O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 91

REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 8

ANO DE 1953 15 DE DEZEMBRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VI LEGISLATURA

SESSÃO N.º 8, EM 14 DE DEZEMBRO

Presidente: Ex.º Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Gastão Carlos de Deus Figueira
Secretários: Ex.mos Srs.
José Guilherme de Melo e Castro

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.

Antes da ordem do dia. - Fui aprovado o Diário das Sessões n.º 7.
O Sr. Presidente comunicou que recebera, para os efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Decretos-Lei n.ºs 39 144. 39145. 39 147e 39 457. Os Deputados Teófilo Duarte e Almeida Garrett falaram sobre a figura e a obra do Presidente Sidónio Pais, a propósito da transferência da sua urna nos Jerónimos.

O Sr. Deputado Pinto Barriga fez uma rectificação ao seu aviso próprio apresentado há dias.

Ordem do dia. - Procedeu-se à eleição da Comissão de Legislação e Redacção.
Prosseguiu a discussão da Lei de Meios.
Usaram da palavra ao Srs. Deputados Alberto de Araújo, Botelho Moniz e Pereira da Conceição.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente : - Vai proceder à chamada.
Eram 15 horas e 45 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida Garrett.
António Bartolomeu Gromicho.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
António Russell de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Artur Proença Duarte.
Baltasar Leite Rebelo de Sousa.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Herculano Amorim Ferreira.
João Alpoim Borges do Cauto.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Sousa Machado.

Página 92

92 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 8

José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento Vasconcelos o Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
Mário de Figueiredo.
Pedro de Chaves Gymbron Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Venâncio Augusto Deslandes.

O Sr. Presidente: - Estio presentes 65 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente : - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 7.
Pausa.

O Sr. Presidente : - Visto nenhum Sr. Deputado ter pedido a palavra, considero aprovado o referido Diário.
Comunico à Assembleia que pela Presidência do Conselho foram enviados à Mesa, para efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os n.os 58 e 59 do Diário do Governo. 1.ª série, de 23 e 24 de Março passado, bem como o n.º 271, l.ª série, de 7 do corrente, que inserem os Decretos-Leis n.os 39 144, 39 140, 39 147 e 39 457.
Pausa.

O Sr. Presidente : - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Teófilo Duarte.
Em face da importância do assunto de que S.Ex.ª se vai ocupar, convido-o a subir à tribuna.

O Sr. Teófilo Duarte : - Sr. Presidente : o Governo, tendo promovido hoje solenemente a trasladação dos restos mortais de Sidónio Pais para junto dos do Presidente Carmona, bem mereceu da Nação, e foi para lhe agradecer tal atitude, e porque já é uma tradição desta Casa que alguém neste dia pronuncie algumas palavras sobre aquela alta figura nacional, que eu subi a esta tribuna.

Vozes : - Muito bem !

O Orador: - E como quase sempre os meus colegas têm tratado mais o aspecto do sugestionar de multidões que foi o malogrado Presidente do que o do político e o do administrador, eu focarei agora principalmente estes dois últimos, que me parece deverem interessar principalmente esta Assembleia, em virtude das suas características.
Quando em 5 de Dezembro de 1917 Sidónio lançou a sua revolução, o Puís, embora indignado contra o espírito demagógico que o escravizava há anos, mas descrente da acção de tanto salvador falhado, certamente deve ter posto a si próprio as seguintes interrogações: não será esta uma saldanhada mais, no género das que o constitucionalismo monárquico e republicano nos proporcionaram, sem qualquer projecção na regeneração nacional? Ou, pelo contrário, será desta vez que surgirá o homem por quem se anseia há tantos anos, o qual nos restitua o sentimento da dignidade e grandeza de outrora, e que há tanto tempo se perdeu ?
Não foram precisas muitas semanas para que as apreensões contidas nas interrogações atrás referidas fossem substituídas por um entusiasmo delirante da massa geral da Nação; e isso provocado pela publicação das primeiras medidas governativas, e principalmente pelos contactos espectaculares e emocionantes do chefe da revolução com as multidões, dominadas pelo seu ar viril, marcial e ao mesmo tempo impregnado de bondade.
O fanático entusiasmo da Nação por Sidónio, que um alto espirito desta terra -o falecido Dr. Cunha e Costa - classificou de maravilhosa hipnose colectiva, tem porventura a sua explicação naquilo que alguém designou pelo messianismo tão característico da raça e que após Alcácer Quibir se sublimou no Sebastianismo, acabando por gerar o símbolo do Encoberto.
Tal messianismo tem necessidade de, nos transes dolorosos por que a Nação passa, encarnar em alguém a figura mística e iluminada do Redentor, que, agindo sobre a alma colectiva do povo, leve este a recobrar energias insuspeitadas, de modo a permitir-lhe um outro período de engrandecimento nacional, igual ao da ora de Quinhentos.
Mas seria um erro supor que o entusiasmo pelo Presidente proviesse apenas da ânsia mística de libertação de todo um povo, da irradiação de simpatia pessoal do chefe, e que para tal em nada contribuísse a publicação de medidas de governo. Seria um contra-senso, que nunca se observou na história dos povos, este da coexistência de dois factos: um prestígio excepcional e uma mediocridade governativa.
O Governo de Sidónio durou apenas um, ano, mas, principalmente para nós, homens do Estado Novo, não pode deixar de representar um milagre de previsão e sabedoria políticas o conjunto de certas medidas por ele promulgadas, representativas da subversão de conceitos então em voga.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-A limitação do tempo de que disponho mal me permite aflorar o problema, mas nas suas linhas gerais poderemos focar a actuação do homem de Estado da seguinte forma: no campo constitucional, Sidónio, através do exame do funcionamento do sistema parlamentar em todo o Mundo, e especialmente em Portugal, chegara à conclusão de que era uma instituição condenada a desaparecer, na sua modalidade então em vigor, e por isso foi ele o primeiro estadista moderno que ao regime da omnipotência parlamentar, impeditiva da estabilidade ministerial, impôs limitações até então inéditas; que substituiu ao recrutamento da Câmara política, feito nessa época entre facções partidárias devidamente organizadas, por um outro realizado em todos os campos, independentemente de filiações, e que, ao lado de tal órgão, criou um outro de carácter corporativo e representativo de interesses económicos, liberais, culturais e morais.

Página 93

15 DE DEZEMBRO DE 1953 93

Assim, os governos no seu tempo deixaram de cair perante votações parlamentares; os Deputados deixaram de estar enfeudados a organizações partidárias, cuja existência se passou a desconhecer oficialmente; os Procuradores das associações de toda a ordem passaram a constituir uma Câmara, ao lado da dos Deputados e com ela ombreando, e finalmente, por cima de todos os órgãos constitucionais referidos -Ministério, Câmaras dos Deputados e dos Procuradores-, passou a pairar um poder presidencial activo, orientador directo de toda a acção governativa, visando à execução de um plano de administração por ele concebido.
A Constituição Política, publicada passados poucos meses após a revolução e na qual colaboraram figuras gradas do integralismo, representou uma subversão tão completa dos conceitos políticos então dominantes que um tratadista francês de direito constitucional, ao comentar anos depois o panorama político da Europa, escrevia textualmente:
Se é certo que os regimes autoritários que hoje mais ferem a nossa atenção são o fascismo e o nazismo, devido à amplitude do ambiente em que são aplicados, é de justiça reconhecer que um pequeno país existe que se antecipou a qualquer outro na aplicação das doutrinas agora em voga. Quero referir-me a Portugal, que sob o Governo do Presidente Pais inaugurou, seis anos antes da posse do Poder pelo fascismo, um regime que politicamente se traduzia num extraordinário robustecimento do Poder Executivo à custa do Legislativo, mercê quer das restrições de competência que a este foram impostas, quer mesmo da sua composição, devido à criação duma Camará Corporativa.
Há que reconhecer, pois, audácia intelectual e espírito de previsão a esta iniciativa, numa época em que toda a Europa sacrificava ao liberalismo, que anos depois foi caindo na Itália, na Alemanha, na Espanha e em Portugal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tais palavras, escritas por um estrangeiro e daquela categoria, são uma grande consolação para aqueles dentre nós que ajudaram Sidónio a ser o que foi e a fazer o que fez. Não há como os estranhos para fazerem justiça a quem a merece!
Depois do que fica exposto, é caso para perguntar: politicamente, a passagem de Sidónio pelo Poder, apesar de fugaz (um escasso ano), não se terá assinalado brilhantemente pela adopção de arrojadas e inteligentes inovações, adoptadas anos depois por três grandes países - Alemanha, Itália o Espanha- e repostas em vigor por nós outros, portugueses, que com elas nos vimos governando - e parece que bem - há vinte e sete anos?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Passando agora do campo da política constitucional para o da política religiosa, que tanta importância assume em países com as características do nosso, verificamos que também Sidónio, naqueles tempos de jacobinismo feroz, encarou com igual audácia e inteligência o problema em toda a sua plenitude de fenómeno histórico e proeminente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A Igreja tivera sempre em Portugal uma existência estreitamente ligada à do Estado, com ele colaborando na fundação da nacionalidade, por meio das suas ordens militares; na colonização interna, por intermédio dos seus conventos; na expansão ultramarina, pelo envio de missionários, e na organização da instrução e beneficência, pela acção do clero - durante séculos o único detentor da cultura.
Absurdo era, pois, o ostracismo a que ela tinha sido condenada em 1910 e o estado de guerra aberta contra uma instituição com raízos seculares na alma nacional, guerra essa que se traduzia em restrições do exercício do culto, em prisões de párocos e fiéis e em desterro de Bispos e do próprio Patriarca.
O povo português - quer o queira quer não meia dúzia de políticos intelectualmente pretensiosos e pedantes - não é livre-pensador, não é protestante, não é judeu, mas sim católico de raiz.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sidónio, em presença de tão profunda realidade, envereda - ele, o agnóstico, o que dá maior valor à sua atitude- pelo caminho da reconciliação.
Abre negociações com a Santa Sé, que estabelece a sua representação diplomática na capital da Nação; modifica profundamente a Lei da Separação, cuja intangibilidade os cânones sectários apontavam como fazendo parte da própria essência do regime; reconhece a hierarquia eclesiástica, cujos altos dignitários passam a gozar da consideração devida a Príncipes de uma Igreja soberana no campo espiritual, o, a coroar toda esta orientação, reivindica e obtém o secular privilégio concedido aos nossos monarcas, que durante séculos usaram o título de reis fidelíssimos: o da imposição do barrete cardinalício.
Eram tão extraordinárias a audácia intelectual do universitário e o poder de realização do soldado, conjugados ambos em Sidónio numa simbiose perfeita, que num breve espaço de quatro meses, após a revolução, se tinham concretizado no Diário do Governo e efectivado na prática as grandes linhas duma nova e audaciosa política, que se poderia resumir no seguinte: libertação das inteligências e das almas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O sidonismo caiu, sim, mas o representante de Roma continuou sempre em Portugal: a Igreja nunca mais sofreu as perseguições anteriores, e a nova política religiosa perdurou até hoje. Grande e decisiva foi, pois, também a viragem que em tal capítulo da história do regime ele promoveu!
Vejamos agora a actuação de Sidónio no campo da economia, sector esse em que os frutos de uma obra, por mais inteligente que seja, só se colhem, em geral, anos decorridos depois de ela adoptada.
Um país como o nosso tem sido, e possivelmente não poderá deixar de o ser, caracterizado pela actividade agrícola Portugal, no século de Quinhentos, ensaiou em largas proporções uma política de actividade comercial que pretendia fazer de Lisboa uma segunda Veneza, isto é, um centro comercial mundial.
O fracasso financeiro de tal política foi estrondoso, e o deslumbramento dos tempos faustosos de D. Manuel e de D. João ET foi tão fugaz que, no dizer incisivo de Lúcio de Azevedo, o Estado Português, assediado por mil dificuldades financeiras, não hesitou, em 1060, em defraudar ostensivamente os seus credores.
É que o Português, se tem aptidões excepcionais para soldado, agricultor e colonizador, falha como mercador.
A terra é que lhe mereceu sempre o maior carinho, e por isso tudo quanto contribua para a valorizar tem o condão de o sensibilizar. Sidónio, com o excepcional dom de percepção que possuía, tem a consciência do valor transcendente do problema, e por isso fixa a sua poderosa inteligência de matemático realista sobre o

