atlântico Norte.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sebastião Ramires.

O Sr. Sebastião Ramires: - Enviou o Governo, para ratificação da Assembleia, o texto em português do Protocolo adicional ao Tratado do Atlântico Norte.
Através do elucidativo relatório do ilustre Ministro dos Negócios Estrangeiros, que se fez acompanhar do douto parecer da Câmara, Corporativa, suponho que a Assembleia está completamente esclarecida sobre as razões do Protocolo adicional ao Pacto do Atlântico Norte e sobre a necessidade e a urgência, da sua ratificação, pelo que julgo desnecessárias largas considerações.
Quando em 1949 foi assinado o Pacto do Atlântico Norte, logo se reconheceu o erro de não se ter integrado a República Federal Alemã, na linha de defesa dos interesses do Ocidente europeu e também se notou que constituiu fraqueza do Pacto a não inclusão da Suécia e do Eire e, principalmente, a injustificada e intencional exclusão da Espanha.
Correram os tempos e, em face das realidades e dos perigos, os homens responsáveis viram-se forçados a rectificar aqui e além as suas próprias ideias.
A incorporação da Alemanha levantou, porém, sérias dificuldades. Alguns dos signatários do Pacto, designadamente a França, receavam que a inclusão da República Alemã pudesse criar um armamento indiscriminado que afectasse o equilíbrio europeu e comprometesse a paz.
Longas, demoradas e confusas negociações se sucederam e em 1950 o Governo Francês, sob u presidência de René Pléven, sugeriu que fosse criada ao lado da N. A. T. O. outra organização - a Comunidade Europeia de Defesa (C. E. D.)-, formada pela integrarão dos exércitos dos países que nela comparticipassem, o que permitiria, afastados os perigos que receavam, a colaboração e a ajuda das forças armadas alemãs na defesa do Ocidente da Europa.
Em Fevereiro de 1952 reuniu-se em Lisboa o Conselho do Pacto do Atlântico Norte, que decorreu com notável êxito. Foi aprovada por unanimidade uma proposta no sentido de que se apressassem as negociações que permitissem a integração da República Federal Alemã na defesa comum do Ocidente e ao mesmo tempo se criassem as condições para uma estreita e íntima cooperação entre as duas organizações: a Comunidade Europeia de Defesa e a N. A. T. O., que no fundo tinham, em grande parte, características e objectivos iguais.
Novo compasso de espera, novas negociações e novas dificuldades. Só em 17 de Abril, na reunião de Paris, foi possível aceitar o acordo, criando-se a Comunidade Europeia de Defesa, da qual fazem parte seis países: França, Bélgica, Itália, Luxemburgo, Países Baixos e República Federal Alemã.
Dando-se seguimento ao voto expresso na reunião de Lisboa, foi possível fazer assinar por todas as nações que comparticipam na N. A. T. O., em 27 do mesmo mês de Abril, o presente Protocolo adicional ao Tratado do Atlântico Norte.
Estavam assim vencidas as primeiras e grandes dificuldades.
Se é certo que outros problemas graves ficaram aguardando resolução e que são restritivos alguns dos compromissos assumidos pelo Protocolo adicional, o certo é que se deu um paço em frente, e do indiscutível

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valor, para a, defesa do Ocidente com a integração das forças alemãs.
Embora o exército europeu não se encontre ainda em condições de cumprir a sua missão, não há dúvida de que a sua força vai crescendo dia a dia.
Estando prevista para o próximo mês de Abril a reunião ministerial do Conselho do Atlântico, compreende-se que o Governo tenha urgência em que a Assembleia o habilite a ratificar o referido Protocolo adicional, de maneira a que ele possa entrar em plena execução.
Nestes termos, e em nome da vossa Comissão dos Negócios Estrangeiros, tenho a honra de mandar para a Mesa a seguinte proposta de resolução:

A Assembleia Nacional, tendo tomado conhecimento do texto do Protocolo adicional ao Tratado do Atlântico Norte, assinado em 27 de Maio de 1932, resolve aprovar, para ratificação, o referido Protocolo adicional, conforme os textos oficiais.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

O Sr. Presidente: - Visto mais nenhum Sr. Deputado desejar fazer uso da palavra, vai votar-se a proposta, de resolução apresentada pelo Sr. Debutado Sebastião Ramires.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Vai continuar a discussão das Contas Gerais do Estado e das contas da Junta do Crédito Público relativas a 1931.
Tem a palavra o Sr. Deputado Dinis da Fonseca.

