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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 228

ANO DE 1953 25 DE MARÇO

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 228 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 24 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta, a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 322.
Leu-se na Mesa uma informação da Presidência do Conselho acerca de um requerimento apresentado em anterior sessão pelo Sr. Deputado Melo e Castro.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Morais Alçada, sobre este assunto; Santos Bessa, para agradecer informações que lhe foram remetidas por diversos Ministérios sobre acção preventiva da tuberculose; Melo e Castro, acerca da necessidade de serem fomentados meios de auxilio aos hospitais sub-regionais; Pinho Brandão, sobre as estradas nacionais do distrito de Aveiro; Ernesto Lacerda, acerca da necessidade de ser encarado o problema da defesa das espécies piscicolas; Délio Santos, que chamou a atenção do Governo para certos aspectos do ensino na provinda do Algarve, e Jacinto Ferreira, que se referiu a alguns problemas ligados à previdência.

Ordem do dia. - Em primeira parte, discutiu-se o projecto de lei do Sr. Deputado Abel de Lacerda acerca da defesa do património artístico nacional.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Abel de Lacerda e Mário de Figueiredo.
Posto à votação, foi o projecto de lei aprovado, com alterações deste Sr. Deputado.
Entrando-se em segunda parte da ordem do dia, foi submetido à apreciação da Assembleia o pedido para que seja autorizado o Chefe do Estado a ausentar-se do País para uma visita oficial a Espanha.
Usou da palavra o Sr. Deputado Sebastião Ramires, que apresentou uma proposta de resolução.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
Passou-se à terceira, parte da ordem do dia, com a continuação do debate sobre as Contas Gerais do Estado e das contas da Junta de Crédito Público referentes a 1951.
Usou da palavra o Sr. Deputado Alberto de Araújo.
Seguidamente submeteram-se à rotação da Câmara as propostas de resolução sobre as Contas Gerais do Estado e das contas da Junta do Crédito Público, que foram aprovadas.
Antes de encerrar a sessão o Sr. Presidente usou da palavra para agradecer a colaboração prestada por todos os Srs. Deputados e falou ainda, no fim, o Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Finto.
Américo Cortês Finto.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.

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António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 84 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.º 222 do Diário das Sessões.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Não havendo nenhum Sr. Deputado que peça a palavra sobre este número do Diário, considero-o aprovado.
Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Do Grémio da Lavoura de Torres Vedras a apoiar as considerações do Sr. Deputado Pimenta Prezado acerca do aumento dos efectivos da Guarda Nacional Republicana para policiamento rural.
Do Grémio da Lavoura de Alcobaça no mesmo sentido.
Da Cooperativa Construtora Económica Vianense, de Viana do Castelo, a apoiar a moção apresentada pelo Sr. Deputado Amaral Neto aquando da discussão do seu aviso prévio acerca de habitações económicas.
Da Casa do Concelho de Gouveia a apoiar o discurso do Sr. Deputado Simões Crespo sobre assuntos de instrução do distrito da Guarda.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa uma informação prestada pelo Sr. Presidente do Conselho em referência a um requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Melo e Castro, que vai ser lida.

Foi lida. E a seguinte:

«Sr. Presidente da Assembleia Nacional - Excelência.- Com referência ao requerido pelo Sr. Deputado José Guilherme de Melo e Castro na sessão de 17 do corrente tenho a honra de informar o seguinte:
É do conhecimento do Governo que avultados danos foram sofridos, pelo menos por uma empresa nacional, em consequência de graves defeitos em unidades fornecidas pela indústria de construção naval holandesa, havendo razões para crer que actos subsequentes afectaram as garantias a que devem ter direito as empresas nacionais que procedem à aquisição de valiosos equipamentos em mercados estrangeiros.
Foi-lhe denunciado também que entidades holandesas, solicitadas a corrigir pontos essenciais ao esclarecimento da verdade em diferendo afecto ao poder judicial e relacionado com o fornecimento acima referido, recusaram o seu concurso e autorização para que fossem rectificadas informações periciais menos verdadeiras e de fundamental interesse para a decisão do pleito.
Em face disto, o Governo vai proceder ao cuidadoso estudo da questão para completa averiguação do que sé passou, a fim de poder apreciar até que ponto estão ou não a coberto de factos como os apontados os legítimos interesses dos armadores nacionais que recorram à indústria de construção naval holandesa. Até conclusão desse estudo, e para salvaguarda desses legítimos interesses, o Governo está na disposição de não autorizar encomendas de entidades portuguesas à referida indústria.
A bem da Nação.

Presidência do Conselho, em 21 de Março de 1953. - O Presidente do Conselho, Oliveira Salazar».

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Morais Alçada.

O Sr. Morais Alçada: - Sr. Presidente: em presença da leitura das informações vindas hoje da Presidência do Conselho, vê-se que, quando pus o problema, na sessão de 28 de Abril de 1950, a respeito do fornecimento de barcos ao País pelos estaleiros das firmas holandesas, vê-se, repito, que eu tinha razão!
Recolho agora no meu íntimo a satisfação moral que promana do caso e não faço mais comentários, até porque eles se tornam dispensáveis ao critério de apreciação desta Câmara.
Tenho dito.

O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: em 19 de Dezembro de 1952 apresentei nesta Assembleia um requerimento, que justifiquei, solicitando dos Ministérios do Interior, da Educação Nacional, do Exército, da Marinha e das Corporações um certo número de elementos respeitantes ao radiorrastreio da tuberculose, às provas de tuberculina e à vacinação pelo B. C. G. nos vários serviços dependentes desses Ministérios ou que com eles tivessem quaisquer ligações.
Esperei até hoje - último dia de trabalhos desta Assembleia -, na mira de poder recolher todos esses elementos. Infelizmente, nem todos os Ministérios tiveram possibilidade de fazer chegar até esta Assembleia os elementos pedidos.
Agradeço a SS. Exas. os Ministros do Interior, da Educação Nacional, do Exército e da Marinha a gentileza das suas informações.
Era meu propósito analisar em pormenor os elementos que me fossem fornecidos. Mas, porque só hoje me foi possível falar sobre tal assunto e porque nesta última sessão de trabalhos estão marcados para discussão assuntos da mais alta importância, que não podem ser prejudicados, limito-me a reafirmar a necessidade de evitar duplicações de serviços e a procurar estabelecer a coordenação indispensável ao mais perfeito rendimento desses mesmos serviços.
Torna-se necessário que todos eles trabalhem em moldes comuns de modo a tornar possível a utilização dos dados estatísticos de cada um deles. Todos os serviços públicos, os organismos corporativos e mesmo as empresas que se dediquem à profilaxia da tuberculose devem orientar as suas actividades segundo as mesmas normas de trabalho, para que seja possível a comparação dos respectivos resultados.
Afigura-se-me indispensável a nomeação de uma comissão coordenadora de todas essas actividades. Como a orientação da luta antituberculosa está confiada ao I. A. N. T., tenho a honra de sugerir que S. Ex.ª o Ministro do Interior promova a constituição dessa comissão, de cujo trabalho resultará, certamente, uma indiscutível economia, evitando duplicações e garantindo uma maior massa de elementos de informação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Melo e Castro: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer algumas considerações, que procurarei condensar o mais possível, dadas as circunstâncias da sessão de hoje, acerca da necessidade de serem fomentados os meios de auxílio aos hospitais sub-regionais e, em íntima conexão, de ser estabelecida uma nova disciplina no problema tão debatido, mas ainda tão longe de satisfatória solução, das responsabilidades dos municípios no internamento hospitalar dos doentes pobres.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: entra pelos olhos dentro, impõe-se ao espírito e ao coração a obra notabilíssima que, desde 1940 para cá, tem sido realizada pelo Governo e pelas Misericórdias no domínio da reorganização hospitalar.
Promulgada a Lei n.º 2 011, de 2 de Abril de 1946, ela não ficou letra morta mas, ao contrário, logo houve viva preocupação construtiva, como pedia a ingência e urgência da necessidade.
Em 30 do mesmo mês e ano, pelo Decreto n.º 35 621, eram definidas as atribuições da Comissão de Construções Hospitalares, e este serviço, de então para cá, com competência, entusiasmo e o melhor espírito de colaboração com as Misericórdias, tem realizado um trabalho verdadeiramente modelar que já permitiu a resolução do problema hospitalar em numerosos concelhos do País.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Permitir-me-ei, Sr. Presidente, ler alguns números demonstrativos do que acabo de afirmar: 171 concelhos, notem VV. Ex.ªs, 171 concelhos, foram já beneficiados, foram construídos, de raiz, 22 hospitais sub-regionais, realizadas 49 grandes remodelações e ampliações, 52 pequenas remodelações e instalados 7 postos de consulta e socorro. Estão em curso obras de construção de 28 novos hospitais, 1 posto e 24 grandes e 5 pequenas remodelações.
Estes números, Sr. Presidente e Srs. Deputados, falam por si, mas, para se fazer uma ideia da verdadeira vida nova que desde 1945 para cá foi insuflada a muitas das nossas Misericórdias provincianas, gostaria também de referir-me a alguns números relativos ao aumento das despesas das Misericórdias com assistência hospitalar, fora construção e equipamento: em 1926, despenderam as Misericórdias com assistência hospitalar 30500 contos, em 1945, 63 300, e em 1949, 96 400 contos.
Para se fazer uma ideia mais precisa do esplêndido impulso dado à reorganização hospitalar do País, não queria, Sr. Presidente, deixar de referir ainda que na construção dos novos Hospitais Escolares de Lisboa e Porto já foram gastos cerca de 400 000 contos e para reapetrechamento dos Hospitais Civis de Lisboa foram concedidos, em 1947, 36 500 contos.
Também, Sr. Presidente, não deve esquecer-se que, na progressiva política seguida neste domínio, nos últimos anos, não tem havido apenas a preocupação de construir e equipar hospitais, mas também, já com alguns êxitos, a de preparar enfermagem condigna, em número e nível tanto técnico como moral, assim como os problemas, da administração hospitalar têm sido encarados com seriedade.
É este, portanto, um dos domínios em que o progresso tem sido mais nítido e consolador, até, Sr. Presidente, pela atenção dispensada às necessidades da vida provinciana.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Para quem tenha o gosto de admirar e de louvar, e este gosto, Sr. Presidente, próprio das almas fortes e bem formadas, tão inconfundível é com a louvaminha e com a falada propaganda, eis aqui um sector em que os agradecimentos da Nação nunca serão demasiados, em que os aplausos ao Governo para que a obra prossiga nunca serão sobejos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- E nunca serão demasiados, Sr. Presidente, os aplausos que a Justiça pede a esse grande

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obreiro da política da saúde e da assistência que tem sido o Sr. Dr. Trigo de Negreiros, a quem o País deve assinalados serviços, destes serviços positivos, palpáveis, que se impõem a quem vive atento às autênticas realidades da vida pública portuguesa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Neste aplauso sincero em que sinto interpretar o sentimento dos que, por essas províncias fora, vivem os problemas da assistência e da saúde, eu queria também, Sr. Presidente, destacar a obra benemérita da Comissão de Construções Hospitalares, assim como o nome do ilustre titular da pasta das Obras Públicas, Sr. Engenheiro Ulrich, que à organização hospitalar, assim como à política construtiva da assistência em geral, não tem regateado o melhor do seu fecundo labor, do seu entusiasmo e do seu carinho.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Mas, Sr. Presidente, construir hospitais, equipá-los, dotá-los com enfermagem e organização condignas não basta. É preciso assegurar as condições da sua estabilidade financeira ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-... e este cuidado impõe-se especialmente naquelas Misericórdias que fizeram o esforço, para algumas enorme, de dotar as respectivas regiões com estabelecimentos plenamente satisfatórios.
Ainda há dias, em artigo de fundo de O Século, entre judiciosas considerações relativas aos hospitais provincianos, ressaltava esta necessidade.
Sr. Presidente: toda a gente sabe que muitas das nossas Misericórdias provincianas atravessam ainda uma vida difícil, não obstante a atenção que o Governo lhes tem dispensado desde 1945 para cá. Embora já não rareiem tanto, a verdade é que não abundam, como em outros tempos, as doações e os legados de vulto.
Bem ou mal, as grandes fortunas privadas, entre nós, não têm sofrido restrições comparáveis às de outros países, mas não se recuperou ainda a piedosa disposição de outras eras para legar em prol do comum nem o ambiente se libertou ainda dos desastrosos resultados, sobretudo da desconfiança, derivados das chamadas «leis de desamortização», de tão má memória.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-E nem sempre, Sr. Presidente, ainda na nossa geração, fazemos tudo o que seria preciso para crear incentivo aos piedosos doadores. Ainda ontem tive ocasião de nesta Câmara, pedir a atenção do Governo para o caso duma doação, no concelho da Covilhã, para instalação duma escola de ensino elementar agrícola, doação feita há mais de cinco anos, sem que à vontade do doador, porém, tenha sido dado cumprimento.
Temos assistido, é certo, pelo País fora à esplêndida floração dos cortejos de oferendas. Uns bons milhares de contos têm entrado nos cofres das Misericórdias, têm sido avivados adormecidos sentimentos de caridade, até significativas manifestações têm sido de bom civismo e até de valorização folclórica. Simplesmente, dão muitas canseiras e tomam muito tempo a quem se empenha na sua organização, nem todos os anos o ambiente lhes é propício e não pode, em consequência, fazer-se repousar o regular funcionamento dos novos hospitais sub-regionais, com as importantes exigências criadas - raios X, análises, cirurgia, boa enfermagem, serviço social, assistência religiosa -, sobre a precariedade das receitas vindas dos cortejos de oferendas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Julgo, Sr. Presidente, que as vistas dos administradores destes novos hospitais podem, muito legitimamente, virar-se também para o sector da previdência. No dia em que o seguro doença da nossa previdência dê os indispensáveis passos de progresso que o generalizem à massa rural e lhe permitam promover a hospitalização e assistência cirúrgica aos beneficiários, &a união de vistas que se impõe entre a previdência e a política geral da saúde, dessa banda virão certamente possibilidades novas que permitam definir, por forma segura, a vida financeira dos hospitais sub-regionais e tirar deles pleno rendimento.
Parece que, por ora, não é dado ainda caminhar nesse rumo. De maneira que, Sr. Presidente, quem tenha de preocupar-se com a administração das Misericórdias pobres que resolveram ou estão em vias de resolver o problema hospitalar da respectiva região não pode deixar de pedir amparo, de bom ou mau grado, aos municípios.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Sobre os municípios impende um imperativo legal iniludível de amparar os hospitais locais, imperativo que decorre sobretudo da base XIX da Lei n.º 2 011 e do artigo 83.º do Decreto-Lei n.º 35 108. A enumeração de hospitais, hoje classificados de centrais, a par dos especiais, feita no n.º 7.º do artigo 751.º do Código Administrativo, se alguma vez significou uma preferência legal pelo internamento nos hospitais dos grandes meios, já hoje perdeu toda a justificação depois de promulgada a Lei n.º 2 011 e da construção dos novos hospitais sub-regionais, muitos dos quais têm sido instalados e organizados em moldes que lhes permitem suprir mais de 75 por cento das necessidades regionais de medicina e cirurgia gerais.
Por outro lado, não pode esquecer-se, Sr. Presidente, que muitos dos municípios atravessam dificuldades, e ainda quando desejem auxiliar os hospitais locais não o podem fazer em virtude, principalmente, das responsabilidades para com os Hospitais Civis.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Este malfadado assunto das dívidas aos Hospitais Civis foi focado com proficiência e brilho no aviso prévio do nosso ilustre colega engenheiro Amaral Neto, realizado o ano passado, e mereceu também judiciosas considerações dos nossos ilustres colegas Drs. Miguel Bastos e Ernesto Lacerda.
O Sr. Engenheiro Amaral Neto aventou aqui duas soluções para se assentar a assistência local em bases de estabilidade financeira: uma, a das derramas, prevista no Decreto-Lei n.º 35 108, e outra, bastante original, que consistiria na criação de adicionais às contribuições gerais, cujo produto seria consignado à assistência local.