Página 94

94 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 8

momentoso fenómeno da produção, na sua modalidade mais importante: a agrícola.
Aos espíritos torturados pela intolerância dera ele a liberdade política e religiosa; aos corpos anemiados pela fome quer dar o pão. «O problema da terra -diz ele-, eis o facto capital da economia portuguesa». For isso tenta revolucionar os processos culturais, animando a utilização da cultura mecânica, das adubações, fundando escolas agrícolas, criando celeiros municipais e impulsionando o desenvolvimento dos sindicatos agrícolas e das caixas de crédito mútuo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A medida, porém, mais importante é a reforma da Caixa Geral de Depósitos, que faz com que esta alargue extraordinariamente as suas operações, principalmente pela distribuição do crédito ao lavrador.
Quem compara o movimento de negócios da antiga Caixa, sem grande projecção na vida económica nacional, com o posterior à reforma, que fez dela um dos primeiros estabelecimentos de crédito de hoje, não poderá deixar de concordar com o que atrás ficou dito.
Apenas a título de exemplo, diremos que o valor dos empréstimos em conta corrente aumentou de um para o outro ano nada menos do que dezassete vezes e que a produção do trigo, que até então se mantivera estacionária em volta de 230 milhões de litros, foi aumentando constantemente, atingindo logo nos três anos seguintes a média de 320 milhões, ou seja mais 40 por cento.
O impulsionador de todas estas medidas é o Ministério da Agricultura, criação de Sidónio, que assim satisfez uma velha e nunca até então realizada aspiração da lavoura. A largueza de vistas que presidiu à sua organização foi bem focada por uma das maiores autoridades no campo agrário -o conde de Nova Goa-, que escreveu:
A organização do Ministério da Agricultura está em globo cientificamente perfeita. Está realizada a maior aspiração da lavoura e executado o primeiro grande acto inicial de política agrária que há-de salvar económicamente o País.
Por outro lado, o reconhecimento, sob o ponto de vista hidráulico, do Douro, Cávado e Tejo que se mandou fazer e as vantagens de toda a ordem dadas à instalação de indústrias, em que se destacava a da cortiça, e à exportação de vinhos, madeiras, etc., tudo isso contribuiu para que os elementos mais representativos das actividades económicas cerrassem fileiras em torno de Sidónio, por elas considerado uma sólida garantia da ordem e do incremento da riqueza nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não se ergueram barragens, não se estenderam caminhos de ferro, não se intensificaram cultoras? De certo; mas, como não estou falando para primários, dispenso-me de desenvolver as razões de tal, decorrentes destes dois simples factos: de a situação sidonista ter durado apenas doze mezes e da natureza de tais trabalhos, que requerem anos para serem projectados e realizados.
Mas continuemos. No campo social o Governo inicia a construção de bairros operários e concede toda a espécie de regalias às cooperativas de construção; dá um desenvolvimento tal às célebres sopas económicas que isso cria no Presidente uma auréola de anjo da caridade, e, finalmente, leva a Caixa Geral de Depósitos a iniciar a política do crédito popular, mediante penhores.
Daqui resultou que, quatro anos depois de criado este último serviço - que não dava qualquer lucro ao Estado -, o número de empréstimos feitos às classes mais necessitadas fosse de 344 000.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na orientação das nossas relações internacionais, ele tem a presciência do papel dominante que viria a caber à América no futuro, e por isso a sua política de aproximação com esse país revestiu um sentido tal que Thomas Birch - o seu representante em Lisboa - abandonando todo o formalismo a que o obrigava a sua posição oficial e relembrando tantas conversações havidas, teve a seguinte exclamação perante o seu cadáver : «Era um homem grande de mais para um País tão pequeno!».

Nisto, como em tantos outros aspectos, Sidónio era o homem que via sempre ao longe.
A apreciação da sua política financeira levar-me-ia muito tempo. Limitar-me-ei, pois, a dizer que, se a presença de 30 000 combatentes em França e a de outros tantos em África nos obrigava a despesas enormes, que impediam a realização do equilíbrio orçamental, também é certo que a tributação feita dos lucros de guerra, a cobrança de direitos em ouro, a reforma do contrato com o Banco de Portugal e outras medidas deste género marcaram uma orientação que a presente época em que vivemos mostrou ser a mais conveniente.
Não me alongo no exame de outros aspectos da administração -que detalhei em livro há anos publicado sobre o assunto- para não abusar da vossa atenção.
Não quero, porém, deixar de acrescentar que a inteligência fulgurante do lente coimbrão e o instinto apurado do político superior que ora Sidónio se casavam admiravelmente e o levavam a proceder de forma que as repercussões longínquas de certos dos seus actos, aparentemente sem grande alcance, eram de natureza transcendente, embora passassem despercebidas na época em que eles se produziam.
Vem isto a propósito do seu interesse profundo, digamos mesmo da sua teimosia, em querer que os cadetes da Escola do Exército comparticipassem na revolução.
Deste facto, aparentemente banal, resultou que essas centenas de futuros oficiais do Exército ficaram de tal maneira ligados à sua ideologia política, que foi deles que saíram anos depois os elementos mais activos que fizeram o 28 de Maio e os que há vinte e seis anos se destacam mais ardentemente na defesa desta nossa situação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quem me havia de dizer a mim e àqueles de nós outros que acompanharam Sidónio àquela Escola, a fim de revoltar uma mocidade bravia, que preparávamos o instrumento, não só da derrota momentânea do partido democrático naquele ano de 1917, mas também da sua liquidação total no de 1926.
Aos actuais alunos daquela Escola coube hoje a distinção de fazerem a guarda de honra ao cadáver de Sidónio. Oxalá eles não esqueçam nunca o significado do facto e sejam pela vida fora os continuadores da defesa intransigente dos princípios por que se bateram os seus antigos colegas - os célebres cadetes de Sidónio.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Um outro facto ainda, do mesmo género. É curioso anotar como naquele único ano tudo se preparou, quase sem se dar por isso e por simples intuição, para se evitarem as catastróficas consequências inerentes ao desaparecimento do homem que corporizava a situação, consequências essas que são sempre o

Página 95

15 DE DEZEMBRO DE 1953 95

grande escolho dos regimes políticos da natureza daquele em que estamos vivendo presentemente.
Morto Sidónio, o espirito público e a organização militar, criada um pouco automaticamente e sem quaisquer ideias reservadas, naturalmente e sem esforço, manifestaram-se no sentido que se lhes afigurava mais próprio para evitarem o regresso da demagogia. E foi precisa a inabilidade dos chefes políticos e militares dos revolucionários monárquicos de Monsanto e do Norte para que fracassasse uma tentativa armada baseada em meios tão vastos, como há muitas dezenas de anos não se tinham visto em Portugal. Aquele ano de cesarismo só por acaso deu origem ao regresso da demagogia!
Enfim, sintetizemos e concluamos:
No campo constitucional, Sidónio, primeiro que ninguém, lançou e realizou a ideia do Estado antiliberal e corporativo, ideia que foi adoptada posteriormente por outros países e reposta em vigor, anos depois, em Portugal.
No campo religioso, a sua política de entendimento com Roma foi inclusivamente respeitada pelos seus inimigos após a sua morto e ampliada anos depois pela situação criada pelo 28 de Maio.
No campo económico, financeiro e social, os escassos doze meses que governou não lhe permitiram projectar e realizar toda uma série de obras que constituem o orgulho daqueles que há vinte e sete anos vem assistindo a tantas e tão valiosas iniciativas; mas certas das medidas tomadas então nesse campo, como o alargamento do crédito à economia agrícola e às classes mais necessitadas, frutificaram largamente logo a seguir.
No campo propriamente administrativo são numerosas as medidas iniciadas que têm hoje um desenvolvimento que é a melhor prova da inteligência e sabedoria com quo foram concebidas e postas em prática.
Enfim, da comparação do que se pensou e executou naquele ano de 1917 e do que se vem fazendo neste quarto de século ressalta a conclusão de que nós, os velhos sidonistas, temos razão para estar contentes com a justeza dos pontos de vista que há trinta anos nortearam a nossa actuação política. E tudo quanto fica exposto, e visando os diversos aspectos da administração, foi executado num período catastrófico, em que o Pais suportava o fardo esmagador da guerra em França e em África, o das privações alimentares delas resultantes, o duma epidemia devastadora, como há muito não havia memória, e o das conspirações diárias, que obrigavam Sidónio -como ele dizia- a dormir com a espada sob o travesseiro.
Tantas calamidades ocorridas, e em tão poucos meses -a fome. a peste e a guerra, os velhos flagelos bíblicos-, longe de diminuírem o prestigio de Sidónio, antes o aumentavam, em virtude da natureza das suas resoluções. Por isso o Pais revia-se com orgulho no seu chefe, possuidor de atributos excepcionais e ao qual abrira um ilimitado crédito do confiança.
O talento político de um autêntico estadista, a bravura indómita do soldado e a bondade do homem, que, incógnito, visitava de noite os tugúrios dos pobres, tudo isso se reunia no Presidente, numa síntese maravilhosa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Ele possuía, como poucos, a difícil arte de saber agradar. Tão sedutor era no grande mundo como na rua, e ele tinha aquela verdadeira grandeza a que se refere La Bruyère: livre, doce, familiar, popular, que nada perde em ser vista de perto, pois quanto mais se conhece mais se admira.
Quando existe nos príncipes - diz o autor de Des Caractères -, ela faz com que eles nos pareçam grandes, sem nos fazerem sentir que somos pequenos.

É a tudo isso que temos de ir buscar a explicação do acontecimento emocionante que representou o enterro de Sidónio, acompanhado a Belém pelas maiores grandezas o pelas maiores misérias : por velhos diplomatas vestidos de fardas douradas e por crianças envoltas em farrapos.
A descrição do tal enterro, feita pela pena de um dos seus piores inimigos, mas dos mais inteligentes, merece ser transcrita, para que se não diga que exageramos :

À sua morte, uma loucura se apodera de quase toda a gente, em especial das mulheres, raro sendo o marido a quem elas não pretendam convencer da beleza do herói. Velhas o moças cobrem-se de crepes, e lá vão em procissão pelas ruas fora, visitar o catafalco, onde entre flores odoríferas repousa o cadáver do que em vida fora o seu sonho. Algumas, em presença do cadáver, são sacudidas por contorções epiléticas e outras ululam a sua dor. Breve se esgotam coroas, fitas, crepes, ramos e mais artigos que glorificam os mortos, e nós, os seus inimigos. ao ouvirmos troar o canhão de meia em meia hora. perguntamos u nós próprios, em presença da demência nacional: terá morrido um semideus?

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador fui muito cumprimentado.

O Sr. Presidente : - Vou dar a palavra ao Sr. Deputado Almeida Garrett. Pergunto a S. Ex.ª se o assunto de que vai ocupar-se é o mesmo de que tratou o Sr. Deputado Teófilo Duarte.

O Sr. Almeida Garrett: - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então convido V. Ex.ª a falar da tribuna.

O Sr. Almeida Garrett: - Sr. Presidente: antes de mais, apresento a V. Ex.ª os meus respeitosos cumprimentos e faço-o, não somente por obrigação protocolar, mas para testemunhar a V. Ex.ª a admiração que tenho pelas altas qualidades que o exumam, constante e inalteràvelmente postas ao serviço do Estado Novo, que o mesmo é dizer ao serviço da Nação.

Vozes : - Muito bem !

O Orador: - Aos meus colegas da Assembleia dirijo cordiais saudações, afirmando-lhes que podem estar certos de que encontrarão em mim um camarada leal, respeitador de todas as opiniões e devotado, como todos, à defesa do bem comum, para honrar o mandato que a Nação nos conferiu.
Pedi a palavra para, também como velho sidonista, exprimir emocionada satisfação e entusiástico louvor pela comovedora cerimónia que esta manhã se realizou nos Jerónimos.
Ela fez-me acudir à memória um tumultuar de recordações da quadra histórica em que se moveu a figura de Sidónio Pais, do amigo desaparecido e do patriota sacrificado.
Poucos somos já os que n viveram intensamente. Nesta Câmara creio haver só cinco. Estão aqui Carlos Borges, Proença Duarte e Botelho Moniz, meus ilustres colegas no Parlamento de 1018, e Teótilo Duarte, fidelíssimo companheiro do glorioso Presidente, cujas inteligentes e sentidas palavras acabamos de ouvir.

Vozes : - Muito bem !