O Sr. Dinis da Fonseca: - Sr. Presidente: com as horas que me foi possível consagrar ao estudo e análise do assunto em discussão, não consegui obter considerações novas que merecesse a pena trazer a esta tribuna.
Pareceu-me, no entanto, que teria algum interesse insistir aqui em algumas das minhas velhas ideias acerca da natureza do julgamento das contas públicas e do lugar de primazia que ele deve ocupar nus atribuições fiscalizadoras concedidas, a esta Assembleia.
Tenho defendido sempre - já mais de uma vez nesta tribuna - que o debate das contas públicas devia abrir os trabalhos desta Assembleia em cada sessão legislativa, e não encerrá-los, com tem acontecido.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sei, Sr. Presidente, que a insistência nesta ideia - que obrigaria a encurtamento de prazos e porventura a alterações regimentais - pode ser levada à conta de simples impertinência, (não apoiados). Mas eu continuo convencido de que esta alteração seria essencial ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... pura que o debate sobre as contas públicas assumisse a primazia e o interesse que me parece deveria ter.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Como é sabido, as contas públicas antes de entrarem nesta Assembleia sofreram já outros julgamentos. Podamos considerar como tal o visto prévio dado pelo Tribunal de Contas ao longo da gerência a correcção jurídica das despesas a efectuar. Segue-se a organização e a publicidade das Contas Gerais do Estado impostas aos Ministros das Finanças e que estes têm cumprido com elevação e pontualidade, fazendo-as acompanhar de notabilíssimos e esclarecedores relatórios, como este que apresentou as de 1951. Desta forma são sujeitas à apreciação da opinião pública. Segue-se a declaração de conformidade do Tribunal de Contas, que, segundo o bem elaborado relatório referente às contas da discussão, deve ter por fim verificar a execução correcta da Lei de Meios e das leis financeiras especiais no aspecto jurídico-finanreiro. E, finalmente, a esta Assembleia compete, segundo o mesmo relatório, um julgamento político, tendo por fim especial verificar a colecção económica da execução orçamental e a fidelidade da gerência ao plano traçado na Lei de Meios, autorizado por esta. Assembleia e programado no orçamento.
Mas insistamos um pouco mais na ideia com que abri as minhas considerações: o lugar que este julgamento deve ocupar nos trabalhos desta Assembleia.
No relatório do Decreto-Lei n.º 27 223, que procurou fazer das Contas Gerais do Estado um documento simples, claro e actual, ficaram bem acentuados estes dois factos: primeiro, as resistências opostas ao longo de um século às tentativas de apresentação e julgamento das contas públicas, apesar das disposições legais que os determinavam e que as mesmas resistências reduziam a letra morta; segundo -que o ilustre autor deste relatório quis expressamente deixar consignado -, o terem sido tantas e tão graves as dificuldades vencidas para obter a organização de contas simples e claras, que, como se diz nesse relatório, seriam capazes de fazer soçobrar as vontades mais firmes e descoroçoar os ânimos mais fortes!
Quer isto dizer que a organização das contas e o seu julgamento por esta Assembleia constituíram mui verdadeira revolução contra o peso morto da dispersão, do atraso, da incúria e da desordem que durante tantos anos dominaram a nossa administração pública. E não creio que os homens do passado fugissem ao cumprimento das leis que impunham a organização e julgamento das contas por simples prazer de faltarem a essas leis ou por sistema; creio antes que o fariam arrastados por uma triste necessidade.
Não podia haver contas simples e claras na desordem financeira que então campeava, e por isso a sua organização tinha de ser a primeira, vitória da ordem financeira.
E receio bem, Sr. Presidente, que, se de novo a desordem financeira invadisse a nossa administração pública, as contas simples, e claras tenderiam a desaparecer.
O julgamento das contas tornava-se impossível no velho sistema parlamentar e na instabilidade governativa de então porque faltavam os julgadores com autoridade para o fazerem.
Os responsáveis pela desordem administrativa em cada gerência, quando chegava o tempo de julgar as contas, já tinham transitado das cadeiras do Poder para as da oposição e, convertidos assim de réus em juizes, não podiam ter interesse nem autoridade para julgarem as suas próprias faltas. E àqueles que tinham ascendido às cadeiras do Poder também já não interessava o julgamento, mas antes acobertar os próprios desvarios administrativos sob o manto generoso de um esquecimento das faltas e culpas do passado.
A desordem financeira chegou autismo a termos de não ser possível organizar o orçamento.
Como VV. Ex.ªs se recordam, viveu-se nos últimos anos anteriores a 1926 em simples regime de duodécimos.

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O relatório do douto Tribunal de Contas que temos presente acentua que não devemos esquecer estas realidades do passado, para que não se perca a sua lição, nem se reincida no erro, nem se deixe de caminhar para o aperfeiçoamento do conjunto, em que intervêm o Ministro das Finanças, o Tribunal de Contas e a Assembleia Nacional.
Ouso, por minha parte, ir ainda, mais longe: devemos desconfiar da solidez da vitória alcançada sobre o peso morto do passado enquanto a apreciação e o julgamento das contas públicas não obtiver nesta Assembleia o lugar de primazia a que tem direito, e creio que para isso contribuiria decisivamente torná-los obrigatórios no início de cada sessão legislativa. A lei impõe ao Ministro das Finanças a apresentação nessa altura da Lei de Meios, para a organização do futuro orçamento; ora a apreciação dos resultados da gerência do ano anterior seria excelente preparação para a votação daquela lei.
Como é sabido, a actual Constituição reduziu a Lei de Meios a pouco mais de uma autorização concedida ao Governo para este organizar e executar o orçamento. Tirou, assim, à discussão os efeitos políticos que se procuravam obter na velha discussão do orçamento no sistema parlamentar. Mas a Constituição não pretendeu, creio eu, suprimir esses efeitos, mas transferi-los para o julgamento mais objectivo e eficiente dos resultados da gerência, apresentados, a curto prazo, a esta Assembleia sob a forma de contas simples e claras.
Apesar disso, todos podemos verificar um persistente saudosismo da velha e inútil discussão orçamental e um perigoso desinteresse por esse proveitoso julgamento. E digo administrativamente inútil a velha discussão porque nem ela nem as votações a que daria lugar prendiam a futura gerência.
O Ministro das Finanças podia durante esta criar novas receitas o fazer despesas à margem do orçamento, pagando-as quer pelo orçamento, quer por fundos especiais, quer, inclusivamente, por simples operações de tesouraria ...
Portanto, digo inútil, sob o aspecto administrativo, a velha discussão orçamental.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E nada haveria perdido se o actual desinteresso pelas contas públicas não pudesse esconder e atrair um certo renascimento da velha desordem financeira.
Mas, admitindo a lógica e a conveniência de a discussão das contas públicas abrir os trabalhos desta Assembleia em cada sessão legislativa, pode perguntar-se: mas será isso possível sem profundas alterações? Creio poder responder que essas alterações não envolveriam tão grandes dificuldades como aquelas que foi preciso vencer para a organização das contas em 193G. E senão vejamos: pela legislação em vigor a gerência tem o seu termo em 14 de Fevereiro do ano seguinte, devendo as respectivas contas ser fechadas em 31 de Março e a sua publicação definitiva fazer-se até 31 de Outubro. Mas a prática dos dezasseis anos decorridos mostra que sempre a publicação pôde fazer-se em Junho, Julho ou Agosto, ou seja até três meses antes da abertura da sessão legislativa em que as contas deverão ser apreciadas. Encontrando-se, pois, organizado até 1 de Setembro o relatório do Ministro das Finanças, com todos os elementos indispensáveis à apreciação das contas, não julgo impossível que o douto Tribunal de Contas, tendo a seu favor o julgamento prévio das despesas através dos vistos apostos durante a gerência, pudesse em sessenta dias elaborar a sua declaração de conformidade e que dentro do mesmo prazo do sessenta dias
a Comissão de Contas Públicas desta Assembleia pudesse igualmente elaborar o seu parecer, não tão extenso, certamente, como aquele a que andamos habituados, mas suficiente para habilitar esta Câmara e fazer uma apreciação e julgamento sérios.
O relatório e o parecer poderiam, pois, ser enviados em começos de Novembro aos Deputados, para entrarem em discussão na abertura da Assembleia, em 25. Todos podemos testemunhar que durante os dezasseis anos decorridos nunca nos foi concedido prazo superior a vinte e cinco dias para estudar o parecer das contas públicas.
Restava apenas uma dificuldade a vencer: a necessidade de trabalhar durante os meses que velhos hábitos consideram de férias ou extensão delas.
Mas a esta dificuldade respondeu antecipadamente o autor do relatório do Decreto n.º 25 298, que fez coincidir o ano económico com o ano civil, nestes termos:
Não seria, porém, isso bastante para contrariar uma solução, por outros motivos julgada conveniente, no nosso regime, em que as conveniências pessoais dos funcionários se consideram sempre subordinadas ao interesse da função.
Mas vejamos ainda um outro aspecto, que pode resumir-se nesta pergunta: bastaria, para que as contas públicas pudessem atingir um interesse de primazia dentro desta Assembleia, que fosse alterada a época em que deviam vir à discussão?
Quanto a mim essa alteração, embora necessária, não seria suficiente.
Era preciso ainda remodelar e, em certo modo, completar a própria orgânica das contas, do relatório e do parecer.
Não envolvem estas palavras, nem querem envolver, de forma alguma censura ao que se tem feito. Querem apenas exprimir a necessidade ou conveniência de o relatório das contas públicas acompanhar a evolução sofrida pela própria orgânica do Estado desde 1936 até ao presente.
Quando há vinte e cinco anos o então notável Ministro das Finanças e hoje prestigioso Chefe do Governo empreendeu a vitoriosa reforma das nossas finanças públicas e há dezasseis anos criou os moldes das contas públicas simples e claras, tudo se fez em obediência a estes princípios dominantes:
a) Unidade e universalidade do orçamento;
b) Equilíbrio rigoroso entre receitas e despesas públicas;
c) Distinção entre finanças públicas e actividades ou iniciativas económicas particulares.
Pode dizer-se que os três citados princípios dominantes, embora rigorosamente mantidos ,no seu aspecto formal, deixaram de abarcar toda a realidade da nossa vida pública. O orçamento do Estado, que em 1936 era a expressão de todas as- actividades e funções da nossa vida pública, já hoje não pode dizer-se, com inteiro rigor, que ainda o seja...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É certo que a correcção jurídica e um equilíbrio perfeito têm continuado a presidir como normas intangíveis à organização e gerência do orçamento do Estado, como o atestam, quanto ao de 1951, as conclusões que figuram no douto relatório da declaração de conformidade do Tribunal de Contas e no parecer, como sempre notável, da Comissão de Contas Públicas desta Assembleia.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Mas é forçoso reconhecer que sobre os contribuintes e consumidores recaem hoje, além dos impostos cobrados como receitas orçamentais, outras onerosas quotizações e que, além dos serviços pagos pelas verbas orçamentais e cujos funcionários são admitidos de acordo com as normas estabelecidas no Decreto-Lei n.º 26 115, existem outros serviços e outras redes de empregados públicos livremente admitidos e pagos à margem da contabilidade pública.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E sendo assim, a denominação de Contas Gerais do Estado deixou em certo modo de poder dizer-se «gerais», carecendo, por isso, de ser completada com elementos respeitantes às gerências públicas que funcionam à margem do orçamento, para que o julgamento político atribuído a esta Assembleia possa formar um juízo mais seguro do equilíbrio entre as necessidades e as possibilidades económicas e financeiras da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tornou-se, por outro lado, impossível manter a rigorosa distinção entre finanças públicas e iniciativas económicas particulares, dada a política de intervenção e fomento que a evolução doutrinária incluiu nas funções do Estado moderno, evolução que a desordem económica e financeira trazida pela última guerra veio precipitar e impor como de absoluta necessidade.
Do velho Estado-gendarme passou-se rapidamente para o Estado-providência, e já nesta hora pretende impor-se por toda a parte o Estado a que um ilustre professor da Universidade de Paris chamou o «Estado-faustiano», criador e rejuvenescedor de riquezas públicas ou particulares ...
Em vez da antiga distinção ou separação entre finanças públicas e economias particulares, assistimos à perigosa interpenetração de umas e outras.
A máquina do Estado cresceu desmesuradamente de volume e, assumindo novas e gravíssimas funções, tornou-se, através dos largos dispêndios orçamentais, não só lima grande redistribuidora da parte do rendimento nacional absorvida pelos impostos e empréstimos, mas também, à margem desses dispêndios, uma criadora de capacidades aquisitivas asseguradas ou permitidas a actividades particulares.
Através do condicionamento das indústrias, da repartição dos impostos, dos financiamentos ou subsídios directos ou indirectos, do proteccionismo pautai, das repercussões na valorização ou desvalorização da moeda, a acção económico-financeira do Estado assume influências económicas que escapam à simples correcção jurídica das receitas e despesas inscritas no orçamento, e, consequentemente, aos resultados que lhes correspondem nas contas públicas.
Para o efeito do julgamento político, em que interessa avaliar, como vimos, não só a correcção económica, mas ainda a justiça distributiva e social da acção económico-financeira exercida pelo Estado, o relatório e parecer das contas podem dizer-se incompletos e ultrapassados pela evolução a que foi forçada a própria orgânica do Estado.
Sinto que o ilustre relator do parecer das contas públicas em discussão poderia interromper-me para esclarecer que, se as conclusões do seu parecer se limitam a pôr em relevo a correcção jurídica das receitas e despesas orçamentais, no entanto do mesmo parecer consta uma douta e extensa dissertação económico-
-financeira e, além desta, dois apêndices, que pelo teor das suas sugestões ou críticas feitas à orientação da política governamental poderíamos regimentalmente considerar como matéria de avisos prévios, destinados a participar do prestígio da Assembleia ...
Faço ao ilustre relator a justiça de que a sua atitude pode interpretar-se como um pressentimento da necessidade de rever os moldes das contas públicas, por forma a torná-las a expressão de toda a acção económico-financeira do Estado, permitindo, consequentemente, aumentar o interesse do julgamento político que esta Assembleia é chamada a fazer.
Alguns exemplos práticos lograriam talvez tornar mais patente este aspecto das minhas considerações.
Nos dois apêndices apostos pelo ilustre relator do parecer foram focadas estas duas realidades nacionais, que o resultado do último censo da população veio tornar mais vivas:

