Página 15
REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES
N.º 3 ANO DE 1953 30 DE NOVEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO INAUGURAL, EM 28 DE NOVEMBRO
Sob a presidência de S. Ex.ª o Sr. General Francisco Higino Craveiro Lopes, Presidente da República Portuguesa, que tinha à direita SS. Ex.ªs os Srs. Doutores António de Oliveira Salazar, Presidente do Conselho e Marcelo José das Neves Alves Caetano, Presidente da Câmara Corporativa, e à esquerda SS. Ex.ªs
os Srs. Doutores Albino Soares Pinto dos Reis Júnior, Presidente da Assembleia Nacional e Miguel Homem de Sampaio e Melo, Presidente do Supremo Tribunal da Justiça, efectuou-se na sala das sessões da Assembleia Nacional a sessão solene inaugural da VI Legislatura.
Estavam presentes o Governo, com excepção de SS. Ex.ªs os Srs. Ministro da Marinha, das Obras Públicas e da Educação Nacional, S.E. o Cardeal Patriarca de Lisboa, membros do Corpo Diplomático e altas entidades civis e militares.
À s 17 horas deu entrada na sala, onde se encontraram os Srs. Deputados e Procuradores, o cortejo presidencial, no qual se incorporaram as comissões parlamentares de recepção ao Chefe do Estado.
O Sr. Presidente da Assembleia Nacional, às 17 horas e 5 minutos, declarou aberta a sessão, em nome de S.Ex.ª o Sr. Presidente da República, acrescentando:
O Sr. Presidente da República, no uso do direito que a Constituição lhe confere, vai dirigir a sua mensagem à Nação.
S. Ex.ª o Sr. Presidente da República leu, então a mensagem, que era do seguinte teor:
SENHORES DEPUTADOS E DIGNOS PROCURADORES À CÂMARA CORPORATIVA:
É-me sumamente grato cumprir o dever de saudar, na abertura solene da nova legislatura, a todos os que mereceram a honra de ser escolhidos para representar
A Nação na Assembleia Nacional, ou particularmente algumas das suas actividades e interesses na Câmara Corporativa. Nesta cordial saudação vai o meu sincero apreço pelo civismo com que por toda a parte decorreram as eleições e o eleitorado se comportou; e vão igualmente os meus votos por que o trabalho de todos venha a verificar-se fecundo para o futuro do País.
Aproveitarei a oportunidade para dirigir aos Portugueses, através da sua mais elevada representação constitucional, algumas considerações sobre problemas a que as circunstâncias dão actualidade e interessam fundamentalmente, em si mesmas ou pelas suas repercussões, à vida da Nação.
Referir-me-ei em primeiro lugar à situação internacional: Relendo o que no começo da anterior legislatura foi dito, deste mesmo lugar, pelo Chefe do Estado meu predecessor, não pude fugir à penosa consideração de que a solução dos negócios mundiais pouco avançou neste período: designadamente a liquidação do conflito de 1939-1945, que, para todo o Ocidente, se confunde com o problema da paz geral, não pôde ainda ser conseguida. Quase dez anos volvidos, não foi, infelizmente, possível nem estabelecer relações aceitáveis de paz, nem organizar a vida internacional conformemente aos anseios da generalidade dos povos. Não o foi por via do desarmamento de todos: não se enxerga ainda a possibilidade de sê-lo em breve através dos reforços da defesa de alguns.
À parte a persistência de certas ambições desrazoáveis e incompatíveis com a liberdade das nações, chega a pensar-se que a inclusão, entre os objectivos ou condições de paz, de novos cànones de organização internacional fez surgir problemas intermédios em tal número e de tal dificuldade que se têm frustado todos os esforços para lhes encontrar solução.
Não ter Portugal intervindo no conflito nem estar directamente em causa nas controvérsias que dele derivaram não lhe garantem no Mundo de hoje condições
Página 16
16 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 3
de indemnidade: muito menos lhe permitem desinteressar-se da evolução dos acontecimentos. A interdependência das sociedades hodiernas e as repercussões das condições gerais na vida de cada um só a muito raros permitirão a indiferença ou o isolamento, mesmo que não se julguem interessados no conjunto ideológico que um eventual conflito porá à adopção ou recusa de todos os povos. Estamos em riscos de regressar às guerras de religião, se é que não têm já esse carácter certos conflitos no seio das nações.