Página 96

96 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 8

O Orador:-Todos sabem que os actos dos homens só podem julgar-se com equidade enquadrando-os no ambiente da época em que agiram. Trinta e tantos anos são passados, o que parece pouco para uma perspectiva justa. Mas foram tantas as modificações que o Mundo sofreu, em todos os sentidos, de então para cá, que já ó licita uma apreciação imparcial. E creio gerem os que viveram e lutaram nessa agitada época os que melhor a podem fazer, e por isso espero me serão perdoadas algumas referências pessoais, que, embora Intimamente as deteste, sou levado a evocar, como depoimento de testemunha presencial.
A revolução de 5 de Dezembro teve uma raiz profunda na atmosfera de repúdio, pela grande maioria dos portugueses, do jacobinismo demagógico que ofendia os seus mais caros sentimentos cívicos o religiosos, e foi auxiliada pela discordância com a contribuição de sangue na primeira guerra mundial, dolorosa contribuição desnecessária para enfileirarmos com a aliada Inglaterra e garantir a integridade dos territórios ultramarinos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Aqui, nesta Casa, em 1916 e 1917, esse estado de espírito era representado pelo partido unionista e pelo reduzido número dos independentes e dos representantes do Centro Católico. Sentava-mo ali, na extrema direita, como Deputado unionista, e lembro-me de que uma tarde, perante a insolente intolerância da maioria, abandonámos a sessão o fomos para o centro do partido, todos os da oposição, discutir o caminho a seguir. Lá um forte núcleo entendeu que a única solução era a revolta armada.
Então, Sidónio. no edifício do centro, que assiduamente frequentava, começou a alistar os cadetes e a preparar a revolução, com aquela serena coragem o aliciante inteligência que eram fortes qualidades nesse homem, aparentemente tímido.
Cheguei a Lisboa no primeiro dia da luta, quando já troavam os canhões. Manhã cedo, no dia da vitória - belo dia de sol vivo, como que a dourar o esforço dos heróis-, dirigi-me à Rotunda, e no alto da Avenida cruzei-me com os bravos rapazes da Escola de Guerra, que em impecável formação a desciam, em direcção ao Terreiro do Paço. O Exército, mais uma vez, foi o intérprete da consciência nacional.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:-Lá estava Sidónio, embrulhado no seu capote de militar, com uma barba de três dias sem descanso. Por ordem dele fui, com um alferes e quatro praças, tomar conta da Imprensa Nacional.
Depois segui atentamente a obra de Sidónio. ficando com aqueles que se desligaram de um partido que não soube compreender a funda mutação que se estava operando.
Decorreu o Governo de Sidónio Pais entre mil dificuldades, com o Puis agitado por baixas paixões, assaltado por epidemias, empobrecido na sua economia, entre episódios vários, uns felizes, outros infelizes. Deixando do lado aspectos notáveis de sábia administração, há pouco referidos, quero destacar, como da maior transcendência, o firme propósito de conciliar a grande maioria dos portugueses, respeitando as suas crenças o juntando ao serviço da Pátria monárquicos e republicanos, conservadores e renovadores; foi assim o precursor da União Nacional.
E interessando na vida pública entidades representativas das forças vivas e formulando a necessidade da autoridade do Executivo, foi o precursor do Estado Novo.
A vida politica de Sidónio Pais assume assim para nós todos um altíssimo significado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-A homenagem que à sua memória inesquecível acaba de prestar o Governo de Salazar é. pois, inteiramente justa. É mais uma prova da grandeza de carácter do homem extraordinário quo cristalizou de felicíssima maneira aquelas aspirações, dando ao Pais uma orgânica constitucional que garante o progressivo engrandecimento da Nação, forjando a época de renovação em que temos a ventura do viver.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Descansam lá em baixo, no Capitulo dos Jerónimos, entre os dos maiores portugueses, os restos corpóreos de Sidónio Pais. Junto de Deus, infinitamente misericordioso, repousa por certo a sua alma, pelo muito que amou a nossa gente. O seu espirito, porém, esse continua vivo, assistindo à floração das sementes quo lançou à terra, à terra duma pátria que estremecia, pela qual intemeratamente lutou u por ela veio a morrer.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidenta: pedi a palavra para fazer uma rectificação ao aviso prévio que anunciei há poucos dias.
Efectivamente, na discussão da generalidade da Lei de Meios, os assuntos que formaram objecto do n.º 3 e da subalínea a) da alínea A) do n.º 4 do meu aviso prévio apresentado na sessão de 9 do corrente, respeitantes a vencimentos do funcionalismo e abono de família, foram admiravelmente focados, entre outros, pelos nossos ilustres colegas Mons. Santos Carreto e Dr. Bartolomeu Gromicho, e por isso mesmo, tomo a liberdade, como homenagem, de retirar lesse aviso os referidos número e subalínea, o que anuncio para os devidos efeitos regimentais. É óbvio que me reservo o direito de comparticipar na discussão na especialidade relativamente aos artigos 10.º e 17.º com eles relacionados.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Começaremos pela eleição da Comissão de Legislação e Redacção, conforme tinha sido anunciado. Vai proceder-se à chamada.
Fez-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Convido para escrutinadores os Sr s. Deputados Camilo Mendonça e Baltasar Rebelo de Sousa.
Vai proceder-se ao escrutínio.

Procedeu-se ao escrutínio.

O Sr. Presidente: - Entraram na urna 72 listas com os seguintes nomes, todos com aquele mesmo número de votos: António Abrantes Tavares, João Luís Augusto das Neves, João Mondes da Costa Amaral, Joaquim Dinis da Fonseca, José Gualberto do Sá Carneiro, José Guilherme de Melo e Castro, Luís Maria Lopes da Fonseca, Manuel Lopes de Almeida e Mário de Figueiredo.

Página 97

15 DE DEZEMBRO DE 1953 97

Em virtude do resultado do escrutínio, declaro eleitos para a Comissão de Legislação e Redacção os Srs. Deputados cujos nomes acabo de anunciar.
Vai passar-se à segunda parte da ordem do dia. Continua em discussão na generalidade a Lei de Meios.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto de Araújo.

O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: sendo a primeira vez que falo, na presente legislatura, nesta Câmara, dirijo a V. Ex." os meus cumprimentos, congratulando-me muito sinceramente em ver V. Ex.ª de novo, e com inteira justiça, reconduzido no exercício de nina função que tanto têm prestigiado pelo aprumo da sua conduta e pelos altos primores do seu belo espírito.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Sr. Presidente: está em discussão e sujeita à apreciação da Assembleia Nacional, nos termos constitucionais, a Lei de Meios para 1954.
Como nos anos anteriores, a sua remessa à Câmara foi acompanhada de numerosos elementos e informações que traduzem da parte do Sr. Ministro das Finanças o louvável propósito de elucidar a Assembleia Nacional relativamente a alguns dos mais importantes aspectos da administração pública. Creio que é nosso dever registar e agradecer a atitude daquele membro do Governo, que, na verdade, só traduz apreço pela Assembleia e desejo sincero que esta suja amplamente esclarecida sobre o diploma fundamental da vida financeira da Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Acompanha-a, também um parecer da Câmara Corporativa, do qual foi relator o Sr. Dr. Fernando Emídio da Silva, a quem mais uma vez deste lugar presto as minhas homenagens pelo alto nível do seu estudo e pula competência técnica e especializada que revela da parte de quem tem sido, cá dentro e lá fora, um dos mais autorizados e incansáveis divulgadores da obra de ressurgimento financeiro empreendida em Portugal nos últimos vinte e cinco anos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Com a Lei de Meios para 1954 foi remetida a esta Câmara um doe um eu to de alto interesse: «Subsídios para a organizarão do balanço do Estado».
Vem expressa de longa data, nos relatórios e nos regulamentos da Fazenda, a necessidade de um balanço do Estado. Reatando uma tradição que tinha mais de meio século, o Sr. Dr. Oliveira Salazar, ao lançar as bases do saneamento financeiro português, logo anotou a falia de um balanço, e em diversos relatórios de decretos ou da Couta Geral do Estado pôs o problema, com a nitidez e a determinação que são as marcas dominantes do seu carácter e da sua própria obra.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não eram, porém, pequenas as dificuldades a fazer face, e no relatório que precedia a Couta Geral do Estado relativa ao ano económico de 1U38 o então Ministro das Finanças acentuava a importância de uma conta do património, absolutamente necessária para se ajuizar da situação financeira e sobretudo do significado da dívida pública. Reconhecia, porém, a dificuldade de montar uma conta do património, devidamente organizada, e actualizada, quando nos falta a tradição de inventários fiéis com exacta descrição e correcta avaliação dos bens. E porque, quanto a algumas espécies do património do Estado, se não chegará nunca senão a aproximações grosseiras, emitia opinião de que se devia andar para diante nesta matéria, partindo-se de certa base, dado que as diferenças anuais do património têm maior interesse do que o valor atribuído ao seu conjunto.
Reatando a doutrina do Decreto n.º 27 223, de 21 de Novembro de 1936, a Lei de Meios para 1952 determinou que a partir desse ano a Conta Geral seria precedida de um balanço pelo qual se pudesse ter conhecimento das mais valias patrimoniais do Estado, resultantes da execução do respectivo orçamento.
É em obediência a este preceito, certamente, que entre os elementos enviados à Câmara pelo Sr. Ministro das Finanças figuram, com a 'Conta Geral do Estado pura 1952, os subsídios para a organização do balanço do listado.
A sua apreciação será feita certamente mais tarde, com a discussão da Conta Geral do Estado para, 1952. Mas não queremos deixar, desde já, de felicitar o Sr. Ministro das Finanças e a Direcção-Geral da Contabilidade Pública pelo valioso estudo remetido a esta Câmara. Não só trata ainda de um balanço, mas apenas de subsídios para a sua organização, ou seja uma enunciação geral de princípios o regras, o campo de acção a desbravar, as directivas a seguir para que possa atingir um dos mais importantes objectivos da nossa administração financeira.
Apoiados.
Verificando-se os serviras que o balanço abrange, os Itens que compreende, os valores que inventaria, pode verificar-se a grandeza e a extensão da obra a realizar. Exige competência, tenacidade e dedicação. E se essas qualidades as possui em alto grau o funcionalismo superior do Ministério das Finanças, afigura-se que o pessoal é reduzido para empreendimento tão vasto. Com o nosso melhor aplauso, não queremos deixar de fazer este reparo nu discussão da Lei do Meios e quando precisamente o Governo elabora o orçamento para o próximo ano económico.
Sr. Presidente: a Lei de Meios tem sempre um conteúdo principal: legitimar constitucionalmente a cobrança das receitas e o pagamento das despesas públicas.
Mas a par dos seus artigos essenciais insere, em regra, outros que traduzem e enunciam propósitos da Administração, linhas gerais da política financeira, bases de reforma e, frequentemente, até simples matéria dispositiva. Parece-nos que tudo o que é de pormenor e respeita à vida administrativa comezinha, assim como tudo o que é já norma legal ou consagrado na prática, não deve ter lugar na Lei de Meios, e antes deve ser relegado para outros diplomas, se for caso disso.
Mas nada impede que na Lei de Meios se exprimam alguns dos grandes objectivos da Administração com reflexo nas Finanças, na Economia, na Justiça. Renova-se, assim, a actualidade do diploma que anualmente vista assegurar ao Estudo os meios necessários ao dasempenho das suas funções, cada vez mais complexas e transcendentes. E dá-se simultânea mente maior interesse e maior projecção ao funcionamento e à vida da Câmara política, à qual cumpre interpretar os anseios e as aspirações da Nação e em nome dela pronunciar-se sobre os planos e objectivos do Governo.
É também matéria discutível se a Lei de Meios não devia vir acompanhada das grandes rubricas do orçamento e das verbas que lhe são afectas.
Não nos parece que haja necessidade disso. Em regra o Ministro das Finanças envia à Assembleia Nacional nota das despesas extraordinárias, e estas constituem a informação principal sobre os novos planos de actividade governativa.