O Sr. Amaral Neto: - Não é nova a solução que propus, pois já antigamente houve qualquer coisa no mesmo género.

O Orador:- Nova ou velha, não me repugna vir a aceitar esta segunda solução das indicadas por V. Ex.ª, mas creio que só deveríamos adoptá-la no dia em que pudermos, com segurança, estabelecer uma planificação do financiamento de toda a nossa política da saúde, em geral, considerando todos os recursos privados e pú-

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blicos. Isso só poderá fazer-se, como há pouco frisei, quando soubermos com o que pode contar-se das bandas da previdência, e por aí, como há poucos dias pudemos verificar, reina grande perplexidade, perplexidade que, todavia, se afigura construtiva.
Para já, como algo de mais imediato e prático, é meu intuito tão-sòmente pedir a atenção do Governo para que fosse publicado um diploma legal que, alterando os ultrapassados preceitos do n.º 7.º do artigo 751.º do Código Administrativo, desse satisfação a dois objectivos que condenso pela seguinte forma: por um lado, criar aos municípios incentivo para preferirem o internamento dos doentes pobres nos novos hospitais locais ou para se interessarem pela construção de novos hospitais ou modernização dos existentes; por outro lado, sem aumentar os actuais encargos das câmaras neste domínio, consignar grande parte deles a favor do primeiro objectivo.

O Sr. Presidente: - Lembro ao Sr. Deputado Melo e Castro que deve abreviar as suas considerações.

O Orador:- Com a benevolência de V. Ex.ª, para resumir o mais possível o que tinha para expor, vou aflorar apenas quatro pontos concretos, que julgo merecerem ser considerados na providência legal que esta matéria requer com urgência.
O primeiro seria o de ser legalmente fixada, por forma expressa, a preferência pelo internamento nos hospitais locais e, em consequência, a satisfação dos débitos das câmaras aos hospitais sub-regionais ser também considerada despesa obrigatória.
O segundo ponto consistiria numa regulamentação, o mais rigorosa possível, da passagem de guias para os hospitais centrais ou regionais, quando estes estiverem devidamente instalados, com exigência, pelo menos, dum parecer fundamentado do director clínico do hospital local.
Seria o terceiro, a exemplo do que já acontece com os tuberculosos e demais infecto-contagiosos, a completa exclusão da responsabilidade das câmaras do tratamento dos doentes mentais, dos cancerosos e muito especialmente, Sr. Presidente, dos chamados internamentos de urgência, que são o pesadelo sobretudo das câmaras vizinhas das grandes cidades.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Isto porque julgo praticamente impossível regulamentar estes internamentos de urgência em termos que defendam convenientemente os interesses municipais.
Por ultimo, Sr. Presidente, consistiria o quarto ponto em contemplar os hospitais sub-regionais, por forma preferencial, no destino dos descontos que obrigatoriamente são feitos nas receitas das câmaras arrecadadas pelas tesourarias da Fazenda Pública. Estes descontos, que são de 20 por cento e destinados a reduzir as dívidas aos Hospitais Civis, continuam a ser feitos ao abrigo do Decreto-Lei n.º 23 348, de 13 de Dezembro de 1933. Ora o Sr. Deputado Amaral Neto já aqui demonstrou, na realização do seu aviso prévio, que esse diploma foi revogado pelo Código Administrativo. O meu voto, porém, não é para que o desconto acabe. Mantenha-se, e sem ultrapassar os 20 por cento, mas distribua-se pela seguinte forma: 5 por cento para os hospitais centrais e regionais e os restantes 15 para os hospitais sub-regionais nas regiões em que estes se encontrem satisfatoriamente instalados. Por despacho do Ministro do Interior seriam determinados os hospitais sub-regionais que se fossem colocando em condições de beneficiar deste regime, assim como seriam designados o município ou municípios da respectiva região cujas receitas deveriam sofrer a competente dedução.
Não posso, Sr. Presidente, desenvolver estes pontos nem alongar considerações sobre estes problemas; o que posso e devo é assegurar que, embora não sejam transcendentes problemas de administração pública, eles interessam vivamente todos esses obreiros, às vezes esquecidos, da administração local e da administração das Misericórdias.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Homens bons, homens humildes, duma humildade procurada, que não buscam os fumos dos grandes meios, embora na qualidade e na experiência possam pedir meças a alguns dos que andam nas tubas da fama e no regaço da fortuna. Carolas que não raro acumulam as preocupações da administração municipal com as da gerência das Misericórdias. É que, Sr. Presidente, também no pequeno mundo da vida pública provinciana há grandes acumulações de empregos ... mas essas são acumulações de boa vontade, de encargos, de arrelias tantas vezes ... e outras vezes também, porque não dizê-lo?, acumulações de satisfação moral, quando é atendido o bem dos povos, conhecido ali mais de perto, como confiadamente espero o Governo atenda as necessidades que procurei focar das Misericórdias pobres.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinho Brandão: - Sr. Presidente: volto novamente a ocupar-me nesta Casa das estradas nacionais do distrito de Aveiro. E faço-o, Sr. Presidente, porque entendo do meu dever chamar mais uma vez a atenção do Governo, e particularmente do Sr. Ministro das Obras Públicas e da Junta Autónoma de Estradas, para o estado deplorável em que se encontram algumas dessas estradas.
Com efeito, a algumas estradas nacionais desse distrito, sem dúvida um dos mais importantes do País, pela sua vida industrial e agrícola, mal chegou ainda a acção benéfica da política do Estado Novo, no que respeita às estradas que servem directamente os concelhos rurais.
E, todavia, Sr. Presidente, como se afirma no relatório do Decreto n.º 23 239, a existência de boas estradas imprime uma nova vida aos povos, contribui para a melhoria das suas relações sociais, estimula e movimenta a riqueza pública e promove o progresso e bem-estar dos povos. Por isso se verifica nos concelhos mal servidos por estradas um baixo nível de vida, que obriga os respectivos habitantes a abandonar esses concelhos e a procurar nos grandes aglomerados urbanos ou no estrangeiro outras formas de actividade.
Afinal, Sr. Presidente, tanto se fala contra o êxodo das populações dos meios rurais para os grandes centros urbanos, e eu entendo que com muita razão, e não se trata de remover as causas que determinam esse êxodo. Certamente que as péssimas estradas ou a falta delas não são a única causa determinante do baixo nível das populações rurais.
Além dessa causa, outras, sem dúvida, se verificam. Pois, Sr. Presidente, o Estado, no interesse próprio até, precisa de estar atento às necessidades e dificuldades da massa rural do País e de fazer tudo que esteja ao seu alcance para elevar o seu nível de vida, promovendo a fixação das populações nos campos e evitando que elas se desloquem para. as cidades, onde tantas

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vezes se desmoralizam e vão perdendo as qualidades próprias do nosso povo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ora entre os meios de que o Estado pode lançar mão para elevar o nível de vida das populações rurais está, sem dúvida, o de promover a existência de boas estradas que sirvam essas populações, facilitando o escoamento dos produtos agrícolas, o acesso das matérias-primas e o próprio deslocamento.

Vozes : - Muito bem!

O Orador: - Acontece, porém, que no meu distrito as estradas nacionais que directamente servem os concelhos rurais se encontram, na maior parte do seu percurso, em péssimo estado de conservação.
Assim, a estrada nacional n.º 224, de 2.ª classe, de Estarreja a Entre-os-Rios, no percurso entre Vale de Cambra e Castelo de Paiva, e particularmente entre Vale de Cambra e Arouca, encontra-se com péssimo pavimento e com curvas apertadíssimas. A propósito direi que a grande reconstrução desta estrada se iniciou há anos no sentido Estarreja-Entre-os-Rios e fez-se essa reconstrução de Estarreja até Vale de Cambra. Aí, em Vale de Cambra, parou a reconstrução neste sentido e iniciou-se depois em sentido inverso, ou seja de Entre-os-Rios -Estarreja, fazendo-se a grande reparação do troço de Entre-os-Rios a Castelo de Paiva.
Porque não se continuou com a grande reconstrução desta estrada no sentido indicado em primeiro lugar, ou seja de Estarreja-Entre-os-Rios, e se foi reconstruir no sentido inverso?
Certo é, porém, Sr. Presidente, que essa estrada, entre Vale de Cambra e Arouca, se encontra ainda em piores condições de trânsito do que se encontrava de Entre-os-Rios a Castelo de Paiva antes da reconstrução deste último troço.
Todavia, este troço, possivelmente por razões técnicas que ignoro, foi reconstruído de preferência ao outro, entre Vale de Cambra e Arouca.
A estrada nacional n.º 326, de Espinho a S. Pedro do Sul, passando por Lourosa, Corga de Lobão, Mansores, Arouca, Moldes, Cabreiros e Bordonhos, apenas se encontra aberta, desde há dezenas de anos, até Moldes, faltando proceder à sua abertura entre Moldes e S. Pedro do Sul. Está a ser beneficiada entre a Corga de Lobão (Vila da Feira) e a Ponte da Cela (Arouca), pelo que deixo aqui ao ilustre titular da pasta das Obras Públicas, Sr. Engenheiro José Frederico Ulrich, os mais vivos agradecimentos das populações interessadas. Mas o troço entre a Corga de Lobão e Lourosa (no concelho da Feira) e o troço entre a Ponte da Cela e Moldes (no concelho de Arouca) encontram-se em mau estado de conservação, e é de grande interesse para as populações servidas por esta estrada que estes dois troços sejam, com brevidade, objecto de grande reparação.
Basta dizer, Sr. Presidente, para pôr em relevo o interesse desta grande reconstrução, que esta estrada é aquela que dá comunicação mais rápida entre as populações da maior parte do concelho de Arouca e de uma grande parte do concelho da Feira e a cidade do Porto e é com esta cidade que aquelas populações mantêm a maior parte das suas relações económicas.
Pelo plano rodoviário, aprovado pelo Decreto-Lei 34 593, foz parte da estrada nacional n.º 326 o ramal de Arouca a Alvarenga, cuja abertura se iniciou há cerca de seis anos com a adjudicação da abertura do troço de 5 km entre a vila de Arouca e Gamarão, adjudicação esta ordenada pelo então Ministro das Obras Públicas, Sr. Engenheiro Augusto Cancela de Abreu.
De então para cá as obras de abertura do referido ramal apenas voltaram a ser dotadas pelo plano de actividade da Junta Autónoma de Estradas para o biénio de 1952-1953, para o efeito da abertura do segundo troço, mas ainda não foi até hoje adjudicada esta obra, apesar de já ir adiantado o período de tempo para o qual se elaborou aquele plano de actividade.
Desejo frisar aqui, Sr. Presidente, que a construção deste ramal é do maior interesse colectivo, não só porque através dele se estabelecerão comunicações rápidas e fáceis entre três freguesias do concelho de Arouca - Alvarenga, Canelas e Espiunca - e a sede do concelho, mas ainda porque essa construção virá facilitar as comunicações entre a bacia do Douro e a do Vouga.
A estrada nacional n.º 222, de Vila Nova de Gaia a Vila Nova de Foz Côa, passando por Canedo e Castelo de Paiva, e a estrada nacional n.º 223, de Carvoeiro a Ovar, passando por Canedo, Corga e Souto Redondo, necessitam de ser beneficiadas. Impõe-se, na n.º 222, a substituição rápida dos pontões provisórios de madeira existentes sobre o rio Inha e sobre o ribeiro de Areja, evitando-se a repetição de desastres que as rampas de acesso a essas pontes têm ocasionado, resultando já de um desses desastres a morte de uma pessoa.
No segundo semestre de 1952 foram adjudicadas as obras do revestimento betuminoso entre Canedo e Póvoa, na estrada n.º 222, mas estas obras ainda não foram iniciadas, e urge a sua realização.
Impõe-se ainda, por outro lado, Sr. Presidente, a grande reparação desta estrada, com rectificação de traçado entre a Póvoa de Pedorido e o lugar da Estação, da freguesia da Raiva, pois ai, dado o enorme trânsito a que este troço está sujeito e o facto de em parte dele assentar o caminho de ferro mineiro da Empresa Carbonífera do Douro, Lda., a estrada não serve convenientemente a viação ordinária.
Não foram ainda feitos, suponho, os estudos necessários à construção do troço desta estrada n.º 222 entre Vila Nova de Gaia e Canedo, e esses estudos e a consequente construção deste troço impõem-se também pelos benefícios que tal obra proporciona às populações interessadas.
A estrada nacional n.º 327, entre Mansores e S. Jacinto, por S. João da Madeira, quase não serve ao trânsito de automóveis e de camionetas, tal o péssimo estado em que se encontra este troço.
Para estas estradas, que servem sobretudo populações rurais, tão merecedoras da protecção e auxilio do Estado, eu permito-me, Sr. Presidente, chamar a atenção do Sr. Ministro das Obras Públicas, para que S. Ex.ª, na sequência da grandiosa obra que vem realizando no País, dote essas estradas com as verbas necessárias às reparações aqui apontadas.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Ernesto Lacerda: - Sr. Presidente: o nosso ilustre colega Sr. Coronel Ricardo Durão tratou recentemente nesta Assembleia do problema da pesca criminosa, chamando especialmente a atenção do Governo para o caso da pesca do salmão e repovoamento dos rios Minho e Lima.
Porque infelizmente não é só este caso que requer providências, pois o mal pode considerar-se geral, proponho-me também dizer algumas palavras sobre este problema, que urge remediar.
Creio poder afirmar, sem receio de trair a verdade dos factos, que toda a nossa riqueza piscícola fluvial está