Da ideia de que o processo mais expedito de assegurar, embora precàriamente, a paz é construir ou restabelecer um equilíbrio de forças em relação ao eventual agressor nasceu a Organização do Tratado do Atlântico Norte, como principal sistema defensivo do mundo ocidental. Mas este caminho, que a todos os interessados se afigurou o único possível, nem se apresenta ainda hoje com a latitude desejável, nem é isento de dificuldades e riscos, pois, não se encontrando ainda a Europa inteiramente refeita dos desgastes económicos da última conflagração, o reforço inevitável da defesa exige desvios inconvenientes ou onerosos de somas que na vida corrente das populações podiam Ter maior utilidade.
Nas condições enunciadas, Portugal não podia deixar de tomar o seu lugar e nele esforçar-se por cumprir as missões que lhe são confiadas, assegurando, além disso, a esta grande associação de povos os serviços que a sua situação geográfica lhe permite prestar. Mas desde sempre esteve convencido da necessidade de se completar a organização, trazendo por qualquer forma à colaboração ocidental os países que, pela sua posição geográfica e ideológica, se deviam considerar, em relação ao Ocidente, elementos essenciais. Por esse motivo, demos todo o valor aos actos pelos quais a Espanha, em acordos recentes com os Estados Unidos, dá a sua colaboração, para se fechar no extremo sudoeste e a rede defensiva da Europa.
Não queremos tirar do caso outro mérito senão o de Ter tornado clara em todas as circunstâncias esta premente necessidade, em vias de ser agora satisfeito: isto é, o nosso mérito foi apenas Ter razão.
Econòmicamente, e no que respeita à Europa Central e Ocidental, os esforços para a normalização da produção, o saneamento monetário e a liberdade de trocas continuam a fazer-se através da Organização Europeia de Cooperação Económica e da União Europeia de Pagamentos, com o apoio dos Estados Unidos da América. Estas organizações e auxílios não são expoentes de uma economia sã, mas processos de os países se irem encaminhando para ela. E devemos crer que, se não fossem os pesados encargos da defesa, impostos a todos pela fatalidade das circunstâncias, a situação económica seria já hoje mais desafogada, se não inteiramente normal. Servi-la-ão seguramente todos os esforços no sentido do equilíbrio financeiro interno, da moeda sã e convertível, de um mercado suficientemente amplo e liberto das conhecidas restrições. Seja qual for a possibilidade que venha a verificar-se na criação e na viabilidade de organizações económicas internacionais, julgamos que não poderiam nunca corresponder às esperanças dos seus instituidores se as nações não se mantivessem fiéis aos princípios de um equilíbrio saudável que estão na raiz mesma da vida económica.
Enquanto certas experiências tentam o seu caminho ou se afundam no insucesso, nós entendemos dever continuar a orientação de apoiar os organismos criados para desenvolver das moedas em domínios cada vez mais vastos, facilitar o trabalho e a economia geral. E estamos seguros de que uma das formas mais prestantes de colaborar é não nos afastarmos das regras de prudente administração que, duradouramente e com êxito, nos temos empenhado em seguir.
A vida de relações do nosso país não se restringe, porém ao que hoje se denomina Europa Ocidental; devemos mesmo evitar que a importância e gravidade - aliás muito especiais - das questões europeias nos desviem a atenção de muitos outros interesses que nos tocam pelo Mundo. Ao mesmo tempo que, internacionalmente e pelas razões enunciadas, nos foi necessário tomar posição entre as mais nações europeias, Portugal tem tentado incessantemente reforçar o que poderemos talvez chamar as três maiores linhas de força da sua política externa: a que tradicionalmente liga Lisboa e Londres pela aliança e tem visado sobretudo a segurança atlântica e ultramarina; a que se lançou entre Lisboa e Madrid para garantia da integridade das duas nações que partilham entre si a Península Ibérica e a glória de haverem sido mães de outras nações da mesma fé e cultura: e, por fim, a que prende Lisboa ao Rio de Janeiro e irmanam povos a que a longa história em comum permiti, pelo sangue, a língua, a cultura, em grande parte os ideais nacionais, constituir no Mundo a comunidade luso-brasileira.
Pensou-se que não devia retardar-se o agradecimento da visita oficial que o Generalíssimo Franco, Chefe do Estado Espanhol, fez a Lisboa, e coube-me a honra de retribuí-la. Ao referir esta visita devo renovar os agradecimentos pelas atenções de que fui alvo e pelos inúmeros actos em que se empenhou o engenho e se multiplicou a fidalguia espanhola para honrar-me e, na minha pessoa, a Nação Potuguesa. A própria visita e as declarações então trocadas exprimem suficientemente que se logrou criar para a Península um ambiente de tão fraterna estima e colaboração que Portugal e Espanha são, no mundo de hoje, exemplo de excelente vizinhança e de valorização recíproca.