Página 98

98 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 8

No presente momento as grandes despesas extraordinárias provêm de encargos militares e da execução do Plano de Fomento. Quanto às .primeiras, pela transcendência do seu objectivo e compromissos internacionais a que se encontram ligadas, estão acima e fora fie qualquer discussão. Quanto ao Plano de Fomento, o Governo deu-o a conhecer a esta Câmara, que o discutiu e aprovou. Envolve o Plano a realização de um determinado conjunto de obras, a realizar num certo número de anos, e de custos previamente calculados. A Assembleia, pronunciando-se, como se pronunciou, sobre o Plano de Fomento em si e sobre as possibilidades do seu financiamento, cumpriu a sua função constitucional. Tudo quanto se refere agora ao escalonamento e à ordem das obras a levar a cabo, aos projectos a elaborar, à definição dos respectivos regimes jurídicos, tudo isso é pura competência da Administração.
Quanto às despesas ordinárias, os orçamentos do Estado são bastante uniformes. Mas a Assembleia Nacional tem maneira de as conhecer e verificar ao discutir a Conta Geral do Estado e de fazer através da sua discussão iodas as sugestões e críticas que cabem no âmbito da sua função fiscalizadora.
Isto para concluir que nos parece certa a estrutura da Lei de Meios, deixando à Assembleia Nacional a apreciação das grandes linhas da administração financeira e ao Governo a função de cobrar, gerir e aplicar os dinheiro públicos, na efectivação de uma autorização genérica, mas confiante, que constitucionalmente lhe é dada pela Câmara.
Sr. Presidente: a Lei ide Meios em discussão oferece certas particularidades relativamente à Lei de Meios anterior, ou seja a Lei n.º 2 059, de 29 de Dezembro de 1952.
Quero referir algumas das principais.
Desaparece da lei actual a disposição em vigor que, de uma maneira geral, só permitia o preenchimento de vagas que fossem ocorrendo no funcionalismo civil com a autorização prévia do Sr. Ministro das Finanças.
Pressões momentâneas de tesouraria, um falso alarme, como se diz no parecer da Câmara Corporativa, levaram o Governo a adoptar em 1952 e 1903 determinadas providências de austeridade financeira, denunciadoras, apenas, do espírito de cautela e previdência que informa a Administração. E, embora não seja outra a orientação que há vinte e cinco anos domina a gestão financeira do País, mal se compreendia entretanto a restrição que vimos de referir.
O funcionalismo tem quadros próprios, aprovados por lei o baseados nas necessidades dos serviços. Não se admite facilmente que deixem de preencher-se as vagas que forem ocorrendo, sob pena de se prejudicar o seu bom funcionamento e a sua própria, eficiência.
Por outro lado a rede de serviços públicos é hoje complexa, interessa um número vasto de actividades, vai às anais recônditas regiões do País. Com que base e em que critério poderia o Ministro das Finanças, na generalidade dos casos, deferir ou indeferir o preenchimento de uma vaga? A política de austeridade, neste capítulo, tinha, sob certo aspecto, de ceder a uma política de arbítrio. E se a primeira está já na nossa tradição, a segunda está fora dos nossos hábitos.

Louvores merece, pois, o Sr. Ministro das Finanças pela supressão da citada disposição da Lei de Meios em vigor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É também matéria nova na Lei de Meios em discussão a que prevê a codificação e revisão das disposições em vigor quanto ao abono de família.

A codificação justifica-se pela multiplicidade de diplomas, circulares e despachos que regulam a concessão do abono de família ao funcionalismo público. A revisão tem seu fundamento na necessidade de se imprimir uma maior justiça na distribuição daquele beneficio.
A codificação e a revisão das disposições em vigor não implicam, necessàriamente, a atribuição de maiores verbas para o abono de família, mas é possível que o Governo aproveite esta oportunidade não só para codificar e rever, mas também para melhorar o abono em si.
O problema que se pode pôr é saber se, através do abono de .família, se dá satisfação ao desejo geral do funcionalismo público de ver melhorada a sua situação material. Francamente parece-nos que não e que o funcionalismo desejará uma melhoria genérica, por funções e categorias, de preferência a um beneficio concedido em razão dos seus encargos familiares.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Disposição nova 7.º artigo da Lei de Meios, segundo o qual o Governo procederá durante o ano de 1954 à revisão da parte do regime legal hidroagrícola respeitante ao reembolso do custo das obras já concluídas e às despesas da sua exploração e conservação, em ordem a ajustar, tanto quanto possível, a distribuição equitativa dos respectivos encargos com o valor do benefício efectivo de cada proprietário.
Pelo § único do mesmo artigo, enquanto esta revisão não estiver concluída, poderá o Ministro das Finanças suspender a cobrança da taxa de rega e beneficiação, bem como a da contribuirão predial liquidada sobre o excesso do rendimento colectável, apurado com base 110 cadastro da área beneficiada, uma vez que tal medida se mostre devidamente justificada.
Esta disposição vem ao encontro de legítimas aspirações da lavoura, que já por mais de uma vez tiveram eco na Assembleia Nacional. Não se podem negar os enormes benefícios que a hidráulica trouxe à economia do País e ao fomento da sua produção. Todavia muitos dos proprietários das terras beneficiadas queixam-se do volume dos encargos que lhes trouxe o sistema de regadio e do elevado montante das taxas que tom anualmente de pagar.
O parecer da Câmara Corporativa alude à diferença de situação em que se encontram os terrenos que sempre foram de regadio e que podem beneficiar imediatamente dos aproveitamentos hidráulicos e os terrenos anteriormente de sequeiro e cuja adaptação ao regadio demora forçosamente muito tempo.
É certamente para dar satisfação a estas o outras reclamações - na medida do justo e do razoável - que a Lei de Meios prevê uma revisão geral do sistema em vigor. Só pode o Sr. Ministro das Finanças merecer aplausos o encómios pela sua iniciativa.
Apoiados.
A região pela qual fui eleito Deputado a esta Assembleia - o arquipélago da Madeira - é das regiões do País mais beneficiadas pelas obras de hidráulica agrícola. Pela sua concepção técnica, pelas verbas gastas na sua execução, pelos benefícios que dela derivam, tanto no ponto de vista do fomento agrícola como no da produção de energia eléctrica, o que se fez na Madeira nos últimos anos, em matéria de hidráulica, representa uma das maiores realizações de todos os tempos da administração pública naquele arquipélago.
A inauguração das duas mais importantes fases dos melhoramentos presidiu o ano passado o Sr. Ministro das Obras Públicas, que, com o maior interesse e carinho, tem seguido a execução deste empreendimento e no corrente ano o Sr. Ministro do Interior, que não

Página 99

15 de DEZEMBRO DE 1953 99

escondeu o seu encantamento e admiração pelo arrojo e grandeza da obra realizada.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Estão já a ser beneficiadas pelas obras de hidráulica as regiões mais ricas e produtivas do sul da ilha. Em funcionamento as duas centrais da Serra de Agua e da Calheta.
Mas anunciando o Governo na Lei de Meios o propósito de rever o regime legal hidroagrícola respeitante ao reembolso do custo das obras já concluídas e às despesas da sua explorarão e conservação, desejo, como Deputado pela Madeira e na interpretação dos justos anseios da sua população agrícola, exprime o voto de que revisão se estenda àquele arquipélago, onde se põem precisamente, nesta matéria, os mesmos problemas que se levantam no continente.
Apoiados
Pelo Decreto n.º 33 158, de 21 de Outubro de 1943, o Estado e a Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal serão reembolsados das despesas efectuadas com as obras hidroagrícolas por meio de uma taxa de beneficiação e rega. de acordo com o disposto no base VI da Lei n.º 1 949 de 15 de Fevereiro de 1937.
O Decreto n.º 33 159, da mesma data, preceitua no seu artigo 5.º que a taxa de beneficiação e rega, destinada ao reembolso das despesas efectuadas com as obras hidroagrícolas. consistirá numa anuidade fixa por hectare, calculada a uma taxa de juro não superior a 3 por cento e variável conforme as possibilidades agrícolas económicas das terras, na base do reembolso em cinquenta anos.
Quanto às despesas de explorarão e conservação de cada aproveitamento hidroagrícola, serão custeadas pelos beneficiários com o produto de uma taxa anual denominada de exploração e conservação, fixada superiormente, em função das obras de reparação e conservação a executar ou a prever.

A efectivação dos novos aproveitamentos hidráulicos, as normas que devem regular as futuras associações de regantes, o regime a estabelecer quanto às águas particulares incorporadas nos novos aproveitamentos, tudo isso deu lugar a um certo número de problemas jurídicos que o Governo procurou resolver através do Decreto n.º 36 136, de 5 de Fevereiro de 1947e em cuja preparação interveio um dos mais brilhantes civilistas do nosso país - o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Sr. Doutor Pires de Lima - cuja doutrina e cujo espírito são o do manifesto respeito pula propriedade, e pelos direitos legitimamente adquiridos anteriormente.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Compreende-se numa obra de vulto a difícil tarefa do legislador. E compreende-se também que, apesar de toda a boa vontade de quem tem de executar a lei, são inevitáveis as reclamações, e mesmo as injustiças. Mas ha que atender umas e outras.
Nos aproveitamentos hidráulicos da Madeira surgem reclamações, por parte de antigos proprietários que se julgam lesados na água das novas levadas que lhe é atribuída em equivalência da água que anteriormente possuíam e no montante das taxas que, em consequência, têm de pagar.
O Decreto n.º 36 136 determinava que o caudal das águas já existentes nas regiões beneficiadas seria calculado segundo os critérios adoptados para a fixação do caudal dos novos aproveitamentos- e é à volta desta equivalência que surgem reclamações.
Pelo Decreto n.º 38 722 de 14 de Abril de 1952, a junta Geral do Distrito superintenderá na exploração e conservação das obras hidroagrícolas da ilha da Madeira, de acordo com os planos e directrizes elaborados pela Comissão dos Aproveitamentos Hidráulicos da Ilha da Madeira, a cuja notável acção quero prestar a minha homenagem.
O papel que a Junta Geral desempenha na vida económica e administrativa da Madeira o extraordinário contributo que tem dado nos últimos anos e continua actualmente a dar para o seu progresso e desenvolvimento, o espírito de probidade, e o conhecimento dos problemas locais que possuem os que se encontram à frente dos locais que possuem os que se encontram à frente dos seus destinos, aos quais preside o nosso colega nesta Câmara Sr. Engenheiro António Teixeira de Sousa, são garantia de que todas as questões emergentes da execução dos aproveitamentos hidráulicos serão resolvidas com justiça.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Mas congratulo-me por que o Governo tenha incluído o problema das reclamações em matéria de hidráulica na Lei de Meios para o próximo ano, pois reconhece assim a sua importância e mostra ao mesmo tampo o interesse que lhe merecem todas as queixas legítimas, sobretudo as que estão ligadas à exploração e granjeio da terra.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Sr. Presidente : a lei de autorização de receitas e despesas para 1954, ao mesmo tempo que assegura os meios financeiros indespensáveis a garantir a continuidade do Plano de Fomento e a melhoria das condições de vida da população portuguesa, revela outras preocupações de Governo que interessam profundamente a estrutura social da Nação. Introduz-se na Lei de Meios um capitulo intitulado de valorização humana; nobre na aparência e nobre nos intuitos; visa a protecção à maternidade e à primeira infância e a que se prossiga sem desfalecimento a campanha contra o analfabetismo.
Proteger a maternidade é obra profundamente humana, imposta pelas luzes da razão e forças do sentimento, e alargá-la à primeira infância é assegurar a defesa e o fluxo de população necessários para manter na metrópole, no ultramar, em todo o Mundo, o território e os seus recursos, a gente e as suas virtudes, a língua e a sua pureza, a fé e a sua glória, todo esse conjunto de bens materiais e espirituais que constituem honroso património da Nação Portuguesa.
Não vou repetir desta tribuna os números expressivos dos progressos realizados no combate contra o analfabetismo. Mas a campanha do ministério de Educação Nacional bem merece da Nação pelo arrojo do empreendimento, pela tenacidade, coragem, dedicação e esforço que têm sido postos na sua execução. O que se afigurava um sonho, o que a quase todos parecia um objectivo inatingível, está-se transformando numa realidade plena, por forma a que Portugal possa dentro de breves anos alinhar nesta matéria ao lado dos países mais cultos e progressivos do Mundo.

Vozes: - Muito

O Orador: - Sr. Presidente: quase simultaneamente com a apresentação da Lei de Meios, o Sr. Ministro da Economia fez um largo relato à imprensa sobre a conjuntura mundial e os seus reflexos na situação económica do Pais Imporia à Nação saber a posição do seu comércio externo, e o conhecimento dessa situação interessa neste momento especialmente a Assembleia.