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em sério risco de perder-se ou, pelo menos, de diminuir acentuadamente, em consequência do uso de processos criminosos de pesca, que dizimam as várias espécies que povoam os nossos cursos de água.
O assunto já tem sido debatido aqui por mais de uma vez e a imprensa tem também chamado para ele a atenção dos Poderes Públicos, sem que até agora tenha sido possível encontrar a almejada solução, mediante medidas adequadas que protejam as espécies dos actos de destruição e de verdadeiro vandalismo que as destroem, com evidente e sensível prejuízo deste ramo da riqueza nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- No Centro do País o problema assume, do mesmo modo, aspectos desoladores.
Estabelecendo a demarcação entre os distritos de Castelo Branco e de Leiria, corre, ao longo de profundos vales, ao norte deste distrito, o rio Zêzere, onde presentemente se encontram em curso as grandiosas obras das barragens do Cabril e da Bouça.
Nestas obras, que tive o prazer de visitar há poucos dias, é utilizada em larga escala a dinamite, e apesar da vigilância que certamente se exerce, consta terem-se verificado alguns embora diminutos, desvios desta substância.
Talvez por isso, tem havido noticia do seu emprego, não só na pesca criminosa naquele rio, mas ainda nos outros cursos de água que abundam na região.
Desta forma, o peixe que neles vive é destruído em grandes quantidades, ficando quase sempre impunes os autores destes crimes.
Eu bem sei que o exercício da pesca está regulado numa profusa legislação extravagante e que nessa legislação se estabelecem sanções penais de certa gravidade para os que prevaricam.
Apesar disso, verifica-se que essas leis não têm conseguido atingir os seus fins de prevenção desta espécie de criminalidade.
Não obstante a força psíquica que é inerente à lei e se dirige à vontade e à consciência dos homens, exercendo pela sua força coactiva um constrangimento destinado a levá-los à sua obediência, a lei, neste caso, não tem sido suficiente para compelir a essa obediência.
Apesar de todo o acervo de diplomas legislativos destinados a condicionar o exercício da pesca, esta continua a fazer-se por todo o País, nos rios e nas ribeiras, mediante os processos mais condenáveis, que vão desde o uso de redes de malha ilegal até ao emprego de matérias explosivas e venenosas.
Há, portanto, que aumentar a severidade das sanções prescritas para a pesca ilícita e criminosa e há principalmente, em meu entender, que criar uma fiscalização eficaz, que torne operante a lei.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Os agentes a quem compete a vigilância do exercício da pesca - os guarda-rios -, por maior que seja o seu desejo de servir e o seu zelo pelo serviço, são incapazes de cumprir cabalmente a sua missão.
O seu reduzido número impossibilita de proteger com eficácia grandes extensões de cursos de água ë a riqueza piscicola, que neles vive, pois não podem fazer uma fiscalização rigorosa e continua.
Por isso os pescadores furtivos e criminosos gozam, geralmente, da impunidade, e só muito raramente os tribunais são chamados a intervir para punir os transgressores.
Assim, o peixe, que constitui uma parcela valiosa da riqueza da Nação e um elemento importante da nossa alimentação, está abandonado e sujeito a inevitável destruição.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- A comissão municipal de turismo de Figueiró dos Vinhos requereu há alguns anos a concessão do exclusivo da pesca num troço de 5 km da ribeira de Alge, que, nascendo nas faldas da serra da Lousa, e serpenteando através dos vales e serranias da freguesia de Campeio, reúne condições apreciáveis para. o desenvolvimento das várias espécies, e em especial da truta.
Essa concessão foi pedida para fins turísticos e desportivos e, para a manter, a Câmara Municipal não tem poupado esforços, fazendo periodicamente o repovoamento com o lançamento de milhares daquela apreciadíssima espécie, vinda da Estação Aquícola do Rio Ave.
Para que estes esforços não fossem inúteis e pudesse ser mantida esta concessão, que constitui, de facto, valioso elemento de valorização turística, que atrai ao concelho entusiastas do desporto, vindos de Lisboa e doutros pontos do País, a Câmara Municipal, depois de ter apelado em vão para uma mais eficiente vigilância por parte dos serviços da respectiva Direcção-Hidráulica, viu-se na necessidade de nomear um agente privativo de fiscalização para aquela área da ribeira de Alge.
Não obstante este encargo, a medida é ainda insuficiente porque um só agente não pode vigiar com rigor as margens da ribeira na extensão de 5 km, através de um terreno grandemente acidentado.
Mas é inegável que a situação tem tendência para melhorar, graças a esta medida, o que me leva a concluir que a resolução do problema da pesca criminosa é mais um problema de fiscalização do que de falta de leis severas para punir os infractores.
É neste sentido que existe uma falta grave, falta que à Administração compete preencher, criando um serviço adequado, para garantia e defesa das águas fluviais.
Creio que a importância da nossa riqueza piscícola merece o sacrifício que seja necessário fazer para essa defesa e que tal sacrifício seria sobejamente compensado, pois é inegável que essa riqueza levaria a abundância a muitos lares, constituiria apreciável fonte de riqueza para muitas famílias e permitiria que muitos se dedicassem, com proveito e prazer, ao saudável desporto da pesca.
Defendendo as nossas espécies piscícolas o Governo contribuirá uma vez mais para a valorização de uma fonte apreciável da riqueza nacional.
Porque assim é, manifesto a minha confiança na acção do Governo para enfrentar e resolver este problema.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Délio Santos: - Sr. Presidente: quando tomei parte no debate sobre o Plano de Fomento - a propósito da importância do ensino técnico - tive oportunidade de chamar a atenção do Governo para a urgência de se criarem as escolas técnicas previstas pela nova reforma daquele ensino. Relativamente ao Algarve, salientei como se impunha a rápida criação e funcionamento das escolas de Loulé, Vila Real de Santo António e Portimão. Quis então circunscrever o meu pedido apenas àquelas escolas, mas, voltando de novo ao assunto, hoje, desejo chamar a atenção de V. Ex.ª, desta Assembleia e do Governo para outros aspectos do ensino que interessam particularmente à província que represento.

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Trata-se das ambições legítimas de duas cidades do Algarve - Tavira e Portimão -, mas que interessam simultaneamente a população de áreas muito mais vastas.
Tavira, a relha e histórica cidade de tão belas tradições, é a única que no Sul do País não possui uma escola secundária oficial. Embora não neguemos que outros centros populacionais tenham, por razões de ordem industrial ou outras, também as suas necessidades imperiosas, não faz sentido que a vetusta cidade de D. Paio Peres Correia seja tratada com menos carinho do que algumas vilas de muito menor importância histórica.
Na verdade, Faro, capital do distrito, tem o seu liceu nacional, uma escola de magistério primário e ainda duas escolas técnicas - uma comercial e outra industrial. Lagos e Silves têm também, cada uma delas, escolas técnicas. Portimão tem o seu liceu municipal. Porque é que Tavira não há-de ver satisfeita a sua aspiração de possuir uma escola de ensino médio?

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Sei que foi feito um inquérito local, pelo director-geral do Ensino Técnico, para se averiguar onde deveria ser criada a escola técnica prevista no Plano há pouco referido, e decidiu-se que seria em Vila Real de Santo António. Não ponho em dúvida nem a justeza das conclusões do inquérito, nem as necessidades da vila pombalina. Pelo contrário, entendo que é indispensável a criação dessa escola em Vila Real de Santo António, lilás o que acabo de dizer não obsta a que as ambições do povo de Tavira sejam perfeitamente legítimas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Realmente o plano previsto não corresponde a todas as necessidades do Algarve, e, por isso, além desta lacuna de Tavira a que me venho referindo, quero chamar a atenção do Governo para uma outra não menos importante: é o caso do Liceu Municipal de Portimão. Este Liceu existe há vinte e um anos e corresponde, por isso, a uma já longa experiência pedagógica, que nos permite tirar conclusões seguras sobre a necessidade da sua elevação a liceu nacional, com frequência até ao 5.º ano, em conformidade com o espírito do Decreto n.º 21 922, de 29 de Novembro de 1932.
À luz dos preceitos pedagógicos que informam a ética do Estado Novo, há toda a vantagem em retardar a deslocação das crianças para longe das famílias, e os pequenos liceus disseminados pelas diversas regiões do País têm não só este enorme mérito, mas ainda o de elevarem o nível da cultura geral das terras cuja importância o exige, o que está consignado no relatório do Decreto n.º 20741-Estatuto do Ensino Secundário.
A primeira consequência da elevação deste liceu a nacional seria, portanto, uma melhor e mais aturada assistência às crianças, prestada pelos pais. Uma segunda consequência, tão importante como esta, seria o descongestionar do Liceu de Faro, que se encontra actualmente superlotado, com todas as vantagens advenientes do uma melhor organização e regularidade do trabalho educativo.
Outros argumentos podem ainda ser invocados para reforçar estes que consideramos principais. Assim, por exemplo, pelo Anuário Estatístico verifica-se que a contribuição industrial paga ao Estado pelo concelho de Portimão é superior à da maioria dos concelhos que possuem liceus nacionais, e isto sem falar noutros rendimentos, pois só o imposto sobre o pescado rendeu à Fazenda Nacional, nos últimos três anos, mais de 9 885 contos, o que nós dá uma média anual superior a 3 290 contos.
Com o Liceu de Portimão elevado a nacional uma vasta área do País seria grandemente beneficiada, visto nela se incluir todo o Barlavento do Algarve (área de maior densidade de população da província) e o Sul do Alentejo, desde Vila Nova de Mil Fontes até Odemira. Esta área é superior às áreas beneficiadas pela maior parte dos liceus nacionais do País.
A população do Barlavento do Algarve, actualmente, anda à volta de 150000 almas, sendo o resultado de um aumento progressivo, que se tem acentuado nos últimos anos. Podemos, por isso, imaginar a falta que faz um liceu com o 2.º ciclo nesta zona e quão benéfica influência não exerceria sob os aspectos intelectual, moral, social e político das populações.
Eis, em resumo, Sr. Presidente, os motivos pelos quais o Algarve espera, confiadamente, do Governo a satisfação destes desejos legítimos, de interesse não só regional, mas também nacional.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Jacinto Ferreira: - Sr. Presidente: o assunto com que me permito prender hoje um pouco da atenção de V. Ex.ª e da Assembleia já há bastante tempo teria sido tratado se não fora o anúncio de um aviso prévio sobre questões de previdência social.
Pareceu-me então que seria mais próprio integrar as minhas considerações no âmbito desse aviso prévio, mas, tendo este sido conduzido apenas sob o signo dos serviços médicos, verifiquei que não teria acolhimento qualquer derivação para outros sectores da previdência, fossem eles a luta contra o desemprego, o papel do abono de família, etc.
Por isso preferi tratar este tema antes da ordem do dia, e não quis deixar de o fazer por me parecer que ele é deveras importante.
Pelo § único do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 35 410 foi a Caixa Geral de Depósitos autorizada a cobrar às instituições de previdência a taxa de 0,5 por cento sobre os seus depósitos, cobrança esta efectuada a título de despesas de administração.
Esta estranha disposição, verdadeiramente de excepção para com estes fundos, é única nas normas dos estabelecimentos de crédito bancário, os quais lançam, às vezes, taxas, sim, mas de grau moderado, e não em função do volume dos depósitos, sobre as contas que não têm movimento.
Desta disposição legal resultou a Caixa cobrar às referidas instituições 1 386 contos referentes aos depósitos de 1946; 2 770 contos referentes aos de 1947; 3 637 contos sobre os de 1948, o 3 176 e 3 256, respectivamente, sobre os de 1949 e 1950.
Como já estamos em 1903, e a medida se mantém em vigor, podemos dizer que em 31 de Dezembro do corrente ano a Caixa Geral de Depósitos terá arrecadado desta proveniência um total, em números redondos, de 25 000 contos, para se pagar de um trabalho que os respectivos depositantes não lhe confiaram nem com ela ajustaram.
Mas o prejuízo suportado pelos fundos da previdência, que deviam ser quase sagrados na sua instabilidade, não se reduz a isto.
Como os descontos efectuados tanto pelos trabalhadores como pelas entidades patronais são obrigatoriamente depositados na referida Caixa Geral, resultou disto uma diminuição acentuada nos juros que poderiam ser auferidos pelas diversas caixas em diferentes estabelecimentos bancários se o volume dos seus depósitos fosse regulado por forma a arrecadar-se o máximo de rendimento.

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Há caixas cujos fundos não vencem quase juro algum, por o montante dos seus depósitos ultrapassar determinado quantitativo, e de outras sabemos que, movimentando à roda do ano entre 15 000 e 20 000 contos, se vêem creditadas na ridicularia de 3 contos de juros.
Será uma medida de segurança a obrigatoriedade de depósito em estabelecimento do Estado? Aceitamos que seja. Mas temos visto escrito que, hoje em dia, essa segurança está garantida em todos os estabelecimentos bancários e, além disso, o conhecimento da situação dos bancos permite-nos formar um juízo de solidez e de confiança a seu respeito. Não temos dúvidas de que o depósito bancário constitui benefício para o estabelecimento que o recebe, pois este fica, assim, habilitado a manejar uma massa de capitais da maneira que lhe parecer mais rendosa; mas então é justo que reparta esse beneficio com o depositante, dando-lhe um juro que, embora baixo, seja convidativo.
E, se a Caixa Geral de Depósitos não procede desta maneira em relação aos depósitos particulares elevados, seria muito simpático que o fizesse quanto a estes depósitos especiais, por não se tratar de dinheiros avaramente amealhados, mas antes de uma capitalização destinada a fins sociais e assistenciais.
Naturalmente é forçoso reconhecer ao Estado o direito de canalizar para as suas caixas de crédito os dinheiros provenientes de entidades públicas ou quase públicas, mas então não lhe é lícito, a pretexto de considerar esses depósitos um encargo penoso, tributá-los, depois de os ter chamado a si obrigatoriamente.

O Sr. Sebastião Ramires: - Não se trata apenas de um propósito, mas de um serviço de tesouraria, em substituição da tesouraria privativa das caixas, que não existe.