Surgiu, por outro lado, a oportunidade, por todos ansiada, de exprimir em solene documento político aquele acervo de sentimentos e de aspirações comuns do Brasil e de Portugal, de consagra, diplomática e jurìdicamente, as realidades afectivas e mesmo, até certo ponto, o que já eram realidades políticas entre nós e aquela nação nascida de Portugal. As Câmaras terão a devida oportunidade de apreciar, para ratificação, o Tratado há pouco assinado no Rio. Ao saudar efusivamente e com todo o entusiasmo de um coração português o aparecimento da comunidade luso-brasileiro, faço votos por que esse Tratado constitua, por muitos anos, um programa de acção, senão uma norma de vida das duas pátrias, para estreitamento dos seus laços de família, defesa dos seus interesses comuns e reforço da sua presença na sociedade internacional.
A Assembleia aprovou na última sessão legislativa um Plano Serenal de Fomento, cuja execução começou, no corrente ano, com algumas dificuldades, próprias da iniciação, mas que deverá prosseguir nos próximos anos sem tergiversações ou atrasos. As circunstâncias especiais do momento que se vive, e designadamente o peso proveniente do reforço da nossa defesa e dos compromissos internacionais que lhe respeitam, não permitirão se promovam, no mesmo período e por iniciativa do Estado, outros trabalham comparáveis em grandeza aos previstos. Isso significará que as actividades do Plano de Fomento serão as dominantes nas preocupações da Administração durante os próximos anos. Como para cada ano tem de se estabelecer o programa parcial de realizações, pode, simultaneamente, ajuizar-se do caminho andado, da necessidade de corrigir eventuais atrasos, da oportunidade das operações financeiras correspondentes. Mas a máquina administrativa é suficientemente experimentada para nos permitir a confiança
Página 17
30 DE DEZEMBRO DE 1953 17
na correcta execução do Plano, como nos seus resultados para o progresso do País.
Haverá, em todo o caso, necessidade de leis complementares - algumas delas previstas mesmo no diploma que aprovou o plano de Fomento - e as Câmaras terão de dar-lhe, por essa forma, e mais uma vez, a sua eficiente colaboração.
Fez-se notar na devida altura que a organização do Plano de Fomento, com aplicação simultânea ao continente, às ilhas e no ultramar, correspondia exactamente, na ordem económica e financeira, aos progressos verificados, na ordem política e moral, quanto ao conceito estrutural da Nação Portuguesa. Meios distanciados das nossas concepções em matéria de colonização foram induzidas a crer que a designação por nós retomada de províncias ultramarinas se ligara, de perto ou de longe, às correntes em voga, ingénua ou interesseiramente contrárias à obra de colonização dos outros povos. Embora nos orgulhemos e não possamos repudiar a nossa história de descobridores e de colonizadores, não pretendemos evitar uma designação em crise de opinião, mas, sim, pormos mais intimamente de acordo as leis com as realidades. Assim, a revisão constitucional e a nova lei orgânica do ultramar que se lhe seguia, dando mais um passo, que supomos decisivo, no sentido da perfeita integração jurídica e política das províncias do ultramar no Estado Português, não contradizem uma evolução, não arrepiam forçadamente o caminho andado, consagram apenas o estado actual da consciência portuguesa no mundo.
Esta realidade política manifesta-se por muitos modos à atenção dos Portugueses; exprime-se pelos movimentos populacionais com fins económicos, pelo mais estreito conhecimento recíproco, pela crescente solidariedade das economias, pelas interdependências e permuta do pessoal administrativo, pela identidade de orientação e de ritmo nas realizações materiais, pela comunidade de ideal nacional. Ela é potente mesmo, e sobretudo frisante, nas viagens dos Chefes do Estado e dos membros do Governo que nos últimos tempos repetidamente se têm deslocado a uma ou mais províncias do ultramar, para tomar conhecimento directo das necessidades, respirar o ambiente peculiar do trabalho, comungar com os povos nas suas festas e comemorações patrióticas. Por mim nada mais desejo com tanto ardor que poder iniciar, na devida oportunidade, as minhas visitas ao ultramar, para viver o seu portuguesismo, certificar-me do seu desenvolvimento e congratula-se pelos seus progressos com aqueles o cujo trabalho, sacrifícios e dedicação especialmente se devem. Estou bem certo de poder levar-lhes, com a minha presença, a reafirmação do sentir unânime dos Portugueses espalhados pelos mundo à volta da unidade e grandeza da sua pátria.