Página 100

100 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 8

Nacional, pela influência do económico sobre o financeiro.
Sem uma economia interna estável ou próspera faz-se dificilmente a cobrança das contribuições e impostos; se decaem as importações e exportações logo baixam os rendimentos aduaneiros, e as próprias receitas das caixas de previdência, hoje directamente ligadas à execução do Plano de Fomento, pressupõem um perto volume de salários e a manutenção de um determinado nível de emprego.
Estou certo, pois, que o País dedicou o maior interesse à exposição do Sr. Ministro da Economia, que é nosso ilustre colega nesta Câmara e que continua a pôr no desempenho das suas funções o entusiasmo, o vigor e a fé com que desde a primeira hora vem servindo a causa do ressurgimento nacional.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Pela exposição do Sr. Ministro da Economia, de Janeiro a Setembro do corrente ano o comércio da metrópole com o estrangeiro denota uma apreciável redução, comparativamente com igual período de 1952, e tanto no que se refere às importações como às exportações. As importações baixaram de 6 377 mil contos em 1952 para 5497 mil contos e as exportações de 3 637 mil contos para 3 076 mil contos em 1953, ou seja uma baixa, respectivamente, de 14 e 15,5 por cento.
Esclarece o Sr. Ministro da Economia que a baixa nas importações representa uma baixa de valores, mas não de quantitativos. Quanto às exportações, além da queda nos preços, verifica-se uma acentuada descida na tonelagem.
Relativamente à distribuição geográfica, verifica-se um aumento de exportações para os Estados Unidos e Canadá, enquanto se reduz o seu valor para todas as restantes zonas. Do lado da importação a baixa atinge todas as arcas económicas e é especialmente sensível nas compras aos Estados Unidos, Canadá, América Latina e aos países não participantes do bloco esterlino. Cumulando uma série de esforços e providências anteriores, a balança comercial com a área do dólar atingiu praticamente o ponto de equilíbrio, pois regista apenas um deficit de 17 000 contos.
É evidente que, como nos anos anteriores foi a balança de pagamentos que cobriu o deficit da balança de comércio, apresentando ainda no 1.º semestre do corrente ano um saldo positivo de 69O OOO contos, que se repercutiu em igual aumento de divisas e reservas-ouro do País.
Dos elementos trazidos a público pelo Sr. Ministro da Economia conclui-se que o comércio externo português está a ressentir-se da própria conjuntura mundial. Efectivamente a quebra do valor das importações traduz a baixa que se vem esboçando relativamente ao preço de certos produtos nos mercados externos. A descida em quantidade e valor das nossas vendas no estrangeiro, se exprime, em parte, a expectativa dos países compradores quanto à viragem que irá operar-se na situação económica do Mundo, impõe-nos o dever de olhar com especial interesse para a posição dos mais importantes sectores do nosso comércio de exportação e fontes tradicionais da riqueza do País.
O ano passado foi o problema focado nesta Câmara, ao discutir-se o Plano de Fomento, pelo Sr. Engenheiro Sebastião Ramires que depôs no assunto com a dupla autoridade do seu nome e da sua experiência.
Apoiados
Em face da concorrência que hoje se acentua nos marcados consumidores, em qualidade e em preços e dos benefícios que muitos países concedem à sua exportação através de prémios, subsídios e isenções fiscais e aduaneiros, temos de dar o maior talento e protecção ao nosso comércio exportador se não quisermos que ele sucumba perante a competição de estranhos.
O Governo, reconhecendo que o nosso comércio externo depara com dificuldades de toda a ordem para manter as suas posições tradicionais e para abordar com êxito a conquista de novos mercados, criou, pelo Decreto-Lei n.º 37 538, de 2 de Setembro de 1949, o Fundo de Fomento de Exportação com a finalidade exclusiva de promover o desenvolvimento da exportação dos produtos nacionais.
Deve já a economia do País e a propaganda dalguns produtos portugueses lá fora altos e grandes benefícios ao Fundo de Fomento de Exportação. Mas é preciso que a sua acção se alargue e aumente, não só para que conquistemos novos mercados, mas também para que não sejamos excluídos de outros que tradicionalmente nos pertencem.
Não posso nesta, matéria, deixar de exprimir uma apreensão. Quando se elaborou o financiamento do Plano de Fomento previu-se uniu participação de 180 000 contos do Fundo de Fomento de Exportação, dos quais cerca de metade de fundos disponíveis e a outra metade de uma contribuição de 15 000 contos por ano - participação essa a aplicar especialmente no fomento das indústrias exportadoras e de outras actividades que, pela sua produção, concorram para a redução de compras no estrangeiro.
Pode discutir-se só esta afectação de receitas do Fundo de Fomento de Exportação se concilia com o espírito e as disposições legais que o criaram. Mas não é disso que vou cuidar, pois o Plano do Fomento é também lei do País. O que desejo, perante o declínio da nossa exportação, é acentuar a necessidade de se dar ao Fundo de Fomento de Exportação meios para poder empreender e realizar a vasta acção que lhe foi atribuída pela lei que o instituiu e que as actuais circunstancias tornam absolutamente necessária. Não formulo um voto pessoal. Estou certo de interpretar nesta matéria o pensamento geral das actividades ligadas ao nosso comércio de exportação.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Depois da guerra a economia do Mundo tem atravessado diversas vicissitudes. Primeiro assiste-se a um período de readaptação e reconstrução, logo seguido por uma grande expansão de produção. Em 1949 surgem os primeiros finais de depressão, mas a guerra da Coreia, a meados de 1950, provoca uma corrida às matérias-primas e às substâncias alimentares e uma consequente alta geral de preços. Em 1951 na América, e logo a seguir noutros países, os índices de preços por grosso começam a baixar, sendo pouco decisivas as tendências dos preços no começo do ano corrente.
Em muitos meios externes começa a olhar-se com inquietação para a diminuição do comércio internacional. O índice do volume das exportações mundiais baixa desde o último trimestre de 1951 e os dados estatísticos mais recentes confirmam esse movimento.
Pode dizer-se que depois da guerra um ano mau tende a alternar-se com um ano bom. Como já se escreveu, este ciclo foi bem marcado pela crise de 1947, resultante do regresso muito rápido à convertibilidade da libra esterlina, pelas desvalorizações de Setembro- Outubro de 1949 e pela adopção em 1951 de medidas restritivas do comércio internacional.
O que irá passar-se agora? Iremos viver uma nova época de facilidades e de expansão económica? Ou irá entrar-se num período de depressão?

Página 101

15 DE DEZEMBRO DE 1953 101

Todas as atenções se voltam neste momento para os Estados Unido, cuja economia se pode considerar hoje a economia dominante do Mundo, pela massa da sua produção e do seu consumo, pelos progressos da sua técnica e pela importância do seu rendimento nacional. Na verdade, a produção dos Estados Unidos de certas matérias-primas essenciais - como o petróleo e o aço - representa mais de metade da produção mundial. A sua produção industrial atinge cifras astronómicas, sobretudo produtos manufacturados, como máquinas, automóveis, etc., e são ao mesmo tempo os principais clientes de matérias-primas em todo o Mundo.
Acresce que o dólar é o mais importante e sólido instrumento de pagamentos internacionais e que os mais prementes problemas de reconstrução europeia e de saneamento monetário dependem directamente da colaboração dos Estado Unidos. Compreende-se, por isso, o interesse que em todo o Mundo desperta a evolução da economia americana.
O importante e conhecido jornal inglês The Economist publicou recentemente um interessante artigo, afirmando que se tinham enganado redondamente os que profetizavam uma depressão económica na América no Outono que está a decorrer, tendo a actividade industrial daquele país nos últimos seis meses excedido todas as previsões.
Na América a um aumento de produção têm correspondido maiores consumos e um mais alto nível de vida, que, por sua vez, originaram maior produtividade. Mas não pode esperar-se a contínua sucessão destas duas forças expansivas, uma após a outra. E precisamente a razão principal por que se teme uma depressão no próximo ano é a dificuldade em encontrar uma nova força expansiva que possa ser posta em movimento no plano económico dos Estados Unidos.
Na Inglaterra, cuja situação económica e financeira depende, em grande parte, da evolução da economia americana, segue-se, com grande interesse, a evolução da produção, dos preços e do consumo naquele país. E não só se está atento a uma possível depressão económica dos Estados Unidos, como se prevêm todas as consequências que possa ter na vida inglesa. O grau da sua extensão e profundidade, conforme diz o referido jornal britânico, não tem para a Inglaterra mero interesse académico. Uma pequena depressão, como os próprios Americanos prevêem, influenciará apenas a balança de pagamentos e as reservas em dólares. Mas uma depressão mais funda afectará o investimento e o consumo e originará uma grave crise de desemprego. O facto interessa todos os países, dado aquilo a que se chama a propagação internacional das flutuações económicas. E
obriga a estarem vigilante e atentos aqueles, como nós. cuja economia e cujas finanças públicas são extremamente sensíveis à evolução do seu comércio externo.
Evidentemente que as regras de administração que adoptámos, o aumento da produção que conseguimos, a solidez do crédito e das reservas do País. constituem elementos preciosos de defesa contra as oscilações da economia mundial, que temos sofrido sem nos terem abalado e vencido, sem perda da posição que conquistámos.
Em numerosos relatórios, conferências e publicações das entidades directamente responsáveis pela política do Mundo continua insistente a recomendar-se o saneamento financeiro como condição indispensável ao progresso económico. Muito grato deve ser para nós constatar que o atingimos há vinte o cinco anos e que neste quarto de século ele tem sido penhor seguro da nossa independência e da nossa liberdade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Continuamos integrados na organização europeia de nações, que. através duma maior liberalização das trocas internacionais, procura atingir objectivos mais largos e remotos de convertibilidade monetária. Novamente se resolveu em Março passado prorrogar por mais um ano. a partir de Julho, a União Europeia de Pagamentos, organismo do qual recentemente se escreveu que só terá atingido a sua máxima eficiência quando puder desaparecer sem que se sinta a sua falta.
Não se vislumbra por ora o seu termo próximo, embora muitas das nações europeias tenham melhorado as suas reservas em ouro e em dólares. O que resta saber é a parte que nessa melhoria cabe aos factores permanentes. como seja maior produção agrícola e industrial. a redução de pressões inflacionistas e um melhor aperfeiçoamento técnico, e a parte que resulta de factores temporários, e entre os quais são de referir a ajuda financeira dos Estados Unidos, as despesas de armamento americano no estrangeiro e a manutenção do contrôle sobre as transacções comerciais relativas a produtos pagáveis em dólares.
É interessante a este respeito notar que na última prorrogação por um ano da U. E. P, se deu aos países participantes a possibilidade de reconsiderarem as suas obrigações contratuais no quadro daquele organismo, se isso se tornar necessário para lhes permitir progredir no caminho de um sistema mais liberal de comércio e de pagamentos, compreendendo a convertibilidade das moedas. E os Ministros das Finanças da Comunidade Britânica. que se reúnem em Sydney no próximo dia 8 de Janeiro, inscreveram na sua agenda a questão da convertibilidade da libra esterlina.
O ano passado um dos grandes objectivos britânicos, como pressuposto da convertibilidade, era a reavaliação do ouro, cuja cotação no mercado livre excedia em larga margem a paridade oficial americana.
O Governo dos Estados ruídos negou-se sempre a satisfazer esse ponto de vista britânico. E a sua firmeza em manter a cotação de 35 dólares por onça, juntamente com outros factores, entre os quais avulta, de longe, a venda de quantitativos apreciáveis de ouro pela União Soviética, que, depois da União Sul-Africana, é o maior produtor daquele metal, originaram uma queda do preço mundial do ouro.
O aparecimento da Rússia como vendedora de ouro nos mercados ocidentais, nomeadamente em Paris, tem sido interpretado de forma diversa. Há quem veja nesse facto um bom auspício pacifista, pois, se antevisse a possibilidade de guerra, a Rússia não substituiria ouro por bens de consumo. Mas há também quem recorde que a Alemanha em 1939 se despojou do seu ouro para adquirir matérias-primas indispensáveis à guerra.
A baixa do ouro em nada afecta o propósito geral da volta à convertibilidade das moedas, pois apenas tira a actualidade a uma pretensão britânica nesta matéria.
Por toda a parte aumentam ós partidários da convertibilidade monetária, como a única solução certa e estável para o problema dos câmbios e das trocas internacionais.
Mesmo na América, muitos economistas autorizados voltam a insistir no regresso ao gold standard. Desde 1940, a moeda em circulação subiu nos Estados Unidos de 8 biliões para 29 biliões de dólares e os depósitos bancários - que são também uma forma de circulação- ascenderam de 63 para 167 biliões de dólares.
Como única forma de combater a inflação aponta-se, o regresso ao padrão ouro, dado que o regresso a finanças sãs não resolve o problema por forma definitiva. O que é necessário é um espécie de moeda que, pela sua própria natureza, não possa ser inflacionada. Segundo um conceito corrente, nenhum dinheiro é perfeito, mas a melhor prova da sua qualidade é ficar fora da

Página 102

102 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 8

influência dos quê desejariam aumentar a sua quantidade sem limites, reduzindo progressivamente o seu valor: E porque a oferta mundial de ouro se mantém, em regra, constante em relação à procura e porque a produção mundial é pequena comparativamente com o valor total das suas existências, daí a vantagem do regresso puro e simples ao gold standard.
Veremos como evolui, nesta matéria, a situação do Mundo. Já aqui disse, em outra oportunidade, que a solidez da nossa posição nos permite olhar confiadamente um sistema mais amplo de pagamentos e câmbios internacionais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: a Lei de Meios foi votada o ano passado nesta Assembleia quase simultaneamente com o Plano de Fomento.

anifestou posteriormente o Sr. Presidente do Conselho o receio de ...

... que se considere o Plano acabado e findo sem ter de causar mais preocupações desde que o Governo o elaborou e as Câmaras o estudaram, discutiram e aprovaram, depois de longa apreciação. Isso foi só acender uma luz e iluminar um caminho que tem agora de ser percorrido com esforço perseverante e no meio de não pequenas dificuldades e sacrifícios.

Desde então novos passo se deram, novos projectos se elaboraram, novos regimes jurídicos se definiram para que o Plano de Fomento tenha absoluta e integral efectivação. Oxalá possa esta Assembleia continuar a dar ao Governo e ao seu chefe eminente a colaboração que lhe presta desde a primeira hora e novas realizações iluminarem um caminho que alguém, com a sua perseverança e a sua fé, providencial mente abriu ao ressurgimento e ao progresso da Nação !
Disse:

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: ao usar da palavra pela primeira vez nesta legislatura começo por apresentar a V. Ex.ª as minhas saudações mais respeitosas. Consinta-me que não me refira apenas ao Presidente da Assembleia Nacional, eleito pelos seus pares em justa expressão de homenagem às suas altas qualidades pessoais e políticas. Dirijo-me também ao velho companheiro de lutas que, quer na oposição ao regime falsamente chamado democrático, quer depois da vitória do 28 de Maio, manteve inquebrantável a mesma linha de conduta, a mesma fé e a mesma persistência ao serviço do mais alto ideal patriótico.
Essa a razão por que nós, seus companheiros de sempre, aprendemos a admirá-lo e a respeitá-lo como um verdadeiro chefe e um dos maiores vultos políticos do Estado Novo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E agora, Sr. Presidente, dois assuntos apenas, em quatro palavras.
Em primeiro lugar, desejo renovar o apelo que. sempre que se tem discutido a Lei de Meios, costumo fazer ao Governo: olhe com justiça e com generosidade para a situação dos reformados e dos pensionistas do Estado. Hoje. felizmente, este apelo é acompanhado de alguma esperança.
Suponho que no próximo ano económico seja possível rever o problema, porque sei que o Sr. Ministro das Finanças o tem estudado pormenorizadamente. Ficará em condições de chegar a uma conclusão logo que os técnicos encarregados de efectuar esse estudo forneçam os elementos indispensáveis.
Portanto, por agora nada mais direi. Aguardo que, enfim, se preste justiça aos velhos servidores do Estado, às suas viúvas ou aos seus filhos, que, infelizmente, têm sido vítimas dos maiores apuros e dificuldades de vida por falta de actualização das suas pensões exíguas.
Segundo assunto: uma referência de apoio ao que disse o nosso ilustre colega presidente da Comissão de Economia acerca da necessidade de reforçar as verbas destinadas à construção e reparação das estradas nacionais, mas juntando lhe um voto novo: o de que se atenda ao estado das estradas camarárias.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As câmaras municipais não dispõem, infelizmente, de recursos para. a reparação das suas estradas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há estradas camarárias que têm quase tanta importância, ou mesmo mais importância regional, como as próprias estradas nacionais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É indispensável, pois, que o Estado ...
O Sr. Melo Machado: - O Ministério das Obras Públicas distribuiu pelas câmaras municipais que já tinham um serviço organizado de reparação de estradas verbas para tal efeito.

O Orador: - Eu sei, e ainda recentemente vi isso mencionado no último número da revista do Automóvel Clube de Portugal.
Infelizmente, segundo a notícia citada, essas verbas apenas se destinaram a câmaras de determinadas regiões do País que, através de congressos provinciais, em tempo fizeram reclamações a tal respeito; porém, há outras câmaras que, talvez por não estarem representadas em congressos das Beiras ou do Alentejo, ou por se encontrarem situadas nestas regiões desconhecidas e distantes que são os concelhos limítrofes de Lisboa, como por exemplo as de Sintra, de Mafra, de Loures, etc., não foram contempladas com verbas suficientes.
Quanto a esta, não posso esquecer-me de que sou Deputado pelo círculo de Lisboa, como de resto o é também o Sr. Deputado Melo Machado.
Mas a resolução definitiva do problema interessa a todas as câmaras do País.
Não há que discutir se se concederam ou não verbas, mas sim que reconhecer que tais verbas não foram suficientes, visto que muitas estradas camarárias continuam quase intransitáveis.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - A participação deve deve ser de 75 por cento.

O Orador: - Muito bem: exactamente por ser tão importante, merece a pena que cada câmara municipal, enquanto as estradas estiverem a seu cargo, organize o seu plano próprio e o apresente ao Ministério das Obras Públicas, porque julgo ser condição de preferência possuir um plano devidamente estudado e justificado.

Página 103

15 DE DEZEMBO DE 1953 108

Infelizmente, parece que algumas câmaras não têm tempo ou pessoal para esse efeito, ou não dedicam ao assunto a atenção que ele merece.
Seja qual for a razão das deficiências apontadas, é necessário eliminá-las. O remédio não é da competência da Assembleia Nacional, mas sim do Governo e das câmaras municipais. E é possível que estas minhas palavras singelas cheguem, pelo menos, até junto das câmaras mais próximas de Lisboa. Talvez se animem a insistir por solução adequada e definitiva de um dos problemas que mais afligem a vida municipal.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pereira da Conceição: - Sr. Presidente: protocolo é formalismo. Cortesia significa delicadeza. Tradição quer dizer sulco profundo vindo do passado.
Estas razões bastariam para homenagear Y. Ex.ª . mas não são elas na verdade que me dobram, ainda que as aceite.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- por detrás de V. Ex.ª ergue-se a figura majestosa da Pátria, símbolo augusto das virtudes da nossa raça, tendo na mão o mundo que os Portugueses ao Mundo deram sob o signo glorioso das quinas de Portugal. Nessa figura e nesse signo estão representados oito séculos de história, mas de história vivida em lutas e procelas pelos quatro cantos do Mundo, afirmadas numa certeza de princípios que ficam como marcos miliários cravados em todos os continentes o entre todos os povos como padrões de uma civilização e de uma cultura que são só nossas, inconfundíveis, e que marcam a acção épica deste pequeno povo.
Nesses oito séculos de trabalhos se argamassaram, com as desilusões e as incertezas, com a fadiga e os trabalhos, com a luta e a amargura, oito séculos de experiência e de vida. E sempre essa experiência e essa vida fulguraram nas cortes de Portugal, onde os, representantes do povo exprimiam aos reis suas opiniões e pareceres, para que a republica fosse sempre o interesse da Nação. Desde o alvorecer, pois, das Cortes Afonsinas que à unidade territorial da Pátria se juntou a unidade espiritual dos povos. E não se pense, que o carácter e a firmeza não tivessem sido desde logo a fortaleza viril dos representantes da gente portuguesa.
Nas Cortes de Leiria o Eloquente recebe a resposta imperativa da grei portuguesa de que soara a hora do sacrifício do próprio rei. Ceuta, que tantas vidas e somas custara à Nação, não podia ser devolvida por um infante, e se até aí o sacrifício custara à burguesia e ao povo, soara a hora de o mesmo bater no coração do rei, entregando-lhe o próprio irmão.
Mais tarde novas Cortes, contrarias às manobras políticas dos interesses da rainha viúva, espanhola de origem, entregam o Poder ao príncipe ilustrado- o das sete partidas do Mundo-. ao excelso infante D.Pedro, duque de Coimbra, que governou por força dos procuradores do povo e a bem de Portugal.
E quando a Pátria periga é a voz da grei, da gente humilde de todo o reino, que ecoa nas Cortes pela linguagem firme Febo Moiiiz.

Na poeira dos séculos está a história de Portugal, na poeira dos séculos está a história da nossa gente e dos nossos procuradores, mas dela sai uma experiência inegável, uma constância pelo amor da Pátria, uma firmeza pelos destinos da terra portuguesa ... e por tudo isso ...

Sr. Presidente: vejo aqui o próprio Portugal encanecido, mas seguro de tanta experiência, simbolizado e expressivo na presidência desta Assembleia, digna herdeira de tantas tradições e de tanta história, de tanto, firmeza e dignidade, motivo por que a V. Ex.ª apresento as homenagens que são merecidas à história e ao passado deste País e que V. Ex.ª tão nobremente aqui representa.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Srs. Deputados: para VV Ex.ª vão as minhas saudações.
Representais aqui cada uma das parcelas do território nacional, com suas facetas e seus interesses próprios, com suas tradições e seus costumes peculiares, e em cada um de VV. Ex. se encontra expressa uma profissão ou um mister. Mas sois, na verdade, representantes também da cultura e do intelecto nacional, sois, na verdade, aquilo que têm sido sempre os representantes do povo nas Cortes, na Câmara ou na Assembleia - sois a fina flor, a élite da vida nacional.
E as regiões que representais, os costumes particulares dos povos díspares que figurais, a prolixidade de profissões de sectores que traduzis, vejo--os a todos ligados numa unidade indivisível, numa unidade de língua, de hábitos e de crenças, que é justo orgulho deste povo desde que há sete séculos conquistou a continuidade territorial.
Na realidade, meus senhores, vejo aqui em VV. Ex.ª, representantes da terra e da gente portuguesa, a realidade firme da unidade da Pátria, bem expressa desde o Minho a Timor, no sentimento comum de todos os portugueses.
Nas horas graves o frémito inabalável do patriotismo estremece por toda a parte e os portugueses afirmam-se como filhos generosos dispostos a baterem-se em uníssono pela vida da Nação.
Saúdo, pois, em VV. Ex.ª todos os povos que representais, com o amor devotado dos bons portugueses que aqui figurais e com a certeza de que esta saudação a dirijo ao próprio Portugal.
Meus senhores: seja-me permitido que nesta oração de soldado eu dirija algumas palavras de veneração por esta Sala. Na realidade a Assembleia tem em si largos vínculos na historia parlamentar do País. Aqui ecoaram as vozes dos mais eloquentes tribunos em defesa dos interesses da Pátria.
Estas paredes ouviram a voz romântica de Almeida Garrett, os discursos pujantes de .Tose Estêvão e a palavra, diamantina e pura de António Cândido. Eu as evoco neste momento, certo de que pátrias são, na expressão de Renen, «mais feitas dos mortos do que dos vivos».
Também aqui nesta Assembleia tomaram lugar figuras proeminentes do nosso Exército: o tenente-general marquês de Sá da Bandeira, fundador egrégio da nossa Escola do Exército e da Academia Politécnica de Lisboa, libertador intemerato da escravatura; o capitão de engenharia Fontes Pereira de Melo, prócere do fomento e das comunicações por todo o território pátrio; a major do estado-maior Sebastião Teles, professor catedrático da Escola do Exército, Ministro e escritor militar consagrado em notáveis obras sobre a defesa do País, e por fim a figura austera e majestosa de soldado, representante do carácter e das virtudes militares, que é o general Craveiro Lopes, e que desta Assembleia ascendeu à mais alta magistratura da Nação.

Vozes: - Muito bem!

Página 104

104 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 8

O Orador: - Eu os saúdo a todos e os evoco neste momento, como soldados que deixaram traçadas as suas vidas como exemplo do que é e do que deve ser em todas as circunstâncias a vida austera e digna dos que servem nas forças armadas.
Ao falar, pois, desta tribuna, donde a voz se espalha por todos os recantos da terra portuguesa, sinto a majestade deste lugar, traduzida na sua história, e pesam-mo nos ombros as responsabilidade inerentes a continuar a seguir as pegadas de tão nobres e ilustres antecessores.
Meus senhores: está perante vós um português e um soldado.
Nada mais vos trago do que as pobres palavras rudes dum homem de armas, habituado de sempre a servir a Pátria. Mas, se o sentimento e o coração, se a firmeza e o carácter, se a dignidade e o trabalho vos bastam... sentir-me-ei honrado com a vossa confiança.
Habituado à linguagem da verdade e da justiça, procurarei servi-la, pois que têm sido as armas únicas com que tenho forjado a vida:

ontanhês lusitano, vindo dos caboucos da Pátria, trago-vos, pois, e apenas, a rudeza do soldado, a lealdade e o carácter - flores bem modestas, para juncar este altar sereníssimo do nosso Portugal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Meus senhores: está presente à apreciação desta Assembleia a proposta da Lei de Meios.
Esta proposta aparece nas suas linhas gerais estruturada mas já tradicionais normas das contas públicas, isto é, assente em princípios de salutar equilíbrio financeiro.
Ela consagra méritos dos nossos técnicos em matéria de contas públicas, verdadeira escola feita por mestres de finanças, hoje continuada com mão segura pelo Ministro que a subscreve.
Não pode aqui deixar de assinalar-se o facto ao País, para que se reconheçam e apreciem os méritos de quem por ele trabalha, com devoção e sentimento.
Merece-me ela, porém, alguns reparos e observações, que não o deixarei de fazer, certo de que isso, é o melhor meio de contribuir para o interesse superior do País.
Em cada um destes pontos que vou focar não me movem interesses pessoais ou ocultos, não sirvo classes ou grupos, e apenas traduzo o sentimento de um português, habituado a servir com a clareza e a dignidade de um soldado, sem interesse por popularidade ou efeitos de tribuna, mas apenas sequioso de bem servir o País.
Vou-me referir em primeiro lugar aos suplemento e abono de família, motivo expresso nos artigos 16º e 17º da proposta.
Aqui, nesta Assembleia, ergue-se de um lado a figura contemplativa da Lei, absorta no estudo da Moral e do Direito. Mas na sua frente ergue-se a figura majestosa da Justiça, amparada na espada firme da Verdade, disposta a zelar os proeminentes interesses da grei.
Associo estas duas figuras, que não concebo nem contrárias, porque geram o despotismo, nem indiferentes, porque geram o desinteresse da causa pública.
Como militar, sou integérrimo defensor da lei e não compreendo o esquecimento ou atropelo da mesma. Como português, amo a justiça, símbolo da verdade que devemos patentear em todas as circunstâncias, sob pena de aviltarmos a própria dignidade. Estas razões me levam a abordar o problema dos vencimentos do funcionalismo público.
Verifica-se na proposta a anulação das disposições relativas ao preenchimento das vagas nos quadros do pessoal civil dos Ministérios, disposições que apareceram nas leis anteriores e foram objecto de justificado repara na Assembleia e na Câmara para a Lei de Meios de 1953.
Saúdo, pois, esta supressão restritiva, dado que ela afectava a boa organização dos serviços públicos e representava gravosa injustiça para a natural aspiração da selecção natural que ambicionam os funcionários probos e zelosos.
Apoiados.
Verifica-se ainda pela proposta a continuação dos vencimentos e gratificações no regime anterior, sem que traga qualquer revisão ou modificação.
Não concordo com tal situação, e passo a elucidar a digna Assembleia dos motivos que me forçam a tal.
No capítulo de gratificações de serviço não posso conceber que as mesmas tenham sofrido um aumento apenas de 50 por cento, quando o suplemento dos vencimentos é de 90 por cento.
Mas, mais, não posso admitir, em consciência, que neste país o secretário adjunto da Defesa Nacional, oficial general da mais alta responsabilidade e distinção, com elevadíssimas funções de responsabilidade, tenha uma gratificação de serviço pelo lugar que desempenha, inferior ao major comandante da polícia militar.
Há mais: não posso admitir que o general comandante da Escola do Exército ou os professores do Instituto de Altos Estudos Militares recebam de gratificação pelas funções que desempenham pouco mais de metade do que recebe um tenente da polícia militar.
Devo esclarecer que o mal está em que o pessoal da polícia militar viu as suas gratificações estabelecidas numa base aceitável para o custo de vida, enquanto os generais e professores com funções estabelecidas antes da criação da mesma polícia continuaram a ser remunerados como antigamente.
Ainda mais: não compreendo que dentro da mesma instituição de ensino superior, isto é, na Escola do Exército, enquanto os velhos leates de outrora - hoje denominados «professores catedráticos»- possuem a gratificação irrisória de 450$ mensais, o que a alguns corresponde a 3% por aluno e por mês, haja assistentes de um curso de categoria inferior, chamado «curso geral preparatório», que auferem uma gratificação mensal de 750$.
È inconcebível esta inversão de gratificações, na presença de valores hierárquica e funcionalmente inferiores, e mais flagrante ainda por ser dentro da mesma Escola.
A razão está no facto de este curso ter sido criado posteriormente à guerra, em condições económicas correlativas ao aumento do custo de vida, enquanto que os velhos lentes continuaram de antecedente a auferir os mesmos réditos.
Há aqui coisas que chamam justiça, não para que se reduzam as gratificações que só consideram normalizadas, mas para que só aumentem as desactualizadas e de modo a que se prestigiem as funções que se desempenham.
Isto para que não tenhamos de mandar os professores para a polícia e a policia para a cátedra. Respeitamos as funções hierárquicas, porque cada uma delas tem a sua função própria, necessária e indiscutível.
Achamos, portanto, que este problema, pela sua acuidade, exige revisão total, sob pena de se atentar contra a própria orgânica funcional e a hierarquia de valores, tão necessária, mais do que noutro meio, na própria força armada.

Vozes: - Muito bem!

Página 105

15 DE DEZEMBRO DE 1953 105

O Orador: - Outro ponto que desejo focar é o problema dos vencimentos dos mais modestos funcionários públicos. Já tomei posição nítida e clara, em discurso público em Viseu, quando da minha candidatura, sobre os vencimentos dos professores primários. Também nesta Assembleia se têm levantado justamente muitas e várias vozes sobre o assunto. Tem sido, porém, totalmente esquecida a classe dos sargentos, esses modestos e leais servidores do Estado. Os seus vencimentos-base oscilam entre 600$ e 800$ e esta classe tem vindo a sofrer e a passar transes difíceis.
A vida dura de campanha obriga a ter sargentos novos junto dos soldados - pessoas desembaraçadas e conhecedoras da arte de combater e que possam substituir o seu chefe (o alferes ou o tenente) no caso de este cair varado por uma bala ou um estilhaço.
Esta classe tem passado sacrifícios económicos sem par, com o espírito estóico dos que sabem servir, com a disciplina firme dos que sabem cumprir.
Eles são um dos elos firmes da cadeia do Exército.
Mas disciplina implica justiça, e justiça é o que se pede do alto desta tribuna ao Governo e à Assembleia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quero aqui referir também quão danoso se me afigura o facto de os militares na reserva e reformados perceberem subsídio inferior aos do activo. Não discuto já a lei moral, que essa já foi posta nesta Assembleia.
Quero apenas apontar as graves consequências que daí resultam, dado que tal facto leva muitos indivíduos a manter-se nas funções activas que desempenham, mesmo quando gastos e esgotados, e que passariam á reserva, caso contrário.
De tal modo não só já não podem desempenhar as funções com eficiência, como ainda não dão origem à necessária renovação dos quadros.
Tais factos no funcionalismo civil podem conduzir a uma redução de actividade funcional, mas no meio militar o caso afigura-se-me excepcionalmente grave, porque os erros dos exércitos e da sua organização pagam-nos a liberdade e a independência das pátrias.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Meus senhores: o civil, como o militar, ao servirem o Estado não podem ter a concepção de fazer riqueza na vida. De facto, servir o Estado exige espírito efectivo de sacerdócio. Mas, se não deve haver ideia de riqueza -porque esta conduz à venalidade-, também não pode haver ideia de pobreza - porque esta conduz à nulidade.
O empobrecimento da vida dos servidores acarreta a fuga dos valores e o recrutamento das èlites passa a fazer-se em camadas intelectualmente inferiores.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Cito, a propósito, os factos seguintes: Há vinte anos era vulgar concorrerem à Escola do Exército e à engenharia militar rapazes muitos deles
já formados em Matemática, os alunos mais distintos as nossas Universidades, alguns deles recusando convites de assistentes nas Faculdades, inebriados pela honra de servir a Pátria, vestindo uma farda de soldado.
Hoje muitos dos alunos da Escola do Exército que frequentam presentemente no Instituto Superior Técnico os preparatórios de engenharia ficaram reprovados ou são repetentes nalgumas cadeiras.
Não digamos que a geração actual é inferior à de ontem.
O que devemos ver é que perante os valores se antolha uma vida difícil de insustentável poder económico, o que conduz à deserção em massa, desses valores para as actividades liberais ou outras que lhes assegurem condições de vida mais desafogadas.
Apoiados.
Já este ano o ilustre general comandante da Escola do Exército se referiu pùblicamente à insuficiência física e mental dos recrutados para os quadros do Exército.
É tempo de debelar estes males.
Mas, pese muito aos ilustres oradores que me antecederam e que aqui abordam o problema de abono de família, tais factos não se podem debelar. simplesmente com ele.
De acordo estamos que também este capítulo exige revisão, mas a sua revisão não resolve o problema que ponho.
Do panorama que foquei-gratificações, suplementos diversos, mau recrutamento- resulta em última análise que esta Assembleia deve apoiar vigorosamente o parecer da Câmara Corporativa quando conclui:

1.º A urgência, iniludível, de se efectuar, em matéria de remunerações ao funcionalismo público, a revisão geral de toda uma série de medidas do emergência que, a partir de 1943, têm vindo a sobrepor-se e a escurecer o claro regime unificado constante do Decreto-Lei n.º 260115 de 23 de Novembro de 1935, de maneira a que um novo diploma de carácter genérico voltasse outra vez a ser lei no assunto;
2.º A consideração de que, sem prejuízo do equilíbrio orçamental e mercê das circunstâncias favoráveis tão honrosamente alcançadas, cada vez se faz mais sentir que a revisão do problema seja efectivada de modo a realizar as actualizações que pelo menos, atenuem as dificuldades mais instantes e favoreçam, quer melhores possibilidades de vida, quer mais acentuados estímulos para trabalhar e merecer.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Dou a este parecer todo o meu inteiro aplauso de português e de soldado. E se desta voz que aqui se ergue nada resultar, resta-me a certeza do dever cumprido, tendo sempre em atenção, não o interesse pessoal, mas sim o interesse da Pátria.
O mau recrutamento dos quadros do Exército não se paga nos tempos bonançosos da paz, mas nas horas agrestes e difíceis da guerra, e não são pagos por um general ou por um homem, mas sim pela própria Pátria.
A minha voz de soldado ergue-se, pois, na plenitude da obrigação moral de cumprir o juramento que fiz de servir a Pátria em todas as circunstancias ... e isso faço-o com a verdade do meu sentir.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados: vou agora referir-me ao título IX da proposta de lei, e que se denomina «Compromissos internacionais de ordem militar».
No ano decorrente despenderam-se 660 000 contos e para o ano futuro prevêem-se 557 000 contos.
Não haverá certamente quem deixe de comparar estas verbas com as atribuídas ao Plano de Fomento, e que constituem valores de 1/3 das destinadas nesse Plano.
Verbas tão vultosas merecem explicação, a que n País tem direito, para que as compreenda e as sinta.

Página 106

106 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 5

Alguns julgá-las-ão improdutivas, outros desnecessárias e poucos delas farão justo juizo. À Nação deve ter consciência plena da aplicação dos seus réditos, e por isso quero aqui borda o assunto.
A rubrica «Compromissos internacionais» pode dar ao País a ideia simples de que tão grandes sumas, que representam 1/10 da receita ordinária do Estado, são gastas em virtude de meros compromissos que a diplomacia assumiu e que resultam de um puro e simples convencionalismo dos governos.
Ora isso não é verdade!
Nos povos, como nos indivíduos, os interesses morais, espirituais e materiais pesam muito nas suas decisões. Portugal assumiu compromissos com vista ao zelo dos seus próprios interesses e não para fazer o jogo de políticas ou interesses alheios.
Vivemos uma hora conturbada do Mundo, em que só debatem imperialismos e ideologias, mas em que também se debate uma civilização e uma cultura.
A Europa, apeada da supremacia, encontra-se entre os movimentos ascensionais da América e da Ásia. Não podemos negar ou sequer esquecer que a América nasceu na base da cultura ocidental e cristã que ali implantámos e que, portanto, ela é hoje a continuadora das tradições que fizeram a nossa grandeza passada.
Por outro lado, apesar de exangue, a Europa encontra na África o reservatório único das suas esperanças para o seu equilíbrio económico. Por isso a África é e continua a ser a fonte de trabalho e de vida da Europa, o altar da história da sua civilizarão e do seu passado colonizador e cristão.
Defender a África é portanto defender a própria existência europeia. Toda a história de Portugal tem sido feita em lutas e cruzadas nas terras de África. Escola de heróis, mas também de mártires, de místicos, de pombeiros, de desbravadores de sertões, de sábios e estudiosos - terra bendita, semeada pelo nosso sangue e pelas nossas gerações.
Angola e Moçambique são ainda hoje portentosas esperanças do nosso trabalho e do nosso patriotismo.
Mas do Oriente a África defende-se na Anatólia, pela Turquia, contra a invasão pelo Egipto; nos Alpes, pela Itália, contra a invasão pela Tunísia, e finalmente aqui no Ocidente, contra a invasão mais repetida pela história, que é através do estreito de Gibraltar.
Todos os bárbaros vindos do Oriente, ao penetrarem na Península, se precipitaram sobre o estreito, para galgarem as portas de África. Os corredores naturais dentro da Península quase não tom obstáculos e é axioma da história que «quem entra na Península pode penetrar na África, se assim o quiser».
Pois bem, meus senhores, a defesa de África está nos Pirenéus, motivo por que a defesa dessa barreira tanto interesse oferece ao nosso pais. Ali, naquele sítio, se defende não só o território continental, mas também a penetração no grande continente africano, onde vivem e têm morrido mais portugueses do que em qualquer outra parte do Mundo.
Estas razões estratégicas determinam a política de amizade peninsular, que tão superiormente tem sido seguida e altamente zela os nossos interesses.
Apoiados.
O continente português é ainda o porto natural de desembarque das forças morais e materiais dos luso--americanos que acorram a defender o nosso património e o da Europa contra as tendências dominadoras dos estranhos povos asiáticos.
O triângulo estratégico Lisboa-Açores-Madeira domina as comunicações marítimas do Atlântico Norte, como o triângulo Lagos-Madeira-Canárias domina as do Mediterrâneo Ocidental, na sua saída para o Atlântico, como ainda o triângulo Lisboa-Madeira-Cabo Verde intercepta as comunicações entre o Atlântico Norte e a América Meridional, e, como, finalmente, o eixo Angola-Brasil domina o Atlântico Sul.
A posse de posições-chave de tão magna importância implica responsabilidades, se não queremos ver amanhã forças estrangeiras apoderarem-se dos nossos domínios para serviço dos seus interesses e tripúdio da nossa soberania.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não importa possuir: é preciso manter.
O eixo Europa-América do Sul está nas mãos da Península e mais especificamente representado pelo traço Portugal-Brasil.
A recente visita do Sr. Ministro da Marinha ao Rio de Janeiro é a afirmação plena de uma política que, mais do que a força da comunidade lusíada, representa a força de uma estratégia concebida por D. João II, executada por Séculos de lutas e de sacrifícios ingentes dos Portugueses pelo Brasil.
Acima dos interesses meramente sentimentais latejam os interesses estratégicos da comunidade lusíada, de mais de 60 milhões de almas, que de um e de outro lado do Atlântico mourejam sob o signo da mesma cultura, da mesma civilização e da mesma fé.
Os interesses de Portugal, das suas terras por quatro continentes, dos seus povos mesclados de várias raças, mas servidos todos pelo mesmo amor da Pátria, implicam exigências e sacrifícios aos quais os Portugueses jamais se escusaram.
Armas e aviões podem-se comprar, mas treino, ensino, preparação, instalações e base não se improvisam.
Há que, desde, o tempo de paz, fazer trabalho duro, persistente e eficaz - e tudo isso consome esforço, dedicação e poderosos bens materiais.
Mas quem haverá aí que ciore os prémios do seguro pagos durante anos quando a casa lhe arde? E quem haverá aí que. quando ajude monetariamente os bombeiros, deseje que o fogo lhe devore os bens?
Não! Despesas militares não é política de guerra, mas antes política de paz, política de segurança e de soberania.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Advirto, porém, a Assembleia e o País de que o conhecimento da arte militar, dos interesses estratégicos de Portugal e da política incerta dos homens me leva a profetizar que não bastará de uma só vez o esforço que agora se pede. Os perturbadores da instabilidade mundial não desarmam e os países que queiram guardar o seu património nacional não podem confiar a sua defesa nas mãos alheias, nem abandonar o prestígio da sua soberania e do seu passado histórico, sob pena de se algemaram à derrota e de verem a sua existência riscada no mapa dos estado livres e independentes.
Em tais termos, o ano de 1954 não deverá ver o fim do esforço militar defensivo que temos de fazer.
Atentem-se estes simples factos:

Lisboa é hoje, no condicionamento estratégico que expusemos, a base aérea terminal de todas as carreiras entre a Europa e a América;
O equipamento das infra-estruturas aéreas, por mais barato que seja feito, implica o consumo de muitos milhares de contos;
A aviação continua a ser a arma mais potente das batalhas modernas;

Página 107

15 DE DEZEMBRO DE 1953 107

Os aviões compram-se, mas os especialistas, os técnicos e o pessoal não se improvisam, do mesmo modo que o equipamento e as infra-estruturas não aparecem por varinha mágica de fada.

A segurança do País implica despesas militares, apreciáveis, é certo, para os nossos modestíssimos recursos, mas indispensáveis à segurança e ao prestígio da Pátria.

Vozes : - Muito bem !

O Orador: - Não as compreender e. não as sentir é fazer o jogo dos interesses alheios, com desprezo dos nossos impérios.
Se há quem maltrate a própria família e até mate os próprios filhos, não admirará também que haja alguém a quem não bata no peito o coração de português.
Srs. Deputados: vou abordar o último ponto do meu discurso: o problema dos tabacos, expresso no artigo 8º.
Não sirvo companhias, não manejo interesses e falo apenas como português e soldado.
Disse-vos há pouco da unidade estratégica no campo militar e no campo político, mostrando-vos quanto o interesse da Pátria tem de ser servido pelas alianças, tratados e compromissos internacionais.
Falar-vos-ei agora da unidade estratégica no campo económico.
A unidade das pátrias estabelece-se não só pela comunidade de língua, de costumes, de religião, de sentimentos e de tradição histórica, mas, também, e muito, pela comunhão de interesses, isto é, pela sua unidade económica.
A frança feudal, dividida por portagens e alfândegas internas, só encontra, a unidade perfeita, no Código de Napoleão, pela unidade das leis e a destruição das barreiras económicas interiores. O prelúdio da formação da Alemanha foi o [...], ou união económica, estabelecida sob a égide da Prússia sobre os estados pulverizados do Sacro Império Romano. Foi essa união económica que permitiu a estratégia de Bismark após 1870, na consecução da unidade política para a formação de um grande estado.
De tal modo a abolição das barreiras alfandegárias internas é elemento necessário para a unidade económica da Pátria. Este princípio, de resto, está estudado, consignado e reconhecido na nossa própria Constituição.
È preciso, porém, marchar para de progressivamente, até destruir as barreiras que nos separam dentro dos nossos territórios.
Pensarão aflitos os nossos contabilistas que a diminuição de receitas públicas será apreciável. Mas o fomento económico e industrial que daí se gera trará novas receitas, e bem mais vultosas, para as finanças nacionais.
A história da política económica inglesa nos séculos passados, penso, será lição de meditar neste campo, em contraposição ao proteccionismo restrito da França, que a conduziu ao desequilíbrio económico terrível porque passou no século XVIII e consequentes cataclismos políticos que daí surgiram.
Se o artigo 8.º é o primórdio das ideias que expende, julgo de saudar tal medida como caminho progressivo para um fim que se impõe. Se se trata apenas de uma medida de protecção restrita, com vistas a beneficiar uma exclusiva cultura ou um limitado campo económico, pode ser medida não só interessante como útil, mas não corresponde a ideias de unidade económica, pelas quais julgo de meu dever bater-me como bom português.
Podem parecer extemporâneas, e até aparentemente contrárias ao interesse nacional imediato, as ideias que expendo, mas vejo o problema no conjunto da política nacional e a prazo largo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Portugal tem tido uma segura política financeira, que lhe permite encarar agora e de futuro uma necessária política económica. A nossa extensão territorial sobre quatro continentes, as nossas produções o as nossas riquezas naturais exigem essa política económica de que o nosso Plano de Fomento constitui! os primórdios, mas julgo necessário seguir em todos os campos a mesma directriz estratégica:

Unidade política de todos os território;
Unidade militar de todas as forças armadas;
Unidade económica de todas as fontes de riqueza e de produção.

A unidade política de todos os territórios está assentida nossa Constituição, no título VII «Do ultramar português». outrora chamado Acto Colonial.
A prova da unidade política está nos representantes de todo o Portugal presentes nesta Assembleia e vive no espírito patriótico de todos os Portugueses de todo o Mundo.

A unidade militar de todas as forças armadas ainda não foi plenamente realizada, mas procura marchar-se nesse sentido, e a inclusão da Direcção Militar do Ultramar no Ministério do Exército, enquanto se não faz no Secretariado da Defesa Nacional, é a prova da tendência que existo e que há que completar aberta e totalmente.
Quanto à unidade económica, deixo aos especialistas a sua preocupação, mas assinalo-a como elemento indispensável à forca estratégica da pátria portuguesa.

Vozes : - Muito bem !

O Orador: - Meus senhores: as minhas considerações foram feitas com paixão, com a própria paixão que vos vai na alma. com a paixão de portugueses que vos alumia os corações.
Portugal reergueu-se, despertado pela inteligência e valor de um Homem que a ele se dedicou, mas outras gerações se sucedem e há que continuar a obra feita, analisá-la e estudá-la, criticá-la mesmo, para assinalar sempre a divisa «Mais e melhor» que vive nos corações puros dos nobres portugueses.
Amar a Pátria, fazer justiça e contribuir no possível para erguer mais alto o bem-estar do nosso povo e o nome e o prestígio de Portugal .... tais são as vossas e as minhas intenções.
Sr. Presidente: termino como comecei. Acima de nós está a figura augusta e majestosa da Pátria, símbolo vivo da nossa história e das nossas tradições. Deus seja louvado se a pudermos servir com dignidade, com justiça e com isenção.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanha, haverá duas sessões - uma da parte da manhã, que começará às 10 horas e 30 minutos, e a da tarde, que terá inicio à hora regimental.
A ordem do dia para a sessão da manhã é a continuação deste debate na generalidade. De tarde haverá debate na generalidade e na especialidade.
Está encerrada, sessão.

Eram 18 horas e 45 minutos

Página 108

108 DIÁRIO DAS SESSÕES N." 8

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto Pacheco Jorge.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Calheiros Lopes.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça,
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
João Afonso Cid dos Santos.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Jorge Botelho Moniz.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Paulo Cancela de Abreu.
Sebastião Garcia Ramires.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Cruz.
Antão Santos da Cunha.
António de Almeida.
António Cortês Lobão.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Eduardo Pereira Viana.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Miguel Rodrigues Bastos.
Rui de Andrade.
Urgel Abílio Horta.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

Propostas, relativas à Lei de Meios, enviadas para a Mesa decorrer da sessão de hoje:

Proposta de alteração ao artigo 3.º
Alínea a) - Propomos que sejam eliminadas as palavras: «em qualquer altura do ano».

Sala das Sessões, 14 de Dezembro de 1953. - Pela Comissão de Finanças, Mendes do Amaral.-Pela Comissão de Economia, Melo Machado.

Proposta de alteração ao artigo 23."

Propomos que no corpo do artigo seja modificada como segue a ordem das alíneas:

a) Abastecimento de água, electrificação e saneamento ;
b} Estradas e caminhos;
c) Construções para fins assistenciais ou para instalações de serviços;
d) Melhorias agrícolas, designadamente obras de rega, defesa ribeirinha e erxugo;
e) Povoamento florestal.
e que no [...] único se suprima a palavra «financiamentos».

Sala das Sessões, 14 de Dezembro de 1953. - Pela Comissão de Finanças, Mendes do Amaral.-Pela Comissão de Economia, Melo Machado.

IMPRENSA NACIONAL DG LISBOA

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×