O Orador:- Eu só pergunto a V. Ex.ª se o depósito, em vez de ser feito na Caixa Geral de Depósitos, fosse efectuado num estabelecimento bancário particular, este estava autorizado a cobrar taxa de administração.
Neste caso, deveria antes, como medida de boa administração, permitir que esse suposto encargo fosse livremente repartido também pela banca particular, numa justa distribuição de ganhos e perdas, a que está sujeita toda a actividade comercial.
Se às instituições de previdência fosse permitido dispersar os seus fundos pelos estabelecimentos de crédito particular, não seria difícil aos centos de rubricas por que aqueles se dividem auferir um juro médio global muito mais elevado.
Não é possível calcular-se com justeza o prejuízo que para as caixas de previdência tem resultado em juros perdidos, pois isso implicaria um conhecimento pormenorizado dos juros susceptíveis de serem capitalizados e dos que realmente o foram.
Mas, decerto, ele atinge a casa dos milhares de contos se o relacionarmos com os milhões do movimento de fundos.
Ora, como os dinheiros da previdência têm ido, desde início, alimentar as transacções normais da Caixa Geral de Depósitos, podemos dizer que todo este prejuízo, associado à taxa cobrada, tem revertido em beneficio desta Caixa, talvez por ela ser também de Crédito e ... Previdência.
Desta maneira tem sido ela a grande beneficiária da previdência social, pois fica-lhe a enorme distância a irrisão das reformas concedidas em 1931 e registadas pelo Instituto Nacional de Estatística. Pensões de invalidez 227 (menos de uma por cada concelho do continente); pensões de reforma 42 (cerca de duas por cada distrito).
Faço estes reparos na convicção de que presto um serviço público, pois assim ficam as entidades interessadas habilitadas a reconsiderar em disposições susceptíveis de revogação, ou a explicá-las satisfatoriamente perante os que se julgam prejudicados.
Aproveito, Sr. Presidente, estar no uso da palavra para manifestar a minha estranheza pelo facto de só passados mais de quarenta dias, e exactamente no último dia de funcionamento desta Assembleia, ir para o Diário das Sessões uma nota oficiosa visando os factos por mim referidos em relação à marinha mercante. Não sei o que diz a anunciada nota oficiosa, mas desejo lamentar que só fosse possível apresentá-la precisamente no último dia, colocando-me assim na impossibilidade de a comentar ou de a respeito dela prestar quaisquer esclarecimentos ou explicações.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai entrar primeiramente em discussão o projecto de lei do Sr. Deputado Abel de Lacerda acerca da defesa do património artístico.
Tem a palavra o Sr. Deputado Abel de Lacerda.

O Sr. Abel de Lacerda: - Sr. Presidente: vai esta Assembleia pronunciar-se, dentro de alguns minutos, sobre o projecto de lei que tive a honra de apresentar em 11 de Dezembro com fim à alteração do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 38 906.
Serei muito breve por julgar desnecessário repetir ou mesmo desenvolver as considerações que então emiti acerca do assunto, mas não posso deixar de aproveitar o ensejo para agradecer à Câmara Corporativa o bom acolhimento que se dignou conceder ao meu projecto de lei, dando-lhe a sua concordância na generalidade e pretendendo até beneficiá-lo com alterações na redacção, alterações de que, salvo o devido respeito, me permito discordar.
A título elucidativo, devo informar a Câmara de que a diferenciação que eu estabelecera entre providências cautelares e medidas conservatórias correspondia, respectivamente, aos perigos de extravio e deterioração, que, a meu ver, convém distinguir, e não aglutinar num só - providências conservatórias -, como sugere a Câmara Corporativa.
Desta forma, o corpo do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 38 906:

Sempre que o entender necessário, poderá o Ministro da Educação Nacional determinar que os móveis inventariados ou em via de inventariação sejam transferidos para a guarda de bibliotecas, arquivos ou museus do Estado.

passaria a ter a seguinte redacção:

Sempre que os móveis inventariados ou em via de inventariação se encontrem em perigo manifesto de extravio, perda ou deterioração, deverá o Ministro da Educação Nacional determinar, como em cada caso couber, as providências cautelares ou as medidas conservatórias indispensáveis.
Se as medidas conservatórias importarem para o respectivo proprietário a obrigação de praticar actos, deverão ser fixados o prazo e as condições da sua execução; e sempre que as providências cautelares prescritas se revelem ineficazes ou as medidas conservatórias não sejam acatadas ou executadas no prazo e condições impostas, o Ministro

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da Educação Nacional poderá determinar que os referidos móveis sejam transferidos para a guarda de bibliotecas, arquivos ou museus do Estado.
Se toda a lei deve ser, tanto quanto possível, clara e precisa, quer nos seus fundamentos, quer no seu objecto, quer nas condições da sua aplicação, afigura-se-me que a redacção proposta oferece incontestáveis vantagens sobre a do Decreto-Lei n.º 38 906. O espírito e os uns do decreto não se alteram e especificam-se melhor os e usos da sua aplicação.
A essência, a questão, reduz-se pois ao seguinte: dar ao Ministro da Educação Nacional carta branca para transferir para as bibliotecas, arquivos ou museus do Estado «o que entender necessário», ou limitar tais poderes a casos de força maior que não encontrem outra solução; o Ministro actuaria assim in extremia.
É na confiança que reside o respeito e o entendimento, e o projecto de lei que ora vai ser posto à consideração da Assembleia outra coisa não pretende do que manter e fortalecer até a confiança que o Estado tão justamente conquistou quer da Igreja, quer dos particulares detentores de obras de arte.
Estou certo de que a alteração proposta não traz, inclusive, matéria nova ao espírito do decreto-lei que em boa hora o Governo promulgou em defesa do património artístico nacional; apenas se pretende agora esclarecer justificáveis e legitimas dúvidas suscitadas pela latitude que a sua redacção admite, e ainda porque quem lê textos não 16 forçosamente as intenções que os ditaram. Especificar neste caso, mais do que corrigir, é esclarecer.
A alteração proposta é, sem dúvida, um pormenor num todo, mas, a meu ver, um pormenor importante pela posição que sustenta de perfeita harmonia com o direito de propriedade, que ao Estado cumpre defender e acarinhar.
O problema das belas-artes, no seu todo, terá que ser posto um dia em profundidade: o caso das bibliotecas, dos arquivos e dos museus - fonte é espelho da cultura dos povos -, a necessidade imperiosa de se criar a Direcção-Geral das Belas-Artes dissociada da do Ensino Superior e onde, no domínio das artes plásticas, se englobem os museus, os palácios e o depósito nacional de mobiliário, Direcção-Geral que coordene todo o movimento e existência do nosso património artístico e reveja ainda a dispersa legislação vigente, concretizando-a, se possível, num estatuto das belas-artes, é tarefa que se impõe realizar.
A sua amplitude e transcendência mereciam bem a feitura de um aviso prévio; outros mais aptos e melhor informados do que eu, sem dúvida, o realizarão um dia. Por hoje basta-me a atenção de VV. Ex.ªs para o projecto de lei que dentro em pouco será votado, na firme convicção de que com ele se esclarece, se dissipam dúvidas e se consolida portanto a confiança recíproca que sempre deve existir entre as prerrogativas do Governo e o* direitos da Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Encontra-se na Mesa uma proposta de alteração ao artigo único deste projecto de lei, apresentada pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo, e que vai ser lida.

Foi lida. Ê a seguinte:

Proponho as seguintes alterações:

Em vez de «o artigo 5.º», deve ficar: «o corpo do artigo 5.º».

Na alínea 2.ª do articulado, em vez de: «e sempre que as providências cautelares prescritas se revelem ineficazes», deve ficar: de sempre que quaisquer providências cautelares se julguem insuficientes ....

O Sr. Presidente: - Estão em discussão o artigo único e as alterações propostas.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: desejo dizer que me parece mais harmónico com o espírito do decreto cujo artigo 5.º pretende substituir-se o texto do projecto do que o texto sugerido pela Câmara Corporativa.
No entretanto, é de aceitar a sugestão da Câmara Corporativa relativamente ao cabeçalho da disposição.
Segundo o projecto, as palavras eram estas: ao artigo 5.º do decreto, etc....º.
Ora o artigo 5.º é um artigo e um parágrafo, e pode supor-se que se pretende substituir o artigo 5.º - o corpo e o parágrafo.
Parece evidente que o autor do projecto não teve essa intenção. Quis que se substituísse o corpo do artigo 5.º
A sugestão nesse sentido é feita pela Câmara Corporativa e entendo que deve ser adoptada para evitar dúvidas que naturalmente podiam suscitar-se.
Além desta alteração, propus também uma ligeira alteração à segunda alínea do artigo.
Fundamentalmente, creio não alterar o pensamento do que está contido no projecto; mas podia amanhã ter-se dúvidas quanto a obras ou documentos de valor artístico ou histórico na parte relativa à utilização com eficiência de quaisquer medidas cautelares. Como proceder em tais casos? Para esclarecer esta questão é que foi apresentada a proposta de alteração, que tive a honra de entregar na Mesa.
Essa proposta tem em vista, por exemplo, no caso de um documento valioso que possa meter-se na carteira e levar-se para o estrangeiro, ficarem garantidas quanto a esse documento quaisquer providências cautelares que possam tornar-se ineficientes.
Com a redacção que eu proponho acaba-se com todas as dúvidas sobre se quanto àqueles documentos pode o Ministro proceder como se indica na parte final do artigo.
É este, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o sentido da alteração que proponho.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Abel de Lacerda: - Quero apenas informar a Câmara de que não vejo inconveniente nas alterações propostas pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo, alterações que aceito sem reservas.

O Sr. Presidente: - Visto mais nenhum Sr. Deputado desejar fazer uso da palavra, vai votar-se o artigo único do projecto de lei do Sr. Deputado Abel de Lacerda, com as alterações constantes da proposta do Sr. Deputado Mário de Figueiredo.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Passamos agora à apreciação do pedido do Governo para que a Câmara autorize a ausência do País ao Chefe do Estado para uma visita oficial a Espanha.

O Sr. Sebastião Ramires: - Sr. Presidente: estando diplomaticamente concertadas as negociações entre o Governo Português e o de Espanha para que S. Ex.ª o Presidente da República possa fazer uma visita oficial

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àquele pais, pede o Governo, nos termos do artigo 76.º da nossa Constituição, que a Assembleia lhe dê o seu assentimento.
Suponho desnecessárias largas ou demoradas considerações justificativas do assentimento que nos é pedido.
Recordarei apenas alguns factos que constituem as premissas desta viagem histórica e permitem à Assembleia, mais do que assentir à sua realização, congratular-se com ela.
Como todos se recordam, em 1932, 1933 ou 1934 a Europa vivia já as suas próprias dificuldades.
Notavam-se aqui e além graves perturbações e a inquietação dominava a atitude dos homens responsáveis; mas encontrava-se ainda por então muito afastada a possibilidade de um conflito ou de uma guerra que viesse lançar mais uma vez o luto nesta Europa já tão sacrificada.
No entanto, o Sr. Presidente do Conselho, com a sua especial antevisão dos acontecimentos, ia silenciosamente criando novas posições e novas amizades, para que o momento trágico do conflito não nos colhesse sem as certezas e os apoios indispensáveis à melhor defesa dos mais sagrados interesses da nossa independência e subsistência nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Esta política de chancelaria, desconhecida do grande público, foi dando os seus resultados e permitiu ao Sr. Presidente do Conselho poder em 1930 dizer, num discurso notável, o seguinte:

Sente-se que a linha tradicional da nossa política externa, coincidente com os verdadeiros interesses da pátria portuguesa, está em não nos envolvermos, podendo ser, nas desordens europeias, em manter a amizade peninsular, em desenvolver as possibilidades do nosso poderio no Atlântico.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Se fizermos uma análise retrospectiva destes dezoito ou vinte anos que decorreram depois de o Presidente do Conselho ter apresentado esta linha de rumo à nossa defesa internacional reconheceremos facilmente que tudo quanto se tem passado - incompreensível para aqueles que consideram os factos apenas como um favor da Providência ou mero acaso dos homens - é essencialmente o fruto de uma política inteligentemente conduzida e firmemente preparada.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O Orador:- As coisas caminham com a ajuda da Providência, mas não avançam ao sabor dos caprichos alheios.

udemos construir a nossa política e criar para isso os seus elementos essenciais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Por esse tempo a República Espanhola, depois de certas excitações sociais, cairá na chamada democracia popular, em cujo clima social e político se tornariam possíveis as greves sangrentas, os assassínios e os crimes de toda a ordem contra a segurança das pessoas e das propriedades.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- A Espanha sofria, como a outros países tem acontecido, as lógicas consequências do desvairado sistema político que deixara apoderar-se dos seus destinos.
Quando tudo se ia perdendo, surgiu a reacção de uma parte sã do exército, procurando criar novas forças.
A tentativa defensiva e salvadora deparava, porém, com dificuldades que pareciam insuperáveis.
As forças mais volumosas estavam do outro lado da trincheira. A luta civil acendia-se e pressentíamos que alguma coisa de grave se ia passar que poderia levar a guerra civil a um conflito internacional no campo nacional da Espanha.
No seio da velha Espanha surgiu outra Espanha que poderíamos classificar de uma anti-Espanha. Negando as tradições do povo espanhol, da sua civilização e da sua história, procurava converter-se em instrumento da temerosa ideologia que ameaçava já então a tranquilidade e a paz da Europa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- A luta civil deflagrada entre as duas Espanhas não só apaixonou a política internacional como não tardaria a penetrar no areópago de Genebra, onde se regateavam os poucos ou nenhuns favores prestados às forças nacionalistas.
Por força da política já anteriormente seguida, pela consciência da nossa unidade nacional e por um claro pressentimento dos graves, acontecimentos que iam desenrolar-se no Mundo, foi já nessa altura possível a Salazar manter incólume toda a fronteira terrestre que limita a Espanha e Portugal.
Convencidos de que no movimento espanhol não se tratava apenas de unia revolução interna, mas o começo da guerra mundial que mais tarde veio a eclodir, alguns milhares de portugueses, iludindo os desejos do próprio Governo, passaram a fronteira e incorporaram-se no exército espanhol, onde constituíram essa admirável falange dos «Viriatos», em cujo comando o nosso ilustre colega Jorge Botelho Moniz pôde afirmar as suas notáveis qualidades de militar valente e brioso.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Essa falange soube escrever nesta nova guerra peninsular mais uma página gloriosa do nosso patriotismo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Continuou a confusão e com ela as lutas de toda a espécie. O general Franco, dispondo apenas do heroísmo dos seus soldados e de uma consciência recta, tornou-se o defensor da integridade da Espanha, das suas mais antigas tradições, dos seus direitos sagrados e das suas mais lídimas aspirações.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Em Abril de 1938, quando ninguém podia ainda prever o resultado e quando era mais duvidoso o êxito, o Sr. Presidente do Conselho, com a sua admirável previsão dos acontecimentos, decide, antes de qualquer outro Estado, reconhecer o Governo do general Franco como o Governo legítimo da Espanha, salientando este acto com as seguintes palavras:

Estando ainda longe o termo da guerra, não fazemos com isto negócio nem vamos pressurosos ocupar uma posição; afirmamos simplesmente, ante a reserva ou a incompreensão do grande número, os direitos da verdade e da justiça.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador:- Continuou a tragédia espanhola a desenvolver-se num mar de sangue e de violências, até que um ano depois, contado dia a dia, as forças nacionalistas conseguiram dominar o inimigo e estabelecer as condições da paz.
O sangue de milhão e meio de heróis e de mártires ensopou os campos da Espanha; mas esse sangue generoso logrou exterminar o vírus do comunismo, que pretendera avassalar a Península e liquidar nela a civilização cristã.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Data dessa hora trágica o bom entendimento entre as nações peninsulares para a defesa da civilização cristã, de que ambas foram e continuaram a ser pioneiras.
Tudo se encadeia nesta política de bom entendimento, desde o previdente e genial acordo de não agressão e amizade de 1939, completado pelo protocolo anexo, assinado no ano seguinte, pelo qual Portugal e Espanha estabeleciam entre si uma política comum em relação aos graves problemas internacionais, até à viagem do generalíssimo Franco ao nosso Pais em 1949 e à agora diplomaticamente concertada de S. Ex.ª o Sr. General Craveiro Lopes a Espanha, a titulo de honroso agradecimento.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Esse acordo de amizade e não agressão permitiu depois manter na Península uma perfeita tranquilidade e a possibilidade de uma neutralidade colaborante.
À sua sombra pôde ser travado o avanço das forças armadas alemãs aquém-Pirenéus e concorrer eficazmente para a vitória dos aliados e principalmente para a paz no Mundo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Tivesse este exemplo sido seguido pelos homens sobre cujos ombros pesavam as responsabilidade s da vida dos povos, não se tivessem subordinado à cláusula suicida da «rendição incondicional», e outro seria hoje o panorama do Mundo e muito diferentes as consequências da guerra.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Talvez a Humanidade pudesse neste momento desfrutar da paz por que tanto anseia e a que tem justificado direito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Tendo uma fronteira comum e idêntica civilização, Portugal e a Espanha viviam de costas voltadas.
Uma pessoa responsável pôde dizer há trinta anos que os Portugueses conheciam a Espanha de a terem atravessado no Sud-express e em direcção a Paris e os Espanhóis conheciam, de Portugal, Lisboa quando aqui embarcavam para a América do Sul.
De então para cá muita coisa felizmente mudou.
Existe hoje entre os dois povos da Península uma perfeita compreensão e uma leal amizade. Não se trata de uma política egoísta, mas essencialmente de uma colaboração efectiva, constituindo um exemplo a seguir por aqueles que não esperam a salvação da guerra, mas da extensão das relações amigáveis entre os povos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Estou por isso convencido de que, assim como Portugal recebeu cavalheirescamente o Chefe do Estado Espanhol, vendo nele, não apenas o generalíssimo dos exércitos vitoriosos de Espanha, mas também o ínclito espanhol, forjado na dura escola de bem servir, que soube erguer do caos, da amarga tristeza e da dor a grande velha Espanha, para a integrar de novo no quadro das relações internacionais ....

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-... assim também a Espanha receberá fidalgamente a figura prestigiosa do nosso ilustre Chefe do Estado, que é, em si mesmo, nobre exemplo de todas as qualidades ancestrais da raça ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-... e, ao mesmo tempo, o intérprete fidelíssimo desta Pátria renovada.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- O ilustre visitante será acolhido pela população da cavalheiresca Espanha não apenas como o representante de um grande povo que sabe o preço da amizade, mas também como o portador de um título de consagração de uma política inteligentemente iniciada há vinte anos e mantida até ao presente sem quebra do alteração da sua patriótica finalidade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Do ofício de S. Ex.ª o Presidente do Conselho dirigido ao Sr. Presidente da Assembleia Nacional consta, na sua simplicidade, tudo aquilo que possivelmente haveria que dizer:

Estar diplomaticamente concertada uma viagem oficial a Espanha de S. Ex.ª o Presidente da República, a realizar no corrente ano, a convite do Chefe do Estado Espanhol, viagem que corresponde à visita oficial que S. Ex.ª o Generalíssimo Franco fez a Portugal em 1949 ... e da qual se esperam benéficos resultados para o desenvolvimento das excelentes relações entre Portugal e a Espanha.

O Governo já prestou o seu assentimento à ausência do Chefe do Estado para Espanha.
Nestes termos, tenho a honra de enviar para a Mesa a seguinte:

Proposta de resolução:

A Assembleia Nacional resolve dar o seu assentimento, como o Governo já o deu, e de harmonia com o disposto no artigo 70.º da Constituição, à ausência para Espanha, no decurso do corrente ano, do Presidente da República.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 24 de Março de 1953. - O Deputado Sebastião Garcia Ramires.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à votação da proposta de resolução que acaba de ser lida pelo Sr. Deputado Sebastião Ramires.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

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O Sr. Presidente: - Vai concluir-se a discussão das Contas Gerais do Estado e das da Junta do Crédito Público relativas a 1951.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto de Araújo.

O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: aprecia neste momento a Assembleia Nacional as- Contas Gerais do Estado relativas a 1951, sobre as quais incidiu um longo parecer da Comissão de Contas Públicas desta Câmara. Estão também em discussão as contas da Junta do Crédito Público relativas ao mesmo ano e o correspondente parecer daquela Comissão.
Do primeiro foi relator o Sr. Engenheiro Araújo Correia; do segundo o Sr. Dr. João Neves. E, embora tratando-se de trabalhos de âmbito diverso, pois o primeiro abrange o conjunto da Administração e o segundo um sector mais restrito, no entanto muito importante, da vida financeira do Estado, nem por isso quero deixar de envolver os dois ilustres Deputados num mesmo pensamento de sincero apreço e respeitosa, homenagem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: permito-me fazer três pequenos esclarecimentos ao parecer das Contas Gerais do Estado.
Assim, diz o ilustre relator que «a alta de preços durante o ano de 1951 facilitou a cobrança das receitas».
Não quis S. Ex.ª certamente englobar nesta referência os impostos directos, relativamente aos quais a afirmação não se justificaria, visto a liquidação dos mesmos não acompanhar de perto a conjuntura económica e recair em rendimento ou valores normais.
Apenas quanto ao imposto do selo (considerado nas suas diversas modalidades), em que se verifica um aumento de 31 811 contos, se poderá atribuir uma parte não facilmente determinável ao agravamento de preços.
Também a afirmação feita, a propósito da contribuição industrial de que a dada a possível estagnação dos negócios nos anos próximos, é natural haver dificuldades nas cobranças» não encontrou, felizmente, confirmação nos resultados já apurados no ano de 1952, em que se verificou novo aumento da cobrança, na importância de 21 367 contos.
Finalmente, quanto à alusão feita sobre a baixa da contribuição relativa à actividade algodoeira, deve esclarecer-se que a mesma não teve origem em dificuldades no exercício da actividade, derivando apenas dos sistemas de tributação adoptados nos dois anos.
É que, enquanto a contribuição paga no ano de 1950 assentou no movimento da actividade conhecido através dos elementos fornecidos pela organização corporativa, a do ano de 1951 foi determinada com base em rendimentos fixados por simples conjectura.
As Contas Gerais do Estado são, juntamente com a lei de autorização de receitas e despesas, como ainda aqui notou o Sr. Deputado Dinis da Fonseca no seu notável discurso, o mais importante documento de ordem financeira sujeito à, apreciação da Assembleia Nacional.
As Contas enumeram, e discriminam todo o conjunto de recursos financeiros do Estado, a sua origem e proveniência, a proporção em que se distribuem pela matéria colectável da Nação as contribuições e impostos que constituem os elementos fundamentais do sistema fiscal.
Por outro lado, enumeram e discriminam igualmente os encargos da Administração, por Ministérios e sectores, por forma tão detalhada e completa que mesmo os leigos podem facilmente ajuizar da forma como são distribuídos pelos serviços as receitas e os recursos da Tesouraria.
Mas as Contas, não são apenas uma massa compacta de números, ã contabilização inexpressiva de dinheiros recebidos e de verbas pagas. Tem outros sentidos e outros significados o documento regularmente sujeito u apreciação desta Câmara.
As Contas exprimem a própria vida da Nação, o desafogo ou as dificuldades da sua economia, a sua maior ou menor dependência do abastecimento externo, o grau de estabilidade e o valor da sua moeda, a estagnação ou o desenvolvimento das fontes primaciais do rendimento colectável. K ao mesmo tempo reflectem os processos da Administração, os métodos de gerência financeira, as regras e os princípios que a informam.
No momento em que, perante graves, dificuldades económicas, vemos os grandes estadistas do Mundo, as autoridades consagradas nu economia, nas finanças, no crédito e na banca recomendarem aos governos, ordem nas finanças, estabilidade na moeda, equilíbrio no orçamento, como condições fundamentais de saneamento e de recuperação, quanto nos devemos orgulhar da obra que neste país assegurou vinte e cinco gerências consecutivas de contas sãs e equilibradas ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... e que constituiu o facto decisivo do ressurgimento da Nação e do restabelecimento do seu crédito interno e externo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Depois da última guerra uma preocupação dominou o Mundo: a reconstituição europeia. Foi o período da ajuda Marshall.
À medida, porém, que se iam reerguendo as cidades, restabelecendo as comunicações, reabrindo as fábricas, cultivando os campos, aumentando as possibilidades: de trabalho e de produção, novos cuidados e preocupações surgiram quanto à necessidade de estabelecer entre as nações do Ocidente mais estreitos vínculos de cooperação e de solidariedade.
Com esse objectivo se fundou a Organização Europeia de Cooperação Económica, da qual a União Europeia de Pagamentos foi um prolongamento no campo das relações e trocas comerciais. Mas, a três anos de distância da criação desse grande organismo de compensação internacional, consideram-se já insuficientes as instituições criadas e todas as atenções se voltam para, o problema da moeda, que regressa ao primeiro plano das discussões de doutrina e das preocupações de governo.
Ainda aqui o equilíbrio das contas públicas, que Portugal se obstinou em manter, adquire maior relevo ao verificar-se que não é possível ter moeda sã sem finanças estáveis.
Em face da actual conjuntura internacional o equilíbrio das contas do Estado e a solidez da moeda obtêm, efectivamente, maior projecção e grandeza e de novo atraem sobre o exemplo português a atenção dos que entendem que só nos rumos que corajosamente seguimos podem as nações encontrar condições duradouras de estabilidade e de progresso.
O equilíbrio das contas do Estado, primeiro, o saneamento da moeda, depois, são, de facto, os mais altos padrões do ressurgimento financeiro português e nunca é demais meditarmos sobre o seu magnífico e esplêndido significado, até para que estranhos não nos levem a palma em exaltação e louvor àquilo que deve constituir permanente e constante motivo de desvanecimento para o nosso orgulho patriótico.

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Sr. Presidente: o ressurgimento financeiro ido País era, de facto, incompatível com a degradação monetária. Era preciso que a moeda, regressando ao desempenho das suas funções específicas, não se substituísse às receitas do Estado para ocorrer às dificuldades prementes do Tesouro.
E, de facto, obtido o equilíbrio das contas públicas, fechou-se o circuito das emissões anormais e a moeda passou a ser meio de troca e de pagamento -instrumento de poupança e de economias -, mas nem um momento mais forma corrente de o Estado liquidar obrigações e compromissos.
Estes os dois marcos fundamentais da administração financeira iniciada em 1928.
Desde então a emissão de notas passou a fazer-se ùnicamente em contrapartida da aquisição de ouro e de divisas ou da concessão de crédito e o seu montante a exprimir os passos da conjuntura interna e externa que desde então temos vivido.
Mas a verdade é que, se o volume monetário do País é influenciado directamente por um conjunto vasto de factores económicos, a própria solidez e crédito da moeda contribuem para o seu maior volume pela entrada de capitais que procuram beneficiar da sua segurança e estabilidade.
Dentro desta mecânica, nos períodos de entradas mais avultadas de ouro e divisas, isto é, de fortes saldos positivos da balança de pagamentos, aumentou o potencial monetário do País. Ao contrário, quando a entrada de invisíveis não foi bastante para saldar o desequilíbrio da balança do comércio, verificou-se um movimento de contracção, e isto porque a moeda, garantida por ouro ou divisas, passou a ter uma finalidade puramente económica na normalidade das suas funções específicas.
Todavia, como a entidade que recebe as notas emitidas não faz em regra, delas uso imediato, utilizando apenas uma parte e depositando outra no seu banqueiro, que por sua vez transfere o depósito feito para o Danço de Portugal, compreende-se a razão por que o total das noras emitidas se subdivide em circulação efectiva, que equivale às notas em giro no mercado, e circulação potencial que, correspondendo às notas depositadas, pode em qualquer momento entrar na circulação efectiva ou ser de novo utilizada na aquisição de divisas, reduzindo nesta hipótese o volume global da emissão.
De 1940 a 1941 uma série de saldos positivos da balança de pagamentos originou um notável aumento do potencial monetário do País, que no último daqueles anos atingiu o montante de 19 754 000 contos.
Dessa cifra apenas estavam em circulação efectiva, porém, 8 793 000 contos. O saldo restante constituía circulação potencial e figurava na rubrica «Outras responsabilidades escudos à vista do Banco de Portugal».
Em 1947, 1948 e 1949 dá-se, nomeadamente em consequência de fortes saldos negativos da balança comercial, um fenómeno de contracção monetária e o volume total das notas emitidas desce para 12 277 000 contos. Mas enquanto a circulação efectiva se manteve sensivelmente, no mesmo nível de 1946, verificou-se que os depósitos bancários, invertidos de novo em divisas e cambiais, desempenharam larga e importantíssima função no reabastecimento económico e no reapetrechamento industrial do País.
Os anos de 1950 e 1951 exprimem as alterações da conjuntura económica, as repercussões que uma tendência de reabastecimento mundial tiveram na nossa balança comercial, e portanto na nossa balança de pagamentos.
Em 31 de Dezembro de 1951 as notas em circulação excediam em 1 milhão de contos as notas em circulação em 31 de Dezembro de 1949. Mas no mesmo período os
depósitos de bancos e banqueiros no Banco de Portugal tinham subido em 2 200 000 contos e a conta corrente do Tesouro em mais de 700000 contos.
Em 1952, segundo o relatório do Banco de Portugal publicado na última semana, a balança comercial do País e do ultramar foi desfavorável em 2 280 000 contos. Mas, apresentando a balança de invisíveis em saldo positivo de 2 701 000 contos, daí resulta que a balança de pagamentos nos foi favorável em 421 000 contos.
O facto não pôde deixar, novamente, de repercutir-se no volume total da emissão monetária.
Em 31 de Dezembro último, embora muito inferior às cifras de 1946, o potencial monetário do País totalizava 17 057 000 contos, dos quais 9 528 000 de notas em circulação e 7 529 000 de outras responsabilidades-escudos à vista do Banco de Portugal. Os depósitos de bancos e banqueiros atingiam quase 6 milhões de contos.
Lendo o relatório do Banco, que é sempre um elemento precioso de consulta e de -estudo, verifica-se que a totalidade das notas emitidas, ou sejam as responsabilidade» do Banco de Portugal, estão integralmente cobertas por ouro e divisas. Essa a condição fundamental do saneamento e do crédito na nossa moeda.
Sr. Presidente: os números que há pouco citei a propósito da evolução da nossa balança de pagamentos e da sua repercussão no potencial monetário do País denotam a íntima e profunda influência dos factores externos na vida nacional. As dificuldades de abastecimentos, a falta de transportes, a carência de substâncias alimentares e de outros produtos essenciais, a corrida às matérias-primas, a alta mundial de preços, tudo isso tem tido o seu reflexo, ora prejudicial, ora benéfico, sobre a economia nacional, nomeadamente sobre o seu comércio externo.
Atravessaram-se os anos penosos da grande conflagração mundial vencendo dificuldades que a muitos pareciam invencíveis, não fomos depois da guerra dos primeiros a solicitarmos a ajuda americana e quando em 1950 um grande abalo político e económico sacudiu o Mundo a ele resistimos e, antes, acumulámos novas reservas, que podem transformar-se agora em fundos úteis de investimento.
Uma organização económico-financeira que pode resistir a todos estes estremecimentos e abalos e assegurar ao mesmo tempo o progresso do País, na metrópole e no ultramar, montando indústrias, criando energia, fomentando riqueza, é porque certamente tem uma sólida estrutura. No fim voltamos sempre às duas grandes bases fundamentais: o equilíbrio das contas públicas, a sanidade da moeda.
É evidente que se cria e se fortalece cada vez mais na Europa e na América um sentimento vivo de cooperação precisamente pela interdependência que liga as diversas nações e que nós, como os outros povos, tanto temos sentido nestes catorze anos de dificuldades e de incertezas mundiais.
As ideias da separação e do isolacionismo que durante anos dominaram povos da mesma origem substituíram-se fortes conceitos de solidariedade, que ganharam novos fundamentos e mais sólidos esteios nos perigos que ameaçavam uma civilização comum.
A Europa, que durante séculos dera à América o fluxo criador do seu sangue generoso e do seu génio imortal, teve, após a maior batalha da sua história, de receber a ajuda americana.
Os Estados Unidos são hoje a nação mais rica da Terra. Possuem a maior parte do ouro do Mundo, elevaram a proporções astronómicas o valor da sua riqueza. País extenso, na vanguarda da produção e da técnica, de elevado nível de vida, de largos investimentos privados, de altos consumos, a América não se limitou, porém, a conceder créditos e dádivas para a reconstru-