É bem possível que os progressos verificados no ultramar aconselhem oportunamente o reajustamento da respectiva representação - e isso tanto na Assembleia Nacional como Câmara Corporativa. No tocante à Assembleia Nacional o aumento de representação ultramarina é natural que importe a prévia revisão do preceito constitucional referente ao número de Deputados, mas, quanto à Câmara Corporativa, nem isso é necessário para que a organização, que começa de estender-se e enraizar-se nas províncias ultramarinas, seja admitida a colaborar com os representantes metropolitanos.
A actual Câmara, cuja organização foi necessário modificar para a pôr em conformidade com alguns preceitos constitucionais, como resultaram da última revisão, apresenta-se mais enriquecida de elementos, mas, sobretudo, mais aproximada, na sua estrutura, do que virá a ser quando as corporações forem, finalmente, instituídas. O desenvolvimento, senão o complemento da organização na base, e a formação de associações intermediárias vão permitir que, em frutos não distante, se instituam as corporações, sejam quais forem as dificuldades de, no respeitante a alguns sectores da produção, compartimentar em grupos diferenciados a complexa trama da vida económica. Então, a Câmara tomará a sua jeição definitiva e o ultramar entrará lògicamnete com a sua representação. Mas se houvéssemos de esperar muito, então devia encarar-se a representação ultramarina, mesmo no estado actual das coisas: uma integração gradual e progressiva será até mais fácil que a criação de órgãos porventura não rechamados pelas necessidades da vida.
Seja como for, a orientação é que se deve prosseguir, completar e aperfeiçoar a organização corporativa.
Aconselham-no os resultados económicos, sociais e políticos que dela têm adrindo, apesar das circunstâncias em que houve de desenvolver-se, e não interpretaremos mal o pensamento do eleitorado, expresso nos resultados das últimas decisões, se o considerarmos um convite aos órgãos da soberania para que dêem, sem precipitação, mas com firmeza, os passos decisivos que importa dar ainda nesse sentido.
Não desejaria terminar as minhas palavras sem me referir às excelentes relações que mantemos com a generalidade dos Estados e que, nos últimos tempos, não têm feito senão desenvolver-se e estreitar-se, através de representação diplomática recíproca, visitas oficiais, congressos e conferências da mias alta importância e de muitas outras demonstrações de convívio e solidariedade internacional. Não me refiro especialmente à Organização das Nações Unidas, porque a eventual admissão nesse organismo transcende o nosso mérito próprio e não é, de facto, um problema para nós, dado que, sem isso, podemos dar a nossa colaboração às numerosas organizações a que pertencemos ou para que somos, a cada passo, solicitados.
Por fim, deixarei aqui o apelo de sempre a todos os portugueses, para que colaborem na obra nacional que o regime empreendeu e vai com felicicdade realizando. Como em idêntica ocasião e deste mesmo lugar disse há anos o venerando Marechal Carmona, «essa obra é de todos, a todas se deve, de todos precisa de ninguém pode prescindir».
Simplesmente, devemos compreender que não há esforços verdadeiramente úteis se não forem coordenados nem ideias ou iniciativas valiosas que possam ser postas em execução fora de uma ordem política estável e na ausência de governos que a experiência própria e alheia cada vez mais claramente indica têm de ser ponderados e fortes.
A assistência aplaudia calorosamente e, de pé, proporcionou o Sr. Presidente da República.
O Sr. Presidente da Assembleia Nacional: - Em nome do Chefe do Estado, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Dinis da Fonseca, para, em nome das duas Câmaras, responder à mensagem presidencial.
O Sr. Dinis da Fonseca: - Confiou-me a Assembleia Nacional o honrosíssimo encargo de apresentar a V. Ex.ª, neste momento histórico, as nossas saudações; e de receber, com agradecida emoção, a esclarecedora e reconfortante mensagem que V. Ex.ª acaba de dirigir-nos.
Não encontra dificuldades o desempenho da primeira parte deste mandato, tão lógica se apresenta ao nosso espírito a homenagem a V. Ex.ª, e tão grata ela é ao nosso coração.