a) Dois terços da gente portuguesa vivem em pequenos aglomerados ou aldeamentos rurais e sustentam-se, em grande parece, dos produtos da pequena lavoura, tanto da terra como do mar - esta a primeira realidade da nossa carta social;
b) A segunda, natural consequência da primeira, é esta: uma boa parte dessa grande massa populacional vive em condições de insuficiência económica e de conforto.

Nos distritos ou regiões em que essa insuficiência fie acentua a densidade de população diminui, não por falta de natalidade, mas porque a percentagem de mortalidade até aos 5 anos é alta, e alta também a percentagem de emigração dos adultos para os grandes centros ou para o estrangeiro.
Em face destas realidades, a um profundo julgamento político das contas públicas interessaria esclarecer os seguintes pontos: terá a nossa política económica tido em conta as fontes da nossa riqueza demográfica e o valor social desta extensa ruralidade, procurando remediar a deficiência das suas economias familiares, sem as destruir? Ou, pelo contrário, temos deixado fazer a apologia de uma concentração industrial de grande estilo, considerando a nossa extensa ruralidade como um atraso social, só porque noutros países essa riqueza social foi imprevidentemente destruída ou se perdeu?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Afirmando-se nos mesmos apêndices que são os produtos alimentares - o pão, o peixe e a carne - que deverão preocupar a nossa economia, não deverá esta realidade levar-nos - a rever as soluções que a esses problemas foram dadas, porventura sob a influência de outras circunstâncias económicas e financeiras já nesta hora ultrapassadas? Não teremos, por exemplo, confundido em demasia a política do pão com o simples problema do trigo e com os interesses dos quase monopólios que o têm explorado, forçando a extensão do seu consumo, sem grande proveito para a economia nacional nem para a melhor alimentação das nossas populações?
Não teremos fomentado em excesso - digo «em excesso - as indústrias de conservas de peixe destinadas a exportação e o abastecimento do País com peixe salgado e caro, importado do estrangeiro ou pescado a grande distância, em vez de favorecermos e organizarmos através do País o consumo de peixe fresco e barato? Não teremos fomentado em excesso as grandes empresas de pesca, em prejuízo das nossas tradicionais artes da pesca, que a França, a Itália e os países escandinavos continuam a defender como as mais vantajosas para a

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conservação das espécies e socialmente as mais proveitosas para a lavoura do mar?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não teremos confundido em demasia as soluções dadas até ao presente ao problema das carnes com os interesses dos matadouros e dos importadores de carne congelada, dando de bom grado aos grandes produtores estrangeiros o que impoliticamente regateamos aos pequenos criadores nacionais, constituintes da nossa extensa ruralidade?
São apenas alguns problemas cuja visão permitirá à Assembleia avaliar do alto interesse que pode atingir o julgamento político da acção económico-financeira exercida pelas actividades e serviços oficiais do Estado. Não creio que seja menor o interesse da análise da justiça distributiva com que têm sido e vão ser feitos os largos dispêndios destinados aos planos de fomento e sobre os quais serão de exigir pormenorizadas informações.
Ninguém por certo contestará que o Estado possa despender justamente centenas de milhares de contos a valorizar a produção e o rendimento desta ou daquela região; mas poderá estranhar-se que os beneficiários dessas melhorias se vão escapando à acção da justiça fiscal sobre as mais valias, reclamando ainda novas melhorias pagas por todos os contribuintes, inclusive pelos de outras regiões, que foram forçados a ver apodrecer nos armazéns ou celeiros o único produto que. constituía o remédio das suas insuficientes economias familiares! Será esta a melhor forma de proteger e defender a nossa ruralidade nacional?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não desejava fatigar a Assembleia, mas há ainda um último aspecto que julgo do maior interesse e da mais flagrante actualidade dentro do tema das minhas considerações. Quero referir-me aos reflexos da vida internacional nas finanças públicas e na acção económico-financeira do próprio Estado.
Não há nação, grande ou pequena, que possa fugir a manter relações comerciais com outros povos; e os problemas dos pagamentos a efectuar ou dos créditos a transferir que essas relações suscitam ou impõem constituem nesta hora um verdadeiro pesadelo para todos os homens públicos, e por isso também são origem de gravíssimas responsabilidades para os organismos e serviços aos quais neste terreno se encontram atribuídas especiais funções de vigilância e defesa da economia nacional.
E não parece justificável que toda esta actividade pública possa ser excluída do julgamento político das contas públicas cometido a esta Assembleia, tanto mais quanto é certo ser no terreno internacional que nesta hora se concentram e encontram forças temerosas que pretendem actuar, não apenas na vida económica, mas nas mesmas estruturas sociais e políticas das nações, tendo como último fito os fundamentos da própria civilização, que põem em crise.
Mas, apesar da gravidade e da violência, de que essas forças são capazes, apresentam-se apenas sob a feição de correntes financeiras ou económicas, que fazem depender a sorte da Humanidade da adopção de um colectivismo financeiro-económico, que entregará nas mãos de unia burocracia omnipotente todas as fontes da riqueza pública e da economia particular, ou da adopção de um neocapitalismo, apostado em confiar a grandes empresas anónimas a exploração comunitária das mesmas fontes e meios de produção.
Como faz notar um notável professor de Finanças, não há entre estas duas correntes um antagonismo ideológico profundo, mas apenas aparente; ambas acabam por negar o direito de propriedade individual e valor social das suas iniciativas, apenas com esta diferença: enquanto uma faz a sua negação aberta e confisco forçado, a outra pretende conservar o actual código jurídico da propriedade, mas esvaziando as fórmulas do seu sentido e os direitos da sua substância real; e - coisa curiosa ! - ambas as correntes se afirmam defensoras da democracia popular e hostis à doutrina inspiradora da actual situação política portuguesa, que acusam de autoritária e totalitarista, tanto no domínio político como aio económico.
Considerando apenas o aspecto económico, que neste debate particularmente nos interessa, ousarei dizer que os perigos e ameaças que a falsa sedução dessas correntes nos pode trazer, e contra os quais o julgamento político desta Assembleia carece de estar vigilante, não são de recear dos excessos de uma autoridade forte, mas sim das possíveis tolerâncias ou transigências de uma autoridade pública enfraquecida, e por isso incapaz de chamar à realidade dos verdadeiros interesses sociais da Nação os feudalismos argentários que pretendam esquecê-los ou sobrepor-se a eles, ou incapaz, por outro lado, de submeter e disciplinar as ditaduras difusas que possam instalar-se em olímpicas e arbitrárias burocracias.
Ao ler há poucos dias na revista francesa Lês Anales do mês corrente a crítica feita pelo ilustre académico Duhamel à desumanização e tirânico arbítrio dos sectores burocráticos franceses, compreendi como estes podem medrar tanto mais fàcilmente quanto maior for a deficiência da autoridade do Poder Público, ao qual incumbe a defesa dos econòmicamente débeis e dos socialmente mais desamparados, contra as pletóricas burocracias, capazes de esquecer ou de perverter a nobre função de serviços públicos... ou a favor do público.
E aqueles que, seduzidos pela utopia do igualitarismo económico, se derem ao cuidado de observar como ele se pratica no seio do colectivismo russo encontrarão o mais torpe desmentido nos tirânicos burocratas que na economia soviética ocupam o lugar dos omnipotentes empresários capitalistas e uma pirâmide de remunerações que nada fica a dever à acumulação de vencimentos que o nosso texto constitucional condena, como oposta à justiça distributiva e ao equilíbrio social de uma sã economia.
O perigo do estatismo difuso, acalentado pelo enfraquecimento da autoridade do Poder Público, c, aliás, característico de todos os períodos de decomposição social e de todas as crises de civilização.
Lembrarei apenas o que a história nos conta do acontecido com o desmoronar da autoridade pública no IV e V séculos do Baixo Império Romano.
Uma burocracia arbitrária e violenta não tardou a apoderar-se das parcelas do Poder.
E os próprios imperadores Valentiniano e Teodósio consentiram na criação dos defensoris civitatis, cuja missão era defender a plebe dos abusos intoleráveis dos sectores burocráticos, que a enfraquecida autoridade imperial já não podia conter. Pois, Sr. Presidente, se a história viesse a repetir-se, pelo enfraquecimento da autoridade do Estado ou das suas funções defensivas dos verdadeiros interesses sociais, possam nesta Assembleia erguer-se novos defensoris civitatis, capazes de cooperar com o Poder Público na defesa da autoridade necessária, das liberdades possíveis e das justas regalias cívicas, económicas e sociais, em que reside afinal o verdadeiro bem comum das nações.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

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O Sr. Presidente: - Em virtude do adiantado da hora vou encerrar a sessão.
A ordem do dia da de amanhã será a apreciação do projecto de lei do Sr. Deputado Abel de Lacerda, a continuação do debate sobro as Contas Gerais do Estado e as contas da Junta do Crédito Público e autorização ao Chefe do Estado para se ausentar do País.
Peço aos Srs. Deputados para serem o mais pontuais possível, porque há vários Srs. Deputados que querem usar da palavra acerca destes assuntos a tratar e que é necessário concluir.
Só haverá sessão de tarde, à hora regimental.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto Henriques de Araújo.
Américo Cortês Pinto.
António Jacinto Ferreira.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Mantero Belard.
Délio Nobre Santos.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José dos Santos Bessa.
Manuel França Vigon.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Sebastião Garcia Eamires.
Teófilo Duarte.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
António Bartolomeu Gromicho.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pinto Meneres.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Sousa Meneses.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
ïito Castelo Branco Arantes.
Vasco de Campos.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

Informação a que se referiu o Sr. Presidente no princípio da sessão:
Informação do Ministério da Marinha sobre as perguntas formuladas na Assembleia Nacional pelo Sr. Deputado Jacinto Ferreira
Pergunta - Convirá saber o motivo por que, constantemente, suo passadas na Capitania cédulas provisórias para pessoal de câmara, quando no respectivo sindicato estão registados mais ide 400 desempregados?
Resposta - A Capitania do Porto de Lisboa tem passado cédulas, a requisição dos capitães ou dos armadores, para armamento de novos navios, para refrescamento das equipagens dos que andam em serviço, para compensação das deserções, dos inscritos marítimos no estrangeiro - que de 1949 a 1952 totalizaram 322 em várias categorias - e para preencher as faltas à chamada para embarque.
O pessoal desempregado inscrito no «Sindicato do «Pessoal de Câmaras - mais de 400 em fins de Dezembro último, constituído por criados, moços de copa, criadas, padeiros, cozinheiros, ajudantes de cozinha, pasteleiros, lavadeiros, despenseiros, barbeiros e tipógrafos - é menor do que em 31 de Dezembro de 11 949 (528).
Neste pessoal há a considerar os que têm direito a embarcar, segundo a ordem de antiguidade na inscrição, e os que embarcam por livre escolha do capitão.
No primeiro caso estão os criados e os ajudantes de cozinha. Segundo o mapa de inscrição para embarque e embarcados - referido a 31 de Dezembro, havia í58 criados desembarcados, para cerco - de 1 100 embarcados, e os ajudantes de cozinha desembarcados, para 159 embarcados, que (podem ascender à categoria de criados quando tenham desempenhado estas funções a bordo com boas informações. Os números de desembarcados atrás citados não se consideram exagerados para as necessidades da marinha mercante e movimento das escalas.
O sindicato ou sindicalizado que informou o Sr. Deputado Jacinto Ferreira devia também dizer que ainda há poucos anos as categorias de criados e ajudantes de cozinha permaneciam nas escalas, respectivamente, um uno e um ano e quatro meses antes de embarcar, e que em 31 de Dezembro de 1952 essas, mesmas categorias só permaneciam nas escalas, respectivamente, três meses e cinco dias e cinco meses e treze dias.
No segundo raso, o que abrange as restantes categorias citadas, não tem a Capitania de atender à, ordem cronológica da inscrição, por serem da livre escolha do capitão. Nestas categorias, têm sido dadas cédulas quando os requerentes têm lugar assegurado nos navios.

II

Pergunta - São respeitadas a bordo as horas e os períodos de folga e para refeições constantes do contrato de trabalho?
Poderá saber-se quantas empresas deram ordens aos seus comandantes diferentes do que está estabelecido no contrato de trabalho?
- Ignora a Capitania se são respeitadas aquelas horas, por nunca ter recebido queixa fundamentada.

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Quanto a ordens dadas por algumas empresas aos seus comandantes diferentes do que foi estabelecido, a partir de 18 de Setembro de 1952, pelo contrato de trabalho homologado por S. Ex.ª o Ministro das Corporações, a Capitania já estava a proceder a averiguações antes de o Sr. Deputado Jacinto Ferreira ter falado na Câmara, por ter recebido uma exposição apresentada em õ do corrente pelo Sindicato Nacional dos Capitães, Oficiais Náuticos e Comissários da Marinha Mercante. A confirmar-se o que foi exposto, terão os respectivos capitães de ser responsabilizados pelo não cumprimento daquele contrato a bordo dos seus navios.

III

Pergunta - Será certo haver barcos onde o pessoal de câmara não tem onde comer porque a respectivamente foi transformada em beliche para a Guarda Fiscal? E até não haver alojamentos em alguns deles, dando ocasião a protestos do pessoal, que não está disposto a dormir por qualquer lado? Terá este desprezo contribuído para que tenham regressado ao porto de origem sob prisão alguns tripulantes?
Resposta - Quanto à primeira pergunta, a Capitania ignora que tal tenha sucedido, e lamenta-se que o delegado do sindicato ou o pessoal de câmara atingido não tivesse exposto o assunto às autoridades competentes, para imediata resolução.
Quanto à segunda, trata-se de um processo que teve origem a bordo do navio-motor índia, contra o criado do mesmo navio Alberto dos Santos Ribeiro, que foi castigado a bordo, pelo capitão do mesmo navio, com a pena de dez dias de prisão, por se ter recusado a trabalhar, quando lhe foi dada ordem pelo comissário do referido navio. Apresentado o processo na Capitania, ficou esclarecido que o criado em referência se recusou a trabalhar por lhe terem dado por alojamento um compartimento onde iam também passageiros e onde foram alojados outros criados, que não opuseram qualquer objecção.

IV

Pergunta - Consta que um barco mercante saiu do porto de Lisboa com a lotação de tripulantes (38) estabelecida para aquele navio, mas, porque teve de sofrer reparações num porto estrangeiro, que demoraram trinta dias, 21 daqueles tripulantes foram enviados para Lisboa e apenas 6 foram depois chamados para conduzir o navio para Lisboa, tendo ficado os 15 restantes desembarcados. São verdadeiras estas e outras transgressões ao regulamento? Teve disso conhecimento a Capitania de Lisboa? Se teve, como actuou?
Resposta - Trata-se do Almeirim.
Este navio despachou em 22 de Setembro de 1902 com destino aos portos de Cuba, voltando em Novembro a Lisboa, arribado com avarias e falta de combustível.
Em Cuba batera mo fundo, e como a carga se destinava a Liverpul e não houvesse doca disponível em Lisboa para o reparar, continuou a viagem e, depois de descarregar, seguiu para Manchester, a fim de docar.
Esteve em reparação nessa cidade cerca de mês e meio. A equipagem foi reduzida, ficando a bordo:

Capitão ................. 1
Imediato ................ 1
Maquinistas ............... 3
Contramestre. ............. 1
Marinheiros ............... 6
Moços...................... 3
Fogueiros-azeitadores...... 2
Paioleiro ................. 3
Criado-paioleiro........... 1
Padeiro ................... 1
17

Os restantes 21 tripulantes da lotação foram repatriados, sendo-lhes dada baixa na matrícula pelo cônsul de Portugal. Os seus vencimentos foram-lhes pagos até à chegada a Lisboa.
Terminados os fabricos do navio, seguiram de Lisboa para Manchester os seguintes tripulantes:

Piloto............. 1
Maquinista......... 1
Telegrafista....... 1
Marinheiro ........ 1
Moço .............. 1
Criado............. 1
6

Destes, o telegrafista, o piloto e o criado faziam parte da equipagem antiga.
O navio veio com 23 tripulantes para Lisboa, faltando-lhe, por conseguinte, 15 para completar a lotação.

Em portos estrangeiros a matrícula é conferida e assinada pela autoridade consular, sendo de sua exclusiva competência desembaraçar os navios depois de verificar que foram cumpridos os preceitos regulamentares.
Se a autoridade portuguesa consular de Manchester desembaraçou o Almeirim com lotação reduzida, foi certamente porque entendeu ser a suficiente para fazer a curta travessia até Lisboa, tanto mais que o navio vinha em lastro, sem passageiros, e aproveitava uma ocasião de bom tempo.
Não é de estranhar esta decisão, pois é vulgar os navios que vão ou vêm de fabricar, isto é, sem carga ou passageiros, serem conduzidos por equipagem reduzida. O próprio Almeirim, devidamente autorizado, já em tempos foi reparar a Cádis com uma lotação inferior aprovada.

V

Pergunta - Será certo que há oficiais a exercerem funções de categoria superior a sua, havendo oficiais dessa categoria desembarcados?

Resposta - Este caso passa-se apenas nos navios petroleiros.
Para justificação das autorizações que a Capitania tem concedido a Soponata para andar com os seus navios, em ocasiões de emergência, com oficiais, a exercerem funções da categoria superior, transcreve-se a carta da referida companhia, com cujo teor a Capitania concordou:

Chegou ao nosso conhecimento ter sido comentado desfavoràvelmente - como se de injustiça ou favoritismo se tratasse - o facto de em navios da marinha mercante nacional andarem embarcados em categoria superior à da carta que possuem muitos oficiais. Porque isso acontece em navios da nossa frota e porque mais de uma vez temos requerido a V. Ex.ª neste sentido, julgamos de nosso dever vir espontaneamente expor as razões que nos

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têm levado a assim proceder e nos mantêm na posição assumida:
1) Reputamos de primordial interesse, tanto para o armador como para o tripulante, a estabilidade deste a bordo do mesmo navio ou, pelo menos, ao serviço da mesma frota. Desta forma fica o tripulante a conhecer hábitos, regulamentos e, eventualmente, a especialidade de tráfego a que o armamento se dedica, com grande vantagem para a experiência do trabalho que presta. Mas, ao mesmo tempo, torna-se um elemento conhecido, antigo na casa, com jus a certas regalias e a garantia de trabalho, embora esta (por defeito da nossa legislação) seja apenas de ordem moral.
2) A vantagem apontada no número anterior acentua-se mais quando se trata de navios de tipo especial - como os petroleiros -, onde o conhecimento perfeito dos pormenores do barco não só é indispensável ao bom rendimento da unidade mas também e sobretudo à sua segurança e à salvaguarda das vidas que a bordo se encontram. Parece desnecessário encarecer a série de graves riscos em que se incorre - incêndio, explosão, destruição de instalações em terra - quando se confia uma unidade carregada de produtos inflamáveis ou de gases explosivos à direcção de pessoas sem a devida preparação.
3) Desde que a Soponata se constituiu - em meados de 1947 - tem sido sempre o seu objectivo manter a bordo quanto possível o mesmo pessoal e assegurar o acesso aos mais modernos, de forma a interessá-los na exploração, dando-lhes um incentivo para o seu trabalho e garantindo-lhes uma compensação para a árdua vida a que são obrigados. E de notar, a este propósito, que os Decretos-Leis n.ºs 16 130 e 20 963, que fixaram as lotações, foram publicados, respectivamente, em 1928 e 1932, quando a marinha mercante portuguesa não possuía navios-tanques e as disposições neles contidas ignoravam totalmente este tipo de unidades.
4) Em meados de 1947 havia carência de oficiais, tanto náuticos como maquinistas. O aumento de unidades de comércio e de pesca e a expatriação de muitos marítimos que iam procurar sob pavilhão estrangeiro lugares melhor remunerados mas de estabilidade precária criaram problemas por vezes muito difíceis de resolver a armadores e capitães. Algumas vezes tiveram navios da Soponata, devidamente autorizados, de sair do continente para viagens transatlânticas com a sua lotação de oficiais náuticos desfalcada e muito tempo andaram na frota embarcados como terceiros e até segundos-maquinistas indivíduos sem o curso da Escola Náutica.
5) A pouco e pouco constituímos o melhor que pudemos as nossas tripulações, e temos a satisfação de poder dizer que, em seis anos de existência, nunca tivemos uma reclamação de tripulantes em qualquer capitania e quase todos os oficiais que entraram ao serviço da Soponata, uma vez passadas as primeiras viagens de adaptação, aqui se têm mantido. E evidente que, tendo partido de lotações desfalcadas e sendo obrigados a pouco e pouco a constituir as nossas tripulações, nos seria difícil em seis anos - mantendo o pessoal - preencher todas as categorias de oficiais com indivíduos possuindo a carta respectiva.
6) E agora, porém, a altura de perguntar se será mais justo tirar o lugar aos que se sacrificaram, quando os outros andavam em lugares aparentemente melhores, em benefício destes, que, quando a Soponata precisava deles, não estavam disponíveis ou não aceitaram o lugar que se lhes propunha?
7) Mas, mesmo não olhando ao aspecto moral da questão, pode ainda perguntar-se do ponto de vista puramente técnico: a solução adoptada na Soponata - de manter sempre os mesmos oficiais ao serviço (oficiais que desde praticantes foram especializados por ela em petroleiros) - dá menos garantias técnicas do que a aplicação cega dos preceitos legais (fazer embarcar oficiais de categoria própria, mas absolutamente inexperientes no serviço que vão desempenhar, o qual requer, sem dúvida, uma especialização)?
E por todas as razões atrás aludidas que mantemos sem qualquer hesitação o ponto de vista que até aqui temos defendido, certos de que, muito mais do que os nossos interesses, ficam assim acautelados os dos que trabalham para a nossa Sociedade.

VI

Pergunta - E outros a comandar navios sem possuírem a categoria de capitão em relação à tonelagem dos barcos, não obstante haver mais de 50 capitães desembarcados?

Resposta - 1) No que diz respeito a navios de comércio, apenas é conhecido um caso.
Trata-se do vapor Silva Gouveia, navio de pequena tonelagem (5 121). O armador requereu a matrícula do imediato durante o impedimento por doença do respectivo capitão, com o fundamento de não encontrar capitães na escala que lhe merecessem confiança, o que foi autorizado pelo almirante director-geral da Marinha. O sindicato teve conhecimento do assunto e apresentou-o à Capitania na altura em que se deu o acontecimento, e é de lamentar que o mesmo sindicato ou o sindicalizado que o revelou agora ao Sr. Deputado Jacinto Ferreira não tivesse também comunicado à Capitania, para esta providenciar, visto ter escapado à sua vigilância, o ter cessado o motivo da substituição do capitão pelo imediato.
2) No respeitante a navios de pesca, foram matriculados três pilotos como capitães-pescadores, a pedido do delegado do Governo junto do Grémio dos Armadores de Navios da Pesca do Bacalhau, por não existirem inscritos no Grémio capitães disponíveis com experiência e os requisitos morais e profissionais necessários ao bom desempenho do referido cargo.
3) Quanto ao número de capitães desembarcados, na escala da Capitania só constam 36.
4) Para uma melhor compreensão do caso do Silva Gouveia apontado pelo Sr. Deputado Jacinto Ferreira e de alguns outros que possam existir de menos importância e que escapam à vigilância da Capitania, convém esclarecer que a prestação do trabalho marítimo a bordo dos navios de comércio da marinha mercante portuguesa se faz sob o contrato de matrícula por viagem ou viagens, e neste estão em jogo interesses de cerca de 7000 inscritos marítimos (embarcados e desembarcados) e interesses de armadores.

VII

Pergunta - Será certo que chegam a embarcar como segundos-pilotos oficiais que nem sequer possuem a carta de terceiro-piloto?

Resposta - O caso sucedeu no petroleiro Alvelos no dia da saída (21 de Janeiro último).

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O oficial imediato adoeceu repentinamente e teve de desembarcar quando o navio devia seguir viagem. Para tratar da sua substituição sem demora foi à Capitania um funcionário superior da firma armadora pedir moradas de pilotos, a fim de procurar um que quisesse imediatamente embarcar no Alvelos.
Passadas cerca de três horas, voltou de novo aquele funcionário, declarando que não conseguira encontrar piloto que pudesse no mesmo dia seguir viagem.
Nestas condições, os pilotos do navio ascenderam à classe imediatamente superior, devido à urgência que havia na saída do petroleiro. Dois praticantes tiveram de ir desempenhar o serviço de piloto, mas um deles era encartado de terceiro-piloto.

VIII

Pergunta - Conviria ainda saber se é verdade que certas empresas deixam de embarcar praticantes de piloto, sobrecarregando assim o trabalho dos terceiros-pilotos com horas extraordinárias, que depois se recusam a pagar?
Quantos conflitos deste género chegaram nos últimos meses ao conhecimento dos autoridades marítimas?

Resposta - Esta pergunta naturalmente visa o navio-motor Costeiro Terceiro, que há pouco tempo foi destinado, em regime de experiência, para o serviço de cabotagem entre os portos de Cabo Verde e a Guiné.
Atendendo à natureza do tráfego que o navio foi chamado a desempenhar e também à falta de praticantes de piloto com curso, visto estarem 33 a prestar serviço militar, foi aquele navio autorizado a seguir viagem sem praticante.
Actualmente é tão grande a falta de praticantes de piloto com curso que o Alcoutim já saiu sem QS levar, o mesmo acontecendo com alguns dos arrastões de Lisboa que estão saindo para o mar.
Quanto aos conflitos, sómente dois casos foram apresentados na Capitania (um oficial piloto e um oficial maquinista), que estão sendo averiguados.

IX

Em matéria de assistência médica, e respeitante ao comportamento das empresas para com os inscritos marítimos quando estes adoecem fora do porto de armamento, a Capitania só tem conhecimento do facto pelas queixas feitas oficialmente pelos marítimos que se acham lesados. Isto não quer dizer que a Capitania se desinteresse pelo que se passa fora do que oficialmente lhe é dado conhecer, porque na sua actuação, através dos seus serviços clínicos, tem sempre indicado nas companhias o modo ide proceder consoante a doença é ou não da culpabilidade do inscrito.
Recebida na Capitania a queixa do inscrito por não conformado com a resolução da companhia descontando-lhe nos vencimentos as despesas havidas com a sua doença), baixa a referida queixa aos serviços clínicos, os quais, atendidos os reparos do marítimo, classificam a doença, como integrada em qualquer dos dois artigos (184.º e 185.º) do Decreto-Lei n.º 23 764.
Se o caso de doença se acha taxativamente consignado no teor do artigo 185.º, a culpabilidade cabe ao inscrito, e a companhia pode e deve descontar o que gastou com a doença e o doente. No caso contrário, a companhia é convidada a não fazer descontos e, se os fez, a indemnizar o marítimo dos já feitos. Não tem havido compulsão porque a compreensão das companhias tem sido excelente.
Casos terá havido de descontos feitos na ignorância da Capitania, mas esses casos não podem evitar-se, nem levar a apodar qualquer organismo oficial de parcial.
Mas, como a Capitania, por sua função social, recebe e atende todas as queixas, razoáveis ou não, e sobre elas despacha segundo está regulamentado, têm os marítimos (e eles sabem-no muito bem) as mais amplas possibilidades de apresentarem às autoridades superiores todas as suas reclamações, protestos e dúvidas.
A afirmação de que os recalcitrantes acabam por receber bilhete de desembarque e ser lançados para a lista negra, a que corresponde um quase desemprego perpétuo, é assunto que raramente tem passado na Capitania.
E quando sucede, como a recusa é em regra filiada em motivo de doença, os serviços clínicos da Capitania têm o cuidado de confirmarem ou infirmarem tal motivo, deste modo se obrigando muitas vezes a companhia a aceitar o marítimo discutido.
Quando qualquer caso passe pelas malhas que a Capitania aperta, com o fim de fazer respeitar a lei e a justa causa, tem o marítimo ainda o recurso da ajuda do seu sindicato. Se o não aproveita é porque não quer.
Para finalizar, é de lamentar que o Sr. Deputado Jacinto Ferreira não tenha mais claro conhecimento da forma como na Capitania se defendem os interesses das classes marítimas, a qual ainda recentemente mereceu do delegado do Sindicato Nacional dos Tripulantes da Navegação Fluvial do Rio Tejo do Distrito de Lisboa a apreciação que a seguir se transcreve:

Aqui, na Capitania do Porto de Lisboa, temos constatado que o conceito de justiça se baseia na organização, na disciplina, na ordem, no método, na hierarquia, na obediência, no espírito de servir, nas virtudes militares e cristãs, que, unidas e conjugadas, sempre através dos séculos a história nos mostra constituírem a maior força defensora dos interesses não só dos fracos mas da própria grei.

28 de Fevereiro de 1953.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Página 1098

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