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ção europeia.. Foi mais além e nas instituições que ajudou a criar e manter deixou Leni marcadas as linhas dominantes do seu pensamento económico.
A Organização Europeia de Cooperação Económica, primeiro, e a União Europeia de Pagamentos, depois, se supõem o auxílio financeiro dos Estados Unidos, implicam um programa de realizações e de ideias muito em voga entre os economistas daquele país. A substituição de pequenos mercados locais por um grande mercado internacional, a liberalização do comércio, o desenvolvimento dos consumos, o equilíbrio das balanças de pagamentos a altos níveis de trocas - todas estas ideias, que dominam a criação e o funcionamento dos organismos de cooperação económica europeia, exprimem, de certa forma, a influência das ideias às quais os Estados Unidos atribuem, em parte, a razão do seu poderio e da sua expansão.
O último relatório da O. E. C. E., publicado em Dezembro último, é um documentário completo e deveras interessante do caminho percorrido pela Europa nos últimos sete anos, dos progressos feitos no sentido da sua reconstrução e, ao mesmo tempo, das suas dificuldades e das suas insuficiências.
Segundo esse notável relatório, que compreende uma massa enorme de elementos sobre as finanças e a economia das nações participantes e ainda dos Estados Unidos e do Canadá com referência a 1947, aumentou a sua produção industrial em 50 por cento. Manteve as suas importações um pouco acima das cifras de antes da guerra, aumentou consideràvelmente as suas exportações e o consumo privado, em média, ultrapassa ligeiramente o nível de 1939.
Todavia, apesar dos progressos feitos, da produção que se recuperou, das fábricas que se reconstruíram, dos investimentos que se efectuaram, a situação actual não deixa de constituir, sob certos aspectos, motivo de sérias apreensões.
Assim, sendo objectivo da União Europeia de Pagamentos liberalizar o comércio; impulsionar as trocas e criar maiores mercados, abolindo as práticas discriminatórias que o bilateralismo ocasionava, a verdade é que a força das circunstâncias levou algumas das nações participantes daquele organismo a pôr em vigor medidas que são a negação do próprio sistema.
A Inglaterra em Novembro de 1951 baixou de 90 para 60 por cento a percentagem das liberalizações efectuadas e em Março de 1952 baixou essa percentagem para 46 por cento. Pelo seu lado, a França revogou todas as medidas de liberalização em Fevereiro de 1952. Trata-se dos países que, com as duas zonas monetárias que representam, dispõem das quotas mais importantes na União Europeia de Pagamentos, ou seja, respectivamente, 26 e 43 por cento das quotas totais.
A Inglaterra melhorou posteriormente a sua posição e decidiu no fim de 1952 aumentar os contingentes de importação de certos produtos. Por seu lado, a França aio decorrer do ano continuou a acusar uma posição devedora, com tendência para agravar-se.
O último relatório da O. E. C. E., do qual extraio estes elementos, ao referir-se u presente situação mundial destaca, o alcance da obra de reconstrução realizada, mas enumera, certas características comuns às nações ocidentais da Europa:

a) A produção dos diversos países não aumenta ou aumenta num ritmo relativamente lento;
b) Foram feitos progressos consideráveis no saneamento das finanças internas; em certos países, porém, manifestam-se tendências deflacionistas, noutros inflacionistas, que dificultam progressos regulares;
c) A balança de pagamentos de alguns países continua desequilibrada;
d) Quase todos acusam graves desequilíbrios a respeito da zona do dólar;
e) Interrompeu-se o processo de liberalização das trocas intereuropeias, o que acentuou a diminuição do comércio internacional.

Devo esclarecer a Câmara de que no referido relatório do, O. E. C. E., em cuja preparação intervieram todos os países participantes e, pela primeira vez, representantes dos Estados Unidos- e do Canadá, se diz que a evolução económica de Portugal depois da guerra contrasta singularmente com a da maior parte dos outros países membros da O. E. C. E. Portugal - escreve-se - é, com efeito, um dos raros países onde as pressões inflacionistas e as dificuldades da balança de pagamentos foram contidas dentro de reduzidos limites.
Sr. Presidente: entre todos os males que afligem a economia europeia, e que suo um forte obstáculo à intensificação das permutas e à liberalização do comércio, não é, certamente, dos menores a carência de dólares que se regista em quase todas os nações ocidentais. O facto prejudica não só as trocas entre a Europa e a América, mas o próprio comércio interrompeu.
Devemos lembrar-nos de que o dólar é o meio de pagamento último na União Europeia de Pagamentos, e quanto menores disponibilidades tiverem desta moeda maior será a tendência das nações participantes para reduzirem as suas posições devedoras, embora à custa de medidas restritivas e discriminatórias.
Como se diz no citado relatório da O. E. C. E., acusando a generalidade dos países europeus um déficit em dólares, é difícil aos devedores pagar em ouro ou dólares os seus deficits em relação a União Europeia de Pagamentos e aos credores renunciar ao pagamento efectivo das suas exportações, dado que eles próprios têm também carência dessa moeda.
Vê-se assim que o funcionamento regular da União Europeia de Pagamentos e a realização dos seus objectivos estão em grande parte dependentes de um maior equilíbrio entre a zona monetária dos países participantes e a área do dólar.
O déficit entre as duas áreas chegou a atingir em 1947 mais de 7 biliões de dólares. A avaliar pelas cifras do 1.º semestre, esse deficit devia ter baixado para cerca de 2 biliões e meio de dólares em 1952. Nesse quantitativo está abrangido o deficit em dólares com os Estados Unidos, Canadá, certas repúblicas da América Central e ainda os pagamentos feitos a companhias dos Estados Unidos por petróleos extraídos de jazigos não americanos, e que em 1951 ascenderam a 225 milhões de dólares.
O deficit das nações ocidentais em relação aos Estados Unidos pode considerar-se o nervo do problema dólar europeu.
Como se diz no relatório a que já fiz referência, a Europa não pode viver indefinidamente no regime da ajuda dos Estados Unidos. Antes de tudo não o deseja. Os Estados Unidos, por outro lado, não o consentiriam. Mas, perante a escassez e diminuição das suas reservas em ouro e dólares, as nações europeias têm reduzido ao indispensável as suas importações da América.
Quer dizer: têm também, quanto às suas relações com este país, adoptado medidas restritivas, que são a negação da desejada liberalização do comércio internacional.
No fundo a penúria de dólares contra o comércio dos países europeus entre si e o comércio destes com o continente americano.
O próprio relatório da O. E. C. E., todo impregnado de ideias de liberalização, justifica essas restrições, pré-

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cisamente pela necessidade extrema de as nações participantes defenderem os seus escassos recursos em divisas e em ouro.
Os elementos fornecidos pelo citado relatório são, a esse respeito, deveras esclarecedores. De 1938 a 1951 as reservas de ouro dos Estados Unidos subiram de 14 092 milhões para 22 873 milhões de dólares. Em contrapartida diminuíram sensivelmente as reservas do ouro e dólares de alguns dos mais importantes países europeus.
A França, que em 1938 tinha reservas de ouro e dólares no montante de 2944 milhões de dólares, viu essas reservas baixarem em 1951 para 899 milhões. As reservas da Inglaterra baixaram neste período de 1 bilião de dólares.
A Suíça aumentou consideràvelniente as suas reservas em ouro e dólares. De 920 milhões em 1938 viu essa cifra ascender a quase 2 biliões em fins de 1951.
Esta carência genérica de dólares põe aos obreiros da reconstrução europeia graves problemas e o último relatório da O. E. C. E. exprime não só essas dificuldades mas enuncia a linha geral das soluções.
As conclusões desse relatório são um apelo à solidariedade ocidental, ao aumento da produção europeia, a um maior movimento de compras dos Estados Unidos na Europa. Não se preconizam nem limitações, nem restrições ao comércio internacional.
A política de reduzir exageradamente as importações dos Estados Unidos, sem falar das consequências graves que implicaria para certos sectores da agricultura e da indústria americanas, teria resultados desastrosos para a Europa, que se privaria de produtos que lhe são essenciais e que não pode adquirir fora da zona do dólar.
É a um alto nível de trocas e de produção que se deve, portanto, estabilizar o equilíbrio, dando à Europa condições tais que possa, com os seus próprios recursos, pagar as suas compras essenciais em dólares e eliminar progressivamente as restrições discriminatórias à importação.
Em resumo, e para nos servirmos das próprias palavras do relatório, torna-se necessário tornar a Europa independente da ajuda americana, por uma política de expansão que lhe permita readquirir a sua capacidade de concorrência, aumentar as suas disponibilidades em dólares e evoluir para um equilíbrio duradouro num sistema mundial de trocas e de pagamentos liberalizados.
Os Estados Unidos têm-se mostrado relutantes em adquirir nos mercados externos o que não seja essencial ao seu consumo interno. E têm nos últimos anos elevado a produção de artigos sintéticos, que se substituem constantemente a produtos importados.
Antes da primeira guerra mundial a proporção entre as importações e o rendimento nacional bruto era na América de 4,5 por cento. Em 1950 essa proporção não atingia 3 por cento, apesar da redução, operada em 1937, das tarifas aduaneiras, que eram até então quase proibitivas.
Além disso, a segunda guerra mundial modificou a favor dos Estados Unidos o volume de certas receitas invisíveis, como o rendimento líquido de investimentos no estrangeiro e os rendimentos de fretes. Embora os países da Europa tenham actualmente no conjunto reconstituído a tonelagem marítima perdida durante a guerra, os Estados Unidos possuem uma proporção sensivelmente mais elevada da frota de comércio mundial: 28 por cento em 1951, contra 13 por cento em 1938.
Ao lado da diminuição de direitos aduaneiros, do incremento dos investimentos americanos mo estrangeiro, da supressão dos preços artificiais de certos produtos agrícolas, uma das soluções preconizadas para melhorar a posição dólar dos países participantes da O. E. C. E. é precisamente a utilização da marinha mercante europeia nos transportes entre os dois continentes.
Também se afigura prejudicial a política d(c) manutenção de preços agrícolas pelo Governo dos Estados Unidos, pois pode conduzir à exportação de produtos a preços inferiores ao preço económico «normal e entravar assim a produção destes bons a preços razoáveis nos países da U. E. P.
Quanto às tarifas aduaneiras, apesar das reduções feitas pelo Governo Americano, continuam a dificultar a entrada aios Estados Unidos de numerosos produtos, sobretudo daqueles em que a mão-de-obra representa um elemento importante do preço do custo.
A título de esclarecimento devo dizer que Portugal é um dos raros países que no presente momento tem uma balança de pagamentos favorável com a área do dólar. Evidentemente que paxá se chegar a esse resultado houve no nosso país que adoptar um conjunto de providências quanto às importações dos Estados Unidos, que, relativamente a muitos produtos, funcionam como um mercado de recurso. Todavia, se atendermos às importantes compras que somos obrigados, de facto, a fazer na América, não pode deixar de considerar-se muitíssimo satisfatória a posição portuguesa.
Em 1953 a nossa balança de comércio com os países mão participantes da U. E. P. foi-nos desfavorável em 373 mil contos. Mas a balança de pagamentos apresentou um saldo positivo de 1 050 000 contos.
Para onde caminharão econòmicamente as nações? Para a autonomia ou para a divisão internacional do trabalho? O problema é de hoje e de sempre.
Estudos recentes concluem que mesmo nos Estados Unidos a autonomia é para muitos produtos materialmente impossível. Para muitos outros não há impossibilidade absoluta, mas tender para essa autonomia seria um absurdo económico. O resultado final de unia política de autarquia por qualquer preço seria o empobrecimento das nações e o declínio do comércio internacional.
Num país como o nosso, em que, como aqui afirmou recentemente o Prof. Doutor Pacheco de Amorim ao apreciar o Plano de Fomento, produzir para poupar ouro se tornou um lugar-comum, que tem. tanto de sugestivo como de infundado, as conclusões do último relatório da O. E. C. E., dada a autoridade de que se revestem, não podem deixar de constituir uma advertência e um ensinamento.
Segundo o referido relatório, o único método aceitável consiste em se deixar guiar pelo princípio dos menores custos: aumentar a produção na medida em que é ou pode tornar-se mais barata do que as importações e desenvolver estas na medida em que são mais baratas do que a produção interna.
Esta regra tem tido, mesmo ultimamente, muitas derrogações impostas por motivos de defesa, por razões de ordem interna ou de natureza fiscal, por necessidades prementes de equilíbrio das balanças de pagamentos. Vale, em todo o caso, como um princípio sadio de economia geral.
Sr. Presidente: creio que é hoje pura veleidade perfilhar conceitos particularistas ou querer, em matéria económica, fazer uma política de isolamento. O mundo ocidental tem cada vez mais de ser solidário se quiser assegurar a sua sobrevivência. E esta solidariedade, que se exprime em vários sectores da vida colectiva, força a encontrar soluções genéricas e aplicáveis a uma diversidade de países.
Em comum se põem. recursos e disponibilidades, em comum se criam organismos e instituições, e, num mundo reduzido pela força das circunstâncias, procura-se me-

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lhorar o nível de vida e facilitar no possível as trocas e permutas do que se produz.
Seis nações subscreveram o Plano Schuman, criando um mercado único para o carvão e para o aço, e, se o facto foi recebido com cepticismo em certos meios, ele não deixa de exprimir uma tendência no sentido de se constituírem mercados mais amplos do que aqueles que são limitados pelas fronteiras políticas das nações.
Tem Portugal assumido posição firme em todos os planos de defesa e reconstituição do Ocidente no campo económico e no campo militar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Dentro da União Europeia de Pagamentos procurámos evitar sempre posições extremas - de débito ou de crédito -, para não prejudicarmos o próprio funcionamento daquele organismo. Em matéria de liberalização de comércio podemos também ser apontados como exemplo. Temos sempre liberalizado as importações em percentagem superior à que éramos obrigados. As nações participantes da U. E. P. assumiram o compromisso de liberalizar 75 por cento das suas importações, tomando como base o ano de 1948. Sabemos, como já tive ocasião de dizer, que alguns países reduziram apreciavelmente essa percentagem e a França suprimiu todas as liberalizações concedidas em face de fortes posições devedoras na U. E. P.
Pois o nosso país, quando se fixou a percentagem de 75 por cento para a liberalização, logo libertou mercadorias que correspondiam a uma percentagem de 82,9 por cento, e, posteriormente, em face da elaboração de uma lista comum de produtos liberalizados e de decisões tomadas pelo Conselho de Ministros para o Comércio Externo, podem considerar-se como liberalizados 85 por cento do nosso comércio de importação.
O facto tem de ser interpretado como demonstração de real boa vontade no sentido de que se fortaleça a cooperação entre as nações do Ocidente europeu, tanto mais quanto é certo que, à medida que aumenta o âmbito da liberalização, mais difícil se torna, por vezes, a negociação de acordos de comércio, pela dificuldade de argumentarmos com o jogo das restrições, no caso de não ficar assegurada a exportação de determinados produtos nacionais.
Sr. Presidente: ao ocupar-me nesta Câmara da lei de autorização de receitas e despesas para o corrente ano tive oportunidade de aludir às tendências que se vinham desenhando nalguns países no sentido de se voltar à convertibilidade monetária.
Em França um grupo dos mais consagrados economistas daquele país, entre eles Charles Eist, autor de alguns dos mais notáveis e claros trabalhos de economia política de todos os tempos, voltou recentemente a lançar uma nova ofensiva no sentido de se regressar a uma política de sanidade financeira, restaurando a convertibilidade da moeda e estabilizando o seu valor.
Os estragos causados pela inflação - outrora caracterizada pelo aumento de moeda em circulação, hoje definida como um excesso de procura total sobre o valor global das ofertas-, a desvalorização crescente e alarmante do franco, a alta progressiva de salários e de preços, com todos os seus inconvenientes na vida interna e externa da França, levaram alguns dos mais ilustres representantes do pensamento económico daquele país a defender com vigor e com entusiasmo a volta à convertibilidade.
Não hesitam em afirmar que todas essas palavras que as novas gerações conheceram depois de 1918 - como vida cara, fiscalização de preços, controle de câmbios, inflação - traduzem apenas uma verdade: é que a França
desde 1914 não tem moeda. Num país onde a grande massa de notas em circulação foi emitida a descoberto, sem qualquer contrapartida de valores e apenas para fazer face a deficits orçamentais sucessivos, relembram que não é sem razão que Groethe no Fausto atribui a Mefistófeles a criação do papel-moeda. E preguntam: como se pode dar a César o que lhe pertence, se a imagem de César não é mais do que simulacro?
Segundo estes autores, o sistema de contingentes e a exportação de certos produtos condicionada à importação de outros de igual valor representa um regresso ao sistema de troca directa, de que nos devemos envergonhar pelo retrocesso que representa em matéria de comércio internacional.
E embora reconhecendo a necessidade de uma maior cooperação entre os povos e a vantagem de um mais intenso comércio entre eles, são de opinião que a reconstituição de uma moeda internacional deve preceder, de longe, os esforços com vista a trocas comerciais mais livres e mais amplas.
Numa conferência recente um ilustre economista francês afirma que o funcionamento da U. E. P. está cheio de ensinamentos precisamente porque demonstra os erros cometidos em matéria monetária, ilustrando a incapacidade absoluta de remediar um mal profundo através de medidas insuficientes.
Para os partidários da solução monetária como condição fundamental do ressurgimento europeu não interessa que o problema seja resolvido apenas por uma nação. Antes se torna necessário encontrar uma solução de conjunto, pois as doenças monetárias constituem verdadeiras epidemias contagiosas, que prejudicam e perturbam a economia dos países vizinhos.
E consideram humilhante que certos países econòmicamente corajosos, como a Bélgica e a Suíça, sejam muitas vezes postos em dificuldades porque os seus vizinhos, maiores em superfície, lhes são inferiores em vigor político e monetário.
Os defensores do saneamento monetário não situam a questão da moeda no segundo plano dos objectivos a atingir. Pelo contrário, julgam que, no ponto de vista económico, é o problema essencial do Ocidente, nomeadamente para a França e para a Inglaterra. E em apoio da sua tese citam a opinião do célebre Dr. Shacht, o prático mais representativo da moeda dirigida, que num livro recente recomenda à Alemanha o regresso puro e simples ao padrão-ouro.
Apesar, porém, do número autorizado de autores e economistas que tanto na Europa como na América se têm ocupado do problema da convertibilidade da moeda, a verdade é que este atingiu recentemente maior actualidade e projecção ao ser tratado como objectivo a atingir na reunião dos primeiros-ministros das nações da comunidade britânica que teve lugar em Londres em fins do ano passado.
Compreende-se o interesse que a questão da convertibilidade tem para a Grã-Bretanha. Não podem os Ingleses esquecer a auréola que teve no passado a libra esterlina, moeda internacional com poder de compra em todos os continentes e em toda a parte aceite em troca de mercadorias, ouro ou outras moedas. É natural que pretendam restabelecer o prestígio de uma moeda que é a unidade monetária de uma zona que compreende 600 milhões de indivíduos e financia uma percentagem importante do comércio mundial.
Além disso, não podendo, ao sistema actual, os domínios com excedentes em esterlino, como o Canadá e a Austrália, converter esse esterlino em dólares, o que lhes traz, por vezes, sérios inconvenientes, a manutenção e a unidade da própria área do esterlino estão em grande parte dependentes da existência de uma unidade monetária que seja convertível em moedas fortes.

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O Governo Trabalhista, dominado por objectivos de ordem social, procurou sobretudo memorar e elevar o nível geral da vida, passando os problemas monetários para segundo plano. Ao socialismo britânico agradava talvez mais a ideia de fazer da zona do esterlino uma área econòmicamente fechada que, assegurando o pleno emprego, evitasse a concorrência de outros países industrializados, como o Japão e a Alemanha.
A vitória conservadora significava, porém, o triunfo de ideias opostas em matéria de economia e de moeda e levava à chefia do Governo precisamente o estadista que em 1925, como chanceler do Tesouro, havia reconduzido a libra à paridade de antes da guerra.
Desde a sua subida ao Poder o Governo Britânico efectivamente nunca mais deixou de esforçar-se por criar condições económicas e técnicas que permitissem encarar seriamente a possível convertibilidade da libra.
E, embora à custa de limitações severas nas importações, restringindo a percentagem das mercadorias liberalizadas, como já tive ocasião de notar, a balança de pagamentos da Grã-Bretanha atingia o seu equilíbrio, com um pequeno saldo positivo, no último trimestre de 1952. O Governo de Churchill susteve a sangria de ouro e dólares e conseguiu melhorar a cotação das diversas espécies de libra esterlina.
Estavam preparadas as condições para levantar de novo a questão da convertibilidade da libra.
Evidentemente que quando se fala actualmente de convertibilidade não se quer aludir à possibilidade, pelo menos por ora, de trocar a moeda em circulação por ouro dos bancos emissores. A nenhuma moeda assiste hoje esse privilégio e o próprio dólar, que tem atrás de si as maiores reservas de ouro do Mundo, não é convertível neste metal, a não ser em operações entre bancos centrais.
Quando se fala agora de convertibilidade de uma moeda quer-se significar a faculdade dada aos seus detentores de a poderem converter em quaisquer moedas fortes.
Não é possível ainda determinar a extensão que se pretende dar à convertibilidade da libra, mas pelos artigos publicados nas revistas e jornais ingleses verifica-se que se trata ainda de uma convertibilidade limitada, que não abrange as operações relativas à transferência de capitais, aplicando-se apenas aos não residentes e às operações comerciais correntes. Apesar disso, tanto na Inglaterra como na América tem-se ligado a maior atenção a essa projectada medida do Governo Inglês, que se considera um passo importante no sentido de uma mais ampla convertibilidade e uma tentativa séria no caminho do saneamento monetário do Mundo.
A viabilidade dessa ideia está, porém, dependente de muitos factores de carácter interno uns, de natureza externa outros.
Uma das grandes reivindicações dos países participantes da área do esterlino é a actualização do preço do ouro.
Os Estados Unidos da América pagam ainda hoje 35 dólares por onça de ouro, ou seja o mesmo preço de 1934. Ora, tendo subido o nível dos preços mundiais, e tendo o dólar perdido metade do seu poder de compra relativamente àquela época, mal se compreende, segundo a lógica britânica, que só relativamente ao ouro se mantenha a mesma relação de valor.
A questão tem um interesse fundamental para a área do esterlino se atendermos a que a esta cabe uma percentagem de 60 por cento na produção mundial do ouro. Se se elevasse o preço deste, melhorava especialmente a posição do bloco esterlino e contribuía-se para aumentar a produção daquele metal precioso.
Antes da guerra o ouro extraído das minas contribuía com 500 milhões de dólares anuais para equilibrar a balança de pagamentos da zona do esterlino. Pois, apesar da elevação mundial de preços, o ouro continua a entrar com o mesmo valor de 500 milhões de dólares nas contas a liquidar actualmente com os Estados Unidos.
Tudo se passa como se o ouro dos países do esterlino tivesse perdido metade do seu valor relativamente a 1939.
A ajuda americana tem-se traduzido em largos créditos concedidos à Europa. A Grã-Bretanha prefere, porém, que a uma política de créditos se substitua uma política de baixa de tarifas que permita à zona do esterlino efectuar maiores vendas na área do dólar.
O actual chanceler do Tesouro britânico definiu esse pensamento numa fórmula lapidar: comércio em vez de ajuda. E uma alta personalidade americana, recordando recentemente que a América distribuiu 35 biliões de dólares em auxílio ao estrangeiro depois da guerra, exprimiu a mesma ideia ao dizer que à política de dólares dados devem os Estados Unidos substituir uma política de dólares ganhos.
Mas a reavaliação do ouro e a baixa de tarifas são medidas pouco populares na América, e a essa circunstância se devem atribuir os últimos contactos pessoais dos estadistas responsáveis pela política financeira dos dois grandes blocos monetários do Mundo.
Se quanto à questão das tarifas se nota boa vontade e espírito de compreensão em certos meios dos Estados Unidos e se ainda em Novembro passado o actual embaixador daquele país em Londres, que é uma incontestada autoridade em assuntos financeiros, fez em público acerbas críticas ao sistema aduaneiro americano, quanto ao ouro nota-se uma oposição tenaz e viva à sua valorização.
Põem-se em relevo os perigos de uma nova inflação, os desastrosos efeitos económicos e psicológicos de tal medida em relação à grande maioria do povo americano para se concluir que não é possível estabilizar instabilizando aquilo que chamam a «âncora da economia». No fundo, entre estas duas medidas universais de valores - o dólar e o ouro -, os Americanos persistem, orgulhosamente, em assegurar a supremacia ao dólar.
O problema de uma possível convertibilidade, embora limitada, da libra esterlina discute-se precisamente na ocasião em que se ventila o futuro da União Europeia de Pagamentos, cuja existência foi prorrogada, como se sabe, até Junho do corrente ano.
Ao mesmo tempo que se enaltecem as vantagens de uma possível convertibilidade geral de moedas, dá-se um balanço à obra realizada nestes três anos pela União Europeia de Pagamentos, que habilite os diversos governos interessados a decidir acerca do seu destino.
A generalidade das opiniões é concorde em que a União Europeia de Pagamentos prestou grandes serviços ao comércio europeu, facilitando as permutas e elevando o nível de trocas entre as diversas nações participantes. Mas muitos economistas alegam que o mecanismo da compensação não evitou posições extremas de crédito e de débito e o consequente regresso à política de restrições e de práticas discriminatórias contra a finalidade e o espírito da própria organização.
Um dos principais argumentos que se apresenta contra a União provém de esta não cobrir senão uma parte dos pagamentos entre as nações e não poder, portanto, realizar uma compensação real, que não é possível senão numa escala mundial. Ainda recentemente se invocou o exemplo da Bélgica, país normalmente credor da Europa e devedor da América, que não encontra no mecanismo da União a solução do seu problema de pagamentos internacionais.
É evidente que a convertibilidade, da libra pode trazer embaraços ao funcionamento da União Europeia de Pagamentos. Actualmente as moedas europeias, sem se-

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rem convertíveis entre particulares, são-no entre os bancos centrais. E são fixas as taxas de conversão. E evidente que a convertibilidade da libra a uma taxa variável parece incompatível com o actual mecanismo de compensação da União Europeia de Pagamentos.
Há quem julgue também que a convertibilidade se traduziria numa posição permanentemente credora para a Inglaterra, e isso ciaria lugar a um desgaste permanente de puro para a União Europeia de Pagamentos, com todos os inconvenientes que daí adviriam:
Mas, se há muitos economistas e comentadores dos assuntos internacionais que são de opinião de que a convertibilidade da libra significa o fim da União Europeia de Pagamentos, outros são de opinião contrária e defendem até o ponto de vista de que esta se torna necessária a dar àquela condições de viabilidade e de permanência.
O conhecido jornal The Financial Times de 23 de Fevereiro último consagra a este assunto um artigo sob diversos aspectos interessante, dada a categoria daquele importante órgão da imprensa britânica.
Segundo o autor do referido artigo, os dois obstáculos a remover para realizar a convertibilidade da libra são: primeiro, equilibrar a balança de pagamentos com a área do dólar. E o requisito fundamental. Depois, equilibrar também aquela balança com o resto do Mundo.
Quanto à área do dólar, está o articulista convencido de que, se se evitar a inflação e se mantiver uma boa disciplina nas diversas regiões da zona do esterlino, aquele objectivo pode ser atingido.
Quanto à balança de pagamentos com os outros países, a sua posição melhorou muito, em condições de não constituir agora motivo de preocupação.
Mas, resolvidos estes problemas, fica de pé uma grande dificuldade. Como há muitos países que têm falta de dólares, há o perigo de esses países procurarem obter libras precisamente para convertê-las naquela moeda. Ora se a Inglaterra e a área do esterlino podem estar em condições de obter dólares para satisfazer as suas necessidades, embora à custa de algumas restrições, não podem todavia ganhá-los para satisfazer a carência mundial desta moeda.
Para evitar este perigo, a área do esterlino deverá ter com os países europeus uma balança equilibrada, por forma a que as libras que paga em virtude de exportações sejam gastas nas compras que esses países são obrigados a realizar naquela área. Isso não impede, porém, que os países europeus possam entrar no sistema das restrições às importações britânicas para obterem um saldo em libras, e é precisamente para obviar a esse inconveniente que aquele jornal inglês preconiza a necessidade de a Inglaterra continuar a fazer parte da União Europeia de Pagamentos. O mecanismo do seu funcionamento é apresentado, assim, como indispensável à salvaguarda da própria convertibilidade.
O que vai passar-se nestes meses próximos em matéria de comércio e pagamentos internacionais é muito difícil de prever, dada a própria complexidade da matéria e a diversidade de interesses em presença.
Não há dúvida de que a União Europeia de Pagamentos foi criada como um passo no sentido da convertibilidade geral de moedas. E é certo também que esta ideia ganha, tanto na Europa como na América, um número crescente de adeptos.
Os problemas que se põem é de saber se as economias dos países europeus recuperaram força e estabilidade bastantes para se tomar decisão de tão grande alcance e, ao mesmo tempo, a medida em que os Estados Unidos estão prontos a ajudar, com o peso do seu ouro e o poder de compra dos seus mercados, a Europa a regressar ao caminho do saneamento monetário.
Todas as negociações que se estão desenrolando neste momento, quer quanto à convertibilidade do esterlino, quer quanto ao futuro da União Europeia de Pagamentos, interessam aspectos fundamentais do nosso comércio externo e da economia geral do País.
Do discurso ontem proferido pelo chanceler do Tesouro britânico em Paris, a que aludem os jornais de hoje, vê-se que a Inglaterra persiste nos seus propósitos de regressar à convertibilidade da libra, que, segundo as declarações de Butler, pode ser obtida dentro de um ano.
A Inglaterra é tradicionalmente o nosso primeiro mercado externo. E, embora seja desfavorável a força da nossa balança comercial com aquele país, os invisíveis cobrem esse déficit e é-nos favorável a balança de pagamentos com a área do esterlino.
Em 1952 a balança comercial com esta área apresentou contra Portugal um déficit de 752 000 contos. Mas a balança de invisíveis foi favorável ao nosso país em 806 000 contos.
Tudo o que respeita à Inglaterra, às suas finanças, à sua economia, à sua moeda, tem interesse directo para o nosso país, interesse reforçado pelos tradicionais vínculos de amizade que unem os dois países.
Por outro lado, não nos podemos desinteressar da sorte da União Europeia de Pagamentos e de todos os problemas - como seja distribuição de quotas, percentagem de pagamentos em ouro, taxas de juro, etc. - que a sua prorrogação suscita.
Sr. Presidente: a solidez da posição portuguesa na economia mundial faz com que se possa encarar com confiança qualquer das soluções que possam vir a ser adoptadas para regular e facilitar o intercâmbio comercial dos povos. Se se julgar que não é ainda o momento próprio para passar a um sistema de convertibilidade monetária e que é de manter, como é provável, a União Europeia de Pagamentos, continuaremos a ser com certeza elemento de equilíbrio e dos países participantes e o que melhores provas dá do desejo de intensificar e liberalizar o comércio inter-europeu.
Mas, quando se entender que é chegada a altura de se passar para uma convertibilidade geral de moedas, Portugal possui todas as condições para aderir a tal iniciativa.
O desenvolvimento do comércio metropolitano e ultramarino, o equilíbrio da balança de pagamentos, a estabilidade financeira do Estado, o crédito e a solidez da moeda constituem requisitos mais que bastantes para que se possa passar do actual sistema para fórmulas mais amplas de compensação e de convertibilidade monetária.
Ainda há dias, folheando uma autorizada publicação dos Estados Unidos, VI que os Americanos dividem os diversos países, no ponto de vista monetário, em quatro grupos:

a) Área do dólar;
b) Nações europeias de moeda forte (hard currency);
c) Área do esterlino;
d) Outras áreas.

Creio que deve constituir motivo de orgulho para nós constatar que Portugal figura entre o reduzido número de países europeus considerados de moeda forte.
Quando recordamos um passado recente e verificamos que temos agora uma moeda aceite em toda a parte, com poder de compra em todos os mercados, apta a enquadrar-se em quaisquer planos de saneamento monetário internacional que porventura venham a ser adoptados, temos de reconhecer que alguma coisa de grandioso se operou em Portugal nestes vinte e cinco anos decorridos.

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Começou-se pelo orçamento e pelas contas, passou-se depois à moeda, ao crédito, à dívida publica, aos diversos sectores da vida financeira, e em cada passo que se ia dando uma pátria se reerguia e renovava para poder continuar e prosseguir a sua história, hoje, como sempre, tão intimamente ligada à história do Mundo.
Rejubilemos em ter podido viver esta época magnífica de reconstrução e de progresso, em que somos entre os povos exemplo de nações, pela unidade que mantemos, pelas regras de administração que adoptamos, pela persistência e tenacidade com que continuamos a colonizar e a povoar as terras de além-mar, para que em todos os continentes brilhe e floresça esta magnífica civilização ocidental e cristã, que é, entre todas, a mais alta e a mais Leia criação do génio humano.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai ser lida a proposta de resolução, enviada para a Mesa pelo Sr. Deputado António Calheiros Lopes, acerca das Contas Gerais do Estado de 1951.

Foi lida. É a seguinte:

Para efeitos do n.º 3.º do artigo 91.º da Constituição, tenho a honra de em nome da Comissão de Contas Públicas, submeter à aprovação da Assembleia Nacional as seguintes bases de resolução:

a) A cobrança das receitas públicas durante a gerência decorrida entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 1951 foi feita de harmonia com os termos votados na Assembleia Nacional;
b) As despesas públicas, tanto ordinárias como extraordinárias, foram efectuadas em obediência à lei;
c) O produto de empréstimos teve a aplicação estatuída nos preceitos constitucionais;
d) Foi mantido durante o ano económico o equilíbrio orçamental, como dispõe a Constituição, e é legítimo e verdadeiro o saldo, de 48:047.952.523, apresentado nas Contas respeitantes a 1951.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 24 de Março de 1953.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vai ser lida a proposta de resolução, enviada para a Mesa pelo Sr. Deputado João das Neves, acerca das contas da Junta do Crédito Público de 1951.

Foi lida. É a seguinte:

A Assembleia Nacional:

Considerando que durante a gerência de 1951 a política do Governo, em relação à dívida pública, obedeceu inteiramente aos preceitos da Constituição e das leis e continuou a mostrar-se sempre a mais oportuna, ajustada e conveniente aos superiores interesses gerais da Nação, resolve dar a sua plena aprovação às contas da Junta do Crédito Público relativas ao ano de 1951.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Como a Câmara vai encerrar os seus trabalhos e há diplomas pendentes da Comissão de Legislação e Redacção, peço à Câmara, na forma do costume, um bill de confiança a essa Comissão.
Considero o silêncio da Câmara como de aprovação a esse bill de confiança à Comissão de Legislação e Redacção desta Câmara.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Meus Senhores: não devo encerrar esta sessão sem me despedir, em breves palavras, de VV. Ex.ªs, sentindo deveras o termo desta convivência de quatro anos que a indulgência de ânimos e a elevada compreensão da função tornaram tão agradável; e sem afirmar ao Pais, neste momento, que a Assembleia Nacional, nesta V Legislatura, realizou um trabalho sério e útil e soube cumprir o seu mandato.
Eleita em 1949, precisamente no ano em que se feriu uma luta de vida ou de morte para o regime em torno da eleição presidencial, ela acaba o seu mandato no ano em que se consuma um ciclo notabilíssimo da história política deste país - o ciclo de vinte e cinco anos da presença de Salazar na alta administração pública portuguesa - e encerra os seus trabalhos com a grande mágoa de não ter encontrado meio de estar reunida na data das comemorações, para poder prestar-lhe, por aquela forma relevante e eminentemente nacional que sempre revestiu as consagrações desta alta Assembleia, a justa homenagem devida a quem, por tantos títulos, a mereceu e em tão largo lapso de tempo serviu e honrou a causa política a que pertence e o País em que nasceu.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.

O Sr. Mário de Figueiredo: - E só para dizer que creio que isso que V. Ex.ª acaba de dizer não é ainda constitucionalmente impossível.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª tem razão, e oxalá que quem dispõe de poderes constitucionais para aqui nos reunir possa encontrar a forma de utilizar essa competência constitucional.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - No decurso da legislatura que expira nem sempre as tarefas que se lhe depararam foram alegres, fáceis e agradáveis. Sentiu, como toda a Nação, o golpe profundo e devastador da morte do Marechal Carmona, cujo longo e brilhante consulado foi assinalado pelos mais retumbantes êxitos da Revolução Nacional ...

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - ... e em cuja figura irradiante de nobreza, de distinção e de bondade se antolhava a personificação viva e perfeita do espírito duma política e de um povo, cuja existência mesma parecia travada com a da própria Revolução Nacional, e teve de resolver a gravíssima crise de chefatura do Estado, ocorrida demais a mais em plena revisão constitucional dos órgãos supremos da soberania nacional.
Seria presunção e menos fidelidade à verdade dizer que o nosso espírito não foi, por momentos, gravemente perturbado por um acontecimento de tão grande transcendência política surgido dos desígnios da Providência, no meio da nossa impreparação para lhe afrontar e dominar as consequências. Mas também não há dúvida, porque é um facto, que foi esta Assembleia quem en-

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controu uma solução que permitiu de momento resolver com tranquilidade e ponderação o grave problema criado.
Da solução adoptada pela Assembleia resultou proceder-se à eleição do novo Chefe do Estado por sufrágio directo; e o Pais escolheu, numa votação que foi uma verdadeira consagração, o nosso digno colega Sr. General Craveiro Lopes, exemplo claro de civismo e de aprumo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - ... posto no vértice da hierarquia política e social e que nesta mesma Casa veio tomar posse e prestar o seu compromisso e a quem, ao encerrar esta legislatura, em nome de todos, dirijo respeitosas saudações.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Apesar do acidentado período da sua existência, a Assembleia realizou um trabalho legislativo importante e uma activa fiscalização da administração pública.
Reviu a Constituição Política do País e o Acto Colonial, arreigando assim a legitimidade das instituições políticas, votou as bases da luta contra a tuberculose, verdadeira cruzada nacional que é necessário levar a cabo, reorganizou a Escola das Belas-Artes, procurou por medidas legislativas adequadas proteger o teatro português, discutiu largamente e votou a complexa e fundamental reforma dos serviços do registo e do notariado, as bases da organização da defesa da aeronáutica militar, do recrutamento e serviço militar, da mais valia dos produtos ultramarinos e, finalmente e para não alongar a enumeração, produziu um debate notável em qualquer parlamento do Mundo sobre o Plano de Fomento Nacional, última e assinalada iniciativa da administração de Salazar, da qual é lícito esperar um grande surto na vida económica da Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - No domínio puramente político teve, entre outros, a generosa iniciativa duma amnistia ampla, que, apesar dos seus defeitos, ajudará, sem dúvida, a congregar em volta das últimas surpresas do País e dos princípios fundamentais da nossa civilização todos os portugueses de boa vontade. ^

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - No domínio da fiscalização dos actos da administração pública, domínio cheio de melindres e de susceptibilidades, e em que o justo equilíbrio é extremamente difícil, as numerosíssimas intervenções antes da ordem do dia e os avisos prévios documentam, ao longo do Diário das Sessões, uma crítica séria, oportuna e construtiva que o País seguiu através dos relatos da imprensa com o maior interesse.
Há-de haver, meus senhores, algumas depressões na linha que exprimir a actividade desta Câmara. É natural. Mas no juízo ponderado dessa actividade, a conclusão final não nos deslustra, porque se traduz num saldo positivo em favor da instituição e do País.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - E vou encerrar a última sessão sem mais palavras porque, mercê da gentileza de VV. Ex.ªs, terei de proferir muitas mais ainda esta noite. A ordem do dia de amanhã, de um amanhã sem noite e sem termo, é que busquem perseverar na camaradagem aqui cimentada e que ela continue a ser posta ao serviço do alto ideal da Pátria e da civilização cristã.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Não devo terminar sem uma palavra de grande e justo apreço pela magnífica colaboração técnica da Câmara Corporativa, a quem apresento também as nossas saudações.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: quero apenas afirmar a V. Ex.ª, interpretando o sentimento da Câmara, que todos nós estamos muito reconhecidos pela maneira como V. Ex.ª dirigiu os trabalhos desta Assembleia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Todos nós agradecemos a V. Ex.ª as boas palavras que acabou de ter a amabilidade de nos dirigir e todos nós apresentamos a V. Ex.ª as nossas homenagens, com a boa palavra de que Deus o conserve.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

André Francisco Navarro.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
Armando Cândido de Medeiros.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jorge Botelho Moniz.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Carlos Mantero Belard.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Sousa Meneses.
Vasco de Campos.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Página 1120

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