Levou V. Ex.ª para o exercício da alta magistratura que a Nação lhe confiou os méritos pessoais e as virtudes cívicas que esta Assembleia teve ensejo de apreciar durante os anos em que se honrou de contá-lo entre os seus
Página 18
18 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 3
membros mais ilustres; é pois natural que a esses méritos e virtudes se dirijam em primeiro lugar as nossas homenagens.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Levou ainda V. Ex.ª para a suprema magistratura da Nação as suas nobres e austeras virtudes militares, que haviam já resplandecido em larga e brilhante folha de servidos, e são também essas virtudes que as nossas saudações se prezam nesta hora de exaltar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Falando em nome da Assembleia Nacional e da sua representação vitoriosa, a minha voz sente-se engrandecida, como se fosse o eco repercutido de milhares de portugueses de todas as classes, desde os que mourejam em contacto com a terra, ou nos pequenos misteres, até aos que labutam nas fecundas canseiras de espírito, ou nas grandes e proveitosas actividades económicas ou administrativas. E tenho a certeza de interpretar nesta Tribuna o mais profundo sentimento e a consciência nacional de todos os bons portugueses ao saudar em V. Ex.ª, nesta hora, o mais, alto representante das nossas glórias e tradições; o mais lídimo fiador da independência da Pátria; da integridade do seu património material e moral; e da reconquista da sua missão histórica no mundo.
Por todos estes títulos nos sentimos honrados, dirigindo a V. Ex.ª as nossas mais sinceras e patrióticas saudações.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mais difícil se me afigura o desempenho da cordial segunda parte do meu mandato: receber condignamente a notabilíssima mensagem que V. Ex.ª acaba de dirigir-nos.
Principiarei por agradecer as palavras de cumprimento que V. Ex.ª se dignou endereçar-nos e a justiça feita à eficiência deste órgão da soberania e ao valor dos seus trabalhos na sua tríplice função colaboradora, representativa e fiscalizadora. Não podemos já hoje confundir o velho conceito da separação de poderes, de cuja luta se fazia depender a garantia das liberdades públicas, com o nosso conceito de unidade da soberania, servida por órgãos distintos, que, em vez de lutarem entre si, devem antes cooperar para garantir a todos as justas liberdades, dentro da maior grandeza e prosperidade da Nação.
Informada por esta doutrina, a Assembleia Nacional, que V. Ex.ª acaba de abrir, aberta se considera não só à colaboração que lhe for pedida pelo Governo, mas também as iniciativas dos seus pares ou às sugestões, reclamações ou queixas de todos os portugueses cuja representação assumiu; e aberta ainda a fiscalização e defesa, que a Constituição lhe atribui, do mais exacto cumprimento das leis e da mais perfeita gestão da coisa pública.
Ao reaportuguesar as nossas instituições políticas não quisemos afastar-nos da vida da Europa, mas apenas dos seus erros, e a mensagem de V. Ex.ª mostra-nos, com a eloquência das realidades, como desse reaportuguesamento proveio o nosso resgate e ainda o meritório contributo que a nossa vida normalizada, pôde levar aos caminhos por onde as nações têm procurado debalde encontrar a ansiada paz e o indispensável saneamento económico das suas despesas e administrações.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A obra do nosso resgate nacional permite-nos, sobretudo, considera redimidas algumas das maiores tristezas que ensombraram a mocidade da geração a que pertencemos.
Os livros que devorámos na ansiedade patriótica dos vinte anos falavam-nos, com desesperado pessimismo, de um inglório Finis Patria: e temos ainda na memória as afirmações escaldantes de um dos maiores oradores peninsulares, que proclamava, em 1915, o desacerto histórico da nossa independência, cuja soberania se tornava puramente nominal, no aspecto político, e, no económico e financeiro, nos reduzira à condição humilhante da feitoria de império alheia, forcada n hipotecar progressivamente o património colonial, para prolongar uma existência de velhos fidalgos arruinados...
E o grande orador concluía que desta fatalidade histórica só mão estranha nos poderia libertar.
Parecia confirmar este prognóstico sombrio a velha Sociedade das Nações ao julgar-nos, em 1928, atingidos por anemia incurável, a que só uma transfusão de sangue alheio poderia emprestar algum alento de vida.
A mensagem de V. Ex.ª, pondo-nos em face das reconfortadoras realidades já alcançadas, enche-nos de júbilo patriótico e assegura-nos que da face da Nação Portuguesa foram apagadas para sempre as sombras negras de tão fatídicos vaticínios.
A obra da nossa reconstituição nacional abrangeu a metrópole e o ultramar e si viagem por V. Ex.ª prometida aos nossos territórios ultramarino - e que estes ficarão aguardando jubilosamente - e bem o símbolo da união sagrada de todos os povos que já neste momento constituem o verdadeiro Portugal Maior.
Vozes : - Muito bem!
O Orador: - Essa obra de feliz reconstituição nacional veio contradizer com realidades a visão do grande orador peninsular e justificar que a nossa independência não é um desacerto dos homens, mais sim um altíssimo desígnio da Providência.
Só com ela e por ela se tornou possível a sonhada união moral da Península Ibérica; só com ela a mesma Península pôde oportunamente libertar-se da barbárie asiática; só com ela pôde fazer-se a reafirmação da sua missão histórica no mundo de amanhã.
Não voltaremos, é certo, a descobrir as terras banhadas pelo Atlântico, mas não poderá negar-se, que os descobridores e civilizadores peninsulares e seus descendentes pertence a omnipotência geográfica do seu senhorio e que este não contradiz, antes favorece, as grandes linhas da nossa política externa, que a mensagem de V. Ex.ª tão claramente nos definiu; e porque não admitir que ao movimento de solidariedade que aperta nesta hora os laços destes povos atlânticos possa a Providência reservar e glória de descobrir, através dos mares procelosos das revoluções sociais e das correntes contraditórias que agitam e enfraquecem as velhas nações da Europa, as instituições que deverão reger e informar a nova época do Mundo?
Olhando apenas para os títulos que mercê da restauração da nossa vida social e económica, já nos acreditam à face da Terra, podemos afirmar que o ser português é já neste momento salvo-conduto para percorrer todos os países onde reina a liberdade e a civilização e a moeda deste pequeno povo, que, declararam arruinado e perdido, pode apresentar-se em qualquer parte da Europa, como equiparada, ou preferida em todas as liquidações de pagamentos!
Vozes: - Muito bem!
Página 19
30 DE NOVEMBRO DE 1953 19
O Orador: - A patriótica mensagem de V. Ex.ª permite-me ainda afirmar que a abertura, solene desta VI Legislatura marcará na era do resgate, nacional que vai prosseguir a passagem do período de reconstituição para a fase de engrandecimento prevista pelo seu obreiro, S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho, a quem a Assembleia Nacional, com vénia de V. Ex.ª e em nome do povo português, se permite dirigir nesta hora a mais comovida homenagem de inalterável respeito e de infinita gratidão.
Grande e demorada oração ao Sr. Presidente do Conselho.
O Orador: - Desejo por último secundar desta tribuna de V. Ex.ª aos Portugueses a quem a reconfortadora mensagem leva o feliz augúrio de uma época de engrandecimento nacional. Toda a grandeza, como toda a glória verdadeira, supõem um aumento de responsabilidades que o mesmo é dizer exigência de melhor disciplina social e política e de mais consciente virtude moral.
A mesma confiança e persistência nos princípios que nos libertaram da humilhação e da desordem; a mesma aceitarão alegro dos sacrifícios impostos pela salvação comum.
Empenhados como andamos em dotar todos os Portugueses com a arte da leitura, oxalá esta possa servir-lhes não apenas para recordarem nas fontes da história os feitos dos seus maiores, mas ainda para aprenderem mais facilmente as normas que podem e levar-nos a iguais a iguais, senão maiores cometimentos a bem da Nação.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - Que os brasões armoriados que enfeitam ainda tantas das nossas casas senhoriais deixem de assemelhar-se a lousas funerárias e voltem a reflorir em novos gestos de nobreza e de benemerência social.
Que cada lar português se converta de novo em escola de virtudes e de são patriotismo; que a reconstituição e progresso do nosso património material sejam acompanhados de renovação equivalente do nosso património espiritual e moral.
Se assim for, podemos dizer afoitamente que esta soleníssima abertura virá a coincidir na história com a abertura de uma nova época de verdadeiro engrandecimento e de glória nacional.
O Orador foi vibrantemente ovacionado.
Terminado o discurso do Sr. Deputado Dinis da Fonseca, o Sr. Presidente da Assembleia Nacional disse:
Em nome de S. Ex.ª o Presidente da República, declaro inaugurada esta legislatura da Assembleia Nacional. E, ainda em nome de S. Ex.ª declaro encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 54 minutos.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA